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ciclos & sériEs: conTExTos E concEiTos na discussão das práTicas curricularEs E avaliaTivas

Andréa Rosana Fetzner1

Este ensaio apresenta algumas reflexões realizadas por ocasião do II Seminário Impacto das políticas de avaliação externa nos sistemas municipais de ensino: ensino desseriado e avaliação da aprendizagem, promovido em maio de 2013, na Universidade Federal de Juiz de Fora, pelo Grupo de Estudo em Sistema de Ensino – GESE. Na ocasião tive a oportunidade de assistir a um significativo levantamento de dados de dez municípios da Baixada Fluminense, que se preocupava em verificar como as secretarias de educação estavam (ou não) relacionando-se com as políticas nacionais implementadas no campo da avaliação. O GESE apresentou o histórico dos ciclos, os documentos orientadores encontrados, as propostas de avaliação da aprendizagem em cada um dos municípios (Duque de Caxias; Guapimirim; Nilópolis; Mesquita; Niterói; Nova Iguaçu; São Gonçalo; Queimados; São João do Meriti e Rio de Janeiro) e dados sobre as políticas do MEC nestes contextos: formação de professores; Plano de Desenvolvimento da Escola – PDE e desempenho nas provas externas. Este ensaio propõe-se a discutir as políticas e práticas encontradas, questionando o que entendemos por organização escolar em ciclos e como temos utilizado as políticas nacionais implementadas no campo da educação, considerando as necessidades de democratização da escola e do conhecimento escolar.Palavras-chave: Ciclos; Políticas educacionais; Avaliação; Currículo.

Resumo

1 Prof. Programa de Pós-graduação - UNIRIO. E-mail: [email protected]

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dEfinindo um concEiTo dE Educação Escolar

Existem pessoas reais que estão a ser ajudadas e prejudica-das dentro destes edifícios. Pensamento positivo e não confrontar aquilo que poderão ser os efeitos mais poderosos do sistema educativo não eliminarão este fato.Apple, 1999.

Para apresentação deste ensaio, considero importante definir alguns conceitos que embasam minha posição em relação ao currículo e à avaliação escolar. O primeiro deles, abrangente e fundamental: o que defino como educação escolar. O trabalho que tenho desenvolvido, por meio do auxílio de diversos estudos, especialmente das áreas de currículo e de políticas educacionais, parte do princípio que os sentidos da escola seriam: a oportunidade da vivência de experiências formativas sociais fora das orientações restritas da família e que contribuem com a formação de uma sociedade mais plural, em que convivência com diferentes culturas e percepções de mundo seja exercitada (conhecimento de outras formas de comportamento social quanto à religiosidade, por exemplo); o reforço da inserção na cultura geral de sua nação (língua, costumes, história, entre outros) e, ainda, formação intelectual nas artes, nas línguas, na história e em diferentes campos de saber (matemática, entre estes) que possibilite ao sujeito o exercício de suas potencialidades e o desenvolvimento (mais pleno possível) de sua pessoa.

Enfim, o sentido da educação escolar estaria em cola bo rar com o desenvolvimento de experiências sociais e apren dizagens que nos possibilitariam um saber diferente do qual a nossa própria família já tem disponível, que nos orientasse em relação a um sentido de pertencimento a uma sociedade e, também, em direção ao desenvolvimento de nossas próprias potencialidades. O verbo colaborar torna-se importante aqui porque é necessário compreender o papel da escola como complementar a um processo de educação e socialização que ocorre na sociedade desde o nascimento da pessoa.

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Embora estes sentidos sejam ampla men te proble mati-záveis, especialmente se confrontados com os movimentos de exclusão e humilhação gerados e/ou reproduzidos na escola (negação de culturas específicas em seus aspectos linguísticos, corporais ou artísticos, por exemplo) é impor-tante situar de qual perspectiva política e pedagógica analiso a escola, pois é com esta percepção que tenho abordado o currículo e a avaliação escolar.

A escola, no sentido que a percebo, no lugar de definir as pessoas que pretende formar, abriria, a estas pessoas, possibilidades de formarem-se frente à sociedade de que par-ticipam, à família, e aos seus desejos individuais. O problema que mobiliza este ensaio, e minha participação no II Semi-nário do GESE, pode ser resumido na percepção de uma redução da escola, no que se refere aos sentidos anteriormente apresentados. Esta redução da escola parece ser operada por um conjunto de políticas educacionais, denunciadas há mais de vinte anos, que atuam na perspectiva do engessamento curricular, por meio das tentativas de subordinação da escola à preparação dos alunos para assimilação de conteúdos escolares desligados de sentido social, cultural ou estético significativo.

