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UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR UNIDADE CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA DE CIÊNCIAS DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA ELECTROMECÂNICA EFEITOS BIOLÓGICOS DOS CAMPOS ELECTROMAGNÉTICOS E DA RADIAÇÃO CARLOS MANUEL PEREIRA CABRITA LICENCIATURA EM CIÊNCIAS BIOMÉDICAS 2008

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UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR

UNIDADE CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA

DE CIÊNCIAS DE ENGENHARIA

DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA ELECTROMECÂNICA

EFEITOS BIOLÓGICOS DOS CAMPOS ELECTROMAGNÉTICOS

E DA RADIAÇÃO

CARLOS MANUEL PEREIRA CABRITA

LICENCIATURA EM CIÊNCIAS BIOMÉDICAS

2008

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Dedicado à memória de James Clerk Maxwell (Edimburgo, 13

de Junho de 1831 – Cambridge, 5 de Novembro de 1879) e a

Nikola Tesla (Similjan, Sérvia, 10 de Julho de 1856 – New

York, 7 de Janeiro de 1943). Ao primeiro, porque representa

um dos expoentes máximos da capacidade intelectual da

humanidade e, ao deduzir as suas equações, fez confluir entre

si os fenómenos eléctricos e magnéticos, dando origem ao

electromagnetismo, que, por sua vez, permitiu o nascimento

no seio da ciência da indústria determinante da nossa civili-

zação – exactamente a indústria electrotécnica. Ao segundo,

porque, ao inventar o motor trifásico de indução e o transfor-

mador, e ao prever as comunicações sem fios, é muito justa-

mente considerado o fundador da indústria electrotécnica.

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PREFÁCIO

Assim como o carvão representou a base energética da Primeira Revolução

Industrial, a Electricidade é o combustível invisível da vida moderna. O aumen-

to descomunal da utilização da electricidade prova, indubitavelmente, que a

energia eléctrica tem um papel essencial na nossa sociedade, ao ponto de ser

impensável imaginar-se o quotidiano actual sem se ter acesso a essa fonte

energética. Sem dúvida que as tecnologias associadas ao electromagnetismo

têm vindo a tornar a nossa vida bastante mais fácil, podendo afirmar-se que,

por exemplo, a vida familiar e pessoal seria impossível sem a existência de

electrodomésticos e dos equipamentos multimédia de lazer. Por outro lado, o

desenvolvimento das telecomunicações e dos sistemas informáticos tem vindo

a permitir a comunicação fácil e directa entre pessoas individuais, grupos e

colectividades, sejam elas citadinas ou rurais.

Todavia, a par de todas estas vantagens e benefícios altamente significativos,

a electricidade apresenta os seus próprios riscos, muitos deles de extrema

gravidade, como sucede com as electrocussões por contacto directo ou

indirecto com condutores ou cabos eléctricos. Adicionalmente, a utilização da

energia eléctrica resulta na geração de campos eléctricos e de campos

electromagnéticos, ou seja, de campos electromagnéticos, que, ao cabo e ao

resto, representam forças naturais invisíveis e encontram-se presentes sempre

que exista electricidade.

Contudo, os campos electromagnéticos são parte integrante e essencial da

nossa vida, devido à sua presença em numerosas aplicações, o que obriga a

uma exposição permanente que poderá conduzir ao aparecimento de efeitos

biológicos nocivos e adversos, como se verá nos diversos capítulos deste livro.

Poder-se-á afirmar que, desde o nascimento da indústria electrotécnica, nos

finais do Século XIX, os seres vivos encontram-se rodeados de campos

electromagnéticos criados pela própria humanidade, devido ao rápido

desenvolvimento das centrais e redes de transporte de energia eléctrica, da

rádio e da televisão, do radar, das comunicações celulares, dos electro-

domésticos, dos equipamentos multimédia, e dos computadores, entre toda

uma panóplia de sistemas que seria exaustivo descrever.

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A influência dos campos electromagnéticos em sistemas biológicos nasceu

praticamente com Hipócrates, e tem vindo a ser estudada através da história,

com muito mais realce, como não poderia deixar de ser, nos tempos modernos,

devido aos efeitos nocivos eventualmente causados pelas antenas de comuni-

cações e pelas linhas de alta tensão de transporte de energia eléctrica. Estes

estudos continuarão a ser realizados e, por serem bastante complexos,

obrigarão à constituição de equipas multi e inter-disciplinares, onde participarão

médicos, biomédicos, engenheiros, biólogos, técnicos de saúde pública,

técnicos de ambiente, e gestores de avaliação de situações de risco.

A unidade curricular a que se destina este livro de apoio, representa

exactamente um bom exemplo da miscigenação entre medicina, biomedicina e

engenharia electrotécnica, e apresenta os seguintes objectivos, a seguir discri-

minados:

• Descrição e compreensão dos fenómenos inerentes ao espaço

electromagnético, através das quatro equações de Maxwell, que

englobam em si todas as leis relacionadas com a electrostática, a

corrente eléctrica, o campo magnético variável, e a indução electro-

magnética.

• Descrição sucinta das fontes geradoras de campos eléctricos, de

campos magnéticos, e de radiação de rádio-frequência.

• Descrição e compreensão dos mecanismos de acção dos campos

electroma-gnéticos sobre os sistemas biológicos.

• Descrição e compreensão das bases para a modelização matemática

relacionada com a absorção da energia dos campos electromagnéticos

por parte dos sistemas biológicos.

• Descrição e compreensão dos efeitos biológicos dos campos electro-

magnéticos de extremamente reduzida frequência e das rádio-fre-

quências.

• Descrição e análise dos efeitos terapêuticos dos campos electro-

magnéticos.

• Descrição das medidas a adoptar, como prevenção das acções nocivas

dos campos electromagnéticos.

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• Enumeração da regulamentação de segurança e de protecção,

internacional assim como de diversos países, contra a exposição a

radiações.

Por outro lado, com a aprovação na unidade curricular em questão, os alunos

adquirirão as seguintes competências profissionais, técnicas e científicas:

• Capacidade para descrever os fenómenos inerentes ao campo electro-

magnético, através da recorrência às equações de Maxwell.

• Capacidade para definir as vias a seguir conducentes à modelização

matemática relacionada com a absorção da energia da rádio-frequência

e dos campos ele-ctromagnéticos de muito baixa frequência por parte

dos sistemas biológicos.

• Capacidade para enumerar e discernir os tipos de equipamentos,

industriais, domésticos, e utilizados em electromedicina, geradores de

radiação electro-magnética.

• Capacidade para descrever e enumerar os mecanismos e os efeitos da

radiação electromagnética nos sistemas biofísicos.

• Conhecimento das publicações internacionais – livros e revistas cientí-

ficas e técnicas –, que expõem e divulgam os mais recentes resultados

de investigação sobre este tema.

• Conhecimento das regras e linhas de acção internacionais, de protec-

ção contra os efeitos nocivos da exposição às radiações electro-

magnéticas.

• Capacidade para formar e integrar equipas multidisciplinares com

médicos e engenheiros electrotécnicos, com a finalidade de procurarem

soluções técnicas com vista à protecção contra a exposição a

radiações.

• Capacidade para promover e desenvolver estudos, individualmente e

em equipa, que procurem relacionar determinados tipos de doenças e

anomalias com a exposição a radiações.

• Capacidade para elaborar relatórios técnicos, que descrevam e

explicitem os modos de assinalar os equipamentos potencialmente

perigosos, assim como as medidas preventivas a adoptar.

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• Capacidade para integrar equipas de projecto de unidades hospitalares,

onde existam equipamentos de electromedicina, com a finalidade de

melhor localizar esses equipamentos.

• Capacidade para participar em equipas de projecto e manutenção de

equipamento electromédico.

No que respeita à estrutura organizativa deste livro, ele contém cinco capí-

tulos, onde se abordam, de uma forma aprofundada, os seguintes assuntos:

Capítulo 1. Introdução – Perspectiva Histórica Descreve-se, do ponto de vista histórico, a existência e o aparecimento de

campos electromagnéticos naturais e artificiais, isto é, criados pela huma-

nidade, realçando-se que a radiação electromagnética representa uma forma

de energia que é transmitida sob a forma de ondas às quais correspondem

variações no espaço e no tempo do campo eléctrico e do campo electro-

magnético. Como consequência da existência dos campos electromagnéticos e

da radiação, expõe-se, através da citação de experiências científicas iniciadas

com o radar, alguns efeitos nocivos observados em animais e em operadores

desse tipo de equipamento e, nessa sequência, cita-se ainda o International

Electromagnetic Fields Project, criado em 1996 no âmbito da Organização

Mundial de Saúde com a finalidade de se estudarem os efeitos ambientais e de

exposição a campos eléctricos e magnéticos estáticos e variáveis no tempo, no

sentido de se elaborarem normas de segurança e protecção. A terminar,

apresentam-se alguns efeitos terapêuticos da utilização dos campos electro-

magnéticos em medicina.

Capítulo 2. Electromagnetismo Define-se campo eléctrico e apresentam-se alguns aspectos relacionados com

a electrostática. Define-se igualmente campo magnético e, da mesma forma,

apresentam-se alguns aspectos do estudo da magnetostática. Como base da

origem dos campos electromagnéticos, expõe-se ainda o fenómeno da indução

electromagnética, descoberto e comprovado praticamente em simultâneo pelo

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americano Joseph Henry e pelo inglês Michael Faraday, no Século XIX. Por

outro lado, na medida em que reúnem em si todos os fenómenos do campo

eléctrico e do campo magnético, estudam-se as quatro equações de Maxwell

na forma integral, que é a de mais simples compreensão e, na sua sequência,

cita-se a energia electromagnética, definindo-se e apresentando-se o vector de

Poynting. Continuando com a teoria do electromagnetismo, estabelece-se a

relação entre os campos electromagnéticos e a radiação, apresentando-se o

espectro das frequências, expondo ao mesmo tempo os conceitos de radiação

não-ionizante e de radiação ionizante. A terminar, descrevem-se as interacções

entre os campos electromagnéticos e os materiais biológicos mais importantes

– as células e os tecidos humanos.

Capítulo 3. Campos Electromagnéticos de Frequências Extremamente Reduzidas Descrevem-se as fontes geradoras de campos eléctricos e magnéticos, em

corrente contínua (magnetosfera, imagiologia através de ressonância mag-

nética, linhas eléctricas em corrente contínua, como é o caso das catenárias

ferroviárias), e em corrente alternada (condutores em instalações eléctricas,

geradores eléctricos). Assinala-se e descrevem-se igualmente quais as origens

dos campos electromagnéticos no meio ambiente – linhas aéreas de trans-

porte de energia eléctrica, cabos subterrâneos de transporte e distribuição de

energia eléctrica, subestações, transformadores, instalações eléctricas de

baixa tensão, veículos rodoviários e ferroviários, fornos de indução industriais,

electrodomésticos, terminais de vídeo. Atendendo a que, na maioria das

situações, coexistem diversos equipamentos geradores de campos electro-

magnéticos, apresenta-se, em termos de compatibilidade electromagnética, as

interferências que surgem frequentemente, como por exemplo a acção dos

telemóveis sobre os pacemakers cardíacos assim como sobre outros

equipamentos médicos de apoio à vida.

Descrevem-se igualmente os efeitos biológicos dos campos electromagnéticos

– interacção com os sistemas biológicos, relação com o cancro, estudos em

animais, e estudos em humanos (sistema nervoso, sistema cardiovascular,

síndroma da fadiga crónica, sensibilidade à electricidade, alterações visuais,

consequências de choques eléctricos directos e indirectos). Como conse-

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quência, apresentam-se os resultados de estudos epidemiológicos –

epidemiologia, leucemia infantil, leucemia em adultos, tumores cerebrais,

cancro mamário, cancro pulmonar, cancro da pele, cancro da próstata, doença

de Alzheimer, demência, esclerose múltipla, depressão.

A terminar, apresenta-se um subcapítulo que descreve em pormenor os

aspectos relacionados com a protecção e segurança contra os efeitos nocivos

dos campos electromagnéticos – normas de segurança, técnicas e proce-

dimentos normalizados de medição dos campos eléctricos e magnéticos,

técnicas de inspecção em locais potencialmente perigosos, procedimentos de

segurança. Descrevem-se ainda não só os objectivos do International Electro-

magnetic Fields Project, criado em 1996 pela Organização Mundial de Saúde,

mas também quais os critérios de segurança contra a exposição a campos

electromagnéticos, que resultaram desse projecto. Relativamente aos riscos de

exposição a radiações não-ionizantes, expõe-se os níveis de segurança norma-

lizados que deverão ser respeitados.

Capítulo 4. Radiação de Rádio-Frequência Inicia-se este capítulo através da indicação do espectro das frequências de

radiação, para os diversos equipamentos actuais, e descrevem-se e

enumeram-se as fontes geradoras de radiação – geradores, linhas de

transmissão de sinal, antenas, estações de transmissão de rádio e televisão,

sistemas de radar, estações de recepção e rastreio de satélites, comunicações

na banda das micro-ondas, equipamento de transmissão rádio-móvel, comu-

nicações celulares móveis, comunicações multimédia sem fios, fornos micro-

ondas.

Descrevem-se os efeitos biológicos da radiação de rádio-frequência – proprie-

dades electromagnéticas dos materiais biológicos, propagação da radiação

através dos materiais biológicos e sua absorção, efeitos térmicos e não

térmicos, efeitos genéticos, proliferação e transformação de células, influência

hormonal, estudos em animais, estudos em humanos.

Apresentam-se os resultados obtidos através de estudos epidemiológicos

realizados em humanos, cobrindo aspectos como a percepção auditiva, a

actividade cerebral, o sistema cardiovascular, o sistema imunitário, os níveis de

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melatonina, e o aparecimento de cataratas, descrevendo-se igualmente os

riscos a que se encontram expostas determinadas classes profissionais, como

por exemplo os operadores de radar, os militares, o pessoal de teleco-

municações e de radiodifusão, abordando-se ainda os riscos inerentes à

exposição a transmissores de rádio e televisão, e a telefones celulares.

Dada a sua importância, dedica-se um subcapítulo integralmente à descrição e

análise das normas de protecção e segurança contra os efeitos nocivos das

radiações de rádio-frequência, apresentando-se os regulamentos norte-

-americanos e os organismos legisladores, os regulamentos canadianos, os de

alguns países europeus (Áustria, Bélgica, Finlândia, Alemanha, Itália, Holanda,

Suécia, Suíça, Reino Unido, e Rússia), os de alguns países asiáticos (Austrália

e Nova Zelândia, China, e Japão). Adicionalmente, apresentam-se os níveis de

exposição considerados seguros, recomendados por dois importantes orga-

nismos internacionais – The International Radiation Protection Association, e

The International Commission on Non-Ionizing Radiation Protection.

Atendendo a que a avaliação (dosimetria) da exposição a radiações, com-

preende duas partes – a primeira, envolve a avaliação dos campos incidentes,

que são gerados por fontes externas e que poderão ser medidos ou calculados

a partir das informações dessas fontes, enquanto que a segunda diz respeito

aos campos internos dentro dos objectos –, optou-se por incluir um modelo de

estudo das radiações de rádio-frequência (análise da densidade de potência e

do campo eléctrico), e expor algumas técnicas e instrumentação de medida, e,

como complemento, descrevem-se as precauções a adoptar em locais públi-

cos.

Na prática, torna-se fundamental conhecerem-se todos os locais onde os níveis

de radiação ultrapassem os limites de segurança aceitáveis, no sentido de se

protegerem não só as pessoas em geral mas também trabalhadores que

permaneçam bastante tempo nesses locais, daí que se deva efectuar um

cadastro exaustivo, para que se possam adoptar as medidas preventivas mais

adequadas. Como tal, finaliza-se este capítulo com a descrição de resultados

práticos obtidos no terreno em zonas de radiação, por exemplo onde existam

antenas de rádio e de comunicações móveis, sistemas de radar, e sistemas de

comunicação por rádio, apresentando-se como consequência as recomen-

dações de segurança a adoptar.

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Capítulo 5. Aplicações Médicas e Efeitos Terapêuticos dos Campos Electromagnéticos Diversos estudos de biologia sugerem que os campos electromagnéticos de

frequência extremamente reduzida, podem ter um profundo efeito numa gama

variada de sistemas biológicos, incluindo fracturas ósseas e osteoporose. Por

outro lado, a característica que aqueles campos electromagnéticos apresentam

de induzirem efeitos biofísicos, parece residir no conteúdo da informação da

própria forma de onda, daí que se possa talvez explicar em parte a

sensibilidade dos sistemas biofísicos a esses campos, motivada pela interac-

ção com os mecanismos de controlo presentes nas células. Todavia, os

mecanismos de interacção entre os campos electromagnéticos e os sistemas

biológicos, ainda está por explicar, continuando o debate acerca dos perigos

potenciais do valor terapêutico dos campos electromagnéticos de reduzida

intensidade, até que esses mecanismos sejam clarificados.

Apesar disso, estes campos electromagnéticos são utilizados, com fins tera-

pêuticos, no tratamento de fracturas, da osteoporose, e da esclerose múltipla,

como se descreve neste último capítulo. Por outro lado, descrevem-se

igualmente os efeitos terapêuticos relacionados com o aquecimento derivado

da energia das radiações de rádio-frequência, no tratamento e ablação de

determinados tipos de tumores e carcinomas.

Capítulo 6. Técnicas de Imagiologia A imagiologia é uma das especialidades clínicas que mais depende da ciência

física e da tecnologia em engenharia, e encontra-se directamente relacionada

com o aproveitamento dos campos electromagnéticos como meio de diagnós-

tico fiável e seguro. Assim sendo, neste capítulo apresentam-se alguns

conceitos relacionados com a radiação e a sua medição e protecção, sob a

óptica clínica, e descrevem-se as bases físicas das diferentes técnicas, como

sejam a radiologia convencional, a fluoroscopia, a radiografia digital, a

angiografia, a tomografia computorizada, a ressonância magnética, a medicina

nuclear, e a mamografia. A terminar, descreve-se ainda as modernas técnicas

associadas à terapia por partículas como terapêutica do cancro.

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Bibliografia Este livro parece-nos, devido à elevada quantidade e variedade de temas

abordados e expostos, ser suficiente para que os alunos compreendam toda a

problemática relacionada com os efeitos biofísicos dos campos electro-

magnéticos. Quanto aos restantes livros citados, contêm uma enorme varie-

dade de assuntos interessantíssimos, apresentados na maioria das situações

com uma profundidade científica notável, e poderão pontualmente contribuir

para a formação especializada dos alunos, daí que se aconselhe que, no seu

processo de auto-aprendizagem complementar, sejam consultados, na medida

em que poderão esclarecer dúvidas e, ao mesmo tempo, indicar linhas

orientadores de investigação futura.

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CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO – PERSPECTIVA HISTÓRICA Desde as origens do nosso planeta até finais do Século XIX, o ambiente

electromagnético terrestre, fraco em intensidade e de frequência reduzida,

provinha de fontes naturais – isto é, do sol, da electricidade estática gerada

entre núvens provocando descargas de elevadíssima tensão eléctrica vulgo

trovoadas, assim como do próprio campo geomagnético terrestre. Contudo,

desde o início do Século XX, com os notáveis desenvolvimentos da engenharia

electrotécnica, que permitiram a construção dos mais variados equipamentos,

desde geradores e motores, electrodomésticos, aparelhos de rádio, radares,

telefones fixos e comunicações móveis, aos modernos sistemas utilizados em

medicina, que o ambiente que nos rodeia representa uma miscigenação entre o

magnetismo natural e os campos electromagnéticos artificiais, gerados por

todos os equipamentos eléctricos e electrónicos desenvolvidos, criados e

utilizados pela humanidade, coexistindo à nossa volta campos com uma grande

gama de intensidades e de frequências.

Assim como a força da gravidade e a energia nuclear, o electromagnetismo é

uma força básica da natureza. Poder-se-á afirmar que a Radiação

Electromagnética é uma forma de energia que é transmitida sob a forma de

ondas às quais correspondem variações no espaço e no tempo do campo

eléctrico e do campo electromagnético. Esta energia é utilizada e está na base

de muitas das invenções do século passado, numa gama que compreende

desde a informática aos telefones celulares, passando pela electrónica do

automóvel, pela aviónica, e pelos sofisticados meios de diagnóstico em

medicina. Ou seja, as ondas electromagnéticas são parte integrante da

moderna vida actual – quem pode passar sem telemóvel ou sem televisão?

Como reverso da medalha, em anos recentes tem vindo a ser comentado

publicamente com cada vez maior insistência, que as ondas electromagnéticas,

geradas quer por linhas de transporte de energia eléctrica – baixa frequência –,

quer pelas comunicações móveis sem fios – muito altas frequências –, podem

originar o aparecimento de um conjunto significativo de doenças graves,

incluindo carcinomas.

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Infelizmente, tem sido prática corrente nos meios de comunicação actuais, o

surgimento de diversas polémicas acerca dos efeitos nocivos das radiações

electromagnéticas, polémicas essas que, na esmagadora maioria dos casos,

têm origem em fontes sem qualquer preparação técnica ou científica. Veja-se

como o grande público, de uma forma geral, perante todos esses rumores, se

comporta – ninguém imaginaria deixar de utilizar o seu telemóvel, porém

bastaria que o traçado de uma linha de transporte de energia eléctrica se

fizesse próximo de alguma habitação ou de algum aglomerado populacional de

pequena dimensão, que teriam imediatamente lugar as habituais mani-

festações públicas de desagrado, sem quaisquer bases científicas, devido aos

habituais receios do desenvolvimento de cancros. Em contrapartida, todos

sabemos, uma vez que não existem quaisquer dúvidas quanto à sua elevada

perigosidade, quais os riscos da exposição ao sol, aos raios X e aos raios

gama, cuja frequência se encontra na banda acima dos 300 GHz (1 Gigahertz

= 109 Hertz).

As primeiras investigações levadas a cabo com a finalidade de se concluir dos

efeitos nocivos das radiações, tiveram lugar um pouco antes do início da

Segunda Guerra Mundial, devido à invenção do radar, que opera em onda

curta (alguns GHz), e transmite feixes intensos de radiação. No final de 1940,

iniciaram-se experiências com coelhos, tendo-se constatado que contraíam

glaucoma após uma exposição de 10 minutos, com os seus olhos sujeitos a

ondas curtas com uma densidade de potência de 3000 mW/cm2. Em Outubro

de 1951 surgiram os primeiros casos de inflamação da retina e de glaucoma

em técnicos de radar, e, em 1953, os engenheiros da Bell Labs recomendaram

que o nível de segurança a adoptar deveria ser de 0,1 mW/cm2. Contudo, em

1955 todos os países da NATO, por indicação dos Estados Unidos, adoptaram

o limite de 10 mW/cm2. Por outro lado, na ex-União Soviética, que já vinha a

investigar as implicações nocivas das radiações electromagnéticas desde

1930, tinha já estabe-lecido, como nível de segurança às exposições, um valor

1000 vezes inferior ao adoptado no Ocidente, ou seja, 10 µW/cm2, muito

provavelmente na sequência dos trabalhos de Pavlov, laureado com o Prémio

Nobel da Medicina em 1904.

As investigações têm continuado, de uma forma intensiva, em diversos países

industrializados, sendo de salientar que, também na ex-União Soviética, ainda

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na década de 1960, se iniciaram as pesquisas relacionadas com os perigos

possíveis inerentes às radiações não-ionizantes, isto é, radiações que não

provocam a ionização dos átomos dos meios sujeitos a essas radiações,

geradas por cabos telefónicos, redes de transporte e utilização de energia

eléctrica, transmissores de rádio e televisão, aparelhos electrónicos

domésticos, fornos microondas, aparelhos de climatização, resistências de

aquecimento dos soalhos, jogos electrónicos, equipamento informático,

cobertores eléctricos, camas de água aquecidas, etc. Atendendo a que estes

equipamentos fazem parte há muito do nosso quotidiano, as investigações

sobre os efeitos nocivos deste tipo de radiação têm vindo a conhecer um

incremento notável, no sentido de, por um lado, equacionarem-se quais as

suas verdadeiras implicações negativas para a saúde pública e, por outro,

poderem-se adoptar as medidas preventivas mais adequadas.

Saliente-se que, no âmbito da Organização Mundial de Saúde, foi criado, em

1996, o International Electromagnetic Fields (EMF) Project, com a finalidade de

se estudarem os efeitos ambientais e de exposição a campos eléctricos e

magnéticos estáticos e variáveis no tempo, numa gama de frequências de 0 a

300 GHz, com a finalidade de se desenvolverem regras e linhas de conduta

internacionais sobre os limites de exposição. Este projecto, de grande

envergadura, envolveu 8 agências internacionais, 40 autoridades nacionais, e 7

centros de colaboração daquela organização.

Além de todos os equipamentos de electromedicina desenvolvidos como apoio

às actividades médicas, como por exemplo os bisturis a laser, os TAC, os

electrocardiógrafos e os electroencefalógrafos, os ecocardiógrafos, as bombas

cardíacas, a ressonância magnética, etc, um outro aspecto bastante

interessante dos efeitos biofísicos dos campos electromagnéticos, consiste nas

suas propriedades terapêuticas por exemplo no tratamento de doenças como o

cancro, as fracturas ósseas e a osteoporose.

É interessante recordar que Hipócrates foi o criador do bio-electromagnetismo,

tendo tentado a cura de determinados tipos de cancro através das radiações

solares. Dois mil anos mais tarde, Galvani tentou curar tumores, aneurismas e

hemorragias por aplicação da electricidade e, em 1840, Recamier e Pravaz

apresentaram um método de destruição do cancro do colo do útero através da

electricidade, tendo-se utilizado correntes alternadas, na sequência dos

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trabalhos de Helmholtz, Kelvin e Hertz. A partir de 1891, d’Arsonval (1853-

1940) utilizou a auto-indução, em sessões de 20 minutos com correntes até

450 mA, na cura de reumatismos e artrites. Outros utilizadores dos efeitos

terapêuticos da rádio-frequência foram Nikola Tesla (1856-1943) e Thomson

(1853-1937), e, em 1926, os cirurgiões ingleses e americanos iniciaram as

rádio-frequências em operações delicadas ao cérebro e à próstata, para

tratarem hemorragias, e para controlarem a multiplicação precária de células.

Diversos estudos de biologia sugerem que os campos electromagnéticos de

frequência extremamente reduzida, podem ter um profundo efeito numa gama

variada de sistemas biológicos, incluindo fracturas ósseas e osteoporose. Por

outro lado, a característica que aqueles campos electromagnéticos apresentam

de induzirem efeitos biofísicos, parece residir no conteúdo da informação da

própria forma de onda, daí que se possa talvez explicar em parte a

sensibilidade dos sistemas biofísicos a esses campos, motivada pela interac-

ção com os mecanismos de controlo presentes nas células. Todavia, os

mecanismos de interacção entre os campos electromagnéticos e os sistemas

biológicos, ainda está por explicar, continuando o debate acerca dos perigos

potenciais do valor terapêutico dos campos electromagnéticos de reduzida

intensidade, até que esses mecanismos sejam clarificados.

Apesar disso, estes campos electromagnéticos são utilizados, com fins tera-

pêuticos, no tratamento de fracturas, da osteoporose, e da esclerose múltipla,

sendo, por sua vez, os efeitos terapêuticos relacionados com o aquecimento

derivado da energia das radiações de rádio-frequência, utilizados no tratamento

e ablação de determinados tipos de tumores e carcinomas.

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CAPÍTULO 2. ELECTROMAGNETISMO

2.1. GRANDEZAS E UNIDADES Ao longo deste livro de apoio, utilizam-se frequentemente as expressões

Campo Electromagnético e Radiação, que convém explicitar em termos dos

seus significados físicos. Assim sendo, o Espaço Electromagnético, definido

pela primeira vez pelo cientista escocês James Clerk Maxwell, representa todo

o espaço físico onde, por sua vez, em todos os seus pontos se manifestam

fenómenos eléctricos e magnéticos, quantificados essencialmente através dos

vectores intensidade do campo eléctrico e intensidade do campo magnético,

sendo o Campo Electromagnético a interacção entre esses dois vectores.

Como exemplo pode-se citar o caso de um simples motor eléctrico que equipa

um electrodoméstico em que, no interior dos seus condutores, existe um

campo eléctrico e, no seu circuito magnético nos troços no ferro e no ar,

manifesta-se a existência de um campo magnético.

Por outro lado, sob determinadas circunstâncias que serão descritas ao longo

do texto, os campos electromagnéticos produzem ondas, que radiam a partir

das suas fontes, daí a existência do vocábulo Radiação Electromagnética ou

simplesmente Radiação. Como exemplo evidente, tem-se a radiação provo-

cada pelas antenas de comunicações móveis e de rádio e televisão.

Como se verá um pouco mais à frente, a interacção entre os campos eléctrico

e magnético é descrita através das denominadas Equações de Maxwell, que

permitem estudar e analisar todos os fenómenos, estáticos e variáveis no

tempo, que se manifestam no espaço electromagnético.

2.1.1. Grandezas Escalares e Vectoriais Como é sabido da matemática e da física, uma grandeza que tem apenas

magnitude e sinal algébrico, é designada por grandeza escalar ou simples-

mente por escalar, como sucede por exemplo com o tempo t, a massa m, a

potência P, e a energia W. Por outro lado, as grandezas que, além de

possuírem magnitude, são ainda caracterizadas por apresentarem uma

direcção e um sentido, são designadas por grandezas vectoriais ou simples-

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mente por vectores. É o caso, por exemplo, da velocidade Vr

, da força Fr

, e do

vector densidade de fluxo eléctrico Dr

. Como é habitual e do conhecimento

geral, os vectores serão sempre representados em itálico encimados por um

pequeno segmento com uma seta na sua extremidade direita, enquanto que o

seu módulo, ou magnitude, será sempre representada pelo mesmo símbolo,

mas sem o segmento superior – por exemplo, Br

representa o vector densidade

de fluxo magnético, enquanto que B é o seu módulo. Saliente-se que, no

estudo do campo electromagnético, utilizam-se diversas grandezas escalares e

vectoriais, como se verá de seguida.

2.1.2. Sistema de Unidades Na prática, a medição de qualquer grandeza física deverá sempre ser expressa

através de um número seguido por uma unidade, unidade essa que é uma

normalização através da qual uma dimensão pode ser expressa numeri-

camente. Os sistemas de unidades são usualmente definidos através de siglas,

que têm como significado as iniciais das unidades das suas grandezas funda-

mentais, tendo coexistido até há relativamente poucos anos, três sistemas de

unidades:

• Sistema CGS:

grandezas fundamentais – comprimento, massa, tempo

unidades – centímetro, grama-massa, segundo

• Sistema prático ou gravitatório MKpS:

grandezas fundamentais – comprimento, peso, tempo

unidades – metro, kilograma-peso, segundo

• Sistema MKS:

grandezas fundamentais – comprimento, massa, tempo

unidades – metro, kilograma-massa, segundo

Note-se que o sistema MKS, introduzido por Giorgi em 1901, representa

exactamente o Sistema Internacional de Unidades SI, adoptado universalmente

com as siglas MKSA, devido à introdução da sigla A que representa a unidade

Ampére da grandeza fundamental intensidade da corrente eléctrica. Este

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7

sistema recomenda ainda que os múltiplos e os submúltiplos de todas as

unidades sejam escritos em passos (steps) de 103 e de 10-3.

2.2. CAMPO ELECTROMAGNÉTICO 2.2.1. Grandezas do Campo Como o seu próprio nome indica, o campo electromagnético é um espaço físico

onde coexistem, em interacção, campos eléctricos e campos magnéticos,

podendo ser criados artificialmente, por exemplo, em sistemas de produção,

transporte e utilização de energia eléctrica, através dos geradores, dos trans-

formadores, das linhas aéreas ou dos cabos subterrâneos de transporte, das

instalações eléctricas de baixa tensão domésticas e industriais, e por todos os

receptores que utilizam essa energia, tendo esses campos origem na

existência e no movimento de cargas eléctricas. Convém igualmente salientar

que os campos electromagnéticos criados artificialmente encontram-se sempre

presentes onde quer que existam equipamentos eléctricos, sejam electrodo-

mésticos, motores eléctricos, antenas, ou equipamentos médicos. No nosso

meio ambiente, existem igualmente campos electromagnéticos, de origem

natural, como o próprio campo magnético terrestre, as tempestades com

trovoadas, e as conhecidas auroras boreais, provocadas pela interacção entre

o vento solar e o campo magnético do planeta.

Apesar do campo electromagnético existir, não é possível ver nem sentir de

forma directa a existência de campos eléctricos e de campos magnéticos,

sendo no entanto possível medi-los e avaliá-los. Por exemplo, um simples

condutor de uma instalação eléctrica doméstica em baixa tensão, sujeito a uma

diferença de potencial que origine um movimento de cargas eléctricas no seu

interior, será sede não só de um campo eléctrico devido ao movimento das

cargas mas também de um campo magnético concêntrico – ou seja, este

condutor, assim como todo o espaço envolvente, representam um espaço

electromagnético.

A energia electromagnética, artificialmente gerada por equipamentos e que se

propaga através de ondas, interage não só com outros equipamentos

geradores de ondas similares, podendo provocar anomalias – daí a importância

crescente dos estudos sobre incompatibilidades electromagnéticas (veja-se a

influência dos telefones celulares sobre os pacemakers cardíacos) –, mas

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8

também sobre os sistemas biológicos, daí que seja essencial a compreensão

de alguns conceitos físicos, que se apresentam seguidamente, para que se

possa analisar e entender os mecanismos de interacção entre os campos

electromagnéticos e os materiais biológicos.

Apesar das investigações iniciais dessa interacção se terem centrado essen-

cialmente nos efeitos resultantes das exposições a campos de elevada

intensidade, os estudos actuais debruçam-se cada vez mais sobre todas as

possibilidades, incluindo a influência de campos electromagnéticos muito

reduzidos. Apesar de, no espaço electromagnético, coexistirem campos

eléctricos e campos magnéticos, muito provavelmente os efeitos biofísicos

provocados por estes dois tipos de campos serão bastante diferenciados.

Quanto às grandezas que caracterizam o campo electromagnético, elas são as

seguintes, tanto vectoriais como escalares:

• Vector densidade de fluxo eléctrico ou vector deslocamento eléctricoDr

,

de módulo densidade de fluxo eléctrico ou deslocamento eléctrico D.

• Vector densidade de corrente Jr, de módulo densidade de corrente J.

• Vector densidade de fluxo magnético Br

, de módulo densidade de fluxo

B.

• Vector intensidade do campo eléctrico Er

, de módulo intensidade do

campo eléctrico E.

• Vector intensidade do campo magnético Hr

, de módulo intensidade do

campo magnético H.

• Constante dieléctrica, ou permitividade, do meio (material) dieléctrico ε.

O seu valor no vazio é ε0 = 8,854 x 10-12 farads/metro (F/m).

• Condutividade eléctrica do meio (material) condutor σ.

• Permeabilidade magnética do meio (material) magnético μ. O seu valor

no vazio é μ0 = 4 π x 10-7 henries/metro (H/m).

Outra constante importante utilizada em electromagnetismo, é a velocidade de

propagação das ondas electromagnéticas no vazio (velocidade da luz no

vazio), c = 3 x 108 metros/segundo (m/s). Na disciplina científica electroma-

gnetismo, é canónico efectuar-se o estudo da electrostática (cargas eléctricas e

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campo eléctrico invariantes no tempo), da corrente eléctrica estacionária

(corrente contínua, em que as grandezas intervenientes são invariantes no

tempo), da magnetostática (campo magnético gerado por corrente contínua,

sendo as grandezas intervenientes igualmente invariantes no tempo), e dos

campos eléctricos e magnéticos variáveis no tempo. Como se verá um pouco

mais à frente, estes estudos têm todos eles como base as 4 Equações de

Maxwell, que serão apresentadas de uma forma generalizada, mas que, para

cada estudo concreto, são particularizadas. Um outro aspecto importante, para

que se fique com a noção clara de que existem similaridades entre a

electrostática, a corrente eléctrica estacionária e a magnetostática, consiste

exactamente na apresentação dessas similaridades não só entre grandezas

vectoriais mas também entre grandezas escalares, como se mostra no quadro

2.1.

Estudo Grandezas vectoriais Grandezas escalares

Electrostática E D ε

Corrente Estacionária E J σ

Magnetostática H B µ

Quadro 2.1 – Grandezas características do campo electromagnético

e similaridades entre elas.

2.2.2. Campo Eléctrico Como é sabido, o átomo é electricamente neutro, sendo constituído por um

núcleo com protões, isto é, cargas eléctricas positivas, e por electrões, ou seja

cargas eléctricas negativas, que, em número igual aos protões, giram em

órbitas em torno do núcleo. Estas cargas eléctricas encontram-se presentes no

vácuo, no ar e no interior de condutores – quando os electrões se movimentam

no interior dos condutores e cabos eléctricos, tem-se a conhecida corrente

eléctrica; porém essas cargas podem-se movimentar no espaço de um local

para outro, criando assim a denominada electricidade estática, cujos efeitos

são por nós conhecidos, como por exemplo quando os nossos cabelos se

dispõem de uma forma erecta perante um objecto electrizado ou quando se

“apanha” um pequeno choque eléctrico ao tocar-se na estrutura metálica de um

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automóvel. Outro exemplo típico, natural, consiste nas trovoadas, em que as

nuvens, ao movimentarem-se na atmosfera, ficam carregadas fortemente com

cargas eléctricas, devido ao atrito com o ar.

Sempre que existam cargas eléctricas em movimento no interior de um condu-

tor, ou quando há cargas eléctricas de sinal contrário, separadas entre si,

existirá um vector intensidade do campo eléctrico E, que permite definir e

avaliar a diferença de potencial, ou tensão eléctrica, U, devida a essa

separação de cargas. Esta tensão, entre dois pontos do espaço ou entre dois

pontos de um condutor, pontos esses que se encontram, genericamente, aos

potencias eléctricos absolutos V1 e V2, é definida matematicamente como

sendo a circulação do vector intensidade do campo eléctrico Er

entre esses

dois pontos, ou seja:

∫ •=−= s sdEVVUrr

21

sendo ds o vector de definição do caminho de circulação do vector campo

eléctrico. Se estes dois vectores forem colineares, isto é, se tiverem a mesma

direcção e o mesmo sentido, como sucede entre as armaduras paralelas de um

condensador plano ou no interior de um condutor eléctrico, ao resolver-se o

integral obtém-se:

sEVVU =−= 21

sendo s, em metros (m), a distância entre os pontos 1 e 2. Esta tensão

eléctrica, expressa em joules/coulomb (J/C), equivalente em termos

dimensionais ao volt (V), representa o trabalho necessário para mover uma

unidade de carga eléctrica entre aqueles dois pontos 1 e 2. Como se constata,

através da última expressão, quanto mais elevada for a tensão eléctrica ou

quanto mais próximas estiverem as cargas entre si, mais intenso será o campo

eléctrico, cuja intensidade tem como unidade o newton/coulomb (N/C),

dimensionalmente equivalente ao volt/metro (V/m).

Basicamente, os campos eléctricos podem ser representados de uma forma

gráfica, como se mostra na figura 2.1, considerando apenas uma única carga

(a), em que as linhas de força do vector campo eléctrico são radiais, ou então

considerando duas armaduras planas, paralelas, carregadas com cargas

eléctricas de sinais contrários (b).

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Figura 2.1 – Linhas de força do vector intensidade do campo eléctrico:

(a) – devidas a uma única carga eléctrica

(b) – devidas a duas armaduras paralelas (condensador).

Por sua vez, na figura 2.2 mostra-se o campo eléctrico na zona envolvente do

coração humano, destacando-se as linhas de força do vector intensidade do

campo eléctrico assim como as linhas equipotenciais, isto é, as linhas cujos

pontos se encontram todas elas ao mesmo potencial. Note-se que se têm duas

cargas eléctricas iguais, mas de sinal contrário, constituindo o que se designa

por dipolo eléctrico.

Figura 2.2 – Linhas de força do campo eléctrico e linhas equipotenciais

no coração humano.

Por outro lado, observa-se ainda que as linhas equipotenciais são perpendi-

culares às linhas de força do vector intensidade do campo eléctrico e, além

disso, quanto mais próximas essas linhas equipotenciais se encontram das

respectivas cargas mais elevado é o valor do potencial eléctrico.

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Este facto deve-se à seguinte expressão:

VE ∇−=r

em que ∇ é um operador vectorial diferencial, conhecido da análise mate-

mática, representando ∇V o gradiente do potencial eléctrico V. Por conse-

guinte, esta expressão diz-nos, por um lado, que as linhas equipotenciais são

perpendiculares às linhas de força do vector intensidade do campo eléctrico, e,

por outro, que o vector intensidade do campo eléctrico tem o sentido dos

potenciais eléctricos decrescentes. Nas figuras 2.3 e 2.4 são visíveis estas

constatações.

Figura 2.3 – Linhas de força do vector intensidade do campo eléctrico e linhas

equipotenciais, entre duas cargas iguais (140 pC), mas de sinais contrários.

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Figura 2.4 – Linhas de força do vector intensidade do campo eléctrico e linhas

equipotenciais, entre duas cargas iguais (140 pC), e com o mesmo sinal.

Relativamente à figura 2.3, conclui-se que cargas eléctricas com sinais contra-

rios repelem-se, enquanto que, como se pode ver na figura 2.4, cargas com o

mesmo sinal atraem-se. Se, em lugar de cargas eléctricas, se tivessem por

exemplo condutores eléctricos rectilíneos percorridos por correntes eléctricas

invariantes no tempo, com a mesma intensidade, circulando com sentidos con-

trários ou com o mesmo sentido, os mapas apresentados seriam rigorosamente

iguais, com a única diferença de que, em lugar da carga eléctrica Q, expressa

em coulombs (C), se teria a intensidade de corrente eléctrica I, cuja unidade é

o ampere (A), dimensionalmente idêntica ao coulomb por segundo (C/s).

Saliente-se que este fenómeno, de atracção ou de repulsão entre condutores

percorridos por correntes eléctricas, foi pela primeira vez descoberto e

explicado pelo físico e matemático francês André-Marie Ampére, em 1820.

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Do exposto anteriormente, constata-se assim que, quanto mais próximo nos

encontrarmos de linhas áreas de transporte de energia eléctrica, de alta e

muito alta tensão, por exemplo 110 - 220 - 750 kV, mais intensos são os

campos eléctricos, daí os eventuais riscos inerentes da exposição a esses

campos eléctricos.

Na figura 2.5 mostram-se as linhas de força do vector intensidade do campo

eléctrico electrostático, bem como as respectivas linhas equipotenciais, no

espaço abaixo de uma nuvem de trovoada, carregada de cargas eléctricas.

Nesta mesma figura desenhou-se uma figura humana assim como uma trin-

cheira no solo, constatando-se, por um lado, que o campo eléctrico no fundo da

trincheira é inferior a 2000 V/m, enquanto que, na cabeça do humano, é

sensivelmente igual a 100000 V/m. Por conseguinte, durante a trovoada, o

risco de electrocussão do humano, ao manter-se em pé, é elevadíssimo, ao

passo que, se se deitar no chão da trincheira, é praticamente nulo (veja-se o

conselho que se encontra escrito na filactera). Este desenho comprova cien-

tificamente os sábios conselhos populares, a adoptar em campo aberto durante

as trovoadas, adquiridos empiricamente mas contudo correctos, de que nunca

se deve ficar em pé ou abrigarmo-nos debaixo de árvores, durante aquele tipo

de intempéries.

Figura 2.5 – Mapa das linhas de força do campo eléctrico electrostático (verticais),

e das equipotenciais (horizontais, na perpendicular), debaixo de uma núvem de

trovoada.

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Por sua vez, na figura 2.6 mostram-se os campos eléctricos e as equipotenciais

electrostáticas da atmosfera, numa situação de céu pouco nublado e com

condições propícias ao aparecimento de trovoadas, sendo de salientar que o

solo e a electrosfera constituem um enorme condensador de armaduras para-

lelas. As núvens mais carregadas (cumulo-nimbus), propícias ao desencadear

de trovoadas, comportam-se como um potente gerador de cargas eléctricas,

que vão carregando aquele condensador, deslocando-se as cargas eléctricas

positivas para a electrosfera e as cargas negativas para a parte inferior dessas

nuvens, concluindo-se que o campo eléctrico é bastante intenso. Em contra-

partida, quando as condições climatéricas são amenas (céu limpo, núvens

fracto-cumulus), os campos eléctricos são bastante reduzidos, e dirigem-se

exclusivamente para o solo.

Figura 2.6 – Campo eléctrico e equipotencias na atmosfera, em condições

de céu pouco nublado e de aparecimento de trovoadas.

Em electrostática, se se tiver um meio dieléctrico com uma constante die-

léctrica, ou permitividade, ε, em F/m, onde existam cargas eléctricas estáticas,

a relação entre a intensidade do campo eléctrico E (V/m) e a densidade de

fluxo eléctrico, ou deslocamento eléctrico, D (C/m2), é dada pela seguinte

expressão vectorial:

EDrr

ε=

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Note-se que D representa uma medida do campo eléctrico em termos da carga

eléctrica equivalente por unidade de superfície. Por outro lado, na prática, os

materiais dieléctricos são os materiais isolantes utilizados em electrotecnia.

Nas situações em que os vectores densidade de fluxo eléctrico e intensidade

do campo eléctrico são colineares, pode-se escrever:

ED ε=

Quanto à constante dieléctrica, é ainda usual definir-se a constante eléctrica

relativa εr, adimensional, tomando como referência a constante dieléctrica do

vazio, ou seja:

0εεε =r

Para a maioria dos materiais biológicos, os valores desta constante relativa

situa-se entre 1 (como para o vácuo) e cerca de 80.

Conforme se salientou anteriormente, o movimento de cargas eléctricas no

interior de um condutor, origina o aparecimento de uma corrente eléctrica.

Assim sendo, a relação entre a intensidade do campo eléctrico e a densidade

de corrente no interior do meio condutor, é expressa através da seguinte

expressão:

EJrr

σ=

sendo a condutividade eléctrica do meio (material) condutor σ expressa em

amperes/volt/metro (A/V/m), dimensionalmente equivalente a 1/ohm/metro

(1/Ω/m). Havendo colinearidade entre os dois vectores, pode-se ainda

escrever:

EJ σ=

2.2.3. Campo Magnético No subcapítulo anterior, o campo eléctrico foi estudado por meio de uma força

de carácter eléctrico entre cargas, que actua sobre uma linha estabelecida

entre essas cargas. Com o movimento de cargas eléctricas, outro tipo de força

é exercida ao longo dessa linha entre cargas.

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Esta força é representada através do vector intensidade do campo magnético

Hr

, o qual é devido às cargas eléctricas em movimento no espaço ou no interior

de condutores. Este vector, cujo módulo é H, expresso em amperes/metro

(A/m), é perpendicular à direcção da corrente eléctrica, e descreve círculos

concêntricos em torno do eixo longitudinal do condutor, como se esquematiza

na figura 2.7. Por conseguinte, sempre que existam condutores percorridos por

correntes eléctricas, estacionárias ou variáveis no tempo, existirão igualmente

campos magnéticos no espaço envolvente, também estacionários ou variáveis

no tempo. Ou seja, quem estiver próximo de linhas aéreas ou subterrâneas de

transporte de energia, ou mesmo em insta-lações domésticas ou industriais,

estará exposto a campos magnéticos e, consequentemente, aos seus

possíveis efeitos adversos.

Figura 2.7 – Linhas de força circulares do vector intensidade do campo magnético,

originadas pela corrente eléctrica que circula no interior do condutor.

Por conseguinte, existem campos magnéticos significativos gerados por cen-

trais eléctricas, linhas de transporte de energia, subestações eléctricas, trans-

formadores, catenárias de linhas ferroviárias eléctricas, painéis e anúncios

eléctricos, motores, e electrodomésticos, campos esses que facilmente pene-

tram noutros materiais, incluindo os tecidos humanos. Em geral, os campos

electromagnéticos são bastante intensos junto às fontes que lhes dão origem, e

diminuem bastante à medida que nos afastamos dessas fontes. Por outro lado,

as pessoas não sentem directamente a presença dos campos electroma-

gnéticos, todavia, quando a sua intensidade é elevada, podem causar uma

sensação visual tremeluzente, temporária, denominada magnetophosphenes,

que desaparece assim que a fonte do campo magnético é removida.

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Quando um campo magnético, caracterizado pelo vector intensidade do campo

magnético, penetra através de uma superfície seccional de um meio (material)

magnético, de permeabilidade μ, como se esquematiza na figura 2.8, o vector

densidade de fluxo magnético através dessa superfície é dado pela seguinte

expressão:

HBrr

μ=

em que a densidade de fluxo é expressa em webers/metro quadrado (Wb/m2),

unidade esta que é equivalente ao tesla (T), em homenagem ao físico e enge-

nheiro Nikola Tesla. Existindo colinearidade entre os dois vectores, pode-se

ainda escrever:

HB μ=

Tal como em relação à constante dieléctrica, é usual definir-se a permea-

bilidade magnética relativa, tomando como base a permeabilidade magnética

absoluta do vazio, ou seja:

0μμμ =r

Do ponto de vista do seu comportamento face aos campos magnéticos, os

materiais são classificados em 3 categorias distintas:

• Materiais diamagnéticos: A sua permeabilidade relativa é ligeiramente

inferior à unidade, como é o caso do bismuto (0,99983), da prata

(0,99998), e do cobre (0,999991).

• Materiais paramagnéticos: A sua permeabilidade relativa é ligeiramente

superior à unidade, como é o caso do ar (1,0000004), do alumínio

(1,00002), e do palladium (1,0008).

• Materiais ferromagnéticos: A sua permeabilidade relativa é bastante

elevada, como é o caso do níquel (600), do ferro (5000), e do

supermalloy (1000000).

Na prática, os materiais são classificados em não-ferromagnéticos (diamagné-

ticos e paramagnéticos), uma vez que a sua permeabilidade relativa se pode

considerar igual à unidade, isto é, μr = 1, e em ferromagnéticos, com μr >> 1.

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O fluxo magnético φ, expresso em webers (Wb), através de uma superfície de

área S, expressa em metros quadrados (m2), conforme se representa na figura

2.8, é definido como sendo a totalidade da densidade de fluxo magnético

através dessa superfície S. Supondo que as linhas de força do vector

densidade de fluxo magnético são perpendiculares à superfície, tem-se:

SHSB μφ ==

Figura 2.8 – Linhas de força do vector densidade de fluxo magnético B

através de uma superfície de área S.

Como exemplificação, esquematiza-se na figura 2.9 o espectro das linhas de

força do campo magnético gerado por um magneto permanente rectilíneo.

Figura 2.9 – Distribuição de linhas de força do campo magnético,

de um magneto permanente.

área S

B

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2.3. INDUÇÃO ELECTROMAGNÉTICA A magnetostática, como se compreende, representa o estudo do campo ma-

gnético com origem na corrente eléctrica estacionária, isto é, na corrente

contínua. Como tal, todas as grandezas intervenientes, eléctricas e magné-

ticas, são invariantes no tempo. A magnetostática abrange igualmente o estudo

dos materiais magnéticos permanentes, que possuem um campo magnético

também ele invariante no tempo, não havendo a presença de correntes

eléctricas estacionárias.

Todavia, quando um condutor ou um enrolamento eléctrico se encontram sob a

acção de um campo magnético estacionário no tempo, esse condutor ou esse

enrolamento permanecerão inertes, isto é, não será gerada qualquer força

electromotriz e, consequentemente, corrente eléctrica estacionária. Contudo,

em 1831, em Londres, o físico inglês Michael Faraday descobriu que os

campos magnéticos variáveis no tempo geram correntes eléctricas em circuitos

fechados, também variáveis no tempo, desde que esses circuitos se

encontrassem sujeitos à acção desses campos magnéticos. Este mesmo

fenómeno, conhecido por indução electromagnética, foi igualmente constatado,

quase em simultâneo mas de uma forma independente, pelo físico americano

Joseph Henry, em Albany, no Estado de New York. Na prática, esse fenómeno

é conhecido universalmente por Lei de Indução de Faraday, lei esta que é

considerada como das mais importantes da história da humanidade, na medida

em que representa a base teórica e científica para a construção, por exemplo,

de geradores, motores, transformadores, e fornos de indução.

Faraday, na sua investigação, concluiu que a intensidade da corrente induzida

no circuito fechado é proporcional não ao fluxo que abraça, mas sim à taxa de

variação negativa desse mesmo fluxo em ordem ao tempo. Para melhor com-

preensão, considere-se uma espira de condutor eléctrico, de forma rectangular,

com um comprimento total s e com uma área total S, conforme se esquematiza

na figura 2.10, sujeita à acção de um campo magnético variável no tempo,

caracterizado pelo fluxo φ, perpendicular à superfície. Atendendo a que o

campo magnético é variável no tempo, gera-se um vector intensidade do

campo eléctrico no interior do condutor da espira, de módulo E também

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variável no tempo, sendo assim a força electromotriz induzida na espira, f.e.m.,

variável no tempo, dada pela expressão:

sEsdEE sind =∫ •=rr

Figura 2.10 – Esquematização da Lei de Indução de Faraday.

Por outro lado, o valor instantâneo desta f.e.m. é também dado pela seguinte

expressão, que traduz, na sua forma original, a Lei de Indução de Faraday:

tddEindφ

−=

Como o valor instantâneo do fluxo magnético φ, através da totalidade da super-

fície S da espira, é dado por:

SB=φ

ter-se-á, finalmente:

)( SBtd

dEind −=

Analisando esta expressão geral da lei de indução, conclui-se o seguinte:

• Se B for invariante no tempo, e se a espira for mecanicamente inde-

formável (S constante), a f.e.m. induzida é nula.

S

φ

Eind

s

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22

• Se B for variável no tempo e se a espira não se deformar, existe f.e.m.

induzida, que tem a designação de f.e.m. estática ou de transformação,

e é característica dos transformadores eléctricos.

tdBdSEind −=

• Se B for invariante no tempo, mas se a superfície da espira for variável

ou se rodar em torno do seu eixo de simetria longitudinal, existe f.e.m.

induzida, que se designa por f.e.m. dinâmica ou de rotação, e representa

a base da existência de geradores e motores eléctricos de corrente

contínua e de corrente alternada.

tdSdBEind −=

• Se B for variável no tempo e, em simultâneo, se a superfície da espira

for variável ou se rodar em torno do seu eixo de simetria longitudinal,

existe f.e.m. induzida, com as duas parcelas anteriores – estática e

dinâmica. É característica dos motores de corrente contínua a trabalha-

rem em corrente alternada, como é o caso dos pequenos motores que

equipam diversos electrodomésticos.

tdSdB

tdBdSEind −−=

2.4. EQUAÇÕES DE MAXWELL Como se estudou anteriormente, um campo eléctrico produz sempre um campo

magnético e, inversamente, um campo magnético variável no tempo produz

sempre um campo eléctrico.

Esta interacção entre os campos eléctricos e os campos magnéticos dá origem

a uma região do espaço físico designada por campo electromagnético, em que

todos os seus fenómenos são traduzidos matematicamente pelas 4 Equações

de Maxwell que, na forma diferencial, apresentam o seguinte aspecto,

considerando os campos variáveis no tempo:

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23

tBE∂∂

−=×∇

rr

tDJH∂∂

+=×∇

rrr

0=•∇ Br

ρ=•∇ Dr

Nestas equações, e como já se salientou anteriormente, ∇ é um operador

vectorial, representando ∇ • um produto interno ou escalar (divergência), e ∇ x

um produto externo ou vectorial (rotacional). Por outro lado, ρ representa a

densidade de cargas eléctricas estáticas em volume, expressa em coulombs

por metro cúbico (C/m3).

A primeira destas equações relaciona o rotacional do campo eléctrico num

ponto do espaço com a variação da densidade de fluxo nesse mesmo ponto do

espaço. Fisicamente, esta equação mais não é que a forma diferencial da lei de

indução de Faraday. A segunda equação relaciona o rotacional do vector

intensidade do campo magnético num ponto do espaço, com a densidade de

corrente nesse mesmo ponto, compreendendo o segundo membro duas par-

celas, representando a primeira o vector densidade de corrente de condução

num meio condutor, e a segunda, a densidade de corrente de deslocamento

num meio dieléctrico (lei de Ampere). As correntes de deslocamento surgem

em qualquer dieléctrico desde que exista uma variação com o tempo do campo

eléctrico.

Note-se que as cargas eléctricas que se movimentam livremente no interior de

um material sob a acção de um campo eléctrico designam-se por cargas livres,

e que, sob a acção desse campo, deslocam-se livremente nos condutores,

dando origem às correntes eléctricas de condução. Por outro lado, as cargas

ligadas são cargas eléctricas que fazem parte da estrutura de alguns materiais

e que são mantidas em determinadas posições por acção das forças de coesão

moleculares, sendo o número de cargas ligadas positivas igual ao número de

cargas ligadas negativas. Os materiais assim caracterizados são designados

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por dieléctricos, ou materiais isolantes. Deste modo, quando um material iso-

lante fica sujeito à acção de um campo eléctrico, as cargas ligadas positivas

deslocar-se-ão no sentido dos potenciais decrescentes, enquanto que as

cargas ligadas negativas se deslocarão no sentido contrário, isto é, dos

potenciais crescentes, gerando assim as correntes de deslocamento eléctrico.

Por conseguinte, devido à acção do campo eléctrico as cargas ficarão

distribuídas à superfície do material, como sucede nos condensadores.

Quanto à terceira equação, exprime a continuidade do fluxo magnético, isto é,

diz-nos que as linhas de força do campo magnético fecham-se sobre si pró-

prias (lei de Gauss para o campo magnético).

Finalmente, a quarta equação relaciona a divergência do vector densidade de

fluxo eléctrico com a densidade volumétrica de cargas estáticas (lei de Gauss

para o campo eléctrico).

Adicionalmente, existem ainda mais 3 expressões, já expostas e analisadas

anteriormente, e que representam as denominadas equações de constituição

dos meios (materiais), respectivamente isolantes, condutores e magnéticos:

EDrr

ε=

EJrr

σ=

HBrr

μ=

sendo de salientar que a segunda das equações representa a Lei de Ohm na

forma diferencial. Se se particularizarem as Equações de Maxwell para a

electrostática, para a corrente eléctrica estacionária, e para a magnetostática,

obtêm-se, respecti-vamente, as seguintes equações:

• Electrostática – como não existem correntes de condução e campos ma-

gnéticos, tem-se:

0=×∇ Er

ρ=•∇ Dr

EDrr

ε=

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• Corrente Eléctrica Estacionária – como não existem correntes eléctricas

de deslocamento nem campos magnéticos, tem-se:

0=×∇ Er

EJrr

σ=

• Magnetostática – como não existem correntes de deslocamento nem

campos eléctricos, e a densidade de fluxo é invariante no tempo, tem-se:

JHrr

=×∇

0=•∇ Br

HBrr

μ=

No estudo da corrente eléctrica estacionária, isto é, da corrente contínua, existe

uma outra equação vectorial afim,

0=•∇ Jr

que explicita que as linhas de força do vector densidade de corrente são

contínuas, fechando-se sobre si próprias. Ou seja, num circuito eléctrico não se

verificam perdas na intensidade de corrente – por exemplo, se um determinado

receptor necessitar de uma intensidade de corrente de 10 A para poder

funcionar, quando se aplica aos terminais desse receptor a respectiva tensão

eléctrica, a corrente que circulará nos condutores de ligação terá sempre a

mesma intensidade, quer seja medida no condutor a montante ou no condutor

a jusante desse receptor.

Nas suas investigações, Maxwell concluiu que a luz mais não era que uma

onda de propagação, composta de electricidade e magnetismo, predizendo

assim a existência de ondas electromagnéticas a propagarem-se à velocidade

da luz. O próprio Albert Einstein baseou-se nos trabalhos de Maxwell,

prematuramente desaparecido, e que poderia ter desenvolvido a teoria da

relatividade. Sem dúvida que o seu trabalho foi, a todos os títulos, notável e

merecedor do Prémio Nobel, se tal já existisse no seu tempo.

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Como informação complementar, que consideramos importante, na figura 2.11

mostra-se o campo magnético terrestre, simétrico, enquanto que, na figura

2.12, se pode observar a deformação causada pela radiação solar (vento

solar).

Figura 2.11 – Campo magnético terrestre, simétrico.

Figura 2.12 – Deformação do campo magnético terrestre,

devido à acção da radiação solar.

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2.5. ENERGIA ELECTROMAGNÉTICA

É sabido, da teoria dos circuitos eléctricos, que a potência P, expressa em

watts (W), é igual ao produto da tensão eléctrica U, em volts (V), pela inten-

sidade da corrente eléctrica I, em ampéres (A). Como a potência representa a

taxa de variação da energia em jogo na unidade de tempo, a sua unidade (W)

corresponde ao joule por segundo (J/s). Na prática, é também usual

considerar-se a densidade de potência, isto é, a densidade de fluxo de potên-

cia, expressa em watts por metro quadrado (W/m2), e que representa a distri-

buição de potência por uma determinada área.

O fenómeno da energia electromagnética poder ser transmitida através do

espaço sem se recorrer a meios materiais condutores, é uma das ferramentas

de progresso mais importantes das modernas sociedades. Por conseguinte, há

que contabilizar a potência tendo em atenção esse fenómeno, o que é feito

através do vector de Poynting Pr

, definido através do produto externo ou

vectorial dos vectores intensidade do campo eléctrico e intensidade do campo

magnético, associados a uma onda de energia electromagnética:

HEPrrr

×=

A sua unidade é o (V/m) x (A/m) = (W/m2), sendo a sua direcção a da onda ele-

ctromagnética. Este vector, perpendicular ao plano definido pelos vectores

campo eléctrico e campo magnético, representa a densidade de potência

vectorial instantânea associada aos campos electromagnéticos num deter-

minado ponto, sendo função do tempo na medida em que o campo eléctrico e o

campo magnético são igualmente variáveis no tempo. Por outro lado, a inte-

gração do vector de Poynting ao longo de uma superfície fechada conduz à

potência total que flui através dessa superfície (teorema de Poynting).

Atendendo a que a energia electromagnética está associada directamente aos

vectores Er

e Hr

, existe um efeito sobre as partículas atómicas carregadas

electricamente, sobretudo os electrões, devido às suas massas serem reduzi-

díssimas. Adicionalmente, todas as partículas carregadas, que estejam em

movimento, possuem um campo eléctrico e um campo magnético a elas

associados. Por conseguinte, existe uma interacção entre os campos electro-

magnéticos exteriores e os campos electromagnéticos associados a essas par-

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ticulas em movimento, resultando não só na alteração do campo eléctrico e do

campo magnético das partículas, mas também no aumento da sua energia

cinética.

A absorção de energia por um meio (material) é definida como sendo a taxa

específica de absorção, conhecida universalmente por specific absorption rate

SAR, e que é igual ao quociente entre a taxa de energia transferida e a massa

do material, sendo a sua unidade o watt por kilograma (W/kg). Para um campo

electromagnético forçado, de forma sinusoidal, a SAR é dada pela seguinte

expressão, para cada ponto do material:

υεωσ

2)( ESARr

+=

sendo ω a frequência angular eléctrica do campo (s-1), e υ a densidade de

massa do material, em kg/m3. A SAR total de um corpo é obtida por média

aritmética dos valores das SAR calculados para todos os pontos do corpo.

Atendendo a que o vector de Poynting resulta do produto vectorial entre os

vectores campo eléctrico e campo magnético, constata-se que, para que esse

vector não seja nulo, ou seja, para que a potência transmitida através do

campo electromagnético exista, as direcções dos campos eléctrico e magnético

não podem ser paralelas, sendo essa potência máxima quando os campos

forem perpendiculares. Na prática, a potência transmitida é igualmente nula

quando um dos campos não existe, como sucede na vizinhança de cargas

eléctricas estáticas, devido à não existência de campo magnético.

2.6. CAMPOS ELECTROMAGNÉTICOS E RADIAÇÕES

Para campos electromagnéticos variáveis no tempo, os vectores Er

e Hr

são

dependentes entre si, podendo contudo ser independentes em determinadas

situações. Na prática, para frequências de 20 - 30 kHz e superiores, os campos

eléctricos e magnéticos não podem ser entendidos separadamente, ou seja,

deverão ser estudados como um todo, que é a onda electromagnética. Estas

ondas, previstas por Maxwell, através das suas equações, e tendo sido pela

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primeira vez investigadas pelo físico alemão Heinrich Hertz, podem propagar-

-se livremente no espaço e com perdas através dos materiais biológicos.

As ondas electromagnéticas de baixa frequência (tempo de período e compri-

mento de onda elevados) são usualmente referidas como sendo campos

electromagnéticos, enquanto que as ondas electromagnéticas de muito alta

frequência (tempo de período e comprimento de onda muito reduzidos) são

designadas por radiação electromagnética ou simplesmente por radiação.

Como se salientou anteriormente, as ondas electromagnéticas contêm um

campo eléctrico E e um campo magnético H, perpendiculares à direcção de

propagação das ondas, como se esquematiza na figura 2.13, propagação essa

que, no vácuo e aproximadamente no ar, se faz à velocidade da luz, isto é, a

c = 300 000 000 m/s, sendo a velocidade de propagação mais reduzida noutros

materiais como por exemplo os tecidos biológicos. Quanto mais reduzido é o

comprimento de onda, mais elevada é a quantidade de energia que é trans-

ferida para objectos similares em dimensão ao comprimento de onda.

Figura 2.13 – Onda electromagnética, com os seus campos eléctrico

e magnético, a deslocar-se ao longo do eixo z.

Todas estas ondas são caracterizadas pelo tempo de período T, em segundos,

pela frequência f, em hertzs, e pelo comprimento de onda λ, em metros, sendo

usual exprimir a frequência apenas em hertzs para as ondas de muito reduzida

frequência, como por exemplo na produção, distribuição e utilização de energia

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eléctrica, enquanto que, para as ondas de radiação electromagnética, ou seja,

de muito alta frequência, se utilizam os múltiplos Kilohertz (1 kHz = 103 Hz),

Megahertz (1 MHz = 106 Hz), e Gigahertz (1 GHz = 109 Hz). Por exemplo, as

ondas de rádio AM (modulação de amplitude, Amplitude Modulation) têm uma

frequência de 1 MHz e um comprimento de onda de cerca de 300 metros,

enquanto os microondas utilizam frequências de 2,45 GHz e comprimentos de

onda de 12 cm.

A frequência e o tempo de período encontram-se relacionados através da

seguinte expressão:

fT 1=

enquanto que o comprimento de onda no vazio (e, aproximadamente, no ar),

está relacionado com a frequência por meio da seguinte expressão:

fc

As ondas electromagnéticas consistem em minúsculos corpúsculos de energia,

que são os fotões, sendo a energia de cada fotão proporcional à frequência da

onda, de acordo com a seguinte expressão:

fh=Ve

representando o primeiro membro essa energia, em electrões volts (eV), e h a

constante de Planck, com o valor de 4,135667 x 10-15 eVs. Recorde-se que o

electrão volt é a variação de energia potencial a que fica sujeito um electrão

quando se movimenta de um ponto ao potencial V para outro ponto ao

potencial V+1 volt. Por outro lado, a quantidade de energia de um fotão por

vezes torna-o como que uma onda, enquanto que noutras, mais como uma

partícula – é um fenómeno que, na física, tem a designação de dualidade onda-

partícula da luz. Como exemplo desta dualidade, os fotões de baixa energia

das ondas de rádio-frequência comportam-se mais como se fossem ondas,

enquanto que os fotões de alta energia dos raios X parecem-se mais com

partículas.

