4/,rj/ 1997 Au. Soc. E?iion!oI. Brasil 26(1) 163

Efeitos de Espécies de Timbós (Derris spp.: Fabaceae) em Populações de Musca dom estica L.

José P. C. da Costa', Muracy BéI&` e José C. Barbosa

'Área Técnica de Recursos Genéticos e Biotecnologia. EMBRAPA-CPATU. Caixa postal

48, 66095-100, Belém, PA. Departarncnto de Biologia Aplicada à Agropecuária, FCAV-UNESP, 14870-000,

Jaboticabal. SP. Departamento de Ciências Exatas, FCAV-UNESP, 14870-000. Jaboticabal, SP.

'Autor correspondente.

Ao. Soc. Entomol. Brasil 26(1): 163-168 (1997)

Effects ofTimhú (Derris spp.: Fahaceae) Specics in Masca /omc's!ica L. Populations

ABS°1RACT - Tlie ctfect of the root powder of two tjmbó species (Derris urucu

and D. nicou) on Masca dmncsuca L. larvae was estirnatcd for populations of two strains ot'this Ily collected fioni two localities ofSão Paulo siate, i.e., .laho-ticabal (Jab) and Brodósqui (Bro). Analysis was performed using a logistie mo-deI. contrasting lhe values for the regression equations of lethal doses of the

two timbã spccies for hoth fiy strains. Data showed that D. urucu was more effi-

cient than 1). nicou to control the two strains. and more than twice the amouni

of T). nicou powder \'as necessary to get the sarne effect eauscd by Li. urucu.

There was specificity in the action of the timbó spccies on the fly strains. D.

urucu was more efticienl to control ofBro sirain. whilc D. nicou presentcd more

control 011 Jab strain.

KEY WORDS: Insecta, lhes, rotenone. control.

RESUMO - A partir de ensaios com dosagens crescentes, foi avaliado o efeito do pó da raiz de duas espécies de tirnbó (Derris urucu e D. nicou) sobre popu-

lações de larvas de duas linhagens de Musca domestica L., provenientes de duas localidades do Estado de São Paulo. Jaboticabal (Jab) e Brodósqui (13r0). Para obtenção das doses letais foram utilizados ajustes de regressào de acordo com o modelo logístico. D. urucu foi mais eficiente que D. nicou no controle

das duas linhagens, sendo necessário mais que o dobro da quantidade de D.

nicou para se obter os mesmos efeitos causados com D. urucu. Foi demonstrada

a existência de especificidade de ação dos timbós nas linhagens de moscas. D.

urucu foi mais eficiente no controle da linhagem Bro, enquanto que D. ,ihOII

controlou maior número de individuos da linhagem Jab.

PALAVRAS-CHAVE: insecta, moscas, rotenona, controle.

Os timbós. devido a sua toxicidade, são cia são Derris urucu e D. nicou. Lima (1987),

plantas utilizadas pelos índios da Amazônia relata que substâncias encontradas nas raízes,

nas pescarias. As espécies de maior importân- como a rotenona e os rotenóides. entre OS

164

Costa ei ai.

quais se destacam a deuuelina. tefiosina e o toxicaro!, são produtos de onde deriva a mi-portância destas plantas.

Scizundo Caniinlia Filho (1940) antes de 1946, a rotenona era utilizada como inseticida nas lavouras contra insetos (larvas de borbo-letas, coccídeos, cochoni]has e pulgões) e ectoparasitas de animais. Costa elal. (1986), relata o sucesso de D. urucu (usado como solução do pó da raiz) no controle ao piolho (HacouIlo/?iulus ti(/)eFcufauiLs) dos búfalos. A despeito do conhecimento da rotenona ser inócua a aniniaisde sangue quente (lima 1987), ela é tóxica para mamiferos ( Link 1965), sendo absorvida através da pele, porém, relativa-mente inofensiva quando utilizada adequada-mente. Estes latos enfatizam a possibilidade dessas plantas serem empregadas em fazen-(Ias no controle dc ãfuvca doou-si/co L. Desta forma, testou-se o efeito tóxico de 1). urucu e D. njcouí para larvas dessa espécie.