As classes populares parecem ter, sistematicamente, suas linguagens, comportamentos e práticas negadas na es cola e, muitas vezes, valores sociais de solidariedade, participação e bem viver menosprezados.

O texto aqui apresentado busca trazer a discussão sobre como as políticas de avaliação externa podem contribuir com o engessamento curricular e a consequente redução da escola. Para não deter-me apenas na denúncia das práticas que reduzem o sentido da escola, também trago algumas reflexões sobre o que seriam práticas de avaliação dialogadas. As pesquisas das quais tenho participado e que contribuem com o trabalho desenvolvido são financiadas pela FAPERJ, e desenvolvem-se em colaboração, em especial, dos professores Antonio Flavio Moreira e seu grupo de pesquisa (UCP), Maria Teresa Esteban (UFF/GRUPALFA) e Claudia Fernandes, juntamente ao grupo de pesquisa que coordenamos (GEPAC/UNIRIO).

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o currículo E as avaliaçõEs nacionais

Apple (2008) argumenta que “por trás das justificativas educacionais para um currículo e um sistema de avaliação nacionais, está uma perigosíssima investida ideológica. Seus efeitos serão verdadeiramente perniciosos àqueles que já têm quase tudo a perder nesta sociedade.” (p.62). Para entender estas consequências perniciosas, o autor indica a necessidade de percebermos estas políticas dentro de um conjunto de ações propostas pelo que ele chama de restauração conservadora.

O principal argumento para a adoção de um currículo nacional foi (em nações como Inglaterra e Estados Unidos, por exemplo) a ideia de que esta ação poderia elevar o nível das escolas e responsabilizá-las sobre o sucesso ou o fracasso de seus alunos. O mesmo movimento por uma restauração conservadora aparece em redes municipais e/ou estaduais de educação no Brasil e, parece-me, exige uma reflexão profunda.

Com relativa frequência, mídias e governos se voltam contra a escola, como se fosse ela a responsável pelo (suposto) desgoverno em que vivemos e pela desesperança geral na possibilidade de melhoria das relações sociais e, entre estas, das relações de produção.

Pouco se aponta sobre esta falta de sentido dos saberes propostos na escola, evidenciados frente ao mundo contemporâneo e sobre estas fragilidades, mas muito se indica sobre a falta de produtividade e a necessidade de competição como forma de superação da própria condição. No que se refere às escolas, a solução apontada, muitas vezes em uníssono entre mídia, governos e determinados grupos sociais, dirige-se a ações de regulação sobre a escola (choque de gestão, choque de ordem, programas de qualidade, ou similares), que tentam enquadrá-la numa lógica de fun-cionamento empresarial que não corresponde, por suas finalidades antes expressas, a um funcionamento possível (ou que favoreça) o alcance de seus fins.

Se a empresa funciona (dentro de seus parâmetros do que seja funcionar), com base na competitividade, por exem plo, a escola não pode (ou não deveria) tomar este

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princípio porque, na sua razão de ser, encontra-se o princípio e a necessidade social de que ela trabalhe com e para todos. É o sentido de trabalhar com e para todos que dá a escola a necessidade de acolher a todos, e, quantos mais ela acolha (especialmente os considerados mais difíceis, não adequados ou não necessários ao mercado), mais ela desempenha sua função social.

Quando pensamos em uma escola em que os pais acom-panham o desenvolvimento de seus filhos, em que as crianças têm condições razoáveis de sobrevivência (alimentação, acompanhamento, mediação familiar), podemos imaginar que o ensino, embora sempre apresente suas dificuldades, se dê em condições que possam ser consideradas favoráveis. Agora, quando trabalhamos com escolas que acolhem crianças que são as mais excluídas de direitos sociais, culturais e econômicos, percebemos o quanto é mais difícil o acolhimento a ser praticado pela escola e, ao mesmo tempo, o quanto mais importante ele se torna, se entendermos o direito à escolarização como importante.

As escolas que trabalham com comunidades extre-mamente prejudicadas pela forma como a sociedade e as empresas se organizam em torno da produção, são as mais desafiadas pelo trabalho de acolhimento e precisam estabelecer (e estabelecem) o trabalho possível de ser rea-lizado. É difícil imaginar o que seriam critérios ou índices de produtividade, possíveis de medir o esforço e a dedicação no acolhimento e na promoção da aprendizagem realizadas por estas escolas.

Mesmo que consideremos apenas o desenvolvimento cognitivo em disciplinas específicas (como fazem muitas redes de ensino), precisamos observar que muitos estudos cur riculares têm apontado que aquilo que é ensinado nas es-colas não é isento de parcialidade epistemológica, ou seja, o que tomamos como verdade, aquilo que valorizamos como conhecimentos do currículo e ensinamos como ciência na escola, são verdades parciais, contextualizadas em um deter-minado tempo e espaço (mas que não são ensinadas com esta perspectiva de relativização), referenciadas em determinadas

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epistemologias, isto é, a determinadas formas de saber, de produzir o conhecimento e de tomá-lo como verdadeiro.