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2.7. ESPECTRO DAS FREQUÊNCIAS ELECTROMAGNÉTICAS A evolução do espectro das frequências electromagnéticas nasceu com as

descobertas de Maxwell, Hertz e Marconi, espectro esse que, actualmente, tem

a configuração classificativa que se expõe na figura 2.14.

Figura 2.14 – Espectro das frequências electromagnéticas.

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Este espectro, que exemplifica para cada gama alguns equipamentos e sis-

temas típicos, estende-se das extremamente reduzidas frequências (extremely

low-frequency ELF) e muito reduzidas frequências (very-low frequency VLF), à

radiação de rádio-frequência (radio frequency radiation RFR), à radiação infra-

vermelha (infrared radiation IR), à luz visível, à radiação ultravioleta (ultraviolet

UV), aos raios X, e aos raios gama de frequências que excedem 1024 Hz. Por

outro lado, este espectro é ainda dividido em duas zonas – radiação não ioni-

zante, e radiação ionizante, encontrando-se a separação na zona da radiação

ultravioleta.

2.7.1. Radiação Não Ionizante Esta radiação é caracterizada pelo facto de não possuir energia suficiente para

causar a ionização em sistemas vivos. As fontes naturais – sol, radiação das

estrelas, outras fontes cósmicas –, são muito poucas e extremamente fracas.

Em contrapartida, com a explosão do desenvolvimento da engenharia electro-

técnica, a densidade de energia electromagnética criada pelo homem é

incomensuravelmente mais elevada que a energia electromagnética prove-

niente daquelas fontes naturais. Em geral, o sector não-ionizante do espectro

das frequências electromagnéticas encontra-se dividido em três gamas

principais: a) campos electromagnéticos de frequência extremamente reduzida,

b) radiação de rádio-frequência, c) radiação óptica não coerente.

a) Campos Electromagnéticos de Frequência Extremamente Reduzida Estes campos englobam todos aqueles cujas frequências não ultrapassam 3

kHz. Para esta gama de frequências, os comprimentos de onda no ar são

bastante elevados – 6000 km a 50 Hz e 5000 km a 50 Hz – e, além disso, os

campos eléctricos e magnéticos são independentes uns dos outros, sendo

igualmente medidos separadamente.

Estes campos são normalmente gerados por equipamentos de produção, trans-

porte e distribuição de energia eléctrica, por equipamentos de comunicações

estratégicas globais com submarinos imersos na água condutora, por toda a

variedade de electrodomésticos e de equipamentos de escritório, por comboios

eléctricos, por equipamento informático, e por motores eléctricos. Saliente-se

que esta gama de frequências não é propícia para ser utilizada em

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telecomunicações, devido à severa limitação de largura de banda e às difi-

culdades de se gerar energia através de antenas de dimensões razoáveis.

b) Radiação de Rádio-Frequência Esta radiação, que é constituída por ondas electromagnéticas que se propa-

gam no ar e no vácuo, e cujas frequências se situam entre 3 kHz e 300 GHz,

são utilizadas em radar, comunicações por satélite, em rádio e televisão, em

navegação aérea e marítima, em comunicações móveis sem fios, e em

comunicações móveis celulares.

A banda de frequências compreendida entre 30 kHz e 500 kHz, é designada

por banda de baixa frequência (low-frequency LF), sendo utilizada essencial-

mente nas comunicações aéreas e marítimas. A banda de médias frequências

(medium frequency MF), com comprimentos de onda inferiores a 200 metros, é

normalmente utilizada por rádio-amadores, sendo a banda de altas frequências

(high-frequency HF), entre 3 MHz e 30 MHz, aplicada nas comunicações

internacionais tradicionais, por satélite.

As bandas VHF e UHF, situadas entre 30 MHz e 3GHz, são especialmente

utilizadas nas comunicações móveis sem fios, nas comunicações móveis

celulares, e nas comunicações por satélite, encontrando-se as frequências das

comunicações móveis celulares situadas nas gamas 800-900 MHz e 1700-

-2200 MHz.

A frequência de 2,45 GHz é reservada para aplicações industriais, médicas e

científicas, e para fornos microondas. Por outro lado, as frequências acima de

3 GHz são divididas em duas categorias – super altas frequências (3 GHz a 30

GHz) e extra altas frequências (30 GHz a 300 GHz) –, sendo utilizadas em

radar, comunicações por rádio, e em serviços baseados em satélites.

c) Radiação Óptica Não Coerente Conforme se pode constatar do espectro da figura 2.14, a fronteira entre este

tipo de radiação e a radiação de rádio-frequência situa-se na zona dos com-

primentos de onda de aproximadamente 1 mm. A radiação óptica é outra com-

ponente do espectro de frequências electromagnéticas em relação à qual os

olhos humanos são bastante sensíveis, e compreende a radiação ultravioleta

(UV) e a radiação infra-vermelha (IV).

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34

Os raios ultravioletas (comprimentos de onda entre 5 nm e 380-400 nm), como

é sabido, encontram-se presentes na luz solar, sendo igualmente gerados por

diversas fontes artificiais, como por exemplo as lâmpadas e os monitores de TV

e de computadores e, como é do domínio público, podem originar reacções

fotoquímicas que conduzem a queimaduras graves e mesmo a cancros de pele

(melanomas), quando a exposição é prolongada como sucede com os

banhistas nas praias, com os trabalhadores rurais e com os trabalhadores da

construção civil. Contudo, em doses de exposição muito reduzidas, têm efeitos

benéficos na medida em que são responsáveis pela produção de vitamina D3,

essencial à vida humana para se evitar o raquitismo. Por outro lado, estes

raios, na sua maior parte, são retidos pela camada de ozono, que constitui uma

protecção natural essencial contra os raios ultra-violetas, daí a grande

preocupação com a sua redução, vulgo “buracos de ozono” em linguagem

popular.

A região da radiação ultravioleta compreende, por sua vez, três sub-regiões

classificadas em função dos valores dos comprimentos de onda e dos

respectivos efeitos biológicos:

• Ultravioletas A (UVA), com comprimentos de onda entre 400 nm e 315

nm, que originam fenómenos de fluorescência em diversas substâncias.

• Ultravioletas B (UVB), com comprimentos de onda entre 315 nm e 280

nm, que são os mais perigosos que atingem a terra através dos raios

solares.

• Ultravioletas C (UVC), com comprimentos de onda inferiores a 280 nm, e

que ocorrem na radiação emitida por arcos eléctricos de soldadura, não

existindo contudo na luz solar que atinge a terra na medida em que são

absorvidos pelo ar.

Quanto à luz visível, recebida pelos olhos, que a transformam em impulsos

interpretados pelo cérebro, abrange uma gama muito estreita de frequências,

estando o seu comprimento de onda compreendido entre 400 nm e 740 nm.

Por exemplo, o arco-íris, que tanta beleza nos transmite, representa uma parte

da luz visível.

Finalmente, a radiação infravermelha (IV), com comprimentos de onda situados

entre 750 nm e 1mm, inclui a radiação térmica, como sucede com o carvão em

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combustão, que não emite luz mas sim IVs, os quais são sentidos como calor.

Saliente-se que muitas das fontes emissoras de ultravioletas ou de luz visível,

emitem também, provavelmente, infravermelhos. Estas fontes podem ser

classificadas em naturais, como é o caso do sol, e em artificiais, caso das

lâmpadas de descarga, as chamas, as lareiras, e os aquecedores eléctricos. A

radiação infravermelha, tal como a ultravioleta, é subdividida em três bandas de

acordo com os seus efeitos biológicos:

• Infravermelhos A (IVA), com comprimentos de onda entre 0,78 μm e 1,4

μm.

• Infravermelhos B (IVB), com comprimentos de onda entre 1,4 μm e 3

μm.

• Infravermelhos C (IVC), com comprimentos de onda entre 3 μm e 1000

μm.

2.7.2. Radiação Ionizante Esta radiação comporta uma energia suficiente para conseguir remover ele-

ctrões das suas órbitas atómicas, transformando os átomos em iões, daí a sua

designação. Como exemplo de fonte de radiação ionizante, têm-se os núcleos

de átomos instáveis que, para se tornarem mais estáveis, esses núcleos

emitem partículas sub-atómicas e fotões de alta energia. Incluídos neste tipo de

radiação, têm-se os raios X, os raios gama, e os raios cósmicos. Esta radiação

de alta frequência, superior a 1015 Hz, é caracterizada por apresentar compri-

mentos de onda reduzidos e elevada energia, e pode causar alterações no

equilíbrio químico das células, com consequências graves para os materiais

genéticos.

A radiação ionizante contém taxas elevadas de energia nos seus quanta de

energia individuais – por exemplo, 12 eV ou mais –, tendo assim a capacidade

de expelir electrões das órbitas atómicas, daí que seja extremamente perigosa

para os seres vivos – cria radicais livres, aumentando assim os riscos de ano-

malias cromossómicas que poderão conduzir ao aparecimento de cancros.

Note-se que, quando um átomo possui um número de electrões (cargas

eléctricas negativas) nas suas órbitas, igual ao número de protões (cargas

eléctricas positivas) do seu núcleo, a sua carga eléctrica total é nula, sendo

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assim electricamente neutro. Todavia, quando adquire electrões a sua carga

eléctrica total será negativa, tendo-se assim iões negativos e, no caso de

perder electrões, ter-se-ão iões positivos, na medida em que a sua carga

eléctrica total será positiva. Além disso, enquanto que os átomos, por serem

electricamente neutros, não são nocivos, os iões, devido ao seu desequilíbrio

eléctrico, são muito mais activos quimicamente que os átomos, daí que a

radiação dita atómica – raios alfa, beta e gama –, é extremamente perigosa,

podendo causar gravíssimos problemas de saúde a médio e longo prazo, em

várias gerações, e causar a morte ao fim de muito pouco tempo. Veja-se as

consequências das explosões atómicas em Hiroshima e Nagasaki, assim como

do grave acidente na central atómica de Chernobyl.

a) Raios X Estes raios, também designados por raios Roentgen, em homenagem ao seu

descobridor, têm um comprimento de onda situado entre 10-9 m e 10-11 m,

possuem energia elevada, e têm um largo poder de penetração, sendo

produzidos quando os electrões situados num tubo de vácuo reagem com os

átomos de metais pesados, usualmente o tungsténio. Os raios X possuem a

capacidade de penetrarem nos tecidos vivos, assim como em diversos metais,

daí as suas aplicações em electromedicina (radiografias), e em engenharia na

inspecção de fendas superficiais em veios e em cordões de soldadura. Como

fontes naturais, tem-se o sol assim como as restantes estrelas.

b) Raios Gama Possuem os comprimentos de onda mais reduzidos do espectro das fre-

quências electromagnéticas, situados entre 10-10 m e 10-14 m e, simulta-

neamente, são os que têm mais energia, sendo gerados por átomos rádio-

activos e em explosões nucleares, apresentando um poder de penetração

bastante superior ao dos raios X. Todos os elementos radioactivos criados pelo

homem, como por exemplo o césio 137 e o plutónio 239, são fontes artificiais

de raios gama. Estes raios conseguem atravessar totalmente o corpo humano

ou serem absorvidos pelos tecidos, causando por conseguinte a morte de

células em todo o corpo. Contudo, o facto de possuírem a capacidade de

matarem células vivas, é aproveitado pela medicina oncológica para, em doses

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37

muito reduzidas, eliminarem as células cancerosas – quimioterapia e radio-

terapia.

2.8. MATERIAIS BIOLÓGICOS Para que se possa não só analisar os mecanismos de interacção entre os

campos electromagnéticos e o corpo humano, mas também compreender

todos os efeitos indesejáveis desses campos, efeitos esses que, espora-

dicamente, também se designam por “poluição eléctrica ou electromagnética”,

é fundamental conhecerem-se as características, ainda que de forma sucinta,

das células e dos tecidos que compõem o nosso corpo.

2.8.1. Células Todos os seres humanos são formados por um conjunto de biliões de células

vivas, que se agrupam entre si originando os nossos diversos órgãos, com a

finalidade de desempenharem as funções vitais da vida humana. Como se

sabe, existem células de diversas formas e tamanhos – por exemplo, as células

musculares podem ter alguns milímetros de comprimento, enquanto que as

células nervosas podem ter um comprimento superior a um metro –, tendo

comummente apenas alguns mícrons de diâmetro.

As células são constituídas, de uma forma geral, por uma fina membrana, que

envolve toda a célula, pelo citoplasma, que é como que uma matéria gelatinosa

encerrada na célula, e pelo núcleo. Contudo, nem todas as células possuem

um núcleo. Por exemplo, algumas células musculares possuem vários,

enquanto que as células que constituem os glóbulos vermelhos do sangue não

possuem nenhum. No interior do citoplasma existem diversos tipos de

pequenas estruturas designadas por organéis (organelles), com uma dimensão

que varia de algumas fracções do mícron até um mícron, consequentemente

com uma dimensão similar aos comprimentos de onda de determinadas ondas

electromagnéticas, e que são responsáveis por determinadas funções meta-

bólicas.

As células biológicas, além de serem estruturas muito complexas, possuem

ainda cargas eléctricas de elevada energia, que podem alterar a sua orientação

e o seu movimento, quando sujeitas à acção de campos eléctricos exteriores,

como se ilustra na figura 2.15, onde se constata que, devido ao campo eléctrico

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38

E, as cargas eléctricas positivas alteram a sua distribuição, concentrando-se

fortemente na zona da célula mais próxima da acção desse campo. Por

conseguinte, as interacções entre os campos electromagnéticos e os sistemas

biológicos são analisadas através das células, mais concretamente através das

interacções com a membrana celular, com o citoplasma, e com o núcleo.

Figura 2.15 – Estrutura eléctrica da célula humana, e influência da acção

de um campo eléctrico exterior

(a) – distribuição de cargas eléctricas, em situação normal

(b) – redistribuição de cargas eléctricas, devido ao campo eléctrico E

O núcleo das células contém a maioria da informação hereditária contida nos

genes e nos cromossomas, sendo os genes, como é sabido, constituídos pelo

ácido desoxiribonucleico ADN (deoxyribonucleic acid DNA), que apresenta a

forma de uma hélice. Quando uma célula se reproduz, utiliza toda a informação

armazenada no material genético do núcleo, sendo este material codificado

como uma longa sequência de diferentes moléculas orgânicas existentes no

ADN que, por sua vez, controla muitas das actividades celulares através da

sintetização de proteína, que, por sua vez, recorrendo às moléculas de ácido

ribonucleico ARN (ribonucleic acid RNA), sintetizadas pelo ADN, transfere

informação através do citoplasma das células, em três fases:

• Transcrição: Formação do “mensageiro” ARN a partir do ADN.

• Translação: Síntese da proteína, através do “mensageiro” ARN.

• Replicação: Duplicação do ADN.

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39

As células crescem, alteram-se e reproduzem-se através de um processo

contínuo, denominado mitose (mitosis), que começa no núcleo através da

duplicação e igual distribuição de cromossomas, e apresenta quatro fases:

• Profase (prophase): Os cromossomas aparecem fora do ADN, desa-

parecendo a membrana à volta do núcleo.

• Metafase (metaphase): Os cromossomas alinham-se ao longo do

plano equatorial.

• Anafase (anaphase): Os cromossomas separam-se.

• Telofase (telophase): As células dão origem a duas novas células.

As células sem núcleo não se conseguem dividir, enquanto que outras dão

origem aos embriões. Uma vez que a mitose compreende diversos processos

que podem ser afectados pela exposição a campos electromagnéticos, é dada

uma grande importância no que respeita aos cuidados a ter pelas grávidas,

relativamente a essa exposição. O estudo dos efeitos dos campos electro-

magnéticos sobre as diversas actividades dos cromossomas durante as quatro

fases da mitose, deverá representar uma área muito importante de inves-

tigação, na medida em que, conhecendo-se os mecanismos de interacção,

será possível combater os efeitos nocivos daqueles campos sobre o organismo

humano.

2.8.2. Tecidos Os tecidos humanos são materiais biológicos que resultam do agrupamento de

células entre si, ou da sua combinação com outros materiais, havendo quatro

tipos básicos:

• Tecidos epiteliais (epithelial tissues): Consistem em células com mem-

branas simples ou múltiplas, e desempenham as funções de protecção e

de regulação das secreções e absorções de materiais.

• Tecidos conectivos (connective tissues): Consistem em células de

materiais não vivos, tais como fibras e substâncias gelatinosas, e

suportam e ligam os tecidos celulares ao esqueleto. Compreendem

muitas das substâncias que asseguram a importante tarefa de

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40

transportar materiais entre células. Como exemplos têm-se os ossos e

as cartilagens.

• Tecidos musculares (muscular tissues): Consistem em células com 1

mm a 40 mm de comprimento e até 40 μm de diâmetro.

• Tecidos nervosos (nervous tissues): São utilizados para as actividades

sensoriais, de controlo e de governo do corpo humano, consistindo em

células nervosas com longas projecções, análogas a linhas de

transmissão, que enviam toda a informação não só ao sistema nervoso

central, oriunda dos receptores dispostos ao longo do corpo humano,

mas também do sistema nervoso central aos músculos, órgãos, e

glândulas.

2.9. CAMPOS ELECTROMAGNÉTICOS E RISCOS PARA A SAÚDE Será que a exposição a campos electromagnéticos acarreta riscos mais ou

menos graves para a saúde? Apesar das evidências cada vez em maior

número e cada vez mais baseadas em investigações científicas credíveis,

parece não existir uma resposta concisa e concreta a essa pergunta, talvez por

representar uma questão que tem levantado alguma controvérsia, técnica e

científica, e mesmo pública. Os campos electromagnéticos são o exemplo

flagrante de um produto criado e desenvolvido pela tecnologia, e que é utilizado

diariamente por ser essencial e imprescindível à vida quotidiana actual, apesar

dos eventuais riscos que possam acarretar. A discussão pública deve-se não

só ao aumento de conhecimentos por parte do público em geral e da sua

consciencialização para os problemas ambientais, mas também ao papel que

os meios de comunicação social têm vindo a assumir, tendendo essa

discussão para a seguinte questão crucial, que consiste em avaliar se os riscos

que se correm compensam todos os benefícios colhidos.

Sem dúvida que a utilização da energia eléctrica significa haver campos

electromagnéticos criados pelo homem, desde as residências particulares, os

locais de trabalho quer sejam escritórios ou fábricas, os meios de transporte

quer sejam rodoviários ou ferroviários, e o próprio meio ambiente devido às

telecomunicações e a antenas de outros sistemas, tendo os níveis de radiação

vindo a ser considerados como normais. Todavia, a controvérsia que tem vindo

a ser gerada assenta no pressuposto de que esses níveis são perigosos,

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41

podendo causar um sem número de doenças e anomalias, mais ou menos

graves, incluindo o cancro.

Durante bastante tempo, em épocas já ultrapassadas, as grandes preocu-

pações da opinião pública diziam respeito aos riscos inerentes aos operadores

de radar e à utilização de fornos microondas em ambientes residenciais e,

presentemente, as grandes preocupações e discussões situam-se nas teleco-

municações, mais concretamente, nas comunicações celulares. Presente-

mente, aceita-se que os modernos fornos microondas são inofensivos,

enquanto que, em relação aos radares, foram identificados alguns efeitos

térmicos tendo sido adoptadas medidas de precaução.

À medida que a tecnologia das comunicações celulares se tem vindo a

desenvolver, popularizando a utilização de telemóveis, a ideia dos efeitos

nocivos sobre a saúde está a constituir um foco de investigação, na medida em

que não existem muitos estudos científicos sobre a incidência na saúde pública

deste novo equipamento, e a informação existente é relativamente escassa.

Para muitos investigadores, os resultados obtidos confirmam as observações

realizadas durante anos acerca dos efeitos das radiações de baixa energia

sobre os sistemas vivos – acreditam que a exposição a pequenas quantidades

de energia de radiação tem o mesmo efeito que uma dose massiva de

químicos.

O problema permanente nesta controvérsia sobre os riscos da exposição a

campos electromagnéticos, consiste no conhecimento limitado acerca do facto

que campos muito específicos interagindo com o corpo humano possam ter

efeitos nocivos sobre a saúde. Estes efeitos variam de pessoa para pessoa,

havendo umas bastante mais afectadas que outras, devido às suas diferenças

naturais físicas e bioquímicas. Esta controvérsia tem sido polarizada

essencialmente por dois grandes grupos – o primeiro é constituído por todos

aqueles que protestam, muitas vezes sem quaisquer bases científicas, porque

acreditam que os efeitos dos campos e da radiação electromagnética é nociva

para a saúde, enquanto que o segundo engloba os industriais e os investi-

gadores de novos equipamentos, que não acreditam na existência daqueles

efeitos nocivos. À parte destes dois grupos, encontram-se os investigadores

científicos que, de boa fé, têm vindo a desenvolver trabalho honesto e sério

com a finalidade de se comprovar ou não a nocividade para a saúde humana

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42

da exposição a campos electromagnéticos. Presentemente, os resultados

obtidos não só através da modelização de determinados efeitos biofísicos mas

também de resultados epidemiológicos, permitem concluir que, de facto, há

riscos, uns maiores que outros, assim como consequências gravosas para os

seres vivos.

A concluir este capítulo e como curiosidade bastante significativa, apresentam-

-se de seguida os resultados obtidos pelo Engº José Manuel Santos,

publicados na Revista Electricidade 157/158, de Novembro/Dezembro de 1980,

com o sugestivo título alguns dados sobre campos electromagnéticos e suas

implicações biológicas, respeitando esse estudo a técnicos envolvidos

directamente em linhas aéreas e equipamentos de transporte de energia

eléctrica em alta e muito alta tensão.

Devido à procura, sempre crescente, de energia eléctrica, o transporte de

grandes potências tem vindo a ser realizado com níveis de tensão cada vez

mais elevados (Alta Tensão e Muito Alta Tensão), da ordem de 700 kV, 1500

kV e 2000 kV, por questões do ponto de vista económico no sentido de se

minimizarem as perdas no transporte. Por outro lado, desde a década de 1970,

do século passado, que os estudos sobre os efeitos biofísicos dos campos

electromagnéticos relacionados com o aparecimento dessas linhas de

transporte, foram intensificados nos Estados Unidos e na então ainda União

Soviética, tendo sido identificados três efeitos qualitativos:

• Efeitos neurofisiológicos produzidos pelas correntes eléctricas, como

consequência da variação no tempo (sinusoidal com uma frequência de

50 Hz) da indução electromagnética.

• Influência directa nos processos biológicos do organismo humano, tais

como a acção nos processos das hormonas e dos enzimas, e a acção

no desenvolvimento ósseo.

• Efeitos fisiológicos e psicológicos produzidos por pequenas descargas

que se verificam quando as pessoas, sujeitas a determinado potencial

eléctrico, tocam objectos a potenciais diferentes.

Parece não haver dúvidas quanto aos efeitos nocivos dos campos electro-

magnéticos sobre as funções cerebrais. Nos anos 70, o Brain Research

Institute of the University of Califórnia Los Angeles, procedeu a ensaios

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43

utilizando campos eléctricos compreendidos entre 7 V/m e 100 V/m, tendo

obtido os seguintes resultados:

• Para um campo de 7 V/m, à frequência de 7 Hz, o tempo de resposta

variou de 0,4 s para animais previamente condicionados à resposta em

intervalos de tempo de 5 s.

• Para um campo de 7 V/m, à frequência de 10 Hz, curiosamente não se

detectaram variações no tempo de resposta.

• Para campos de 100 V/m obtiveram-se tempos de resposta variáveis,

permanecendo os efeitos por intervalos de tempo significativos.

Ainda nos anos 70, concluiu-se laboratorialmente através de ensaios realizados

nos Estados Unidos e na União Soviética, que as capacidades cognitivas são

afectadas após uma exposição contínua de 24 horas a um campo magnético

de 10-4 T à frequência de 50 Hz, tendo-se verificado ainda que, em testes de

rapidez de resposta, as pessoas apresentaram um desempenho muito fraco.

Entre 1966 e 1970 foram realizados estudos bastante importantes e completos,

na União Soviética, com a finalidade de investigar e quantificar os efeitos dos

campos electromagnéticos das linhas de muito alta tensão, no que respeita à

fisiologia e comportamento humano. Nessa linha, foram examinados 45 traba-

lhadores de uma subestação de 500 kV, devido a queixas e reclamações

frequentes, motivadas pelos seguintes sintomas:

• Dor de cabeça permanente.

• Apatia.

• Sonolência.

• Disrupção nos sistemas digestivo e cardiovascular.

Além disso, um terço desses trabalhadores, com idades compreendidas entre

30 e 40 anos, queixaram-se de fraqueza sexual verificada 8 meses após o

início do seu trabalho naquela subestação. Os exames médicos resultaram no

seguinte diagnóstico:

• Patologia neurológica em 28 trabalhadores.

• Descontrolo funcional do sistema nervoso central em 26 trabalhadores.

• Deficiências na tensão arterial em 11 trabalhadores.

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44

• A intensidade máxima dos campos eléctricos na subestação era de 27

kV/m.

As conclusões gerais deste diagnóstico foram as seguintes:

1. Dados estatísticos

• Número total de trabalhadores da subestação: 45 (41 homens e 4

mulheres).

• Distribuição de idades:

menos de 30 anos – 10

entre 30 e 40 anos – 29

mais de 40 anos – 6

• Experiência profissional na subestação:

menos de 1 ano – 9

entre 1 e 3 anos – 25

mais de 5 anos – 11

• Tempos de exposição aos campos electromagnéticos:

pessoal da manutenção – mais de 5 horas por dia

pessoal de serviço – menos de 2 horas por dia

2. Potenciais eléctricos, campos e correntes medidos na subestação

• Próximo do equipamento em serviço, ligado à linha de transporte de

energia:

Tensão (kV)

Campo eléctrico (kV/m)

Corrente (µA)

Valor máximo 26 14,5 230 Valor médio 14 - 18 7,8 - 10 115 - 125

• Próximo do equipamento fora de serviço, desligado para intervenções de

manutenção:

Tensão (kV)

Campo eléctrico (kV/m)

Corrente (µA)

Valor máximo 4 2,2 35 Valor médio 2 1,1 15

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45

3. Sintomas clínicos

• Dores de cabeça, sonolência e sensação de fadiga: 41 trabalhadores.

• Descontrolo na actividade dos sistemas digestivo e cardiovascular: 4

trabalhadores.

• Fraqueza sexual: 1/3 dos homens com idades compreendidas entre 30 e

40 anos.

4. Resultados dos exames médicos

• Distúrbios neuro-patológicos: 28 trabalhadores.

• Descontrolo funcional do sistema nervoso central: 6 trabalhadores.

• Doenças cardiovasculares:

arteriosclerose – 3 trabalhadores

bradicardia – 12 trabalhadores

taquicardia – 5 trabalhadores

hipotensão – 7 trabalhadores

hipertensão – 4 trabalhadores

5. Resultados dos electrocardiogramas

• Sinus-bradicardia: 14 trabalhadores.

• Actividade anormal do sistema circulatório e ventricular: 10 traba-

lhadores.

• Variações difusas do miocárdio: 5 trabalhadores.

Como consequência destes resultados, sem dúvida altamente significativos

apesar de terem já cerca de 40 anos, a União Soviética elaborou os seus

regulamentos de segurança e protecção nessa matéria, sendo de destacar os

seguintes artigos:

• Ninguém poderá estar exposto a campos eléctricos de intensidade

superior a 25 kV/m, sem que existam barras de protecção para isola-

mento ou atenuação desses mesmos campos para um limite máximo de

5 kV/m.

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• Para um campo eléctrico de intensidade 25 kV/m, o tempo máximo

consecutivo de exposição é de 5 minutos.

• Para um campo eléctrico de 10 kV/m, a permissão de permanência

máxima consecutiva é de 180 minutos.

• Para campos com intensidades inferiores a 5 kV/m, não existe limite

máximo de tempo de exposição.

Para terminar, saliente-se ainda que se demonstrou, igualmente nos anos 70,

que a taxa de absorção específica das radiações electromagnéticas de alta

frequência depende fortemente da orientação do campo eléctrico em relação à

maior dimensão do corpo humano, como se mostra na figura 2.16, para um

campo eléctrico vertical e uma densidade de potência incidente igual a 10

mW/m2.

Figura 2.16 – Distribuição da taxa de absorção específica SAR (W/kg), de radiação

de alta frequência, para uma densidade de potência de 10 mW/m2.

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47

CAPÍTULO 3. CAMPOS ELECTROMAGNÉTICOS DE FREQUÊNCIAS EXTREMAMENTE REDUZIDAS

3.1. FONTES GERADORAS DE CAMPOS ELÉCTRICOS E MAGNÉTICOS Como é do conhecimento geral, a electricidade é a fonte de potência mais

comum do planeta, devido à facilidade da sua geração e do seu transporte a

qualquer distância. Desde o início do século XX que as indústrias baseadas na

energia eléctrica assim como as tecnologias afins são parte integrante da

nossa sociedade, e, consequentemente, a geração de campos eléctricos e de

campos electromagnéticos ocorre sempre que exista produção, transporte,

distribuição e utilização dessa energia. Com o aumento da oferta de energia

eléctrica, em todas as actividades humanas, como não poderia deixar de ser,

aumentaram os riscos e, evidentemente, os acidentes, sendo o mais conhe-

cido a electrocussão, mais conhecida em termos populares por “choque

eléctrico”, cujas consequências estão directamente ligadas com o nível da

tensão de contacto e com a frequência da corrente eléctrica, podendo causar a

morte por fibrilação ventricular (baixa tensão) ou por queimaduras irreversíveis

(média e alta tensão).

Em habitações, as fontes de campos electromagnéticos mais comuns são os

cobertores eléctricos, os aquecedores de camas com colchões de água quente,

os secadores de cabelo, as máquinas de barbear, as escovas de dentes

eléctricas, os televisores, as aparelhagens de rádio, os ares condicionados, os

aquecedores portáteis, as lâmpadas de descarga, os frigoríficos e as arcas

frigoríficas, as batedeiras e trituradoras, as máquinas de sumos, as varinhas

mágicas, as serras eléctricas de carne e pão, as máquinas de lavar e secar

roupa, as máquinas de lavar loiça, as máquinas de café, os aspiradores, os

desumidificadores, as torradeiras, as tosteiras, os exaustores de fumos, os

sistemas informáticos, os fogões e fornos eléctricos, os microondas, os

sistemas de alarme, os sistemas de accionamento de estores eléctricos, e os

sistemas de accionamento de portões e cancelas de garagens. Por outro lado,

nos locais de trabalho as fontes geradoras de campos electromagnéticos

incluem os sistemas informáticos e seus periféricos (computadores,

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impressoras, scanners), as máquinas de fax, as centrais telefónicas, as fotoco-

piadoras, as lâmpadas de descarga, os equipamentos de produção, transporte

e distribuição de energia eléctrica, os motores eléctricos, assim como muitos

dos receptores utilizados em habitações – por exemplo, os refeitórios onde

existe toda uma panóplia de equipamentos eléctricos de cozinha, os hotéis, e

as salas de convívio e de café nos escritórios. Saliente-se, curiosamente, que

todas estas fontes de campos electromagnéticos foram desenvolvidas apenas

de há um século para cá.

A atenção da opinião pública relativamente a possíveis efeitos nocivos da

exposição a campos electromagnéticos, focaliza-se nas situações em que

áreas residenciais, locais de trabalho e escolas se encontram nas proximidades

de linhas aéreas de transporte de energia eléctrica, devido ao receio de

desenvolvimento de doenças cancerígenas. Estas preocupações, em bastantes

casos, baseiam--se nos resultados obtidos em estudos epidemiológicos

realizados em amostras significativas de pessoas. Todavia, apesar do elevado

número de estudos científicos realizados, nos planos físico e biológico, não

corroborarem incondicionalmente a interacção entre os campos electro-

magnéticos e determinadas doenças, o interesse do público assim como a

investigação científica internacional têm vindo a aumentar de forma signi-

ficativa. Estes esforços, mesmo por vezes perante resultados contraditórios,

têm conduzido à elaboração de normas e procedimentos de segurança, como

se exemplificou no final do capítulo anterior, com o objectivo da protecção em

relação aos efeitos nocivos dos campos electromagnéticos.

3.1.1. Fontes de Corrente Contínua Como é sabido, as grandezas intervenientes no estudo da corrente contínua

são estacionárias, isto é, invariantes no tempo. Por conseguinte, atendendo a

que a frequência é igual a zero, ou seja, o comprimento de onda é infinito, a

corrente contínua figuraria na base do espectro das frequências electro-

magnéticas. Consequentemente, apesar de existirem campos eléctricos e

campos magnéticos, não há radiação, ou seja, não se verifica a excitação de

moléculas que se encontrem próximas de instalações e equipamentos de

corrente contínua, nem os consequentes aquecimentos. Os únicos sintomas

palpáveis relacionados com a existência de corrente contínua ocorrem nas

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proximidades de linhas e de equipamentos de muito alta tensão, e manifestam-

-se através da electrização dos cabelos, que ficam ligeiramente em pé, e pela

sensação de formigueiro no corpo. Outra manifestação de fontes de campos

eléctricos estacionários (DC fields) são as descargas eléctricas que acontecem

entre nuvens e entre estas e a terra, quando da existência de tempestades e

trovoadas. Atendendo aos extremamente elevados valores dos campos

eléctricos em acção, as suas consequências para os seres vivos, em caso de

descarga directa, são usualmente fatais, devido às elevadíssimas intensidades

de corrente de condução.

a) Magnetosfera O planeta Terra, como é do conhecimento geral, é constituído por quatro cama-

das: núcleo interior, núcleo exterior, manto, e crosta. O núcleo interior é sólido

e é composto essencialmente por ferro, e encontra-se a uma temperatura tão

elevada que o núcleo exterior é uma massa fundida, pastosa, com cerca de

10 % de enxofre. A grande concentração de massa encontra-se no manto, que

é constituído por ferro, magnésio, alumínio, silício, e silicatos, a temperaturas

superiores a 1000 oC. Quanto à crosta, tem uma espessura reduzida e é

relativamente fria, sendo constituída essencialmente por silicatos de cálcio,

sódio e alumínio.

A Terra é uma fonte de campos eléctricos e magnéticos estáticos, tendo o

campo eléctrico uma intensidade de cerca de 120 V/m junto ao solo, enquanto

que a densidade de fluxo magnético tem um valor de cerca de 50 μT, tendo as

linhas de força uma distribuição teoricamente simétrica, mas na prática com

uma deformação provocada pelas partículas das radiações solares (vento

solar, que comprime as linhas de força do lado do sol, e expande as que se

encontram no lado contrário), como se mostrou no capítulo anterior, sendo

esse espectro designado por magnetosfera, que se estende no espaço entre

80 km e 60000 km do lado do sol, e mais de 300000 km do lado contrário. No

espaço compreendido pela magnetosfera encontra-se plasma frio oriundo da

ionosfera terrestre, plasma quente com origem na atmosfera solar, e ainda

plasma muito quente acelerado até altas velocidades e que se pode comportar

como uma lâmpada de néon acesa, nas altas camadas da atmosfera,

originando as misteriosas auroras austrais e boreais.

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50

A actividade solar, através das forças electromotrizes induzidas pela corrente

ionosférica e pela corrente da terra, origina as denominadas correntes

induzidas geomagnéticas, as quais podem circular nas linhas de transporte de

energia eléctrica, através das ligações à terra, sendo essas correntes quasi-

-estacionárias, uma vez que a sua frequência é de apenas 1 Hz. A sua

influência poderá ser significativa – em neutros de transformadores de potência

na América do Norte e na Finlândia, foram medidas correntes de 184 A e 200

A, respectivamente.

b) Linhas de Transporte de Energia Eléctrica A produção e o transporte de energia eléctrica em corrente contínua pratica-

mente não existe, salvo algumas excepções, como sucede com a linha de alta

tensão por cabo entre o Reino Unido e a França, e a linha aérea que liga

Cabora-Bassa à África do Sul, por questões técnicas e económicas muito

particulares. Em ambas as situações, a geração é feita em corrente alternada

trifásica, à saída da central essa corrente é rectificada para corrente contínua,

e, no final das linhas de transporte, a corrente contínua é convertida para

corrente alternada.

Um sector de actividade onde a corrente contínua ainda apresenta um grande

peso, é a tracção eléctrica ferroviária. Nos centros urbanos, devido a questões

de segurança, os níveis de tensão são bastante reduzidos, tendo-se 550 V a

650 V nos fios de contacto de carros eléctricos e de trolley-buses, e 750 V no

terceiro carril de metropolitanos, enquanto que na tracção suburbana e

interurbana, as catenárias de alimentação possuem uma tensão nominal de

1500 V ou 3000 V.

c) Imagiologia de Ressonância Magnética A obtenção de imagens através de ressonância magnética é, actualmente, um

meio de diagnóstico médico de elevada importância, devido à alta resolução

conseguida na obtenção de imagens do interior do corpo humano. Os

equipamentos utilizados podem sujeitar o corpo humano a densidades de fluxo

estacionários, isto é, obtidos a partir da excitação em corrente contínua, de

2000 mT durante curtos períodos de tempo. Acredita-se que esta exposição é

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inofensiva para os humanos, todavia valores superiores àquele são conside-

rados críticos porque podem afectar a actividade eléctrica do coração.

3.1.2. Fontes de Corrente Alternada Os campos electromagnéticos gerados por corrente alternada (AC fields)

resultam da produção, transporte, distribuição e utilização da energia eléctrica

sob a forma alternada sinusoidal, com uma frequência de 50 Hz, exceptuando

os Estados Unidos, Canadá, Coreia, e Japão, que utilizam 60 Hz. Se bem que

a frequência fundamental seja 50 Hz ou 60 Hz, o corpo humano encontra-se

quase permanentemente sujeito a frequências bastante mais elevadas, que

podem atingir 50 kHz, originadas por equipamentos electrónicos como por

exemplo as televisões e os terminais de vídeo. Adicionalmente, os

accionamentos eléctricos controlados por variadores electrónicos de

velocidade, assim como os regimes transitórios que se manifestam nas

operações de ligação e de desligação de equipamentos, são também fontes

geradoras de campos electromagnéticos de frequências muito elevadas, que

podem atingir os MHz, isto é a gama das radiações de rádio-frequência.

Saliente-se que, quando se utilizam aparelhos electrónicos, devido à sua não

linearidade e aos regimes transitórios que são característicos do seu

funcionamento, a forma de onda da corrente não é alternada sinusoidal, mas

sim deformada face à sinusóide. Nestas situações, que são a maioria, essa

forma de onda é composta pela soma da sinusóide de 50 Hz, com outras

sinusóides de frequências múltiplas e que podem atingir valores muito

elevados.

Na prática, a influência dos campos magnéticos enfraquece à medida que

aumenta a distância da fonte geradora. Por exemplo, para um condutor

rectilíneo linear percorrido por uma corrente eléctrica, a densidade de fluxo é

inversamente proporcional à distância r desse condutor, para dois condutores

rectilíneos paralelos é inversamente proporcional a r2, enquanto que, para uma

espira ou para um enrolamento, será proporcional a r3. Estas relações, que

serão quantificadas seguidamente através das respectivas expressões de

cálculo das densidades de fluxo, são importantes na medida em que permitem

implementar esquemas de redução das acções dos campos electromagnéticos.

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52

Por conseguinte, tem-se assim, para os quatro tipos de fontes de campos

electromagnéticos através de correntes alternadas sinusoidais:

a) Condutor Simples Um simples condutor eléctrico rectilíneo percorrido por corrente eléctrica,

representa a fonte mais simples de geração de um campo magnético, cujas

linhas de força são circulares com centro no eixo longitudinal do condutor,

como se esquematiza na figura 2.7. Deste modo, sendo I a intensidade da

corrente eléctrica, µ a permeabilidade magnética do meio envolvente

(normalmente o ar), e r o raio de cada círculo descrito pelas linhas de força do

campo, a densidade de fluxo B ao longo desse círculo é calculada através da

seguinte expressão:

HrIB μ

πμ

==2

Na prática, esta situação encontra-se nos cabos de transporte de energia

eléctrica, nos fios aéreos de contacto em tracção eléctrica urbana, no terceiro

carril em metropolitanos, e nas catenárias em tracção eléctrica de médio e

longo curso, concluindo-se, através da expressão anterior, que a densidade de

fluxo e, consequentemente a exposição ao campo magnético, varia inversa-

mente com o afastamento do condutor. Por exemplo, em relação ao fio de

contacto de uma catenária de tracção eléctrica monofásica a 25 kV e 50 Hz,

percorrida num determinado instante por uma corrente com uma intensidade de

400 A, a densidade de fluxo magnético a 4 metros (aproximadamente a

distância a que se encontram as cabeças dos passageiros situados na gare,

junto aos comboios), e a 6 metros (aproximadamente junto à plataforma da

gare), tem os seguintes valores, respectivamente:

μT2,0 T10242

400104 57

=×=×××

= −−

ππ

cabeçaB

μT310, T103,162

400104 57

=×=×××

= −−

ππ

pésB

Atendendo a que a densidade de fluxo varia inversamente com a distância ao

fio de contacto, a diferença que se verifica não é muito significativa.

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53

b) Dois Condutores Paralelos A densidade de fluxo magnético B, a uma distância r dos dois condutores

rectilíneos paralelos, afastados entre si de d e percorridos por uma corrente de

intensidade I, em sentidos contrários, como se esquematiza nas figuras 2.3 e

3.1, varia inversamente com o quadrado daquela distância, de acordo com a

seguinte expressão:

22r

dIB=

Figura 3.1 – Campo magnético gerado por dois condutores paralelos,

percorridos por correntes em sentidos contrários.

Esta configuração encontra-se essencialmente em linhas de transporte de

energia eléctrica e em condutores das instalações eléctricas convencionais,

domésticas, públicas, e industriais.

c) Enrolamentos (Bobinas) Os enrolamentos, existentes em máquinas eléctricas rotativas e lineares,

transformadores, computadores e periféricos, microondas, fontes de alimen-

tação e em muitos electrodomésticos, são fontes de campos magnéticos impor-

tantes. Na figura 3.2 ilustra-se uma espira de uma bobina (loop), percorrida por

corrente eléctrica, e um dipolo magnético, que representa as linhas de força do

campo magnético, que é gerado e abraçado pelas espiras, tendo um trajecto

interior rectilíneo. O momento magnético do dipolo M, é igual ao produto da

intensidade da corrente que circula nas espiras da bobina pela área S da

superfície limitada por cada espira, ou seja:

SIM =

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54

Figura 3.2 – Espira de uma bobina, e dipolo magnético gerado

pela corrente que circula na bobina.

Por outro lado, a densidade de fluxo é dada pela seguinte expressão:

HrM

B 030

πμ

==

d) Linhas de Transporte Trifásicas Para esta situação, em que os três condutores se encontram afastados entre si

de uma distância d, a densidade de fluxo do campo magnético gerado pela

linha, varia inversamente com o quadrado da distância r, através da seguinte

relação:

246,3r

dIB=

Na figura 3.3 ilustra-se, através de um esquema unifilar, os vários andares de

um sistema de produção e transporte de energia eléctrica e, na figura 2.5,

mostra-se esse mesmo esquema, mas de uma forma mais compreensível. Na

Europa, de uma forma geral, as linhas aéreas trifásicas de transporte de

energia, em alta tensão, são dimensionadas com valores nominais de tensão

de 400 kV, 220 kV e 150 kV, havendo ainda linhas de 500 kV, 750 kV e 1500

kV, sobretudo na ex-União Soviética, devido às grandes distâncias a que é

necessário efectuar o transporte. Quanto às linhas trifásicas de distribuição, em

média tensão, as tensões nominais normalizadas são de 60 kV, 30 kV e 15 kV

e, no que respeita à rede de utilização em baixa tensão, tem-se 230 V (tensão

entre fases e neutro) e 400 V (tensão entre fases).

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55

Figura 3.3 – Esquema unifilar de um sistema de produção, transporte

e distribuição de energia eléctrica.

Figura 3.4 – Esquema tecnológico de um sistema de produção, transporte

e distribuição de energia eléctrica.

Por sua vez, nas figuras 3.5 e 3.6 esquematizam-se as configurações electro-

mecânicas dos postes de linhas aéreas de alta tensão, assim como a distribui-

ção dos respectivos cabos eléctricos. Relativamente à segunda figura, a confi-

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56

guração (a) – uma só linha, do mesmo lado dos postes, é a que origina maiores

campos magnéticos, a configuração (b) produz campos magnéticos reduzidos,

enquanto que a configuração (c) – uma só linha, em delta, é a mais benéfica

para a redução dos campos magnéticos.

Figura 3.5 – Configurações electromecânicas dos postes

de linhas aéreas de alta tensão.

Figura 3.6. – Distribuição dos cabos eléctricos em postes

de linhas aéreas de alta tensão

(a) – uma só linha, configuração simples

(b) – duas linhas, de cada lado dos postes

(c) – uma só linha, configuração em delta

Por sua vez, mostra-se ainda na figura 3.7 as linhas de força dos campos

magnéticos gerados pelos condutores em linhas aéreas de alta tensão. Apesar

dos campos magnéticos mais intensos serem gerados pelas linhas de muito

alta tensão, esses campos dependem igualmente das intensidades de corrente

nos cabos. Para tensões entre 400 kV e 415 V, as densidades de fluxo imedia-

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57

tamente abaixo dos cabos aéreos, na vertical, podem atingir, respectivamente,

40 µT e 1 µT. Alguns estudos experimentais estimam que as densidades de

fluxo no solo, nas proximidades de linhas de transmissão, em termos médios

situam-se entre 0,09 µT e 0,38 µT, podendo estes valores, com configurações

de instalação dos cabos mais favoráveis, reduzirem-se para valores entre 0,01

µT e 0,02 µT.

Figura 3.7 – Distribuição dos campos magnéticos em diferentes configurações

de linhas aéreas de transporte de energia eléctrica.

Analisando ainda as expressões anteriores, que relacionam a densidade de

fluxo dos campos magnéticos com a distância às fontes emissoras, conclui-se

que a maior das atenuações acontece com os enrolamentos eléctricos

(variação com 1/r3), e a menor com cabos eléctricos simples (variação com 1/r).

No caso das catenárias monofásicas em tracção eléctrica a 50 Hz, 25 Hz e 16

2/3 Hz, os campos magnéticos gerados podem atingir densidades de fluxo da

ordem de 0,5x10-4 T, valor este que se pode considerar relativamente elevado.

A presença de cabos eléctricos subterrâneos de transporte de energia situados

nas proximidades das habitações, contribui para a exposição dos seus mora-

dores aos efeitos dos campos magnéticos gerados por esses cabos, tendo-se

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58

medido no chão em habitações nessas circunstâncias, densidades de fluxo

médias da ordem de 0,03 µT, e valores máximos superiores a 0,13 µT.

No espaço envolvente de subestações em redes de transporte de energia elé-

ctrica, as densidades de fluxo, como é evidente, dependem dos níveis de

tensão, tendo-se, em termos médios e de uma forma geral, 10 µT para

subestações entre 275 kV e 400 kV, e 1,6 µT para 11 kV.

No que respeita a habitações particulares, situadas longe de linhas de trans-

porte de energia, o valor médio das densidades de fluxo em grandes cidades é

aproximadamente de 0,1 µT e, em cidades de pequena dimensão assim como

nos meios rurais, esse valor desce sensivelmente para metade. Contudo, nas

regiões metropolitanas cerca de 10 % das habitações possuem pelo menos

uma divisão com valores excedendo 0,2 µT. Por outro lado, estima-se que, à

volta de 0,5 % de habitações, a densidade de fluxo ultrapasse 0,2 µT devido à

sua proximidade de linhas de transporte de energia.

Relativamente aos edifícios públicos, é usual, por questões de aproveitamento

de espaço, instalar subestações e postos de transformação no seu interior,

originando, devido às intensidades de corrente elevadas, campos magnéticos

bastante intensos. Usualmente, nas áreas circundantes muito próximas desses

equipamentos as densidades de fluxo são muito elevadas – 1 µT a 100 µT –,

ou mesmo extremamente elevadas – 100 µT a 10000 µT.

No interior dos compartimentos de comboios eléctricos, e dependendo das

tecnologias e dos equipamentos utilizados, ao nível do chão têm-se densidades

de fluxo que podem atingir 0,2 mT, e algumas dezenas de µT nos assentos,

enquanto que a intensidade dos campos eléctricos pode alcançar 300 V/m.

3.1.3. Electrodomésticos Como se constata no dia a dia, a vida actual seria impossível sem a existência

de electrodomésticos, dos mais variados tipos, desde a máquina de barbear

até à máquina de lavar roupa. Estes equipamentos, como não poderia deixar

de ser, geram campos electromagnéticos cujas densidades de fluxo variam

inversamente com o cubo da distância, daí que a sua reduzida influência seja

atenuada ou praticamente inexistente em locais ligeiramente afastados,

apresentando-se no quadro 3.1 os valores das densidades de fluxo associadas

aos campos electromagnéticos gerados pelos electrodomésticos.

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Electrodomésticos Densidades de fluxo (μT)

Distância = 30 cm Distância = 90 cm

Monitor de computador 0,02 – 13,00 0,001 – 0,9

Máquina de fotocópias 0,005 – 1,80 0,00 – 0,20

Máquina de fax 0,00 – 0,016 0,00 – 0,003

Lâmpada fluorescente 0,50 – 2,00 0,02 – 0,25

Impressora 0,07 – 4,30 0,02 – 0,25

Scanner 0,20 – 2,60 0,009 – 0,30

Máquina de café 0,009 – 0,70 0,00 – 0,06

Máquina de lavar loiça 0,50 – 0,80 0,08 – 0,16

Fogão eléctrico 0,15 – 0,50 0,01 – 0,04

Forno microondas 0,05 – 5,00 0,011 – 0,45

Trituradora 0,05 – 4,00 0,009 – 0,40

Frigorífico 0,01 – 0,30 0,001 – 0,06

Torradeira 0,03 – 0,45 0,001 – 0,05

Relógio analógico 0,18 – 4,10 0,003 – 0,32

Relógio digital 0,03 – 0,57 0,00 – 0,13

Rádio portátil 0,04 – 0,40 0,003 – 0,10

Aspirador 0,70 – 2,20 0,05 – 0,13

Máquina de barbear 0,01 – 10,00 0,01 – 0,30

Secador de cabelo 0,01 – 7,00 0,01 – 0,03

Ventilador 0,04 – 8,50 0,03 – 0,30

Televisão a cores 0,02 – 1,20 0,007 – 0,11

Ferro de engomar 0,15 – 0,30 0,025 – 0,035

Aquecedor portátil 0,011 – 1,90 0,00 – 0,14

Máquina de lavar roupa 0,15 – 3,00 0,01 – 0,15

Quadro 3.1 – Densidades de fluxo associadas aos electrodomésticos.

Conforme se constata dos valores expostos, os níveis das densidades de fluxo

reduzem-se significativamente à medida que a distância aumenta. Apesar dos

valores apresentados serem insignificantes, sucede que, usualmente, o corpo

humano encontra-se exposto a diversos equipamentos em simultâneo, por

exemplo computadores, impressoras, scanners, faxs, lâmpadas fluorescentes,

televisão a cores, daí que as densidades de fluxo aumentem bastante.

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3.1.4. Monitores de Computadores O monitor (Vídeo Display Terminal VDT) é parte integrante de um sistema de

computadores, sejam fixos ou portáteis. Presentemente, as tecnologias utili-

zadas estão a conduzir à generalização de monitores, tanto em computadores

como em jogos de vídeo e ecrãns de televisão, de plasma e de cristal líquido

(Liquid Crystal Display LCD), em relação aos quais não existe ainda informação

concreta e desenvolvida no que respeita aos níveis de exposição da radição

electromagnética. Apesar dessa generalização acelerada, existem ainda moni-

tores de raios catódicos, de muito maior dimensão devido ao tubo de raios

catódicos, que ilumina o ecrã através de um bombardeamento de electrões.

Estes monitores podem emitir campos electromagnéticos que cobrem todo o

espectro de frequências, além de emitirem em todas as direcções, como se

mostra na figura 3.8.

Figura 3.8 – Radiação produzida por monitores de computador com tubo

de raios catódicos

(a) – campo magnético

(b) – campo eléctrico

Devido a essas particularidades, e atendendo a que a exposição aos monitores

acontece durante várias horas diárias, dia após dia como actividade laboral e

como actividade de lazer, as investigações sobre os efeitos das radiações

emitidas por monitores com tubo de raios catódicos têm incidido nos seguintes

parâmetros:

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61

• Emissão de radiação ultravioleta e de raios X (comprimentos de onda

inferiores a 400 nm).

• Radiação visível devido à luz visível na gama de frequências entre 4,3 x

1014 Hz e 7,5 x 1014 Hz, gerada devido à interacção entre os electrões

que bombardeiam o ecrã do tubo de raios catódicos e o fósforo existente

na face interior do ecrã.

• Radiação infravermelha gerada pelo aquecimento dos componentes

electrónicos.

• Radiação de rádio-frequência gerada pelos sinais electrónicos, pelo os-

cilador, e pelos circuitos electrónicos digitais.

• Campos eléctricos e campos magnéticos de reduzidíssima frequência

gerados pelo sistema de deflexão horizontal do tubo de raios catódicos e

pelo transformador de alta tensão. Saliente-se que este sistema de

deflexão opera entre 15 kHz e 100 kHz.

• Campos eléctricos e magnéticos gerados pelo sistema de deflexão

vertical do tubo de raios catódicos, pelo transformador, e pelos electrões

que chocam com a parede interior do ecrã. Este sistema de deflexão

opera entre 50 Hz e 80 Hz.

• Campos eléctricos estáticos, associados às altas tensões aplicadas à

superfície interna do ecrã.

• Ionização do ar envolvente.

• Gases químicos gerados pela degradação progressiva dos componentes

electrónicos.

Como o vidro dos tubos de raios catódicos contém chumbo, o próprio vidro

absorve a baixa energia dos raios X assim como dos raios ultravioletas, sendo

assim a luz visível a única radiação emitida. Por outro lado, a radiação infra-

vermelha provoca um aumento de temperatura no local de trabalho envolvente.

Na prática, contudo, os níveis de raios X, ultravioletas, luz visível, e infraver-

melhos, são consideravelmente inferiores aos valores consignados nas normas

de segurança relativas aos tubos de raios catódicos normais.

Contrariamente às crenças populares, a maior parte dos campos electro-

magnéticos não radiam a partir directamente da superfície do ecrã do monitor,

mas sim do equipamento existente no interior do monitor, campos esses que

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62

resultam de fenómenos de indução electromagnética, sendo atenuados pelos

construtores quando da fabricação dos transformadores de alta tensão, através

da colocação de uma malha absorvente desses campos.

Quanto aos modernos monitores LCD e de plasma, não emitem campos ele-

ctrostáticos nem raios X, na medida em que consomem muito pouca energia, o

que implica que a emissão de campos electromagnéticos seja muito reduzida.

Adicionalmente, devido à fonte de alimentação e ao tipo de iluminação do ecrã,

os campos electromagnéticos de frequência reduzidíssima são bastante

baixos.

3.1.5. Incompatibilidade Electromagnética Adicionalmente aos seus efeitos sobre os sistemas biofísicos, os campos ele-

ctromagnéticos gerados pelos equipamentos podem provocar interferências

entre si, afectando por vezes de forma grave e significativa, o seu funciona-

mento. Basta recordar as proibições actualmente em vigor, no que respeita à

utilização de telefones celulares, computadores portáteis e jogos de vídeo no

interior dos aviões, devido à sua interferência nos sistemas electrónicos de

bordo, vitais para o bom funcionamento e segurança das aeronaves.

Os sistemas de armazenamento de informação através de fita magnética são

susceptíveis à exposição a campos electromagnéticos da ordem de 10 mT,

podendo essa informação armazenada ser afectada. Apesar desses campos

não se manifestarem a frequências de 50/60 Hz, o problema também existe

devido à influência de campos eléctricos electrostáticos.

Os equipamentos electrónicos utilizados nos sistemas de controlo de veículos

são sensíveis a campos electromagnéticos da ordem de 2 mT, agravando-se a

influência a frequências elevadas.

Os relógios electrónicos analógicos, que utilizam um motor passo a passo para

o accionamento dos ponteiros, são bastante sensíveis à acção de campos

magnéticos externos, da ordem de 1 mT, na medida em que esses campos são

capazes de promover o accionamento do motor a velocidades superiores à

correspondente a 60 impulsos por minuto. Quanto aos relógios electrónicos

digitais, são igualmente sensíveis aos campos electromagnéticos, podendo

adiantar-se, atrasar-se ou mesmo parar.

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63

As imagens mostradas em ecrãs de computadores podem tornar-se instáveis,

movimentando-se, especialmente em zonas onde existam campos electro-

magnéticos, devido à interferência desses campos na trajectória dos electrões

que são projectados contra a parede interior do ecrã. Este fenómeno começa a

ser notado para interferências de 1 μT e será bastante sério a 10 μT.

Finalmente, campos magnéticos relativamente intensos, da ordem de 20 μT a

50 Hz, originam interferências electromagnéticas em pacemakers cardíacos e

noutros equipamentos electrónicos implantados no corpo humano, assim como

em equipamentos utilizados em electromedicina.

3.2. EFEITOS BIOFÍSICOS DOS CAMPOS ELECTROMAGNÉTICOS Em termos de conceito, ocorre um efeito biológico quando a exposição a

campos electromagnéticos provoca alterações detectáveis ou visíveis em

sistemas vivos. Esse efeito pode, por vezes, mas não sempre, causar pro-

blemas de saúde adversos, o que significa que existirá uma mudança que

excede os parâmetros normais, ocorrendo esta situação quando os meca-

nismos naturais de defesa do próprio sistema de vida perdem a sua capa-

cidade de reacção e de compensação da agressão externa. Quanto à forma

como se manifestam, os efeitos biológicos podem causar alterações gravís-

simas de saúde num curto espaço de tempo – por exemplo, as consequências

de uma exposição a raios gama de grande amplitude –, ou então originar

alterações cujas consequências se manifestarão apenas passados bastantes

anos – por exemplo, os problemas de saúde derivados da excessiva exposição

aos raios ultravioletas, durante anos e anos. Por conseguinte, é fundamental

conhecer-se os efeitos biológicos, no sentido de se poder compreender de

forma concisa os riscos inerentes à saúde.

Um exemplo bastante elucidativo, e que ocorre no dia a dia, diz respeito à

exposição aos raios solares, que representam uma das formas mais familiares

de radiação não ionizante. A protecção do corpo humano a esta radiação é

assegurada pela melanina, que é um pigmento que confere à pele a sua cor

mais escura e providencia a sua protecção contra a radiação ultravioleta e a luz

visível. Os efeitos da luz solar são também controlados por nós, utilizando

protectores de pele, assim como óculos escuros para se reduzir os riscos de

aparecimento de cataratas anos mais tarde. Como consequências nocivas de

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uma exposição prolongada, têm-se ainda os riscos de queimaduras graves e

do aparecimento de malanomas (cancros da pele). Todavia, quando as expo-

sições são moderadas, existe o efeito benéfico que consiste na produção de

vitamina D pelo corpo humano, que ajuda à absorção de cálcio pelos tecidos

ósseos.

No dia a dia, os sistemas vivos encontram-se expostos a campos electroma-

gnéticos de frequências extremamente reduzidas, emanados de diversas

fontes, já citadas anteriormente, como por exemplo as centrais eléctricas, os

transformadores, as linhas de transporte de energia, e toda a panóplia de

electrodomésticos do nosso quotidiano. Normalmente, a exposição a estes

campos ocorre a distâncias muito inferiores ao seu comprimento de onda, daí

que os campos eléctricos e os campos electromagnéticos sejam tratados sepa-

radamente (note-se que o comprimento de onda no vácuo e, aproxima-

damente, no ar, é igual ao quociente entre a velocidade da luz e a frequência

das ondas electromagnéticas). Por exemplo, numa instalação eléctrica sob

tensão, mas sem receptores ligados, existe campo eléctrico mas o campo

magnético é nulo devido à não existência de corrente eléctrica, enquanto que,

num magneto permanente, existe campo magnético mas não há campo

eléctrico devido a não existir enrolamento de excitação. Contrariamente, na

radiação de rádio-frequência os campos eléctrico e magnético são indisso-

ciáveis. Por conseguinte, os efeitos biofísicos destes dois tipos de ondas

electromagnéticas são, necessariamente, diferenciados.

Por outro lado, apesar dos campos eléctricos e magnéticos ocorrerem, na

maioria das situações, em conjunto, tem sido dada maior importância à análise

dos efeitos nocivos dos campos magnéticos na medida em que são mais

difíceis de anular e têm um maior poder de penetração em edifícios e em seres

vivos, que os campos eléctricos.

3.2.1. Mecanismos de Interacção Tem vindo a ser estudado o modo como os campos electromagnéticos

interagem com os sistemas biológicos, sobretudo quando a energia associada

a esses campos não é suficiente para causar estragos em biomoléculas ou

aquecimento por indução, residindo a explicação talvez nas propriedades

electromagnéticas das células e dos tecidos humanos.

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65

A interacção electromagnética entre materiais encontra-se plenamente eluci-

dada e estudada, através das Equações de Maxwell, expostas e analisadas no

capítulo anterior. Apesar da sua aplicação aos materiais isolantes, condutores

e magnéticos ser relativamente fácil, na medida em que se consideram, na

prática, como sendo meios homogéneos, isto é, em que as suas propriedades

são iguais em todos os seus pontos, o mesmo não sucede com a sua aplicação

aos sistemas biológicos, devido à elevada complexidade e aos múltiplos níveis

de organização dos organismos vivos, complexidade essa que, uma vez

integralmente resolvida, permitirá o completo conhecimento dos mecanismos

de interacção biológica entre os campos electromagnéticos e os sistemas

biofísicos.

Os tecidos biológicos são materiais não magnéticos, daí que os campos ma-

néticos no interior do corpo humano sejam os mesmos que existem no seu

exterior, o que torna ainda o problema mais complexo uma vez que os efeitos

nocivos que se têm vindo a verificar são causados exactamente pela exposição

a campos magnéticos. Em relação à influência dos campos eléctricos, a situa-

ção é bastante diferente, como se ilustra na figura 3.9, em que se tem um

corpo humano sujeito à acção de um campo eléctrico externo paralelo à sua

maior dimensão – a altura –, com uma intensidade de 1 kV/m a 60 Hz.

Figura 3.9 – Campos eléctricos no corpo humano, exposto a um campo

eléctrico exterior de intensidade 1 kV/m a 60 Hz. Conforme se constata, a ligação entre o campo eléctrico aplicado exterior-

mente (1 kV/m), e os valores a que o corpo fica sujeito (de 0,3 mV/m na cabeça

até 10 mV/m nas pernas) é extremamente fraca, sendo estes últimos campos

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66

inferiores ao campo exterior em cerca de 10-7, raramente excedendo 10-4, e,

adicionalmente, são também bastante mais fracos que os campos eléctricos

induzidos naturalmente pelo coração, nervos, cérebro, e músculos. Ou seja, as

correntes que circularão no corpo humano induzidas pelo campo eléctrico

externo, têm intensidades significativamente inferiores às correntes naturais,

permanentes, existentes naqueles sistemas biológicos.

Têm sido propostos diversos mecanismos de interacção, todavia não comple-

tamente estabelecidos, que se descrevem seguidamente:

a) Correntes Induzidas Na gama dos campos electromagnéticos de frequências reduzidíssimas, os

materiais biológicos comportam-se como sendo meios condutores. A nível

microscópico, todos os tecidos são constituídos por células e fluídos inter-

celulares, sendo de salientar que estes fluídos possuem uma elevada

condutividade eléctrica. Por outro lado, devido à sua membrana, as células

comportam-se como meios isolantes, daí que as correntes induzidas nos

tecidos devido à acção de campos eléctricos de frequência reduzida circulem

apenas nos espaços circundantes das células. Por conseguinte, atendendo a

que o citoplasma das células é condutor e que a sua membrana é isolante, em

termos eléctricos as células são equivalentes a um circuito eléctrico constituído

por uma resistência (o citoplasma) ligada em série com um condensador (a

membrana). Uma vez que a espessura da membrana é inferior a 10 nm, a

capacidade do condensador equivalente é bastante elevada. Usualmente, para

frequências inferiores a 100 Hz a impedância dos materiais biológicos é

resistiva, devido ao reduzido valor da capacidade da membrana, que se pode

desprezar, na medida em que não ultrapassa 10 % do valor da impedância

daquele circuito equivalente. Contudo, esta sua contribuição aumenta com a

frequência das correntes induzidas.

Deste modo, a influência dos campos electromagnéticos em sistemas bio-

lógicos traduz-se pela sua capacidade em induzir correntes nas membranas

das células e nos fluídos intercelulares. Por sua vez, como essas correntes são

correntes de curto-circuito, elas próprias irão gerar campos magnéticos

concêntricos a esses circuitos, cujas intensidades são baixíssimas daí que

possam ser negligenciados na medida em que os seus efeitos são nulos.

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Atendendo a que os circuitos por onde circulam as correntes induzidas são

constituídos por diferentes materiais biológicos, não homogéneos e com

condutividades anisotrópicas, essas correntes apenas poderão ser determi-

nadas através de modelos computacionais numéricos. Contudo, se se

considerar o corpo humano como um meio homogéneo e isotrópico, a

densidade de corrente J, em A/m2, poderá ser calculada analiticamente através

da seguinte expressão:

fBrJ σπ=

sendo σ (S/m) a condutividade eléctrica do corpo, r (m) o raio médio do trajecto

circular do campo magnético em torno da corrente induzida, B (T) a densidade

de fluxo, e f (Hz) a frequência do campo magnético e das correntes induzidas.

Alguns trabalhos de investigação apresentam os seguintes valores para essa

densidade de corrente: 2 mA/m2 para um campo de 100 μT a 60 Hz, e 30

μA/m2 para um campo de 1,41 μT.

O aquecimento dos tecidos devido às correntes induzidas por campos electro-

magnéticos de reduzidíssima frequência não constitui problema, excepto se

essas correntes forem bastante intensas, correndo-se o risco da estimulação

de células electricamente excitáveis, tais como os neurónios.

b) Biomateriais Magnéticos Todos os organismos vivos são essencialmente constituídos por compostos

orgânicos diamagnéticos, todavia contêm igualmente algumas moléculas

paramagnéticas – o oxigénio – assim como microestruturas ferromagnéticas –

o núcleo da hemoglobina e a magnetite –, estando estas magnetites biológicas

cobertas por finas membranas denominadas magnetosomas (magnetosomes),

que são um óxido de ferro com a composição Fe3O4.

Atendendo a que estas microestruturas magnéticas podem ser entendidas

como sendo pequenos magnetos permanentes, ficarão sujeitas à acção de

campos magnéticos exteriores, tendendo a movimentar-se devido à acção das

forças magnéticas de atracção majoradas exactamente pela acção desses

campos externos, podendo esse movimento, que tende a orientar as magneto-

somas segundo a direcção dos campos externos, causar perturbações bio-

físicas, que só acontecerão para campos magnéticos entre 2 μT e 5 μT.

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c) Radicais Livres Os radicais livres são átomos ou moléculas que possuem pelo menos um

electrão sem par, que é antinatural, instável e perigoso, na medida em que

estes electrões fazem com que os radicais livres colidam com outras

moléculas, que ficarão com a sua estrutura alterada transformando-se por sua

vez noutros radicais livres. Este fenómeno pode originar uma reacção em

cadeia que se auto-perpetua e na qual a estrutura de milhões de moléculas é

alterada numa questão de nanosegundos, destruindo o DNA, as moléculas das

proteínas, os enzimas e as células.

