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Página 1 de 8 INSOLVÊNCIA EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA Nos dias de hoje, e numa altura em que mais do que nunca se avolumam processos de insolvência nos Tribunais portugueses, é importante ter consciência de como a declaração de insolvência se repercute e dos efeitos que esta tem nos negócios do insolvente. Vamos aqui referir em traços gerais os principais efeitos que a declaração de insolvência pode ter nos negócios do insolvente, sendo que não nos debruçaremos sobre os efeitos da declaração de insolvência nos contratos de trabalho e nos contratos de prestação de serviços, atenta a amplitude daremos ao tema um tratamento autónomo. Os efeitos da declaração de insolvência constam título IV do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) art.147.º a 174.º. Primeiramente há que distinguir os efeitos consoante o âmbito temporal dos negócios ou relações do insolvente, ou seja, por referência à data da declaração de insolvência, se: O negócio é anterior; É concomitante; ou Posterior.

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INSOLVÊNCIA  

EFEITOS  DA  DECLARAÇÃO  DE  INSOLVÊNCIA  

   

Nos   dias   de   hoje,   e   numa   altura   em   que   mais   do   que   nunca   se   avolumam  

processos  de  insolvência  nos  Tribunais  portugueses,  é  importante  ter  consciência  

de  como  a  declaração  de  insolvência  se  repercute  e  dos  efeitos  que  esta  tem  nos  

negócios  do  insolvente.  

Vamos   aqui   referir   em   traços   gerais   os   principais   efeitos   que   a   declaração   de  

insolvência   pode   ter   nos   negócios   do   insolvente,   sendo   que   não   nos  

debruçaremos   sobre   os   efeitos   da   declaração   de   insolvência   nos   contratos   de  

trabalho  e  nos  contratos  de  prestação  de  serviços,  atenta  a  amplitude  daremos  ao  

tema  um  tratamento  autónomo.  

Os   efeitos   da   declaração   de   insolvência   constam   título   IV   do   Código   da  

Insolvência  e  da  Recuperação  de  Empresas  (CIRE)  –  art.147.º  a  174.º.  

Primeiramente   há   que   distinguir   os   efeitos   consoante   o   âmbito   temporal   dos  

negócios  ou  relações  do   insolvente,  ou  seja,  por  referência  à  data  da  declaração  

de  insolvência,  se:  

-­‐  O  negócio  é  anterior;  

-­‐  É  concomitante;  ou  

-­‐  Posterior.  

 

 

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DOS  NEGÓCIOS  EM  CURSO  

O  princípio  geral  para  os  negócios  em  curso,  consta  do  disposto  no  art.  102.º  do  

CIRE,  sendo  que  em  qualquer  contrato  bilateral  em  que,  à  data  da  declaração  de  

insolvência,   não   haja   ainda   total   cumprimento   nem   pelo   insolvente   nem   pela  

outra  parte,  o  cumprimento  fica  suspenso  até  que  o  administrador  da  insolvência  

declare  optar  pela  execução  ou  recusar  o  cumprimento.  

Havendo   no   entanto   determinadas   especificidades   consoante   os   tipos   de  

contratos  em  curso.  

 

Quanto  às  prestações   indivisíveis  –  art.  103.º,  ou  melhor  quanto  às  prestações  

de  natureza  infungível  e  prestações  que  sejam  fracionáveis  na  entrega  de  várias  

coisas,   não   facilmente   substituíveis,   entre   as   quais   interceda   uma   conexão  

funcional,   as   consequências   variam   caso   o   administrador   da   insolvência   opte  

pelo  cumprimento,  ou  pela  resolução  do  contrato.  

No  caso  de  o  administrador  da  insolvência  recusar  o  cumprimento  do  contrato:  

A  massa  insolvente  tem  o  direito  de  exigir  à  outra  parte  a  restituição  do  que  lhe  

tiver   sido  prestado,   na  medida  do   seu   enriquecimento   à   data  da  declaração  de  

insolvência;  

A  outra  parte  tem  direito  a  exigir,  como  crédito  sobre  a  insolvência,  a  diferença,  

se  favorável  para  si,  entre  os  valores  da  totalidade  das  prestações  contratuais;  

E   tem   ainda   direito,   como   credor   da   insolvência,   ao   reembolso   do   custo   ou   à  

restituição  do  valor  da  parte  da  prestação  realizada  anteriormente  à  declaração  

de  insolvência,  consoante  tal  prestação  seja  ou  não  infungível.  

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Se  o  administrador  da  insolvência  optar  pelo  cumprimento  do  contrato,  o  direito  

da   outra   parte   à   contraprestação   só   constitui   crédito   sobre   a   massa   no   que  

exceda   o   valor   do   reembolso   do   custo   ou   à   restituição   do   valor   da   parte   da  

prestação   realizada   anteriormente   à   declaração   de   insolvência,   consoante   tal  

prestação  seja  ou  não  infungível.  