A ideia de tomar uma forma de conhecer como a única forma de conhecer pode ser observada na matemática, por exemplo, quando acreditamos que ensinar a somar é mais fácil do que ensinar a dividir (e se consideramos algumas epistemologias indígenas isto não será válido). Da mesma forma, conteúdos ensinados sobre a história e a geografia da África, reduzem e tomam, muitas vezes como universais, valores, práticas e conhecimentos específicos.

Outra questão, no que se refere à pretensão de um cur rículo nacional, está imersa na imensa possibilidade de temáticas relevantes e necessárias a grupos diversos, visivelmente percebidos quando pensamos a grandiosidade geográfica e cultural do Brasil, mas não menos presentes em países de pequena extensão territorial, como Portugal, por exemplo.

Além da diversidade epistemológica, existem neces-sidades muito diferentes entre os grupos sociais: a neces-sidade de estudar sobre a falta de água, em uma região como Paraupebas, no Pará, pode ser prioritária, enquanto que, no Rio de Janeiro, os estudos sobre doenças parasitárias podem ser emergentes. O que dirá qual o tema ou a questão pro blema emergente, em quaisquer das realidades, serão as necessidades cotidianas, as relações percebidas e os saberes disponíveis entre professoras e professores e estudantes.

Estudar sobre algo relevante para si e para sua comu-nidade, apreendê-lo em seu sentido histórico, localizado geograficamente, parece ser um dos sentidos da escola, e que não cabe (no desenvolvimento pleno dos sentidos da escola), nos planejamentos curriculares restritos, descritivos e fechados.

Conforme anunciava Apple, desde os anos 80, os inte-resses por um currículo único nacional, pouco se associam à ideia de melhoria das oportunidades de vida das pessoas, e muito se empenham “em prover as condições educacionais tidas como necessárias para não só aumentar a competitividade internacional, o lucro e a disciplina, mas também para resgatar

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um passado romantizado de lar, de família e de escola ideais” (2008, p. 68)

O conhecimento oficial é, sempre, um espaço de con-flito: discutir currículo implica em perceber cultura e poder em disputa, conceitos e relações de classe, de raça, de gênero e de religião implicados nestas disputas (Apple, 1997). Imprescindível, parece-me, é reconhecer o quanto o currículo é uma questão de opção, de poder e de cultura: “[...] a decisão de definir alguns conhecimentos de grupos como válidos para serem transmitidos às gerações futuras, enquanto que a história e a cultura de outros grupos dificilmente vêem a luz do dia, revela o modo como o poder opera na sociedade” (Apple, 1999, p. 9)

Analisando a reforma curricular na Grã-Bretanha, Goodson (2008) aponta que os resultados de uma política de Cur rículo Nacional gerou de um lado, que um número maior de crianças obtivesse resultados melhores na escala avaliativa, mas, do outro lado da mesma escala percebeu-se:

“[...] uma onda crescente de insatisfação e reprovações na medida em que as estruturas de avaliação são mais estreitas. Aqueles que não têm sucesso em um regime de padrões de qualidade são cada vez mais visivelmente estigmatizados e marginalizados. Os números da evasão escolar e da baixa frequência formam um quadro que claramente mostra a decadência de uma busca precipitada de mercadização e de reformas altamente reguladas do currículo e da avaliação.” (p. 25)

Outra face de uma mesma reforma são as avaliações padronizadas. O argumento por um currículo nacional torna-se prática escolar por meio destas avaliações. E, quanto mais ava liação padronizada se pratica, mais o currículo escolar parece ser unificado, e o sentido da escola reduzido.

No Brasil, o que temos observado em diferentes pesquisas é a produção do fracasso escolar pela própria escola. Crianças que resolvem problemas cotidianos complexos, que lidam constantemente com situações de stress, tanto na comunidade em que vivem quanto na escola, e que aprendem muito rápido o que lhes ensinam oralmente na família e na

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escola, por apresentarem dificuldades em responder ao que lhes pedem as avaliações padronizadas, são rotuladas de incompetentes para o estudo escolar (Patto, 1999; Moysés, 2001; Esteban, 2002; Tura, 2000).

É neste sentido que tenho percebido a avalanche de avaliações externas reduzindo o papel da escola e con-tribuindo para o engessamento curricular. No exemplo a seguir, podemos verificar como a simples correção da resposta não contribui com a aprendizagem de determinado conteúdo escolar.