Estes radicais livres são marcadamente reactivos, existindo apenas por perío-

dos muito reduzidos, inferiores a 1 ns, porém o seu efeito é devastador devido

aos diversos tipos de cancro que provocam, motivados pelos estragos que

esses radicais originam no DNA, nas células e nos tecidos.

Os campos magnéticos estacionários podem influenciar a taxa de resposta de

reacções químicas envolvendo pares de radicais livres. Atendendo a que o

tempo de vida dos radicais livres é extremamente reduzido face ao tempo de

período das ondas dos campos electromagnéticos em geral, e das ondas

geradas por sistemas de energia (50 Hz) em particular, os campos electro-

magnéticos actuam praticamente não como ondas periódicas variáveis no

tempo mas sim como grandezas estacionárias durante a ocorrência daquelas

reacções provocadas pelos radicais livres. Além disso, os efeitos biofísicos

originados por campos inferiores a 50 µT são insignificantes.

Há também a considerar os efeitos do campo magnético terrestre sobre as

reacções dos radicais livres, tudo levando a crer, com base em estudos teórico-

-práticos, que tais efeitos são teoricamente concebíveis para campos geo-

magnéticos da ordem de 0,1 mT. Contudo, esses efeitos são muito reduzidos –

provocam um aumento de apenas 1 % nas concentrações de radicais livres.

Além disso, o organismo humano possui defesas altamente sofisticadas que

combatem os radicais sob condições normais de vida.

d) Membrana Celular e Ligação Química Acredita-se cada vez mais que a membrana celular tem um papel principal nos

mecanismos de interacção entre os campos electromagnéticos e os sistemas

biológicos, julgando-se que os receptores situados nas membranas são, prova-

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69

velmente, o local onde têm início as interacções entre os tecidos e os campos

electromagnéticos, em relação a muitos neurotransmissores, enzimas, e reac-

ções químicas que desenvolvem carcinomas. Por assim dizer, as células

biológicas são estruturas bioelectroquímicas, que interagem com o seu meio

ambiente através de vários caminhos, incluído os fenómenos físicos, químicos,

bioquímicos e eléctricos. Outra teoria interessante afirma que os iões, especial-

mente os iões de cálcio, podem jogar o papel de ligação química entre os

campos electromagnéticos e os processos de vida, na medida em que as

propriedades eléctricas e a distribuição dos iões à volta das células são

condições perfeitas para o estabelecimento de interacções com campos

electromagnéticos exteriores.

Outras investigações afirmam que os campos eléctricos de baixa frequência

podem excitar as membranas das células, causando choques eléctricos ou

outros efeitos. Para as frequências comerciais de 50 Hz e 60 Hz, a densidade

de corrente necessária para provocar esses choques situa-se sensivelmente

em 10 A/m2, à qual corresponde um campo eléctrico com uma intensidade de

100 V/m nos tecidos. Além disso, os campos eléctricos podem ainda criar

poros (furos) nas membranas celulares devido às correntes eléctricas indu-

zidas, o que sucede para diferenças de potencial entre as membranas de 0,1 V

a 1 V, tensões estas que requerem campos eléctricos na vizinhança das

células de pelo menos 105 V/m. Note-se que estes valores são elevadíssimos

se se pensar exclusivamente na exposição a ondas electromagnéticas de fraca

energia, todavia acontecem na situação de choques eléctricos em média e alta

tensão, daí a inevitável electrocussão com queimaduras gravíssimas ou

mesmo a morte biológica.

3.2.2. Campos Electromagnéticos e Cancro Apesar de existirem em grande número estudos teórico-práticos relacionados

com os mecanismos de interacção entre os campos electromagnéticos e os

sistemas biofísicos, assim como em relação a diversos efeitos nocivos, tem

vindo a ser dada uma atenção muito especial às possíveis interacções que

promovam o aparecimento e o desenvolvimento de carcinomas, devido a ser

uma doença particularmente grave. Essa atenção recai não só em aspectos de

investigação biomédica mas também nos resultados obtidos a partir de estudos

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70

epidemiológicos, como se exemplificou em detalhe no capítulo 2, sobre o caso

dos trabalhadores de uma subestação de 500 kV na ex-União Soviética.

a) Mecanismos do Cancro O termo médico “cancro” é utilizado para descrever cerca de 200 doenças dife-

rentes, todas elas caracterizadas pela destruição incontrolada de células. Esta

doença representa o caso de uma mitose incontrolável, em que as células se

dividem aleatoriamente, escapando às condições naturais de controlo exis-

tentes no corpo humano, ou seja, é essencialmente uma desordem genética ao

nível celular. As causas de muitas doenças cancerosas são desconhecidas,

todavia existem factores de risco que induzem alguns tipos de cancro, como

sejam o tabaco, o álcool, a alimentação, e a exposição a campos electroma-

gnéticos e a radiações, como sucede com os ultravioletas.

A radiação ionizante possui energia suficiente para provocar cancros de uma

forma rápida e fulminante, como sucede com a radiação atómica gama,

todavia, apesar da luz visível originar a fotossíntese, não se suspeita,

habitualmente, que induza o aparecimento desta doença. Por outro lado, a

radiação solar ultravioleta, especialmente a UVB, está cada vez mais asso-

ciada ao aparecimento de cancros de pele (melanomas), enquanto que a

energia dos fotões em campos electromagnéticos a 50 Hz e a 60 Hz (2,5x10-13

eV) é insuficiente para induzir reacções químicas celulares conducentes ao

cancro.

Em geral, as doenças cancerígenas directamente associadas com a exposição

a campos electromagnéticos são a leucemia, o cancro cerebral, e o cancro da

mama.

b) Carcinogénese A transformação de células sãs em células cancerígenas é um processo

complexo, que comporta três fases diferenciadas, caracterizadas por um

conjunto de injúrias que afectam o material genético das células, sendo este

processo de produção de cancro, exposto na figura 3.10, designado por

carcinogénese multipassos ou multiníveis (multistep carcinogenesis). Este

modelo inicia-se nas células sãs, isto é, em bom estado, seguidamente

processa-se a com-versão de algumas células sãs em células pré-can-

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71

cerígenas, o passo seguinte consiste na conversão de algumas células pré-

cancerígenas em células cancerígenas, consistindo o último passo no desen-

volvimento de um tumor a partir das células cancerígenas.

Figura 3.10 – Modelo de carcinogénese multipassos.

O cancro humano é o resultado de uma acumulação de várias alterações gené-

ticas e epigenéticas que ocorrem numa determinada população de células, e

inicia-se através de danos no ADN, danos estes que usualmente são provo-

cados por um agente denominado genotoxina (genotoxin). Este agente pode

afectar vários tipos de células, dando origem a diversos tipos de cancro. Por

outro lado, um agente epigenético é alguma coisa que aumenta a probabilidade

de se contrair cancro através de um agente genotóxico.

Alguns estudos permitem concluir que não existem efeitos genotóxicos celu-

lares significativos, isto é, danos no ADN, aberrações cromossómicas,

mutações, e transformações celulares, originados pela exposição a campos

electromagnéticos de frequências reduzidíssimas, enquanto que outros

concluem que, de facto, existe alguma interacção epigenética.

De um modo geral, a exposição a campos electromagnéticos até 0,1 mT não

resulta em efeitos biofísicos celulares, como a actividade genotóxica e epige-

nética. Todavia, para campos superiores a 0,1 mT é possível haver já alguns

efeitos adversos.

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72

c) Hipótese da Melatonina Outra hipótese possível de interacção, sob investigação, diz respeito ao facto a

provar ou não, das exposições a campos eléctricos e magnéticos provocarem a

supressão de melatonina, que é uma hormona produzida pela glândula pineal,

localizada próxima do centro do cérebro. Esta hormona é produzida principal-

mente durante a noite e é introduzida na corrente sanguínea para se dispersar

através do corpo, encontrando-se presente nas células e contribui para a

destruição dos radicais livres, ajundado a reparar o ADN. A melatonina é

responsável pela regulação dos ciclos menstruais e dos ritmos circadianos. A

sua secreção decresce à medida que a idade avança, atingindo o seu máximo

na idade infantil e diminuindo gradualmente após a puberdade e, após os 60

anos, a secreção é inferior à da juventude.

A melatonina tem a propriedade de reduzir as secreções de hormonas que

promovem o desenvolvimento de tumores, e contribui ainda para aumentar a

citotoxicidade dos linfócitos destruidores do sistema imunitário. Por conse-

guinte, a sua produção é essencial para o sistema imunitário, o qual protege o

organismo das infecções e das células cancerígenas, daí que determinados

tipos de cancro proliferem quando os níveis de melatonina são baixos. É o caso

do cancro da mama, do cancro da próstata, e dos tumores malignos nos

ovários. Para melhor compreensão, na figura 3.11 ilustra-se as consequências

da redução dos níveis de melatonina.

Seguidamente expõem-se algumas conclusões interessantes, relacionadas

com a interacção entre os campos electromagnéticos e a produção de mela-

tonina:

• Existe supressão de melatonina com a exposição a campos electro-

magnéticos e, consequentemente, aumento dos riscos de desenvol-

vimento de carcinomas.

• A melatonina reduz as taxas de desenvolvimento de células cance-

rígenas relacionadas com o cancro da mama, todavia a exposição a

campos magnéticos de 1,2 µT a 60 Hz inibe a acção da melatonina.

• Estudos em ratos expostos a campos de 60 Hz e com densidades de

fluxo de 1 µT, 10 µT e 100 µT durante 12 horas ou durante 30 dias com

18 horas por dia de exposição, permitiram concluir que o nível de mela-

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tonina desceu cerca de 40 % para a exposição durante os 30 dias com

campos de 10 µT e 100 µT, e cerca de 20 % para a exposição a 100 µT

durante 12 horas consecutivas. Em contrapartida, não se observaram

quaisquer efeitos para a exposição a campos de 1 µT.

Figura 3.11 – Consequências biológicas da redução dos níveis de melatonina.

• Experiências realizadas com babuínos, expostos a campos eléctricos de

6 kV/m e campos magnéticos de 50 µT, ambos a 60 Hz, e a campos de

30 kV/m e 100 µT, igualmente a 60 Hz, durante 12 horas por dia em 6

semanas, não conduziram a quaisquer efeitos nos níveis de melatonina.

• A exposição nocturna a campos magnéticos de 100 µT e 50 Hz, por

períodos compreendidos entre 1 dia e 13 semanas, não conduziram a

quaisquer efeitos na redução do nível de produção de melatonina.

• Não se detectaram efeitos biológicos, isto é, redução do nível de mela-

tonina em jovens voluntários do sexo masculino, após uma exposição

durante 4 noites consecutivas a um campo magnético de 28,3 µT a 60

Hz, em experiências realizadas em 2000.

3.2.3. Estudos Celulares Conforme se salientou anteriormente, parece existir alguma relação directa

entre a exposição a campos electromagnéticos e o desenvolvimento de cancro,

de acordo com o processo sequencial que se esquematiza na figura 3.12. Para

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uma melhor compreensão do fenómeno, apresentam-se seguidamente alguns

dados obtidos por observação experimental.

Figura 3.12 – Efeitos dos campos electromagnéticos relacionados

com o desenvolvimento de doenças cancerígenas.

a) Efeitos Relevantes para o Cancro Material Genético O genoma humano representa a sequência química que contém a informação

básica para construir e desenvolver o corpo humano, e consiste em ADN e

moléculas de proteína associadas, sendo, além disso, organizado em estru-

turas designadas por cromossomas. Por seu turno, cada molécula de ADN

contém um número elevado de genes, que são a unidade física e funcional

fundamental da hereditariedade. Os genes podem ser entendidos como a infor-

mação armazenada na memória de um computador, sendo assim unidades de

informação no ADN que são utilizadas para fabricar as proteínas, entre outras

substâncias do corpo humano.

Estima-se que o genoma humano compreenda pelo menos 100000 genes. O

núcleo de cada célula contém 2 conjuntos de cromossomas, sendo um deles

dado pelo pai e o outro pela mãe, possuindo assim as células as características

dos pais biológicos. Por sua vez, cada conjunto possui 23 cromossomas

simples, um dos quais é o cromossoma do sexo, X ou Y – os indivíduos do

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sexo masculino possuem um par de cromossomas X e um par Y, enquanto que

os do sexo feminino possuem apenas um par de cromossomas X.

Quanto à influência dos campos electromagnéticos sobre o ADN, é possível

que os campos com intensidades superiores à do campo magnético terrestre,

natural, podem originar problemas na síntese do ADN, e, consequentemente,

aberrações nos cromossomas. Vejam-se, de seguida, os resultados de alguns

estudos realizados recentemente:

• Detectaram-se efeitos nocivos na síntese do ADN no cérebro de ratos

sujeitos a campos magnéticos de 0,1 µT, 0,25 µT, e 0,5 µT, a 60 Hz.

Esses efeitos nocivos afectam as funções celulares, podendo causar a

morte das células e o aparecimento de carcinomas.

• Foram detectados efeitos cancerígenos e alterações em grávidas –

danos no DNA de células amnióticas –, sujeitas a campos magnéticos

de 50 Hz e de 15,6 kHz.

• Exposições a campos magnéticos de 400 mT e 50 Hz, podem originar

mutações genéticas e, consequentemente, carcinomas.

Transporte de Cálcio Os iões de cálcio são partículas carregadas electricamente, e que desem-

penham um papel fundamental em diversos processos celulares, sendo um dos

mensageiros das comunicações intercelulares do corpo e, também, um regu-

lador do crescimento celular. Estes iões são essenciais para muitas das

funções celulares, especialmente para a transmissão de sinais extra-celulares,

para a regulação do transporte intracelular de compostos, para a libertação de

secreções, para o metabolismo dos ossos, e para as contracções musculares,

daí que seja muito importante manter um nível óptimo de cálcio no organismo.

O fenómeno da libertação de iões Ca++ das células devido à acção de campos

electromagnéticos é bem conhecido, especialmente no que respeita às células

linfáticas e cerebrais, podendo o seu excesso provocar distúrbios nas activi-

dades hormonais, conduzindo a leucemias e a outros tipos de cancro.

Proliferação e Diferenciação de Células A biologia da divisão e diferenciação celular é similar quer em células normais

quer em células cancerígenas, contendo estas últimas o complemento total de

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biomoléculas que são essenciais à sobrevivência, proliferação, diferenciação, e

expressão de muitas funções de células de tipos específicos. Consequen-

temente, falhas na regulação destas funções conduzem a doenças cancerí-

genas. O fenómeno da proliferação de células é bastante complexo, sendo um

processo regulado geneticamente e, por sua vez, a diferenciação é também um

processo complexo, no qual é induzida a expressão dos genes específicos das

células.

Através de ensaios realizados in vitro, constatou-se haver uma proliferação de

células expostas à acção de campos electromagnéticos.

Actividade Enzimática Tal como outras proteínas, as enzimas consistem em longas cadeias de amino-

ácidos, estando presentes em todas as células vivas e sendo responsáveis

pelo desempenho da importante função de controlar os processos metabólicos.

Uma enzima especial, a ornitina descarboxilase (ornithine decarboxylase ODC)

é bastante importante pelo papel que possui na regulação da multiplicação de

células através da síntese das poliaminas necessárias para a síntese das

proteínas e do ADN, e é, simultaneamente, uma enzima activada durante o

processo de carcinogénese, ou seja, um aumento da actividade da ODC

representa um sintoma de cancro.

Veja-se, seguidamente, quais os resultados de vários estudos sobre a

influência dos campos electromagnéticos sobre a enzima ODC:

• Existe um aumento da actividade das ODCs sob a acção de um campo

eléctrico alternado sinusoidal a 60 Hz e de intensidade 10 mV/m.

• Ensaios realizados em ratos, expostos a campos magnéticos de 10 μT

e 60 Hz, indiciaram um aumento da actividade dos linfomas.

• Mais de 10 anos de ensaios permitiram concluir que a exposição a

campos electromagnéticos aumenta a actividade das enzimas ODC,

tendo sido encontradas mudanças na actividade das ODCs devido a

campos magnéticos induzidos, assim como um aumento na taxa de

anormalidades fetais em embriões de galinhas em desenvolvimento.

• Encontrada uma redução na actividade de leucócitos humanos, quando

expostos a campos de 450 MHz modulados a 16 Hz.

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77

Hormonas

As hormonas são substâncias químicas formadas num órgão ou parte do

corpo, sendo transportadas através do sangue para outro órgão, alterando a

actividade funcional e, por vezes, a estrutura de um ou mais órgãos de uma

maneira específica. Na prática, existem diversos estudos que demonstram que

a diminuição do nível da síntese da melatonina assim como da sua secreção

pela glândula pineal, devido à exposição a campos electromagnéticos, está

associada ao aumento do risco de contracção de doenças cancerígenas.

Sistema Imunitário Este sistema mais não é que um mecanismo de protecção composto de um

número elevado de células interdependentes que, em conjunto, defendem e

protegem os seres vivos dos ataques de bactérias, micróbios, toxinas, para-

sitas, fungos, infecções virais, assim como da proliferação de células cance-

rígenas. Este sistema não é afectado por campos magnéticos de baixa energia,

como se concluiu através de estudos realizados em populações de ratos,

todavia, ainda em experiências feitas com ratos, detectaram-se alguns efeitos

visíveis sobre o sistema imunitário após 6 semanas de exposição a campos

magnéticos entre 200 µT e 2000 µT, e efeitos insignificantes para campos entre

2 µT e 20 µT.

Comunicações Intercelulares As interacções entre células e as transduções de sinais têm um papel de

primeira importância no desenvolvimento do sistema nervoso, sendo os sinais

eléctricos e químicos que circulam através das membranas celulares, os res-

ponsáveis pelas comunicações entre células. Acredita-se que os campos ele-

ctromagnéticos em geral, e os campos electromagnéticos de frequência extre-

mamente reduzida em particular, podem alterar as propriedades das mem-

branas, modificar as funções celulares, e interferir com a transferência de

informação entre células.

b) Efeitos não Cancerígenos A par das investigações relativas aos efeitos cancerígenos dos campos electro-

magnéticos, têm igualmente vindo a realizar-se diversos estudos sobre os

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efeitos não cancerígenos desses campos. Efeitos que têm como consequência

a divisão das células e a sua proliferação surgem com a exposição a campos

eléctricos e magnéticos de intensidades da ordem das dezenas de V/m e de

mT, surgindo a rotação eléctrica das células, assim como a sua fusão, sob a

acção de campos eléctricos entre 10 kV/m e 100 kV/m, como é o caso das

electrocussões a 50 Hz e a 60 Hz.

Um outro estudo internacional, realizado em seis países, submeteu os ovos de

duas incubadoras iguais a um campo magnético de 1 µT, sob a forma de

impulsos de 500 ms, com uma frequência de 100 Hz, tendo os resultados

globais constatado um aumento de 6 % no número de embriões defeituosos.

3.2.4. Estudos em Humanos São vários os efeitos nocivos que a opinião pública clama, por vezes sem

quaisquer bases científicas, devido às exposições a campos electroma-

gnéticos, sobretudo no que respeita às linhas aéreas de transporte de energia

eléctrica em alta e muito alta tensão. Esses efeitos incluem normalmente dores

de cabeça, alterações cardiovasculares, alterações neurológicas, confusão

mental, depressão, dificuldade de concentração, perturbação do sono, dimi-

nuição da líbido, e perturbações no aparelho digestivo, sendo as principais

fontes de informação as pessoas e os trabalhadores que habitam ou trabalham

muito próximo de fontes de campos electromagnéticos, os resultados labora-

toriais, e os dados epidemiológicos.

a) Sistema Cardiovascular Como é sabido, o coração é um órgão muscular bioeléctrico, daí que o seu

funcionamento seja analisado através dos sinais eléctricos emitidos – electro-

cardiograma e ecografia cardíaca. Na prática, densidades de corrente da

ordem de 0,1 A/m2 podem estimular os tecidos electricamente excitáveis,

enquanto que, valores superiores a 1 A/m2, interferem com a acção eléctrica do

músculo cardíaco, causando fibrilação ventricular e aquecimentos eléctricos

por efeito de Joule, que, usualmente, são as causas de morte por

electrocussão, quando da ocorrência de choques eléctricos por contacto

directo. Seguidamente, explicitam-se os resultados observados resultantes da

interacção entre campos electromagnéticos e o funcionamento do coração:

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• Em trabalhadores expostos a campos eléctricos de intensidade com-

preendida entre 12 kV/m e 16 kV/m, durante mais de 5 horas por dia,

constatou-se que a sua pulsação no final do dia de trabalho era, em

média, 2 a 5 pulsações por minuto mais baixa que no início do dia.

• A exposição de voluntárias do sexo feminino a campos electroma-

gnéticos de 20 µT e 60 Hz, permitiu concluir estatisticamente, com uma

margem significativa, que o número de pulsações cardíacas diminuiu.

• Um estudo intensivo sobre os efeitos dos campos electromagnéticos

sobre a alteração das pulsações de trabalhadores expostos a campos

gerados por linhas aéreas de alta tensão de 110 kV a 400 kV, estudo

esse que utilizou técnicas de registo ambulatório, constatou não se ter

verificado quaisquer alterações do ritmo cardíaco.

b) Síndroma da Fadiga Crónica Este síndroma (Chronic Fatigue Syndrome CFS), também conhecido como

Síndroma da Fadiga Crónica e Disfunção Imunológica (Chronic Fatigue and

Immune Dysfunction Syndrome CFIDS), é um termo clínico geral utilizado para

descrever uma doença emergente, que se caracteriza pela existência de fadiga

debilitante, problemas do foro neurológico, e uma variedade de outros sintomas

debilitantes. Esta doença deprime ainda o sistema imunológico, e afecta

adultos, crianças e adolescentes. Nos últimos anos, detectaram-se diversas

anomalias no sistema imunitário de pacientes com CFS, que incluem altera-

ções na actividade e na estrutura superficial celular em dois importantes tipos

de glóbulos brancos do sangue: células assassinas naturais e T-linfócitos.

Adicionalmente, a exposição a campos electromagnéticos afecta negativa-

mente o sistema imunitário, podendo causar uma disfunção hormonal e

mudanças ao nível das células. Ou seja, a exposição a campos electroma-

gnéticos constitui um risco potencial para os pacientes que padecem de

anomalias associadas à inexplicável fadiga crónica.

c) Sensibilidade Eléctrica A sensibilidade eléctrica (electrical sensitivity ES), igualmente conhecida por

hipersensibilidade electromagnética ou electrosensibilidade, é uma doença com

sintomas neurológicos e alérgicos, activados perante a exposição a campos

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electromagnéticos, sendo um problema de saúde pública, em crescimento. As

pessoas afectadas pela ES são particularmente sensíveis a determinadas

frequências eléctricas, reagindo de uma forma exarcebada quando expostas à

acção de campos electromagnéticos. Os sintomas desta doença incluem dores

de cabeça, irritação ocular, náuseas, vertigens, borbulhagem na pele, inchaços

faciais, fraqueza, fadiga, perturbações na concentração, dores nos tendões e

nos músculos, zumbidos nos ouvidos, dormências, dores e pressão abdo-

minais, dificuldades respiratórias, ritmo cardíaco alterado, paralisia, confusão

mental, alterações no equilíbrio, depressão, perturbações do sono, e alterações

na memória.

Por conseguinte, os pacientes que sofrem de sensibilidade eléctrica apre-

sentam uma hipersensibilidade à acção de campos electromagnéticos insen-

síveis ao público em geral, não existindo actualmente qualquer tipo de

tratamento.

d) Choques e Microchoques Eléctricos Um dos mecanismos de interacção entre os campos eléctricos de reduzi-

díssima frequência e os tecidos vivos, consiste na estimulação directa das

células e membranas excitáveis, o que demonstra a capacidade do corpo

humano para absorver correntes eléctricas e desenvolver choques ou micro-

choques, dependendo da intensidade dos campos eléctricos.

Saliente-se que o termo choque eléctrico é utilizado para descrever todas as

injúrias graves, provocadas pelas elevadas intensidades de corrente, e que

compreendem desde a perda de consciência à electrocussão mortal, passando

pelas queimaduras graves, enquanto que o termo microchoque eléctrico se

refere às arritmias cardíacas produzidas por correntes de intensidades muito

reduzidas, ao percorrerem o músculo cardíaco, normalmente através de um

cateter intravascular ou intracardíaco.

Para melhor compreensão dos efeitos térmicos causados por um choque

eléctrico, considere-se o exemplo de um trabalhador, electricista, que sofre um

contacto acidental, directo, numa mão, de um condutor eléctrico de média

tensão, a 60 kV. Considerando que os seus pés se encontram apoiados

directamente no solo, ao potencial zero, e sem qualquer protecção isolante,

pela lei de Ohm a intensidade da corrente que percorrerá o seu corpo, com um

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trajecto “mão – braço – peito – órgãos genitais – pernas”, será, tendo ainda em

atenção que a resistência eléctrica média do corpo humano se pode considerar

igual a 2000 ohms (Ω):

amperes30ohms2000

volts1060 3=

×==

RUI

valor este que é extremamente elevado, como se prova através da determi-

nação da potência calorífica desenvolvida por efeito de Joule no corpo do

trabalhador:

kilowatts1800watts1800000)amperes30()ohms2000( 22 ==×== IRP

Por sua vez, se o choque eléctrico tiver uma duração de 5 segundos, a energia

calorífica desenvolvida pelo corpo da vítima terá o seguinte valor:

horakilowatts5,2segundo)(wattsjoules9000000

)segundos5()watts1800000(

×==×==×== tPW

Ou seja, nos 5 segundos de duração do choque eléctrico, o corpo da vítima

desenvolveria uma quantidade de energia calorífica equivalente à que seria

libertada por uma resistência de aquecimento de 2,5 kW durante 1 hora!

Evidentemente que, nestas circunstâncias, os danos térmicos causados nos

tecidos e órgãos do corpo com toda a certeza que conduziriam a uma morte

inevitável.

Em termos quantitativos, estima-se que a densidade de corrente suficiente para

estimular a excitação das células situa-se em 1 A/m2, enquanto que, valores da

ordem de 10 A/m2, aos quais correspondem campos eléctricos de intensidade

100 V/m no interior do corpo humano, situam-se no limiar dos choques

eléctricos.

e) Sensações Visuais A acção dos campos electromagnéticos, que se reflecte através das correntes

eléctricas induzidas na retina, dá origem a tremuras nos olhos que, contudo,

não têm quaisquer efeitos degenerativos. O limiar do início dessas tremuras,

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para uma frequência de 20 Hz, acontece com densidades de corrente da

ordem de 20 mA/m2, ocorrendo a máxima sensibilidade entre 20 Hz e 30 Hz.

Esta sensação ocorre igualmente, sob a influência de campos magnéticos, a

partir de valores da ordem de 10 mT a 50 Hz e 60 Hz.

3.3. ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS A maioria dos resultados respeitantes aos efeitos dos campos electroma-

gnéticos sobre os sistemas biofísicos, são largamente baseados em conjuntos

de estudos de determinação epidemiológica, sendo o objectivo desses estudos

identificar as associações entre doenças e características ambientais particu-

lares, de modo a ser possível estabelecer uma relação do tipo “causa-efeito”.

Os estudos epidemiológicos permitem ainda estabelecer uma correlação histó-

rica de dados biológicos, para grandes amostras populacionais, ou seja, no

caso dos efeitos dos campos electromagnéticos os resultados obtidos podem

mostrar apenas a associação das pessoas com um determinado estímulo – a

exposição a esses campos –, desde que existam bastantes factores envolvidos

em cada uma dessas pessoas – por exemplo, os sintomas resultantes da

exposição. Contudo, o facto de se desconhecerem concretamente os meca-

nismos de interacção entre os campos e os sistemas biológicos, confere a

estes estudos uma certa margem de incerteza.

3.3.1. Epidemiologia A epidemiologia constitui uma ferramenta poderosa, utilizada para se deter-

minar se existe algum risco para a saúde, derivado de uma causa desço-

nhecida, ou seja, a epidemiologia pode ser entendida como o estudo da

ocorrência e da distribuição de doenças numa determinada população.

A primeira vantagem destes estudos para a população humana ocorreu em

1885, quando o médico inglês John Snow observou que a morte de ratos

devido à cólera, em Londres, era particularmente significativa em áreas onde a

água potável tinha sido extraída do rio Tamisa em locais muito próximos de

embocaduras de esgotos. Esses resultados permitiram concluir que a cólera

era transmitida por meio de um agente desconhecido existente nos esgotos,

tendo essa constatação conduzido posteriormente a um programa de

tratamento das águas dos esgotos.

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83

a) Rácio de Possibilidades Os estudos epidemiológicos são, de uma forma consistente, “estudos de caso-

-controlo” (case-control studies), sendo identificados dois grupos de pessoas de

uma determinada população:

• Os casos (cases), que representam as pessoas com uma determinada

doença, encontrando-se em estudo.

• Os controlos (controls), que representam as pessoas seleccionadas da

mesma população à qual pertencem os casos, sendo similares em tudo

excepto no facto de não possuírem a doença.

É de salientar ainda que a exposição destes dois grupos de pessoas a um

determinado agente, por exemplo os campos electromagnéticos de reduzi-

díssima frequência, encontra-se em estudo, sendo igualmente realizadas

medições de parâmetros característicos.

O resultado do estudo epidemiológico é expresso através da seguinte relação,

denominada rácio de possibilidades ou de probabilidades (odds ratio OR), que

representa uma estimativa:

controloscasosOR

grupodoexpostaspessoasdeadepossibilidgrupodoexpostaspessoasdeadepossibilid

=

Este rácio é assim uma medida de associação, medida essa que quantifica a

relação entre exposição e saúde, resultante de um estudo comparativo.

Se o valor de OR é igual a 1, não se encontrou nenhuma diferença entre a

exposição de pessoas com a doença e as pessoas sem a doença, o que

significa que existe uma associação negativa entre a doença e a exposição.

Contrariamente, se OR é superior a 1, as pessoas casos estiveram prova-

velmente mais expostas que as pessoas controlo, havendo assim uma asso-

ciação positiva entre a doença e a exposição.

Por exemplo, para se estudar o caso da associação entre a exposição a

campos electromagnéticos de reduzidíssima frequência e o cancro, deverão

ser comparados dois grupos de pessoas: um grupo (casos), o qual tem sido

exposto a esses campos electromagnéticos, e o segundo (controlos), que

nunca esteve exposto. O grupo exposto deverá ser constituído por pessoas

que vivem próximo de fontes identificadas dos campos electromagnéticos,

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84

como por exemplo linhas aéreas de transporte de energia e subestações,

enquanto que o segundo deverá ser composto por pessoas que habitam longe

dessas fontes.

Para melhor compreensão, considerem-se os seguintes exemplos numéricos:

Exemplo 1:

• Estudo de 500 cancros (casos), e 500 controlos.

• Se 130 casos estiveram expostos aos campos electromagnéticos, e os

restantes 500 – 130 = 370 casos não estiveram expostos, então a

possibilidade de pessoas expostas do grupo casos será 130/370 = 0,35.

• Se 130 controlos estiveram também expostos, os controlos não expos-

tos são 500 – 130 = 370, daí que a possibilidade de pessoas expostas

do grupo controlos será 130/370 = 0,35.

• Por conseguinte, tem-se OR = 0,35/0,35 = 1, ou seja, existe uma

associação negativa entre a exposição e o cancro.

Exemplo 2:

• Estudo de 500 cancros (casos), e 500 controlos.

• Se 200 casos estiveram expostos aos campos electromagnéticos, e os

restantes 500 – 200 = 300 casos não estiveram expostos, então a

possibilidade de pessoas expostas do grupo casos será 200/300 = 0,66.

• Se 130 controlos estiveram também expostos, os controlos não expos-

tos são 500 – 130 = 370, daí que a possibilidade de pessoas expostas

do grupo controlos será 130/370 = 0,35.

• Por conseguinte, tem-se OR = 0,66/0,35 = 1,88, ou seja, existe uma as-

sociação positiva entre a exposição e o cancro.

b) Locais de Exposição Atendendo a que os regulamentos de segurança assim como as linhas dire-

ctivas de protecção contra as exposições a campos electromagnéticos, fazem

uma diferenciação entre ambientes ocupacionais, isto é, locais de trabalho, e

ambientes ou locais públicos, apresenta-se de seguida, respeitando essa sepa-

ração, algumas características típicas desses locais, no que respeita aos tipos

de fontes geradoras de campos electromagnéticos.

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85

Locais de Trabalho Estes locais são estudados no contexto de indústrias específicas e de postos

de trabalho, particularmente nos casos de fábricas de equipamentos eléctricos,

onde a probabilidade dos trabalhadores estarem expostos à acção de campos

eléctricos e magnéticos de reduzidíssima frequência é bastante elevada,

campos esses gerados não só pelas instalações eléctricas mas também pelas

próprias ferramentas com que operam.

As pessoas que trabalham nas proximidades de transformadores, subestações,

quadros eléctricos e outros equipamentos e instalações onde as intensidades

de corrente são elevadas, podem ficar expostos a campos de elevada den-

sidade, superior a 10 μT.

Quanto a escritórios e a outros edifícios de serviços, as densidades de fluxo

são similares às existentes nas habitações particulares, podendo variar entre

0,05 μT e 0,4 μT.

Locais Públicos Os locais públicos onde existem exposições a campos electromagnéticos de

reduzidíssima frequência, compreendem as residências, escolas, hotéis, e vias

de comunicação rodoviárias e ferroviárias, sendo as fontes que afectam as

residências, escolas e hotéis os cabos e as linhas eléctricas de transporte de

energia, as subestações e postos de transformação, e diversos equipamentos

de escritório e electrodomésticos, havendo vários estudos que comprovam que

os campos magnéticos de elevada densidade de fluxo existentes em habi-

tações devem-se à sua localização muito próxima de linhas de transporte. Por

outro lado, as fontes de campos em comboios e transportes ferroviários

urbanos são devidas às linhas de contacto e às catenárias de alimentação.

3.3.2. Estudos Epidemiológicos do Cancro Nas últimas décadas, são diversos os estudos epidemiológicos que corroboram

a existência de uma associação positiva entre a exposição a campos electro-

magnéticos de frequências reduzidíssimas e as doenças cancerígenas, como a

leucemia em crianças e em adultos, os cancros no cérebro, os cancros da

mama, e os cancros pulmonares, havendo, todavia, outro grupo de estudos

que concluíram existir uma associação negativa.

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86

Os primeiros estudos epidemiológicos que relacionam a exposição a campos

electromagnéticos gerados por linhas de transporte de energia e o cancro,

datam dos anos 70 do século passado, tendo de facto concluído que essa

exposição é directamente responsável pelo aparecimento e desenvolvimento

de doenças cancerígenas. Nos anos seguintes, foram realizados mais estudos

de carácter epidemiológico, não só na Europa mas também nos Estados

Unidos e na Austrália, apontando para uma clara associação entre os campos

electromagnéticos e o desenvolvimento de cancros, apesar de, por outro lado,

ser bastante difícil estabelecer qual a correlação mais clara e evidente entre os

efeitos das linhas de transporte de energia e as doenças cancerígenas.

Um dos trabalhos mais importantes, teve início em 1990 nos Estados Unidos, e

constituiu uma parte significativa do Research and Public Information

Dissemination (RAPID) Program, mandatado pelo Congresso e incluído no

Energy Policy Act de 1992, no sentido de investigar a associação entre a

exposição a campos electromagnéticos de baixa frequência e a degradação da

saúde humana. Este programa RAPID, que durou cerca de cinco anos, foi

liderado pelo National Institute of Environmental Health Sciences (NIEHS) e

pelo Department of Energy (DOE), tendo, em Junho de 1998, havido uma

reunião internacional entre 30 cientistas, que, utilizando os critérios desen-

volvidos pela International Agency for Reseaech on Cancer, concluíram não

existir provas concludentes de que a exposição a campos electromagnéticos de

reduzidíssima frequência possa desenvolver “carcinomas humanos conhe-

cidos” ou “prováveis carcinomas humanos”. Contudo, a maioria dos membros

desse grupo de trabalho concluiu que a exposição a campos magnéticos

emanados de linhas aéreas de transporte de energia pode conduzir a

“possíveis carcinomas humanos”. Entretanto, em 15 de Junho de 1999, o

NIEHS concluiu que os campos electromagnéticos de reduzidíssimas

frequências podem causar cancro, baseados em estudos epidemiológicos que

mostraram haver uma associação entre alguns tipos de leucemia e a exposição

a campos magnéticos. Num estudo realizado em 2001, na Nova Zelândia, o

seu autor concluiu haver evidências, suportadas por bastantes estudos

epidemiológicos, de que os campos electromagnéticos de frequências

reduzidíssimas são perigosos para a saúde humana, especialmente em

crianças, havendo uma ligação forte ao aparecimento de leucemias.

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87

Seguidamente, apresentam-se alguns aspectos quantitativos da exposição a

campos electromagnéticos e as incidências de determinados tipos de doenças

cancerígenas.

a) Leucemia Infantil Como é sabido, a infância é um período onde se verifica um enorme cres-

cimento de células, associado ao normal crescimento e desenvolvimento das

crianças, daí que seja de todo o interesse para a sua saúde adoptar cuidados

especiais no que respeita à sua exposição a campos electromagnéticos

gerados por linhas de transporte de energia, por computadores e seus

periféricos em casa e nas escolas, por televisores, e por telefones celulares.

A palavra “leucemia”, que significa literalmente “sangue branco”, descreve uma

variedade de cancro que é conhecida pela criação anormal de glóbulos

brancos no sangue – os leucócitos –, afectando não só a existência de glóbulos

brancos saudáveis, que são essenciais para o combate a bactérias, vírus e

outras infecções, mas também os glóbulos vermelhos, que são os respon-

sáveis pelo transporte do oxigénio a todos os pontos do corpo.

Esta doença representa menos de 4 % do universo de todos os tipos de cancro

que afectam os adultos, todavia é o tipo mais comum dos cancros que afectam

as crianças.

Vejam-se de seguida diversos resultados e constatações consideradas impor-

tantes, no que respeita a esta doença:

• As crianças com o Síndroma de Down têm um risco acrescido (10 a 40

vezes superior) de contraírem leucemia, em relação às crianças consi-

deradas normais.

• As crianças cujas mães, durante a gravidez, foram sujeitas a dia-

gnósticos através de raios X, apresentam igualmente um risco

acrescido.

• Um dos primeiros estudos epidemiológicos realizados sobre este

assunto, em 1979, chegou a um OR de 2,35, o que permitiu concluir da

existência de elevados riscos na contracção de leucemia infantil por

parte de crianças sujeitas à acção de campos electromagnéticos.

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88

• Em 1976-1977, um estudo conduzido por dois investigadores da Univer-

sidade do Colorado, nos Estados Unidos, constatou que, crianças que

viviam muito próximo de grandes instalações eléctricas, contraíram

cancro, contrariamente àquelas que habitavam em zonas bastante mais

afastadas. Como resultado, os autores do estudo salientaram que as

crianças que habitam casas muito próximas de linhas de transporte de

energia eléctrica em alta tensão, apresentam um risco duas a três vezes

superior de contraírem leucemia ou tumores no sistema nervoso, que as

restantes crianças.

• Foram detectados, através de estudos realizados em 1980, casos de

leucemia e outros cancros infantis, associados à exposição a campos

magnéticos de 0,25 μT.

• Um estudo epidemiológico americano, realizado em 1991, em Los

Angeles, Califórnia, conduziu a um OR de 2,15, ou seja, à confirmação

da associação positiva entre o desenvolvimento de leucemia infantil e a

exposição a campos electromagnéticos.

• Em estudos bastante completos, realizado na Suécia, Dinamarca e

Finlândia, foi considerada, para a Suécia, uma população base

constituída por todas as crianças suecas com 15 anos de idade ou mais

jovens, que viveram dentro de um perímetro de 800 m relativamente a

linhas de transporte de energia, durante o período 1960-1985, tendo

identificado 142 casos – 39 de leucemia, e 33 de cancro no sistema

nervoso. O estudo realizado na Dinamarca considerou crianças de

residências situadas entre 25 m e 50 m de linhas de transporte de

energia, cabos subterrâneos e subestações, tendo demonstrado um

aumento significativo do risco de contracção de linfomas entre crianças

sujeitas a campos magnéticos iguais ou superiores a 0,1 μT. Quanto ao

estudo realizado na Finlândia, envolveu 68300 rapazes e 66500

raparigas, com idades até aos 19 anos, que viveram, entre 1970 e

1989, em habitações distanciadas de 500 m ou menos de linhas aéreas

de 100 kV a 400 kV, não se tendo detectado estatisticamente um

aumento significativo no número de leucemias e linfomas. Ainda estatis-

ticamente, notou-se um excesso significativo de tumores no sistema

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nervoso, mas apenas em rapazes, que estiveram expostos a campos

magnéticos iguais ou superiores a 0,2 μT.

• De acordo com um estudo realizado em Taiwan, publicado em 1998, foi

concluído que as crianças que vivem em três distritos do norte do país,

próximo de linhas de transporte de energia, apresentam elevados riscos

de contraírem leucemia. Foram detectados 28 casos de leucemia entre

120696 crianças e, além disso, as crianças que vivem em áreas dentro

dos 100 m a partir das linhas aéreas apresentam um risco 2,7 vezes

superior às restantes crianças.

b) Leucemia em Adultos

• Um estudo conduzido pela Southern California Edison Company, entre

36221 trabalhadores que se encontravam directamente envolvidos com

equipamentos eléctricos, detectou um ligeiro aumento do risco de cancro

em algumas situações, todavia sem significado acima dos níveis

normais.

• Investigadores da Johns Hopkins University e da empresa norte-

americana AT&T, estudaram a ocorrência de leucemias entre os traba-

lhadores expostos a campos electromagnéticos de reduzidíssimas fre-

quências, tendo constatado que, de todos aqueles que exerceram

funções pelo menos durante dois anos e que faleceram entre 1975 e

1980, a 124 deles foi-lhes diagnosticado leucemia como causa de morte.

Foi também concluído que os trabalhadores que estiveram sempre

expostos a campos magnéticos acima do normal, durante toda a sua

carreira laboral, apresentaram uma taxa de incidência de leucemia 2,5

vezes superior à dos outros trabalhadores.

• Um estudo realizado por investigadores franceses e canadianos, numa

população de 223292 trabalhadores de duas grandes empresas indus-

triais canadianas e de uma empresa pública francesa, mostrou que os

trabalhadores que contraíram leucemia pertenciam aos recursos

humanos que se encontravam expostos cumulativamente a campos

magnéticos. Todavia, os resultados globais obtidos não encontraram

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90

qualquer associação positiva entre os casos de cancro estudados e a

exposição a campos electromagnéticos.

• Outro estudo, realizado em 1995 por um grupo da University of North

Carolina, que envolveu 138000 trabalhadores da indústria electrotécnica

americana, no período 1950-1986, não suporta igualmente qualquer

associação positiva entre leucemia e exposição a campos electro-

magnéticos.

• Um estudo, também bastante completo, realizado na Suécia, incluiu a

análise da exposição a campos eléctricos e magnéticos em 1015 postos

de trabalho diferentes, e envolveu mais de 1600 pessoas de 169

profissões diferentes. Foi encontrada uma associação positiva entre a

exposição a campos electromagnéticos e a leucemia, tendo igualmente

sido concluído que aumenta o risco de desenvolvimento de tumores

cerebrais em indivíduos do sexo masculino abaixo dos 40 anos, quando

expostos a campos iguais ou superiores a 0,2 μT.

• Um outro estudo, também realizado na Suécia, e que incluiu aproxi-

madamente 400000 pessoas que viveram a 300 m ou menos de linhas

aéreas de transporte de energia pelo menos durante um ano, entre 1960

e 1985, permitiu afirmar que as pessoas expostas a campos magnéticos,

em casa ou no posto de trabalho, apresentavam uma probabilidade de

contrair leucemia 4 vezes superior à das outras pessoas, habitando em

zonas afastadas.

• Um estudo realizado no Canadá, que apresentou como objectivo

analisar a acção cumulativa dos efeitos dos campos eléctricos e dos

campos magnéticos sobre o desenvolvimento de cancros, e cujo grupo

de análise era constituído por trabalhadores electrotécnicos da empresa

Canadian Power Company Ontario Hydro, mostrou haver um risco

acrescido de contracção de leucemia, na medida em que, para os níveis

mais elevados de exposição simultânea a campos eléctricos e magné-

ticos, os valores do OR situavam-se entre 3,51 e 11,2.

Saliente-se que, apesar da maioria dos estudos epidemiológicos dizerem

respeito à associação entre a leucemia e a exposição a campos magnéticos de

reduzidíssima frequência, os efeitos dos campos eléctricos são igualmente

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bastante importantes, talvez mesmo ainda mais, na medida em que, naquele

último estudo, assim como noutro mais recente, realizado nos Estados Unidos

em 2000, constatou-se igualmente que a exposição a campos eléctricos de

intensidades entre 10 V/m e 40 V/m aumenta consideravelmente o risco de

desenvolvimento de leucemia.

c) Cancro Cerebral O cancro do cérebro, que é o órgão principal do nosso sistema nervoso central,

não é muito frequente, sendo as causas desta doença primariamente desco-

nhecidas, apesar dos factores que estão na origem de outros tipos de cancro,

tais como a exposição a radiações químicas e electromagnéticas, o tabaco, a

alimentação, e o consumo excessivo de álcool, estejam igualmente associadas

ao desenvolvimento deste tipo de cancro.

Vejam-se os resultados dos estudos epidemiológicos relativos à associação

entre o cancro do cérebro e a exposição a campos electromagnéticos:

• Num estudo realizado na Suécia, e publicado em 1994, incidindo sobre

trabalhadores dos caminhos de ferro, concluiu-se haver um aumento

não significativo de leucemias, cancro do cérebro, cancro da glândula

pituitária, e de linfomas.

• Num estudo publicado em 1994, e realizado no Canadá e em França,

tendo incidido em trabalhadores de três grandes empresas do sector

eléctrico produtor, e que incluiu 250 casos de cancro do cérebro,

constatou-se também não haver um aumento significativo da doença em

trabalhadores sujeitos a campos magnéticos mesmo superiores a 3,15

μT.

• Outro estudo, realizado entre trabalhadores de empresas produtoras de

energia eléctrica, estimou que o risco de desenvolvimento de cancro no

cérebro aumenta 1,94 por μT-ano de exposição a campos magnéticos.

• Os resultados de um estudo levado a cabo com a finalidade de reportar

uma possível associação entre o desenvolvimento de cancros cerebrais

em crianças, e a exposição a campos electromagnéticos por parte dos

progenitores durante o ano imediatamente anterior à concepção,

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encontrou um OR entre 1,12 e 1,31, o que significa que não existe uma

associação positiva significativa.

• Concluiu-se haver uma associação positiva entre a exposição a campos

eléctricos e magnéticos e o desenvolvimento de cancros em trabalha-

dores de empresas produtoras de energia eléctrica.

De um modo geral, com base na grande maioria dos estudos epidemiológicos

efectuados em vários países, não se poderá dizer que existe uma associação

positiva significativa entre o desenvolvimento de cancro cerebral e a exposição

a campos electromagnéticos de frequências reduzidíssimas.

d) Cancro Mamário O cancro da mama, bastante característico dos indivíduos do sexo feminino, é

uma anomalia que se refere ao desenvolvimento e proliferação errática de

células dos tecidos mamários, originando tumores que, na maioria das situa-

ções, degeneram em malignidades.

• Foram reportados casos de ocorrência de cancro da mama, na

Noruega, entre trabalhadores ligados ao sector das indústrias eléctricas.

• De acordo com um estudo realizado na Suécia, incidindo em

trabalhadores dos caminhos de ferro, com idades entre 20 e 64 anos,

concluiu-se que o risco de contrair cancro na mama é bastante elevado

no grupo de indivíduos do sexo masculino sujeito a uma maior e mais

duradoura exposição, caso dos maquinistas e dos técnicos de via.

• Outro estudo epidemiológico sueco, concluiu não haver uma associação

significativa entre o cancro da mama e a exposição a campos electro-

magnéticos gerados nas residências particulares, tendo esta conclusão

sido corroborada por um outro estudo, realizado na Finlândia.

• Num estudo dinamarquês, não foi encontrada qualquer associação

entre a incidência de cancro da mama (96 casos) em indivíduos do sexo

feminino ligados ao sector das indústrias eléctricas, com base no

número insignificante de casos encontrados: dois na gama de

exposições reduzidas (0,1 μT a 0,29 μT), e apenas um na gama das

exposições muito elevadas (> 1,0 μT).

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93

• Não existe incremento do risco de desenvolvimento de cancro mamário

em mulheres, devido às exposições dos campos eléctricos e magné-

ticos originados por cobertores eléctricos.

Devido às investigações relativas aos efeitos dos campos electromagnéticos de

reduzidíssima frequência sobre os níveis de melatonina, levantou-se a hipótese

de que a exposição a esses campos poderia ser um risco para o desen-

volvimento deste tipo de carcinoma, com base no facto de que tais exposições

fazem diminuir a produção de melatonina, que é uma hormona protectora

contra determinados tipos de cancro. Contudo, os resultados obtidos a partir

dos estudos epidemiológicos realizados, parecem indiciar que, na prática, a

exposição a campos electromagnéticos não incrementa o risco de desen-

volvimento do cancro da mama.

e) Cancro Pulmonar Presentemente, não se encontrou ainda qualquer explicação científica para

justificar a relação entre a exposição a campos electromagnéticos e o desen-

volvimento do cancro do pulmão, tendo essa associação sido analisada em

diversos estudos, que confirmam de facto haver uma associação positiva,

como se discrimina seguidamente:

• A exposição a campos electromagnéticos de reduzidíssima frequência,

não só em locais residenciais mas nos locais de trabalho, conduz a um

excesso de ocorrências de cancro pulmonar.

• A exposição a campos electromagnéticos transitórios de elevada fre-

quência, em instalações de produção e transporte de energia, aumenta

de forma significativa o risco de se contrair cancro do pulmão, como o

demonstra um estudo epidemiológico realizado no Canadá e em França,

que obteve para o OR um valor bastante elevado – 3,1. Outro estudo

realizado igualmente no Canadá concluiu que o aumento do risco,

também para trabalhadores expostos a linhas de transporte de energia,

se situa em 1,84.

• Um interessante estudo realizado pelo Medical Physics Research Centre

da Bristol University, no Reino Unido, concluiu que a exposição a

campos magnéticos representa uma possibilidade de aumento de casos

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94

de cancro do pulmão. Esta conclusão baseia-se no facto, demonstrado

nesse estudo, da aptidão que os campos eléctricos gerados por linhas

eléctricas de transporte de energia possuem para atrair e concentrar

átomos de radão, que é um gás radioactivo, na vizinhança dessas

linhas. Por sua vez, quando os átomos de radão são gerados de uma

forma rápida atraem moléculas de água presentes no ar, desenvolvendo

nelas aerosóis ultrafinos, com uma dimensão de 10 nm.

f) Cancro da Pele Este tipo de cancro, infelizmente em rápida expansão, representa já cerca de

metade do universo dos novos tipos de cancro na Europa e nos Estados

Unidos. Apesar de todos os tipos humanos o poderem contrair, os grupos de

maior risco são constituídos por pessoas de pele muito clara, ruivos, louros, e

com olhos claros.

Os estudos epidemiológicos realizados até agora, permitiram constatar da exis-

tência de uma associação francamente positiva entre o desenvolvimento de

cancros de pele e a exposição a campos electromagnéticos de reduzidíssima

frequência, sendo de salientar o estudo realizado pelo grupo citado na alínea

anterior, sediado na Bristol University, e que examinou a incidência de cancros

na pele em pessoas que residem a cerca de 20 m ou menos de linhas de

transporte de energia, em Devon e na Cornualha, tendo concluído haver um

aumento significativo de casos. Além disso, a população alvo desse estudo foi

catalogada em dois grupos, em função da sua proximidade das linhas de trans-

porte – o primeiro grupo compreendia as pessoas que residiam muito próximo

das linhas, por conseguinte sujeitas a elevados níveis de radão, enquanto que

o segundo grupo era constituído pelas restantes pessoas, mais afastadas, e

portanto sujeitas aos níveis mais baixos de radão. Como conclusão, constatou-

-se que o risco inerente às pessoas do primeiro grupo aumentou ainda mais.

g) Cancro da Próstata Este tipo de cancro é bastante comum nos indivíduos do sexo masculino,

sobretudo acima dos 55 anos de idade, uma vez que o risco aumenta com a

idade. As células cancerígenas são primeiramente formadas na próstata,

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95

podendo seguidamente transformar-se em metástases que irão afectar outras

partes do corpo, sobretudo os ossos e outras estruturas selectivas.

Um estudo publicado em 1998, envolvendo utilizadores de cobertores eléctri-

cos e camas com colchões de água aquecida, não encontrou qualquer

associação positiva entre a incidência deste tipo de cancro e a exposição,

mesmo por períodos continuados, a campos electromagnéticos de reduzida

energia.

3.3.3. Estudos Epidemiológicos de Doenças Não Cancerosas Além dos estudos epidemiológicos relevantes associados à incidência de doen-

ças cancerosas, têm igualmente vindo a ser realizados outros estudos não

menos importantes, relativos à associação entre a incidência de doenças não

cancerosas e a exposição a campos electromagnéticos de reduzidíssima fre-

quência, como se discrimina seguidamente.

a) Doença de Alzheimer e Demência Esta doença, descrita pelo médico alemão Alois Alzheimer em 1906, é a mais

comum das doenças da terceira idade, afectando actualmente mais de 20

milhões de pessoas em todo o mundo, com tendência para aumentar devido ao

incremento do número de idosos com mais de 65 anos, sobretudo nos países

desenvolvidos, motivado pelo aumento da esperança média de vida. É uma

doença do foro neurodegenerativo, progressiva e irreversível, afectando áreas

específicas do cérebro normalmente em idosos com mais de 65 anos de idade.

O seu diagnóstico inclui sintomas de demência – perdas de memória e das

funções mentais –, e exclui outras causas como a doença de Parkinson, os

traumas na cabeça, o alcoolismo, e os derrames cerebrais.

Quanto às suas causas, existem diversas possibilidades, incluindo alterações

genéticas indirectas iniciadas e induzidas pela acção de campos electro-

magnéticos, tendo diversos estudos de incidência epidemiológica permitido

chegar às seguintes conclusões:

• Pessoas expostas a campos de elevada intensidade, nos seus locais de

trabalho, como por exemplo os operadores de máquinas de costura,

apresentam um risco de contrair a doença três a cinco vezes mais alto.

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96

• O risco é igualmente elevado em carpinteiros, electricistas, e em

montadores de equipamentos eléctricos e electrónicos, assim como em

operadores de máquinas ferramentas portáteis.

• A exposição a campos electromagnéticos nos locais de trabalho poderá,

possivelmente, influenciar o desenvolvimento de demência.

b) Esclerose A esclerose lateral amiotrófica (amyotrophic lateral sclerosis) é uma doença

neurológica progressiva e fatal. É uma degeneração avançada das células

cerebrais que comandam os nervos motores (neurónios motores superiores), e

da espinal medula (neurónios motores inferiores) – quando os neurónios moto-

res superiores deixam de enviar impulsos aos músculos, estes começam a

atrofiar originando fraqueza que se transformará gradualmente em paralisia.

Por outro lado, esta doença não afecta as capacidades intelectuais, a visão, a

audição, o paladar, o cheiro, a actividade sexual, os intestinos, e o aparelho

urinário. Quanto à associação entre o desenvolvimento desta doença e a

exposição a campos electromagnéticos, os poucos estudos realizados indiciam

que, de facto, existe alguma relação directa, sobretudo em pessoas expostas a

esses campos nos seus locais de trabalho – exposição ocupacional.

c) Depressão e Suicídio A depressão é uma doença cada vez mais comum, que pode afectar qualquer

pessoa, indiscriminadamente. Caracteriza-se por um desinteresse pela vida, e

afecta pensamentos, sentidos, saúde física, e a vida privada e profissional,

sendo um factor de risco conducente ao suicídio. Como conclusão dos estudos

realizados, é possível haver uma reduzida asso-ciação entre a exposição a

campos electromagnéticos e a depressão, contudo entre a exposição e a

tendência para o suicídio, nada indica que exista qualquer relação.

d) Doenças Cardíacas Alguns estudos concluíram não haver uma associação positiva entre a expo-

sição a campos electromagnéticos de reduzidíssimas frequências e doenças ou

alterações cardíacas, enquanto que outros afirmam o contrário, como sucede

com os resultados de um estudo que se apresentou no capítulo 2.

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97

3.3.4. Estudos Relevantes sobre Terminais de Computador e Outros Electrodomésticos Ao longo dos anos, não só as instituições de investigação mas também os pró-

prios fabricantes têm vindo a realizar estudos intensivos com a finalidade de

determinar quais os riscos para a saúde derivados da exposição aos écrãns

dos monitores (vídeo display terminals VDTs) utilizados nos computadores.

Apesar de serem construídos de acordo com todas as normas de segurança

em vigor, e com a garantia dos próprios fabricantes de que não existem perigos

que coloquem em risco a saúde dos utilizadores, há ainda bastantes dúvidas e

opiniões contrárias.

De facto, existem diversos mecanismos físicos e biofísicos associados à utili-

zação e exposição aos VDTs, tais como dores de cabeça, náuseas, fadiga

ocular, manchas na vista, tensão nos músculos oculares, ardor e irritação nos

olhos. Se bem que as alterações visuais sejam passageiras e não tenham

consequências sérias, quando a vista se encontra bastante cansada diminui o

ritmo de trabalho e podem suceder-se erros. Por outro lado, os utilizadores

intensivos de computadores podem vir a sofrer de dores posicionais no

pescoço e nas costas, assim como no punho que manipula o rato e nos

ombros, sendo estas anomalias classificadas pelos médicos de saúde ocupa-

cional como sendo “danos de esforço repetitivo”, sendo também possível que

surja alguma tensão psicológica.

Eis os resultados de diversos estudos epidemiológicos levados a cabo:

• Não há qualquer relação entre os efeitos dos campos electromagnéticos

emanados dos monitores e doenças oftalmológicas, incluindo cataratas.

• O trabalho feminino com computadores, consequentemente com a utili-

zação, mesmo intensiva, de VDTs, não aumenta o risco de deficiências

nos fetos nem de abortos espontâneos

Quanto à influência dos campos electromagnéticos com origem em eléctrodo-

mésticos, constata-se o seguinte, com base nos estudos epidemiológicos

realizados:

• Um estudo realizado no Colorado, Estados Unidos, no sentido de inves-

tigar a relação entre a utilização de camas de água aquecidas e de

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98

cobertores eléctricos, e o desenvolvimento da gravidez, especialmente o

tempo de gestação,o peso dos recém-nascidos, o desenvolvimento de

anormalidades, e as perdas de fetos por aborto espontâneo, e que

envolveu uma população de 1806 famílias em relação às quais ocorreu

um nascimento, em 1982, em dois hospitais de Denver, permitiu concluir

que a utilização daqueles dois equipamentos durante o tempo de

gravidez poderá causar efeitos adversos na saúde dos fetos.

• Um outro estudo, mais recente, publicado em 1992, e realizado no

Estado de New York, constatou que as progenitoras de fetos defeituosos

não estiveram nem mais nem menos tempo expostas aos campos

electromagnéticos gerados por camas aquecidas, que a generalidade de

outras mães.

• Um estudo desenvolvido na Finlândia e publicado em 1993, realizado

numa população de 443 mulheres saudáveis, voluntárias, que tentaram

engravidar no período 1984-1986, concluiu que não existe qualquer

associação positiva entre o desenvolvimento de abortos espontâneos e

a exposição a campos magnéticos gerados por cobertores eléctricos.

Os estudos epidemiológicos apresentam a vantagem de permitirem a obtenção

de informação valiosa relativamente aos seres humanos, mais do que aquela

que é possível obter através de estudos em células humanas ou em animais.

Todavia, convém salientar que estes últimos estudos têm um carácter estrita-

mente científico, com o objectivo de determinar, por exemplo, quais são os

mecanismos físicos e biológicos da interacção entre a exposição a campos

electromagnéticos e o desenvolvimento de determinadas doenças, enquanto

que os primeiros são estudos essencialmente estatísticos, mas que permitem

avaliar da existência ou não daquela interacção, através do processamento dos

dados obtidos por amostragem.

Considerando todas as evidências acerca dos efeitos nocivos da exposição a

campos electromagnéticos, obtidas através dos estudos epidemiológicos,

parece não haver uma ligação sólida com o desenvolvimento de cancro e

outras anomalias, que possam satisfazer as dúvidas que se levantam na

opinião pública se, de facto, existem ou não efeitos nocivos para os sistemas

biofísicos. Todavia, na medida em que as evidências mostram haver algumas

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99

situações fora do que é normal e esperado, a atitude correcta a adoptar

consistirá em admitir a existência de riscos possíveis. Adicionalmente, apesar

de não haver bases científicas teóricas e experimentais que, de uma forma

concisa e consistente, possam justificar essa existência de riscos, o carácter

penetrante dos campos electromagnéticos de reduzidíssima frequência em

relação ao ambiente que nos rodeia e a nós próprios, fará igualmente com que

aquela atitude passe por não ignorar não só a existência desses campos mas

também a mais remota das sugestões de risco para a saúde humana. Ou seja,

deverá estar sempre presente a seguinte questão: “Poderão os campos

eléctricos e magnéticos gerados por toda a panóplia de equipamentos utili-

zados na produção, transporte, distribuição e utilização de energia eléctrica,

desde os grandes geradores das centrais até às utilitárias máquinas de barbear

e escovas eléctricas de lavagem dos dentes, causar problemas de saúde?”

3.4. NORMAS DE SEGURANÇA E REGULAMENTAÇÃO 3.4.1. Normas de Segurança Uma norma de segurança é um documento normalmente elaborado por um

grupo de reconhecidos especialistas na área, oriundos não só do tecido

industrial mas também do sector académico, com investigação desenvolvida e

reconhecida na área de elaboração dessa norma. Esse documento explicita,

relativamente ao assunto a que diz respeito, determinados níveis, designados

por níveis de segurança, que têm como objectivo assinalar que, por exemplo,

acima desses níveis existe risco para a saúde humana. É o caso da exposição

a campos electromagnéticos, em que as respectivas normas de segurança

indicam quais os níveis máximos de exposição, acima dos quais poderão

ocorrer riscos para a saúde. Como tal, a elaboração deste tipo de normas

pressupõe os seguintes passos:

• Identificação dos perigos.

• Selecção do nível de exposição mais adequado, abaixo do qual o meio

envolvente se poderá considerar seguro, isto é, isento dos perigos iden-

tificados.

No caso da exposição a campos electromagnéticos, note-se que o nível

máximo de exposição representa não uma linha exacta de separação entre

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100

perigo e segurança, mas sim um possível risco para a saúde humana, que é

tanto mais elevado quanto maior for o afastamento por excesso em relação

àquele nível. Saliente-se que as incertezas e indefinições inerentes à activi-

dade das agências de normalização para conseguirem, de uma forma o mais

consensual e segura possível, definir os níveis máximos de exposição mais

aconselháveis em locais ocupacionais e em locais residenciais, têm sido

devidas à ausência de mecanismos de interacção, reconhecidos cienti-

ficamente, entre saúde humana e campos electromagnéticos,

Veja-se de seguida qual a situação, sobretudo nos países mais industrializados

e desenvolvidos, no que respeita a regulamentos e normas de segurança

relativos à protecção contra a exposição a campos electromagnéticos de redu-

zidíssima frequência.

Os primeiros regulamentos foram elaborados na União Soviética, em 1975,

contudo a norma que conseguiu reunir um consenso mais alargado foi

composta pelo Institute of Electrical and Electronic Engineers (IEEE), em 1991,

norma essa aprovada em 1992 pelo American National Standards Institute

(ANSI), com a referência ANSI C95.1-1992. Esta norma de segurança

recomenda que a exposição média para cada período de seis minutos e para

cada secção do corpo humano não deverá exceder 0,614 kV/m para campos

eléctricos e 163 A/m (205 μT) para campos magnéticos. O objectivo destes

níveis consiste em manter as intensidades das correntes induzidas no corpo

humano bastante inferiores ao valor mais baixo correspondente à corrente de

excitação das células electricamente excitáveis.

Além desta norma, outras instituições de outros países têm vindo a trabalhar,

há já bastante tempo, no sentido de estabelecerem a sua própria regulamen-

tação de segurança. É o caso da Austrália, através do Australian Radiation

Laboratory (ARL) e do National Health and Medical Research Council (NH &

MRC), do Canadá, da Commonwealth of Massachusetts, da República Federal

Alemã (FRG), da North Atlantic Treaty Organization (NATO), da United States

Air Force (USAF), e da União Soviética (USSR). No quadro 3.2, para todos

estes regulamentos, mostram-se os níveis de segurança relativos à exposição

a campos magnéticos em áreas ocupacionais (locais de trabalho) e em áreas

públicas, indicando-se, dentro de parêntesis, as datas de publicação e entrada

em vigor dos regulamentos de segurança discriminados.

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101

Instituição / País Níveis de exposição (μT)

Locais ocupacionais

Locais públicos

ANSI/IEEE (1991) 205 205

Austrália: NH & MRC (1989) 500 100

Canadá (1989) 5,01 2,26

Com. of Massachusetts (1986) 1,99 -----

FRG (1986) 314 314

NATO (1979) 3,27 -----

USAF (1987) 1,99 1,99

USSR (1985) 1760 -----

Quadro 3.2 – Normas de segurança e limites de exposição para campos magnéticos,

adoptados por diferentes organismos e países.

Como se constata, ao observar-se o quadro 3.2, os valores diferem signifi-

cativamente de país para país – por exemplo, 1760 µT na União Soviética

contra apenas 1,99 µT no Massachusetts, nos Estados Unidos –, devendo-se

essas disparidades exactamente à situação de não existir ainda uma justi-

ficação científica universalmente comprovada e aceite no que respeita aos

mecanismos de interacção entre os campos electromagnéticos e os sistemas

biofísicos.

a) Europa Suécia Este país tem sido um dos líderes no estudo e desenvolvimento de regula-

mentação respeitante à ergonomia visual e às emissões de campos electro-

magnéticos em relação aos monitores de computadores (VDTs).

A Direcção Nacional para a Saúde e Segurança Ocupacional e o Instituto

Sueco de Protecção contra Radiações, MPR – Mät-och Provningsrådet –,

foram encarregues da tarefa de investigar a necessidade da existência de

regulamentação e das consequências da introdução de ensaios obrigatórios de

VDTs, tendo sido introduzidos em 1987, de forma não obrigatória, proce-

dimentos de ensaios. O método imposto, designado por MPR-I, especificava

um máximo de 0,05 µT para campos magnéticos de muito baixa frequência, na

gama entre 1 kHz e 400 kHz, a 50 cm de afastamento directo dos ecrãs.

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102

Todavia, como esse método foi considerado como sendo embaraçoso e difícil

de avaliar, em Julho de 1991 foi criado um novo método, designado por

MPR-II, que especifica níveis máximos inferiores a 0,25 µT para as emissões

provenientes de campos magnéticos de reduzidíssima frequência na banda de

5 Hz a 2 kHz (banda 1), e máximos inferiores a 0,025 µT para as emissões de

campos magnéticos de muito baixa frequência na banda de 2 kHz a 400 kHz

(banda 2).