 

Relativamente   aos   contratos   de   venda   com   reserva   de   propriedade   e  

operações   semelhantes,   nas   operações   semelhantes   inclui-­‐se   por   exemplo   os  

contratos  de  locação  financeira.  

Quando  a  insolvência  é  do  vendedor  ou  do  locador,  a  outra  parte  poderá  exigir  o  

cumprimento   do   contrato   se   a   coisa   já   lhe   tiver   sido   entregue   na   data   da  

declaração  da  insolvência  (art.  104.º).  

No   caso  de   o   comprador   ou   locatário   não   exercer   a   opção  de   cumprimento  do  

contrato,  a  solução  legal  adotada  é  a  de  ser  dada  ao  administrador  da  insolvência  

a  possibilidade  de  optar  pelo  cumprimento  do  contrato.  

No  caso  da  insolvência  ser  do  comprador  ou  do  locatário,  e  este  se  encontre  na  

posse  da  coisa,  vigora  o  principio  geral  do  direito  de  opção  de  cumprimento  ou  

recusa  do  contrato  caber  ao  administrador  da  insolvência.  

Ou   seja,   o   administrador   da   insolvência   pode   optar   pela   manutenção   e  

cumprimento   do   contrato,   caso   a  massa   insolvente   tenha   disponibilidade   para  

adquirir   o   bem,   e   pagando   o   preço   respetivo,   sendo   esse   valor   uma   dívida   da  

massa   insolvente,   na   parte   em   que   corresponda   ao   período   posterior   à  

declaração  de  insolvência.  

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No  entanto,  a  declaração  de  insolvência  do  comprador  ou  locatário  não  prejudica  

do  direito  de  separação  de  bens  por  parte  do  comprador  ou  locador.  

No   caso   do   comprador   e   tendo   sido   estipulada   uma   cláusula   de   reserva   de  

propriedade,  estipula  o  n.º  4  do  art.  104.º  que  a  referida  cláusula  só  é  oponível  à  

massa  no  caso  de  ter  sido  estipulada  por  escrito,  até  ao  momento  da  entrega  da  

coisa.   Sendo   esta   exigência   uma   diferença   entre   os   contratos   de   locação   e   de  

contratos  com  reserva  de  propriedade.  

Tem   entendido   a   jurisprudência   que   para   além   da   exigência   de   estipulação   da  

cláusula   de   reserva   de   propriedade   seja   feita   por   escrito,   tendo   a   mesma   por  

objeto  bens   imóveis  ou  móveis   sujeitos   a   registo,   exige-­‐se   o   registo  para  que   a  

mesma  seja  oponível  à  massa  insolvente.  

 

No  que  se  refere  aos  contratos  de  venda  sem  entrega  estipula  do  art.  105.º,  que  

se  a  obrigação  de  entrega  por  parte  do  vendedor  ainda  não  tiver  sido  cumprida,  

mas  a  propriedade   já  tiver  sido  transmitida  o  administrador  da   insolvência  não  

pode  recusar  o  cumprimento  do  contrato,  no  caso  de  insolvência  do  vendedor.  

Já   se   a   insolvência   for   do   comprador,   permite-­‐se   que   o   administrador   da  

insolvência   possa   recusar   o   cumprimento   do   contrato,   tendo   no   entanto   de  

devolver  a  diferença  entre  o  valor  da  prestação  incumprida  e  o  valor  da  coisa  na  

data  da  recusa.  

 

Na   promessa   de   contrato,   sendo   insolvente   o   promitente-­‐vendedor,   o  

administrador   da   insolvência   não   pode   recusar   o   cumprimento   de   contrato-­‐

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promessa   com   eficácia   real,   se   já   tiver   havido   tradição   da   coisa   a   favor   do  

promitente-­‐comprador  (cfr.  art.  106.º).  

Para  os  casos  de  contrato-­‐promessa  sem  eficácia  real,  mas  em  que  tenha  ocorrido  

a   tradição   da   coisa,   tem   a   jurisprudência   entendido   que   o   contrato   não   pode  

igualmente  ser  objeto  de  recusa  por  parte  do  administrador  da  insolvência.  

Ou   seja,   só   poderiam   ser   objeto   de   recusa   os   contratos   nos   quais   à   data   da  

declaração   de   insolvência   ainda   não   havia   ocorrido   a   entrega   da   coisa   ao  

promitente-­‐comprador.  

Nos  casos  de  ter  havido  a  tradição  da  coisa  para  o  promitente-­‐comprador  deverá  

ser   reconhecida   no   âmbito   da   graduação   de   créditos   a   garantia   do   direito   de  

retenção.  