Leandro2 é um dos meninos que foi acompanhado por um grupo de estagiárias de Pedagogia, em uma escola municipal de uma das maiores redes públicas de ensino da América Latina. Com 9 anos, Leandro participou, durante o ano de 2009, de uma oficina, com duas horas semanais de duração, oferecida em sua escola, por estagiárias da Uni versidade. A proposta das oficinas foi oferecer um trabalho diferenciado aos estudantes que, indicados por suas professoras, precisariam de um atendimento específico pa-ra progredirem nos estudos. Ele frequentava regularmente uma turma de terceiro ano do ensino fundamental e já tinha sido reprovado uma vez na escola. Além de uma prova do 3º bimestre, do terceiro ano de escolaridade, que foi elaborada na Secretaria Municipal de Educação da cidade e aplicada a to dos os alunos do terceiro ano da rede (avaliação externa, da rede municipal), possuo oito trabalhos realizados por ele nas oficinas3.

Na prova realizada em outubro de 2009, Leandro acertou apenas quatro questões de vinte e cinco. Duas questões foram respondidas corretamente em português e duas questões em matemática. Nos trabalhos diversificados, apresentados na forma escrita, realizados nas oficinas, o mesmo menino demonstrou ser capaz de desenhar a si mesmo; listar suas

2 Apenas o nome do aluno é fictício.3 Os trabalhos e os relatórios de estágio foram cedidos para a pesquisa

“Conhecimento escolar: processos de inclusão e exclusão, movimentos curriculares e práticas avaliativas da escola de ensino fundamental” (2009-2011), coordenada por mim na UNIRIO/RJ.

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características e as características de um colega (com troca de letras e necessidade de sistematização das chamadas dificuldades ortográficas); listar produtos recortados de um encarte de supermercado; distinguir diferenças entre o mundo que temos e o mundo que queremos; identificar o tempo de decomposição de materiais como papel, pano, chiclete, latas e vidro; distinguir lixo orgânico de lixo inorgânico; selecionar materiais de acordo com as categorias vidros, plásticos, metais, papéis e restos de alimento; avaliar atitudes positivas e negativas na relação com o ambiente.

Nos trabalhos realizados na oficina, é possível perceber que Leandro ainda apresenta muito a aprender na sistematização da escrita, e dificuldades com cálculos, mas, o que se pode concluir da observação das atividades realizadas nas oficinas, é que o aluno sabe muitas coisas e não apresenta dificuldade de entendimento dos conteúdos estudados. Todavia, nas provas padronizadas, seu resultado é muito ruim (quatro questões certas, em vinte e cinco das propostas).

Analisando a prova aplicada a todos os alunos de seu ano de escolaridade, na rede de ensino em que estuda (no 3º bimestre de 2009), percebe-se um conjunto de atividades que são apresentadas buscando informação sobre a capacidade do aluno de perceber um horário em um relógio com ponteiros; identificar qual o menor número em uma série de números entre 138 e 831; resolver um problema que envolve multiplicação; contar moedas e representar o resultado em cédulas de dinheiro; interpretar um gráfico; operar com frações; identificar o número ausente em uma lacuna numérica; identificar a centena em um numeral; subtrair com empréstimo; resolver problemas utilizando adição com transporte.

Na segunda parte da referida prova, em língua por-tuguesa, as questões propunham interpretação de diver-sos textos pequenos, de diferentes categorias textuais; interpretação de legendas em um calendário e interpretação de desenhos. As atividades propostas, tanto em matemática quanto em língua portuguesa, são exercícios a serem

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realizados de forma independente das operações e usos individuais (Certau, 2008) que os leitores possam fazer dos textos e problemas e sem a consideração das ligações e trajetórias variáveis dos praticantes (idem) em relação aos textos e contextos propostos.

Transcrevo, a seguir, duas questões que Leandro não conseguiu acertar (entre tantas outras) na prova do 3º bimestre:

Marli comprou 5 sacos de bombons. Cada saco tem 6 bombons. Quantos bombons ela comprou ao todo?11.25.30.35.(Prova do 3º bimestre, período final do ciclo, 2009, questão 3)

Um GRANDE encontro!Há 17 anos, o mergulhador Marco Queral se dedica à fotografia submarina.Marcos teve um encontro impressionante com uma baleia Jubarte, a 15 metros de profundidade, no Oceano Pacífico!Conversando com um jornalista, Marcos declarou: – Na minha opinião, elas (as baleias) decidem se eu posso tirar fotos delas ou não, porque, geralmente, as baleias são tímidas e cautelosas com os seres humanos.Fonte: http://robertoff.sites.uol.com.br/baleia.gifO trecho que indica uma opinião é“... elas (as baleias) decidem se eu posso tirar fotos delas ou não”.“... o mergulhador Marcos Queral se dedica à fotografia submarina”.“Conversando com um jornalista, Marcos declarou: ...”“Marcos teve um encontro impressionante...”(idem, questão 15)

Na questão 3, Leandro marcou a alternativa “A”, quando deveria ter marcado a alternativa “C”, na questão 15, marcou a alternativa “D”, quando deveria ter marcado a opção “A”.