1iateriaI e 'Slétodos

As linhagens de moscas empregadas fo-ram coletadas com rede entomológica (confec-cionada com tecido de "organza" branco) em granjas de galinhas poedeiras, localizadas nos municipios de Rrodósqui-SP (linhagem Bro) e Jahoticabal-SP (linhagem Jab). Segundo Oh-'eira et ai. (1993), estas linhagens diferem em

relação à resistência para três tipos de inseti-cidas e no desempenho apresentado ria explo-ração dos recursos disponíveis em laboratório. apesar dc serem coletadas em localidades pró-ximas (cerca de 70 Kni de distância).

Todo procedimento posterior foi realizado dentro de cõmara climatizada (27 ± 2°(', 65-701 'o U. R. e totoperiodo de 12 horas). As mos-cas capturadas foram rnantidas neste local, para o I'ornecimento de ovos e destes foram obtidas larvas com dois dias de idade. As populações experimentais loram montadas com 300 dessas larvas, em recipientes de plástico transparen-tes (500 ml) e com meio de cultura ( 3 1,4 g de farelo de trigo. 2.4 g de fermento comercial, 1,5 9 de leite em pó integral e 60 ml de água

destilada). Na tampa do recipiente foi feita uma abertura de 3x3 ciii vedada com tecido de "organza" para permitir a aeração e evitar a saída das larvas e imagos.

As espécies de timbó 1). laia,, e li). ficou, (clones ii 52 e 498) foram coletadas respecti- vamenle nos municipios de São Paulo de Oh- vença-AM e C'alçoene-AP. As raízes dos tim-bós foram adquiridas do Banco Ativo de Cier- moplasma (BAG) da EMBR.APA-CPATLI em Belém-PA e submetidas a secagem em estufa com ventilação forçada, em temperatura de 40 ± 2 °C. Em seguida, foram trituradas sepa-radaniente em moinho tipo Willey (Tecnal ). modelo T13-340. com Liso de uma peneira de 40 mesh, para formação do pó de timbó.

Os experimentos (quatro ensaios com três repetições), foram iniciados com populações de larvas em meio de cultura, no qual a quanti-dade de farelo de trigo foi substituida propor-cionalmente pelas quantidades de pó de tiinbó acrescidas. Os dois primeiros ensaios envol-\'eram os clones de D. urucu e D. o/caiu e a linhagem ,Jah, com oito tratamentos: 0.0 (con-trole), 0.5, 1,0, 1,5, 2.0. 3.0.4.0 e 5.0 g. Os dois últimos ensaios toram realizados com os clo-nes de D. 111-11c11 e D. o/coa e a linhagem [3ro, com os tratamentos: 0,0 (controle), 0,5. 1.0, 1,5 e 2.0 g.

As avaliações do número de imagos euler-gidos foram feitas diariamente, e as análises foram realizadas ati-avés do modelo logístico (Finney 1971). o que permitiu determinar os valores das doses letais para cada linhagem de moscas (foi empregado o teste t para avaliar a significância dos parámetros a e b do mo-delo), bem como, a comparação entre as cur-vas obtidas para cada espécie de tinihó (foi empregado o teste de quiquadrado para avaliar a significância das condições dc paralelismo e coincidência das linhas de regressão), em cada linhagem de mosca.

Resultados

Os resultados mostraram que D. urucu foi mais eficiente no controle das moscas das duas

4/)r1/ 1997 Ao. Snc. Entoniol. Brasil 26(1) 1 65

linhacens, pois com o tratamento de (L7g de Bro núo ocorreram reações miegalivas aparen- pó da raiz, as populações Jab e Bro atingiram tcs no número de moscas emergidas para tal percentagem de mortalidade maior que 801,1(> dosagem. Os dados indicaram que no controle (Fig. 1). enquanto que o mesnio tratamento com das moscas houve especi flcidadc de açúo [). olmo controlou cerca de 10% da linhagem entre as espécies de f)erris e as linhagens de Jab. Nas populações de moscas da linhagem M. £/o/Iicvlica. DeSte modo, a linhagem Bro