Este método engloba igualmente normativas relativas a ergonomia visual

(focagem, distorção de caracteres, tremura do ecrã), emissão de raios X,

potencial electrostático, descargas electrostáticas, e campos eléctricos sinu-

soidais.

Adicionalmente, a Confederação Sueca de Trabalhadores TCO, que representa

mais de um milhão de empregados, considera que deveriam ser adoptados

limites mais restritivos, da ordem de 0,2 µT para as emissões de campos

magnéticos extremamente reduzidos, a 30 cm da parte da frente dos ecrãs e a

50 cm das restantes estrutura dos monitores, sendo a justificação baseada no

facto de que níveis superiores a esse valor poderiam estar associados ao

aumento do risco de cancro, assim como de que os utilizadores de compu-

tadores normalmente têm a sua cabeça, mãos e tórax a menos de 50 cm de

distância.

Note-se que as normas TCO mais recentes incluem também linhas de conduta

relativas a consumos de energia, iluminância, tremura do ecrã, e utilização do

teclado.

Em termos resumidos, no quadro 3.3 expõem-se os limites recomendados pelo

MPR-II assim como pelo TCO, não só no que respeita a campos eléctricos mas

também a campos magnéticos.

É de salientar que alguns especialistas questionam a validade do limite de

0,025 µT para as emissões de campos magnéticos de muito baixa frequência,

justificando a sua posição no facto de que estes campos contêm muito mais

energia que as emissões de campos magnéticos de reduzidíssima frequência.

Esses especialistas mostram que, se os níveis de indução são utilizados para

medir a quantidade de energia da radiação, então o nível de 0,25 µT para

campos de reduzidíssima frequência corresponde a um nível de 0,001 µT para

campos de muito baixa frequência.

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103

Gama de frequências MPR-II TCO

Campos eléctricos

Campos estacionários ± 500 V ± 500 V

CRF (5 Hz – 2 kHz) ≤ 25 V/m ≤ 10 V/m

CMF (2 kHz – 400 kHz) ≤ 2,5 V/m ≤ 1 V/m

Superiores a 400 kHz ----- -----

Campos magnéticos

CRF (5 Hz – 2 kHz) ≤ 0,25 µT ≤ 0,2 µT

CMF (2 kHz – 400 kHz) ≤ 0,025 µT ≤ 0,025 µT

Superiores a 400 kHz ----- ----- CRF – campos eléctricos e campos magnéticos de reduzidíssima frequência

CMF – campos eléctricos e magnéticos de muito baixa frequência

Quadro 3.3 – Normas de segurança e limites de exposição para campos eléctricos

e campos magnéticos, utilizados na Suécia.

Reino Unido Neste país, o National Radiological Protection Board (NRPB) estabeleceu

recomendações acerca dos níveis máximos do campo eléctrico e do campo

magnético, para as frequências de 50 Hz e de 60 Hz, sem distinção entre locais

ocupacionais e locais públicos em geral, como se mostra no quadro 3.4. Os

níveis aconselhados foram estabelecidos com base nas correntes induzidas no

corpo humano, de elevadas intensidades, não sendo relevantes para as preo-

cupações da opinião pública relativamente ao desenvolvimento de doenças

cancerígenas e outras anomalias de saúde.

Gama de frequências Campo eléctrico (kV/m)

Campo magnético (µT)

50 Hz 12 1600

60 Hz 10 1330

Quadro 3.4 – Limites de exposição para campos eléctricos e campos magnéticos,

utilizados no Reino Unido.

Alemanha De acordo com a Lei Federal de Controlo da Poluição, os limites para os

campos eléctricos e magnéticos para sistemas de transporte de energia

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104

eléctrica de tensão igual ou superior a 1000 V, são respectivamente 5 kV/m e

100 μT, para a frequência de 50 Hz, e 10 kV/m e 300 μT para a frequência de

16 2/3 Hz, utilizada nas linhas ferroviárias electrificadas. Em determinadas

circunstâncias, especificadas nas normas, os limites para as densidades de

fluxo podem ser excedidos em 100 % em períodos de curta duração, o mesmo

sucedendo no que respeita aos limites dos campos eléctricos dentro de áreas

reduzidas.

b) Estados Unidos Neste país não existem normas governamentais sobre a exposição a campos

eléctricos e magnéticos, contudo, alguns estados, têm as suas próprias linhas

de conduta relativamente aos níveis de exposição a campos eléctricos nos

terrenos circundantes de linhas aéreas de transporte de energia, a 60 Hz, em

relação aos quais os proprietários dessas linhas aéreas têm garantia de direitos

de construção não só de linhas mas também de centrais e de subestações

(terrenos concessionados, designados como rights-of-way ROW na literatura

técnica americana).

Por outro lado, somente os estados de New York e da Florida fixaram os níveis

máximos para exposição a campos magnéticos entre 15 μT e 25 μT, nos

limites daqueles terrenos concessionados (edge of ROW), mostrando-se os

níveis adoptados nos quadros 3.5 e 3.6. Estas recomendações tiveram como

objectivo assegurar que as futuras linhas de transporte de energia não exce-

deriam esses limites.

Quanto aos restantes estados têm sido relutantes em estabelecer limites

devido às incertezas inerentes a esses próprios limites.

Um organismo independente norte-americano, a American Conference of

Governmental Industrial Hygienists (ACGIH), recomenda um limite de 614 V/m

para exposição a campos eléctricos nos locais de trabalho, para uma gama de

frequências situada entre 30 kHz e 3000 kHz, e 205 μT para campos magné-

ticos entre 30 kHz e 100 kHz. Como complemento, expõe-se no quadro 3.7 os

limites recomendados por esse organismo, para campos eléctricos e magné-

ticos a 60 Hz, em locais de trabalho, sendo de destacar a preocupação com a

saúde de trabalhadores com pacemakers cardíacos.

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105

Estados Campo eléctrico (kV/m)

ROW Edge of ROW

Florida 8 (1) 10 (2)

2

Minnesota 8 -----

Montana 7 (3) 1

New Jersey ----- 3

New York 11,8 11 (4)

7 (3)

1,6

Oregon 9 -----

(1) – para linhas aéreas em duplo circuito (69 – 230 kV) (2) – para linhas aéreas com um único circuito (500 kV)

(3) – limite máximo para passagens aéreas superiores sobre as linhas (4) – para linhas de 500 kV, em determinados ROW

Quadro 3.5 – Limites de exposição para campos eléctricos, utilizados em alguns

estados dos Estados Unidos.

Estados Campo magnético (edge of ROW) (µT)

Florida 15 (1)

20 (2)

25 (3)

New York 20 (4)

(1) – para linhas aéreas em duplo circuito (69 – 230 kV) (2) – para linhas aéreas com um único circuito (500 kV)

(3) – para linhas de 500 kV, em determinados ROW (4) – para linhas de tensão superior a 230 kV

Quadro 3.6 – Limites de exposição para campos magnéticos, utilizados

nos estados da Florida e de New York.

Frequência de 60 Hz Campo eléctrico (kV/m)

Campo magnético (µT)

Limites máximos 25 1

Trabalhadores com pacemakers

≤ 1 0,1

Quadro 3.7 – Limites de exposição para campos eléctricos e campos magnéticos,

nos locais de trabalho, recomendados pelo organismo americano ACGIH.

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106

c) Normas ICNIRP Em 1989, o International Radiation Protection Association (IRPA) aprovou,

interinamente, as linhas de conduta relativas à exposição a campos electro-

magnéticos de reduzidíssima frequência, preparadas pela sua International

Commission on Non-Ionizing Radiation Protection (ICNIRP), estando os limites

recomendados expostos no quadro 3.8, para a frequência de 50 Hz. Saliente-

-se que estas recomendações resultaram de um trabalho de cooperação com a

World Health Organization (WHO), assim como com a United Nations

Environment Program (UNEP), sendo o seu objectivo a prevenção das

correntes eléctricas induzidas nas células, assim como a estimulação nervosa,

que é sabido ocorrerem com níveis de campos eléctricos e magnéticos típica-

mente superiores aos que se verificam em áreas residenciais e de trabalho.

É de notar que os limites apresentados foram estipulados unicamente para se

evitarem riscos imediatos, não tendo sido considerados os riscos inerentes a

exposições prolongadas, mesmo de nível reduzido, daí que, em Abril de 1998,

o ICNIRP reviu as suas normas, passando a recomendar, para locais públicos

em geral, um limite de 100 μT para 50 Hz, e 84 μT para 60 Hz, enquanto que,

para os locais de trabalho, os limites passaram a ser de 500 μT a 50 Hz e 420

μT a 60 Hz. Por sua vez, as normas australianas adoptaram as linhas de

conduta do ICNIRP, sendo de 0,5 μT o limite para locais ocupacionais, para

uma exposição de 8 horas, e acima de 5 μT para 2 horas de exposição. Para

outros locais, o limite recomendado é de 0,1 μT.

Exposição Campo eléctrico (kV/m)

Campo magnético (µT)

Locais ocupacionais

Dia inteiro 10 0,5

Período curto (2 horas/dia) 30 5

Membros (braços/pernas) ----- 25

Locais públicos

Dia inteiro 5 0,1

Poucas horas diárias 10 1

Quadro 3.8 – Limites de exposição para campos eléctricos e campos magnéticos,

a 50 Hz, recomendados pelos organismos internacionais IRPA/ICNIRP.

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107

Tendo em atenção que as regulamentações que se apresentaram anterior-

mente consagram níveis de exposição relativos a campos eléctricos e magné-

ticos, para melhor compreensão da separação entre campos eléctricos e

campos magnéticos de frequência reduzidíssima, considere-se o exemplo

simples, mas evidente, de um simples candeeiro de secretária, como se mostra

esquematicamente na figura 3.13. Quando a lâmpada se encontra apagada,

como os condutores se encontram em circuito aberto, mas sob tensão, existe

apenas campo eléctrico, que é perpendicular aos condutores. Todavia, quando

se fecha o circuito, isto é, quando se acende a lâmpada, o campo eléctrico

mantém-se devido à existência da tensão, mas, uma vez que circula corrente

nos condutores, passará a existir um campo magnético devido a essa corrente,

e cujas linhas de força são circulares e concêntricas em relação aos condu-

tores.

Figura 3.13 – Campo eléctrico e campo magnético num candeeiro

(a) – lâmpada apagada, existência apenas de campo eléctrico

(b) – lâmpada acesa, existência simultânea de campo eléctrico

e de campo magnético

3.4.2. Avaliação dos Campos Electromagnéticos Tendo em atenção que os regulamentos e as normativas de segurança reco-

mendam níveis máximos de exposição a campos eléctricos e magnéticos, em

locais de trabalho e em locais públicos em geral, torna-se necessário efectuar

medições desses campos, obedecendo, contudo, a normas técnicas que

indicam os passos e os procedimentos a adoptar, sendo de salientar as

seguintes, elaboradas pelo Institute of Electrical and Electronic Engineers IEEE,

e que são universalmente aceites:

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108

• IEEE 644-1994, que estabelece os procedimentos para as medições de

campos eléctricos e magnéticos emitidos por linhas aéreas de

transporte de energia.

• IEEE 1140-1994, desenvolvida pela IEEE Electromagnetic Compatibility

Society, define os procedimentos para a medição de campos eléctricos

e magnéticos, de frequência 5 Hz a 400 kHz, na vizinhança muito

próxima de ecrãs de monitores de computador.

• IEEE P1140.1-1999, desenvolvida pela IEEE Computer Society, define

os locais onde as medições devem ser realizadas relativamente aos

ecrãs.

Posteriormente, os resultados obtidos nas diversas medições deverão ser ana-

lisados pelas seguintes razões:

• Avaliar o espaço comercial onde monitores de computadores ou outros

equipamentos possam ser afectados por outros sistemas eléctricos

geradores de interferências electromagnéticas.

• Prevenir condições que possam evitar exposições exageradas que com-

duzam a problemas de saúde a curto e a longo prazo.

• Avaliar o impacto de linhas eléctricas de transporte de energia e de

outros equipamentos eléctricos de grande potência, no sentido de se

elaborarem procedimentos a respeitar em novos projectos.

• Avaliar as condições de exposição em habitações e em escritórios, com

o objectivo de se confirmar a sua conformidade com os regulamentos de

segurança mais relevantes.

a) Tipos de Avaliação Na prática, existem três metodologias de medição e avaliação dos níveis dos

campos eléctricos e magnéticos:

• Avaliação normal (spot survey). É aconselhável para áreas residenciais

e comerciais de pequena dimensão, devendo as medições serem efe-

ctuadas nos pontos centrais de determinadas áreas seleccionadas,

aconselhando-se a expor os resultados obtidos sob a forma de tabelas

referenciadas relativamente a esses locais.

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109

• Análise por contorno (contour survey). É aconselhável para a maioria

dos espaços comerciais e para os espaços abertos, situados nas

proximidades de linhas aéreas de transporte de energia. Para se

conduzir este processo da melhor forma, deverá ser efectuado um

mapa, tipo contorno, com a indicação de todos os pontos onde as

medições terão lugar.

• Análise dosimétrica (dosimetric survey). Para esta metodologia,

deverão ser efectuadas medições num determinado ponto fixo, em áreas

residenciais e ocupacionais, a intervalos de tempo regulares e pré-

-definidos, isto é, horas ou dias.

As medições a efectuar, assim como as análises posteriores, deverão incluir os

seguintes itens:

• Perímetro das áreas residenciais e/ou ocupacionais.

• Localização das linhas aéreas de transporte de energia, e de sub-

estações, que se encontrem próximo das áreas em análise.

• Descrição e localização dos espaços de entrada dos locais, gabinetes,

quartos, salas, áreas comuns, das celas dos postos de transformação,

dos quadros eléctricos, e dos condutores e cabos eléctricos.

b) Parâmetros de Avaliação Ao efectuar-se a análise posterior aos resultados obtidos nas medições,

convém salientar, que os níveis de exposição a campos magné-ticos variam

inversamente com a distância r em função dos equipamentos, ou seja, para

cabos ou condutores isolados, variam apenas com (1/r); para cabos ou fios

eléctricos com dois condutores, variam com (1/r2); e para motores, geradores,

transformadores e electrodomésticos equipados com motores, variam com

(1/r3).

Dever-se-á igualmente explicitar nos respectivos relatórios de avaliação quais

as condições climatéricas em que as medições foram realizadas, assim como a

duração dessas medições, que se podem classificar em três categorias:

• Medições usuais, que se referem à medição de parâmetros, em locais

previamente definidos, durante um curto período de tempo.

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110

• Medições de longa duração, que são normalmente realizadas num

determinado local e numa determinada posição, por exemplo durante

todo um dia ou mesmo durante vários dias.

• Medições de exposição individual, em que os voluntários transportam

consigo os aparelhos de medida durante um determinado período,

normalmente 24 horas, com a finalidade de se avaliarem durante esse

período quais os diferentes níveis de exposição a que, habitualmente, se

encontram submetidos nas suas actividades diárias.

3.4.3. Estudos de Avaliação Devido à importância de que se reveste a exposição a campos eléctricos e

magnéticos, são vários os países que têm vindo a proceder a medições e

avaliações dos níveis de exposição a campos electromagnéticos de reduzi-

díssima frequência, gerados por linhas de transporte de energia, subestações,

e outros equipamentos de utilização diária, como se exemplifica seguidamente:

a) Europa No Reino Unido, em medições registadas em 200 habitações localizadas na

Inglaterra e no País de Gales, registaram-se níveis de exposição de 37 nT e 54

nT, respectivamente, valores esses obtidos por média geométrica de todos os

registos efectuados. Medições idênticas registadas em Avon, conduziram a

níveis de 19 nT, 29 nT e 42 nT, também através de média geométrica.

Na Alemanha, medições efectuadas durante mais de 3 anos em mais de 300

residências, conduziram a um valor de 32 nT, obtido por média geométrica.

Em França, obtiveram-se níveis de 0,010 µT tanto no interior como no exterior

de habitações, e apenas 5 % dos casos apresentaram níveis superiores a

0,120 µT. Os valores obtidos nas medições seguiram uma distribuição normal-

-logarítmica, tendo aqueles níveis sido obtidos por média geométrica.

Na Finlândia, como resultado de medições em 37 residências durante 24

horas, obteve-se uma média geométrica de 60 nT.

Na Noruega, nos arredores de Oslo, efectuaram-se medições personalizadas

durante 24 horas em 65 alunos que habitavam entre 28 m a 325 m de uma

linha aérea de transporte de energia a 300 kV, com correntes entre 200 A e

700 A, tendo-se obtido uma média geométrica de 15 nT.

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111

b) América do Norte Nos Estados Unidos, em medições realizadas durante um período de 24 horas

em cerca de 900 habitações, obtiveram-se níveis médios de 0,06 µT, com 28 %

das habitações a apresentarem um nível superior a 0,1 µT. Concluiu-se ainda

que 11 % das casas excediam 0,2 µT, e 2 %, 0,5 µT.

Através de outro ensaio, também nos Estados Unidos, concluiu-se estatis-

ticamente que a sua população se encontra exposta, durante 24 horas, a

campos magnéticos de reduzidíssima frequência de cerca de 0,09 µT, tendo

sido igualmente observado que 14 % se encontram expostos a níveis acima de

0,2 µT, 2,5 % acima de 0,5 µT, e menos de 1 % acima de 0,75 µT.

Ainda nos Estados Unidos, no estado de Maryland e na cidade de Washington,

foi levado a cabo um ensaio relativo à emissão de campos electromagnéticos

de reduzidíssima frequência (Extremely Low Frequency ELF) e de muito baixa

frequência (Very Low Frequency VLF), em aparelhos electrodomésticos e de

lazer, tendo sido avaliadas as exposições produzidas por 72 televisores

utilizados por crianças, e 34 monitores utilizados para jogos de vídeo. Através

de média geométrica, concluiu-se que os níveis de exposição a campos

magnéticos de ELF e de VLF são, respectivamente, de 0,0091 µT e 0,0016 µT

para as crianças que vêem televisão, e de 0,023 µT e 0,0038 µT para as

crianças que praticam jogos de vídeo.

No Canadá, em medições rápidas e de longa duração efectuadas respecti-

vamente em 24 e 31 residências, concluiu-se que o nível de exposição em 24

horas, obtido por média geométrica, é de 0,107 µT, justificando-se este valor

bastante elevado pelo facto das residências sob ensaio se encontrarem muito

próximas de linhas de transporte de energia.

3.4.4. Redução dos Níveis dos Campos Electromagnéticos a) Procedimentos gerais Como é evidente, torna-se bastante importante não só para os utilizadores de

equipamentos eléctricos e electrónicos, em locais residenciais ou nos seus

locais de trabalho, mas também para a população em geral, evitar as expo-

sições a campos electromagnéticos em níveis considerados potenciadores de

riscos para a saúde. Assim sendo, apresentam-se seguidamente quais as su-

gestões a cumprir no sentido de minimizar essa situação:

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112

• Efectuar o levantamento de todas as fontes emissoras de campos ele-

ctromagnéticos.

• Instalar cabos de transporte de energia eléctrica e cabos de distribuição

em baixa tensão, com condutores entrelaçados e com bainhas de aço,

para atenuar a geração e a emissão de campos magnéticos.

• Projectar as instalações eléctricas de modo a que os quadros de distri-

buição e os seus instrumentos de medida fiquem afastados de salas

ocupacionais e habitacionais.

• Instalar os eléctrodos de terra suficientemente afastados das habitações

ou dos locais de trabalho.

• Os cabos e condutores eléctricos por onde circulam correntes de

elevadas intensidades deverão ser instalados o mais afastados que for

possível de espaços de utilização frequente.

• Nas instalações de baixa tensão deverão sempre ser utilizados cabos e

fios com mais de um condutor.

• Manter determinados electrodomésticos, como termoacumuladores,

máquinas de lavar roupa, secadores de roupa, afastados de quartos de

dormir e das cozinhas.

• Evitar utilizar cobertores eléctricos nas camas e relógios de alarme nas

mesas de cabeceira.

• Utilizar blindagens magnéticas em zonas onde os níveis de geração de

campos electromagnéticos de reduzidíssima frequência possam ser

elevados.

b) Monitores de Computador (VDTs) Neste equipamento, as fontes geradoras de campos eléctricos de muito baixa

frequência são as fontes de alimentação e as bobinas de deflexão, podendo

estes componentes criar um potencial superficial de alguns kilovolts, depen-

dendo da humidade, temperatura, velocidade do ar, e da concentração iónica

do ar. Como é sabido, a redução destes potenciais electrostáticos assim como

dos campos eléctricos é feita exteriormente instalando sobre o ecrã do monitor

uma placa transparente ligada à terra, e interiormente, pelos construtores,

através de uma blindagem metálica envolvente da fonte de alimentação.

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113

Apesar de não haver evidências que comprovem o aparecimento de problemas

de saúde induzidos pela exposição a VDTs, é, no entanto, de todo o interesse

reduzir os níveis de exposição, adoptando as seguintes medidas:

• Utilizar VDTs de baixa radiação.

• Fazer intervalos periódicos, por exemplo de hora a hora, para reduzir o

cansaço e a tensão oculares, assim como para relaxar todo o sistema

muscular, devido à posição de trabalho.

• A maioria das emissões de campos eléctricos e magnéticos provêm dos

componentes indutivos, instalados no interior da caixa, junto às suas

paredes laterais e à parede de fundo. Como tal, deve-se evitar estar

sentado muito próximo de monitores, devendo a distância mínima à

parte traseira de outros monitores ser igual ou superior a 120 cm, como

se ilustra na figura 3.14. Além disso, esta figura mostra ainda qual a

posição ergonómica mais correcta para o corpo humano, sendo ainda

aconselhável manter a cabeça a uma distância mínima de 70 cm do

monitor.

Figura 3.14 – Posição ergonómica de trabalho, e distâncias mínimas

recomendadas entre computadores e utilizadores.

• Evitar os problemas ergonómicos, escolhendo convenientemente os assentos,

os ratos e os teclados, devendo igualmente evitar-se a utilização de materiais

metálicos mesmo nas armações de óculos, para evitar potenciar a acção dos

campos eléctricos e magnéticos.

• Não instalar computadores em quartos de dormir, nem mesmo noutras salas

junto de paredes que façam a separação para quartos, na medida em que os

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114

materiais de construção são permeáveis às linhas de força dos campos

eléctricos e magnéticos.

• Antes de se utilizar um computador em pleno, deve ser deixado numa sala bem

ventilada, com o objectivo de permitir a dissipação de gases químicos ainda

presentes nos plásticos e nos componentes dos circuitos electrónicos.

• Os computadores devem ser totalmente desligados sempre que não estejam a

ser utilizados.

• Os VDTs deverão ser substituídos, assim que possível, por LCDs, na medida

em que consomem bastante menos energia e, virtualmente, não emitem

campos. Todavia, os teclados e os ratos dos novos computadores passaram a

ser as fontes emissoras uma vez que a transmissão se processa sem fios.

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115

CAPÍTULO 4. RADIAÇÃO DE RÁDIO-FREQUÊNCIA

4.1. FONTES DE RADIAÇÃO DE RÁDIO-FREQUÊNCIA 4.1.1. Definições e Conceitos A rádio teve início, em termos práticos, em 1909, quando o físico e empresário

italiano Guglielmo Marconi (1874-1937) deu utilização às invenções e inova-

ções dos seus predecessores, Heinrich Hertz e Nikola Tesla, ao enviar o

primeiro sinal sem fios através do Atlântico Norte, entre Poldhu (Cornualha,

Reino Unido) e St. John, na Terra Nova, Canadá.

Desde então, a rádio, como passou a ser conhecida a telegrafia sem fios,

tornou-se uma componente essencial da vida quotidiana, representando um

dos maiores negócios da actual economia global, como se pode constatar com

a dramática expansão dos telefones celulares.

O termo rádio-frequência (RF) refere-se a uma corrente alternada que, se for

fornecida por uma antena, gera campos electromagnéticos, campos esses

adequados para serem utilizados em comunicações sem fios, rádio, televisão,

e outras aplicações industriais, científicas e médicas. A rádio-frequência cobre

uma zona muito importante e significativa do espectro de radiação electro-

magnética, estendendo-se de poucos kilohertzs, dentro da gama de audição

humana, até aos milhares de gigahertz.

De acordo com a definição do Institute of Electrical and Electronic Engineers

(IEEE), a radiação de rádio-frequência (na terminologia normalizada anglo-

-saxónica, radio frequency radiation RFR) é uma banda do espectro

electromagnético que abrange uma gama de frequências entre 3 kHz e 300

GHz. Por outro lado, a radiação de microondas (microwave MW) é usualmente

considerada como um subconjunto da RFR, apesar de, em definições

alternativas, se considerar a RF e as MW como duas regiões espectrais

separadas. Note-se que as microondas ocupam a região espectral entre 300

GHz e 300 MHz, enquanto que a rádio-frequência se estende entre 300 MHz e

3 kHz. Atendendo a que possuem características similares, a RF e as MW

serão designadas apenas como sendo a RFR, ao longo deste capítulo.

No quadro 4.1 expõem-se as aplicações e as gamas de frequências da RFR.

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116

Aplicações Gama de frequências

Radiação de rádio-frequência RFR 3 kHz – 300 GHz

Gerais

Rádio AM (modulação de amplitude) 535 – 1705 kHz

Rádio FM (modulação de frequência) 88 – 108 MHz

Canais de TV 54 – 88 / 174 – 220 MHz

Televisão UHF 470 – 806 MHz

Pagers comerciais 35, 43, 152, 158, 454, 931 MHz

Rádio-amadorismo 10,1 – 10,15 / 14 – 14,35 / 18,068 – 18,168 / 21,0 – 21,45/ 24,89 – 24,99 / 28,0 – 29,7 MHz

Sistemas celulares

NMT 450 453 – 457,5 / 463 – 467,5 MHz

NMT 900 890 – 915 / 935 – 960 MHz

AMPS 825 – 845 / 870 – 890 MHz

TACS 890 – 915 / 935 – 960 MHz

ETACS 872 – 905 / 917 – 950 MHz

GSM 900 890 – 915 / 935 – 960 MHz

DCS 1800 1710 – 1785 / 1805 – 1880 MHz

Sistemas sem fios (rede telefónica fixa)

CT-2 864 – 868 MHz

DECT 1880 – 1900 MHz

PHS 1895 – 1918 MHz

PACS 1910 – 1930 MHz

PCS 1850 – 1990 MHz

Industriais, científicas, e médicas

ISM 433, 915, 2450 MHz

Aquecimento por RF 13,56; 27,12; 40,68; 100 MHz

Fornos microondas 2450 MHz

Quadro 4.1 – Aplicações e gamas de frequências da RFR.

A RFR é descrita como sendo uma série de ondas de energia electromagnética

constituídas por campos eléctricos e magnéticos oscilatórios, que se propagam

através do espaço à velocidade da luz c = 3 x 108 m/s, e que não carecem de

um meio material para que se verifique a transmissão. Note-se que a

velocidade de propagação destas ondas é atenuada em meios como o ar, a

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117

água, o vidro, e os tecidos biológicos, e radiam a partir da sua fonte de

transmissão em “pacotes” de energia que combinam as características de

ondas e de partículas. Por outro lado, são reflectidas, refractadas ou

absorvidas pelos seus receptores ou por qualquer outro objecto que se

encontre na sua trajectória.

As aplicações da energia de rádio-frequência RF incluem os seguintes campos

de aplicação e equipamentos:

• Estações de rádio e televisão.

• Comunicações via rádio em microondas ponto-a-ponto, comunicações

móveis de rádio (walky talks) e celulares, pagers, comunicações rádio

navios-terra.

• Rádio amadorismo, e rádio na banda do cidadão.

• Navegação aérea e marítima, e radar – militar e civil para vigilância e

indicação de rotas, controlo do espaço aéreo, controlo do tráfego

rodoviário, vigilância meteorológica e predição do clima.

• Processamento e confecção culinária, fornos de RF, soldadura a alta

frequência, equipamentos de secagem a microondas, fornos micro-

ondas.

• Amplificadores de potência utilizados em compatibilidade electroma-

gnética e em metrologia.

Saliente-se que os consumidores utilizam muitos dos equipamentos e aplica-

ções discriminadas, mais ou menos consoante o seu bem-estar pessoal, social

e económico, contudo a questão dos riscos inerentes à exposição a radiações

de rádio-frequência, como sucede de maneira similar com os riscos associados

à exposição a campos eléctricos e magnéticos de frequência reduzidíssima,

como se analisou pormenorizadamente no capítulo anterior, é um assunto de

extrema importância, que diz respeito a todos, indiferenciadamente.

4.1.2. Elementos de um Sistema de RFR A radiação de rádio-frequência RFR é emitida a partir de três elementos

básicos, de qualquer sistema sem fios – gerador, trajecto da transmissão, e

antena –, como se esquematiza na figura 4.1.

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118

Figura 4.1 – Elementos básicos de um sistema de transmissão sem fios.

a) Geradores Estes geradores, também designados por fontes de RF, convertem potência

eléctrica em radiação, utilizando determinadas tecnologias tais como os oscila-

dores ou os magnetrões. As necessidades de radiação do sistema determinam

o tipo de gerador ou fonte, sendo a potência de saída, o rendimento, a

dimensão, a largura de banda, a frequência, e a técnica de modulação os

parâmetros mais importantes de dimensionamento.

O oscilador representa a fonte mais básica de RF, e consiste num circuito

ressonante usualmente equipado com andares de amplificação e circuitos de

retroacção. Operam pelo princípio da modulação da velocidade e da corrente, e

o seu princípio de funcionamento consiste na injecção de uma corrente de

electrões num tubo de vácuo para, de uma forma alternada, acelerarem ou

retardarem essa corrente de electrões, consoante a frequência de saída

desejada.

Quanto ao magnetrão, é um gerador de pequena dimensão que comporta um

tubo de vácuo e cavidades de ressonância. Não requer um oscilador, e os

electrões deslocam-se do cátodo para o ânodo, através dessas cavidades,

induzindo correntes com as frequências pretendidas para a radiação.

b) Linhas de Transmissão O objectivo destas linhas consiste em guiar a energia, através das ondas ele-

ctromagnéticas geradas na fonte, até às antenas de recepção e de propa-

gação. Essa transmissão é conseguida através dos seguintes meios:

• Linhas com Dois Condutores. Estas linhas, constituídas por dois com-

dutores com a mesma secção, instalados no mesmo cabo, são uma das

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119

tecnologias mais antigas utilizadas em canais de comunicação, sendo

essencialmente aplicadas em redes telefónicas que operam em

frequências que não ultrapassam 100 MHz. Atendendo a que existe uma

ligação indutiva e capacitiva entre os vários condutores do mesmo cabo,

em termos de cálculo e análise, estas linhas são caracterizadas, como

se esquematiza na figura 4.2, através dos seus parâmetros distribuídos

R – resistência por unidade de comprimento, L – indutância por unidade

de comprimento, G – condutância por unidade de comprimento, e C –

capacidade por unidade de comprimento. Quanto mais próximos

estiverem os cabos entre si, mais elevadas serão aquelas ligações

indutivas e capacitivas, tendo como consequência o aparecimento de

conversações telefónicas cruzadas. Saliente-se que ambos os condu-

tores são entrançados, com o duplo objectivo de diminuir a emissão de

campos electromagnéticos, assim como de atenuar as interferências por

parte de campos eléctricos e magnéticos exteriores.

Figura 4.2 – Linha de transmissão com dois condutores,

e parâmetros distribuídos.

• Cabos Coaxiais. Estes cabos representam o modo mais comum para

as linhas de transmissão de alta frequência. Os dois condutores neces-

sários para a transmissão da energia são, respectivamente, o condutor

central e a baínha metálica condutora, estando isolados entre si através

de um material dieléctrico, normalmente o polietileno, como se mostra

esquematicamente na figura 4.3. Estes cabos são adequados para

transmissões de longa distância com um número elevado de dados, e

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120

apresentam uma baixa atenuação dos sinais e uma elevada imunidade

às interferências exteriores de campos eléctricos e magnéticos.

Figura 4.3 – Constituição de um cabo coaxial de transmissão de dados.

• Guias de Onda. Estes componentes metálicos, normalmente ocos,

como se mostra na figura 4.4, podem apresentar formas rectangulares

ou tubulares, sendo utilizados para a transferência de sinais de frequên-

cias muito elevadas, superiores a 2 GHz. Estes guias de onda

apresentam perdas muito reduzidas, o que significa que as ondas ao

percorrê-los não apresentam praticamente atenuação. Além disso,

podem ser agrupados em pares, sem que percam contacto com as res-

pectivas ondas, e sem gerarem reflexões.

Figura 4.4 – Guias de onda, de forma rectangular (a),

e de forma tubular (b).

c) Antenas Como se viu anteriormente, a antena é o último componente de um sistema de

transmissão sem fios, sendo uma estrutura que tem como funções assegurar a

transição de uma onda electromagnética guiada, proveniente de uma linha de

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121

transmissão, para uma onda electromagnética que se irá propagar no espaço,

podendo igualmente ser utilizadas como transdutores de sinal de linhas de

transmissão, para o meio envolvente. As antenas são equipamentos

recíprocos, isto é, funcionam nos dois sentidos, como emissores ou como

receptores: Como emissores, radiam as ondas electromagnéticas para o

espaço, e como receptores, fazem a recepção dessa radiação, encaminhando-

-a para transdutores e cabos de transmissão.

A selecção e o projecto de uma antena são directamente influenciados por

parâmetros como a dimensão, a gama de frequências, a potência de saída, a

directividade, o ganho, a técnica de propagação, a polarização, e a impedância

eléctrica, justificando-se a existência de uma larga gama de tipos de antenas.

Adicionalmente, as propriedades das antenas, que se discriminam seguida-

mente, são o aspecto mais importante associado à avaliação dos riscos da

radiação:

• Bel. É um termo utilizado para a medição do som, tendo em atenção

que o ouvido humano tem uma resposta logarítmica. Define-se como

sendo a razão entre a potência de saída Po e a potência de entrada Pi.

• Decibel. Com a finalidade de se trabalhar com a banda larguíssima de

frequências em telecomunicações, é conveniente utilizar-se uma escala

logarítmica, de base 10, para se comparar os níveis da potência de

saída, multiplicando-se ainda o resultado por 10, sendo a unidade o

decibel (dB). Por exemplo, o ganho de um amplificador é determinado

através da seguinte expressão:

dBlog10 ⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛=

i

oPP

G

• Directividade. É a capacidade da antena em concentrar a radiação na

direcção pretendida. Numericamente, é calculada como sendo a razão

entre a intensidade da radiação numa determinada direcção a partir da

antena, e a intensidade média da radiação em todas as direcções.

• Ganho. Representa o parâmetro mais importante no projecto e no

desempenho da antena, sendo definido como o produto do rendimento

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122

da antena pela sua directividade. É calculado através da seguinte

expressão, sendo Ae a área efectiva de abertura da antena (m2), e λ o

comprimento de onda da radiação (m):

24λπ eA

G=

• Polarização. A polarização de uma onda electromagnética representa a

orientação das linhas de força do vector campo eléctrico relativamente à

superfície da Terra, existindo dois tipos básicos de polarização: Linear

(vertical e horizontal), e elíptica (normalmente circular).

• Zona de proximidade do campo. É a região que se encontra muito

próxima da antena, e na qual os campos eléctrico e magnético não

exibem uma relação entre si de onda plana (perpendicularidade entre os

respectivos vectores), e a potência radiada por unidade de área não

diminui com o quadrado da distância à fonte, mas varia considera-

velmente de ponto para ponto.

• Zona de afastamento do campo. É a região que se encontra de tal

modo afastada da antena, onde a potência radiada por unidade de área

diminui com o quadrado da distância à fonte. A energia radiada é

armazenada alternadamente nos campos eléctrico e magnético da onda

electromagnética em propagação. Quanto aos vectores campo eléctrico

e campo magnético, são perpendiculares entre si e perpendiculares, por

sua vez, ao vector de Poynting, que tem a direcção e o sentido da onda

em propagação.

A distância RNF (m) entre a antena e a denominada zona de afastamento

do campo (zona longe do campo), é calculada através da seguinte

expressão:

λ

22 DRNF =

sendo D a maior das distâncias à estrutura radiante (m), e λ o compri-

mento de onda da radiação (m).

Na prática, quando se efectuam estudos de caracterização de riscos de

exposição às radiações, esta zona de afastamento do campo é marcada

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123

com uma distância 75 % mais curta, daí que se utilize na sua determi-

nação a seguinte expressão, adaptada da anterior:

λ

25,0 DRNF =

Como se salientou anteriormente, existem diversos tipos de antenas, como se

mostra na figura 4.5, utilizadas em transmissões de rádio e TV, sistemas de

radar, comunicações de rádio, comunicações celulares, e muitas outras

aplicações.

Figura 4.5 – Tipos de antenas de comunicações.

• Antena isotrópica (isotropic antenna). É uma antena hipotética que

radia potência igualmente em todas as direcções, sendo utilizada como

uma referência de base no estudo da radiação das antenas reais.

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124

• Antena em fio (wire antenna). Como é do conhecimento geral, um

simples fio metálico comporta-se como sendo uma antena, não tendo

necessariamente que ser rectilíneo. Estas antenas são projectadas para

operarem a frequências entre 2 MHz e 30 MHz, sendo o seu compri-

mento tanto maior quanto mais baixa for a frequência.

• Antena de meia-onda (half-wave antenna). É uma antena cujo compri-

mento eléctrico é igual a metade do comprimento de onda do sinal de

rádio.

• Antena de cabo (line antenna). É constituída por um simples cabo,

como sucede por exemplo nos navios, em que se encontrava estendida

entre as extremidades dos dois mastros. A velocidade de onda é muito

próxima da velocidade no vácuo, daí serem utilizadas para a transfe-

rência directa da radiação para o vácuo.

• Antena circular (loop antenna). É utilizada na transmissão de rádio AM

na banda das ondas longas, e são bastante direccionais podendo ser

dimensionada com mais de uma espira.

• Antena log-periódica (log-periodic antenna). É uma antena de banda

larga, constituída por dipolos de comprimento sucessivamente decres-

cente, e ligados em paralelo ao longo da fonte.

• Antena parabólica (dish antenna). Estas antenas são utilizadas para a

recepção e transmissão de ondas de rádio para satélites e estações

terrestres, recebendo as ondas e focalizando-as através da superfície

parabólica do reflector, para um transdutor, que conduzirá o sinal

através de uma linha de transmissão com fios. É o caso, por exemplo,

das antenas domésticas e industriais de recepção de sinais de televisão.

• Antena micro-pastilha (microstrip antenna). É uma antena tipo micro-

ship, de baixo perfil, em que uma área de material condutor é depositada

sobre um dieléctrico de pequena espessura, sendo utilizada em aplica-

ções de microondas, daí as suas reduzidíssimas dimensões.

• Antena helicoidal (helical antenna). É, basicamente, constituída por

um fio metálico enrolado sob a forma de hélice, sendo utilizadas numa

banda larga de frequências. Podem facilmente gerar ondas polarizadas

circulares.

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125

• Antena com orifício (slot antenna). É um elemento radiante (orifício),

criado por uma cava numa superfície condutora ou numa parede de um

guia de onda.

• Antena de painel (panel antenna). Esta antena, também denominada

de antena direccional, é uma antena ou um conjunto de antenas, de

forma rectangular e de espessura reduzida, projectadas para concentrar

a radiação numa determinada área. É utilizada em estações celulares

em cidades e em áreas suburbanas onde seja necessária uma grande

capacidade de resposta para elevadas concentrações populacionais.

• Antena Yagi-Uda (Yagi-Uda antenna). É uma das mais familiares

antenas, uma vez que é comummente utilizada na recepção de sinais de

televisão, representando uma matriz passiva, com um único elemento

principal que conduz a energia para os restantes elementos, parasitas.

• Matriz de antenas (antenna array). É constituída por um conjunto de

antenas, que, no seu todo, se comportam como uma só. Cada matriz

activa tem os seus elementos individuais alimentados pelas suas

próprias fontes, enquanto que as matrizes passivas possuem um

elemento principal que tem como função conduzir a energia radiante

para os elementos parasitas.

• Matriz de antenas direccionais (phased array antenna). É um

conjunto de antenas, semelhante ao anterior, mas em que os seus ele-

mentos podem ser electronicamente orientados, mantendo-se contudo

estática a estrutura da antena, com a finalidade de orientar a emissão de

ondas.

4.1.3. Transmissores de Rádio e Televisão As estações de rádio (telefonia) e de televisão transmitem os seus sinais

através de antenas de AM e de FM, podendo a gravidade desses sinais no que

respeita à exposição a que se encontram sujeitos quer trabalhadores quer o

público em geral, ser avaliada através das respectivas frequências da radiação

– 535 kHz a 1705 kHz para as transmissões de rádio em AM, e 2 MHz a 806

MHz para rádio em FM e para televisão em VHF (Very High Frequency) e UHF

(Ultra High Frequency).

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126

a) Estações de Rádio AM A modulação de amplitude constitui um processo simples e efectivo de trans-

mitir informação, e opera numa frequência específica, não havendo alterações

de potência do sinal transmitido. Um aspecto importante que interessa realçar

relativamente à existência de antenas de rádio de altas frequências, consiste

na existência de campos eléctricos polarizados com uma direcção vertical,

através da matriz de antenas, de dimensão considerável e com polarização

horizontal. Esses campos eléctricos polarizados verticalmente são devidos à

elevada diferença de potencial eléctrico de RF entre os elementos das antenas

e o solo, podendo induzir correntes de elevada intensidade no corpo de

pessoas que se encontrem muito próximas das antenas. Em alguns casos,

essas correntes induzidas poderão exceder os limites máximos de exposição

aconselháveis, muito antes dos campos eléctricos e magnéticos excederem os

seus correspondentes limites de exposição.

b) Estações de Rádio FM O conceito de frequência modulada foi introduzido como uma alternativa ao

sistema AM, em 1931, e consiste em “super-impor” um sinal inteligente de

áudio ou de vídeo sobre uma alta frequência. O sinal parte assim do seu valor

de referência, com um montante proporcional à amplitude do sinal inteligente.

As estações de rádio FM transmitem na banda de 88 MHz a 108 MHz,

consistindo as antenas numa matriz de elementos, por vezes em grande

número, instalados lateralmente nas respectivas torres, sendo o afastamento

entre os elementos de cerca de um comprimento de onda, isto é, de cerca de 3

metros. Estas antenas são omnidireccionais, produzindo assim um espectro de

cobertura com forma circular.

c) Estações de Televisão FM Os canais de televisão em FM operam nas bandas 54 – 88 / 174 – 220 MHz

em VHF, e na banda 470 – 806 MHz em UHF, consistindo as antenas numa

matriz de elementos radiantes instalados numa torre. Quando comparadas com

as antenas FM, os elementos são mais complexos de projectar e radiam

menos energia para o solo, sendo as torres bastante mais altas que as

utilizadas na transmissão de rádio em FM.

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127

4.1.4. Sistemas de Radar O termo radar é um acrónimo, utilizado pela marinha dos Estados Unidos

(United States Navy) em 1942, e significa radio detecting and raging, tendo sido

desenvolvido para fins militares em 1940. Após a segunda guerra mundial,

além das finalidades militares, este sistema passou também a ser utilizado para

fins civis, como por exemplo na navegação aérea, marítima e ferroviária

(comboios de grande velocidade TGV e ICE), em meteorologia, e no controlo

do tráfego rodoviário.

Basicamente, o radar emite sinais de RFR, através de uma antena rotativa de

forma a varrer todas as direcções, sinais esses que são constituídos por cerca

de 1500 impulsos por segundo de elevada potência, tendo cada impulso uma

duração entre 10 μs e 50 μs. Estes sinais são, por sua vez, reflectidos por um

objecto ou por uma superfície, sendo captados pela mesma antena, o que

permite determinar a distância a que os objectos se encontram. Ou seja, a

antena emite e recebe sinais alternadamente, com comprimentos de onda

entre 1 cm e 1 m, aos quais correspondem respectivamente as frequências de

300 MHz e 30 GHz.

a) Radares Estacionários Estes radares são fontes estacionárias de RFR, utilizadas para controlar,

assistir ou fornecer informações relativas a tráfego em terra, no mar e no ar,

como por exemplo os radares de controlo da navegação aérea, os radares de

controlo do espaço aéreo, os radares de profundidade, os sistemas de aterra-

gem de aeronaves por instrumentos, os radares de previsão meteorológica, e

os radares utilizados em investigação científica, sendo de realçar que todas

estas instalações se encontram montadas em terra ou ao longo da costa.

Como se mostra na figura 4.6, uma matriz de antenas direccionais de um

sistema de radar multifunções emite electronicamente vários feixes de ondas,

com funções diferenciadas. A intensidade da radiação depende de diversos

factores, como sejam a frequência da radiação, as características da fonte, a

potência a transmitir, a largura dos impulsos, a taxa de repetição, e a distância

da fonte. Saliente-se que os trabalhadores dos aeroportos incorrem amiuda-

damente no risco de sobre-exposição a radiações de RFR, se permanecerem

demasiado tempo próximo das instalações de radar, o mesmo sucedendo com

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128

passageiros frequentes, que são obrigados a permanecer também durante

bastante tempo nos aeroportos.

Figura 4.6 – Sistema de radar fixo, multifunções.

b) Radares de Controlo do Tráfego Actualmente, a utilização do radar por parte das autoridades policiais no

controlo do volume de tráfego rodoviário bem como das velocidades

praticadas, tornou-se usual e massificada, situação que teve o seu início

apenas a partir de 1970.

Os primeiros radares, em 1970, operavam com uma frequência de 10,525 GHz,

ou seja, na banda dos raios X e, em 1975, foi introduzida a segunda geração, a

operar a 24,15 GHz, tendo a terceira geração entrado em funcionamento na

década de 1990, utilizando a gama entre 33,7 GHz e 36 GHz.

Estes radares transmitem um sinal de baixa potência, de uma forma contínua,

detectam uma parte da energia reflectida por um objecto em movimento, por

exemplo a matrícula de uma viatura, e comparam a frequência do sinal

recebido com a frequência do sinal transmitido. A diferença entre essas

frequências é directamente proporcional à velocidade do veículo relativamente

à unidade de radar – efeito Doppler. Comparativamente com outros tipos de

radares estacionários, o nível de potência dos radares de controlo de tráfego é

muito reduzida, sendo igualmente mais baixa quando comparada com outras

fontes emissoras de RF, utilizadas muito próximo de pessoas, tais como os

telefones celulares.

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129

Os radares de tráfego podem ser estacionários ou móveis. Em relação aos

primeiros, são utilizados por um agente colocado numa posição fixa, enquanto

que os segundos (figura 4.7) são instalados numa viatura de patrulha em

movimento, podendo suceder duas situações opostas: Quando se controlam

viaturas que circulam em sentido contrário, as duas velocidades são somadas,

sendo a velocidade da viatura controlada obtida por subtracção da velocidade

do carro patrulha. Por outro lado, quando as duas viaturas circulam no mesmo

sentido, a velocidade da viatura é igual à subtracção entre as duas

velocidades.

Figura 4.7 – Radar móvel de controlo do tráfego.

Os níveis da radiação emitida por estes tipos de radares são inferiores aos

limites considerados de segurança, a alguns metros de distância da antena.

Todavia, no caso dos radares estacionários, o nível de radiação poderá ultra-

passar os limites de segurança na vizinhança da antena.

4.1.5. Estações Terrestres de Rastreio de Satélites Os satélites de comunicações em órbita terrestre têm como funções assegurar

as comunicações telefónicas globais, contribuir para a previsões meteoro-

lógicas através da recolha de imagens da evolução de fenómenos atmos-

féricos, recolher imagens da terra para se avaliar de situações de atentados

ambientais, assegurar transmissões televisivas, e servir de plataforma para o

sistema de posicionamento global (global positioning system GPS).

Quanto às estações de rastreio terrestres, do interesse público no que respeita

às emissões de radiação RFR, consistem em antenas parabólicas de grande

dimensão, utilizadas para transmitir ou receber sinais via satélite, figura 4.8.

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130

Figura 4.8 – Sistema de comunicações por satélite.

Devido às grandes distâncias envolvidas, por exemplo 36000 km para os saté-

lites geoestacionários, os níveis de potência necessários para a transmissão

dos sinais são relativamente mais elevados quando comparados com outros

sistemas de transmissão terrestres. Uma vez que o diâmetro dos feixes

hertzianos é muito reduzido e como estes feixes são altamente direccionais, é

praticamente impossível alguém do grande público ficar exposto a essa

radiação.

Quanto à radiação ao nível do solo, depende do ângulo de inclinação da

antena, do seu formato, e da intensidade do sinal, podendo os trabalhadores

que tenham que estar presentes junto às antenas, temporariamente para inter-

venções de manutenção, poderão ser sujeitos a elevados níveis de radiação,

caso não sejam tomadas as devidas precauções. Por outro lado, algumas

antenas são apenas utilizadas como receptores de informação, como sucede

com as antenas domésticas de TV, e que não constituem qualquer risco para o

público.

4.1.6. Comunicações por Microondas Estas comunicações, ponto-por-ponto, permitem ligar com elevada eficiência,

via rádio, locais muito próximos, sem obstrução. As antenas de microondas

transmitem e recebem sinais de muito baixa potência através de curtas

distâncias, como se mostra na figura 4.9. Estas antenas são usualmente

rectangulares ou circulares, tendo uma grande variedade de aplicações, como

sejam a transmissão de mensagens via telefone ou telégrafo, e a ligação entre

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131

estúdios de rádio e de TV por cabo com as respectivas antenas de trans-

missão. Além da sua reduzida energia, atendendo ainda a que os feixes são

alinhados com grande precisão e que a dispersão é mínima ou insignificante,

não é expectável a existência de riscos para a saúde humana.

Figura 4.9 – Sistema de transmissão de microondas.

4.1.7. Equipamento Móvel de Rádio Este sistema móvel representa a forma mais antiga de comunicação sem fios,

tendo tido o seu início em 1921 nos Estados Unidos, operando a uma fre-

quência de 2 MHz. Permite a comunicação de pessoas entre si ou de pessoas

com uma central fixa, como sucede por exemplo com os serviços de

bombeiros, com as forças de segurança, com o pessoal dos aeroportos, com

as empresas de segurança, com os serviços de transportes, ou mesmo dentro

de empresas para que os trabalhadores de diversos sectores de actividade,

dependentes uns dos outros, possam comunicar entre si. Cite-se o caso de

uma unidade de manutenção de material circulante ferroviário, em que, com

grande frequência, as equipas que se encontram no parque de material

necessitam comunicar com os serviços que se encontram no interior do

edifício, bem como com outras brigadas em serviço.

Estes sistemas utilizam a polarização vertical, daí que as antenas utilizadas

sejam verticais, quer estejam instaladas em locais fixos ou em viaturas, tendo

estas últimas um comprimento que depende do comprimento de onda. Por

outro lado, os veículos representam um bom elemento de recepção, sendo no

entanto aconselhável instalar as antenas no centro do tejadilho, sempre que

possível, para se dispor de uma larga superfície metálica.

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132

4.1.8. Comunicações Celulares a) Generalidades O cenário celular é radicalmente diferente das comunicações móveis de rádio,

na medida em que é um tipo de transmissão, analógica ou digital, de banda

limitada, no qual um assinante dispõe de uma ligação sem fios, de um telefone

celular até uma estação de base relativamente próxima.

O primeiro sistema celular, que deu origem à primeira geração, surgiu em

1971, por iniciativa da empresa de telecomunicações americana AT&T Bell

Laboratories, com a designação de Advanced Mobile Phone System AMPS,

tendo o grande desenvolvimento começado na década de 1980, representando

actualmente as comunicações celulares o sector das telecomunicações em

mais rápida expansão, com uma taxa de crescimento de 40-50 % por ano, tudo

indiciando que serão, num futuro muito próximo, o meio preferido de

telecomunicação. O sistema AMPS foi instalado na América do Norte,

Austrália, e em alguns países da Ásia. Seguiram-se outros sistemas de

primeira geração, analógicos, como o NMT-450 e o NMT-900, na Escandinávia,

na restante Europa, e em partes da Ásia; o C-Netz na Alemanha, Áustria,

Portugal e África do Sul; o RC2000 em França; o TACS e o ETACS no Reino

Unido, na Irlanda, e em partes da Ásia; o RTMS em Itália; e o MCSL1 e o

JTACS no Japão.

Na década de 1990 surgem os sistemas celulares digitais, oferecendo um largo

número de serviços de valor acrescentado, como sucedeu com o Global

System for Mobile Communication GPS, tendo-se registado uma expansão

significativa no número de subscritores.

Presentemente, a normalização faz parte dos sistemas celulares de terceira

geração, sendo promovida pelo European Telecommunication Standardization

Institute ETSI, através de um projecto designado por Universal Mobile

Telecommunication System UMTS, e com a participação da International

Telecommunication Union ITU, onde é designado por IMT2000, tendo este

sistema sido adoptado já na década de 2000, sendo as bandas de frequência

1920-1980 MHz e 2110-2170 MHz. Esta terceira geração caracteriza-se por

apresentar uma plataforma com uma oferta variada de outros serviços

integrados, como a Internet sem fios, a transmissão de dados, o acesso à

informação noticiosa, e a captação de imagens fixas e em movimento.

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133

Como se esquematiza na figura 4.10, espera-se que, a partir de 2010, sejam

apresentados os sistemas da quarta geração e, a partir de 2020, os da quinta

geração. Saliente-se que os telefones sem fios (cordless phones), isto é, os

terminais que circulam livremente nas residências ou em escritórios e serviços

públicos, não devem ser considerados, no sentido estrito do termo, como

sendo um serviço, mas sim mais um produto de consumo, integrado na rede

telefónica fixa.

Figura 4. 10 – Evolução das comunicações celulares.

Por sua vez, na figura 4.11 mostra-se a estrutura de um sistema celular de

comunicações.

Figura 4.11 – Sistema celular de comunicações típico.

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134

A associação entre o equipamento electrónico e as respectivas antenas de

comunicações celulares, é comummente referida com Base Transceiver Station

BTS, tendo cada BTS um conjunto de antenas emissoras e receptoras. As

estruturas BTS possuem uma altura compreendida entre 10 m e 75 m, e

utilizam antenas omnidireccionais. A potência radiada efectiva (effective

radiated power ERP) de um sistema celular depende do número de canais

autorizados, sendo o seu valor, em zonas urbanas, de 100 W por canal,

potência esta à qual corresponde um verdadeiro valor de potência radiada

(actual radiated power) de 5 a 10 W.

Por outro lado, existem ainda as estações móveis e portáteis, que incluem os

aparatos utilizados em comunicações sem fios, em comunicações celulares, e

nos serviços de comunicação por satélite. Uma estação móvel é definida como

sendo um equipamento de transmissão/recepção, utilizado numa posição não

fixa, como é o caso dos telefones celulares, dos veículos com antenas

instaladas, e dos sistemas de computadores pessoais sem fios. Por outro lado,

uma estação portátil é definida como sendo um equipamento utilizado com a

sua estrutura radiante em contacto directo com o corpo humano, como é o

caso dos sistemas celulares de mãos-livres, dos auriculares, e dos sistemas

telefónicos dos computadores pessoais. Quanto à potência máxima de RF

destas estações, os seus valores são de 0,8 W, 2 W e 5 W para os sistemas

celulares de mãos livres, e de 8 W e 20 W para as estações portáteis e para os

sistemas instalados em veículos.

b) Tecnologias Celulares Os telefones celulares transmitem sinais analógicos – os da primeira geração,

já retirados –, ou sinais digitais, tendo os sinais analógicos uma natureza

contínua, enquanto que os sinais digitais são discretos. As tecnologias que têm

vindo a ser utilizadas nas comunicações celulares são as seguintes:

• Frequency Division Multiple Acess FDMA. Consiste numa divisão da

banda de frequências utilizadas nas comunicações celulares, em vários

canais, cada um dos quais podendo assegurar uma conversação de voz,

ou então, no caso do serviço digital, transportar dados digitais. A FDMA

constitui a tecnologia básica dos sistemas celulares analógicos.

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135

• Time Division Multiple Acess TDMA. Foi utilizada pela primeira vez no

Japão em 1982, na medida em que permite a redução do custo das

estações de base, desde que existam bastantes utilizadores a partilhar o

mesmo transceiver. Esta tecnologia foi utilizada em todos os sistemas

de segunda geração, e, em 1987, a TDMA de banda estreita com 200

kHz foi escolhida como standard para o sistema GSM. Em 1989, foi

ainda seleccionada como a tecnologia digital standard para o sistema

AMPS, com uma largura de banda de 30 kHz.

• Code Division Multiple Acess CDMA. É uma alternativa às duas tecno-

logias anteriores, e utiliza todo o espectro da largura de banda, para

todos os utilizadores, ou seja, todas as transmissões partilham a mesma

largura de banda em simultâneo.

4.1.9. Comunicações Multimédia sem Fios Nos anos mais recentes, concentraram-se grandes esforços humanos e

materiais na investigação de sistemas sem fios, aptos a assegurar serviços

interactivos e de multimédia aos consumidores, de forma a poderem utilizá-los

onde quer que se encontrem, e em qualquer instante.

Os avanços nas redes de alta velocidade na transmissão de dados, nas

comunicações sem fios, na tecnologia dos circuitos integrados, e nas

aplicações de base multimédia, contribuíram decisivamente para a emergência

e consolidação dos sistemas de comunicações multimédia sem fios. Actual-

mente, os computadores portáteis permitem também a sua utilização como

ecrãs de cinema vídeo e de vídeo-telefone.

Um dos inconvenientes deste sistema encontra-se directamente relacionado

com os computadores portáteis, que funcionam como emissores/receptores de

informação, como é o caso da rede de Internet sem fios, devido à relativamente

reduzida autonomia das suas baterias (2 h a 4 h, dependendo do trabalho que

esteja a ser realizado).

Por outro lado, estas comunicações sem fios poderão representar algum risco

para os utilizadores, que se encontram expostos a radiação de RFR, devido à

sua utilização por longos períodos, risco esse acrescido ainda pelo facto do

aumento da exposição motivado pela posição dos portáteis muito próximo dos

órgãos genitais, como se mostra na figura 4.12.

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Figura 4.12 – Utilizador de sistema multimédia sem fios.

4.1.10. Fornos Microondas Estes fornos, inventados logo após o final da segunda guerra mundial, utilizam

directamente o princípio físico de que a energia de RF possui a aptidão para

penetrar profundamente, gerando calor quase instantaneamente, nos materiais

utilizados na alimentação humana. Na figura 4.13 esquematiza-se a consti-

tuição de um forno microondas, que contém essencialmente um magnetrão que

produz a energia em microondas, uma fonte de alimentação em corrente

contínua de alta tensão (transformador, rectificador, condensador), e um

sistema computorizado de controlo do funcionamento, sendo a energia dirigida

para os alimentos através de um guia de ondas.

Figura 4.13 – Configuração esquemática de um forno microondas.

A frequência de operação é de 2,45 GHz, escolhida pela sua capacidade de

penetração em toda a massa dos alimentos. Quanto à radiação, existem ondas

electromagnéticas geradas pelo magnetrão, e campos eléctricos e magnéticos

gerados pelo transformador. Contudo, para o exterior existe apenas a radiação

electromagnética emanada pelo magnetrão através do ecrã da porta, e os

campos magnéticos gerados pelo transformador.

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137

4.2. BIOELECTROMAGNETISMO 4.2.1. Introdução O bioelectromagnetismo é uma vastíssima área interdisciplinar que engloba

física, engenharia, medicina, e biomedicina, com a finalidade de investigar,

entender, e explicar os fenómenos de interacção entre os campos electroma-

gnéticos e os sistemas biológicos, existindo actualmente um grande número de

trabalhos científicos publicados, que contribuem de forma positiva para a

compreensão desses fenómenos de interacção.

Esta área tem vindo a assumir um interesse crescente, devido à rápida

expansão do desenvolvimento de equipamentos eléctricos e electrónicos,

sobretudo de grande consumo, equipamentos esses geradores de campos

electromagnéticos que poderão potencialmente colocar em risco a saúde

pública.

O objectivo deste sub-capítulo consiste em apresentar em detalhe os conceitos

básicos, os princípios e as características dos campos eléctricos e magnéticos,

assim como da forma como interagem com os materiais biológicos.

4.2.2. Propriedades Electromagnéticas dos Materiais Biológicos O conhecimento básico das propriedades únicas dos materiais biológicos e da

sua variabilidade entre os sistemas vivos, poderá providenciar uma base de

conhecimentos para a exploração dos mecanismos de interacção. Contudo,

esse conhecimento é reduzidíssimo quando comparado com o que se sabe

acerca das características dos materiais não vivos, como o cobre ou o

alumínio.

É sabido que a estrutura atómica e molecular dos materiais, e o seu compor-

tamento, são os responsáveis pelas características macroscópicas desses

materiais, que, em termos de electromagnetismo, são usualmente a permi-

tividade ou constante dieléctrica ε, a condutividade eléctrica σ, e a permea-

bilidade magnética μ, permitindo avaliar, respectivamente, as suas proprie-

dades isolantes, condutoras e magnéticas.

Contrariamente aos materiais inertes, isto é, não vivos, em que se consideram

apenas as suas características macroscópicas, no que respeita aos materiais

biológicos, devido à sua elevada complexidade, estudam-se os seus modelos

microscópico e macroscópico, como se apresenta seguidamente.

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138

a) Modelo Microscópico É do conhecimento da física das partículas que, de acordo com o modelo

atómico de Niels Bohr, os átomos são constituídos por electrões (cargas

negativas), que se movimentam em órbitas em volta do núcleo, que é consti-

tuído por protões (cargas positivas) e neutrões (sem carga eléctrica), sendo a

carga eléctrica global igual a zero, ou seja, os átomos são electricamente

neutros, uma vez que o número de electrões é igual ao número de protões.

Como se frisou anteriormente, são os átomos que contribuem para a

diferenciação das propriedades eléctricas e magnéticas dos materiais. Ainda de

acordo com o modelo de Bohr, a força de atracção entre cargas eléctricas de

sinais contrários é compensada pela força centrífuga associada ao movimento

dos electrões, que mantêm assim órbitas estáveis.

Atendendo a que toda a matéria é constituída por cargas eléctricas positivas e

negativas, a acção de campos eléctricos e magnéticos exteriores exercem

sempre algum tipo de influência sobre a estrutura atómica da matéria, seja

sobre os átomos electricamente neutros, seja sobre os electrões livres, sendo

esta interacção existente em materiais inertes e em materiais biológicos.

Como se explanou nos capítulos 2 e 3, a um nível microscópico todos os

tecidos são constituídos por células e por fluidos extracelulares, sendo as

células compostas por duas partes distintas – a interior, com o núcleo e o

citoplasma, e a exterior, com a membrana. Por conseguinte, devido à

membrana, a célula poderá ser entendida como um isolador eléctrico, daí que

praticamente todas as correntes induzidas nos tecidos por campos eléctricos

de baixa frequência circulem nos espaços exteriores às células, no fluído

extracelular, que possui uma elevada condutividade. Atendendo ainda a que o

citoplasma possui também uma elevada condutividade, a célula poderá ser

entendida como um circuito RC, em que o citoplasma condutor, de resistência

R, se encontra ligado em série com a membrana, de capacidade C.

b) Modelo Macroscópico Neste modelo, considera-se a totalidade do material biológico, como um todo,

exposto à acção de campos electromagnéticos, requerendo esta aproximação

o completo conhecimento das características eléctricas e magnéticas de todos

os materiais biológicos, para que se possam utilizar as equações de Maxwell.

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139

Na prática, existem duas grandezas básicas que contribuem para a caracte-

rização eléctrica dos materiais:

• A energia eléctrica dissipada, que é o resultado do movimento (ou

transporte) das cargas eléctricas no interior do material, ou seja, da

condução de corrente eléctrica. Esta dissipação, também designada por

perdas de energia por efeito de Joule, representa a consequência da

conversão de energia eléctrica em energia térmica, durante as colisões

que se sucedem durante o movimento das cargas eléctricas.

• A energia eléctrica armazenada, que é o resultado do que acontece

com as cargas que se encontram a armazenar energia quando ficam

sujeitas a uma força exterior que as faz mover de uma posição de

equilíbrio para outra posição oposta. Este fenómeno é designado por

polarização dieléctrica, e ocorre, por exemplo, no dieléctrico de um con-

densador – quando se aplica uma diferença de potencial entre as arma-

duras metálicas paralelas, gera-se um campo eléctrico que se dirige,

vectorialmente, da armadura que se encontra ao potencial positivo para

a armadura com potencial negativo. Esta força exterior vai actuar na

estrutura do dieléctrico, deslocando-se as cargas positivas para a

armadura negativa, e as negativas, para a armadura positiva.

Quanto aos materiais biológicos, vistos sob um ângulo macroscópico, as suas

propriedades eléctricas podem ser sumarizadas através dos seguintes dois

parâmetros:

• Condutividade eléctrica σ, que caracteriza o movimento das cargas elé-

ctricas livres (corrente eléctrica de condução), nos materiais condutores

quando sujeitos à acção de um campo eléctrico.

• Permitividade ε, que caracteriza o movimento das poucas cargas elé-

ctricas livres (corrente de deslocamento), no interior dos materiais

isolantes quando sujeitos à acção de um campo eléctrico.

Adicionalmente, em ligação com os mecanismos de interacção, as ondas de

radiação de rádio-frequência RFR deslocam-se no interior dos seguintes três

tipos de materiais biológicos:

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140

• Suspensões de células e de moléculas de proteínas.

• Suspensões similares num estado condensado, tais como os músculos

e os tecidos de órgãos como o fígado, os rins e o coração. Estes tecidos

possuem um teor elevado de água, cerca de 70 %, e um conteúdo

macromolecular de cerca de 25 % em peso.

• Tecidos com um teor reduzido de água, como os tecidos adiposos (gor-

dura), e os ossos.

As propriedades eléctricas dos materiais biológicos e a frequência de operação

determinam os mecanismos de interacção com a radiação electromagnética,

sendo esses materiais considerados como dieléctricos possuindo uma

estrutura heterogénea. Por conseguinte, tem-se assim:

0

,,εωσε =

sendo ω = 2π f a frequência angular eléctrica (radianos por segundo).

Considerando um regime alternado sinusoidal, isto é, que os campos electro-

magnéticos são alternados sinusoidais, a permitividade será representada por

um complexo, da forma:

)( ,,,0

* εεεε j−=

em que )( ,,, εε j− representa a permitividade relativa complexa, ,ε a sua parte

real, também designada por constante dieléctrica relativa, e ,,ε a sua parte

imaginária. Fisicamente, ,ε é uma medida da quantidade de polarização rela-

tiva que ocorre para um dado campo eléctrico, enquanto que ,,ε é uma medida

simultânea do atrito associado com a mudança de polarização, e da deslo-

cação das cargas eléctricas.

Como se esquematiza na figura 4.14, os valores da constante dieléctrica e da

condutividade variam significativamente com a frequência, no caso concreto da

figura no que respeita aos músculos e aos tecidos adiposos. Na prática,

constata-se que a permitividade dos tecidos biológicos depende do tipo de

tecido (isto é, pele, músculos, gordura), do conteúdo de água, da temperatura,

e da frequência dos campos electromagnéticos.

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141

Figura 4.14 – Variação das propriedades eléctricas dos músculos

e do tecido adiposo (gordura) com a frequência.