Observando a alternativa “A” da questão 3, é possível que Leandro tenha somado os dois números citados no problema, concluindo que cinco mais seis são onze. Mas só o que nos poderia dizer se ele fez este raciocínio, é se

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ele pudesse explicar qual lógica seguiu e se leu o problema todo (é possível que não, uma vez que ele apresenta muitos erros na escrita, poderia ter dificuldades de leitura e, por consequência, resistência à leitura). Assim como é possível que nenhuma destas possibilidades que levantei estejam corretas. Um dos problemas que se acrescem aos anteriores quando pretendemos discutir a utilidade das avaliações padronizadas, aplicadas massivamente, é que estas avaliações, muitas vezes, não viabilizam que a professora reconheça o raciocínio que o estudante realiza na solução do proble ma e, portanto, não oportunizam que ela identifique qual é a me diação necessária para que ele avance do lugar em que se encontra. São avaliações que, além de excluir saberes, humilhar pessoas, promover uma avaliação equivocada da qualidade social do trabalho desenvolvido pelas esco-las, congelam o saber no lugar onde ele é flagrado, fora do movimento do ato de conhecer.

A questão 15 apresenta, também, características que pouco dizem sobre os saberes e as capacidades de com-preender de Leandro: se ele leu todo o texto (o que não temos como saber), pode ser que ele tenha interpretado que a frase “Marcos teve um encontro impressionante...” seja a opinião de quem escreveu o texto, ou mesmo que o título “Um GRANDE encontro” indique que a opinião do autor é de que este grande encontro foi impressionante, embora a resposta explícita no texto seja o que vem escrito depois de “– Na minha opinião, ...” (alternativa “A”).

Retomando, mais uma vez, as contribuições de Apple (1999), existe a necessidade de que, em reconhecendo-se o caráter ideológico, epistemologicamente parcial do currículo escolar, promovamos a denúncia das políticas, estratégias e táticas que são cerceadoras do processo democrático no qual “todas as pessoas – não apenas as que são os guardiões intelectuais da tradição ocidental – se podem envolver no processo deliberativo sobre aquilo que é importante.” (grifo do autor, p. 15)

No caso aqui relatado, a política pública (proposta) de avaliar para promover a qualidade, oculta a parcialidade da avaliação e o conceito de qualidade a que está filiada a

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política. Práticas avaliativas são necessárias e imprescindíveis, nos sa discussão está na prática avaliativa que, por meio de uma padronização, nega saberes, rotula e classifica pes soas e, ainda, cria resistências ao processo de aprendizagem em desen volvimento. A qualidade da educação, em nosso pon to de vista, não pode abrir mão da participação dos envolvidos na elaboração e no acompanhamento do processo e, também, do diálogo com seus saberes e cultura.

Ainda conforme Apple (1999), este processo demo-crático precisa da criação das condições necessárias para que todas as pessoas participem na criação e recriação de sig-nificados e valores com os quais a escola trabalha. Não seria por meio da classificação das melhores e das piores escolas que estas condições necessárias seriam criadas.

O processo democrático é um saber imprescindível para qualificação da vida, das relações das pessoas entre si e com o ambiente. Este processo democrático de diálogo com outros conhecimentos e formas de aprender, bem como a construção coletiva de objetivos e estratégias para alcan ce dos mesmos, estão sufocados pela padronização e descontextualização que as avaliações padronizadas impõem.

Duas ideias complementares têm contribuído na possibilidade de pensarmos outra sociedade possível: o bem viver e o bem estar coletivo. O bem viver pode ser com-preendido como uma filosofia que enfatiza as relações equi-libradas, harmônicas, equitativas e solidárias entre humanos e com a natureza (entendendo-se que os humanos fazem parte da natureza); a dignidade de cada ser humano e a necessária interrelação entre seres, saberes, culturas, racionalidades e lógicas de pensar, atuar e viver (Walsh, 2009).

O bem estar coletivo implica em estar bem consigo mesmo e com tudo o mais: a família, a comunidade, a socie-dade, os ancestrais, a natureza, enfatizando a promoção da humanidade e pensando o desenvolvimento em consideração da humanidade e do planeta, e apontando, como valores, a com-plementaridade, a relacionalidade e a unidade na diver sidade, a autodeterminação, a solidariedade e a conexão fundamental entre sociedade e natureza (idem).