 

Quanto  às  obrigações  a  prazo  (cfr.  art.  107.º),  se  a  entrega  de  mercadorias,  ou  a  

realização  de  prestações  financeiras,  que  tenham  um  preço  de  mercado,  tiver  de  

se  efetuar  em  determinada  data  ou  dentro  de  certo  prazo,  e  a  data  ocorrer  ou  o  

prazo   se   extinguir   depois   de   declarada   a   insolvência,   a   execução   não   pode   ser  

exigida   por   nenhuma   das   partes,   o   comprador   ou   vendedor,   consoante   o   caso,  

tem  apenas  direito  ao  pagamento  da  diferença  entre  o  preço  ajustado  e  o  preço  

de  mercado  do  bem  ou  prestação  financeira  no  2.º  dia  posterior  ao  da  declaração  

de   insolvência,   relativamente   a   contratos   com   a   mesma   data   ou   prazo   de  

cumprimento,   a   qual,   sendo   exigível   ao   insolvente,   constitui   crédito   sobre   a  

insolvência.  

 

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Relativamente  aos  contratos  de   locação  (cfr.  art.  108.º  e  109.º)  também  há  que  

distinguir  consoante  a  insolvência  seja  ou  do  locatário  ou  do  locador.  

A   declaração   de   insolvência   não   suspende   o   contrato   de   locação   em   que   o  

insolvente   seja   locatário,   mas   o   administrador   da   insolvência   pode   sempre  

denunciá-­‐lo  com  um  pré-­‐aviso  de  60  dias,  se  nos  termos  da  lei  ou  do  contrato  não  

for  suficiente  um  pré-­‐aviso  inferior.  

O  direito  de  denúncia  (recusa  de  cumprimento)  do  administrador  da  insolvência  

é  excluída  se  se  tratar  de  arrendamento  para  habitação  do  insolvente.  

O   locador   não   pode   requerer   a   resolução   do   contrato   após   a   declaração   de  

insolvência   do   locatário   com   algum   dos   seguintes   fundamentos:   a   falta   de  

pagamento  das   rendas  ou  alugueres   respeitantes  ao  período  anterior  à  data  da  

declaração  de  insolvência;  a  deterioração  da  situação  financeira  do  locatário.  

Sendo  que  não   tendo  a   coisa   locada   sido  ainda  entregue  ao   locatário  à  data  da  

declaração   de   insolvência   deste,   tanto   o   administrador   da   insolvência   como   o  

locador  podem  resolver  o  contrato,   sendo   lícito  a  qualquer  deles   fixar  ao  outro  

um  prazo  razoável  para  o  efeito,  findo  o  qual  cessa  o  direito  de  resolução.  

Já   nos   casos   de   locação   em   que   o   insolvente   é   o   locador,   a   declaração   de  

insolvência  não  suspende  a  execução  de  contrato  de  locação  em  que  o  insolvente  

seja  locador,  e  a  sua  denúncia  por  qualquer  das  partes  apenas  é  possível  para  o  

fim  do  prazo  em  curso,  sem  prejuízo  dos  casos  de  renovação  obrigatória.  

 

A  regra  geral  nos  contratos  de  mandato  e  de  gestão  é  a  da  caducidade,  ou  seja,  

a   de   que   os   contratos   que   não   se  mostre   serem   estranhos   à  massa   insolvente,  

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caducam   com   a   declaração   de   insolvência   do  mandante,   ainda   que   o  mandato  

tenha  sido  conferido  também  no  interesse  do  mandatário  ou  de  terceiro,  sem  que  

o  mandatário  tenha  direito  a  indemnização  pelo  dano  sofrido  (cfr.  art.  110.º).  

A  mesma   regra,   a   da   caducidade,   está  prevista   para   as  procurações   –   cfr.   art.  

112.º.  

 

Na  cessão  e  penhor  de  créditos  futuros,  sendo  o  devedor  uma  pessoa  singular  

e   tendo   ele   cedido   ou   dado   em   penhor,   anteriormente   à   declaração   de  

insolvência,  créditos  futuros  emergentes  de  contrato  de  trabalho  ou  de  prestação  

de   serviços,   ou   o   direito   a   prestações   sucedâneas   futuras,   designadamente  

subsídios   de   desemprego   e   pensões   de   reforma,   a   eficácia   do   negócio   ficará  

limitada  aos  rendimentos  respeitantes  ao  período  anterior  à  data  de  declaração  

de  insolvência,  ao  resto  do  mês  em  curso  nesta  data  e  aos  24  meses  subsequentes  

(cfr.  art.  115.º).  

 

A  declaração  de  insolvência  implica  o  termo  dos  contratos  de  conta  corrente  em  

que   o   insolvente   seja   parte,   com   o   encerramento   das   contas   respetivas   (cfr.  

art.117.º).  

 

A   associação   em   participação   extingue-­‐se   pela   insolvência   do   contraente  

associante  (cfr.  art.  118.º).  

 

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O  agrupamento   complementar  de   empresas   e   o   agrupamento   europeu  de  

interesse   económico  não  se  dissolvem  em  consequência  da   insolvência  de  um  

ou   mais   membros   do   agrupamento,   sem   prejuízo   de   disposição   diversa   do  

contrato  (cfr.  art.118.º).  

 

(Susana  Esteves  Pires  |  Advogada)