Por outro lado, a permitividade e a frequência podem igualmente determinar

qual o grau de penetração da radiação electromagnética no corpo humano,

fenómeno este que é quantificado através da grandeza profundidade de

penetração Dp. Para materiais com propriedades homogéneas, e com uma

incidência perpendicular à sua superfície de radiação RFR, a profundidade de

penetração é definida como sendo a distância para a qual a densidade de

potência absorvida tem um valor igual a 13,534 % do seu valor na superfície de

incidência. Todavia, a amplitude dos campos eléctrico e magnético, para essa

distância, diminui para 36,788 % do seu valor naquela superfície de incidência.

Em termos de quantificação, a profundidade de penetração é dada pela

seguinte expressão:

α1

=pD

sendo α a constante de atenuação do material, expressa em nepers por metro.

Em materiais biológicos, os valores da profundidade de penetração variam de

uma pequena fracção de milímetro para frequências elevadas de radiação

RFR, a alguns centímetros para tecidos com um elevado conteúdo de água, a

frequências de alguns megahertzs, e a valores mais elevados para tecidos com

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142

um baixo teor de água. Os quadros 4.2 a 4.6 apresentam em detalhe as pro-

priedades dos músculos, dos tecidos adiposos (gordura), dos tumores, da

água, e do sangue, em função da frequência de radiação RFR. Note-se que λ0

representa o comprimento de onda da radiação no ar (praticamente igual ao

seu valor no vazio).

Uma outra técnica para se determinarem as propriedades dieléctricas dos

tecidos biológicos consiste em utilizar um modelo paramétrico, na gama de 10

Hz a 100 GHz, proposto em alguns trabalhos científicos já publicados.

4.2.3. Ondas e Matéria Quando a radiação electromagnética entra em contacto com a matéria,

interage imediatamente com a sua estrutura atómica, comportando-se, por um

lado, como um feixe de partículas, e por outro, como uma simples onda. No

seu comportamento como sendo um feixe de partículas, inclui os fenómenos

da reflexão, da dispersão, e da absorção, e, como uma simples onda, os

fenómenos da reflexão, da refracção, da transmissão, da difracção, e da

absorção.

Contudo, o efeito global da radiação ao penetrar na matéria depende de

diversos factores, que incluem os comprimentos de onda da radiação, da fonte

emissora da radiação, do material que absorve a radiação, das componentes

de polarização da radiação, assim como do ângulo de incidência na superfície

dos materiais.

f (MHz) λ0 (cm) ε , ε ,, σ (S/m) λ (cm) Dp (cm)

13 2307,69 160,0 864,0 0,62 101,26 19,65 27 1111,11 113,0 339,0 0,51 72,45 16,22

100 300,00 72,0 159,0 0,88 27,02 6,76 200 150,00 57,0 90,0 1,00 16,59 4,86 300 100,00 54,0 72,2 1,20 11,78 3,80 433 69,28 53,0 42,5 1,22 8,91 4,09 750 40,00 52,0 36,9 1,54 5,26 2,66 915 32,79 51,0 31,5 1,60 4,40 2,50

1500 20,00 49,0 21,2 1,77 2,80 2,18 2000 15,00 48,1 18,3 2,03 2,13 1,87 2450 12,24 47,0 16,2 2,20 1,76 1,70 3000 10,00 46,0 13,6 2,27 1,46 1,63

Quadro 4.2 – Propriedades eléctricas dos músculos.

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143

f (MHz) λ0 (cm) ε , ε ,, σ (S/m) λ (cm) Dp (cm)

13 2307,69 25,00 8,4 0,01 455,33 449,40 27 1111,11 20,00 3,4 0,01 247,57 473,40

100 300,00 7,50 3,4 0,02 106,96 79,88 200 150,00 6,00 2,3 0,03 60,18 52,47 300 100,00 5,70 1,9 0,03 41,28 39,29 433 69,28 5,60 1,6 0,04 28,99 33,40 750 40,00 5,60 1,3 0,05 16,79 23,66 915 32,79 5,60 1,1 0,06 13,79 22,87

1500 20,00 5,55 0,9 0,07 8,46 16,95 2000 15,00 5,55 0,8 0,09 6,35 14,29 2450 12,24 5,50 0,7 0,10 5,21 13,27 3000 10,00 5,40 0,6 0,10 4,30 12,52

Quadro 4.3 – Propriedades eléctricas do tecido adiposo (gordura).

f (MHz) λ0 (cm) ε , ε ,, σ (S/m) λ (cm) Dp (cm)

13 2307,69 205,0 1273,85 0,92 84,40 15,99 27 1111,11 180,0 606,67 0,91 55,12 11,92

100 300,00 101,0 196,38 1,09 23,65 6,25 200 150,00 78,0 109,80 1,22 14,55 4,55 300 100,00 74,0 78,60 1,31 10,48 3,92 433 69,28 63,0 64,02 1,54 7,93 3,05 750 40,00 61,0 47,04 1,96 4,81 2,28 915 32,79 60,0 39,93 2,03 4,03 2,15

1500 20,00 59,0 26,04 2,17 2,55 1,95 2000 15,00 57,0 22,77 2,53 1,95 1,64 2450 12,24 56,0 20,72 2,82 1,61 1,45 3000 10,00 55,0 17,88 2,98 1,33 1,36

Quadro 4.4 – Propriedades eléctricas dos tumores.

f (MHz) λ0 (cm) ε , ε ,, σ (S/m) λ (cm) Dp (cm)

13 2307,69 78,3 0,32 0,00 260,79 20596,53 27 1111,11 78,3 0,34 0,00 125,57 9333,50

100 300,00 78,3 0,40 0,00 33,90 2142,04 200 150,00 78,3 0,90 0,01 16,95 476,02 300 100,00 78,3 1,19 0,02 11,30 240,01 433 69,28 78,3 1,55 0,04 7,83 127,67 750 40,00 78,3 2,84 0,12 4,52 40,23 915 32,79 78,3 3,80 0,19 3,71 24,62

1500 20,00 77,9 5,70 0,47 2,26 10,00 2000 15,00 77,9 7,20 0,80 1,70 5,94 2450 12,24 76,6 8,80 1,20 1,40 3,94 3000 10,00 75,8 11,00 1,83 1,15 2,56

Quadro 4.5 – Propriedades eléctricas da água.

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144

f (MHz) λ0 (cm) ε , ε ,, σ (S/m) λ (cm) Dp (cm)

13 2307,69 200,0 1523,08 1,10 78,32 14,41 100 300,00 73,0 216,00 1,20 24,45 5,50 300 100,00 63,0 72,00 1,20 11,23 3,99 433 69,28 62,0 52,13 1,25 8,19 3,63 915 32,79 60,0 27,54 1,40 4,13 3,05

2450 12,24 58,0 15,65 2,13 1,59 1,94

Quadro 4.6 – Propriedades eléctricas do sangue.

a) Reflexão Como é sabido, as ondas viajam linearmente, isto é, em linha recta, através do

espaço, todavia quando uma onda de RF encontra uma fronteira entre dois

meios materiais, parte da sua energia é reflectida pela superfície de fronteira,

enquanto que a restante energia será transmitida ao outro meio, como se

mostra na figura 4.15. O tipo de superfície, no que respeita à sua regularidade

e à sua dureza, exerce uma influência significativa na direcção da reflexão e da

quantidade de radiação que é reflectida.

b) Refracção este fenómeno representa a deflexão, ou mudança de direcção, que sofrem as

ondas electromagnéticas quando passam de um meio transparente para outro

meio, também transparente, como se mostra na figura 4.16. O índice de

refracção do meio, que se define como sendo a razão entre a velocidade da

onda no vácuo e a velocidade da onda no material de que é feito o meio,

determina a velocidade das ondas através dos vários materiais. Saliente-se

que este fenómeno também se encontra presente na atmosfera terrestre,

alterando assim a trajectória das ondas de rádio.

c) Dispersão Este fenómeno representa o redireccionamento da radiação electromagnética

devido à sua interacção com a matéria, sendo dependente da dimensão das

partículas que compõem as ondas e o meio material. Como se esquematiza na

figura 4.17, têm-se dois tipos de dispersão – a de Rayleigh, quando a dimensão

das partículas é similar ao comprimento de onda da radiação, e a Mie, que não

é tão dependente do comprimento de onda da radiação quanto a anterior.

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145

d) Difracção Este fenómeno, que se mostra na figura 4.18, consiste no facto da radiação

electromagnética dobrar-se, encurvar-se, passar através de pequenas

aberturas, e mover-se à volta de pequenas partículas de matéria, sendo de

destacar que quanto menor for a abertura e quanto mais pequenas forem as

partículas, maior será a dobra ou a curvatura da radiação. Como exemplo

visível, quando se olha para as estrelas, o que se observa é exactamente a

difracção da sua luz, devido à passagem através das partículas de poeira

galáctica.

Figura 4.15 – Reflexão numa linha de fronteira.

Figura 4.16 – Refracção de uma onda.

Figura 4.17 – Dispersão de Rayleigh (a) e de Mie (b).

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146

Figura 4.18 – Difracção de um raio incidente.

e) Transmissão e Absorção

O comprimento de onda de uma radiação electromagnética influencia signifi-

cativamente a transmissão e a absorção, na medida em que um determinado

material pode ser transmissivo para um dado comprimento de onda e absor-

vente para outro. Por exemplo, o vidro vermelho transmite luz com

comprimentos de onda da ordem de 650 nm, e absorve a cor verde, com

comprimentos de onda próximos de 550 nm.

O processo de absorção pode ser dividido em certas categorias, às quais

correspondem os modos como as moléculas armazenam energia:

• Modo térmico. Consiste no movimento de translacção, no qual os

átomos se movem vertical e horizontalmente no interior dos materiais,

gerando calor devido ao atrito e ás respectivas colisões.

• Modo vibracional. Consiste nas vibrações intramoleculares, causadas

pela agitação vibracional dos seus átomos.

• Modo rotacional. É devido à energia cinética armazenada nas

moléculas polarizadas por campos eléctricos internos, inerentes aos

materiais, campos esses que podem ser estimulados por radiações

RFR.

• Modo electrónico. Consiste nos diferentes níveis orbitais de energia,

para os quais os electrões podem ser excitados, produzindo essa

excitação nova energia de radiação quando os electrões regressam às

suas órbitas originais. Este modo pode ser igualmente estimulado

pelas radiações RFR.

A quantidade de energia que um material poderá absorver a partir da radiação

a que se encontra sujeito, depende da frequência da radiação, da intensidade

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147

do feixe, assim como da duração da exposição, sendo a frequência o mais

importante destes parâmetros. Por outro lado, a intensidade do feixe é também

um factor determinante na quantidade de energia absorvida, ou seja, quanto

mais intenso for o feixe maior será essa quantidade de energia. No que

respeita à exposição, sucede o mesmo, isto é, quanto maior for a duração da

exposição, mais elevada será a quantidade de energia absorvida.

4.2.4. Mecanismos de Interacção É sabido que as ondas electromagnéticas que cobrem todo o espectro de fre-

quências interagem com a matéria viva, contudo os mecanismos de interacção

são diferentes – para comprimentos de onda inferiores a 250 μm, as moléculas

biológicas são ionizadas pela radiação ionizante, enquanto que, para compri-

mentos de onda elevados, a energia dos fotões das ondas é insuficiente para

ionizar as moléculas.

Como se constata dos quadros anteriores, as ondas propagam-se através dos

tecidos com velocidades reduzidas, sofrendo fenómenos de reflexão, refracção,

e difracção quando encontram heterogeneidades, sendo essas hetero-

geneidades e as propriedades dos diversos tecidos as responsáveis pela

redução de velocidade, assim como pela refracção e pela difracção das ondas

de radiação.

Os campos eléctricos e magnéticos E e H interagem com os materiais através

de dois modos – no primeiro, exercem forças sobre as partículas carregadas,

alterando a estrutura eléctrica que existia anteriormente; no segundo, a

estrutura eléctrica ao alterar-se produz campos eléctricos e magnéticos

adicionais. Aquela interacção, a nível macroscópico, processa-se através das

três seguintes maneiras:

a) Polarização de Cargas Eléctricas Num material inerte, isto é, não sujeito a campos eléctricos ou magnéticos

exteriores, os átomos são electricamente neutros, uma vez que o número de

protões é numericamente igual ao número de electrões, possuindo todas estas

partículas a mesma carga eléctrica, de sinais contrários entre protões (+) e

electrões (–). Porém, quando se aplica um campo eléctrico exterior E, as forças

a que essas partículas ficarão sujeitas possuem sentidos contrários, sendo

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148

separadas do seu equilíbrio atómico, dando origem a um dipolo eléctrico

induzido.

b) Orientação de Dipolos Eléctricos Permanentes Os dipolos permanentes, que se encontram orientados de forma aleatória no

interior dos materiais, apresentam a propriedade de se alinharem com campos

eléctricos aplicados exteriormente, como se mostra na figura 4.19, dando esses

alinhamentos origem a novos campos eléctricos. Este movimento de cargas

condutoras é designado por deriva, e, quanto maior for essa deriva, mais

elevada é a condutividade do material.

Figura 4.19 – Orientação de dipolos eléctricos permantes.

c) Deriva de Cargas Condutoras Na figura 4.20 ilustra-se o terceiro efeito resultante da aplicação de um campo

eléctrico exterior ao material. Algumas cargas eléctricas existentes no seio dos

materiais biológicos podem mover-se, em distâncias curtas, sob a acção de

campos eléctricos exteriores, devido à sua carga ser bastante reduzida,

colidindo com outras partículas e passando a movimentar-se noutras trajectó-

rias diferentes daquelas que descrevem normalmente sem a acção dos

campos exteriores. Como resultado, as cargas livres passarão a deslocar-se

numa direcção colinear com a direcção do campo eléctrico exterior, e com

sentidos contrários, consoante o sinal eléctrico dessas cargas.

Figura 4.20 – Deriva de cargas eléctricas condutoras.

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149

4.2.5. Comprimento de Onda e Dimensão dos Objectos Como se referiu já anteriormente, os campos electromagnéticos são diferentes

consoante as gamas dos respectivos comprimentos de onda. Mais concreta-

mente, as características dos campos dependem da dimensão dos objectos

quando comparada com a frequência. Deste modo, sendo d a maior dimensão

do objecto, e λ o comprimento de onda no vácuo da radiação electromagnética

a que o objecto se encontra submetido, as características da radiação podem

ser categorizadas em três escalões: λ >> d (figura 4.21), λ ≅ d (figura 4.22), e

λ << d (figura 4.23),

Figura 4.21 – Comprimento de onda superior à dimensão do objecto.

Figura 4.22 – Comprimento de onda equivalente à dimensão do objecto.

Figura 4.23 – Comprimento de onda inferior à dimensão do objecto.

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150

Relativamente ao corpo humano, a energia de RF é absorvida de uma forma

mais eficiente a frequências próximas da frequência natural de ressonância do

corpo, ou seja, como a essas frequências a absorção é praticamente máxima,

será também máximo a quantidade de calor gerado.

Para frequências muito baixas, inferiores a 1 MHz, os materiais biológicos

absorvem muito pouca energia, podendo essa absorção ser significativa a

frequências de ressonância próximas de 70 MHz a 80 MHz, no caso do

homem, se o corpo se encontrar isolado da terra. Caso se encontre ao

potencial da terra, essa frequência é de 35 MHz a 40 MHz. Para a situação de

uma mulher, isolada da terra, este valor sobe para 80 MHz. Para crianças com

cerca de 5 anos de idade, a sua frequência de ressonância é normalmente

mais elevada que as dos adultos, sendo a taxa de absorção específica SAR de

cerca de 0,3 W/kg para uma taxa de absorção de radiação da ordem de 1

mW/cm2. Por conseguinte, a dimensão do corpo determina qual a frequência

que origina a maior taxa de absorção de radiação electromagnética.

4.2.6. Propagação Através de Meios Biológicos A propagação de ondas electromagnéticas em materiais biológicos pode ser

estudada física e matematicamente através das Equações de Maxwell,

definindo correctamente quais as fronteiras apropriadas. Assim sendo, e aten-

dendo a que estas equações são bastante difíceis de resolver, para se simpli-

ficar um pouco assume-se que um meio biológico é infinitamente extenso, livre

de cargas, isotrópico, e homogéneo. Note-se que um meio é isotrópico se ε é

uma constante escalar, ou seja, se os vectores deslocamento eléctrico Dr

e

campo eléctrico Er

são colineares. Por outro lado, é homogéneo quando ε, μ, e

σ são constantes (ver figura 4.22).

Figura 4.22 – Corpo biológico sujeito a radiação electromagnética.

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151

Para este meio, têm-se assim as equações de Maxwell:

tBE∂∂

−=×∇

rr

tDJH∂∂

+=×∇

rrr

0=•∇ Br

0=•∇ Dr

Com a finalidade de se resolverem estas equações em ordem aos vectores

campo eléctrico e campo magnético, pode-se escrever:

=×∇∂∂

−=×∇×∇ )()( Ht

Err

μ

=⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

∂∂

+∂∂

−=tEE

t

rr

εσμ

2

2

tE

tE

∂−

∂∂

−=

rr

μεσμ

Continuando a utilizar o cálculo vectorial, como se tem:

EEErrr 2)()( ∇−•∇∇=×∇×∇

ao utilizar-se a equação anterior, virá:

02

22 =⎟

⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

∂−

∂∂

−∇ Ett

rεμσμ

Do mesmo modo, eliminando o vector intensidade do campo eléctrico entre as

Equações de Maxwell, e seguindo uma metodologia idêntica, obtêm-se:

02

22 =⎟

⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

∂−

∂∂

−∇ Htt

rεμσμ

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152

Por conseguinte, ambos os vectores intensidade do campo eléctrico e

intensidade do campo magnético obedecem à seguinte equação, denominada

equação da onda:

⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛=⎟

⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

∂−

∂∂

−∇00

2

22

H

E

ttr

r

εμσμ

Assumindo que a intensidade do campo eléctrico e a intensidade do campo

magnético são grandezas alternadas sinusoidais, tem-se, respectivamente:

ωjt=

∂∂

22

2ω−=

t

Quanto à equação da onda, pode-se escrever ainda:

022 =+∇ EErr

γ

sendo:

=−= σμωεμωγ j22

=⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛−=

εωσεεμω j,

02

)( ,,,2

2εεω j

c−=

em que c representa a velocidade da luz no vácuo, e γ a constante de propa-

gação da onda, dada por:

βαγ j+=

sendo α a constante de atenuação, e β a constante de fase, expressa em

radianos por metro. Estas constantes características das ondas são

determinadas através das seguintes expressões:

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153

2/12

,

,,, 11

2

⎟⎟⎟

⎜⎜⎜

⎛+⎟

⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛+

=

εεεω

αc

2/12

,

,,, 11

2

⎟⎟⎟

⎜⎜⎜

⎛−⎟

⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛+

=

εεεω

βc

No caso particular de se ter 1,

,,≤

εε , virá, respectivamente:

⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛= ,

,,

2 εεεμω

α

⎥⎥

⎢⎢

⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛+=

2

,

,,125,01

εεεμωβ

Por sua vez, o comprimento de onda no interior do meio é determinado através

da seguinte expressão:

βπλ 2

=

No caso da onda de radiação ser uma onda plana e uniforme, polarizada linear-

mente, e incidindo no meio segundo a direcção do eixo coordenado z, os

vectores intensidade do campo eléctrico e intensidade do campo magnético,

que têm as suas direcções respectivamente segundo o eixo x e segundo o eixo

y, e cujos valores instantâneos Ei e Hi são alternados sinusoidais, apresentam,

respectivamente, as seguintes expressões:

xztjz

i aeeEErr )( βωα −−=

yztjz

i aeeHHrr )( βωα −−=

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154

tendo-se Ei = η Hi, em que η representa a impedância do material biológico,

dada pela seguinte expressão:

⎥⎥

⎢⎢

⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛+⎟

⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛−= ,

,,2

,

,,5,0378,01

εε

εε

εμη j

Quanto ao valor instantâneo do vector de Poynting, virá:

iii HEP ×=

4.2.7. Absorção em Materiais Biológicos Os tecidos biológicos, sob a acção de radiação RFR, comportam-se como

soluções de electrólitos que contêm moléculas polares, interagindo essa

radiação com esses tecidos através de condução iónica – oscilação das cargas

livres –, e da rotação das moléculas polares de água e da relaxação das

proteínas. A energia de RF absorvida é transformada em energia cinética

adquirida pelas moléculas, que se traduz na prática, por um aquecimento dos

tecidos sujeitos a radiação, podendo a transferência do calor gerado no corpo

humano para o meio envolvente processar-se através dos seguintes

mecanismos:

• Condução térmica. É um processo no qual a transferência de calor se

faz por difusão molecular, apresentando os tecidos uma baixa conduti-

vidade térmica.

• Radiação térmica. Corresponde ao calor perdido pela superfície do

corpo humano, devido à radiação.

• Convexão. É um processo no qual o calor é transferido pela acção

conjunta do movimento das moléculas e da sua difusão.

• Transpiração. Representa o calor perdido através do suor gerado na

superfície do corpo, sendo a taxa de dissipação dependente da tensão

arterial, da velocidade do vento, da temperatura exterior, e da humidade

do ar. Este mecanismo é controlado através do sistema nervoso central,

que recebe sinais dos diversos locais termosensíveis existentes no

interior do organismo.

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155

Como se pode observar na figura 4.23, para uma determinada profundidade de

penetração da radiação RFR, quanto menor for a frequência maior se torna a

potência absorvida. Por outro lado, nota-se ainda que, para uma mesma

potência absorvida, a profundidade de penetração é tanto maior quanto mais

reduzida for a frequência. Interessa ainda realçar que, para frequências iguais

ou superiores a 30 GHz, não mostradas no ábaco, a profundidade de

penetração fica confinada apenas às camadas exteriores da pele.

Figura 4.23 – Potência de absorção nos músculos em função da profundidade

de penetração para diversas frequências.

Nos estudos relativos aos riscos para a saúde humana inerentes à exposição a

campos electromagnéticos, e conforme se salientou já anteriormente, o nível

de radiação deverá ser essencialmente avaliado através da SAR – specific

absorption rate (taxa de absorção específica), expressa em W/kg. Por outro

lado, para campos alternados sinusoidais, o valor médio da potência absorvida

por unidade de volume é calculado pela expressão:

2EPa σ=

sendo σ a condutividade eléctrica, e E o valor eficaz do campo eléctrico em

cada ponto do material biológico.

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156

4.3. EFEITOS BIOFÍSICOS DA RADIAÇÃO DE RÁDIO-FREQUÊNCIA 4.3.1. Efeitos Biológicos Como se expôs anteriormente, existe um leque muito significativo de aplica-

ções industriais e domésticas das tecnologias de rádio-frequência, todavia,

como reverso da medalha, poderão existir potenciais riscos para a saúde

humana devido à exposição a radiações de rádio-frequência (RFR), emitidas

pelos equipamentos eléctricos e electrónicos utilizados no dia-a-dia.

A radiação de RFR possui a propriedade de interagir com os sistemas bioló-

gicos, interacção essa que depende do nível de radiação e do tempo de

exposição – níveis de radiação e de exposição elevados poderão causar danos

biológicos visíveis, enquanto que níveis reduzidos poderão também ser peri-

gosos, ou inclusivamente ser benéficos e não causar quaisquer danos visíveis

e ocultos.

A interacção dos campos electromagnéticos RF com os sistemas vivos e, con-

sequentemente, os respectivos bioefeitos, podem ser considerados em vários

níveis, incluindo o molecular, subcelular, orgânico, ou mesmo todo o corpo. De

acordo com alguns investigadores da área da biomedicina, os efeitos biológicos

devidos à radiação RFR poderão ser classificados da seguinte maneira:

• Efeitos de nível elevado (efeitos térmicos).

• Efeitos de nível médio (efeitos atérmicos).

• Efeitos de nível reduzido (efeitos não térmicos).

a) Efeitos Térmicos O aquecimento dos tecidos é um fenómeno evidente devido à absorção de

radiação RFR, aumentando a temperatura do corpo humano mesmo a despeito

da existência do processo natural de termoregulação. Saliente-se que os

efeitos térmicos são conhecidos há já bastante tempo, desde as investigações

relativamente às aplicações terapêuticas da electricidade em corrente contínua,

levadas a cabo por Faraday, Ampére, Gauss e Maxwell, e, mais tarde, por

d’Arsonval e Tesla em corrente alternada.

Muitos dos efeitos biofísicos da radiação RFR que apresentam implicações

significativas na saúde humana, encontram-se directamente associados ao

calor induzido assim como às correntes induzidas, sendo o aquecimento a

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157

interacção primária dos campos de RF de altas frequências, essencialmente

acima de 1 MHz, enquanto que, para frequências inferiores a este valor, a

acção dominante traduz-se pela indução de correntes eléctricas.

Este fenómeno poderá ser perigoso, na medida em que os sistemas biológicos

alteram as suas funções normais como consequência directa das mudanças de

temperatura, sendo interessante realçar que muitos dos efeitos adversos resul-

tantes da exposição à radiação RF para frequências compreendidas entre 1

MHz e 10 GHz, se encontram associados à indução de calor que resulta num

aumento da temperatura corporal em mais de 1 oC. Adicionalmente, interessa

ainda salientar que os efeitos adversos destes aumentos de temperatura se

reflectem no desenvolvimento de cataratas, no aumento da tensão arterial, em

vertigens e tonturas, em fraqueza, desorientação e náuseas.

Durante a década de 1940, foram reportadas cataratas em animais expostos a

radiação de RF, assim como algumas situações de degeneração testicular.

Ainda durante esse mesmo período de observação, foram também reportados

casos de hemorragias entre os operadores de equipamentos de radar, o que

levou a concluir dos possíveis riscos não só para esses trabalhadores mas

também para o público em geral, quando sujeitos à exposição de energia de

RF.

Os efeitos térmicos podem ser definidos como sendo o excesso de energia que

é gerada no corpo humano, e que não consegue ser dissipada para o exterior

através do processo natural de termoregulação. Usualmente, o corpo humano

gera calor quando do consumo de alimentos, fenómeno que é conhecido como

a taxa metabólica basal (basal metabolic rate BMR), cujo valor standard, para

um indivíduo do sexo masculino com um peso de 70 kg, é aproximadamente de

1,2 W/kg. Por conseguinte, níveis de exposição comparáveis à BMR produzirão

efeitos térmicos comparáveis à termoregulação, ou seja, aparentemente ino-

fensivos. Além disso, os efeitos térmicos são bastante influenciados pela

temperatura ambiente, pela humidade relativa, e pela velocidade de deslo-

cação do ar, podendo eventualmente a presença de próteses internas ou

externas ter também alguma influência.

Para que ocorram efeitos adversos como cataratas e queimaduras de pele,

quando da exposição a radiação RFR de altas frequências, serão necessárias

densidades de potência superiores a 1000 W/m2, densidades essas que não se

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158

encontram próximo de fontes convencionais de RF, mas que podem existir nas

imediações muito próximas de transmissores de grande potência, como é o

caso dos radares.

b) Efeitos Atérmicos e Não-Térmicos Existe alguma controvérsia acerca de dois aspectos relacionados com os

efeitos biológicos causados por radiação RFR de baixo e de nível intermédio:

• Será que a exposição à radiação RFR para esses níveis poderá originar

alterações biológicas perigosas, mesmo na ausência de efeitos térmicos

palpáveis? Em resposta a esta questão, têm vindo a ser desenvolvidas

várias investigações sobre a radiação com níveis extremamente redu-

zidos, tendo sido obtidos alguns resultados que tendem a confirmar

aquele facto, todavia, os conhecimentos adquiridos são ainda incon-

clusivos.

• Poderão ocorrer efeitos biológicos nocivos mesmo quando o mecanismo

de termoregulação do corpo se mantém estável, isto é, no seu nível

normal, apesar de haver absorção de energia térmica devida à radiação,

ou ainda quando esse mecanismo de termoregulação não entra em

acção por não se verificar uma alteração significativa na temperatura?

Relativamente a estas questões que se colocam com pertinência,

existem dois significados para o vocábulo técnico “efeito”. Quando,

devido à exposição a radiações, ocorre um fenómeno caracterizado por

não se verificarem alterações evidentes na temperatura do corpo, ou

seja, sem haver o despoletar do mecanismo de termoregulação,

sugerindo que os sistemas biológicos do corpo conseguem mantê-lo a

uma temperatura constante, tem-se um efeito não-térmico. Quanto ao

segundo significado, refere-se ao denominado efeito atérmico, situação

esta que corresponde à existência de efeitos biológicos mas sem o

envolvimento de energia calorífica, sendo a temperatura do corpo

mantida nos seus níveis normais através do mecanismo de termo-

regulação.

Alguma literatura sobre os efeitos da exposição a radiação RFR de nível baixo

e intermédio mostra que, para uma taxa específica de absorção relativamente

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reduzida – inferior a 2 W/kg – poderá afectar o sistema nervoso, incluindo a

irrigação de sangue ao cérebro, a morfologia, a electrofisiologia, a actividade

neurotransmissora, e o metabolismo. Essa exposição poderá afectar igual-

mente o sistema imunitário, a morfologia genética e cromosómica, a actividade

enzimática, as funções neurológicas, a morfologia celular, a permeabilidade

iónica das membranas, a concentração iónica intracelular, as taxas de

secreção endócrinas, e induzir o aparecimento de tumores. Todavia, existem

outros estudos científicos que contradizem todos estes efeitos, causando uma

certa confusão na medida em que não explicam de uma forma convincente

quais os mecanismos de interacção responsáveis por todos esses efeitos. No

entanto, apesar dos estudos realizados até hoje não serem ainda totalmente

justificados cientificamente, é de toda a conveniência assumir que existem

riscos, que poderão ser perigosos, derivados da utilização intensiva de

telefones celulares, sobretudo por crianças, se se tiver em atenção que o seu

corpo se encontra em mutação, sendo assim todos os seus tecidos bastante

mais sensíveis à exposição a radiações, que num adulto já formado.

Inclusivamente, existe uma tendência médica que aconselha a não utilização

de telefones móveis antes dos 7 anos de idade.

Muitos investigadores consideram que os efeitos biofísicos das radiações RFR

de nível baixo e intermédio se encontram cientificamente estabelecidos. Por

exemplo, o Dr. Ross Adey, do Departamento de Bioquímica da Universidade da

Califórnia, Riverside, defende a possibilidade de tais efeitos nocivos, ao

afirmar, num artigo científico publicado em 1999, que “os efeitos biológicos das

microondas, ao nível celular, suportam os conceitos de respostas atérmicas

não controladas pelo aquecimento dos tecidos, mostrando o espectro destas

respostas biológicas haver uma dependência da amplitude e da modulação dos

impulsos dos campos RFR. As membranas das células têm sido identificadas

como o local da transdução de muitas dessas respostas, com a iniciação de

cascatas enzimáticas que ligam quimicamente os sinais de RF entre a super-

fície das células e os sistemas intracelulares, podendo atingir o núcleo e

regular o processo de crescimento e divisão das células.”

Todavia, o Dr. Keneth Foster, do Departamento de Bioengenharia da Universi-

dade da Pensilvânia, não confirma as teses do Dr. Adey, afirmando o seguinte:

“sob a perspectiva da saúde e da segurança, a questão deverá ser: Existe

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160

alguma evidência de riscos elevados causados por campos electromagnéticos

de níveis reduzidos? Muitos grupos de investigação têm examinado a literatura

científica e a resposta que obtiveram é um acentuado não.” O Dr. Foster

considera ainda que existe especulação na identificação dos riscos de feno-

menos não-térmicos e ainda que a investigação realizada na área não é fiável.

Relativamente a estas posições extremadas, parece que a posição mais

correcta a adoptar deverá ser a seguinte: “Por um lado, existe já muita

investigação séria e credível sobre o assunto, que tem permitido chegar a

algumas conclusões interessantes relacionadas com os mecanismos de

interacção; por outro, parece que há outra corrente de investigadores que

desacreditam muitos dos resultados obtidos que relacionam a exposição a

radiações com o aparecimento de efeitos nocivos em sistemas biológicos. Por

conseguinte, atendendo a que esses sistemas biológicos assim como os

mecanismos reguladores das funções do corpo possuem os seus próprios

campos eléctricos, é pertinente concluir-se que, sob a acção de campos exte-

riores, esses campos interiores sofrerão alterações que, consoante a sua

intensidade, poderão provocar ou não riscos graves para a saúde.”

4.3.2. Investigações Laboratoriais Conforme se analisou na secção prévia, a radiação RFR pode induzir efeitos

térmicos e não-térmicos, não tendo estes últimos sido ainda considerados para

o estabelecimento de normas de protecção e segurança, devido a não haver

por enquanto um volume significativo de resultados científicos que demonstrem

a sua importância, apesar de se pensar que poderão induzir doenças

cancerígenas, normalmente associadas à acção dos efeitos térmicos. Um dos

aspectos importantes a ter em consideração, consiste em como é que a

energia da radiação de RF se propaga através dos tecidos biológicos – como é

que a reflexão, a refracção e a absorção têm lugar no interior do corpo? Como

é que a energia absorvida se distribui pelo interior do corpo, e durante quanto

tempo durará a sua permanência, especialmente no caso de situações de

níveis baixos de exposição, em que a temperatura não é mensurável? Quais

são as consequências daí resultantes? – Além disso, por vezes existe uma

exposição simultânea a campos de reduzidíssima frequência e a radiação RFR,

não sendo fácil analisar separadamente a influência de cada uma delas.

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161

a) Efeitos Genéticos O ADN das células pode ser danificado através de agentes com um potencial

carcinogénico, designados por genotoxinas, que, por vezes, são também

referidos na literatura médica especializada como agentes genotóxicos. Como

é sabido, a danificação do ADN encontra-se na base da formação do cancro

(carcinogénese genotóxica), contudo o cancro pode também resultar de

factores que não actuam directamente no ADN nuclear (carcinogénese

epigenética).

Se os campos electromagnéticos de RF não originarem, directamente, muta-

ções genéticas, coloca-se sempre a questão de esses campos contribuírem

para o desenvolvimento de células malignas, ou para alterarem os processos

de reparação, processos estes relacionados com as mudanças no material

genético resultantes de outras alterações espontâneas. Acredita-se que as

mudanças genéticas observadas em estudos relacionados com a exposição a

radiação RFR ocorrem apenas na presença de aumentos de temperatura

significativos. Por conseguinte, em termos gerais, constata-se que, devido ao

baixo nível de energia dos fotões, aquela radiação não provoca danos directos

no ADN.

• Estudos Celulares. Apesar da radiação não ionizante, que se saiba,

não alterar o ADN, contudo a exposição a campos de RF poderá alterar

determinados processos celulares. Atendendo a que existem diversos

componentes celulares que poderão ser afectados pelas ondas electro-

magnéticas, é essencial que se realizem estudos intensivos sobre as

células, como aliás tem vindo a suceder, apresentando-se de seguida,

alguns dos resultados obtidos:

Estudos realizados na Austrália, sobre 38 ex-trabalhadores de teleco-

municações, que exerceram funções directamente nas respectivas

linhas de transmissão, mostraram não haver diferenças em termos de

saúde e riscos, relativamente a outros trabalhadores.

Estudos realizados no Iraque, no Canadá e nos Estados Unidos sobre

diferentes sistemas celulares, concluíram não existir efeitos genotóxicos

directos assim como mutações genéticas, sob a acção de radiação RFR

contínua ou em impulsos.

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162

Outro estudo australiano, realizado em células de laboratório, revelou

que a exposição a frequências da ordem de 835 MHz origina mudanças

na estrutura genética.

Um estudo publicado já em 1995, e realizado na Universidade de

Washington, constatou da existência de alguns problemas em células do

cérebro em ratos expostos a 2,45 GHz, não tendo sido encontrados

efeitos significativos após 2 horas de exposição a microondas com uma

largura de impulso de 2 µs e 500 impulsos por segundo. Todavia, foram

encontradas alterações no ADN para taxas específicas de absorção

SAR de 0,6 W/kg e 1,2 W/kg, 4 horas após ter cessado a exposição às

radiações. Em ratos expostos durante 2 horas a microondas contínuas

de 2,45 GHz (SAR = 1,2 W/kg), foram encontradas alterações no ADN

cerebral quer imediatamente quer 4 horas após ter cessado a exposição.

As conclusões encontradas neste estudo são bastante importantes, na

medida em que levantaram suspeitas, não confirmadas ainda totalmente

do ponto de vista científico, sobre a ligação entre a exposição a radia-

ções RFR e o desenvolvimento de cancros. A publicação deste estudo

originou uma certa dose de controvérsia na indústria de comunicações

celulares, na medida em que indiciava, tal como outros, poucos,

investigadores, de que a radiação emitida por telefones celulares poderia

promover a formação de tumores, especialmente em utilizadores que

usam esse equipamento durante longos períodos.

Um outro estudo, sobre este tema, realizado com o apoio da empresa

americana Motorola, explorou a possibilidade da existência de danos no

ADN, em células expostas a radiação por impulsos, com frequências de

813,5625 MHz e 836,35 MHz (sistema TDMA), emitidas por telefones

celulares, numa gama de SAR compreendida entre 0,0024 W/kg e 0,024

MHz, tendo-se reportado um aumento assim como uma diminuição de

danos no ADN, dependendo da duração da exposição e do tipo de sinal.

Em termos gerais, os agentes que podem eventualmente causar danos

no material genético possuem capacidades carcinogénicos, todavia, os

estudos experimentais realizados ao nível celular, não concluem da

existência de evidências entre a exposição a radiação de RF e a

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genotoxicidade, a não ser que a densidade de potência absorvida seja

suficientemente elevada para causar injúrias do ponto de vista térmico.

• Estudos em Animais. Na prática, enquanto os parâmetros associados

à exposição a radiações podem ser perfeitamente controlados através

de estudos celulares, a experimentação realizada em animais pode

conduzir a informações mais convincentes relativamente à existência de

consequências para a saúde. Quanto a estudos experimentais, podem-

-se citar dois deles, realizados em 1979 e em 1985, em ratos de

laboratório. No primeiro, os animais foram sujeitos a microondas pulsan-

tes de 9,4 GHz, uma hora por dia durante 5 dias por semana, enquanto

que no segundo, foram sujeitos a microondas de 2,45 GHz, tendo sido

observados um aumento nas mudanças cromossómicas e anorma-

lidades citogenéticas em espermatócitos. Em contrapartida, num outro

estudo publicado em 1998 e apoiado pela empresa Motorola, não foram

encontradas interacções entre a exposição a radiações de RF e

possíveis danos no ADN.

b) Proliferação Celular É possível haver perturbações no ciclo normal das células, como um sinal

evidente da existência de um crescimento incontrolado de células cance-

rígenas. Num estudo publicado em 1992, foi reportado um aumento na prolife-

ração de células expostas a radiação RFR de 2,45 GHz, com uma SAR de 1

W/kg, quando essa radiação é pulsante, todavia, a radiação contínua apenas

aumentará essa proliferação nas situações em que a energia absorvida é sufi-

cientemente elevada para induzir calor.

Um outro estudo recente, concluiu que a exposição a radiação RFR de baixo

nível – 0,021 mW/kg a 2,1 mW/kg –, oriunda de telefones GSM, causou a

diminuição na proliferação de células in vitro. Foi igualmente detectada uma

significativa alteração na proliferação de células, quando comparadas com

células não expostas, num outro estudo laboratorial em que as células foram

estimuladas por sinais GSM de 960 MHz.

Em contrapartida, um outro estudo realizado com células C6 glioma, expostas

a sinais TDMA com uma potência incidente de 0,1 mW/cm2, 1,0 mW/cm2 e 10

mW/cm2, não encontrou efeitos relativamente à proliferação de células.

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164

c) Transformação Celular O estudo da carcinogénese foi grandemente facilitado pela descoberta da

transformação morfológica das células mamárias em cultura, envolvendo esta

transformação morfológica mudanças no controlo do desenvolvimento de

células de cultura.

Quanto a estudos realizados e publicados, num deles a transformação celular

foi induzida através do aumento da taxa de absorção específica, em células

expostas a microondas com uma modulação de 120 Hz, e com SARs entre 0,1

W/kg e 4,4 W/kg, enquanto que num outro, em que se explorou o possível

efeito entre a exposição a telefones celulares analógicos (835,62 MHz) ou

digitais (847,74 MHz CDMA), e a promoção de transformações neoplásticas,

não se encontrou diferença estatística dessas transformações entre células

expostas e não expostas.

d) Enzimas Acredita-se que a radiação RFR modulada de baixo nível poderá afectar as

actividades intracelulares das enzimas. Um estudo laboratorial canadiano,

explorou a situação interrogativa se os campos de RF modulados a frequências

reduzidíssimas (TDMA) influenciam a actividade da enzima ODC em células,

tendo primeiramente constatado a inibição de actividade três a quatro horas

após uma radiação de 8,4 mW/cm2 (SAR de 7,8 mW/kg), não tndo contudo

sido detectado qualquer efeito para outras durações de exposição.

Noutro estudo, foi também reportado um aumento na actividade da enzima

ODC em células L929 após uma radiação RFR de 835 MHz, com uma SAR

entre 1 W/kg e 3 W/kg, tendo ainda sido observado um aumento na actividade

enzimática ODC quando a onda era modulada sinusoidalmente a 16 Hz ou a

50 Hz.

e) Hormonas Conforme se discutiu em capítulos anteriores, a exposição a campos electro-

magnéticos de reduzidíssima frequência de hormonas, como a melatonina,

exerce alguma actividade, o mesmo sucedendo com algumas hormonas,

incluindo a melatonina, quando sujeitas a radiação RFR, que influencia a sua

concentração no sangue.

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Alguns investigadores sugeriram que a utilização de telefones celulares com

uma certa frequência, provoca a redução diária de melatonina. Um outro

estudo piloto, realizado em gado bovino de produção leiteira, serviu para inves-

tigar a influência da exposição a radiações RFR de 3 MHz a 30 MHz, sobre a

concentração salivar de melatonina, tendo sido seleccionados duas manadas

em duas quintas comerciais, no sentido de se poderem comparar os resultados

obtidos. Uma delas foi colocada a uma distância de 500 m (manada exposta), e

a outra, a 4000 m (manada não exposta), de um transmissor de RF, tendo, em

cada manada, sido monitorizadas 5 vacas, por um período de 10 dias conse-

cutivos, tendo o transmissor sido desligado durante três dias. Quanto aos

resultados obtidos, os valores médios das duas noites iniciais não mostraram

diferença palpável entre as vacas expostas e as vacas não expostas, todavia,

na primeira noite de reexposição após a religação do transmissor depois de ter

estado desligado durante três dias, a diferença de concentração de melatonina

na saliva entre as duas manadas foi estatisticamente significativa, indicando

uma concentração de melatonina na saliva duas a sete vezes superior nas

vacas expostas.

f) Sistema Imunitário Devido à importância vital que este sistema desempenha para a sobrevivência,

têm sido bastantes os trabalhos de investigação desenvolvidos com o objectivo

de determinar a influência das radiações RFR sobre este sistema, tendo sido

mostrado que a exposição a radiações deste tipo, moduladas sinusoidalmente

em amplitude, em níveis não-térmicos pode reduzir as funções imunológicas

das células.

Estudos em populações de ratos têm permitido concluir da existência de

alterações, como por exemplo o aumento da produção de anticorpos e

mudanças nas funções imunológicas.

g) Funções das Membranas Celulares As células apresentam diferenças de potencial eléctrico assim como canais

ionizados através das suas membranas, daí que as alterações do campo

eléctrico da superfície das células originem mudanças nesses canais ionizados,

sendo o movimento de iões Ca++ causado por radiação RFR uma resposta

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166

significativa das actividades celulares. Um dos efeitos detectados da radiação

RFR de baixa potência, a 10,750 GHz, diz respeito às funções dos receptores

acetilcolina (acetylcholine receptors) – canais ionizados –, cuja frequência de

abertura diminui com a irradiação. No entanto, as implicações para a saúde

que os efeitos que se verificam nas membranas poderão causar, não são de

forma alguma claras.

4.3.3. Conclusões O balanço das conclusões obtidas nos diversos trabalhos de investigação, não

propõem que os ambientes onde existem radiações RFR possam causar

cancro ou outras doenças. Contudo, existem algumas evidências de que os

efeitos exercidos sobre as funções biológicas, incluindo as do cérebro, poderão

ser induzidos por campos RFR em níveis comparáveis aos que se encontram

associados à utilização de telefones celulares, se bem que não se tenha ainda

uma certeza absoluta relativamente aos riscos que daí advêm para a saúde.

Por outro lado, não se sabe ainda se a exposição prolongada a radiações RFR

induz efeitos cumulativos ou não.

Por outro lado, a utilização da taxa de absorção específica SAR, baseada na

existência de fenómenos térmicos, poderá não ser o melhor indicador para a

análise dos eventuais efeitos induzidos por ondas com modulação de fre-

quência.

Presentemente, a opinião pública tem vindo a manifestar as suas preocu-

pações relativamente aos efeitos da radiação, sobretudo no que respeita aos

sistemas celulares – telefones móveis e antenas de transmissão –, daí que seja

fundamental o desenvolvimento e o aprofundamento de estudos científicos que

possam de facto comprovar ou não a existência inequívoca de efeitos nocivos,

estudos esses que deverão ser independentes e, mesmo, financiados por

entidades públicas governamentais.

Como conclusão, pode-se escrever que os efeitos da RFR poderão efecti-

vamente representar um risco elevado, apenas nas situações em que a

dosagem de radiação seja muito elevada. No caso concreto dos telefones

celulares, a dose não é muito elevada, contudo carece de controlo e de

detecção.

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4.4. ESTUDOS HUMANOS E EPIDEMIOLÓGICOS 4.4.1. Generalidades Assiste-se presentemente, na opinião pública e nos meios de comunicação

social, a uma abordagem crescente no que respeita à discussão sobre os

potenciais riscos inerentes aos efeitos da radiação RFR, emanada de equipa-

mentos sem fios em geral, e de telefones celulares em particular, devido aos

riscos da absorção de energia pelo cérebro e outras partes do corpo humano.

No subcapítulo anterior, citaram-se os resultados de diversos estudos cien-

tíficos, obtidos através de experimentação laboratorial. Todavia, essas investi-

gações deverão sempre ser complementadas recorrendo-se a estudos

epidemiológicos, como aliás se tem vindo a fazer, salientando-se neste sub-

capítulo alguns dos resultados mais significativos e importantes obtidos

recentemente.

Interessa ainda referir que tem havido alguns casos de justiça, essencialmente

nos Estados Unidos, onde se alega que o desenvolvimento de tumores cere-

brais é o resultado da utilização de telefones celulares, não se tendo provado

contudo qualquer associação do foro científico entre a exposição às radiações

e o aparecimento desses tumores, não passando esses casos de histórias

anedóticas e doentias.

4.4.2. Estudos Humanos a) Percepção Auditiva Acredita-se que, quando as pessoas se encontram expostas a radiação RF de

muito baixo nível de energia, com determinadas características de frequência e

de modulação, poderão ocorrer fenómenos de audição, como por exemplo

ouvirem-se zumbidos, estalidos, e sinos, variando em função da modulação da

radiação. Este fenómeno data já da altura da segunda guerra mundial, quando

os operadores de radar reportaram a audição de sons de microondas.

Têm sido vários os estudos desenvolvidos sobre esta interacção, que se pensa

ser um dos efeitos de campos de reduzida energia. Por outro lado, se bem que

se tenha aventado a hipótese da estimulação directa do sistema nervoso, a

alternativa consiste no facto da audição de radiação RF não ocorrer de uma

interacção da RFR com os nervos auditivos ou com os neurónios. Em lugar

disso, os impulsos de RF, após a sua absorção por parte dos tecidos macios

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168

do cérebro, geram uma onda termoelástica de pressão acústica que se desloca

por condução através dos ossos da cabeça até ao ouvido interno, activando os

receptores do caracol do ouvido pelo mesmo processo fisiológico da audição

normal.

b) Actividade Cerebral O facto de se colocarem fontes emissoras de RF muito próximas do corpo

humano, como sucede com a utilização de telefones celulares, encostados à

cabeça, potencia as possibilidades de interferência com as actividades cere-

brais, como foi explicitado num trabalho publicado em 1998, que concluiu que a

exposição a campos de RF emitidos por telefones celulares alteram aspectos

distintos da resposta eléctrica do cérebro a estímulos acústicos.

Outro estudo, efectuado com um grupo de 36 voluntários humanos, reportou

que a exposição à radiação emitida por telefones celulares, a 915 MHz, pode

afectar as funções cognitivas, particularmente a redução dos tempos de

reacção, em 15 ms.

Um estudo realizado na Finlândia, numa população de 48 voluntários sem

problemas de saúde, expostos a uma radiação RFR de 902 MHz, emitida por

telefones celulares, permitiu constatar a existência de um efeito facilitante no

funcionamento do cérebro, especialmente em tarefas que requerem atenção e

manipulação de informação.

Um outro estudo, igualmente realizado na Finlândia, consistiu na análise quan-

titativa da actividade electroencefalográfica de 19 voluntários, 10 do sexo

masculino, com idades compreendidas entre os 28 e os 48 anos, e 9 do sexo

feminino, entre os 32 e os 57 anos, tendo as fontes de emissão sido cinco

telefones celulares diferentes, operando a frequências entre 900 MHz e 1800

MHz. Como conclusão, não foram encontrados efeitos anormais na actividade

eléctrica cerebral.

Como curiosidade, em literatura técnica oriunda da ex-União Soviética e de

outros países do bloco socialista, dos anos 60 e 70 do século passado, são

descritos alguns sintomas associados à exposição a radiação RFR, tais como

dores de cabeça, fraqueza, distúrbios do sono, impotência sexual, alterações

cardiovasculares, e stress nervoso, sintomas esses designados por doenças

das microondas, e catalogados através de queixas apresentadas.

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169

c) Sistema Cardiovascular Muitos dos estudos realizados mostram não existirem efeitos agudos, resul-

tantes da exposição a campos electromagnéticos de reduzidíssima frequência,

estacionários ou variáveis no tempo, em relação à tensão arterial, às pulsações

cardíacas, e à actividade eléctrica do coração, enquanto que outros detectaram

algumas anomalias no ritmo cardíaco.

Um estudo publicado em 1997 na prestigiada revista de medicina Lancet, que

utilizou uma amostra voluntária de sete homens e três mulheres, com idades

compreendidas entre 26 e 36 anos, investigou a influência da radiação RFR

emitida por telefones celulares GSM 900 MHz, sobre a pressão arterial e o

ritmo cardíaco. Com a finalidade de se ter evitado quaisquer alterações fisio-

lógicas extemporâneas, induzidas por stress psicológico quando do atendi-

mento de chamadas telefónicas, os telefones foram colocados no lado direito

da cabeça e activados por controlo remoto, de modo a que as pessoas desco-

nheciam se os telefones estariam ou não a emitir radiações. Como resultado,

foi noticiado ter havido um ligeiro aumento da tensão arterial entre 5 mm e 10

mm de Hg.

Contudo, um outro estudo publicado em 1998 não encontrou quaisquer efeitos

no controlo autónomo da pulsação cardíaca, por exposição a radiação RFR

emitida por telefones celulares durante o sono, em indivíduos saudáveis.

d) Sistema Imunitário Análises e exames realizados numa população de dezoito fisioterapeutas,

ordenados por sexo e idade, como sejam as contagens de leucócitos e

linfócitos, não conduziu a diferenças estatísticas significativas em relação a

pessoas não expostas, no que respeita a todos os parâmetros do sistema

imunitário, que se encontravam dentro dos valores considerados clinicamente

normais.

e) Melatonina De acordo com um estudo publicado em 1997, alguns utilizadores ocasionais e

frequentes de telefones celulares apresentavam níveis médios de melatonina

na urina inferiores aos níveis verificados em utilizadores esporádicos, que

utilizavam o telefone uma vez por semana ou ainda menos.

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170

Um outro estudo, com o objectivo de analisar os efeitos da radiação RFR

gerada por telefones celulares, sobre a secreção rítmica de melatonina, utilizou

dois grupos de 38 voluntários do sexo masculino, sem problemas de saúde e

com idades compreendidas entre 20 e 32 anos. Os períodos de exposição

foram de 2 horas por dia, 5 dias por semana, durante 4 semanas, e com o nível

máximo de potência. As análises ao sangue realizadas antes, durante e após a

exposição não revelaram qualquer evidência entre a radiação de RF e

alterações na secreção de melatonina.

f) Cataratas A indução de cataratas tem sido um dos cavalos de batalha daqueles que

acreditam nos efeitos perigosos da radiação RFR sobre a saúde humana,

devido ao facto da córnea e do cristalino serem as partes do olho mais

expostas às radiações, com níveis elevados por causa não só da sua locali-

zação superficial mas também pelo facto do calor produzido pela energia das

ondas ser mais facilmente removido das outras partes do olho através da

circulação sanguínea.

A primeira vez que se reportou a indução de cataratas provavelmente devidas

à exposição a microondas, foi num trabalho científico publicado em 1952.

Todavia, num outro trabalho publicado em 1966, os seus autores não

encontraram diferenças na formação de cataratas entre veteranos do exército e

da força aérea americana.

4.4.3. Estudos Epidemiológicos a) Exposição Ocupacional Entende-se como ambientes ocupacionais todas as áreas e recintos nos quais

as pessoas se poderão encontrar expostas a radiações, por motivos profis-

sionais ou então por motivos ocasionais, encontrando-se apenas de passagem.

Seguidamente, apresentam-se alguns resultados considerados significativos,

agrupados por locais e profissões, obtidos a partir de estudos epidemiológicos.

• Pessoal das Forças Armadas. Anteriormente, já foi citado que os

operadores de radar acusaram a existência de anomalias oculares

assim como de elevação da temperatura em tecidos, com fraca irrigação

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171

sanguínea. Um estudo conduzido em 226 trabalhadores, divididos em

grupos, do sector de radares numa indústria aeronáutica, sujeitos a

frequências de 2,88 GHz e 9,375 GHz, e a densidades de potência

compreendidas no intervalo de 39 mW/m2 a 131 mW/m2, detectou

algumas anomalias oculares contudo com ausência de riscos graves

para a saúde.

No ano 2000, foram observados pelo Aerospace Medicine Directorate,

da United States Air Force Research Laboratory, 34 pacientes sujeitos a

radiação RFR superior aos níveis de exposição permitidos, tendo-se

concluído pela existência de uma associação positiva entre a sensação

de aquecimento e o aumento da densidade de potência, e de uma asso-

ciação negativa entre a destruição anormal, superficial, de tecidos e a

densidade de potência.

• Radares de Controlo de Tráfego. Num estudo publicado em 1993,

foram reportados seis casos de cancros testiculares em agentes de

segurança da polícia, que utilizaram radares de controlo do tráfego entre

1979 e 1991, numa população de 340 agentes afectos a dois departa-

mentos de polícia situados em condados vizinhos na região norte-central

dos Estados Unidos. O seu tempo médio de serviço antes do dia-

gnóstico de cancro foi de 14,7 anos, a sua idade média era de 39 anos,

e todos eles tinham utilizado radares pelo menos durante 4,5 anos antes

do diagnóstico.

Um outro estudo, canadiano, apresentou os resultados obtidos no

rastreio de cancro num grupo de 22197 agentes policiais de 83

departamentos de polícia da província de Ontário. A razão de incidência

normalizada (standardized incidence ratio SIR) relativa a todos os tipos

de tumores foi de 0,90, havendo um aumento na incidência de cancro

testicular (SIR = 1,3) e de cancro na pele (SIR = 1,45). Por outro lado,

neste estudo não foi disponibilizada informação relativamente a exposi-

ções individuais a radares

• Pessoal de Radiodifusão e Telecomunicações. Num trabalho publi-

cado em 1985 foi sugerida a possibilidade de um aumento signifi-cativo

do risco de desenvolvimento de leucemia em rádio-amadores. Esta

conclusão foi publicada num estudo de mortalidade em indivíduos do

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172

sexo masculino, membros da American Radio Relay League, que é um

grupo de rádio-amadores, consequentemente expostos a radiação RFR.

No período 1971-1983, foram registados 296 falecimentos de homens

no estado de Washington, e 1642 na Califórnia. A taxa de mortalidade

relativa a leucemia aguda e crónica foi de 281 (16 mortes confirmadas

versus 5,7 mortes esperadas), sendo de 191 a taxa de mortalidade para

todas as leucemias (24 mortes confirmadas versus 12,6 mortes espe-

radas). Constatou-se que muitos dos membros daquela associação

tinham as suas actividades profissionais em sectores onde estavam

expostos a campos de RF, todavia essas profissões não conseguiram,

por si só, justificar aquele excesso de falecimentos.

Um estudo conduzido em 1997, com a finalidade de avaliar as funções

do sistema circulatório em trabalhadores expostos a radiação de média

frequência, detectou alterações nos electroencefalogramas, mais fre-

quentes em indivíduos expostos a radiação RFR, que nos outros, não

expostos (75 % versus 25 %). A amostra consistiu em 71 trabalhadores

de quatro estações de radiodifusão em AM (0,738 MHz a 1,503 MHz),

com idades entre 20 e 68 anos e com exposições a RFR entre 2 e 40

anos, e 22 trabalhadores de estações de rádio, com idades entre 23 e 67

anos e sem historial de exposição a radiações.

Na Noruega, procedeu-se a um outro estudo de investigação sobre a

incidência do cancro da mama em 2619 mulheres operadoras de rádio e

telegrafia, com um potencial elevado de exposição à luz durante a noite,

a radiação RFR (405 kHz a 25 MHz), e a campos electromagnéticos de

reduzidíssima frequência (50 Hz). Constatou-se, por um lado, que a

incidência de todos os tipos de cancro não era significativa, e, por outro,

que o risco de desenvolvimento de cancro da mama era excessivo.

• Exposição em Locais Industriais. Num estudo publicado em 1988,

foram investigados os problemas de saúde em trabalhadores fabris na

Suécia, derivados da sua exposição a radiação RFR emitida por

máquinas de moldes de plástico de diversos tipos, tendo sido concluído

que a fertilidade encontrada nas trabalhadoras não diferia significa-

tivamente dos valores médios de partos e malformações registados no

país.

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173

Num estudo publicado em 1997, e realizado em Itália em trabalhadores

da indústria de plásticos, no período 1962-1992, expostos a radiação

RFR emitida por máquinas de selagem, constatou haver uma taxa de

mortalidade ligeiramente mais elevada devido a neoplasmas malignos,

tendo igualmente detectado um aumento dos riscos de desenvolvimento

de leucemias.

Num outro estudo publicado em 1998, foram seleccionados 61 trabalha-

dores saudáveis, entre 30 e 50 anos de idade, que tinham estado

expostos a radiação RFR de frequências entre 0,738 MHz e 1,503 MHz,

e 42 trabalhadores de estações de rádio, igualmente saudáveis e com

idades entre 28 e 49 anos, não expostos profissionalmente àquele tipo

de radiação. Concluiu-se que, sobretudo entre trabalhadores expostos a

níveis elevados de radiação, foi observada uma redução significativa nos

ritmos da tensão arterial e dos batimentos cardíacos.

b) Exposição em Locais Públicos No que respeita ao comportamento da opinião pública, é notória a ideia de que

a exposição a radiações de RF aumenta a incidência de alguns tipos de cancro

– particularmente a leucemia e os tumores cerebrais –, assim como de outros

problemas de saúde. Veja-se seguidamente os resultados obtidos a partir de

estudos epidemiológicos relativamente a esta questão:

• Transmissores de Rádio e Televisão. Num estudo realizado na Aus-

trália, foi encontrada uma associação entre a proximidade de antenas de

TV de residências e um aumento de leucemia infantil, não tendo contudo

sido encontrada qualquer associação similar, mas em adultos. Os

autores especificaram um determinado conjunto de agentes ambientais

que poderiam explicar a associação positiva encontrada nesse estudo,

sendo um desses agentes a radiação RFR emitida pelas torres de trans-

missão de TV. Porém, atendendo a que os níveis de radiação não foram

medidos directamente no terreno, mas sim calculados, não foi expli-

citada qualquer conclusão que justificasse aquela associação.

Em 1997 foram realizados dois estudos no Reino Unido, pelos mesmos

autores, sobre o mesmo tema. O primeiro foi conduzido numa zona

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174

centrada numa torre de televisão, tendo utilizado como referência as

taxas de incidência de cancro, sendo a conclusão obtida que o risco de

leucemia adulta aumentava dentro de um raio de 2 km a partir da torre.

Quanto ao segundo, foi conduzido em 20 torres diferentes de TV e de

transmissão FM, com a finalidade de confirmar os resultados obtidos no

primeiro estudo, não tendo sido encontrado um excesso significativo de

leucemia adulta dentro de um raio também de 2 km a partir das torres.

Como resultado final, foi concluído que os resultados obtidos mostraram

não haver uma co-relação entre as taxas de leucemia infantil ou de

cancro cerebral com as distâncias aos transmissores.

Num estudo realizado em Itália, numa zona periférica de Roma situada

próximo de um transmissor de rádio de potência elevada, foi constatado

que as mortes por leucemia eram mais elevadas que o esperado, e

ainda que o risco diminui significativamente com a distância ao

transmissor.

Um outro estudo desenvolvido na Letónia, em crianças em idade escolar

que residiam próximo de uma estação de rádio, confirmou a existência

de memória menos desenvolvida, deficiências na atenção, diminuição do

tempo de reacção, e diminuição do desempenho neuromuscular, sobre-

tudo em crianças vivendo em frente da estação.

• Telefones Celulares. Num estudo conjunto sueco e norueguês, foi

encontrada uma associação estatisticamente significativa entre a

duração e o número de chamadas diárias e a prevalência de aqueci-

mentos atrás e à volta dos ouvidos, tonturas, e fadiga. Curiosamente,

concluiu-se que os telefones digitais são menos “perigosos” que os

antigos telefones analógicos.

Um estudo epidemiológico “caso-controlo”, relacionado com o desen-

volvimento de cancros no cérebro, conduzido na Suécia, em indivíduos

de ambos os sexos, conduziu a valores de odds ratio OR de 0,97 para

telefones digitais e de 0,94 para telefones analógicos, não havendo uma

associação positiva entre esse tipo de cancro e a exposição a radiações

RFR.

Atendendo a que os níveis de radiação RFR na cabeça dos utilizadores

de telefones celulares é bastante mais elevada que em situações de não

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175

exposição, podendo eventualmente potenciar os riscos de desenvol-

vimento de tumores cerebrais, tem-se vindo a assistir a um aumento

significativo da realização de estudos científicos e epidemiológicos, com

a finalidade de provar a existência ou não desses riscos.

4.4.4. Casos Pessoais Seguidamente, expõem-se alguns casos pessoais relacionados com doenças

eventualmente associadas aos efeitos de radiações RFR:

• Em 1991, uma mulher de Oklahoma faleceu no hospital após uma

simples transfusão de sangue, porque a enfermeira aqueceu o sangue

num forno microondas, o que originou uma alteração na sua estrutura

celular.

• Um técnico de uma empresa industrial colocou a sua mão sob a acção

directa de um feixe de microondas, com a finalidade de sentir o calor

desenvolvido e, assim, confirmar que o gerador de microondas se

encontrava operacional. Sem o saber, esteve sujeito a uma densidade

de potência da ordem de 100 W/m2, e, após um ano, queixou-se de uma

perda súbita de visão, devido ao desenvolvimento de cataratas.

• Um caso de tribunal envolveu a morte de uma mulher no estado da

Florida, devido a um tumor cerebral, localizado numa área do cérebro

acima da sua orelha, tendo a causa sido atribuída ao uso excessivo de

telemóveis. Apesar do seu esposo ter intentado uma acção judicial em

1992 alegando essa causa, um tribunal federal considerou, em 1995,

que não existia uma evidência directa entre os dois acontecimentos.

• Recentemente, um médico neurologista, com 41 anos de idade, do

estado de Maryland, intentou uma acção judicial de 800 milhões de

dólares contra a empresa Motorola e mais oito companhias de teleco-

municações, alegando que a utilização de telefones celulares lhe causou

um tumor cerebral. Na sequência deste processo, o tribunal acusou as

empresas de falharem, ao não informarem os consumidores que os

telefones celulares produzem níveis elevados de radiação RFR, os quais

poderão causar cancros ou outras doenças.

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176

4.5. REGULAMENTAÇÃO E NORMAS DE SEGURANÇA 4.5.1. Generalidades Como se explicitou no capítulo 3, o conceito de segurança assim como de

norma de segurança, no que respeita aos riscos à exposição de radiações

electromagnéticas, requer uma análise bastante aprofundada, devido ao facto,

por um lado, de não se conhecerem ainda em pormenor quais os mecanismos

de interacção entre essas radiações e os tecidos humanos e, por outro, por

serem contraditórios, em muitas situações, os resultados obtidos a partir de

estudos humanos e epidemiológicos.

Presentemente, existem já bastantes normas de segurança e linhas de conduta

quanto aos limites máximos de exposição a radiações de RF, em ambientes

industriais, todavia, a elaboração de regulamentação de segurança para todos

os tipos de exposição, e para todo o espectro de frequências de RFR, não seria

prático nem será provável que alguma vez seja estabelecida. Além disso,

existem ainda muitas questões relacionadas com os parâmetros principais das

radiações de RF, tais como a intensidade do campo, a duração de exposição,

os efeitos da pulsação das ondas, a geometria das zonas expostas, e as

técnicas de modulação, que requerem respostas concretas para que se

possam definir quais os níveis de radiação acima dos quais poderão ocorrer

riscos graves para a saúde. Por conseguinte, não é possível afirmar conclu-

sivamente que a segurança à exposição a radiações esteja assegurada através

da regulamentação e das normas existentes. Devido a esta situação, todos os

organismos de normalização têm em conta uma margem relativamente larga

de segurança, no sentido de, ao definirem os limites máximos de exposição,

seja considerada aquela incerteza quantitativa.

Os Estados Unidos, Canadá, União Europeia, Rússia, e a Ásia-Pacífico, assim

como algumas organizações internacionais, já elaboraram regulamentação e

normas de segurança em relação aos efeitos das radiações RF, em número

relativamente elevado, por contemplarem vários factores, como se verá segui-

damente, tais como a frequência, a duração da exposição, a massa do corpo, e

a periodicidade da exposição. Saliente-se, por outro lado, que estas normas

são constantemente revistas e actualizadas, em função do aparecimento de

novos dados, tornados públicos, que resultam de estudos científicos e epide-

miológicos.

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177

4.5.2. Regulamentação nos Estados Unidos Neste país, são vários os organismos governamentais e não governamentais,

que têm vindo a elaborar ou a participar na elaboração de regulamentação, tais

como a American National Standard Institute (ANSI), o Institute of Electrical and

Electronic Engineers (IEEE), o National Council on Radiation Protection and

Measurement (NCRP), a Occupational Safety and Health Administration

(OSHA), o National Institute of Occupational Safety and Health (NIOSH), a

American Conference of Governmental Industrial Hygienists (ACGIH), a Food

and Drug Administration (FDA), a Environmental Protection Agency (EPA), a

Federal Communications Commission (FCC), o Department of Defense (DOD),

e a National Telecommunications and Information Administration (NTIA). Veja-

-se de seguida as recomendações inerentes a cada regulamento estabelecido

por esses organismos.

a) ANSI/IEEE C95.1 Estas normas de segurança têm sido as mais utilizadas nos Estados Unidos,

tendo o seu historial remontado a 1940, quando das preocupações sentidas

relativamente aos militares norte-americanos que operavam frequentemente

com equipamentos de radar, durante a segunda guerra mundial.