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Práticas curriculares dinâmicas e críticas, representadas em algumas experiências que trabalham com a organização do ensino por meio de problemas, temas geradores ou com plexos temáticos, por exemplo, costumam priorizar a rea lidade como articuladora dos estudos, a pesquisa como meto dologia e as avaliações participativas como forma de acompanhamento dos processos de aprendizagem e de educação escolar.

As práticas de avaliação dialogadas, que incluem o diálogo desde a busca dos conteúdos do ensino (Freire, 1975), são incompatíveis com o ranking de escolas e impra-ticáveis quando a intenção é subordinar pessoas e seus saberes. O que tenho encontrado, no trabalho e na pesquisa com as escolas de ensino fundamental, é que casos como de Leandro são muitos e estão cotidianamente a nos desafiar. Como podemos dizer que ele é um analfabeto funcional, ou uma criança que não aprende na escola, quando ele demonstra saber tanto e sobre tantas coisas? E como uma política pública têm se alastrado pelas redes de ensino, autorizando-se a dizer que eles (Leandro, e tantos outros) não aprendem e que sua escola não lhes ensina?

Se o sentido da educação escolar for entendido como colaboração para que nossas experiências e aprendizagens sejam reconhecidas, valorizadas, ampliadas e aprofundadas, assim como a potencialização de nosso pleno desenvolvimento e bem viver coletivo, precisamos repensar e denunciar, mais uma vez, estas práticas e estas políticas que nos submetem a modelos que vêem a aprendizagem como uma apreensão reduzida de informações.

Se considerarmos valores fundamentais a solidariedade, a participação e bem viver, a escola parece ter um papel importante na reflexão sobre os critérios de avaliação e suas metodologias, e sobre as intencionalidades curriculares de homogeneização e padronização. Na diversidade, na pluralidade, no fazer coletivo e na priorização da vida sobre o mercado, estejam, talvez, algumas pistas para vivermos melhor.

A escola tem se posicionado quanto a sua função social, em seus projetos político-pedagógicos e em muitos discursos docentes, como uma instituição voltada para a

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vivência da cidadania, da participação e do pensamento crítico. Precisamos refletir sobre como ela tem agido em relação a estas políticas implementadas sobre o seu cotidiano, geralmente acompanhadas de um determinado discurso de qualidade da educação, que se afirma de valores de mercado e que gera, conforme algumas das pesquisas que nos apoiamos neste trabalho, exclusão e distanciamento entre os incluídos em determinada forma de pensar e fazer e os excluídos das formas consideradas legítimas.

divErsidadEs nos concEiTos dE ciclos

O conjunto de propostas de organização em ciclos apre sentadas no II Seminário do GESE possibilitaram perceber a diversidade dos conceitos de ciclos, ou talvez, um pos sível desconhecimento, no momento das implementações da política em diferentes municípios, das diferenças entre ciclos, séries e promoção continuada.

Entendo como organização seriada da escola o conjunto de conteúdos que, previstos para serem assimilados em um ano letivo, constituem a diferença entre os anos esco lares e, assim, estruturam as turmas na escola. Ou seja, o que faz a primeira série ser diferente da segunda, e assim su cessivamente, são os conteúdos que compõem as séries. O que faz uma criança estar na segunda série e não na primeira são os conteúdos que ela supostamente adquiriu.

Uma forma não seriada de organização da escola pode ser o agrupamento dos estudantes por projetos de tra balho. Uma enturmação escolar que não se baseia nos con teúdos anteriores adquiridos e também não se organiza com base na idade dos estudantes, mas nos seus interesses, fren te ao que a escola oferece como opção curricular. É o caso do Instituto Lumiar, por exemplo, apresentado no Livro Escolas sem sala de aula (Semler; Dimenstein e Costa, 2004), pelo seu idealizador, o empresário Ricardo Semler. No Instituto, as crianças participam das atividades que escolhem, em agrupamentos não etários, de acordo com os projetos propostos pelos professores. As escolas que agrupam as

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crianças por projetos não seguem um roteiro de conteúdos, previamente estabelecido, a ser adquirido em um ano letivo.

Outra forma não seriada de agrupamento escolar é representada pela organização em ciclos de formação. Resumidamente, esta forma de agrupamento escolar prioriza o agrupamento etário. Seus argumentos recorrem a Vygotski (1996) e a Wallon (1995), por exemplo, e defendem que a enturmação por idade é mais eficaz para promoção da aprendizagem. Entre os motivos da sua eficácia estaria o fato de que é importante a convivência, em uma mesma sala de aula, de crianças com saberes diferentes, pois é no trabalho coletivo (na diversidade de saberes) que aprendemos o que não sabemos; é importante considerar que uma criança de sete anos e um adolescente de quatorze anos, mesmo que os dois não saibam ainda ler ou escrever, precisam conviver com pares em idade aproximada para que possam se constituir como pessoas, com suas diferenças e semelhanças, seus conflitos e sua forma particular de ver o mundo. Da mesma forma, a escola, ao propor seu trabalho, precisa considerar que estas duas pessoas precisam chegar em lugares diferentes da aprendizagem ao apresentarem um contexto de idade diferente. A motivação, o apoio, a problematização a serem oportunizadas pela escola aos seus estudantes implica em reconhecer aspectos sociais, cognitivos e afetivos de sua idade4.