Mel

70

a) cø

50

40

30

10

o 0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 1.2 1.4 1.6 1.8 2.0

Dose

Curvas Austadas

Linhagem Jab - Deri'is ficou & Linhagem Jab - Det'ns isu

Linhagem Bro- Derris ficou . Linhagem Bro - Denis L,'ucu

Valores Observados

Linhagem Jab - Ders nicou À Linhagem Jab - Deirris LMU

Linhagem Bro - Desrris nicou . Linhagem Bro - Dris taucu

Figura 1. Mortalidade ( %) obser adas (descontando-se a mortalidade natural e esi imadas através das equações de rcgressúo para duas linhagens de Masca donw,siu'o (.lab - jahoiicabal. SP e Bro - Brodósqui. SP) cm populações tratadas com diferentes doses do pó de timhó, í)cr,i flhifl1 e T.)c,')is tuicu

1 66 Cosia ci ai.

Tabela 1 - Equações obtidas a partir de hiocnsaios e ajListadas de acordo com o modelo logístico e dose letal (DL) do pá da raiz de duas espécies de timbó - DC17iS nicou e Derrs urucu, sobre duas linhagens de Musca domestica - Jab (Jahoticabal.SP) e Bro (Brodósqui,SP).

Espécie Linhagem

de timbó

Equação Ajustada

Li = a h log1 Di

Teste "t'

a h

DL

Derris nicou - Jab Li = - 0,5852 10,6940 Io Di 6,63** 22.3 1** 1,1343

Deiris nicou - Bro Li = - 3,0968 -f 13,7399 Iog Di 14,38** 1 ó4 1.6803

Dei-ris urucu - .lah Li 2.8200 - 10.8476 Iog1 Di 20,1 2** 20,33** ()5496

Derri.r urucu - Bro Li = 1,8392 + 2.6829 log1 Di 28,86** 10.57** 0.2063

** significativo ao nível de 11/,) de probabilidade.

foi mais sensivel que a linhagem Jab ao D. linhagem Bro (1.68 g), em relação à linhagem urucu, enquanto que os indivíduos da linha- Jab (1,13 g), enquanto que, maior quantidade (Yem Jab mostraram maior sensibilidade cio de 1). ui-ucu é necessária para obter a DL na que a linhagem Bro a D. nicou, linhagem Jab (0.55 g), em relação à linhagem

As comparações dos efeitos das espécies Bro (0,21 g) (Tabela 1). de timbós nas populações de moscas indica- Oconeram diferenças significativas entre ram que é necessária maior quantidade de D. as linhas de regressão obtidas para cada es- o/coo para se obter a DL para as moscas da pécie de timbó em cada linhagem de mosca

Tabela 2 - Valores obtidos para o teste x2 de paralelismo e coincidência para as comparações entre as equações de regressão obtidas para a taxa de mortalidade de duas linhagens de moscas (Jab - Jahoticabal,SP e Bro - Brodós(lui.SP), expostasaconcentrações crescentes (0.5: 1.0: 1,5 e 2,0 g) de pó da raiz de Dei-ris 1//cai! e Derris wucu.

Espécie Linha- Espécie Linha- Teste (io Qui-quadrado

vs. Potência de tintbó gem de timbó gem Paralci isnio Coincidência

D. o/coo Jab vs. 1), ///ca/! Bro ]J ,35 485,57** 06$30 t). uí-ucu Jab vs. D. uru(-u Bro 272.47** 276.70 1.0796 D. nicou Jab vs. 1). urucu Jab 0.05' 91 5,89** 2,0675 D. nicou Bro vs. D. urucu Bro 276,8 ** 2133, 1 0** 4,7018

NS não signi Ocativo ao nível de 5% de probabilidade. ** = signi!3cati o ao nivel de 1% de probabilidade.

Ab-il. 1997 An. Soc. Entorno!. Brasil 26(1) 167

(Tabela 2). Verifica-se que os testes para para-lelismo e coincidência das linhas de regressão foram significativos para todas as compara-ções, com exceção do teste de paralelismo para a linhagem Jab em D. nicou contra a li-nhagem Jab em D. urucu, indicando que as espécies de timbós, possuem eficiências dife-rentes no controle das larvas de moscas das duas linhagens estudadas.