Na década de 1950, e de acordo com dados empíricos, os cientistas atribuíram

um factor de segurança com o valor 10, baseado numa exposição de 0,1

W/cm2, e tendo em conta um peso médio masculino de 70 kg e uma área de

exposição de 3000 cm2, tendo este último valor sido corrigido, mais tarde, para

20000 cm2, assim como o valor da taxa de exposição, para 10mW/cm2, valor

esse que representou a base para a recomendação C95.1, de 1966.

Saliente-se que, em 1954, a General Electric recomendava para a densidade

de potência de exposição o valor de 1 mW/cm2, enquanto que, em 1958, essa

mesma empresa subiu esse nível para 10 mW/cm2.

C95.1 – 1966 Esta norma fixou para a densidade de potência o limite de 10 mW/cm2, para a

protecção e segurança da saúde pública, sendo a gama de frequência de 10

MHz a 100 GHz. Quanto ao tempo médio de exposição contemplado, é de 6

minutos.

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178

C95.1 – 1974

Esta recomendação resultou da actualização da C95.1 – 1966, com alterações

mínimas, tendo o tempo médio de exposição para radiação contínua sido remo-

vido, e considerado apenas um tempo médio de exposição para campos modu-

lados, fixado nos mesmos 6 minutos. Os limites para o campo eléctrico e para

o campo magnético, na gama de frequência entre 10 MHz e 300 MHz, são,

respectivamente, de 200 V/m e 0,5 A/m, sendo a densidade de potência corres-

pondente igual a 250 W/m2. Para frequências inferiores a 10 MHz, o limite de

exposição recomendado é de 10 mW/cm2.

C95.1 – 1982

Esta norma baseou-se integralmente nos efeitos térmicos das radiações, para

uma gama de frequências entre 10 MHz e 100 GHz, sendo os níveis de

exposição recomendados de 10 mW/cm2, para uma duração superior a 6

minutos, e de 100 mW/cm2, para uma duração de 6 minutos.

O limite de 10 mW/cm2 foi reduzido, em 1981, para 1 mW/cm2, na gama de

frequências entre 30 MHz e 300 MHz, sendo ainda recomendado que a taxa de

absorção específica não ultrapasse 8 W/kg, e a taxa de potência média

depositada, para todo o corpo, não seja superior a 0,42 W/kg. Estes valores

baseiam-se nas densidades de potência expostas no quadro 4.7, na gama

entre 3 MHz e 100 GHz. Por outro lado, no que respeita à densidade de

potência incidente, os níveis permissíveis são 1 mW/cm2 a 150 MHz, 1,5

mW/cm2 a 450 MHz, e 2,75-2,83 mW/cm2 para frequências entre 824 MHz e

850 MHz (banda utilizada em sistemas de telecomunicações celulares).

Frequência (MHz)

Campo eléctrico (V2/m2)

Campo magnético (A2/m2)

Densidade de potência (mW/cm2)

0,3 – 3,0 400000 2,5 100

3,0 – 30 4000 x (900/f2) 0,025 x (900/f2) 900/f2

30 – 300 4000 0,025 1,0

300 – 1500 4000 x (f/300) 0,025 x (f/300) f/300

1500 - 100000 20000 0,125 5,0

f – frequência, em MHz

Quadro 4.7 – Níveis de segurança recomendados pela norma ANSI C95.1 – 1982.

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179

C95.1 – 1992

De acordo com esta norma, os limites máximos permissíveis de exposição são

dependentes da frequência e do tipo de local, como se mostra no quadro 4.8.

Como se pode constatar, os níveis mais baixos de exposição a campos elé-

ctricos ocorrem a frequências entre 30 MHz e 300 MHz, e de exposição a

campos magnéticos, entre 100 MHz e 300 MHz. Por outro lado, em locais

ocupacionais, o campo eléctrico máximo ocorre entre 30 MHz e 300 MHz, com

uma densidade de potência de 1 mW/cm2, enquanto que, para locais públicos,

e para essa mesma gama de frequências, o seu valor é bastante mais reduzido

(27,5 V/m contra 61,4 V/m), sendo a densidade de potência igualmente mais

baixa (0,2 mW/cm2 contra 1,0 mW/cm2).

Frequência (MHz)

Campo eléctrico

(V/m)

Campo magnético

(A/m)

Densidade de potência (mW/cm2)

Tempo médio de exposição

(min)

Locais ocupacionais

0,003 – 0,1 614 163 100 6

0,1 – 3,0 614 16,3/f 100 6

3,0 – 30 1824/f 16,3/f 900/f2 6

30 – 100 61,4 16,3/f 1,0 6

100 – 300 61,4 0,163 1,0 6

300 – 3000 ----- ----- f/300 6

3000 – 15000 ----- ----- 10 6

15000 - 300000 ----- ----- 10 616000/f1,2

Locais públicos

0,003 – 0,1 614 163 100 6

0,1 – 1,34 614 16,3/f 100 6

1,34 – 3,0 823,8/f 16,3/f 180/f2 f2/3

3,0 – 30 823,8/f 16,3/f 180/f2 30

30 – 100 27,5 158,3/f1,668 0,2 30

100 – 300 27,5 0,0729 0,2 30

300 – 3000 ----- ----- f/1500 30

3000 – 15000 ----- ----- f/1500 90000/f2

15000 - 300000 ----- ----- 10 616000/f1,2

f – frequência, em MHz

Quadro 4.8 – Níveis de segurança recomendados pela norma ANSI C95.1 – 1992.

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180

Adicionalmente, no quadro 4.9 mostram-se os níveis máximos recomendados

para correntes induzidas por radiação de RF, nos pés de pessoas imersas em

campos RF, ou em pessoas directamente em contacto com objectos carre-

gados electricamente, como por exemplo veículos ou grades metálicas, para

uma gama de frequências entre 3 kHz e 100 MHz, e para locais ocupacionais e

locais públicos, sendo de salientar que a corrente máxima de contacto é igual à

corrente máxima induzida em cada pé, para ambos os locais, o que, aliás, é

pertinente.

Frequência (MHz)

Corrente máxima em ambos os pés

(mA)

Corrente máxima em cada pé

(mA)

Corrente máxima de contacto

(mA)

Locais ocupacionais

0,003 – 0,1 2000f 1000f 1000f

0,1 - 100 200 100 100

Locais públicos

0,003 – 0,1 900f 450f 450f

0,1 - 100 90 45 45

f – frequência, em MHz

Quadro 4.9 – Níveis de segurança recomendados pela norma ANSI C95.1 – 1992,

para correntes RF induzidas e de contacto, no corpo humano.

Esta regulamentação de segurança também especifica uma intensidade do

campo eléctrico com o valor de 100 kV/m como sendo o limite máximo de

exposição permitido (LME), em locais ocupacionais, para radiação RFR por

impulsos, na gama de frequências entre 0,1 GHz e 300 GHz. Para um impulso

de duração inferior a 100 ms, nessa gama de frequências, o valor de pico da

LME é definido através da seguinte expressão:

( )(s) impulso do duração5

(s) exposição de médio tempo×

×=LMELME pico

Para séries de mais de 5 impulsos, ou para uma duração dos impulsos superior

a 100 ms, a expressão anterior tomará a forma:

( )5

(s) exposição de médio tempo(s) impulso do duração ×=∑ × LMELME pico

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181

b) National Council on Radiation Protection and Measurements Este organismo é um grupo suportado pelo Congresso dos Estados Unidos,

criado com a finalidade de desenvolver documentação e recomendações de

segurança, relativamente aos efeitos das radiações ionizantes e não-ioni-

zantes.

Relatório nº 86 (1986) Este relatório, designado por Biological Effects and Exposure Criteria for Radio

Frequency Electromagnetic Fields, apresenta os resultados de uma avaliação

extensiva da literatura disponível sobre os efeitos biológicos dos campos RF,

apresentando-se no quadro 4.10 os respectivos limites recomendados,

baseados num valor máximo de SAR de 8 W/kg para exposição ocupacional, e

um quinto desse valor, ou seja, 1,6 W/kg, para o público em geral. Este factor

1/5 é obtido considerando 168 horas por semana de exposição para o público

em geral, e 40 horas por semana de exposição em locais de trabalho.

Frequência (MHz)

Campo eléctrico

(V/m)

Campo magnético

(A/m)

Densidade de potência (mW/cm2)

Corrente de contacto

(min)

Locais ocupacionais

0,3 – 1,34 614 163 100 200

1,34 – 3,0 614 1,63 100 200

3,0 – 30 1824/f 4,89/f 900/f2 200

100 – 300 61,4 0,163 1,0 -----

300 – 1500 f54,3 106/f f/300 -----

1500 - 100000 194 0,515 5,0 -----

Locais públicos

0,3 – 1,34 614 1,63 100 200

1,34 – 3,0 823,8/f 2,19/f 180/f2 200

3,0 – 30 823,8/f 2,19/f 180/f2 200

100 – 300 27,5 0,0729 0,2 -----

300 – 1500 f59,2 238/f f/1500 -----

1500 - 100000 106 0,23 1,0 -----

f – frequência, em MHz

Quadro 4.10 – Níveis de segurança recomendados pelo relatório NCRP nº 86.

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182

Relatório nº 119 (1993) Este relatório, designado por A Practical Guide to the Determination of Human

Exposure to Radiofrequency Fields, foi desenvolvido como um guia para as

pessoas que são responsáveis pela determinação das exposições a radiação

RF, com menos conhecimentos sobre os seus princípios e práticas.

Comparando os limites de densidade de potência impostos pelas recomen-

dações ANSI e NCRP, uma das poucas diferenças reside no facto dos limites

NCRP serem mais restritivos a altas frequências – por exemplo, acima de 1,5

GHz. Por conseguinte, nas unidades industriais são seguidos os limites ANSI,

enquanto que o público favorece mais as recomendações NCRP.

c) American Conference of Governmental Industrial Hygienists Esta associação recomenda, para locais ocupacionais, que a SAR não seja

superior a 0,4 W/kg, para um período de exposição de 6 minutos, e para uma

gama de frequências entre 10 kHz e 300 GHz, mostrando-se no quadro 4.11 os

níveis de exposição aconse-lhados por esta associação.

Atendendo a que estes limites são destinados a locais de trabalho, baseiam-se

assim na assumpção de que não existem crianças ou jovens nesses locais,

permitindo uma densidade de potência incidente de 10 mW/cm2 para frequên-

cias superiores a 1 GHz, mantendo a mesma SAR de 0,4 W/kg para todo o

corpo. Por outro lado, os 100 mW/cm2 recomendados na gama de 10 kHz a 3

MHz, é um nível que se poderá considerar seguro na base de que se refere

igualmente à totalidade do corpo humano, apesar de poder resultar de choques

eléctricos ou de queimaduras eléctricas de RF.

Frequência

Campo eléctrico (V2/m2)

Campo magnético (A2/m2)

Densidade de potência (mW/cm2)

10 kHz – 3 MHz 377000 2,65 100

3 – 30 MHz 3770 x (900/f2) 900 / (37,7f2) 900/f2

30 – 100 MHz 3770 0,027 1,0

100 MHz – 1 GHz 3770 x (f/300) (f/37,7) x 100 f/100

1 – 300 GHz 37700 0,265 10

f – frequência, em MHz

Quadro 4.11 – Níveis de segurança recomendados pela associação ACGIH.

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183

d) Federal Communications Commission Este organismo foi criado em 1934 como uma agência reguladora, com a

finalidade de controlar e regular as comunicações rádio e por fios, tendo vindo

a ser a responsável pelo licenciamento dos sistemas de comunicações nos

Estados Unidos, daí estar igualmente envolvida de uma forma directa na

segurança associada à utilização das tecnologias de comunicações.

No quadro 4.12 mostram-se os limites gerais recomendados, e no quadro 4.13

os limites recomendados para a taxa específica de absorção SAR na totalidade

do corpo humano ou em parte, para uma gama de frequências entre 100 kHz e

6 GHz.

A alteração mais significativa desta norma em relação às anteriores, consiste

no facto da SAR admissível para telefones celulares ser de 1,6 W/kg.

Previamente, os telefones celulares poderiam exceder o limite máximo de

exposição permitido (LME), se a sua potência radiante fosse inferior a

1,4 x 450/f, sendo f a frequência de operação em MHz. Para a maioria dos

telefones celulares comercializados, essa potência radiante corresponde apro-

ximadamente a um valor de 0,6 W.

Frequência (MHz)

Campo eléctrico

(V/m)

Campo magnético

(A/m)

Densidade de potência (mW/cm2)

Tempo médio de exposição

(min)

Locais ocupacionais

0,3 – 30 614 1,63/f 100 6

3 – 30 1824/f 4,89/f 900/f2 6

30 – 300 61,4 0,163 1,0 6

300 – 1500 ----- ----- f/300 6

1500 - 100000 ----- ----- 5,0 6

Locais públicos

0,3 – 1,34 614 1,63 100 30

1,34 – 30 1824/f 2,19/f 180/f2 30

30 – 300 27,5 0,073 0,2 30

300 – 1500 ----- ----- f/1500 30

1500 - 100000 ----- ----- 1,0 30

f – frequência, em MHz

Quadro 4.12 – Níveis de segurança recomendados pelo organismo FCC.

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184

Locais ocupacionais Locais públicos

< 0,4 W/kg para todo o corpo < 0,08 W/kg para todo o corpo

≤ 8 W/kg para partes do corpo ≤ 1,6 W/kg para partes do corpo

Quadro 4.13 – Níveis de segurança recomendados pelo organismo FCC, para

exposição localizada do corpo humano, na gama de 100 kHz a 6 GHz.

Relativamente aos limites recomendados expostos no quadro 4.13 e, tal como

em relação ao Relatório nº 86 (1986) do National Council on Radiation

Protection and Measurements, ao compararem-se os valores aconselháveis

para locais públicos com os valores homólogos aconselháveis em locais

ocupacionais, constata-se que a razão entre eles é igual a 1/5, devido ao facto

de se considerar que a exposição para o público em geral é de 7 dias por

semana x 24 horas por dia = 168 horas por semana, e para os locais de

trabalho, de 5 dias por semana x 8 horas de trabalho por dia = 40 horas por

semana, tendo-se assim a seguinte relação:

SAR (locais públicos) = (40 / 168) x SAR (locais ocupacionais)

4.5.3. Regulamentação no Canadá O Ministério da Saúde Canadiano tem vindo a desenvolver diversas recomen-

dações e normas de segurança com o objectivo de proteger os seus cidadãos

contra os efeitos das radiações RFR, na gama de frequências entre 3 kHz e

300 GHz, tendo, em 1979, publicado o primeiro Safety Code 6, alterado suces-

sivamente em 1991, 1994 e 1999, mostrando-se no quadro 4.14 os respectivos

limites recomendados, limites esses definidos com base numa análise

exaustiva realizada a todos os trabalhos de investigação realizados nos últimos

30 anos, relativos aos efeitos biofísicos dos campos electromagnéticos.

Adicionalmente, apresenta-se no quadro 4.15 os limites da SAR relativos a

locais ocupacionais e a locais públicos, verificando-se a existência do factor 1/5

entre valores homólogos, devido aos factos apontados anteriormente, e no

quadro 4.16 apresentam-se os limites recomendados para as correntes

induzidas e para as correntes de contacto, assim como os tempos médios de

exposição, também para locais ocupacionais e para locais públicos. Saliente-se

que os valores expostos nestes quadros referem-se ao Safety Code 6.

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185

Os níveis de exposição relativos aos locais públicos, definidos neste código

normativo, são baseados em estudos inerentes aos efeitos térmicos, estudos

esses que demonstram uma tolerância às densidades de potência de

exposição, para diversas rádio-frequências, antes da temperatura do corpo

aumentar de 1 oC dentro de uma exposição de 30 minutos.

Frequência (MHz)

Campo eléctrico

(V/m)

Campo magnético

(A/m)

Densidade de potência (mW/cm2)

Tempo médio de exposição

(min)

Locais ocupacionais

0,003 – 1 600 4,9 ----- 6

1 – 10 600/f 4,9/f ----- 6

10 – 30 60 4,9/f ----- 6

30 – 300 60 0,163 10 6

300 – 1500 3,54 f0,5 0,0094 f0,5 f/30 6

1500 – 15000 137 0,364 50 6

15000 - 150000 137 0,364 50 616000/f1,2 150000 - 300000 0,354 f0,5 9,4 x 10-4 f0,5 3,33 x 10-4 f0,5 616000/f1,2

Locais públicos

0,003 – 1 280 2,19 ----- 6

1 – 10 280/f 2,19/f ----- 6

10 – 30 28 2,19/f ----- 6

30 – 300 28 0,037 2 6

300 – 1500 1,585 f0,5 0,0042 f0,5 f/150 6

1500 – 15000 61,4 0,163 10 6

15000 - 150000 61,4 0,163 10 616000/f1,2 150000 - 300000 0,1584 f0,5 4,21 x 10-4 f0,5 6,67 x 10-5 f 616000/f1,2

f – frequência, em MHz

Quadro 4.14 – Níveis de segurança recomendados pela norma Safety Code 6.

Locais ocupacionais Locais públicos

0,4 W/kg para todo o corpo 0,08 W/kg para todo o corpo

8 W/kg para a cabeça, pescoço, tronco 1,6 W/kg para a cabeça, pescoço, tronco

20 W/kg para os membros 4 W/kg para os membros

Quadro 4.15 – Níveis de segurança recomendados pela norma Safety Code 6,

para exposição localizada do corpo humano.

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186

Frequência (MHz)

Correntes induzidas (mA) Correntes de contacto (mA)

Tempo médio de exposição ambos os pés cada pé

Locais ocupacionais

0,003 – 0,1 2000 f 1000 f 1000 f 1 seg

0,1 - 110 200 100 210 6 min

Locais públicos

0,003 – 0,1 900 f 450 f 450 f 1 seg

0,1 - 110 90 45 45 6 min

f – frequência, em MHz

Quadro 4.16 – Níveis de segurança recomendados pela norma Safety Code 6,

para correntes RF induzidas e de contacto, no corpo humano.

4.5.4. Regulamentação na Europa a) União Europeia Em 8 de Junho de 1999, o European Union Health Council, com o suporte do

governo do Reino Unido, estabeleceu recomendações com o objectivo de

limitar as exposições a campos electromagnéticos, especialmente à radiação

emitida por telefones celulares, propondo essas recomendações, para locais

públicos, uma SAR de 0,2 W por 10 g de tecido da cabeça e 0,08 W/kg para

todo o corpo.

Veja-se seguidamente as recomendações estabelecidas por alguns dos países

da União Europeia:

• Bélgica. As suas normas aconselham, para a intensidade do campo

eléctrico, limites de 21 V/m para 900 MHz e de 29 V/m para 1800 MHz.

• Itália. Neste país, as normas impõem, para as frequências dos telefones

celulares, uma densidade de potência de 0,10 mW/cm2 e, para as

situações onde a exposição exceda 4 horas por dia, esse limite deve ser

reduzido para 0,010 mW/cm2. Por outro lado, as administrações

regionais dispõem de poder para reduzir ainda mais aqueles limites,

havendo regiões onde os limites são 4 vezes inferiores (0,0025 mW/m2).

Por exemplo, o limite para as torres de transmissões celulares e de

radiodifusão, é de 6 V/m ou 10 μW/cm2; para outras exposições de RF e

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187

de microondas é 100 μW/cm2 para frequências entre 3 MHz e 3 GHz e,

para a gama entre 3 GHz e 300 GHz, é 400 μW/cm2.

• Suécia. O nível permitido para a densidade de potência, a 900 MHz, e

para locais públicos, é de 4,5 W/m2 ou de 41 V/m para o campo ele-

ctrico, sendo os limites admissíveis para os locais ocupacionais cinco

vezes superiores, como sucede nas normas americanas e canadianas.

• Suíça. Para os transmissores de comunicações sem fios, o limite

admissível é de 4 V/m (0,0042 mW/cm2) a 900 MHz, e de 6 V/m (0,0095

mW/cm2) a 1800 MHz. Para transmissores de radiodifusão e de TV, o

limite de exposição está entre 3 V/m e 8,5 V/m (0,0024 mW/cm2 e 0,019

mW/cm2).

• Reino Unido. Os limites referentes à exposição a radiação RFR são de

112 V/m e 0,57 mW/cm2 para 900 MHz, e de 194 V/m e 1 mW/cm2 para

1800 MHz, sendo os tempos médios de exposição de 15 minutos para

todo o corpo, e de 6 minutos para uma exposição parcial.

b) Europa do Leste e Rússia No quadro 4.17 mostram-se os limites para o campo eléctrico e para o campo

magnético, relativos a locais ocupacionais e a locais públicos, que se encon-

travam em vigor na União Soviética, antes da sua transformação política numa

confederação de repúblicas independentes, notando-se a não existência de

limites para o campo magnético em locais públicos. Para locais ocupacionais, e

para a gama de frequências entre 300 MHz e 300 GHz, o limite máximo para a

densidade de potência era de 1 mW/cm2, enquanto que, para locais públicos,

era 100 vezes inferior, ou seja, 0,01 mW/cm2.

Por sua vez, no quadro 4.18 mostram-se os limites recomendados para locais

ocupacionais e para locais públicos, estabelecidos a partir de 1996 na Rússia,

continuando a não existir limites para o campo magnético em locais públicos.

Quanto aos limites admissíveis para o campo eléctrico relativo a frequências de

TV, tem-se:

48,4 MHz 5 V/m

88,4 MHz 4 V/m

192 MHz 3 V/m

300 MHz 2,5 V/m

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188

Para equipamentos de radar, na gama entre 150 MHz e 300 MHz, os limites

são de 10 µW/cm2 nas zonas muito próximas, e de 100 µW/cm2 em zonas mais

afastadas.

Frequência (MHz)

Campo eléctrico (V/m)

Campo magnético (A/m)

Locais ocupacionais

0,06 – 1,5 50 5

1,5 – 3 50 -----

3 – 30 20 -----

30 – 50 5 -----

300 - 300000 0,125 -----

Locais públicos

0,03 – 0,3 25 -----

0,3 – 3 15 -----

3 – 30 10 -----

30 - 300 3 -----

Quadro 4.17 – Níveis de segurança recomendados pelas normas da URSS.

Locais ocupacionais

Frequência (MHz)

Campo eléctrico (V2/m2)

Campo magnético (A2/m2)

0,03 – 3 20000 200

3 – 30 7000 -----

30 – 50 800 0,72

50 - 300 800 -----

300 MHz – 300 GHz 200 μW/cm2

Locais públicos

Frequência Campo eléctrico (V/m)

Campo magnético (A/m)

30 kHz – 300 kHz 25 -----

300 kHz – 3 MHz 15 -----

3 MHz – 30 MHz 10 -----

30 MHz – 300 MHz 3 -----

300 MHz – 300 GHz 10 μW/cm2

Quadro 4.18 – Níveis de segurança recomendados pelas normas da Rússia.

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189

4.5.5. Regulamentação na Ásia e no Pacífico a) Japão As suas normas baseiam-se em parâmetros biológicos tais como a SAR e as

correntes induzidas no corpo humano, sendo os limites para a SAR de 0,4

W/kg para 6 minutos de exposição relativa a todo o corpo, e de 8 W/kg

relativamente ao valor máximo local da SAR dentro de 1 g de tecido, excepto

extremidades e pele, onde a SAR limite é de 25 W/kg para 1 g de tecido.

b) China Não existe muita informação relativa a trabalhos científicos publicados em

conferências ou em revistas internacionais, acerca das radiações de RF e seus

efeitos biofísicos, neste país. Contudo, pelo pouco que é divulgado, os limites

máximos aconselháveis para locais públicos são extremamente mais restritivos

que os recomendados nos Estados Unidos, tendo-se 5,0 V/m ou 6,6 µW/cm2, a

900 MHz.

c) Austrália e Nova Zelândia Na Austrália, a sua regulamentação recomendava, para as frequências na

gama das comunicações celulares, e em locais públicos, um limite de 0,2

mW/cm2, valor este 2 a 6 vezes mais reduzido que os valores aconselháveis

pelas normas americanas ANSI, ICNIRP e NCRP. Essa legislação foi revista,

sendo os actuais limites de 0,45 mW/cm2 para 900 MHz e 0,90 mW/cm2 para

1800 MHz.

Quanto à Nova Zelândia, em 1990 adoptou o limite máximo de exposição de

0,2 mW/cm2, sendo no entanto esse limite de 0,05 mW/cm2 nas cidades de

Auckland e de Christchurch.

4.5.6. Regulamentação Internacional a) International Radiation Protection Association Este organismo iniciou as suas actividades em 1964, sendo o seu propósito

principal providenciar um meio de comunicação entre todos os países que se

encontram a elaborar regulamentação e normas de segurança, para que

possam trabalhar mais facilmente a partir de uma base científica já esta-

belecida.

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190

Em 1981 sugeriu que as densidades de potências não fossem superiores a 10

mW/cm2 em locais ocupacionais, ao longo de um dia completo de trabalho,

recomendando valores mais reduzidos para os níveis de exposição em locais

públicos. Em 1984, as suas recomendações foram revistas, sendo acon-

selhável, para esses locais e para frequências superiores a 10 MHz, não

ultrapassar 0,4 W/kg para uma exposição de corpo inteiro durante 6 minutos.

Quanto aos locais públicos, recomenda um limite 5 vezes inferior, isto é, de

0,08 W/kg, igualmente para uma exposição de corpo inteiro com uma duração

máxima de 6 minutos.

b) International Commission on Non-Ionizing Radiation Protection Este organismo internacional, criado em 1992, tem como missão coordenar os

conhecimentos sobre a protecção à exposição aos vários tipos de radiações

não-ionizantes, com a finalidade de desenvolver recomendações e normas de

segurança que sejam reconhecidas e aceites internacionalmente.

Em Abril de 1998 publicou as suas recomendações acerca dos limites a

respeitar no que toca à exposição a radiações de RF numa gama de

frequências até 300 GHz, limites esses baseados num conjunto relativamente

alargado de estudos e relatórios científicos.

As suas recomendações incluem um factor de redução de 5, no máximo valor

da taxa de absorção específica SAR em locais públicos, comparativamente aos

valores máximos a observar em locais ocupacionais, como sucede com outros

regulamentos explicitados anteriormente. A razão desse factor de redução

prende-se com o facto da forte possibilidade de existirem pessoas bastante

sensíveis aos efeitos da radiação RFR, apesar de não haver provas científicas

conclusivas.

Para frequências até 1 kHz, em locais ocupacionais, a restrição relativa a

campos eléctricos e magnéticos corresponde a uma densidade de corrente de

10 mA/m2, densidade esta que depende da frequência para valores superiores

a 1 kHz.

Para locais ocupacionais, e para frequências entre 100 kHz e 10 GHz, o limite

recomendado é de 0,4 W/kg para uma exposição de corpo inteiro, sendo, para

locais públicos, 5 vezes inferior, ou seja, de 0,08 W/kg.

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191

4.6. DOSIMETRIA DOS CAMPOS INCIDENTES 4.6.1. Generalidades A dosimetria consiste em duas partes – a primeira envolve a avaliação dos

campos incidentes, os quais são gerados por determinadas fontes, podendo

ser medidos, sem a presença do objecto, ou calculados através da informação

da fonte, enquanto que a segunda representa a avaliação dos campos internos,

isto é, dos campos no interior dos objectos, os quais podem igualmente ser

medidos ou calculados.

As contribuições da engenharia na área dos efeitos biofísicos dos campos

electromagnéticos, tem vindo a tornar possível a avaliação da força desses

campos assim como a densidade de potência devida à exposição a uma fonte

de campos electromagnéticos, e comparar os valores experimentais obtidos

com os limites recomendados pelas normas de segurança. Contudo, importa

salientar que nem sempre é possível avaliar os níveis de radiação RFR nos

locais abrangidos pela radiação, devido ao facto de que os campos de RF são

absorvidos, reflectidos, ou refractados pelos objectos, de um modo aleatório.

Os cálculos teóricos são adequados para algumas situações, enquanto que as

medições por vezes provam ser menos expensivas e, ao mesmo tempo, mais

conclusivas, essencialmente em locais sujeitos a radiações provenientes de

diversas fontes.

Por estas razões, as medições no terreno das radiações de RF são realizadas

para se assegurar a conformidade com as recomendações normalizadas, com

o objectivo de se prevenirem situações de sobre-exposições que possam a

curto, a médio e a longo prazo causar problemas de saúde. As medições

tornam-se igualmente necessárias não só quando os valores calculados teori-

camente se encontram muito próximos do limiar da sobre-exposição, mas

também quando os campos são distorcidos devido à reflexão em vários

objectos.

4.6.2. Cálculos Teóricos Estes cálculos são usualmente realizados em vários pontos sujeitos a radiação

RF, podendo assim a força do campo ser estimada antes das respectivas

medições. Saliente-se que, para que se possam efectuar os cálculos teóricos,

torna-se necessário conhecer as características da antena radiante.

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192

Na prática, é possível determinar a densidade de potência provável na

proximidade da antena, recorrendo-se a simples equações já conhecidas.

Muitas das situações onde essa densidade de potência deverá ser elevada

localizam-se nas zonas próximas da antena, variando a densidade de potência

inversamente com a distância a que se encontram da antena. Por outro lado,

nas regiões já afastadas da antena, onde o feixe se propaga de uma forma

normalizada, a densidade de potência diminui inversamente com o quadrado

da distância à antena. Comparando a zona próxima da antena (near-field

region) com as zonas mais afastadas (far-field region), sucede que a densidade

de potência nas zonas afastadas diminui muito mais rapidamente que nas

zonas próximas. Na figura 4.24 mostram-se, esquematicamente, as zonas

próxima e afastada da fonte emissora de radiação, sendo de salientar que a

linha de fronteira entre estas duas regiões se designa por crossover point.

Figura 4.24 – Regiões próximas e afastadas de uma fonte de radiação.

a) Densidade de Potência O cálculo da densidade de potência poderá representar o melhor exercício para

a predição da radiação de RF, cálculo esse que é efectuado através da

seguinte expressão:

impactodeÁrearadiadaPotênciapotênciadeDensidade =

Região próxima da fonte A densidade de potência numa zona próxima de uma antena vertical (figura

4.25), é determinada utilizando um contorno cilíndrico – radiação circular.

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193

Figura 4.25 – Região próxima de uma antena vertical.

A área do cilindro colocado em torno da antena é assumida como estando

uniformemente carregada pela potência radiada a partir da antena, não

havendo igualmente radiação de potência de RF através da base e do topo

desse cilindro. Note-se que a densidade de potência concentrada no cilindro

corresponde, teoricamente, à densidade média de potência num corpo humano

situado muito próximo da antena e com uma altura igual à do cilindro. A

expressão seguinte, designada como modelo cilíndrico, permite determinar a

densidade de potência Pd sobre a superfície do cilindro, em W/m2:

ldP

P td π2=

sendo Pt a potência da antena, em W, d a distância, em metros, da superfície

do cilindro ao centro da antena, e l, em metros, a altura do cilindro, que é igual

à altura da antena. Como facilmente se constata, a densidade de potência

corresponde à potência da antena por unidade de superfície da área periférica

do cilindro.

Região afastada da fonte Nas regiões afastadas da antena, a distribuição da radiação não se altera com

a distância, sendo a densidade máxima de potência radiada uma função do

ganho da antena. Para uma fonte de radiação, suposta concentrada num

ponto, e considerada como sendo um meio isotrópico, a densidade de potência

representa a distribuição da potência emitida por esse ponto, Pt (W), sobre uma

superfície esférica com um raio d (m) igual à distância à antena, sendo assim

aquela densidade de potência calculada pela seguinte expressão:

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194

24 dP

P td

π=

Para uma antena direccional, esta potência é definida como sendo:

24 dGP

P ttd

π=

em que Gt representa o ganho da antena. Para melhor compreensão, mostra-

-se na figura 4.26 a relação entre a potência transmitida e a potência recebida

num sistema de comunicações sem fios.

Figura 4.26 – Potência transmitida e recebida num sistema

de comunicações sem fios.

Na prática, utiliza-se o termo EIRP – equivalent isotropic radiated power

(potência isotrópica equivalente radiada), para designar o produto:

tt GPEIRP =

sendo esse termo um parâmetro que permite definir as capacidades da antena

para transmitir radiação de RF.

Por outro lado, por vezes a potência é expressa em termos da ERP – effective

radiated power (potência efectiva radiada), em lugar da EIRP, sendo a ERP

referida a uma antena dipolar de meia onda em lugar de um radiador isotrópico.

Por conseguinte, pode-se escrever, sendo o factor 1,64 o ganho da antena

dipolar relativamente ao radiador isotrópico:

222 464,1

44 dERP

dEIRP

dGP

P ttd

πππ===

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195

Quando se pretende avaliar o campo próximo de uma superfície, tal como o

solo ou o telhado de uma habitação, deverá assumir-se que existe reflexão das

ondas, resultando numa quadruplicação da densidade de potência equivalente,

tendo-se então:

22244

dEIRP

dGP

dGP

P ttttd

πππ===

No caso de antenas de radiodifusão e de televisão, em FM, tendo em atenção

a reflexão no solo, assume-se que a densidade de potência é majorada por um

factor igual a 2,56, vindo assim, para este tipo de antenas:

22 05,14

56,2d

ERPd

EIRPPdππ

==

Considerando agora uma antena receptora com um ganho Gr, a potência

recebida Pr é determinada através da seguinte expressão:

2

4 ⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛=

rGGPP rttr π

λ

sendo λ (m) o comprimento de onda, e r (m) a distância à antena.

b) Intensidade do Campo A intensidade do campo eléctrico numa antena receptora encontra-se

relacionada com a potência recebida Pr, considerando-se o facto de que a

potência recebida corresponde ao produto da área efectiva de abertura da

antena pela densidade de potência. Em termos de quantificação, a intensidade

do campo eléctrico E (V/m), é calculado pela seguinte expressão:

e

r

AP

E 0η=

sendo Ae (m2) a área efectiva de abertura da antena, e η0 a impedância

intrínseca do vácuo, com o valor de 377 Ω. Na prática, nas zonas afastadas da

fonte tem-se:

HE

=0η

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196

sendo H a intensidade do campo magnético, em A/m. Adicionalmente, o valor

eficaz da intensidade do campo eléctrico a uma distância d de uma fonte com

uma potência isotrópica equivalente radiada EIRP segundo o eixo principal do

feixe, é calculado através da seguinte expressão:

dEIRPE

5,0)30(=

4.6.3. Técnicas de Medição Antes de se proceder às medições dos parâmetros e grandezas associados às

radiações de RF em determinados locais ocupacionais, públicos, ou residen-

ciais, é essencial classificar esses locais para que se tome conhecimento

prévio dos limites de exposição recomendados pelas normas respectivas. Na

figura 4.27 ilustra-se, em termos de diagrama de blocos, quais os componentes

básicos de um sistema de medição de radiações de RF.

Figura 4.27 – Sistema de medição de radiações de RF.

Veja-se seguidamente alguns procedimentos relativos à análise e tratamento

de dados obtidos através das respectivas medições:

a) Tempo Médio de Exposição Os valores eficazes médios de um conjunto de medições, relativamente à

intensidade do campo eléctrico e à intensidade do campo magnético, são

determinados respectivamente pelas seguintes expressões:

2/1

1

2exposiçãodemédiotempo

1⎥⎦

⎤⎢⎣

⎡∑ Δ==

n

iii tEE

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197

2/1

1

2exposiçãodemédiotempo

1⎥⎦

⎤⎢⎣

⎡∑ Δ==

n

iii tHH

Nestas expressões, n representa o número de intervalos de tempo Δti em

relação aos quais se mediram os respectivos valores eficazes da intensidade

do campo eléctrico Ei e da intensidade do campo magnético Hi.

Adicionalmente, os valores médios da densidade de potência e da taxa

específica de absorção SAR são determinados respectivamente através das

seguintes expressões:

∑ Δ==

n

iii tPP

1exposiçãodemédiotempo1

∑ Δ==

n

iii tSARSAR

1exposiçãodemédiotempo1

sendo Pi e SARi os valores respectivamente da densidade de potência e da

taxa de absorção específica associados a cada um dos n intervalos de tempo

de medição Δti. Note-se ainda que se tem nas quatro expressões anteriores:

∑ Δ==

n

iit

1exposiçãodemédiotempo

Para melhor compreensão, considerem-se os seguintes dois exemplos numé-

ricos:

Exemplo 1 Para uma frequência de radiação de 3 GHz, os trabalhadores de uma deter-

minada empresa de telecomunicações são autorizados a sofrer uma exposição

média equivalente a 10 mW/cm2, durante um período máximo de 6 minutos. Na

prática, para que tal seja respeitado, devem-se verificar, por exemplo, as

seguintes 3 situações possíveis:

• sofrerem uma radiação de 20 mW/cm2 durante 3 minutos consecutivos

ou alternados, e nenhuma radiação durante os outros 3 minutos res-

tantes, ou seja:

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198

P = (20 mW/cm2 x 3 min) + (0 mW/cm2 x 3 min) = 60 mW/cm2 / 6 min =

= 10 mW/cm2

• sofrerem uma radiação de 15 mW/cm2 durante 4 minutos consecutivos

ou alternados, e nenhuma radiação durante os outros 2 minutos res-

tantes, ou seja:

P = (15 mW/cm2 x 4 min) + (0 mW/cm2 x 2 min) = 60 mW/cm2 / 6 min =

= 10 mW/cm2

• sofrerem uma radiação de 15 mW/cm2 durante 3 minutos consecutivos

ou alternados, e 5 mW/cm2 durante os outros 3 minutos restantes, ou

seja:

P = (15 mW/cm2 x 3 min) + (5 mW/cm2 x 3 min) = (45+15 mW/cm2) / 6 min =

= 10 mW/cm2

Exemplo 2 Para uma frequência de radiação de 100 MHz, o público em geral não deverá

sofrer uma exposição média equivalente a 2 mW/cm2, durante um período

máximo de 30 minutos. Na prática, para que tal seja respeitado, devem-se

verificar, por exemplo, as seguintes 3 situações possíveis:

• sofrer uma radiação de 4 mW/cm2 durante 15 minutos consecutivos ou

alternados, e nenhuma radiação durante os outros 3 minutos restantes,

ou seja:

P = (4 mW/cm2 x 15 min) + (0 mW/cm2 x 15 min) = 60 mW/cm2 / 30 min =

= 2 mW/cm2

• sofrer uma radiação de 3 mW/cm2 durante 20 minutos consecutivos ou

alternados, e nenhuma radiação durante os outros 10 minutos res-

tantes, ou seja:

P = (3 mW/cm2 x 20 min) + (0 mW/cm2 x 10 min) = 60 mW/cm2 / 30 min =

= 2 mW/cm2

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199

• sofrer uma radiação de 3 mW/cm2 durante 15 minutos consecutivos ou

alternados, e 1 mW/cm2 durante os outros 15 minutos restantes, ou seja:

P = (3 mW/cm2 x 15 min) + (1 mW/cm2 x 15 min) =

= (45+15 mW/cm2) / 30 min =

= 2 mW/cm2

b) Valores Médios Espaciais Esta técnica é normalmente utilizada para a determinação dos valores das

intensidades do campo eléctrico E e do campo magnético H, assim como da

densidade de potência P, para a globalidade do corpo humano, a partir das

medições efectuadas em diversos pontos do corpo, recorrendo-se respecti-

vamente às seguintes expressões:

2/1

1

21⎥⎦

⎤⎢⎣

⎡∑==

n

iiE

nE

2/1

1

21⎥⎦

⎤⎢⎣

⎡∑==

n

iiH

nH

∑==

n

iiP

nP

1

1

sendo n o número de locais onde as medições Ei, Hi e Pi foram efectuadas.

c) Locais com Frequências Múltiplas Nas situações em que a radiação é originada por fontes de diversas frequên-

cias, em primeiro lugar deverá ser verificada a seguinte inequação:

∑ ≤nf

ffR

1

1

sendo f1 a menor banda de frequência, fn a maior banda de frequência, e Rf o

valor relativo respeitante ao limite de exposição, valor este que é determinado

respectivamente através das seguintes expressões, a primeira para a

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200

intensidade dos campos eléctrico e magnético, e a segunda para a densidade

de potência:

2

para exposição, de limite ao entecorrespond campo do eintensidad frequência à campo do eintensidad da medido valor

⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛=

ffRf

para exposição, de limite ao entecorrespond potência de densidade frequência à potência de densidade da medido valor

ffRf =

Como facilmente se pode constatar, através da primeira expressão, se o valor

deste parâmetro for superior à unidade, os valores medidos estarão acima dos

limites máximos de exposição recomendados pelas normas de segurança. Por

conseguinte, o valor relativo global, que se obtém pela soma dos valores

relativos para cada frequência, representa um indicador do limite de exposição.

Exemplo Num determinado local de trabalho, mediram-se os seguintes valores

associados à radiação RFR para diferentes frequências:

• Intensidade do campo magnético de 0,2 A/m a 13 MHz.

• Intensidade do campo eléctrico de 20 V/m a 250 MHz.

• Densidade de potência de 1 mW/cm2 a 2,45 GHz.

Por outro lado, os regulamentos de segurança aconselham os seguintes limites

de exposição, para aqueles parâmetros, dentro das gamas de frequência

apontadas:

• Intensidade do campo magnético: 1,25 A/m, na banda 3 – 30 MHz.

• Intensidade do campo eléctrico: 27,5 V/m, na banda 100 – 300 MHz.

• Densidade de potência: 1,63 mW/cm2, na banda 300 – 3000 MHz.

Por conseguinte, recorrendo-se às expressões anteriores obtêm-se os

seguintes valores relativos, respectivamente para a intensidade do campo

magnético, intensidade do campo eléctrico, e densidade de potência:

02656,025,12,0 2

1 =⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛=R

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201

528,05,27

202

2 =⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛=R

613,063,11

3 ==R

Quanto ao valor global, tem-se:

R = R1 + R2 + R3 = 1,168 (> 1)

ou seja, o local encontra-se sujeito a um nível de radiação global que é superior

aos limites de exposição recomendados. Note-se um facto extremamente

importante que sucede com este exemplo – os níveis de exposição medidos

são todos eles inferiores, separadamente, aos limites recomendados pelas

normas de segurança, todavia, em termos globais, o local apresenta riscos

acrescidos por se ter R > 1.

4.6.4. Procedimentos de Segurança Para que se possa garantir a máxima segurança possível no que respeita à

exposição a radiações RFR, isto é, para que os limites máximos recomendados

pelas normas de segurança não sejam ultrapassados no local, em zonas de

trabalho, públicas e residenciais, e ainda para que os técnicos de telecomu-

nicações, em particular, não sofram riscos desnecessários, devem-se cumprir

as seguintes directivas:

• As antenas devem ser colocadas a uma altura pelo menos de 2 metros

acima da cabeça, para se reduzir as densidades de potência nas zonas

próximas dos telhados. Em telhados onde existam diversas antenas,

instalá-las a alturas inferiores a 2 metros contribui para a redução das

densidades de potência nas zonas muito próximas das antenas.

• As antenas deverão ser montadas em braços com 1 a 2 metros de

comprimento, em vez de serem instaladas directamente nas respectivas

torres, para se evitar um elevado nível de exposição nos técnicos que se

encontrem a trabalhar nas torres, por qualquer motivo.

• Reduzir a potência da antena, para limitar a exposição cumulativa de

radiações de RF.

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202

• Deve-se elaborar um regulamento de segurança e normas de conduta

para os trabalhadores que tenham que se deslocar às antenas para

trabalhos de manutenção. A potência deverá ser reduzida, e dever-se-á

dar uma atenção especial aos casos em que o trabalhador tenha de

atravessar zonas de campos electromagnéticos de elevada radiação.

• A combinação da radiação emitida por diversas antenas pode gerar

níveis de exposição que excedam os limites recomendados, daí que seja

aconselhável recolocando as antenas noutros locais.

• Aumentar a distância entre as antenas, para se reduzir a densidade de

potência global do local.

• Deverão ser tomadas precauções de segurança em relação aos técnicos

de manutenção, devendo ser mantida uma distância mínima de 1 metro,

no sentido de se evitarem exposições perigosas.

• Os técnicos de telecomunicações que exerçam a sua actividade

primordialmente junto de antenas, deverão fazer-se acompanhar de

monitores pessoais que, nos casos em que a radiação ultrapassa os

limites recomendados, emitam imediatamente um sinal sonoro de

alarme bem audível.

• Nos casos em que, após a verificação de todos os requisitos de segu-

rança, continuarem a existir riscos acrescidos devidos a exposições

acima dos limites, os técnicos de telecomunicações deverão utilizar um

equipamento pessoal de protecção, como é o caso de fatos especiais,

para reduzir o nível de radiação RF, redução essa que poderá ir até 10

dB.

• Todos os trabalhadores deverão ser sujeitos a acções de formação

periódicas, no sentido de estarem permanentemente actualizados no

que respeita à regulamentação e às normas de segurança relativas à

exposição a radiações de RF. Este aspecto é bastante importante,

competindo igualmente não só aos fabricantes de equipamentos de

telecomunicações, especialmente de telefones celulares, mas também

aos operadores e às entidades reguladoras, informar convenientemente

o grande público sobre todos estes aspectos da radiação electroma-

gnética, contribuindo para a desmistificação de ideias pré-concebidas.

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203

4.7. DOSIMETRIA DOS CAMPOS INTERNOS 4.7.1. Generalidades Este tipo de dosimetria foi originalmente desenvolvido para as radiações ioni-

zantes, sendo baseado na relação entre a dose (energia absorvida por unidade

de massa) e o efeito biológico. Atendendo a que a energia absorvida se

encontra directamente relacionada com os campos electromagnéticos internos,

isto é, no interior do objecto – não confundir com os campos electromagnéticos

incidentes na superfície do objecto, e que foram analisados no subcapítulo

anterior –, a dosimetria é interpretada como uma maneira de determinar os

campos electromagnéticos no interior do corpo biológico.

Saliente-se que os campos internos, muito mais que os campos incidentes e as

correntes induzidas, são os responsáveis pelas interacções com os sistemas

vivos, independentemente dessas interacções desenvolverem fenómenos

térmicos ou não-térmicos. Os campos incidentes e os campos internos diferem,

em função da dimensão e da forma do objecto, das propriedades eléctricas, da

orientação dos campos internos em relação aos campos incidentes, e da

frequência. Por outro lado, se um efeito biológico está relacionado directamente

com os campos internos, poder-se-á estabelecer uma relação de causa-efeito

em termos apenas desses campos, e não dos campos incidentes.

A dosimetria considera as medições ou a determinação por cálculo dos campos

internos, da densidade das correntes induzidas, da absorção específica SA, da

taxa de absorção específica SAR, em objectos como por exemplo modelos,

animais, humanos, ou mesmo partes do corpo humano, expostos a radiações

RFR, não esquecendo que é bastante difícil caracterizar inteiramente a propa-

gação dos campos electromagnéticos no corpo humano, devido à comple-

xidade e ao carácter não homogéneo dos tecidos biológicos.

A dosimetria interna pode ser dividida em duas categorias:

• Dosimetria macroscópica, em que os campos electromagnéticos são

determinados como uma média em relação a algum volume do espaço,

como em células matemáticas, que são de dimensões reduzidas. Por

exemplo, é assumido que o campo eléctrico numa determinada célula

de 1 mm tem o mesmo valor em qualquer ponto dentro de um volume

de 1 mm3 da célula, o mesmo sucedendo com o campo magnético.

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204

• Dosimetria microscópica, em que os campos são determinados a um

nível celular microscópico, ou seja, as células matemáticas em relação

às quais se determinam os campos, têm uma dimensão microscópica.

4.7.2. Taxa de Absorção Específica SAR Como se definiu já anteriormente, a SAR é quantificada em mW/cm2, e

representa a absorção da energia dos campos e da radiação electromagnética

quando incidem sobre um corpo biológico, por parte desse mesmo corpo.

a) Tipos de SAR e Parâmetros Associados Genericamente, existem dois tipos de SAR. O primeiro, designado por SAR

média no corpo inteiro, é definida como sendo a energia total transferida para o

corpo, por unidade de tempo, dividida pela sua massa total. Quanto ao

segundo tipo, tem-se a SAR para partes específicas do corpo humano, que

requerem, em determinadas circunstâncias, uma atenção especial, como

sucede com a cabeça, com o tronco, e com os membros superiores e inferiores

– esta SAR localizada é usualmente aplicada para se avaliar a exposição

emitida por pequenos equipamentos electrónicos e de telecomunicações, como

é o caso dos telemóveis em contacto com a cabeça.

Os valores da taxa de absorção específica referentes a materiais biológicos,

dependem de diversos parâmetros associados à exposição – propriedades dos

campos incidentes, tais como a frequência, a modulação, a amplitude, e a

direcção dos seus componentes; distribuição espacial das propriedades dielé-

ctricas e térmicas do sistema, incluindo as do local e a sua localização dentro

do objecto; configuração do material e sua orientação relativamente aos

campos incidentes.

Polarização A polarização de uma onda electromagnética representa a direcção das linhas

de força do vector intensidade do campo eléctrico. Saliente-se que no corpo

humano completo, a SAR média varia em função da orientação do campo

eléctrico incidente em relação ao corpo. Por outro lado, no que respeita a

objectos com uma simetria circular, podem-se considerar três tipos de

polarização: E, H e K, como se ilustra na figura 4.28:

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205

• A polarização E corresponde a ter-se o vector intensidade do campo

eléctrico paralelo ao eixo principal do corpo.

• A polarização H corresponde a ter-se o vector intensidade do campo

magnético paralelo ao eixo principal do corpo.

• A polarização K corresponde a ter-se o vector representativo do sentido

de propagação da onda (vector perpendicular aos vectores E e H),

paralelo ao eixo principal do corpo.

Figura 4.28 – Polarização E (a), polarização H (b), e polarização K (c).

Frequência Para todos os três tipos de polarização, a SAR varia aproximadamente com o

quadrado da frequência, para baixas frequências, salientando-se que, para a

polarização E, o seu valor máximo ocorre na banda de 70 MHz a 80 MHz.

Na figura 4.29 mostra-se a variação da taxa de absorção específica em função

da frequência, relativa a um homem médio exposto no vácuo a uma onda

plana, com uma densidade de potência de 1 mW/cm2, para os três tipos de

pola-rização. Para um corpo humano masculino em contacto com radiação RF

dirigida ao solo, a frequência de ressonância é de 30 MHz a 40 MHz,

frequência essa para a qual a potência absorvida é poucas vezes superior

àquela que corresponde ao produto da área da secção recta do corpo pela

densidade de potência incidente. Com uma polarização E, para frequências

superiores à de ressonância, a SAR associada à totalidade do corpo humano

varia aproximadamente com 1/f e, para valores inferiores, é proporcional a f2.

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206

Figura 4.29 – Taxa de absorção específica SAR em função da frequência, relativa

ao modelo de um homem médio exposto no vácuo a uma onda plana, com uma

densidade de potência de 1 mW/cm2, para os três tipos de polarização.

Dimensão e Forma dos Objectos Como se pode constatar através da figura 4.30, a SAR depende não só da

dimensão mas também da forma dos objectos, no caso concreto da figura, o

corpo humano, o macaco, e o rato, todos sujeitos a uma exposição a radiação

RF com uma densidade de potência de 1 mW/cm2, e com uma polarização do

tipo E. Como se pode observar, para uma mesma taxa de absorção específica,

isto é, para o mesmo efeito biológico, a frequência necessária para que ele se

verifique nos macacos e nos ratos, é significativamente superior à do corpo

humano. Constata-se igualmente que o valor máximo da SAR é o mais baixo

no homem e o mais elevado no rato, acontecendo no homem a uma frequência

mais baixa que nos outros dois seres vivos. Como curiosidade, nota-se que as

curvas relativas ao homem e ao macaco são muito próximas uma da outra, o

que se justifica pelo elevado número de características fisiológicas seme-

lhantes, enquanto que a curva do rato é bastante diferente. Esta figura mostra

assim que, provavelmente, os mecanismos de interacção nestes três seres

vivos são substancialmente diferentes.

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207

Saliente-se que a SAR no corpo humano pode também ser afectada pela

existência de outros corpos e objectos.

A presença de uma superfície plana reflectora, utilizada como chão, provoca a

redução da frequência de ressonância do corpo podendo conduzir a valores

elevados da SAR na totalidade do corpo, para frequências de ressonância

reduzidas. Por exemplo, se o corpo humano for colocado sobre um plano

perfeitamente condutor, a sua frequência de ressonância nessas condições

será sensivelmente igual a metade da sua frequência de ressonância no vazio.

Como sucede na prática com o solo que se pisa, que não é um condutor

eléctrico perfeito, a frequência de ressonância do corpo é mais baixa que

aquela que se verifica no vazio, contudo não igual a metade.

Note-se ainda que a frequência de ressonância é alterada pela introdução de

materiais isolantes entre o corpo e o solo, como por exemplo a utilização de

calçado de borracha ou de tapetes de protecção, utilizados por trabalhadores

de empresas de electricidade e de telecomunicações.

Figura 4.30 – Taxa de absorção específica SAR em função da frequência,

relativa ao modelo esferoidal de um homem, de um macaco, e de um rato

expostos a uma onda plana, com uma densidade de potência

de 1 mW/cm2, para a polarização E.

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208

Propriedades Eléctricas dos Tecidos Como já se referiu anteriormente, os cálculos teóricos assim como as medições

no terreno da taxa de absorção específica SAR, dependem largamente das

propriedades eléctricas do corpo, no que respeita ao seu comportamento

quanto à radiação electromagnética, sendo essas propriedades para os tecidos

humanos especificadas em termos de permitividade e de condutividade

eléctrica. Por sua vez, estes parâmetros dependem da frequência, temperatura

e distribuição dos tecidos no interior do corpo humano, assim como do instante

que se considere. Além disso, as propriedades eléctricas dependem igual-

mente dos níveis da actividade física e metabólica, da anatomia, da saúde, e

da idade.

b) Estimativa da SAR Como se salientou já por diversas vezes, a SAR relativa ao corpo humano não

é mensurável de uma forma fácil, na prática, contudo pode ser determinada

empiricamente ou teoricamente, a despeito das limitações das metodologias

utilizadas. Basicamente, a SAR representa a medida da taxa à qual a energia é

absorvida pelo corpo, podendo assim ser definida como a derivada em ordem

ao tempo da absorção específica (SA), que corresponde ao incremento da

energia dW absorvida por uma massa incremental dm inserida no interior de

um volume elementar dV, cujo material tem uma densidade ρ, ou seja:

dVdW

dmdWSA

ρ==

sendo esta grandeza expressa em joules por kilograma (J/kg). Por conseguinte,

a taxa de absorção específica SAR, em W/kg ou em mW/g, é dada pela

seguinte derivada:

dVdW

dtd

dtSAdSAR

ρ==

Esta taxa de absorção pode ainda ser definida como a potência absorvida por

unidade de massa de um sistema biológico, e ser representada em termos da

intensidade do campo eléctrico E em V/m, da condutividade eléctrica σ em

S/m, e da densidade do tecido em kg/m3, através da seguinte expressão:

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209

ρσ 2ESAR =

A integração de SAR sobre um volume de tecido que contenha uma deter-

minada massa, corresponde à potência absorvida por esse mesmo volume de

tecido, sendo esta grandeza, para um dado tecido biológico, expressa em

mW/g médios para 1 g ou 10 g, dependendo do estabelecido na norma de

segurança adoptada.

A taxa inicial de aumento de temperatura no corpo, desprezando as perdas de

calor, é directamente proporcional à SAR, ou seja:

CSAR

dtdT

=

em que T (oC) representa a temperatura, t (s) o tempo, e C (J/Kg/oC) a capa-

cidade calorífica do corpo. Note-se que esta capacidade calorífica é definida

como sendo a energia em joules que é necessária para elevar de 1 oC a tem-

peatura de 1 kilograma de massa do corpo.

Como é sabido, alguns efeitos biológicos, sobretudo os que têm implicações

significativas na saúde humana, podem ser relacionados com a indução de

calor, daí que o conhecimento do aquecimento originado pelas radiações RFR

seja mais importante como indicador analítico que a SAR, podendo o

aquecimento ΔT (oC) de tecidos biológicos sujeitos a radiação ser determinado

através da seguinte expressão:

4180xhSAT =Δ

sendo h = 0,85 a capacidade calorífica relativa.

4.7.3. Dosimetria Teórica Os campos eléctricos e magnéticos internos induzidos no corpo humano como

consequência da exposição a radiação RFR podem ser, em determinadas

circunstâncias simplificativas, determinados por meio das equações de

Maxwell. Todavia, devido às grandes dificuldades matemáticas inerentes à

resolução dessas equações, devido ao facto dos tecidos biológicos serem

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210

materiais anisotrópicos e não homogéneos, torna-se necessário recorrer-se a

várias técnicas analíticas e numéricas.

Quanto às técnicas analíticas, usualmente recorre-se a um dos seguintes

modelos:

• Modelo planar multicamadas, em que o corpo humano é entendido como

um meio estratificado constituído por lâminas dieléctricas isotrópicas e

homogéneas, com uma geometria plana.

• Modelos esférico, cilíndrico, e elipsoidal, em que o corpo humano ou

partes dele, são entendidos como uma esfera, um cilindro, ou um

elipsóide de um meio dieléctrico isotrópico e homogéneo.

• Modelo de blocos, em que o corpo humano ou parte dele é modelizado

como sendo a agregação de um conjunto de células independentes em

material dieléctrico.

A escolha do modelo mais aconselhável depende da frequência de operação,

dos objectivos do estudo, da parte do corpo a ser investigado, e da simpli-

cidade pretendida na formulação analítica. Por exemplo, no que respeita à

dosimetria associada aos telefones celulares, a frequência de operação é muito

reduzida face às dimensões do corpo humano, especialmente se se considerar

a coluna vertebral, os ombros, as costas, o peito ou as coxas, daí que se deva

escolher o modelo planar.

Quanto aos métodos numéricos, utilizados com bastante assiduidade devido às

dificuldades inerentes aos métodos analíticos, permitem efectuar a modeli-

zação precisa de todo o corpo humano ou de partes dele, com a finalidade não

só de determinar os parâmetros e grandezas associados às radiações, mas

também de simular diferentes situações de exposição em ordem a analisar-se

as variações desses parâmetros e grandezas. Os mais utilizados baseiam-se

no método dos elementos finitos bi e tridimensionais.

4.7.4. Dosimetria Experimental Apesar das técnicas de análise teórica actualmente aplicadas, conferirem um

grau de confiança bastante elevado aos valores dosimétricos obtidos, é acon-

selhável sempre que possível a realização de medições no terreno, não só

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211

para corroborar os resultados teóricos, mas também e sobretudo nas situações

em que não se dispõe desses resultados teóricos.

Se, por um lado, a determinação analítica dos valores da SAR é bastante

complexa, a sua medição é igualmente problemática. Basta pensar-se que,

para se traçar um mapa de valores de SAR no corpo inteiro ou em partes dele,

seria necessário submeter o corpo a radiações RFR de diversas frequências e

de diferentes níveis de exposição, assim como instalar sensores no interior do

corpo, isto é, nos tecidos, ossos, órgãos, e sangue, o que seria impraticável.

Na prática, utilizam-se modelos, denominados phantom models, que são

materiais sintéticos equivalentes aos tecidos humanos e que permitem assim

simular os materiais biológicos, sendo as medições das intensidades dos

campos eléctricos e magnéticos internos realizadas através de sensores,

mostrando-se na figura 4.31 um ensaio dos efeitos da radiação emitida por

telefones celulares sobre os tecidos da cabeça, utilizando um phantom.

Figura 4.31 – Esquematização de um sistema de medição da SAR.

4.7.5. Dosimetria em Telefones Celulares a) Potência Transmitida A exposição a radiação de RF emitida por telefones celulares é significativa,

devido à presença da antena de emissão/recepção do próprio telefone muito

próxima da cabeça do utilizador, sendo comum a questão que se tem vindo a

levantar com grande insistência, e que consiste na dúvida se essa exposição

origina ou não riscos mais ou menos graves para a saúde humana. A resposta

a esta dúvida encontra-se directamente relacionada com a potência transmitida

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212

pelos telefones celulares, que depende do próprio sistema celular assim como

do construtor.

Como resultado das medições efectuadas em 16 telefones europeus

diferentes, concluiu-se que a mais baixa SAR média para 10 g de tecido foi de

0,28 W/kg, enquanto que a mais elevada foi 1,33 W/kg, tendo estes valores

sido normalizados para uma antena com uma potência de entrada de 0,25 W.

Um outro estudo experimental realizado com um phantom, permitiu concluir

que a SAR na cabeça dos utilizadores de telefones celulares com kit de mãos

livres, é 60 % a 96 % inferior aos valores medidos nas cabeças dos utilizadores

convencionais, o que se explica pelo afastamento dos telefones em relação à

cabeça.

b) Investigações sobre a SAR Seguidamente divulgam-se os resultados de alguns estudos teóricos e experi-

mentais, que utilizaram respectivamente modelos computacionais e phantoms,

para a determinação de valores indicativos para a taxa de absorção específica:

• 0,09 W/kg a 0,29 W/kg de SAR em 1 g de tecido; 0,04 W/kg a 0,17

W/kg em 1 g de tecido cerebral; 0,5 mW/kg a 1,1 mW/kg em todo o

corpo. Ensaio realizado com dez telefones celulares de diferentes cons-

trutores.

• 1,9 W/kg em 10 g de material sintético líquido equivalente ao tecido

cerebral humano, num modelo phantom cilíndrico da cabeça, exposto a

um telefone celular de 0,6 W operando a 900 MHz; SARs de 3,5 W/kg e

2,5 W/kg no interior da cabeça, respectivamente a 5 mm e a 10 mm de

profundidade.

• SAR de 1,4 W/kg (valor bastante elevado) em telefones antigos com

antenas amovíveis e com a antena recolhida; com a antena estendida,

aquele nível reduziu-se significativamente.

c) Sensação de calor Quando se utiliza um telefone celular poderá ocorrer uma sensação de calor

localizada na orelha e nos tecidos adjacentes da cabeça, devido à radiação

emitida pelo telefone, ao aquecimento da bateria, e à concentração de radiação

nos tecidos.

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213

Num estudo realizado com um modelo de cabeça humana, e utilizando a

máxima potência de transmissão de 600 mW, foram determinadas SARs no

olho do lado do telefone numa gama entre 0,007 W/kg e 0,21 W/kg, e no

cérebro, em pontos muito próximos da zona de contacto do telefone,

encontraram-se valores entre 0,12 W/kg e 0,83 W/kg. Quanto ao aquecimento,

a temperatura do olho sofreu um aumento máximo de 0,022 oC para uma SAR

de 0,21 W/kg, enquanto que a temperatura do cérebro aumentou de 0,034 oC

para uma SAR de 0,83 W/kg.

Num ensaio realizado com voluntários, obtiveram-se temperaturas nas suas

orelhas em contacto com telefones celulares activos, entre 37 oC e 41 oC para

telefones analógicos, e entre 36 oC e 39 oC para telefones digitais.

d) Procedimentos de Precaução O organismo norte-americano Food and Drug Administration (FDA) recomenda

aos construtores de telefones celulares os seguintes procedimentos, em vigor

desde Outubro de 1999:

• Desenvolver investigação sobre os possíveis efeitos biológicos da

exposição a radiações RFR emitidas por telefones celulares.

• Os telefones celulares devem ser projectados de forma a que a única

radiação que emitam seja apenas a estritamente necessária para o seu

funcionamento.

• Estabelecer um clima de cooperação entre construtores com o objectivo

de informar o mais possível o público, sobre o que se conhece relativa-

mente aos efeitos da radiação emitida por telefones celulares.

O organismo britânico The Independent Expert Group on Mobile Phones

(IEGMP), elaborou as seguintes recomendações, dirigidas essencialmente aos

operadores de telecomunicações e às empresas de comercialização de

produtos celulares:

• Deverão notificar as autoridades locais acerca das futuras instalações de

antenas e de estações de comunicações móveis.

• Deverão evitar a instalação desses equipamentos na proximidade de

escolas.

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214

• Deverão disponibilizar toda a informação possível aos consumidores,

para que estes possam saber, por exemplo, quais os níveis de radiação

a que se encontram sujeitos ao utilizarem celulares.

• Deverão desencorajar a utilização de celulares por parte de crianças.

Como conclusão, deverão observar-se os seguintes procedimentos, em relação

à utilização de telefones celulares:

• Evitar longos períodos de conversação. A redução do uso de celulares

representa mesmo a melhor opção.

• Eliminar o seu uso por parte de crianças, para se evitarem possíveis

efeitos adversos no desenvolvimento do sistema nervoso, ainda em

crescimento.

• Evitar o seu uso em locais onde o sinal é fraco. Por exemplo, a utilização

em espaços fechados, ao envolver sinais fracos a partir da estação de

base, potenciará a exposição de forma significativa na medida em que a

intensidade do sinal que será necessária originará uma forte ligação à

antena mais próxima.

• Manter a sua antena o mais afastada possível da cabeça.

• Manter o telefone afastado do corpo quando se encontra inactivo.

Transportá-lo num bolso da camisa ou das calças, ou numa carteira

suspensa do cinto, não é uma atitude correcta, a não ser que se

encontre totalmente desligado. Quando transportado no bolso da

camisa, a sua radiação poderá eventualmente causar alterações no

ritmo cardíaco normal, e, ao ser transportado no bolso das calças ou no

cinto, a medula óssea dos ossos da bacia assim como os testículos e o

aparelho reprodutor feminino estarão sujeitos desnecessariamente a

radiação RFR.

Apesar de não existir ainda um suporte científico que permita afirmar perempto-

riamente que a radiação emitida por telefones celulares origina efeitos

adversos na saúde humana, a melhor atitude a adoptar consiste exactamente

em, por um lado, as autoridades sanitárias obrigarem os construtores e

operadores a cumprirem determinadas recomendações e informar a opinião

pública e, por outro, respeitar essas recomendações à letra.

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215

4.8. VIGILÂNCIA E CONTROLO DE LOCAIS RF 4.8.1. Generalidades Actualmente é possível, e já existem, proceder à elaboração de programas,

recomendações, e normas de conduta com o objectivo de proteger não só

trabalhadores mas também o grande público em geral, da exposição a radia-

ções de RF com níveis de energia superiores aos limites máximos recomen-

dados, evitando assim sujeitar as empresas públicas e privadas de teleco-

municações, de serviços, e os próprios construtores de equipamentos a litígios

judiciais e a penalizações indemnizatórias.

Além dos estudos teóricos, experimentais, e epidemiológicos já existentes, é de

grande importância exercer um controlo e uma vigilância bastante apertados,

no que respeita aos níveis de radiação de RF emitida, em todos os locais,

públicos, residenciais, e ocupacionais. Somente através dessa vigilância, que

envolve a medição dos níveis de radiação contabilizando as intensidades dos

campos eléctricos e magnéticos e as taxas específicas de absorção, é que se

poderá concluir se um determinado local obedece às recomendações de segu-

rança. Todavia, uma vez que não se conhecem com uma certeza científica

absoluta quais são verdadeiramente os efeitos nocivos das radiações de RF,

convém ter em atenção que, pelo facto dos níveis de exposição de um

determinado local obedecerem rigorosamente às normas de segurança em

vigor, não significa isto que esse lugar seja suficientemente seguro.

No caso de se constatar que existem locais onde as recomendações de

segurança não são cumpridas, isto é, onde os níveis de radiação são

superiores aos limites máximos aconselháveis, devem ser tomadas as devidas

precauções no sentido de se repor a normalidade, por exemplo alterando a

potência das antenas ou reposicionando a sua instalação.