Os ciclos podem ser entendidos como formas não seriadas de organização da escola, mas algumas políticas educacionais os tratam como um misto entre agrupamento etário e conteúdos a serem adquiridos. Talvez aqui comece um dos questionamentos à proposta. Os ciclos de alfabetização, na década de 80, após a ditadura militar no Brasil, baseados nos estudos que tencionavam as escolas a compreenderem a leitura e a escrita como um processo de construção que não volta atrás, problematizavam as reprovações que entendiam a alfabetização como processo linear que, não tendo ocorrido em um determinado tempo, precisaria ser repetido (também de forma linear). Esta premissa, de que a reprovação durante

4 Ver KRUG (2001).

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o processo de alfabetização seria desnecessária, fez com que o período, tal qual o nome se refere, fosse entendido como um tempo de alfabetização na escola e não como um tempo de infância em processos de alfabetização. Este entendimento talvez tenha sido a base da associação dos ciclos a um determinado processo (ou conteúdos) que devem ser desenvolvidos ou assimilados em determinado período.

Os ciclos de aprendizagem, citados nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs de 1996, também faziam tal associação: as antigas séries anuais passaram a ser chamadas de ciclos e ter a duração de dois anos. Em que pese a reforma curricular implementada pelos PCNs, a ideia de que organizar a escola em ciclos era indicar um conjunto de conteúdos a ser desenvolvido a cada dois anos.

Os ciclos de formação, conceito adotado pela Escola Cidadã em Porto Alegre, em 1995, eram definidos com base na ideia de que todas as crianças precisariam entrar na escola e nela aprender durante os nove anos da escolarização fundamental, em agrupamentos com seus pares em idade aproximada, e tendo o currículo construído por meio da pesquisa na comunidade, considerando-se assim, os problemas sociais e as especificidades da infância (agrupamentos de crianças entre 6 e 8 anos); da pré-adolescência (entre 9 e 11 anos) e da adolescência (entre 12 e 14 anos).

Para que os ciclos fossem a forma de agrupamento escolar de fato adotada, seriam necessários: o planejamento coletivo na escola, e entre os professores que trabalham com cada ciclo; a organização dos tempos escolares de forma con tínua e não em períodos letivos curtos (50 ou 60 minutos de aula, por exemplo, eram substituídos por turnos de trabalho com determinado estudo); espaços de aprendizagem diferenciados voltados para dar conta das necessidades de apren dizagem dos alunos (Laboratórios de aprendizagem, salas de recursos, salas de línguas estrangeiras e artes); incen tivo das trocas de experiências entre alunos com saberes diferentes; práticas avaliativas coletivas e direcionadas para o conjunto da escola (Fetzner, 2009).

Tomando-se o conceito de ciclos de formação de Porto Alegre como referência, muitas propostas de agrupamento

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escolar em ciclos podem ser problematizadas, inclusive as que entendem que o agrupamento etário seria suficiente para dar conta das aprendizagens escolares.

uma nova onda dE EsfriamEnTo do concEiTo: as avaliaçõEs ExTErnas

Todos os municípios estudados demonstram que as avaliações externas os afetam, ou são levados a considerar os resultados nos exames como indicador da qualidade da escola. A implementação dos exames tem sido uma política promovida por meio do Programme for International Student Assessment – PISA (Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes), proposto pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, e que provocam uma onda de exames tomados como preparadores para desempenhos melhores. O grau de adesão à política de exames parece variado entre os municípios estudados: desde políticas monetárias de incentivo a melhores resultados nos testes (grau alto de adesão), até a minimização dos resultados, sem discussão ou crítica (grau baixo de adesão).

Do ponto de vista da implementação dos ciclos, o fato da reprovação escolar ser permitida de forma restrita a deter-minados anos de escolaridade, tem influenciado para que o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB fique maior, mesmo que o rendimento, avaliado por meio dos testes padronizados para toda uma rede de ensino, não tenha apresentado avanço significativo.