A linhagem Jab foi significativamcnte mais afetada por D. nicou que a linhagem Bro. Quanto à D. urucu, verifica-se o contrário. As duas comparações mostraram que, quantifa-tivamentc, são necessárias duas vezes mais D. nicou que D. urucu, para controlar o mesmo número de individuos nas populações da li-nhagem Jab. Esta quantidade, em relação à linhagem Bro, representa quase cinco vezes mais pó de D. nicou que devem ser empregados para controlar o mesmo número de individuos que D. urucu (Tabela 2).

Discussão

Segundo Lima (1947), existem diferentes característicasaI)reseiitadas por D. urucu e D. /1/coo quando cultivadas e com as quais estas espécies podem ser diferenciadas. A primeira espécie é mais nistica, apresentando florescimento e frutificaçào enquanto a se-gunda não apresenta llorescimenlo. mesmo quando tratada com fito-hormônios, ou quan-do tem o prolonganieiito do fotoperíodo com iluminaçào artificial.

No D. urucu, os ramos tornam-se escan-dentes. entrelaçam-se formando um teto Com-pacto sobre o solo, protegendo-o da açào do sol. além das raízes apresentarem nodosidade resultantes da simbiose com a bactéria Rhro-biuiu;ja D. nicou conserva seus ranios eretos. Destaca-se, porém, que D. uricli produz maior quantidade de raízes que 1). nicou, além de apresentar a possibilidade de ser melhorado geliet icanienle.

Diversos autores, (Corhett 1940, Caminha Filho 1940, Lima 1947), citam 1), nicou como mais rico em teor de rotcnona que D. urucu.

De acordo com Corbett (1940) e Caminha Filho (1940), a quantidade de rotenona em D. nicou está entre 15 a 1 7% e, em D. urucu, entre 5 a 12%. Apesar das citações acima sobre o teor de rotenona, os dados mostraram ação mais eficiente de D. urucu no controle dos indiví-duos das duas linhagens de M. domestica. Mostrando a possibilidade de outras suhs-tâncias além da rotenona, como aquelas mais conhecidas, tais como deguelina, tefrosina e toxicarol (Lima 1947), além de outras dcsco-nhecidas, como a nilobilina, um alcalóide que, de acordo com Caminha Filho(1940), foi cii-contrada por Groffoy em 1895, e que poderiam estar agindo no controle das larvas. Estes tu-tos indicam a necessidade de mais pesquisas para se detectar outros produtos que pode-riam estar agindo como principio ativo destas plantas.

Por outro lado, a despeito do efeito mar-cante de D. urucu, em relação à D. nicou, no controle das populações de M. (lomestica. pode-se destacar que a linhagem Jab foi mais sensível que a Bro em relação à D. nicou. Quanto à D. urucu, verificou-se o contrário, isto é. a linhagem Bro foi mais sensível. Estes fatos destacam a especificidade de ação do pó de timbó nas linhagens de V. domestica. Assim, os dados mostram a possibilidade de que com baixo custo, nas propriedades rurais, o pó de timbó pode ser obtido e usado no controle das larvas de um dos mais impor-tantes vetores de endemias rurais.

Agradecimentos

Ao Prof. Di'. Di lermanclo Perecin, docente do Departamento de ('iências Exatas da FCAV-UNESP. pela revisão e sugestões apresen-tadas.

Literatura Citada

Caminha Filho, A. 1940. l'imhó e rotenona. Uma riqueza nacional inexplorada. Rio de Janeiro, Serviço de lnl'orniaçào Agrícola, 14 P

168

C'o. , ia ei ai.

Corbett, C. E. 1940. Plantas ictiolôxicas tarmacolocia da rotenona. Sào Paulo, Fac. Mcd. Univ. São Paulo. 157 p.

Costa, N. A. da, C. N. B. do Nascimento, L. O. 1). de Moura Carvalho, S. Dtilra, & E. S. Pirnentel, 1986. Lso do timhó urucu (Der-ri.v u,iu a) no controle do piolho (Ilacina-Iopi/ni.s iu/erciilauis) em bubalinos. Belém. ËMBRAPA-C'PATU. Boi. Pesq..78. 161).

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Recebido em 25/09/95..4..eito e/o 30/02/97.