4.8.2. Vigilância de Estações Celulares de Base O rápido desenvolvimento da indústria de comunicações móveis celulares, tem

vindo a resultar na instalação de um número cada vez mais elevado de antenas

de emissão e recepção (base transceiver stations BTSs), as quais são

instaladas em torres, telhados, ou mesmo nas paredes de edifícios. Estas

antenas representam o núcleo de células de um sistema celular, daí a sua

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216

designação. Usualmente, a sua potência de transmissão situa-se entre 20 W e

50 W, sendo dependente do tipo de BTS.

Na prática, as células de maior dimensão podem ser “partidas” em células de

menor dimensão, as quais poderão também ser “partidas” em células ainda de

menor dimensão, conseguindo-se assim diminuir a potência de célula para

célula. Esta divisão permite classificar as células em três tipos: macrocélulas,

microcélulas, e picocélulas.

As macrocélulas representam a estrutura principal da rede de estações, tendo

as suas BTSs potências de saída de algumas dezenas de watt, comunicando

com telefones até cerca de 30 km. As microcélulas são utilizadas para melhorar

a rede principal, especialmente quando a rede se encontra congestionada,

sendo instaladas em diferentes locais, como por exemplo aeroportos, estações

de caminhos de ferro, e grandes superfícies comerciais. Quanto às BTSs para

as picocélulas, têm uma potência de saída reduzida (alguns watts), ainda mais

baixa que a das microcélulas, e são quase sempre instaladas no interior de

edifícios.

Como se sabe, a densidade de potência emitida a partir das antenas diminui

com o inverso do quadrado da distância à antena e, por conseguinte, a

exposição ao nível do solo na vizinhança das torres das antenas é

relativamente baixa quando comparada com a exposição muito próximo da

antena.

A instalação de antenas BTS causa frequentemente uma apreensão signi-

ficativa por parte do público, sobretudo por residentes em áreas muito

próximas, devido aos receios inerentes aos potenciais riscos que a radiação

poderá causar na sua saúde. Além disso, conforme se esquematiza na figura

4.32, o público poderá ficar submetido a radiações emitidas por diversas fontes,

em determinadas circunstâncias, podendo a exposição resultante ultrapassar

largamente os limites máximos de segurança recomendados.

Por outro lado, devido à atenuação inerente aos edifícios, os níveis da densi-

dade de potência no seu interior são, normalmente, 10 a 20 vezes inferiores

aos níveis verificados no exterior, para distâncias similares às antenas.

Todavia, em locais específicos como por exemplo os telhados dos edifícios, e

dependendo da distância às antenas, os níveis de exposição são usualmente

superiores aos níveis máximos de segurança recomendados.

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217

Por conseguinte, o acesso a esses locais deverá ser restringido, assim como

também deverão ser medidos e controlados, os níveis da densidade de

potência nas divisões dos prédios localizadas imediatamente no piso abaixo

dos telhados, sendo ainda de salientar que o nível de radiação nessas divisões

depende fortemente dos materiais utilizados na construção.

Figura 4.32 – Exposição a radiações de RF emitidas por diversas

antenas emissoras/receptoras BTS.

Adicionalmente, e como se esquematiza na figura 4.33, o nível da densidade

de potência na parte traseira das antenas é centenas de vezes inferior ao que

se verifica nos locais situados à sua frente. Quer este facto significar que as

divisões do prédio que se encontram localizadas na parte de trás das antenas

têm níveis de exposição extremamente reduzidos, muitíssimo inferiores aos

limites aconselháveis.

Figura 4.33 – Condições de radiação RFR nas imediações de uma

antena emissora/receptora BTS.

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218

Com o objectivo de se cumprir com a regulamentação em vigor acerca dos

limites máximos de segurança recomendados no que respeita à exposição a

radiações de RF, os operadores de telecomunicações deverão avaliar se os

seus equipamentos, de facto, estão ou não dentro desses limites.

Figura 4.34 – Componentes de uma antena emissora/receptora BTS.

Considere-se então a figura 4.34, onde se esquematizam os vários compo-

nentes de uma BTS. No subcapítulo 4.6, relativo ao estudo da dosimetria dos

campos incidentes, apresentou-se a seguinte expressão:

24 dGP

P ttd

π=

em que Pd representa a densidade de potência sobre uma determinada super-

fície, em W/m2, Pt a potência da antena, em W, d a distância da superfície ao

centro de radiação da antena, em metros, e Gt o rácio de ganho da antena.

Como se tem: 10/10 G

tG =

sendo G o ganho da antena em dB, virá ainda, por substituição:

2

10/

410

dP

PG

td

π=

Por conseguinte, como se têm N transmissores virá para a densidade total:

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219

2

10/

410

dP

NPG

td

π=

Por outro lado, considerando as perdas óhmicas totais do sistema, em dB:

P = perdas no feeder + perdas no combiner + perdas nos cables

a expressão anterior poderá ser reescrita na seguinte forma:

2

10/)(

410

dP

NPPG

td

π

−=

Por conseguinte, se Pd representar o nível máximo da densidade de potência

no ar, recomendado pelas normas de segurança, a distância mínima de segu-

rança à antena será assim:

d

PGt

PPN

dπ4

10 10/)(

min

−=

Exercício Determinar a distância mínima de segurança de uma antena BTS, de acordo

com a regulamentação em vigor, para um técnico de uma empresa de tele-

comunicações, de acordo com as seguintes especificações:

• frequência de operação: 900 MHz

• densidade de potência máxima de exposição, para locais ocupacionais,

e para a frequência de 900 MHz, de acordo com a regulamentação em

vigor: Pd = 30 W/m2

• potência máxima transmitida pela antena: Pt = 50 W

• ganho da antena: G = 16 dB

• perdas totais do sistema: P = 4 dB

• número de transmissores: N = 4

Por substituição de valores, obtém-se:

metros) 3 ( metros9,2304

10504 10/)416(

min ≈=×

××=

πd

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220

De um modo geral, atendendo aos estudos realizados, as medições efectuadas

em locais próximos de BTSs têm mostrado que os níveis de exposição em

locais públicos se encontram muito abaixo dos limites máximos de segurança

recomendados pelas normas em vigor. Todavia, pode suceder que os técnicos

de empresas de telecomunicações fiquem temporariamente sujeitos a níveis de

radiação superiores a esses limites máximos, sobretudo quando se encontram

a trabalhar em telhados ou muito próximo de antenas.

Como exemplo ilustrativo, alguns trabalhos de campo, no que respeita à

medição dos níveis de radiação emitida por antenas de sistemas celulares,

obtiveram os seguintes resultados:

• Em relação a uma antena com uma altura de 45 metros, a densidade de

potência encontrada ao nível do solo, junto à base da antena, foi de

0,00002 mW/cm2 para cada canal de rádio, correspondendo a 0,002

mW/cm2 para os 96 canais, tendo os valores máximos sido medidos

entre 18 m a 25 m da base da antena. A 90 m de distância, os níveis

encontrados foram inferiores a 0,0001 mW/cm2.

• O estudo anterior, de origem americana, foi corroborado por estudos

realizados na Finlândia, onde, a 50 metros de antenas BTS, mediram-se

níveis inferiores a 0,010 mW/cm2, incluindo em pontos situados

directamente no feixe hertziano. Todavia, medições realizadas directa-

mente em feixes emitidos por antenas direccionais GSM com 12 canais,

conduziram a valores inferiores a 1 mW/cm2 a uma distância de 10 m, e

inferiores a 0,010 mW/cm2, para 30 m. Por conseguinte, os níveis de

exposição em telhados poderão ser superiores aos limites máximos

recomendados pelas normas de segurança.

• Num estudo realizado em Vancouver, no Canadá, relativamente a

antenas BTS de sistemas de comunicação rádio pessoais, obtiveram-se,

para a densidade de potência, os valores de 0,00016 mW/cm2 (antenas

situadas ao longo das ruas), 0,0026 mW/cm2 (antena situada no

telhado), e menos que 0,00001 mW/cm2 (longe das antenas), valores

esses bastante abaixo dos limites de segurança recomendados, o que

permitiu concluir da ausência de riscos dos utentes das cinco escolas

envolvidas neste estudo.

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221

• No Reino Unido, as medições realizadas em 118 locais situados nas

imediações de 17 BTSs, obtiveram valores de 0,00083 mW/cm2 a 60 m

de uma antena localizada no telhado de uma escola, tendo os valores

medidos nas salas interiores sido mais reduzidos que os encontrados no

exterior.

4.8.3. Vigilância de Estações de Radiodifusão A intensidade e a localização dos campos radiantes emitidos por antenas de

radiodifusão e TV dependem de diversos factores, como por exemplo o tipo de

estação, as características das antenas, a potência transmitida pelas antenas,

e a distância às antenas.

Em termos gerais, as estações de radiodifusão em AM podem gerar

densidades de potência que excedem 0,0004 mW/cm2, em todos os pontos

dentro de um raio de um quilómetro a partir da antena, e densidades superiores

a 0,04 mW/cm2, em pontos situados num raio de 250 metros. Em medições

realizadas em Sidney, na Austrália, em zonas de exposição a antenas de TV,

foram obtidos valores significativamente diferentes no espaço das habitações,

como por exemplo 3,0 mW/cm2 (no telhado), 0,066 mW/cm2 (na rua), e 0,017

mW/cm2 (nas divisões interiores).

Apesar do acesso às estações de rádio e, consequentemente, às antenas por

parte do grande público ser estritamente proibido, devem-se instalar sinais de

aviso no que respeita aos perigos da exposição às respectivas radiações,

devendo esses avisos ser extensivos aos telhados dos edifícios citadinos de

grande altura, onde normalmente se instalam as antenas.

4.8.4. Vigilância de Radares de Controlo do Tráfego Uma outra situação em que os níveis de exposição poderão atingir limites

superiores aos recomendados pelas normas de segurança, diz respeito aos

agentes de segurança rodoviária que exercem a sua actividade de forma quase

permanente no controlo do volume de tráfego e, essencialmente, no controlo

de velocidade. Esse controlo é realizado utilizando radares fixos, onde os

níveis de exposição dos agentes são extremamente reduzidos devido ao seu

afastamento, ou então radares instalados no interior de viaturas de patrulha,

onde os níveis de exposição são significativamente mais elevados.

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222

Em medições efectuadas nos Estados Unidos, em radares oriundos de dife-

rentes construtores, e instalados nos carros patrulha em diversas posições,

obteve-se um valor máximo nos passageiros de 0,36 mW/cm2, tendo sido o

valor médio de 0,01 mW/cm2. Um outro trabalho experimental, também ame-

ricano, que envolveu 310 unidades de radar escolhidas aleatoriamente,

constatou que, a cerca de 5 cm da face da antena, o nível máximo era de 0,55

mW/cm2, sendo o nível médio de 0,17 mW/cm2.

Um outro estudo, realizado nos Estados Unidos, relativo à exposição directa a

que os agentes de tráfego que manipulam radares instalados em viaturas, e

que envolveu 54 radares de 17 modelos diferentes, operando em 4 bandas de

frequência e com 3 configurações diferentes de antenas, concluiu que, das 812

medições realizadas em relação aos olhos e aos testículos dos agentes

sentados nas viaturas, nenhuma excedeu 0,04 mW/cm2, valor este que repre-

senta um pouco menos de 1 % do nível máximo de segurança recomendado

pelas normas mais conservadoras.

4.8.5. Vigilância dos Níveis de RF em Espaços Abertos Em 1996, a Environmental Protection Agency (EPA), dos Estados Unidos,

publicou os resultados de um levantamento relativo aos campos electro-

magnéticos levado a cabo, desde 1970, em 486 locais previamente selec-

cionados em 15 cidades. As medições foram realizadas a 6,4 metros acima do

solo, e nas seguintes gamas de frequências: 0,5 MHz a 1,6 MHz (banda nor-

malizada de radiodifusão em AM), 54 MHz a 88 MHz (banda VHF de televisão),

88 MHz a 108 MHz (banda normalizada de radiodifusão em FM), 150 MHz a

450 MHz (banda das comunicações móveis terrestres), e 470 MHz a 890 MHz

(banda UHF de televisão).

Os níveis médios de exposição situaram-se entre 0,002 µW/cm2 em S. Fran-

cisco e Chicago, e 0,020 µW/cm2 em Portland, sendo o valor médio ponderado

para as 15 cidades de 0,0048 µW/cm2.

Por outro lado, as percentagens da população exposta a níveis inferiores a

1 µW/cm2 em cada cidade variou de 97,2 % em Washington a 99,99 % em

Houston, com uma média para as 15 cidades igual a 99,44 %., sendo ainda de

destacar o facto da maior contribuição para a exposição provir das estações de

rádio em FM e de televisão.

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223

Um outro estudo experimental, relativamente antigo – publicado em 1977 –,

mas de referência, também realizado nos Estados Unidos, registou um nível de

exposição entre 1 mW/cm2 e 7 mW/cm2 na base da antena de FM situada no

Monte Wilson, na Califórnia.

Ainda relativamente a este mesmo estudo, as medições efectuadas nos

telhados em arranha-céus localizados na vizinhança de antenas transmissoras

de rádio FM e de televisão, conduziram a valores abaixo de 0,01 mW/cm2,

tendo-se no entanto registado níveis de 0,23 mW/cm2 em alguns casos, como

sucedeu, por exemplo, no telhado da Torre Sears em Chicago.

4.8.6. Vigilância de Interferência Electromagnética A interferência electromagnética (electromagnetic interference EMI) representa

uma área recente da engenharia electrotécnica, em todos os domínios, e que

se encontra em rápido crescimento, sendo uma das partes integrantes do

grande tema que é a compatibilidade electromagnética (electromagnetic

compatibility EMC). Este tema da EMC, que explora a capacidade dos equipa-

mentos electrónicos funcionarem sem alterações num ambiente electroma-

gnético, surgiu do facto de existir um elevado número de equipamentos

electrónicos sensíveis, utilizados no dia a dia e, sobretudo, em electromedicina,

que poderão ser susceptíveis de sofrer perturbações no seu desempenho

normal quando rodeados de outras fontes de campos electromagnéticos.

A interferência electromagnética pode afectar rádios, televisores, telefones,

computadores pessoais, aparelhagem de estereofonia, órgãos electrónicos,

sistemas de alarme, campainhas de acesso, e equipamento médico electró-

nico.

a) Interferência Electromagnética em Equipamento Médico O equipamento médico sujeito a interferência inclui cadeiras de rodas,

pacemakers cardíacos, desfibriladores, aquecedores de sangue, bombas

circulatórias, pulmões artificiais, monitores de apneia infantil, e incubadoras,

podendo essa interferência originar sérias consequências ao ponto de colocar

em risco a própria vida.

Os antigos equipamentos médicos, todos eles praticamente com características

electromecânicas clássicas não eram sensíveis a interferências porque, por um

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224

lado, continham muito poucos circuitos electrónicos, e por outro, não existiam

ainda tantos dispositivos e sistemas de alta frequência como por exemplo as

comunicações sem fios e os telefones celulares. Presentemente, os equipa-

mentos de electromedicina atingiram um elevado grau de complexidade,

conjugando em si diversas frequências de funcionamento associadas a

sistemas electromecânicos, conversores electrónicos, e comunicações sem

fios. O preço a pagar por esse desenvolvimento está directamente associado à

sensibilidade que todos esses equipamentos apresentam quando na presença

de campos electromagnéticos. É de salientar que esses equipamentos

encontram-se instalados não só em clínicas e hospitais, mas também em

residências particulares e por vezes implantados nos próprios pacientes.

Na prática, são os seguintes os factores de rádio-interferência que afectam os

equipamentos médicos:

• Ligação electromagnética induzida por fontes de interferência. Esta

situação ocorre normalmente quando o equipamento médico se

encontra dentro da zona de acção das fontes emissoras de radiação.

Por exemplo, as ligações capacitivas acontecem nos locais onde o

campo eléctrico é dominante, como é o caso dos topos das antenas,

enquanto que as ligações de carácter magnético (ou ligações indutivas)

sucedem-se nos locais muito próximos das bases onde se encontram

implantadas as antenas de sistemas celulares. No caso crítico dos

pacemakers cardíacos, a interferência é essencialmente de carácter

indutivo, havendo contudo alguma influência capacitiva, daí que seja

completamente desaconselhável aos portadores de pacemakers a

utilização de telefones celulares, assim como de outros equipamentos

de comunicações sem fios.

Enquanto que as ligações capacitivas e indutivas representam o factor

crítico de interferência electromagnética nos locais muito próximos das

fontes de interferência, nas zonas bastante mais afastadas esse papel é

desempenhado pela frequência dos feixes electromagnéticos, sendo a

interferência máxima quando o comprimento de onda da radiação é

comparável à maior das dimensões do equipamento médico.

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225

• Modulação imposta pelas fontes aos campos emitidos. A técnica de

modulação, sobretudo a modulação de amplitude, AM, é normalmente a

mais significativa na medida em que origina a indução de forças electro-

motrizes de RF nos circuitos electrónicos dos equipamentos, sendo

detectadas nas junções dos dispositivos semicondutores. Saliente-se

que este tipo de interferência ocorre com grande intensidade quando as

frequências de modulação se encontram na passa-banda fisiológica, isto

é, na gama de frequências associadas às funções dos processos fisioló-

gicos desempenhadas pelos equipamentos médicos.

Por outro lado, a presença de objectos situados muito próximo dos equi-

pamentos poderá originar fenómenos de reflexão das ondas incidentes

de rádio-interferência, reflexão essa que, por sua vez, poderá combinar-

-se com as ondas originais produzindo nelas uma modulação de

amplitude junto aos equipamentos. Nestas circunstâncias, se a fre-

quência da modulação se encontrar dentro da gama de frequências dos

processos fisiológicos assegurados pelos aparelhos, então

desencadear-se-á uma situação de interferência.

• Susceptibilidade à Rádio-interferência. Esta situação corresponde

aos equipamentos apresentarem uma função adicional não desejada,

devido à sua exposição a radiação de RF. Durante a década de 1980, o

organismo norte-americano Food and Drug Administration FDA cons-

tatou a morte de aproximadamente 60 crianças que se encontravam a

ser monitorizadas acerca de paragens respiratórias, através de um

monitor de apneia, tendo os testes que se realizaram posteriormente a

esse tipo de monitor detectado a sua extrema susceptibilidade a campos

de RF de nível reduzido, tendo sido voluntariamente retiradas de

serviço, pelos construtores, mais de 16000 unidades.

Outro equipamento que demonstrou apresentar susceptibilidades a

rádio-frequências foi a cadeira de rodas com accionamento e controlo

eléctricos, tendo-se detectado o aparecimento de movimentos aleatórios,

não controlado, em cadeiras instaladas em ambulâncias de emergência

médica quando situadas muito próximas de antenas BTS, movimentos

esses que provocaram a ejecção dos utentes assim como o lançamento

das cadeiras para o exterior das ambulâncias. Posteriormente, todos

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226

estes problemas foram completamente resolvidos pelos respectivos

construtores.

Estes problemas de susceptibilidade envolvem igualmente os

pacemakers cardíacos bem como os desfibriladores, tendo-se cons-

tatado, em diversos países, que a presença muito próxima de telefones

celulares por vezes origina efeitos indesejáveis, sendo o mais referen-

ciado a perda do controlo adaptativo. Todavia, não se notou a existência

de interferência quando o telefone se encontra situado junto ao ouvido,

tendo um grupo de investigadores concluído que a interferência

pacemaker – telefone celular não deveá ser considerada como um caso

de saúde pública, tendo, no entanto, estabelecido um conjunto de

recomendações a seguir por parte dos utilizadores de pacemakers.

Foi ainda concluído que os telefones celulares podem causar inter-

ferência em desfibriladores cardíacos implantados em pacientes, tradu-

zindo-se essa interferência no aparecimento de disparos aleatórios.

Outro equipamento bastante susceptível a interferências, sobretudo por

parte de telefones celulares, é o aparelho auditivo (ou aparelho de

correcção da audição) a ser instalado por detrás do lóbulo da orelha, daí

que os seus utentes não devam ser utilizadores daqueles telefones.

b) Recomendações Relativamente à interferência electromagnética em equipamentos médicos,

deverão ser seguidas as seguintes recomendações, no sentido de se evitar a

sua acção directa, por vezes fatal, nesses equipamentos:

• Realizar medições exaustivas dos níveis de radiação de RF nos

hospitais, clínicas e centros de saúde, com o objectivo de identificar

eventuais problemas de interferência.

• Estimar a susceptibilidade dos equipamentos médicos à exposição a

ondas emitidas por antenas BTS, no sentido dos projectistas desses

equipamentos adequarem os seus projectos futuros à nova realidade,

com o objectivo de tornar os novos aparelhos insensíveis às interfe-

rências de RF.

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227

• Optimizar os sistemas de comunicações sem fios, de modo a torná-los

compatíveis com os equipamentos médicos – as frequências de modu-

lação das antenas transmissoras deverão ter bandas de funcionamento

diferentes das bandas de frequência dos equipamentos.

• Quando uma BTS exterior se encontrar muito próxima de uma zona

hospitalar, ou mesmo quando houver microcélulas BTS instaladas no

interior do edifício hospitalar, os telefones celulares deverão normal-

mente operar com baixos níveis de potência.

• As BTSs, assim como as microcélulas e as picocélulas, deverão ser

instaladas em zonas previamente estudadas, no sentido de não

induzirem interferências indesejáveis.

• Por questões de segurança pessoal máxima, todas as fontes de RF

deverão ser expressamente interditas em áreas hospitalares de grande

sensibilidade, como por exemplo blocos operatórios e salas de cuidados

intensivos.

• Os construtores e os utilizadores tanto de equipamento médico como de

sistemas de transmissão em RF, deverão cooperar estreitamente no

sentido de conseguirem optimizar os seus projectos, de modo a que os

aparelhos médicos possam funcionar sem interferências na presença de

ondas exteriores de RF.

• Mesmo com a garantia de compatibilidade electromagnética, os constru-

tores de equipamento médico hospitalar deverão, por questões de

precaução, informar não só os profissionais de saúde mas também os

pacientes, de que poderão eventualmente ocorrer situações de interfe-

rência electromagnética. Essa informação deverá permitir detectar essas

interferências, descrevendo todos os sintomas associados; explicitar

quais os procedimentos a adoptar de forma a lidar com as interferências;

elaborar relatórios discriminando todas as ocorrências.

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228

CAPÍTULO 5. APLICAÇÕES MÉDICAS E EFEITOS TERAPÊUTICOS DOS CAMPOS ELECTROMAGNÉTICOS

5.1. APLICAÇÕES MÉDICAS 5.1.1. Generalidades Conforme se discriminou, de uma forma detalhada, em capítulos anteriores, o

espectro de frequências tem início na frequência zero, isto é, na corrente

contínua, e termina na banda da radiação electromagnética dos raios gama, da

ordem de 1021 Hz (1012 GHz).

Na sociedade actual, existem bastantes fontes emissoras de campos electro-

magnéticos, encontrando-se a espécie humana, em geral, exposta não só à

influência dos campos naturais, como é o caso do campo magnético terrestre,

mas também à influência dos campos electromagnéticos e da radiação criados

pelo próprio homem, como resultado da sua evolução tecnológica e científica,

na procura do seu bem estar social.

Todavia, a proliferação de campos electromagnéticos com as mais variadas

frequências – dos 50 Hz associados aos sistemas electroprodutores e de

utilização de energia eléctrica, até às centenas de GHz dos sistemas de

comunicações sem fios –, originou, na opinião pública, sobretudo na última

década, uma tomada de consciência acerca da existência ou não de potenciais

riscos para a saúde derivados da exposição a esses campos electro-

magnéticos, essencialmente emitidos por linhas aéreas de transporte de

energia eléctrica em alta e muito alta tensão, e por antenas e telefones

celulares.

Por outro lado, apesar do grande volume de trabalhos de investigação teóricos

e experimentais que têm vindo a ser realizados, no que respeita à explicação

dos mecanismos de interacção entre os campos electromagnéticos e os

sistemas biológicos, não existe ainda uma justificação científica universalmente

aceite para esses mecanismos de interacção, devido às causas já expostas em

capítulos anteriores. Adicionalmente, os desenvolvimentos mais recentes no

domínio da engenharia médica tais como a imagiologia de ressonância

magnética e a estimulação magnética transcraniana, têm igualmente levantado

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229

questões da mesma índole, ou seja, se os campos magnéticos de elevada

densidade, da ordem de 1 tesla, exercem ou não alguma influência na saúde.

Em contrapartida, os campos magnéticos de fraca densidade – entre 1 mT e

200 mT –, têm vindo a ser utilizados com fins terapêuticos, num número

crescente de aplicações, como por exemplo na redução da dor, na reparação

de tecidos, no tratamento do cancro e da artrite reumatóide, como se verá mais

adiante.

5.1.2. Fenómenos Biomagnéticos No referencial logarítmico da figura 5.1, com a densidade de fluxo magnético

em ordenadas e as frequências em abcissas, mostram-se os diversos

fenómenos biomagnéticos e a sua caracterização em termos da densidade de

fluxo e da frequência. Como resultado dos estudos efectuados sobre os efeitos

biológicos dos campos electromagnéticos, tem vindo a acontecer um desen-

volvimento notável nas aplicações médicas desses campos, incentivada pelo

aperfeiçoamento da tecnologia dos magnetos supercondutores de elevada

intensidade de campo.

Figura 5. 1 – Fenómenos biomagnéticos utilizados em aplicações médicas

e terapêuticas.

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230

Essas aplicações médicas incluem Tomografia Axial Computorizada TAC, a

estimulação magnética transcraniana (Transcranial Magnetic Stimulation TMS),

que estimula o córtex cerebral humano com uma resolução espacial da ordem

do milímetro, através de uma bobina de excitação colocada sobre o crânio, e o

sistema de interferência supercondutora quântica (Superconducting Quantum

Interference Device SQUID), que permite obter imagens tridimensionais das

funções cerebrais através da imagiologia de ressonância magnética (Magnetic

Ressonance Imaging MRI), da imagiologia de ressonância magnética funcional

(functional Magnetic Ressonance Imaging fMRI), e da magneto-encefalografia

(Magneto-EncephaloGraphy MEG). As técnicas de TMS associadas às

técnicas de imagiologia representam um elevado potencial de aplicações nas

ciências do cérebro e da neuropsiquiatria clínica. Saliente-se, para melhor

compreensão relativamente à TMS, que, quando se faz circular uma corrente

de elevada intensidade na bobina de excitação durante 0,1 ms a 0,2 ms, é

induzido um campo magnético de 1 T.

Os recentes desenvolvimentos das tecnologias não invasivas de medição das

funções cerebrais, tais como a MEG e a fMRI, têm vindo a contribuir para o

rápido progresso da investigação em ciências cerebrais, tornando possível as

discussões e análises dessas funções, em termos das actividades psico-

motoras e associadas ao raciocínio – alegria, prazer, felicidade, êxtase, raiva,

fúria, ódio, cólera, tristeza, melancolia, ansiedade. Outras investigações recen-

tes demonstraram que a acção de campos magnéticos originam alterações

magnéticas na coagulação sanguínea, assim como na orientação dos bio-

polímetros, o que introduz novos aspectos nas aplicações biomagnéticas na

regulação dos sistemas vivos e dos materiais biológicos.

Relativamente a outros órgãos fundamentais do corpo humano, como é o caso

dos pulmões e do coração, são também utilizadas, respectivamente, técnicas

de magneto-pneumografia (MagnetoPneumoGraphy MPG), e de magneto-

cardiografia (MagnetoCardioGraphy MCG).

5.1.3. Estimulação Magnética Transcraniana TMS Esta técnica, não invasiva, consiste em aplicar, localmente no crânio, uma

estimulação magnética dirigida ao cérebro, através de um campo magnético

pulsante com uma densidade muito elevada, da ordem de 1 T, induzido durante

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231

150 µs por uma corrente de grande intensidade ao circular na bobina de

excitação colocada na cabeça do paciente. Esse campo induz assim correntes

de Foucault no cérebro, correntes essas que excitam o sistema nervoso, tendo

contribuído, nas primeiras aplicações datadas de finais da década de 1980,

para a criação de mapas funcionais da área do córtex associada à actividade

motora relacionada com as mãos e com os pés.

Os desenvolvimentos recentes dos aparelhos TMS estereotácteis de estimu-

lação cerebral navegada (Navigated Brain Stimulation NBS), permitem obter,

de uma forma não invasiva, o mapeamento da representação espacial e

temporal de qualquer actividade cerebral que reaja a estímulos magnéticos,

como as actividades sensoriais, motoras, cognitivas, e a linguagem.

Apesar da TMS poder causar alguns problemas, como por exemplo os distúr-

bios funcionais do cérebro, com as consequentes lesões, existem grandes

expectativas no sentido dessa técnica contribuir para uma nova era nas

ciências do cérebro, sendo os efeitos terapêuticos das curas e correcções de

doenças e distúrbios neurológicos possivelmente a sua grande área de

aplicação médica.

Existe uma evidência muito acentuada de que a expressão de determinados

genes assim como algumas funções cerebrais, sofrem uma alteração como

resposta à TMS repetitiva, podendo contribuir de uma forma benéfica para o

tratamento de desordens afectivas e da doença de Parkinson. Além disso,

poderá contribuir igualmente para restaurar danos cerebrais, ao interagir com a

expressão genética.

Saliente-se que a TMS não causa qualquer tipo de dor, e não requer uma

invasão física do corpo, podendo vir a ser adoptada como meio de diagnóstico

e terapêutico. Na investigação das funções cerebrais, a aplicação da

estimulação magnética para o bloqueio temporário ou para a modificação do

processo de informação facultativa, assim como do processo cognitivo de

diversos sistemas sensoriais, poderá ser utilizada para identificar a localização

e a ligação das cadeias das funções cerebrais. Ou seja, se a estimulação

magnética pode efectivamente bloquear e modificar vários sistemas sensoriais,

será com toda a certeza vantajosa para o tratamento da dor. A investigação

sobre a compensação e a reconstrução magnética das funções neuronais em

redor de neurónios com danos, poderá conduzir ao desenvolvimento de várias

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232

aplicações de estimulação baseada em campos magnéticos, incluindo o

tratamento da depressão, a prevenção da demência, e o tratamento magnético

por impulsos, mais seguro e mais efectivo, que substituirá a terapia electro-

convulsiva de corrente (Current Electroconvulsive Therapy ECT).

5.1.4. Magneto-encefalografia MEG Esta técnica consiste na medição dos campos magnéticos de muito baixa den-

sidade, da ordem de 10-13 T, gerados pelas correntes neuronais, campos esses

detectados através da SQUID. A MEG consegue detectar as funções cerebrais

com uma resolução temporal da ordem do milissegundo, e com uma resolução

espacial não invasiva da ordem do milímetro, sendo assim fundamental para a

investigação das funções cerebrais como a memória e a cognição.

Através dos resultados obtidos associados com a memória de curta duração, a

cognição, e a rotação mental, conseguiu-se já, em 1991, construir dois modelos

no sentido de explicar cientificamente o funcionamento do cérebro – o modelo

dipolar de corrente, e o modelo de distribuição das fontes eléctricas intra-

cerebrais –, assim como estimar a localização de várias funções do cérebro

durante o processo de informação. A fonte eléctrica de uma reacção visual

evocada, com aproximadamente 150 ms de latência, localizada no córtex visual

primário, foi descrita relativamente bem através do modelo dipolar de corrente,

enquanto que o modelo de distribuição das fontes eléctricas intracerebrais é

mais usual na estimação da fonte eléctrica incidente para uma rotação mental

com uma latência de aproximadamente 180 ms ou um pouco superior.

A imagiologia baseada na MEG permitiu ainda a realização de estudos inte-

ressantes relacionados com a linguagem e com o entendimento de melodias

musicais, realizados no final da década de 1990 e em 2005. Os estudos

relacionados com a linguagem tiveram como objectivo a examinação das

características temporais e topográficas das actividades neuronais associadas

à compreensão da língua japonesa e da língua coreana, enquanto que as

experiências com música tiveram como finalidade analisar não só o modo

como a actividade cerebral se reflectia na audição de notas musicais suces-

sivas, mas também como essa actividade variava em função do treino e

experiência musical dos ouvintes.

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233

A MEG, dentro de muito pouco tempo, será possivelmente uma técnica essen-

cial na investigação das funções cerebrais, como complemento de uma outra

técnica igualmente não invasiva, e que já é utilizada há dezenas de anos – a

electroencefalografia EEG –, que apresenta uma resolução temporal da ordem

do milissegundo e permite a localização das funções cerebrais e de eventuais

anomalias, através da captação dos sinais eléctricos emitidos pelo cérebro. As

aplicações médicas futuras incluem a detecção de ataques epilépticos, a

medição de ondas electromagnéticas muito fracas associadas à existência de

tumores e de doenças vasculares cerebrais, assim como a medição da acti-

vidade eléctrica cerebral induzida por campos electromagnéticos de extrema-

mente reduzida frequência emitidos por fontes exteriores.

5.1.5. Imagiologia de Ressonância Magnética MRI A MRI combina em si as técnicas dos campos magnéticos espaciais uniformes

e estacionários, dos campos magnéticos espaciais gradientes, e dos campos

electromagnéticos de RF. As normas de segurança elaboradas pela

International Commission on Non-Ionizing Radiation Protection (ICNIRP),

aconselham 2 T como limite máximo da exposição do corpo humano a campos

magnéticos, excepto para os membros superiores e inferiores, sendo utilizados

nas aplicações clínicas da MRI, controladas por médicos e técnicos de saúde

especializados, níveis de exposição até 2 T ou menos, usualmente 1,5 T.

A MRI de fenómenos eléctricos em seres vivos representa uma potencial

aplicação médica não só para a evolução quantitativa dos efeitos biológicos

dos campos electromagnéticos, mas também para a detecção directa das

actividades neuronais eléctricas no cérebro. Atendendo a que os campos

magnéticos ao incidirem num objecto originam uma alteração na sua

frequência de ressonância, e uma mudança na fase dos sinais da ressonância

magnética, as distribuições espaciais de um campo magnético aplicado

exteriormente e de uma corrente eléctrica podem ser estimados através dessas

alterações nos sinais da ressonância magnética. Por conseguinte, estes

métodos poderão ser utilizados em determinadas aplicações médicas, como

por exemplo a imagiologia das distribuições de corrente na desfibrilação

eléctrica do coração, assim como a observação dinâmica da localização das

funções cerebrais.

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234

5.2. EFEITOS TERAPÊUTICOS 5.2.1. Generalidades Como se escreveu no prefácio, o pai do bio-electromagnetismo é Hipócrates,

que tentou, pela primeira vez, curar cancros mamários através da exposição à

radiação electromagnética do sol. 2000 anos mais tarde, já no século XVIII,

Luigi Galvani tentou tratar tumores, aneurismas e hemorragias através da

aplicação de energia eléctrica aos tecidos humanos, e, em 1840, Recamier e

Pravaz mostraram um método de destruição de células cancerígenas no útero,

por meio da utilização de electricidade, prática essa que rapidamente se tornou

uma aplicação usual, tendo Fabre-Paloprat e Petrequin efectuado estudos

importantes sobre esta matéria. Pichard, em 1946, alertou para o seu uso

exagerado. Devido aos estudos de Helmholtz, Kelvin e Hertz, passou a utilizar-

-se a corrente alternada sinusoidal e, em 1869, Joubert mediu o grau relativo

das contracções musculares em ligação a correntes de alta frequência em

batráquios, enquanto que, em 1891, o francês d’Arsonval (1851-1940)

ultrapassou o estádio da utilização das correntes eléctricas contínuas nos

tecidos, ao proceder a experiências de auto-indução utilizando bobinas de

excitação cilíndricas que envolviam o corpo dos seus pacientes. Em mais de

2500 experiências, constituídas por sessões de 20 minutos em que a corrente

de excitação tinha uma intensidade de 450 mA, d’Arsonval demonstrou ser

possível conseguir melhorias em doentes com reumatismo e artrites. Outros

cientistas contemporâneos de d’Arsonval, como foi o caso de Nikola Tesla

(1856-1943) e de Thomson (1853-1937) contribuíram para o desenvolvimento

dos efeitos terapêuticos das ondas electromagnéticas de rádio-frequência. A

partir de 1926, as técnicas cirúrgicas passaram a incluir esses efeitos

terapêuticos em operações sensíveis ao cérebro, ao fígado, e à próstata, para

tratar hemorragias e para controlar a multiplicação precária de células.

5.2.2. Tratamento de Fracturas Ósseas Entre 1900 e 1960, enquanto que o interesse na electroterapia se encontrava

em recessão, em contrapartida desenvolveram-se gradualmente os modernos

princípios da fisiologia neuromuscular, incluindo claramente uma função

essencial para a estimulação eléctrica. Como resultado, os maiores avanços

deram-se nas últimas três décadas desse período, tendo-se expandido a

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235

electro-terapêutica à potencial correcção de tecidos e órgãos com membranas

excitadas electricamente, como por exemplo os nervos e os músculos, tendo-

se hoje em dia o coração, o diafragma, a espinal medula, e os músculos

paralizados, a serem estimulados electro-terapeuticamente.

Por outro lado, a descoberta das propriedades electromecânicas dos tecidos

ósseos permitiu concluir que a adaptação mecânica dos ossos poderá ser

interpretada em termos dos seus potenciais electromecânicos, teoria esta

proposta por um cientista japonês, já no longínquo ano de 1957, e à qual

propôs a designação de propriedade piezoeléctrica dos ossos. Como

consequência, foi estabelecido que esse efeito piezoeléctrico surge apenas

quando se aplica uma força tangencial (ou de cisalhamento) às fibras ósseas

de colagénio, tornando-as escorregadias entre elas.

Em termos gerais, as propriedades eléctricas das substâncias biológicas

podem ser divididas em dois grupos:

• Propriedades activas, que descrevem a capacidade das substâncias

biológicas para gerar campos e potenciais eléctricos – cérebro, sis-

tema nervoso, coração, nervos, e músculos.

• Propriedades passivas, que caracterizam as reacções das substân-

cias biológicas quando são estimuladas exteriormente através da

aplicação de campos eléctricos e magnéticos – ossos, pele, e tendões.

Na realidade, os ossos são materiais compósitos e heterogéneos, com estru-

turas diferentes entre si e mesmo dentro de cada osso próprio, tendo como

consequência que o seu módulo de elasticidade (ou módulo de Young), é

variável de ponto para ponto, variando este parâmetro com a orientação devido

ainda à anisotropia do osso. Do ponto de vista eléctrico, provou-se que num

osso que se encontre num estado cantiléver, isto é, com uma fractura perpen-

dicular ao seu eixo, gera-se um potencial negativo no lado do osso que se

encontra em compressão, e um potencial positivo no lado oposto, que se

encontra em tracção. Na sequência desta constatação, existem resultados

experimentais que provam que, ao induzirem-se correntes eléctricas da ordem

do microampére, poder-se-á acelerar a formação de novo material ósseo,

próximo do eléctrodo negativo, tendo ainda sido observado que a acumulação

de cargas eléctricas negativas no lado côncavo de um osso defeituoso, por

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236

exemplo curvado ou torto, origina a sua regeneração, devido à remoção de

material ósseo proveniente do lado convexo, onde se verifica a acumulação de

cargas eléctricas positivas. Ou seja, este processo regenerativo corresponde,

em termos similares, ao fenómeno electrolítico, sobejamente conhecido. É

exactamente este fenómeno que permite, através da estimulação eléctrica,

contribuir potencialmente para o tratamento de problemas ósseos – fracturas,

defeitos, e atrasos no desenvolvimento –, osteonecrose, pseudoartrose, e

osteoporose.

Outros trabalhos de investigação mostram que o material biológico que compõe

os ossos é um material ferroeléctrico, isto é, magnetoeléctrico, com uma

estrutura constituída por dipolos que são susceptíveis de se reorientarem como

resultado de um estímulo eléctrico aplicado exteriormente. Como conse-

quência, a força mecânica gerada no osso origina uma rotação dos dipolos,

provocando por sua vez um deslocamento de cargas eléctricas, deslocamento

esse que é tanto maior quanto mais elevado for o estímulo exterior. Deste

modo, existirá uma concentração de cargas eléctricas de sinais contrários em

ambos os lados do osso.

De uma forma geral, existem três tipos de terapêuticas clínicas associadas à

estimulação eléctrica, com o objectivo de assistir e acelerar o tratamento de

fracturas ósseas:

• Através de eléctrodos. A implantação destes eléctrodos, sendo uma

técnica invasiva, requer uma intervenção cirúrgica que abre a porta

para potenciais infecções. Adicionalmente, ocorre todo um conjunto de

fenómenos eléctricos na superfície dos eléctrodos, como a electrólise e

a indução de forças electromotrizes parasitas, cuja intensidade

depende da tensão utilizada, do material do eléctrodo, e das suas

características superficiais. No ânodo, geram-se situações de corrosão

electroquímica, mesmo com intensidades de corrente muito reduzidas,

existindo outros inconvenientes como sejam a impossibilidade de não

se conhecerem previamente todos os trajectos por onde circulará a

corrente de estimulação, e a utilização de cátodos com uma superfície

significativa, ou de vários cátodos, quando as dimensões anatómicas

são grandes.

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237

• Através de campos eléctricos com ligação capacitiva, Capacitively

Coupled Coupled Electric Fields (CCEF). Esta técnica não invasiva

consiste em aplicar externamente sobre a pele, no local da fractura,

dois eléctrodos planos, aos quais se aplica uma diferença de potencial

reduzida, de alta frequência, que dará origem a um campo eléctrico

entre as placas, semelhante ao de um condensador, e que irá estimular

electricamente os tecidos ósseos na zona da fractura, acelerando a sua

regeneração.

• Através de campos electromagnéticos pulsantes, Pulsed Electro-

Magnetic Fields (PEMF). Esta técnica, de indução ou ligação

magnética, igualmente não invasiva, por conseguinte não indutora de

potenciais infecções pós-cirúrgicas, consiste em aplicar bobinas de

excitação sobre a pele do paciente, de forma a envolver a zona da

fractura. Quando essas bobinas são excitadas através de uma corrente

eléctrica, aplicada sob a forma de impulsos, gera-se um campo

electromagnético de indução, o qual, por sua vez, dará origem a uma

corrente eléctrica de reduzida intensidade que irá estimular os tecidos

ósseos na zona da fractura.

Saliente-se que, para ambas as técnicas não invasivas (CCEF e PEMF), o

objectivo é gerar uma corrente eléctrica de baixa intensidade que estimule

electricamente as células ósseas com o objectivo de promover a regeneração

de fracturas. Todavia, a diferença reside no modo de obtenção – na CCEF tem-

-se uma corrente de carácter capacitivo, gerada por duas placas (armaduras)

situadas na pele entre a fractura, enquanto que na PEMF se tem uma corrente

de carácter indutivo, gerada por duas bobinas de excitação situadas fisio-

logicamente como as armaduras do sistema capacitivo. Nos Estados Unidos, a

taxa de sucesso da CCEF situa-se entre 70 % e 77 %, enquanto que a da

PEMF se encontra num intervalo de 72 % a 87 %.

A utilização de técnicas não invasivas na cura de fracturas ósseas, representa

um procedimento bastante mais limpo, no sentido de não carecer de cirurgias e

das suas potenciais infecções pós-operatórias, mas também mais económico

em termos de saúde pública, na medida em que é uma terapêutica muito

simples, para um tipo de ocorrência cada vez mais frequente. Evidentemente

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238

que, no que respeita a fracturas expostas, é inevitável a cirurgia correctiva,

sendo a estimulação eléctrica extremamente útil na cura de fracturas não

expostas, e na recuperação de pós-operatórios que sofreram aquele tipo de

fracturas ou que, em resultado das operações, o processo de união óssea não

esteja a decorrer como seria esperado. Para se avaliar a dimensão social deste

problema, no que respeita à saúde pública, ocorrem cerca de 5,6 milhões de

fracturas só nos Estados Unidos, das quais entre 5 % a 10 % não são curadas

convenientemente.

Figura 5.2 – Equipamento de Tomografia Axial Computorizada (Siemens).

Figura 5.3 – Equipamento de Ressonância Magnética de 1,5 T (Siemens).

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239

Figura 5.4 – Equipamento de Ressonância Magnética de 3 T (Siemens).

Figura 5.5 – Imagem de um tumor cerebral, obtida através de

ressonância magnética (Siemens).

5.2.3. Osteoporose Os ossos são constituídos por dois componentes, isto é, os componentes

corticais e trabeculares, os quais, no seu conjunto, conferem aos ossos a sua

dureza e robustez. Em termos de caracterização, o osso cortical é um tecido

denso e compacto, enquanto que o osso trabecular é poroso e esponjoso, e

tem uma estrutura rendilhada similar a uma colmeia, sendo metabolicamente

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240

mais activo que o osso cortical, daí ser mais sensível aos factores associados

ao aumento ou à diminuição da massa óssea.

Por definição, a osteoporose é uma doença metabólica da estrutura óssea,

irreversível, sendo caracterizada pela redução da massa dos ossos e pela sua

alteração estrutural, aumentando de forma significativa a sua fragilidade. Em

termos microscópicos, o tecido trabecular fragiliza-se, aumentando o seu

rendilhado devido à fragilização do tecido e à sua perfuração. No que respeita

ao tecido cortical, aumenta igualmente a sua fragilidade sobretudo em idosos.

Na prática, a robustez mecânica dos ossos afectados pela osteoporose reduz-

-se drasticamente, tornando-se muito mais frágeis e susceptíveis de sofrerem

fracturas, quando comparados com os ossos considerados normais.

Figura 5.6 – Dispositivo de campos electromagnéticos pulsantes (PEMF).

A etiologia da osteoporose é heterogénea e multifactorial, devendo ser dividida

em duas áreas – desmineralização óssea e fracturas:

• O esqueleto humano existe num estado dinâmico de balanço entre a

formação óssea e a reabsorção óssea. Por conseguinte, a osteoporose

pode ser devida a uma diminuição da formação óssea ou a um aumento

da reabsorção, ou seja, por outras palavras, a osteoporose é devida à

perda daquele balanço, com a consequente desmineralização e a perda

de massa óssea, conduzindo frequentemente a fracturas.

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241

• O valor máximo da massa óssea, usualmente definido, em termos

clínicos, como sendo a mais elevada densidade óssea que um indivíduo

atinge como resultado do normal desenvolvimento do seu esqueleto,

desempenha um papel fundamental, crítico, na determinação das

fracturas dos ossos. Adicionalmente, existem outros factores como

sejam as características das quedas sofridas pelos pacientes, as micro-

-fracturas recorrentes, a geometria dos ossos, o seu teor de medula, e a

relação entre as quantidades de tecidos corticais e trabeculares, que são

igualmente muito determinantes para a ocorrência de fracturas.

A osteoporose representa actualmente talvez a enfermidade de maior

dimensão, em termos de saúde pública, sobretudo nos países mais desen-

volvidos, devido essencialmente ao aumento da esperança média de vida. Por

exemplo, nos Estados Unidos esta doença afecta cerca de 25 milhões de

pessoas e é a responsável directa por cerca de 1,5 milhões de fracturas por

ano, que incluem 700 mil fracturas da coluna, 250 mil fracturas da bacia, 250

mil fracturas do antebraço, e 300 mil fracturas em outros locais dos membros

superiores e inferiores.

Em termos económicos, os custos directos e indirectos são elevados, com

tendência para aumentar. Ainda relativamente aos Estados Unidos, esses

custos são estimados em 10 biliões de dólares por ano. Extrapolando os

valores actuais para os próximos dez anos, calcula-se que, no grupo etário de

indivíduos do sexo feminino com uma idade igual ou superior a 45 anos, o

número de fracturas seja de 5,2 milhões, as perdas de produção sejam iguais a

2 milhões de “pessoas x ano”, e os custos médicos directos ascendam a 45

biliões de dólares.

Atendendo a esses valores, é pertinente que a gestão do problema da osteo-

porose e das fracturas consequentes, compreenda toda uma acção concertada

que inclui o diagnóstico, a prevenção e o tratamento, no sentido da sua

detecção precoce. Em termos gerais, a prevenção desta doença inicia-se com

a educação do público, assim como dos médicos responsáveis pelos cuidados

primários de saúde, na medida em que a redução da massa óssea é um

fenómeno lento e gradual, daí que a osteoporose seja considerada uma

doença silenciosa. O risco de desenvolvimento desta doença pode ser reduzido

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242

seja pelo aumento máximo possível da massa óssea até à idade crítica, que se

situa entre os 30 e os 40 anos, seja pela diminuição da taxa de redução de

tecido ósseo. A adopção destas medidas passa inevitavelmente pela prática

de um modo de vida saudável – alimentação rica em cálcio, proteínas, e vita-

mina D, actividade desportiva regular, não fumar, evitar o consumo de bebidas

alcoólicas, e evitar o consumo de cafeína.

Em termos clínicos, a grandeza que melhor reflecte os riscos de fractura é a

densidade mineral óssea ou densitometria óssea (bone mineral density BMD),

sendo medida pelos seguintes métodos:

• Absorciometria de raios X de dupla energia (dual-energy x-ray absor-

ptiometry DXA), que é uma das técnicas mais utilizadas, por ser

precisa, sensível, e rápida, expondo os pacientes a doses de radiação

muito reduzidas.

• Tomografia periférica computorizada, densitometria de raios X de

simples e de dupla energia, absorciometria radiográfica, e ultrasons.

Saliente-se que cada uma destas técnicas apresenta o diagnóstico mais

completo e optimizado em função do local e da zona onde se pretende medir a

BMD – a DXA é a mais aconselhável para medir a BMD na coluna, no fémur, e

na totalidade do corpo; a tomografia periférica computorizada para o rádio; a

densitometria de raios X de simples energia para a coluna; a densitometria de

raios X de dupla energia para o rádio; e os ultrasons para o calcanhar, a rótula,

e a tíbia.

Tal como sucede há cerca de 25 anos com a regeneração de fracturas e

defeitos ósseos, conseguida através da estimulação magnética (PEMF), a

utilização desta técnica representa um potencial modo de tratamento não

invasivo e não farmacológico da osteoporose, tendo sido já levadas a cabo

diversas experiências com algum sucesso.

5.2.4. Esclerose Múltipla Estima-se que entre 10 % a 20 % dos pacientes de esclerose múltipla apre-

sentam um percurso crónico progressivo, caracterizado por uma degradação

progressiva, irreversível, que tem o seu início tendencialmente numa idade

avançada, e que apresenta tipicamente em primeiro lugar distúrbios motores

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243

envolvendo a capacidade de mobilidade e a fraqueza dos membros inferiores,

assim como uma incidência elevada de deficiências cognitivas. Quando a

doença se manifesta em idades inferiores a 35 anos, os primeiros sintomas, de

natureza sensorial, podem ser precocemente detectados através de um

prognóstico correctamente elaborado. Em contrapartida, quando os sinais são

já de origem motora, incluindo fraqueza, espasmos, e sintomas cerebelares,

não houve prognóstico ou então esses sinais foram mal interpretados. Ou seja,

quando os sintomas cerebelares ou piramidais surgem dentro de 5 anos após o

início da doença, tudo indicia que existiu deficiência no prognóstico, sendo de

salientar que esses sintomas são mais graves no homem que na mulher.

Presentemente, não existe nenhuma modalidade de tratamento farmacológico

que tenha demonstrado efeitos benéficos a longo prazo relativamente aos

sintomas da esclerose múltipla, não existindo igualmente modalidades tera-

pêuticas específicas que retardem e invertam a esclerose múltipla progressiva.

Na prática, muitos dos sintomas podem ser geridos e atenuados recorrendo-se

a fármacos – os espasmos e convulsões são atenuados com baclofen ou com

diazepam, a fadiga crónica consegue responder ao tratamento com

amantadina, a dor pode ser tratada com amitriptilina ou com carbamazepina, e

a incontinência urinária pode ser controlada através de uma cateterização

intermitente e/ou da administração de medicamentos anticolinérgicos.

Em contrapartida, tem vindo a demonstrar-se clinicamente que a aplicação

transcortical de campos electromagnéticos da ordem do picotesla (10-12 T),

representa a modalidade mais segura e altamente eficiente para o tratamento

sintomático da esclerose múltipla, e é presentemente a única terapia que tem

de facto provado que conduz a melhorias e ao retrocesso do decurso clínico

em doentes diagnosticados com esclerose múltipla progressiva.

Por outro lado, o controlo da euforia, da depressão e da instabilidade

emocional, torna-se mais problemático, na medida em que a maioria dos

pacientes não reage eficazmente a uma medicação antidepressiva. A utilização

de placebos é ineficaz, na medida em que se provou que a aplicação falsa de

campos magnéticos em pacientes, em ocasiões separadas, não produziu

quaisquer efeitos clínicos. Somente a aplicação de campos magnéticos é que

originou mudanças fisiológicas rápidas, como a redução da tensão arterial e da

pulsação, relaxamento, sonolência, e arrefecimento das extremidades. Além

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244

disso, é improvável que as melhorias nos sintomas se devam apenas a um

retrocesso expontâneo.

De um modo subjectivo, em relação a um paciente, foi constatado que o

tratamento magnético produziu melhorias relativas entre 50 % a 60 %,

resultado esse que foi suportado por pesquisas neurológicas objectivas.

Adicionalmente, alguns dos sintomas sentidos pelo paciente, como vertigens

intermitentes, fadiga, dores de cabeça, disfunções da vesícula, depressão, e

disfunções sexuais, foram melhorados com a aplicação desse tratamento,

tendo sido igualmente reportadas melhorias na sintomatologia cerebelar.

Todavia, não deixa de ser intrigante do ponto de vista científico, como é que a

aplicação a esse paciente de um campo magnético de 7,5 pT, externo, e de

curta duração, foi capaz de ter originado uma melhoria tão significativa nos

sintomas da sua esclerose múltipla progressiva, tanto mais que não reagiu a

um placebo magnético, como se salientou atrás. A resposta a esta estimulação

magnética cerebral externa atesta a sensibilidade do cérebro humano a

campos magnéticos da ordem do pT e, potencialmente, como conclusão, a

campos magnéticos ambientais.

Como conclusão, poder-se-á afirmar que este método de tratamento, não

invasivo, se se provar a sua eficácia num conjunto significativo de pacientes,

poderá constituir uma modalidade clínica eficaz no controlo e recessão da

esclerose múltipla progressiva.

5.2.5. Sistema Neurológico Durante mais de 40 anos, era prática corrente utilizar-se a terapia de electro-

choques no tratamento de doenças e anomalias do foro psiquiátrico, sendo os

seus principais inconvenientes não só a necessidade de se aplicar anestésicos,

mas também a deterioração das faculdades cognitivas dos pacientes. A

despeito da eficiência deste método clínico, a terapia que se veio a impor

consistiu na administração gradual de medicamentos, com efeito nos

receptores neuronais, terapia essa que é exclusiva actualmente.

Contrariamente aos electrochoques, a estimulação magnética transcraniana

(TMS) induz um estímulo eléctrico altamente localizado numa determinada

região do cérebro, e com uma diferença de potencial muitíssimo mais reduzida,

tendo-se constatado recentemente que esta terapêutica poderá ser utilizada no

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245

tratamento da depressão. Nesta técnica de TMS, faz-se circular uma corrente

de elevada intensidade, por impulsos, através de uma bobina de excitação

instalada tangencialmente ao couro cabeludo e centrada na parte superior da

cabeça.

Essa corrente eléctrica, variável no tempo, induz, por sua vez, um campo

magnético de intensidade relativamente elevada, também variável no tempo, e

com uma direcção perpendicular ao plano da bobina, ou seja, perpendicular à

cabeça do paciente. Como esse campo magnético é variável no tempo, através

da lei de indução de Faraday será gerado um campo eléctrico nos tecidos

cerebrais, que se traduzirá pelo aparecimento de uma corrente eléctrica que

circulará nesses tecidos. Saliente-se que, como as linhas de força do campo

magnético atravessam totalmente o crânio, o dimensionamento da estimu-

lação é facilmente executado, na medida em que essas linhas contribuem prati-

camente todas elas para a indução das correntes de estimulação cerebrais.

Além disso, esta terapêutica não implica qualquer dor ou outra sintomatologia

para os pacientes.

A terapêutica TMS foi originalmente desenvolvida como um meio de

diagnóstico para a investigação de distúrbios neurológicos, particularmente o

funcionamento fisiológico das funções motoras. Contudo, esta metodologia

também permite a examinação não invasiva das funções superiores do

cérebro, isto é, a atenção, a memória, e a fala. Em trabalhos de investigação

publicados a partir de 1996, foi reportado que os pacientes com doença de

Parkinson e com enxaquecas podem beneficiar da terapêutica TMS,

terapêutica esta que, aplicada repetitivamente, pode conduzir a melhorias em

doentes com depressão, com psicoses obsessivas e compulsivas, e com stress

pós-traumático.

A patofisiologia dos distúrbios psiquiátricos deve ser conceptualizada em

termos de uma disfunção dos circuitos neuronais e dos neurónios a um nível

celular e molecular, sendo a TMS aconselhável para a investigação desses

mecanismos biológicos.

As correntes induzidas nos tecidos cerebrais têm os seus circuitos

perpendiculares à direcção do campo eléctrico induzido, ou seja, paralelos ao

plano da bobina de estimulação, e, sendo essa bobina instalada tangen-

cialmente ao escalpe, esses circuitos são paralelos à superfície cortical do

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246

cérebro, resultando numa activação dos elementos neuronais orientados

horizontalmente, isto é, paralelos àquela superfície cortical. Esta activação

suporta a hipótese de que, pelo menos com estimulações de baixa intensidade,

são activadas as células pitamidais, contudo estas estimulações dependerão

certamente da intensidade das próprias estimulações, da orientação da bobina,

da condutividade dos tecidos, e da orientação das fibras nervosas.

5.2.6. Radioterapia Como se salientou em capítulos anteriores, as ondas electromagnéticas, que

se podem também designar por radiação electromagnética, são classificadas

em dois grandes grupos, consoante a gama de frequências e a energia

associada a cada fotão:

• Radiação não-ionizante, que compreende as ondas de frequência

reduzidíssima, a radiação de rádio-frequência, a radiação infravermelha,

a luz visível, e parte da radiação ultravioleta, estando a frequência

compreendida entre 0 Hz (corrente contínua) e sensivelmente 3x1017 Hz

(3x108 GHz), e a correspondente energia dos fotões entre 0 eV e

aproximadamente 1200 eV. Como esta energia é reduzida, os fotões

não têm capacidade para extrair electrões das órbitas atómicas dos

materiais onde penetram, mantendo-se assim os átomos electricamente

neutros.

• Radiação ionizante, que compreende parte da radiação ultravioleta, os

raios X e os raios gama, estando a frequência compreendida

sensivelmente entre 3x1017 Hz (3x108 GHz) e 3x1022 Hz (3x1013 GHz), e

a correspondente energia dos fotões entre 1200 eV e 12,4x107 eV.

Como estas energias são extremamente elevadas, os fotões têm

capacidade para extrair electrões dos átomos dos materiais onde

penetram, transformando assim esses átomos em iões.

Note-se que a separação entre radiação não-ionizante e radiação ionizante é

comummente aceite encontrar-se na linha divisória situada na região

ultravioleta, linha essa para a qual se tem um comprimento de onda no vácuo

λ = 1 nm = 10-9 m, daí que se tenha, na fronteira, respectivamente os seguintes

valores de frequência e da energia dos fotões da radiação:

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247

f = c / λ = 3x108 (m/s) / 10-9 (m) = 3x1017 Hz

eV = h f = 4,135667x10-15 (eVs) x 3x1017 (Hz) ≅ 1200 eV

Como é sabido, os raios X possuem um elevado poder de penetração, sendo

utilizados em imagiologia médica, em equipamentos de angiografia diagnóstica

e de intervenção vascular e cerebral, de fluoroscopia, de mamografia, de

tomografia, de urologia, e de radiografia. Por outro lado, os raios gama são

gerados por átomos radioactivos, e podem destruir as células vivas dos tecidos

onde penetram. Contudo, esta sua característica é aproveitada em oncologia

para o tratamento do cancro, destruindo, através de doses muito reduzidas, as

células cancerígenas, sendo esta terapêutica designada por radioterapia,

mostrando-se na figura 5.7 um equipamento médico de aplicação dessa

terapia.

Figura 5.7 – Equipamento oncológico de radioterapia.

5.2.7. Hipertermia A hipertermia do cancro (hyperthermia treatment HT) é um tratamento no qual

a temperatura local de um tecido ou da totalidade do corpo, é elevada até um

determinado nível tera-pêutico, com o objectivo de erradicar tumores

cancerígenos. Esta terapêutica tem vindo a ser aplicada em combinação com a

quimioterapia, na medida em que o aquecimento aumenta a permeabilidade

das membranas celulares, potenciando assim o efeito de alguns medica-

mentos. Atendendo a que a gama de temperaturas se deve situar entre 42 oC e

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248

45 oC – a temperaturas inferiores o efeito da HT é mínimo, enquanto que, para

valores superiores, as células normais podem danificar-se –, o principal

problema da HT consiste na geração e no controlo da temperatura nos

tumores, sendo a cera quente, o ar aquecido, a água quente, e a radiação

infravermelha os métodos usualmente utilizados para o aqueci-mento da

totalidade do corpo, enquanto que, para o aquecimento de áreas localizadas,

utilizam-se os ultrasons, o sangue aquecido, os campos electromagnéticos de

rádio-frequência, e as microondas.

Na hipertermia de RF, a temperatura final dos tumores depende essen-

cialmente da energia calorífica depositada, que depende de forma complexa da

frequência do campo magnético, ou seja, da frequência das correntes

induzidas, da intensidade dessas correntes, da polarização dos campos

aplicados, da geometria e das dimensões do equipamento médico utilizado no

aquecimento, da dimensão dos tumores, da sua profundidade, da sua

geometria, e das suas propriedades dieléctricas.

A energia electromagnética utilizada na HT é usualmente classificada como

rádio-frequência RF, na gama entre 3 kHz e 300 GHz, ou como energia de

microondas, na banda entre 300 MHz e 300 GHz. Em diatermia, a frequência

RF mais usual situa-se entre 13,56 MHz e 27,12 MHz, enquanto que, na

terapêutica HT, se utilizam microondas de 433 MHz na Europa, e 433, 915, e

2450 MHz nos Estados Unidos. As frequências acima de 2450 MHz não são

utilizadas, devido ao seu reduzido poder de penetração nos tecidos. Saliente-

-se que, para aquecimentos de profundidade reduzida (entre 2 cm e 5 cm), e

bem localizados, normalmente utiliza-se a frequência intermédia de 915 MHz,

e, para o tratamento de tumores localizados a profundidades superiores a 5

cm, torna-se necessário utilizar campos electromagnéticos com maior capa-

cidade de penetração, daí que a frequência aplicada seja mais reduzida,

estando compreendida entre 5 MHz e 30 MHz.

Na prática clínica, para se produzir calor bem focalizado em profundidade, nos

tumores, utiliza-se uma matriz de antenas RF dispostas ao longo de um

cilindro, como se mostra na figura 5.8, para o tratamento de tumores no tronco

e nos membros inferiores. A variação da radiação RF em fase e em amplitude

controla a incidência do calor assim como a sua intensidade e a sua

profundidade de penetração.

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249

Como se pode observar na figura, além do cilindro com as antenas, que

constitui o equipamento HT propriamente dito, a paciente encontra-se

monitorizada permanentemente através de um sistema de imagiologia de

ressonância magnética, de modo a que se possam observar as variações de

temperatura e as alterações químicas dos tecidos sujeitos a tratamento.

Figura 5.8 – Equipamento de hipertermia para tratamento do cancro.

A terapêutica HT é uma técnica bastante complexa, e deverá ser manipulada

apenas por pessoal médico e auxiliar bastante experiente, na medida em que a

escolha do equipamento mais adequado depende da localização e da vascula-

ridade do tumor e dos tecidos adjacentes, assim como condições físicas em

que o paciente se encontra.

5.2.8. Ablação de Rádio-Frequência A ablação de rádio-frequência (rádio frequency ablation RFA) é uma técnica de

electrocauterização que permite a destruição de tecidos por meio de correntes

eléctricas, sendo usual a sua utilização em cirurgia, onde se recorre a correntes

de alta frequência para se cauterizar pequenos vasos sanguíneos com o

objectivo de se estancarem hemorragias. Desde os anos 80 do século passado

que a RFA tem vindo a ser adoptada como um método eficaz para a geração

de coagulação necrótica induzida termicamente em tumores, seja através de

aproximação sub-cutânea com imagem guiada, ou através da introdução

cirúrgica de eléctrodos nos próprios tecidos. Com esta terapêutica, os tumores

necróticos perdem volume e desaparecem ao longo do tempo.

Contrariamente à hipertermia, onde a temperatura dos tumores é elevada a

valores inferiores a 45 oC, na RFA utilizam-se campos eléctricos de RF, entre

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250

375 kHz e 500 kHz, com a finalidade de se produzirem correntes iónicas nos

tecidos e, consequentemente, perdas por efeito de Joule, que elevem as

temperaturas desses tecidos a, pelo menos, 50 oC. Para temperaturas entre

50 oC e 52 oC, a necrose das células é atingida entre 4 a 6 minutos, enquanto

que, para temperaturas superiores a 60 oC, é atingida em poucos segundos.

Todavia, as temperaturas superiores a 100 oC devem ser evitadas, para se

prevenir o sobreaquecimento dos tecidos, a sua vaporização, e a sua carbo-

nização, fenómenos estes que aumentam a impedância dos tecidos, resultando

numa ablação reduzida.

Na prática, a energia de RF deverá ser introduzida através da colocação dos

eléctrodos no centro do tumor e, para a sua destruição adequada, todo o

volume da lesão cancerígena deverá ser submetido a temperaturas citotóxicas

de 50 oC a 100 oC durante 4 a 6 minutos. Com eléctrodos unipolares,

conseguem-se coagular tecidos com diâmetros de apenas 1,6 cm, enquanto

que, com eléctrodos multipolares, a eficácia relativa à distribuição do calor é

bastante mais elevada, conseguindo-se coagulações até 7 cm de diâmetro, na

medida em que se consegue induzir correntes num volume muito maior de

tecido.

Adicionalmente, as variações de temperatura são monitorizadas através de

termopares embebidos nos tecidos, ou então através das variações de

potência da fonte, que se encontram directamente relacionadas com as

variações de impedância e de corrente nos tecidos.

Apesar dos grandes benefícios inerentes a esta terapêutica, é ainda bastante

problemático atingir lesões de grande dimensão, devido à baixa condutividade

dos tumores e aos efeitos térmicos dos vasos sanguíneos próximos. Por

conseguinte, no sentido de se alargar a área de influência dos eléctrodos de

ablação, têm-se vindo a utilizar métodos complementares com o objectivo de

se modificar as características biológicas dos tecidos, que incluem:

• Injecção de compostos salinos ou outros, para se aumentar a

condutividade eléctrica dos tecidos e, consequentemente, a sua

condutividade térmica.

• Injecção de compostos salinos, apenas durante a aplicação do trata-

mento com os eléctrodos de ablação.

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251

• Redução da circulação e do caudal sanguíneos, através de oclusão.

• Controlo e modulação da circulação sanguínea através da adminis-

tração de medicamentos adequados.

Demonstrou-se igualmente, em termos práticos, que a aplicação da terapêutica

RFA associada à quimioterapia ou à quimioembolização, torna-se mais eficaz

do que aplicada individualmente.