A questão colocada na discussão do seminário versou sobre o impacto que as avaliações externas podem ter nas prá ticas escolares conservadoras. A sucessiva preparação pa ra realização das provas (por meio de novas provas do muni cípio e do estado, além das avaliações nacionais) tem gera do superação ou reforço das práticas conservadoras? De onde vem o desejo de medir o conhecimento? Existem outras formas possíveis de pensar a escola, fora do discurso de Jomtien e do PISA? Estas questões provocam tomar como entendimento a necessidade de que a educação seja percebida

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em seus aspectos cotidianos e macro, recolocando o sentido da educação escolar.

Tomando o sentido da educação escolar como complementar a nossa inserção social e potencializadora de nosso desenvolvimento o mais pleno possível, podemos dizer que ele será sempre localizado em nossas experiências, grupos sociais e desejos individuais. Do ponto de vista do processo de aprendizagem, como consequência desta compreensão, as propostas avaliativas que pretendem medir o conhecimento por meio de testes padronizados servem para reforçar a ideia de que existem conhecimentos universais a serem aprendidos e formas únicas de demonstração/comprovação de sua aquisição, ao menos é o que se entende quanto os municípios e estados adotam a prática da avaliação do desempenho em larga escala, buscando melhorar seus índices nas provas nacionais. O desejo de medir o conhecimento é fomentado pela OCDE por meio do PISA, as avaliações nacionais intensificam os conceitos que o sustentam (produtividade, competitividade, escola como espaço para preparar para o trabalho). Pensar a escola fora dos padrões OCDE/PISA, implica em pensa-la localmente e socialmente como espaço muito mais importante do que preparar para provas.

o quE rETomar, a TíTulo dE conclusão

Neste ensaio apresentei o que considero como sentido da escola: colaborar com o desenvolvimento de experiências so ciais e aprendizagens que nos possibilitariam um saber dife rente do qual a nossa própria família já tem disponível; a inser ção em conhecimentos e práticas sociais comuns a nos sa sociedade e o desenvolvimento mais pleno possível de nossas potencialidades.

No exercício de olhar a escola e a política avaliativa a que ela está submetida, tenho percebido uma redução deste sen tido da escola, uma vez que a restauração conservadora (Apple, 2008) toma força por meio de avaliações externas padronizadas, que classificam as instituições entre as melhores e a piores e engessam as propostas curriculares.

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As políticas avaliativas que se estabelecem sobre as escolas não apenas as classificam, qualificando algumas e desqualificando outras, mas também classificam, quali-ficam e desqualificam pessoas e saberes. Precisamos de outros critérios e outros parâmetros para avaliar nosso desenvolvimento.

Minha percepção é de que muitas das escolas que hoje são desqualificadas por meio da avaliação externa realizam o trabalho escolar mais difícil, ao trabalhar com as pessoas que se encontram em condições mais cruéis de sobrevivência.

Da mesma forma, trago minhas observações sobre um dos alunos que, submetido a uma avaliação por meio de uma prova padronizada, obtém quatro acertos em vinte e cinco questões. Minhas observações sobre outros trabalhos rea-lizados pelo mesmo aluno descrevem muitos de seus saberes e problematizam o seu resultado na avaliação externa, bem como o que é considerado certo e o que é considerado errado no instrumento de avaliação e a utilidade destes resultados para sua aprendizagem.

Trazendo algumas pesquisas sobre as consequências da aplicação de testes padronizados (Apple, 1999 e 2008 e Goodson, 2008), e sobre a produção do fracasso escolar na pró pria escola (Patto, 1999; Moysés, 2001; Esteban, 2002; Tura, 2000), indico que os princípios de solidariedade, par-ticipação e bem viver (Walsh, 2009), são argumentos a serem retomados, na defesa de uma escola que faça sentido para o pleno desenvolvimento das pessoas.

rEfErências

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cyclEs and sEriEs: conTExTs and concEpTs in ThE discussion of curriculum pracTicEs EvaluaTivE

Abstract

This paper presents some reflections made on the occasion of the II Seminar Impact of policies external evaluation in municipal systems education, held in May 2013 at the Federal University of Juiz de Fora, by Study Group System Teaching - GESE. On occasion I had the opportunity to attend a significant data collection ten municipalities of the Baixada Fluminense, who cared to see how the education departments were (or not) linking up with national policies implemented in the evaluation field. The GESE presented the historical cycles, the guiding documents found, proposals for evaluation of learning in each of the municipalities (Duque de Caxias, Guapimirim, Nilópolis, Mesquita, Niterói, Nova Iguaçu, São Gonçalo, Queimados, São João de Meriti and Rio de Janeiro) and data on the policies of the MEC in these contexts: teacher training; School Development Plan - PDE and performance in external tests. This essay proposes to discuss policies and practices found, questioning what we mean by school organization in cycles and how we have used national policies implemented in the field of education, considering the needs of democratization of school and school knowledge.Keywords: Cycles; educational policies; Evaluation; Curriculum.

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