Quanto às aplicações clínicas da RFA, descrevem-se os resultados obtidos,

nos Estados Unidos, mais relevantes:

• Cancro do fígado. Em 15 anos de utilização, os resultados obtidos com

3000 pacientes tratados mostram uma eficácia elevada da RFA per-

-cutânea em tumores de pequena dimensão (< 3 cm), uma ablação

completa em 70 a 75 % de tumores entre 3 cm e 5 cm, e 25 % em

tumores de maior dimensão.

• Cancro do rim. A RFA é uma técnica bastante eficiente na ablação de

tumores inferiores a 3 cm, e, os resultados obtidos com pacientes

tratados com esta terapêutica, sugerem uma taxa de sucesso entre

70 % a 90 %.

• Ossos. A RFA tem sido utilizada, por mais de dez anos, no tratamento

do osteoma osteóide, que é uma lesão benigna ligeiramente dolorosa. O

eléctrodo é instalado no osso, no local da lesão, sendo activado durante

4 a 6 minutos, para uma temperatura de 90 oC. A taxa de sucesso das

ablações simples é de 91 % a 94 %, com um acompanhamento de longo

prazo, podendo fazer-se a ablação das recorrências mais tarde, através

de um segundo procedimento. Os resultados obtidos com um grupo de

38 pacientes, para um período de 12 a 66 meses, mostraram um

sucesso clínico primário e secundário respectivamente de 78,9 % (30/38

pacientes), e de 97 % (35/36 pacientes).

• Cancro da mama. A utilização da RFA como terapêutica complementar

do tratamento deste tipo de cancro é ainda muito incipiente. Contudo,

reportou-se, por histologia, a coagulação necrótica em 96 % de paci-

entes, a seguir a uma intervenção cirúrgica.

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252

CAPÍTULO 6. TÉCNICAS DE IMAGIOLOGIA

6.1. GENERALIDADES Sem dúvida que a imagiologia representa a especialidade médica que mais

depende da tecnologia, tendo sofrido uma rápida evolução nos últimos anos,

devido essencialmente aos grandes desenvolvimentos verificados não só na

engenharia electrotécnica e na informática, mas também na medicina e na

biomedicina. O seu papel é fundamental no diagnóstico e no tratamento de

diversas doenças e anomalias de saúde, sendo ainda de salientar que todos os

equipamentos actualmente existentes são fruto do trabalho de cooperação

inter-disciplinar de engenheiros electrotécnicos, engenheiros electrónicos,

engenheiros informáticos, engenheiros mecânicos, médicos, biomédicos,

bioengenheiros, físicos, designers, e ergonomistas.

Por outro lado, a física da imagiologia representa o processo global de criação,

geração e visualização de imagens de diagnóstico clínico, e abrange todas as

modalidades da imagiologia médica, ou seja, a radiografia, a fluoroscopia, a

mamografia, a angiografia, a Tomografia Computorizada (TC), a Ressonância

Magnética (RM), a medicina nuclear, e a ecografia. O estudo deste ramo da

física é fundamental para se adquirir um conjunto de conhecimentos técnicos e

operacionais, que se discriminam seguidamente:

• Definição dos parâmetros de qualidade de imagem, que incluem o ruído,

a resolução espacial, e o contraste.

• Influência das técnicas de imagiologia sobre a qualidade da imagem.

• Selecção e avaliação dos equipamentos existentes no mercado, no que

respeita à sua capacidade para realizar os exames médicos previamente

especificados, à dose de radiação, e aos riscos associados à exposição

à radiação por parte dos pacientes e do pessoal médico hospitalar que

irá operar esses equipamentos.

• Modos de especificação dos problemas e avarias surgidas com as

imagens e com o normal desempenho dos equipamentos, e sua

comunicação aos físicos, biomédicos, e técnicos de manutenção e

instalação, com vista à reposição dos padrões normais.

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253

6.2. BASES FÍSICAS 6.2.1. Radiação Na maior parte dos equipamentos de imagiologia, as suas técnicas baseiam-se

nos campos electromagnéticos de elevada frequência, isto é, na radiação

electromagnética, já suficientemente estudada ao longo dos capítulos ante-

riores. Como é sabido, esta radiação é constituída por partículas que se

deslocam à velocidade da luz no vazio e, aproximadamente, no ar, sendo

designadas por fotões, e abrange as ondas de rádio e televisão, as

microondas, os infravermelhos, a luz visível, os ultravioletas, os raios X, e os

raios gama. Saliente-se que o funcionamento da radiologia convencional, da

angiografia, da Tomografia Computorizada, e da Ressonância Magnética, é

baseado na radiação electromagnética, como se discriminará ao longo deste

capítulo.

a) Medição da Radiação Em termos médicos de radiologia e imagiologia, a par das grandezas já

definidas e explicitadas em capítulos anteriores, é usual utilizarem-se as

seguintes definições e grandezas, mais específicas:

• Exposição – é um termo utilizado para exprimir a intensidade da

radiação de um feixe de raios X, e mede a capacidade dessa radiação

para ionizar o ar, sendo fisicamente definida como a carga eléctrica total

libertada por unidade de massa do ar, quando todos os electrões

libertados pelas interacções com os fotões são totalmente parados pelo

ar. A sua unidade tem sido habitualmente o roentgen (R), todavia, no

Sistema Internacional SI passou a ser o coulomb por kilograma (C/kg),

tendo-se, em termos de conversão, 1 R = 2,58 x 10-4 C/kg.

• KERMA (Kinetic Energy Released in the Medium) – representa, como o

seu próprio nome indica, a energia cinética libertada no meio, sendo

definido como a energia cinética transferida dos neutrões e fotões

(partículas electricamente neutras) para os protões e electrões

(partículas electricamente carregadas, respectivamente com carga

positiva e com carga negativa), quando a radiação interage com a

matéria. A sua unidade SI é o joule por kilograma (J/kg).

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254

• Dose absorvida D – quantifica a quantidade de energia de radiação E

absorvida por unidade de massa M do meio absorvente, tendo-se assim:

E = D x M.

A sua unidade no antigo sistema CGS é o rad (radiation absorbed dose),

e é igual a 100 ergs de energia depositada por grama, enquanto que no

sistema SI, é o gray (Gy), que é igual a 1 joule de energia depositada por

kilograma, tendo-se, por conseguinte, 1 Gy = 100 rad ou 1 rad = 10

mGy.

• Factor-f – representa o factor de conversão entre a exposição e a dose

absorvida, sendo determinado pela relação entre a dose absorvida D e a

exposição X, ou seja, representa o factor de conversão de roentgen para

rad, sendo assim:

D = f X.

Saliente-se que, para energias de raios X em diagnóstico, o factor-f é

sensivelmente igual à unidade, e para os ossos está situado entre 4 e 1.

• Transferência linear de energia (linear energy transfer LET) – é

definida como sendo a energia absorvida pelo meio por unidade de

distância atravessada, e é expressa em keV/mm. Evidentemente que,

quanto mais elevado for o valor da LET, maior será a dose de radiação

e, por conseguinte, mais elevados serão os riscos de exposição no que

respeita aos possíveis danos biológicos.

• Dose equivalente H – é utilizada para quantificar os danos e os efeitos

biológicos resultantes da deposição da radiação ionizante nos tecidos,

sendo aplicada essencialmente na protecção contra a exposição a

radiações. É definida como sendo o produto entre a dose absorvida D e

o factor de qualidade (quality factor QF) da radiação, ou seja:

H = D x QF

No antigo sistema de unidades CGS, bastante utilizado em Física, a

unidade de H é o rem (radiation equivalent man), e, no actual sistema SI,

a unidade é o sievert (Sv), tendo-se 1 Sv = 100 rem, e 1 rem = 10 mSv.

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255

Note-se que o factor de qualidade QF depende dos valores da LET –

para fontes de baixa radiação, isto é, com um valor de LET reduzido

(electrões, partículas beta, raios X, e raios gama), tem-se QF = 1; contra-

riamente, para fontes de elevada radiação, ou seja, com um LET

elevado (protões, neutrões, partículas alfa), o QF pode atingir o valor 20.

Na imagiologia de diagnóstico assim como na medicina nuclear, a

radiação que compreende os raios X, os raios gama, e as partículas

beta, tem valores baixos de LET e um factor de qualidade igual à

unidade, tendo todas essas radiações aproximadamente os mesmos

valores de exposição, de dose absorvida, e de dose equivalente, em

unidades CGS (1 R ≅ 1 rad ≅ 1 rem). Saliente-se que, apesar de se ter

para estes tipos de radiação as igualdades aproximadas R ≅ D ≅ H, as

unidades são diferentes, sendo também fisicamente diferentes os

significados de cada uma dessas grandezas. Na prática, estas

grandezas são conhecidas como sendo os R’s da radiologia, ou seja, a

exposição (R) refere-se à capacidade da radiação em ionizar o ar, a

dose absorvida (rad) refere-se à energia absorvida, e a dose

equivalente (rem) representa a medida dos efeitos biológicos que

poderão resultar da energia absorvida.

b) Protecção contra as Radiações A protecção contra as radiações é normalmente concebida e implementada

com o objectivo de se evitar a ocorrência de efeitos determinísticos, isto é,

previamente conhecidos, e de se minimizar os riscos da radiação estocástica,

ou seja, da radiação cujos níveis de risco são conhecidos estatisticamente –

diminuindo a dose de radiação. Em radiologia, os procedimentos principais a

adoptar para se controlar a exposição às radiações incluem as seguintes

metodologias:

• Redução do tempo de exposição. Para se assegurar que os utilizadores

se encontram sujeitos a doses de radiação aquém dos limites consi-

derados como os máximos admissíveis em termos de segurança, assim

como para se monitorizar as práticas de segurança, utilizam-se apa-

relhos de monitorização pessoais, normalmente por períodos de um

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256

mês. Por outro lado, os sistemas de dosimetria pessoal mais comuns

são os de dosimetria por filme e os de dosimetria por TLD

(Thermoluminescent Dosimetry), sendo a primeira a mais utilizada. O

aparelho é constituído por uma caixa de dimensões reduzidas que

contém um pedaço de filme situado entre dois filtros e, após a exposição

a radiações, o filme é processado sendo medida a densidade para se

estimar a dose baseada na energia média dos fotões, sendo a dose

mínima detectável de sensivelmente 0,2 mSv = 20 mrem.

No outro aparelho alternativo, de TLD, é utilizado um cristal especial em

que os electrões da rede cristalina, normalmente de fluoreto de lítio, são

excitados quando se encontram expostos às radiações, emitindo luz,

sendo essa quantidade de luz utilizada para estimar a dose de radiação,

cujo nível mínimo detectável se situa, como no aparelho anterior, em

0,2 mSv = 20 mrem.

• Aumento da distância da fonte da radiação, isto é, do afastamento da

fonte, procedimento este que é normalmente seguido pelo pessoal

médico hospitalar especialistas em radiologia, e que operam com os

diversos equipamentos.

• Utilização de blindagem e de colimadores. A blindagem dos técnicos de

radiologia é obtida por meio da utilização de uma barreira protectora em

chumbo, na medida em que, devido à sua elevada densidade e ao seu

elevado número atómico, apresenta uma grande capacidade de

absorção de radiação ionizante. Adicionalmente, a utilização de aventais

em chumbo reduz os níveis de exposição às radiações de um factor

sensivelmente igual a 10. Quanto às salas de radiologia, a sua blin-

dagem é conseguida através da colocação de barreiras, com uma

disposição adequada às características da sala.

6.2.2. Radiologia a) Tubo de Raios X e Radiologia Convencional A imagiologia através de raios X processa-se com base na absorção da

radiação ionizante constituída por raios X, por parte dos tecidos do corpo

humano, dando origem a imagens formadas por sombras. Essa radiação é

gerada quando os electrões de alta energia são travados pela matéria, sendo,

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257

na prática, produzida num tubo com a configuração exposta na figura 6.1. O

tubo de raios X é constituído por uma ampola de vidro evacuada, isto é, onde

se fez o vácuo, e onde se encontra um ânodo (eléctrodo positivo) e um cátodo

(eléctrodo negativo).

No cátodo geram-se electrões através de um filamento de tungsténio com uma

resistência eléctrica elevada, e que é aquecido a uma temperatura superior a

2200 oC, por meio de uma corrente eléctrica com uma intensidade de 4 A.

Esses electrões são acelerados em direcção ao ânodo devido à aplicação de

uma alta tensão eléctrica, de 30 kV a 150 kV, entre o ânodo e o cátodo,

chocando os electrões num alvo em tungsténio situado no ânodo, sendo assim

travados e originando então os raios X. Por sua vez, estes raios saem da

ampola através de uma janela em vidro transparente a esses raios, sendo

finalmente colimados por meio de placas de chumbo, com o objectivo de limitar

e dirigir o feixe.

Figura 6.1 – Esquematização de um tubo de raios X,

com todos os seus componentes físicos.

Para se aumentar o número de fotões de raios X gerados, é necessário

aumentar o número de electrões libertados do cátodo, o que se consegue, por

sua vez, através do aumento da intensidade da corrente eléctrica que circula

no filamento de tungsténio do cátodo. Adicionalmente, para se aumentar a

energia dos fotões deve-se aumentar a tensão eléctrica entre o ânodo e o

cátodo. Saliente-se que, quer a regulação da intensidade do feixe (corrente no

cátodo), quer a regulação da energia da radiação (tensão ânodo-cátodo), são

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258

procedimentos definidos pela técnica de execução, em função de cada caso

concreto de diagnóstico.

Para se obter as imagens, os raios X atravessam completamente a zona do

corpo a ser observada, sendo a radiação absorvida em quantidades diferen-

ciadas consoante os tipos de tecido corporal. Contudo, a obtenção da imagem

não é directa, isto é, em tempo real, na medida em que tem que ser captada

através da impressão de uma película fotográfica sensível aos raios X, e que

terá que ser revelada posteriormente para poder então ser visualizada.

b) Fluoroscopia A fluoroscopia é uma técnica moderna de radiologia, que permite obter

imagens pelos mesmos princípios dos raios X, todavia, essas imagens não são

captadas em películas mas sim convertidas em luz visível através de um

intensificador de imagem, sendo mostradas num ecrã ou num monitor de raios

catódicos, em tempo real, isto é, instantaneamente enquanto decorre o exame.

Na figura 6.2 mostra-se fotograficamente um equipamento de fluoroscopia,

utilizado para exames gastro-intestinais, genito-urinários, e para radiografias de

rotina.

Figura 6.2 – Equipamento Siemens de fluoroscopia, para exames

gastro-intestinais, genito-urinários, e para radiografias de rotina.

Um outro campo onde se utiliza a fluoroscopia é a cirurgia, na medida em que

se torna imprescindível visualizar em tempo real o decorrer das intervenções,

mostrando-se na figura 6.3 um equipamento de imagiologia, que permite não

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259

só fazer o acompanhamento cirúrgico, mas também armazenar e visualizar as

imagens obtidas nos exames pré-operatórios. Por sua vez, na figura 6.4

mostra-se uma imagem fluoroscópica de uma intervenção cirúrgica ortopédica,

em que a reconstituição de uma fractura óssea se processou através da

introdução de uma prótese interna constituída por dois parafusos metálicos de

reforço.

Figura 6.3 – Equipamento Siemens de fluoroscopia, para

acompanhamento imagiológico cirúrgico.

Figura 6.4 – Imagem fluoroscópica de uma intervenção cirúrgica

ortopédica, com a utilização de prótese intra-tecido ósseo.

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c) Radiografia Digital Este tipo de radiografia funciona com os mesmos princípios da fluoroscopia,

contudo as imagens finais, além de poderem ser visualizadas num ecrã são

também digitalizadas, podendo assim ser armazenadas na memória de um

computador, com a finalidade de poderem ser trabalhas, posteriormente à sua

obtenção através do exame radiológico. Este tipo de radiografia digital não

apresenta as limitações típicas dos pixels, associadas à Tomografia Compu-

torizada e à Ressonância Magnética, na medida em que as imagens não são

determinadas por computador mas sim obtidas directamente, apresentando

assim uma melhor resolução. A única potencial limitação, facilmente resolúvel,

diz respeito à memória de armazenamento, que tem que ser bastante elevada.

Nas figuras 6.5 e 6.6 mostram-se dois equipamentos de radiografia digital, o

primeiro para aplicações gerais, e o segundo, para exames urológicos.

Figura 6.5 – Equipamento Siemens para radiografia digital.

Quanto à angiografia digital de subtracção, o seu princípio de funcionamento é

similar ao da radiografia digital, contudo utiliza um contraste de elevada

absorção, que é injectado através de um cateter nos vasos sanguíneos que se

pretende que sejam analisados e estudados. Saliente-se que a angiografia

nasceu em 28 de Junho de 1927, quando o Prof. Egas Moniz realizou a

primeira arteriografia cerebral, após ter puncionado a carótida de um indivíduo

do sexo masculino, e, no ano seguinte, o Prof. Reynaldo dos Santos realizou a

primeira aortografia abdominal, através da punção directa da aorta, tendo

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261

igualmente realizado as primeiras arteriografias periféricas. Nas figuras 6.7 e

6.8 mostram-se dois equipamentos de angiografia diagnóstica e de inter-

venção, respectivamente para aplicações vasculares e cerebrais.

Figura 6.6 – Equipamento Siemens para radiografia digital urológica.

Figura 6.7 – Equipamento Siemens de angiografia diagnóstica

e de intervenção vascular.

6.2.3. Tomografia Computorizada Esta técnica de imagiologia funciona exactamente com base no mesmo prin-

cípio dos raios X tradicionais, sendo no entanto as imagens tratadas,

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262

processadas e reconstruídas através de um computador, que permite converter

a informação obtida da radiação transmitida ao paciente em imagens sec-

cionais. Nesta tecnologia, um feixe fino de raios X é rodado em torno do eixo

de simetria da secção do paciente que se encontra a ser examinado, por

exemplo a cabeça, sendo a imagem reconstruída matematicamente a partir da

intensidade do feixe de radiação emitido, em função do ângulo de captação.

Evidentemente que essa reconstrução tem como suporte a utilização de

algoritmos muito complexos, integrados nos respectivos equipamentos.

Figura 6.8 – Equipamento Siemens de angiografia diagnóstica

e de intervenção cerebral.

Inicialmente, com o advento desta técnica, conseguiam-se obter apenas

imagens axiais, ou então com ligeiros ângulos a partir da posição axial, daí a

designação antiga de Tomografia Axial Computorizada TAC. Presentemente,

com a utilização da TC Espiral, que varre um volume maior de partes do corpo

humano, é já possível obterem-se imagens noutros planos, daí que a

designação actual desta técnica seja apenas de Tomografia Computorizada

TC, mostrando-se na figura 6.9 um destes equipamentos.

6.2.4. Ressonância Magnética Como é sabido, o corpo humano, sendo matéria, é constituído por átomos, dos

quais uma grande proporção é de hidrogénio, átomos estes que são consti-

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263

tuídos, por sua vez, apenas por um protão e por um electrão giratório. Ou seja,

como se tem uma única carga positiva e uma única carga negativa, se se

atender ainda a que os núcleos atómicos rodam sobre si próprios, então esses

núcleos comportam-se como pequenos magnetos permanentes.

Figura 6.9 – Equipamento Siemens de tomografia computorizada.

Quando esses pequenos magnetos permanentes são colocados sob a acção

de um campo magnético, alinham-se com esse campo e rodam em torno do

seu eixo, isto é, em torno das linhas de força do vector intensidade do campo

magnético, movimento este semelhante ao movimento de rotação de um pião,

e que é designado por precessão, dependendo a rapidez do movimento

directamente da intensidade do campo magnético.

Por outro lado, quando o campo magnético a que se submetem os núcleos de

hidrogénio apresenta uma frequência exactamente igual à frequência da sua

precessão, frequência essa que se encontra na banda das ondas de rádio, os

núcleos conseguem absorver a energia do campo, ou seja, dá-se um fenómeno

de ressonância, invertendo os núcleos o seu sentido de rotação, passando a

ficar alinhados em sentido contrário ao do campo magnético. Quando o campo

magnético de RF é desligado, os núcleos deixam de absorver energia do

campo magnético, passando então a ser eles próprios a emitir radiação,

radiação esta que é captada por uma antena que a transforma num sinal de

corrente eléctrica, que irá assim permitir a construção da imagem pretendida.

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264

Saliente-se que cada tecido do corpo humano, devido à sua composição

química diferente e ao seu estado físico, reemite a radiação absorvida a uma

taxa diferente, denominada tempo de relaxação do tecido. A codificação

espacial necessária à obtenção das imagens resulta da utilização de

gradientes, isto é, de variações, da intensidade do campo magnético o que faz

com que cada núcleo tenha uma frequência de precessão única,

correspondente a uma determinada localização no tecido sob observação.

Como a reemissão da energia absorvida pelos núcleos de hidrogénio se

processa de uma forma exponencial e depende da temperatura dos tecidos e

da intensidade do campo magnético, e, além disso, como cada tecido

apresenta uma estrutura molecular e morfológica próprias, o tempo de

reemissão varia de tecido para tecido, o que permite obter imagens com um

contraste entre os vários tecidos observados.

Os avanços recentes no que respeita à velocidade de aquisição de sinais, com

a técnica de Imagem Eco Planar (Eco Planar Imaging EPI), permitem obter

imagens cardíacas em tempo real. Além da imagiologia pura, a RM permite a

obtenção de espectros químicos localizados, devido à variação da frequência

de precessão dos núcleos de hidrogénio inseridos em moléculas diferentes.

Atendendo a que, na RM, se têm núcleos submetidos a campos magnéticos, e

ainda a que esses núcleos absorvem radiação em ressonância, esta técnica de

imagiologia foi inicialmente designada com Ressonância Magnética Nuclear,

passando modernamente a ser nomeada apenas como Ressonância

Magnética, devido às conotações negativas do vocábulo nuclear.

É ainda de salientar que a RM se tem vindo a transformar na tecnologia de

eleição em imagiologia, devido não só às complexas técnicas que utiliza, mas

também pelo facto de permitir obter informações biológicas tanto anatómicas

como funcionais, nos domínios da angiografia, difusão, perfusão, e

funcionamento cerebral, sendo de momento a única técnica que permite a

caracterização química dos tecidos.

Na figura 6.10 apresenta-se um equipamento de ressonância magnética de

1,5 T. Note-se que, na prática, para que se consiga excitar os núcleos dos

átomos de hidrogénio, os campos magnéticos a utilizar nos equipamentos de

RM apresentam densidades de fluxo bastante elevadas, cujos valores norma-

lizados são 1,5 T e 3 T. Para que se tenha uma ideia desta ordem de grandeza,

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265

as densidades de fluxo nos circuitos magnéticos de grandes máquinas eléctri-

cas situam-se entre 0,90 T e 0,95 T.

Figura 6.10 – Equipamento Siemens de ressonância magnética de 1,5 T.

Saliente-se que, apesar da TC e da RM resultarem da interferência da energia

com a matéria, as suas géneses são completamente diferentes, daí que seja

natural que as expressões iconográficas não apresentem quaisquer seme-

lhanças e, consequentemente, também as semiologias, que incluem como é

óbvio a interpretação, sejam também bastante diferentes. Por um lado, a TC

resulta da interferência entre a radiação ionizante X e a nuvem electrónica dos

átomos, enquanto que na RM essa interferência processa-se entre uma

radiação não-ionizante de rádio-frequência e os protões dos núcleos atómicos

do hidrogénio.

6.2.5. Medicina Nuclear Esta medicina é caracterizada pela utilização de metodologias complementares

de diagnóstico, minimamente invasivas, e que, para a sua execução, requerem

apenas uma simples administração intravenosa de um radiofármaco. Adicional-

mente, as doses de radiação absorvidas pelos pacientes são, de um modo

geral, similares ou inferiores às das técnicas radiológicas convencionais, com

raios X. A medicina nuclear, daí a sua designação, utiliza substâncias radio-

activas com fins diagnósticos ou, com menor frequência, com objectivos

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266

terapêuticos. No caso da terapêutica, possibilita o tratamento por meio da

interacção que se estabelece entre o paciente e as radiações recebidas,

enquanto que, no caso das aplicações diagnósticas, as substâncias

radioactivas fornecem informações relativas ao comportamento biológico

através da detecção externa das radiações emitidas.

De um modo geral, as técnicas radiológicas dependem das alterações da

estrutura e da morfologia dos tecidos biológicos, para se detectar a existência

de anomalias e de doenças, enquanto que as imagens geradas pela técnica de

medicina nuclear, imagens essas designadas por cintigrafias, devem ser

interpretadas como imagens funcionais, que poderão desempenhar uma acção

importante na detecção precoce das doenças, na medida em que as

disfunções precedem as alterações morfológicas.

Os métodos radioisotópicos são baseados na utilização de traçadores

radioactivos cujo comportamento bioquímico e fisiológico é idêntico ao da

substância estável, e, sendo administrados em quantidades muito reduzidas,

não provocam mudanças nos processos fisiológicos, permitindo assim o estudo

das funções sem haver alteração dessas mesmas funções. A câmara gama,

que se mostra na figura 6.11, é o equipamento mais utilizado em medicina

nuclear, permitindo a obtenção de imagens planares e tomográficas. Esta

câmara é essencialmente constituída por um sistema de detecção de raios

gama – por exemplo, um cristal de iodeto de sódio activado com tálio –,

convenientemente colimado, assim como por outros dispositivos de

processamento dos impulsos eléctricos obtidos como consequência da

interacção das radiações gama com o cristal detector.

Além das funcionalidades tomográficas, as câmaras gama possibilitam igual-

mente o tratamento informático dos dados obtidos, permitindo a detecção, o

registo, a análise, e a quantificação das alterações que se verificam na

distribuição e troca de constituintes dos tecidos biológicos, em órgãos ou outras

regiões do corpo, em observação no exame nuclear. A exploração da

quantificação das alterações tem vindo a contribuir, de modo significativo, para

a valorização das aplicações clínicas deste tipo de medicina, como por

exemplo a ventriculografia de radionúclidos, a cintigrafia renal, e a

quantificação em Tomografia por Emissão Fotónica Simples (Single Photonic

Emission Computerized Tomography SPECT), e em Tomografia por Emissão

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de Positrões (Positrons Emission Tomography PET). Na figura 6.12 mostra-se

um outro equipamento de medicina nuclear, com tecnologia PET – TC.

Figura 6.11 – Câmara gama de medicina nuclear Siemens,

com dois detectores e tecnologia SPECT – TC.

Figura 6.12 – Equipamento de medicina nuclear Siemens,

com tecnologia PET – TC.

As imagens cintigráficas obtidas são não só funcionais, mas também

quantificativas, o que se traduz na obtenção de mais-valias no que respeita às

informações adicionais relacionadas com os processos fisiológicos. A obtenção

de imagens de um modo dinâmico possibilita a visualização dos movimentos

do traçador radioactivo, independentemente desses movimentos serem de

natureza passiva (circulação sanguínea, difusão), ou de natureza activa

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268

(secreções, excreções). A localização e a dinâmica das substâncias

radioactivas administradas nos tecidos biológicos encontram-se relacionadas

com determinadas actividades e funções biológicas, daí que se consigam obter

imagens com informações funcionais e anatómicas, em simultâneo.

A medicina nuclear tem-se vindo a desenvolver essencialmente devido aos

grandes progressos verificados nos sistemas de aquisição e processamento de

dados, englobando sinais e imagens. A tendência actual aponta para a

adopção de equipamentos não só como aquele que se mostra na figura 6.11,

em que, através de um simples registo se fundem imagens funcionais, obtidas

por meio de uma câmara gama, com imagens morfológicas, conseguidas

através da Tomografia por Emissão Fotónica Simples SPECT (sistema SPECT

– TC), mas também da Tomografia por Emissão de Positrões PET, utilizada em

equipamentos como o que se mostra na figura 6.12 (sistema PET – TC).

6.3. ANGIOGRAFIA DIAGNÓSTICA Esta técnica nasceu em 1927, com o Prof. Egas Moniz, mais tarde Prémio

Nobel da Medicina, ao realizar a primeira arteriografia cerebral e, no ano

seguinte, foi a vez do Prof. Reynaldo dos santos efectuar a primeira aortografia

abdominal. Todavia, foi só em 1953 que Seldinger desenvolveu um novo

método de angiografia por via percutânea transfemoral, o que representou um

passo muito significativo para o progresso e expansão deste meio de

diagnóstico.

Em termos evolutivos, a angiografia diagnóstica inicial continha unicamente

informações analógicas, ou seja, informações das imagens de uma forma

contínua, com a apresentação das várias áreas de enegrecimento, ao passo

que, na angiografia de subtracção digital as imagens analógicas são digita-

lizadas, isto é, tornadas descontínuas. Neste processo de conversão, a

imagem é, em primeiro lugar, gerada no equipamento de televisão por meio de

um intensificador de imagem, sendo esta imagem analógica de vídeo digita-

lizada de seguida através de um conversor analógico-digital, com a finalidade

de ser memorizada e tratada por computador. Uma das primeiras imagens

digitais obtidas, por conseguinte ainda antes da injecção do líquido de con-

traste no paciente, irá servir de máscara, ou seja como base de referência para

as imagens seguintes a obter no exame. Essa máscara é então subtraída das

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269

imagens subsequentes obtidas no exame, portanto após a injecção do líquido

de contraste, daí que se irá visualizar apenas o percurso do vaso sanguíneo

por onde circula o contraste.

É exactamente devido a esta subtracção que este meio de diagnóstico se

designa por angiografia de subtracção digital. Adicionalmente, a administração

intra-arterial do contraste iodado permite, através da sua concentração, que se

atinja um bom aproveitamento da intensificação electrónica do contraste na

geração das imagens, como se mostra na figura 6.13.

Figura 6.13 – Angiografia de subtracção digital da carótida.

Comparativamente com a angiografia analógica de diagnóstico clássica, a

angiografia intra-arterial de subtracção digital apresenta o seguinte conjunto de

vantagens:

• Utilização de uma menor quantidade de líquido de contraste.

• Menor concentração do líquido de contraste.

• Possibilidade de se utilizarem cateteres de pequeno calibre.

• Custos de utilização mais reduzidos (número de películas, meios de

contraste, arquivos).

• Tempos de exame mais reduzidos, o que possibilita a realização de um

maior número de exames por unidade de tempo, rentabilizando mais

rapidamente o investimento com a aquisição do equipamento.

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270

Enquanto que a angiografia convencional era utilizada apenas na avaliação e

análise das estruturas vasculares e no diagnóstico de tumores no rim, fígado e

pâncreas, a moderna angiografia digital é aplicada no diagnóstico de:

• Lesões isquémicas.

• Lesões traumáticas.

• Hemorragias.

• Tumores.

• Anomalias vasculares congénitas.

• Transplantes.

• Aneurismas.

• Lesões venosas.

6.4. MAMOGRAFIA O cancro da mama representa actualmente a doença maligna que mais afecta

a mulher e, apesar da sua incidência ter vindo a aumentar, a taxa de morta-

lidade, que se manteve estável até 1995, encontra-se em decrescimento,

possivelmente devido à maior utilização do rastreio mamográfico, fruto das

campanhas de saúde pública que têm vindo a ser realizadas. De acordo com

estudos epidemiológicos realizados, as mulheres com idade compreendida

entre 40 e 49 anos deverão efectuar o rastreio anualmente, enquanto que,

acima dos 50 anos, esse rastreio deverá ser realizado bienalmente.

Em termos anatómicos, a base da mama adulta situa-se entre a 2ª e a 6ª

costelas, na linha clavicular média, e encontra-se quase totalmente sobre o

músculo grande peitoral, estendendo-se o tecido mamário desde o bordo

lateral do externo até à linha axilar anterior e à axila. Por outro lado, a

espessura da pele situa-se entre 0,5 mm e 2 mm, encontrando-se, imedia-

tamente por baixo dela, a fáscia superficial que divide a mama em duas regiões

– região superficial e região profunda. Adicionalmente, a glândula é fixa à

fáscia e aos músculos peitorais por meio dos ligamentos de Cooper, que são

cordões fibrosos que se estendem da derme profunda ao tecido mamário

subjacente. Macroscopicamente, a mama é formada por 15 a 20 segmentos ou

lobos, incluindo cada lobo os lóbulos e os ductos excretores que drenam,

através do ducto lactífero, no mamilo.

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271

Em termos de composição geral, os seios apresentam-se em quatro padrões:

• Mama adiposa, que é essencialmente hipertransparente.

• Mama com densidades fibroglandulares dispersas, e que apresentam

uma densidade intermédia.

• Mama com tecido mamário denso e heterogéneo.

• Mama com tecido mamário muito denso. Este padrão, assim como o

anterior, é caracterizado pela hipotransparência, que faz diminuir a

sensibilidade da mamografia no que respeita a detecção de pequenas

lesões, o que justifica a realização de estudos clínicos complementares,

através da recorrência à ultrassonografia (ecografia).

Saliente-se que o padrão mamário varia não só com a idade mas também com

o estado hormonal da mulher, apresentando as mulheres em idade jovem uma

densidade elevada, enquanto que, na idade pós-menopausa e na ausência de

terapêutica hormonal, a mama tem características adiposas.

A utilização da radiologia no diagnóstico mamário teve o seu início em 1913,

quando o médico cirurgião alemão Albert Salomon realizou a primeira mamo-

grafia. A partir dessa data, e devido à complexidade técnica deste tipo de

exame clínico, a sua imagiologia específica tem vindo a sofrer uma evolução

tecnológica notável, existindo actualmente equipamentos bastante complexos

que permitem efectuar todo o tipo de exames, com uma minúcia e um grau de

precisão elevadíssimos.

A mamografia continua a ser, ainda hoje, o meio de diagnóstico gold standard,

como afirma a Doutora Isabel Ramos, Professora Catedrática da Faculdade de

Medicina da Faculdade do Porto, no estudo das patologias mamárias. Contudo,

apesar da elevadíssima sofisticação dos equipamentos existentes, a qualidade

do exame depende ainda bastante da utilização mais adequada desses

equipamentos, assim como da experiência de quem realiza o exame.

Na figura 6.14 mostra-se um equipamento moderno de mamografia, digital, que

permite a visualização de imagens em tempo real, o diagnóstico de eventuais

anomalias, a realização de biopsias, e o processamento e tratamento posterior

das imagens obtidas. É caracterizado ainda pela sua elevada resolução não só

espacial mas também do contraste das imagens, e possui um tubo de raios X

construído com o ânodo em tungsténio e molibdénio, que assegura uma dose

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272

de radiação cerca de 50 % inferior à dos equipamentos de raios X conven-

cionais. Além disso, como se esquematiza na figura 6.15, a intensidade do

feixe de raios X adapta-se automaticamente ao padrão mamário, aumentando

assim o rigor dos exames, tornando-os menos dependentes das intervenções

dos radiologistas.

Figura 6.14 – Equipamento Siemens de mamografia digital.

Figura 6.15 – Regulação automática da intensidade do feixe

de raios X em função do padrão mamário.

Após um exame mamográfico, em primeiro lugar deve-se avaliar a qualidade

desse exame e, em seguida, efectuar os seguintes procedimentos clínicos:

• Determinar a composição geral da mama.

• Analisar a existência ou não de lesões.

• Confirmar se a(s) lesão(ões) é(são) reais.

• Localizar essas lesões, se de facto existirem.

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273

6.5. TOMOGRAFIA COMPUTORIZADA A tomografia computorizada (TC), resulta da evolução tecnológica natural da

imagiologia radiológica convencional baseada nos raios X que, devido à sua

elevada energia, tem a capacidade de atravessar corpos e objectos. A TC foi

inicialmente descrita em 1973 por Godfrey Hounsfield, investigador dos labora-

tórios Thorn-EMI, num artigo científico publicado na revista inglesa British

Journal of Radiology, e consiste na reconstrução, através de métodos computa-

cionais, dos dados obtidos por varrimentos sucessivos de uma mesma região

do corpo humano, com radiação X, com uma alteração sucessiva das posições

relativas entre o feixe da radiação e o objecto em exame. Por conseguinte, as

imagens assim obtidas representam, cada uma delas, um corte localizado, ou

seja, uma fatia axial, com uma espessura compreendida entre 1 mm e 10 mm,

daí a designação inicial desta técnica – Tomografia Axial Computorizada

(TAC). Para melhor compreensão, apresenta-se na figura 6.16 uma imagem no

plano axial do tórax.

Figura 6.16 – Corte de TC no plano axial do tórax.

Em termos de blocos funcionais, os equipamentos de TC são normalmente

constituídos pelos seguintes módulos:

• Gerador de alta tensão, para a alimentação ânodo-cátodo do tubo

gerador de raios X.

• Conjunto mesa/gantry, estando o tubo de raios X, os sistemas de

detecção da radiação, e os conversores analógico-digitais inseridos no

gantry.

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274

• Computador, que assegura a gestão de todo o sistema assim como o

processamento digital dos dados recolhidos.

• Consola de operação e de visualização das imagens.

• Sistema de armazenamento das imagens.

Os equipamentos actuais encontram-se equipados com 600 a 800 detectores

dispostos lado a lado, e emitem feixes de radiação em leque, o que evita a

existência de movimento de translação e torna mais rápida a aquisição de

dados. Além disso, para cobrirem toda a área do corpo humano sujeita a

exame tomográfico, dispõem de um sistema de rotação síncrono “tubo de raios

X – detectores”, ou de outro sistema alternativo, em que os detectores estão

fixos, girando apenas o tubo. Já nos anos 90 do século passado, foram

disponibilizados equipamentos com mais um grau de liberdade, em que, asso-

ciado ao movimento rotativo síncrono “tubo – detectores”, se tem igualmente o

movimento longitudinal incremental da mesa onde se encontra o paciente, o

que permite a aquisição de dados de uma forma contínua – aquisição helicoidal

–, como se esquematiza na figura 6.17.

Figura 6.17 – Aquisição de dados helicoidal.

Atendendo a que esta aquisição é realizada em modo contínuo ao longo de

uma espiral, os dados obtidos deixam de ter uma distribuição plana, ou seja,

bidimensional, mas sim volumétrica, isto é, tridimensional. Esta técnica permite

assim que, além da reconstrução clássica em cortes bidimensionais fatia a

fatia, sejam ainda possíveis outras reconstruções, como a SSD (Surface

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275

Shaded Display), a MIP (Maximum Intensity Projection), e a mIP (minimum

Intensity Projection), conseguindo-se assim a representação de superfícies

sombreadas em volume e profundidade (SSD), assim como a representação de

estruturas com um valor de voxel acima (MIP) ou abaixo (mIP) de um

determinado limiar previamente seleccionado pelo radiologista.

Para melhor entendimento, veja-se seguidamente quais os conceitos de pixel e

de voxel. Para isso, considere-se a figura 6.18, em que se tem uma matriz de

imagem (corte), com uma dada espessura e constituída por um determinado

número de elementos rectangulares. Esta imagem genérica corresponde,

grosso modo, à imagem reconstruída computacionalmente num equipamento

de TC, sendo assim formada por um conjunto bidimensional de elementos – os

elementos rectangulares –, que são designados por pixels (aglutinação de

picture element), tendo cada um deles um valor codificado para a sua

representação numa escala a preto e branco. O pixel representa a base

rectangular de um elemento de volume paralelepipedal, designado por voxel,

correspondendo a altura desse paralelepípedo à espessura da imagem.

Figura 6.18 – Matriz de imagem (corte) obtida na TC.

A TC posiciona-se, em conjunto com a Ressonância Magnética, na moderna

imagiologia, permitindo a disponibilização das imagens obtidas nos exames e o

seu armazenamento digital, para que, posteriormente, possam ser processadas

e enviadas electronicamente, sem perda de qualidade. Uma área de dia-

gnóstico onde a TC se destaca são os estudos das estruturas vasculares,

clinicamente designados por angio-TC, na medida em que representam uma

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276

associação da angiografia com a tomografia, sendo de salientar que a angio-

-TC é actualmente a técnica de diagnóstico do tromboembolismo pulmonar.

Apesar de, actualmente, o peso da RM como técnica diagnóstica em termos

morfológicos suplante a TC, sem dúvida que a TC resolve bastantes problemas

clínicos que exigem uma resposta imediata e pouco onerosa, em relação à

imagiologia. Além disso, existem situações clínicas exequíveis apenas por

recorrência à TC, como sucede com as lesões ósseas e as calcificações,

praticamente não identificáveis na RM. Por conseguinte, pode-se afirmar que a

TC e a RM são técnicas de imagiologia complementares.

6.6. RESSONÂNCIA MAGNÉTICA A par da Tomografia Computorizada, a Ressonância Magnética é a técnica de

imagiologia que tem experimentado um dos maiores desenvolvimentos nos

últimos anos, sendo a não utilização de radiação electromagnética ionizante

assim como a sua excelente resolução espacial e de contraste, as suas

principais vantagens.

Como é do conhecimento geral, o corpo humano contém, na sua composição,

uma percentagem muito significativa de água, ou seja, os átomos de hidrogénio

são os que existem em maior número no corpo. Estes átomos são, por sua vez,

constituídos apenas por um electrão, que tem carga eléctrica negativa, e por

um núcleo onde existe também apenas um protão, que possui carga eléctrica

positiva. Adicionalmente, o núcleo roda sobre si próprio, isto é, possui um spin,

criando assim um pequeno campo magnético o que faz com que o protão seja

semelhante a um pequeno magneto. Quando se submete o paciente à acção

de um campo magnético, gerado através de uma onda de rádio-frequência, os

protões giram em torno do seu eixo, movimento de rotação esse que se

designa por precessão e cuja frequência depende da intensidade do campo

magnético aplicado. Ao mesmo tempo, os protões irão alinhar-se com o campo,

em paralelo ou em antiparalelo, existindo mais protões na primeira situação, na

medida em que se trata de um nível menos energético, conduzindo à formação

de um campo magnético do próprio paciente, e que apresenta uma direcção

longitudinal em relação à direcção do campo exterior.

Quando a onda magnética de RF tem a mesma frequência da precessão

protónica, dá-se um fenómeno de ressonância, e os protões absorvem energia,

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277

saindo assim do nível de menor energia (paralelo), para o nível de energia mais

elevada (antiparalelo), diminuindo desse modo a magnetização longitudinal. Ou

seja, surge uma nova magnetização, transversal à direcção do campo ma-

gnético aplicado externamente.

No passo seguinte, quando se desliga a radiação de RF externa, dá-se um

aumento da magnetização longitudinal, uma vez que os protões vão perdendo

a energia acumulada, regressando ao nível de menor energia. Esta relaxação

longitudinal, que traduz o retorno progressivo dos núcleos ao seu estado

natural à medida que vão libertando a energia acumulada, é descrita através de

uma constante temporal T1 – tempo de relaxação –, que é tanto menor quanto

mais eficiente for essa libertação energética e vice-versa, sendo de salientar o

facto dos tecidos adiposos, isto é, a gordura, apresentar o menor tempo de

relaxação.

A variação da magnetização transversal, que depende do grau de mobilidade

entre moléculas, é descrita pelo tempo de relaxação T2, que é tanto maior

quanto mais elevada for a mobilidade e vice-versa. No caso da água, como a

mobilidade das suas moléculas é elevada, o tempo T2 é relativamente longo.

No que respeita aos tecidos biológicos, os que são ricos em colagénio, fibras, e

proteínas, apresentam um T1 baixo/intermédio, e um T2 baixo, enquanto que

os tecidos ricos em água, como por exemplo o edema, as inflamações, as

necroses, os quistos, as hemorragias, os tumores, têm um T1 baixo e um T2

elevado.

Por conseguinte, patologias diferentes poderão apresentar sinais similares,

como por exemplo um edema e um tumor, e, por outro lado, o mesmo processo

patológico pode apresentar características de sinal diferentes, se houver

alguma alteração nos tecidos. Por exemplo, se houver uma alteração da

composição e estrutura de um tecido, como sucede com o aparecimento de

tumores num tecido são, o sinal também se altera, permitindo assim a detecção

da anomalia tecidular.

A combinação da RM com a angiografia, isto é, com a administração de

contraste, nomeadamente de quelatos de gadolínio, permite aumentar a

capacidade de detecção e de caracterização das lesões, sendo estes

contrastes de administração bastante segura e sem contra-indicações,

mostrando-se na figura 6.19 uma angio – RM da aorta abdominal.

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278

Figura 6.19 – Angio – RM, de uma prótese da aorta abdominal,

com aquisição volumétrica ponderada em T1, e com

contraste de gadolínio.

Apesar das grandes potencialidades e dos progressos notáveis da RM, a sua

utilização está contra-indicada na presença de material ferromagnético e em

pacientes que tenham pacemakers implantados, mesmo estando inactivos.

Note-se que, em pacemakers activos, o campo magnético aplicado pelo equi-

pamento de RM provoca interferências electromagnéticas nos circuitos ele-

ctrónicos do pacemaker, podendo conduzir não só ao aparecimento de

frequências de funcionamento diferentes, mas também à sua imobilização, com

consequências muito graves. Por outro lado, devido ainda às linhas de força do

campo magnético de RM, tanto a estrutura metálica do pacemaker, activo ou

inactivo, assim como as próteses metálicas ferromagnéticas, serão sede de

forças electromotrizes geradas com base na lei de indução de Faraday, que,

por sua vez, darão origem a correntes de Foucault, que são correntes de curto-

-circuito de elevada intensidade, provocando aquecimentos muito perigosos

nos tecidos biológicos circundantes.

A RM utiliza-se na imagiologia do sistema nervoso central, do tórax, do

abdómen, da pélvis, do sistema músculo-esquelético, e em angiologia, sendo

previsível que, além da realização de exames morfológicos, seja possível a

realização de estudos funcionais.

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279

6.7. OBSERVAÇÕES FINAIS Para melhor compreensão dos assuntos expostos nos Capítulos 5 e 6, relati-

vamente às aplicações terapêuticas e às aplicações médicas dos campos

electromagnéticos, apresenta-se no quadro 6.1 um resumo de todas as

técnicas que se apresentaram, assim como as respectivas bases físicas.

Técnicas Bases físicas

Aplicações terapêuticas

Estimulação Magnética Transcraniana Campo magnético

Estimulação Eléctrica Óssea, por Eléctrodos (invasiva)

Campo eléctrico

Estimulação Eléctrica Óssea Capacitiva Campo eléctrico

Estimulação Eléctrica Óssea Magnética Campo magnético

Tratamento por Hipertermia Rádio-frequência

Ablação de Rádio Frequência, por Eléctrodos (invasiva)

Rádio-frequência

Radioterapia Oncológica Fotões/radiação gama

Terapia de Partículas Protões de hidrogénio, iões de carbono

Aplicações médicas em imagiologia

Radiografia Raios X

Fluoroscopia Raios X

Imagiologia Cirúrgica Raios X

Angiografia Raios X

Tomografia Computorizada Raios X

Ressonância Magnética Rádio-frerquência

Medicina Nuclear SPECT-TC e PET-TC / Câmara Gama

Raios X, raios gama

Mamografia Raios X

Urologia Raios X

Quadro 6.1 – Aplicações terapêuticas e aplicações médicas em imagiologia,

dos campos electromagnéticos.

Nos textos anteriores não se desenvolveu de uma forma pormenorizada os

princípios físicos assim como os desenvolvimentos recentes no que respeita a

uma das aplicações terapêuticas modernamente utilizadas na cura do cancro,

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280

que é a terapia de partículas. Por outro lado, e da mesma forma, também não

se expôs o princípio físico de uma outra aplicação médica de imagiologia, que

é a ecografia, na medida em que o seu funcionamento se baseia apenas nas

ondas sonoras, mais concretamente nos ultrassons. Contudo, para se terminar

este capítulo, apresenta-se uma descrição destas duas aplicações, dada a sua

elevada importância na medicina actual.

6.7.1. Terapia de Partículas Como é sabido, e apesar de se verificarem algumas excepções, a proba-

bilidade de se contrair cancro aumenta com a idade, sendo uma das pre-

ocupações actuais das autoridades sanitárias, sobretudo em países desen-

volvidos, devido exactamente não só ao aumento considerável da esperança

média de vida mas também pelos hábitos de vida que, numa franja significativa

da população, não são os mais adequados para se assegurar uma existência

isenta de problemas de saúde. Na prática, o tratamento de tumores

cancerígenos tem vindo a ser realizado através de dois processos:

• Quimioterapia, que consiste na utilização adequada de radionúclidos,

administrados aos pacientes, com a finalidade de destruir as células

cancerígenas, destruição essa conseguida pela retenção prolongada

dos radiofármacos nos tecidos alvo. Este requisito é normalmente

previsto e analisado através de um estudo prévio de diagnóstico, que

deve ser realizado antes da administração deste tipo de actividade tera-

pêutica. Além das aplicações terapêuticas em casos benignos – por

exemplo, hipertiroidismo e artrite reumatóide –, este tipo de tratamento é

também utilizado nas situações malignas, sendo a mais importante o

carcinoma da tiróide, onde se tem vindo a aplicar, há mais de 50 anos, o

radioisótopo iodo-131. Outras aplicações desta técnica incluem o

tratamento de doenças mieloproliferativas, com o fósforo-32, de tumores

derivados da crista neural, e o tratamento paliativo de metástases

ósseas – carcinomas da próstata e da mama –, utilizando-se o

estrôncio-89, o rénio-186 ou o samário-153.

• Radioterapia, em que os tecidos cancerígenos são bombardeados

através de feixes concentrados de fotões de elevada energia, como

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281

sucede com a radiação gama, com uma energia fotónica da ordem de

18 MeV.

Nos últimos dez anos, graças aos esforços de investigação que têm vindo a ser

desenvolvidos pela multinacional Siemens, em parceria com hospitais, centros

de investigação, e universidades alemãs e americanas, a radioterapia sofreu

avanços notáveis, tendo sido desenvolvidos equipamentos de radioterapia que

utilizam protões de hidrogénio, com uma energia de 135 MeV. Adicionalmente,

os radiologistas que desenvolvem investigação neste tipo de terapêutica

constataram que a utilização de iões pesados de carbono, com uma energia de

250 MeV, como o provam estudos realizados no Japão, conduziram a

resultados significativos no que respeita ao tratamento de tumores oculares, da

próstata, do pescoço, e da cabeça, daí que a utilização deste tipo de partículas

seja já aceite com bastante confiança.

A grande vantagem desta nova terapêutica, designada por terapia de

partículas, quando comparada com a radiologia oncológica convencional com

bombar-deamento de fotões, reside essencialmente no facto de se dosear com

uma elevada precisão a quantidade de radiação necessária a concentrar no

tecido tumoral, poupando os tecidos sãos envolventes, como se mostra na

figura 6.20.

Conforme se pode constatar, na radiologia clássica a dose máxima é atingida

nos tecidos sãos, muito próximos da superfície da pele, ou seja, a uma

profundidade reduzida, enquanto que, com protões de hidrogénio e iões de

carbono, essa dose máxima é sempre atingida no interior do tecido tumoral,

sendo bastante mais reduzida nos tecidos sãos adjacentes. Por outro lado,

atendendo ainda a que as energias são significativamente mais elevadas na

terapia de partículas, o feixe de radiação é bastante mais eficiente.

A situação expressa no ábaco exposto na figura 6.20, é conseguida na prática,

no equipamento projectado e desenvolvido pela Siemens, equipamento esse

que se mostra na figura 6.21, através da utilização de tecnologia extremamente

avançada, nos domínios não só da física das partículas mas também da

engenharia electrotécnica, electrónica, mecânica e electromecânica. Saliente-

-se que esse equipamento contém um acelerador linear de partículas, assim

como um sistema de posicionamento altamente sofisticado, que permite

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282

localizar e circunscrever a área tumoral com uma precisão inferior a um milí-

metro, e ainda um outro sistema de scanning, designado por pencil beam

scanning (caneta de rastreio do feixe), que permite visualizar toda a operação

tridimensionalmente (figura 6.22).

Figura 6.20 – Dose relativa de radiação em função da

profundidade de penetração, e do tipo de partícula.

Figura 6.21 – Equipamento Siemens de terapia de partículas.

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283

Figura 6.22 – Esquematização do princípio de funcionamento do equipamento

Siemens de terapia de partículas.

Do ponto de vista clínico, a terapia de partículas apresenta as seguintes

vantagens:

• Tratamento de tumores resistentes à radiologia convencional.

• Tratamento de tumores profundos, sem sujeitar os tecidos sãos envol-

ventes a doses significativas de radiação.

• Tratamento de tumores situados muito próximo de órgãos vitais.

• Probabilidade reduzidíssima de desenvolvimento de cancros secun-

dários nos tecidos envolventes dos tumores, devido à concentração de

radiação quase exclusivamente no tecido tumoral.

• Tratamento de tumores pediátricos, pelos mesmos motivos.

6.7.2. Ecografia A ecografia, também designada por imagiologia de ultrassons, é uma técnica

de diagnóstico por imagem baseada no fenómeno da interacção entre ultras-

sons e tecidos biológicos, ou seja, baseada na reflexão de ultrassons que se

propagam no corpo. Os ultrassons utilizados em ecografia têm uma frequência

superior a 20 kHz, ou seja, superior ao limite de frequência audível pelo ouvido

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humano, sendo gerados através do fenómeno piezoeléctrico, isto é, de con-

versão de impulsos eléctricos em impulsos mecânicos e vice-versa. A

velocidade do feixe ultrassónico depende do material atravessado (quadro 6.2),

e os ecos gerados a partir das diferentes interfaces entre os tecidos,

encontradas no trajecto desse feixe, retornam ao equipamento num intervalo

de tempo que é proporcional à sua penetração na área em estudo. A imagem

ecográfica é assim constituída pelos efeitos acústicos derivados da interacção

entre a onda sonora e o tecido biológico. Na ecografia diagnóstica, a frequência

de emissão acústica apresenta os seguintes valores típicos:

• 2 MHz – estudos cardíacos, transcranianos, e abdominais profundos.

• 3,5 MHz – exames abdominais e pélvicos.

• 5 MHz – exames abdominais e endocavitários.

• 10 MHz – avaliação de estruturas superficiais, que incluem os vasos

sanguíneos, e os tecidos moles, e exames endoscópicos.

• Até 20 MHz e frequências superiores – estudos da pele, olhos e vasos

sanguíneos.

Tecidos Velocidades (m/s)

Ar 340

Gordura 1450

Água 1540

Rim 1560

Sangue 1570

Músculo 1585

Cristalino 1620

Osso 3200

Metais > 4000

Quadro 6.2 – Velocidade dos ultrassons em diversos tecidos.

Os ultrassons, ao propagarem-se no interior do corpo humano, são reflectidos

em cada interface entre dois tecidos, sendo uma parte da onda que é

transmitida e outra que é reflectida. No quadro 6.3 mostra-se as percentagens

da energia reflectida de uma onda acústica ultrassonora, que incide perpen-

dicularmente à interface entre diversos tecidos biológicos.

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Interface Músculo Fígado Sangue Osso

Músculo ----- 0,02 0,1 41

Fígado 0,02 ----- 0,02 42

Sangue 0,1 0,02 ----- 43

Gordura 1,1 0,8 0,6 49

Quadro 6.3 – Percentagem da energia reflectida de uma onda de ultrassons.

Para finalizar, apresenta-se na figura 6.23 um equipamento de ecografia, e na

figura 6.24 uma ecografia tridimensional do rosto de um bebé no ventre

materno.

Figura 6.23 – Equipamento Siemens de ecografia.

Figura 6.24 – Imagem ecográfica de um bebé em gestação.

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286

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Como se pode constatar, esta bibliografia encontra-se ordenada por ordem

crescente do ano de publicação e, para o mesmo ano, por ordem alfabética do

primeiro nome dos autores. A estrutura deste nosso livro de apoio, no que

respeita aos conteúdos e às imagens e esquemas inerentes aos capítulos 1 a

4, baseia-se essencialmente na ref. [2], que consideramos ser uma excelente

obra de referência neste domínio. A referência [1] é bastante importante no que

concerne ao estudo dos campos electromagnéticos, incluindo o campo

magnético terrestre e a distribuição electromagnética na atmosfera, cujos

esquemas incluímos no capítulo 2. Quanto às referências [4], [6] e [7], contêm

diversos trabalhos de investigação extremamente importantes, tendo contri-

buído para a elaboração do capítulo 5, no que respeita às aplicações médicas

e terapêuticas dos campos electromagnéticos. Por sua vez, a ref. [3], que é

uma excelente obra de referência no domínio da imagiologia médica, foi

essencial para a elaboração do capítulo 6, tendo nós utilizado diversas figuras

Page 298: EFEITOS BIOLÓGICOS DOS CAMPOS …webx.ubi.pt/~catalao/livro.pdf · campos magnéticos, e de radiação de rádio-frequência. • Descrição e compreensão dos mecanismos de acção

287

existentes no seu conteúdo. No que respeita à ref. [5], é uma obra bastante

interessante e honesta, escrita por uma jornalista sueca, que descreve alguns

casos de efeitos nocivos para a saúde devido à exposição a campos

magnéticos, ocorridos nos países nórdicos. Finalmente, importa referir que os

livros [2], [4], [6] e [7] apresentam um conjunto notável, e em grande quan-

tidade, de referências bibliográficas que incluem livros, artigos científicos, e

relatórios médicos.

2. Internet

[1] – Siemens Medical Worldwide, http://www.medical.siemens.com

Esta multinacional alemã, do sector eléctrico e electrónico, é actualmente o

maior construtor mundial de equipamentos de electromedicina, sendo de

grande importância consultar esta sua página na Internet, na medida em que

representa uma fonte de conhecimentos extremamente completa e elucidativa

sobre as aplicações médicas em imagiologia e terapêutica. A informação

recolhida foi essencial para a elaboração de parte do capítulo 5 assim como do

capítulo 6, não só em termos de texto escrito mas também das imagens

ilustrativas.

Com base em Habash [2], apresenta-se seguidamente uma listagem de revis-

tas científicas especializadas na investigação dos efeitos biofísicos dos campos

electromagnéticos, assim como uma relação de diversos organismos estran-

geiros, relacionados com este tema.

3. Revistas Científicas

Advances in Electromagnetic Fields in Living Systems

American Journal of Epidemiology

American Journal of Public Health

Annals of Biomedical Engineering

Bioelectromagnetics

Biomedical Radioelectronics

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288

Biophysical Journal

British Medical Journal

Cancer Causes and Control

Compliance Engineering

Computers in Biology and Medicine

Electromagnetic Fórum

Epidemiology

EPRI Journal

Health Physics

IEEE Proceedings in Medicine and Biology Magazine

IEEE Transactions on Antenna and Propagation

IEEE Transactions on Biomedical Engineering

IEEE Transactions on Electromagnetic Compatibility

IEEE Transactions on Microwave Theory and Techniques

International Journal of Radiation Biology

Journal of Biological Chemistry

Journal of Comparative Physiology

Journal of Microwave Power

Journal of the American Medical Association

Journal of Theoretical Biology

Nature

New England Journal of Medicine

Physical Review

Physics Today

Proceedings of the National Academy of Sciences

Public Health

Radiation Research

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289

Science

The Cancer Journal

Transmission and Distribution World

Wirelesseurope

4. Organismos Estrangeiros

Organismos Países Endereços na internet

Califórnia EMF Program USA www.dnai.com/~emf/

Coghill Research Laboratories Ltd

UK www.congresslab.demon. co.uk/

Electric Words Australia www.electric-words.com/

EM Bioprotection USA www.emxgroup.com/

EM Facts Consultancy Austrália www.tassie.net.au/emfacts/

EMF Effects USA www.thwww.com/mrwizard/ wizardEMF.HTM

EMF Guru USA www.emfguru.com/

EMF/RFR Bioeffects and Public Policy

USA www.wave-guide.org/

F.A.C.T.S. USA www.flipag.net/nopoles/

FEB Suécia www.feb.se/

Frequently Asked Questions on Cell Phone Antennas and Human Health

USA www.mcw.edu/gcrc/cop/cell-phone-health-FAQ/toc.html

Frequently Asked Questions on Power Lines and Cancer

USA www.mcw.edu/gcrc/cop/powerlines-cancer-FAQ/toc.html

Frequently Asked Questions on Static Electromagnetic Fields and Cancer

USA www.mcw.edu/gcrc/cop/static-fields-cancer-FAQ/toc.html

International EMF Project Suíça www.who.ch/emf/

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290

Less EMF USA www.lessemf.com/emf-news.html

Microwave News USA www.microwavenews.com/

NEFTA USA kato.theramp.net/nefta/

NRPB UK www.nrpb.org.uk/

OSHA USA www.osha-slc.gov/SLTC/ radiofrequencyradiation/

Powerwatch UK www.powerwatch.org.uk/

Radiation and Health Physics USA www.umich.edu/~radinfo/

RF Safe USA www.rfsafe.com/

RF Safety Program USA www.fcc.gov/oet/rfsafety/

SARData USA www.sardata.com/

SARTest UK www.sartest.com/

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291

ANEXO 1. PENETRAÇÃO DO CAMPO ELÉCTRICO NOS TECIDOS BIOLÓGICOS

1.1. CAMPO ELÉCTRICO ESTACIONÁRIO Considerem-se 2 meios homogéneos e isotrópicos, 1 e 2, caracterizados

respectivamente pelas suas permitividades (ou constantes dieléctricas) ε1 e ε2,

e pelas suas condutividades eléctricas σ1 e σ2, separados por uma fronteira

plana, como se mostra na figura A1. O meio 1 poderá ser considerado como

sendo o ar, o meio 2 como um tecido biológico humano, e a fronteira de sepa-

ração como a pele que reveste o tecido biológico. Por outro lado, como se

mostra ainda na figura A1, as linhas de força do vector intensidade do campo

eléctrico E1, do vector deslocamento eléctrico (ou densidade de fluxo eléctrico)

D1, assim como do vector densidade de corrente eléctrica J1, no meio 1 (ar), ao

incidirem na fronteira de separação (pele) segundo um ângulo de inclinação α1,

sofrem um fenómeno de refracção ao penetrarem no tecido biológico, sendo

assim desviados no interior do meio 2 segundo um ângulo de inclinação α2.

Figura A1 – Refracção dos vectores intensidade do campo eléctrico E,

deslocamento eléctrico (ou densidade de fluxo eléctrico) D, e densidade

de corrente eléctrica J, ao penetrarem nos tecidos biológicos, considerando

o ar e os tecidos como meios homogéneos e isotrópicos.

fronteira (pele)

meio 2 (tecido biológico)

2Jr

1Jr

2Dr

1Dr

2Er

1Er

2tEr

1tEr

1nEr

2nEr

α2

α1

ε1 σ1

ε2 σ2

meio 1 (ar)

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292

É sabido, do estudo da electrostática, que se tem uma continuidade das com-

ponentes tangenciais do vector intensidade do campo eléctrico, ou seja:

21 tt EE =

Por outro lado, se a densidade superficial de cargas eléctricas na fronteira de

separação for ρS, tem-se, através do teorema de Gauss:

Snn DD ρ=− 21

Atendendo ainda a que os dois meios são isotrópicos, pode-se escrever:

111 nn ED ε=

222 nn ED ε=

vindo assim, por substituição:

Snn EE ρεε =− 2211

Adicionalmente, para correntes eléctricas estacionárias, isto é, invariantes no

tempo (corrente contínua), tem-se:

21 nn JJ =

e, atendendo a que os dois meios são isotrópicos, isto é:

111 nn EJ σ=

222 nn EJ σ=

virá ainda:

2211 nn EE σσ =

Por conseguinte, tem-se assim, para grandezas estacionárias:

21 tt EE =

Snn EE ρεε =− 2211

02211 =− nn EE σσ

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293

Atendendo ainda à figura A1, podem-se escrever as seguintes relações trigono-

métricas:

1

11

n

t

EE

tg =α

2

22

n

t

EE

tg =α

vindo assim:

2

1

1

2

1

2

2

1

2

1σσ

αα

===n

n

n

n

t

tEE

EE

EE

tgtg

ou seja, por simplificação:

22

11 α

σσα tgtg =

Na prática, como se podem considerar os seguintes valores:

• material 1 (ar) : σ1 = 10-13 S/m

• material 2 (tecido biológico): σ2 = 10-1 S/m

virá, em termos numéricos comparativos:

212

1 10 αα tgtg −=

Se o campo eléctrico exterior incidir perpendicularmente à pele, tem-se

α1 ≅ 0o (≅ 0,5º), ou seja:

212o 10)5,0( αtgtg −=

102 10=αtg

o2 90≅α

constatando-se assim que o vector intensidade do campo eléctrico E2 é

praticamente paralelo à pele, o que é o mesmo que dizer-se que o campo

eléctrico exterior sofre uma refracção sensivelmente igual a 90º ao penetrar

nos tecidos biológicos.

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294

Fazendo agora:

incidente) (campoexterno11 EEEn =≈

absorvido) (campointerno2 EEn ≈

virá:

interno2externo1 EE σσ ≈

121

13

2

1

externo

interno 101010 −

−=≈=

σσ

EE

concluindo-se deste modo que a intensidade do campo eléctrico interno, no

tecido biológico, é insignificante.

Na figura A2, extraída de um artigo científico publicado na revista

Bioelectromagnetics nº 1, pp. 117-129, em 1980, ilustra-se esquematicamente

os valores das densidades de corrente geradas nos tecidos biológicos

humanos, do porco e do rato, quando sujeitos a um campo eléctrico vertical,

estacionário, respectivamente com as intensidades de 180 kV/m, 67 kV/m e 37

kV/m. Note-se que essas densidades de corrente são devidas às correntes

eléctricas que circulam nos tecidos, com origem nos campos eléctricos

internos. Como se constata, os seus valores são insignificantes, notando-se

que são mais elevados nas zonas de menor secção, como sucede no pescoço,

nas pernas, e sobretudo nas articulações.

Figura A2 – Densidades de corrente nos tecidos biológicos do homem, do porco,

e do rato, quando sujeitos a campos eléctricos verticais estacionários.

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295

Por outro lado, se se atender à configuração física humana (vertical, alongada

e estreita), e do rato (baixa e comprida), facilmente se conclui que este último

se encontra sujeito a uma maior dose de linhas de força do campo eléctrico,

isto é, para a mesma intensidade do campo eléctrico externo, o campo eléctrico

interno no corpo do homem será bastante inferior, ou, como corolário, para se

ter a mesma intensidade do campo eléctrico interior no homem e no rato, a

intensidade do campo eléctrico exterior a que o rato deverá estar sujeito é

bastante menor que a do corpo humano.

No estudo teórico que se desenvolveu anteriormente, considerou-se que os

tecidos biológicos são homogéneos e isotrópicos, todavia, na prática, tal não

sucede, como se demonstra através da figura A2, apesar dos valores indicados

terem sido estimados apenas teoricamente.

1.2. CAMPO ELÉCTRICO QUASE ESTACIONÁRIO Esta designação física e electrotécnica, de quase estacionário, diz respeito a

grandezas variáveis no tempo, de uma forma alternada sinusoidal, com uma

frequência extremamente reduzida, como sucede por exemplo com a tensão

eléctrica e com a intensidade da corrente eléctrica, nas redes de distribuição de

energia em baixa tensão a 50 Hz.

Para melhor compreensão da notação simbólica utilizada, considere-se então

uma tensão eléctrica e uma intensidade de corrente eléctrica, cujos valores

instantâneos u e i são alternados sinusoidais. Por conseguinte, pode-se

escrever, respectivamente:

tUu ωsin2=

)(sin2 ϕω −= tIi

sendo U e I os respectivos valores eficazes, ω = 2 π f a frequência angular elé-

ctrica, f a frequência, t o tempo, e ϕ o ângulo de desfasamento entre a sinu-

sóide da corrente e a sinusóide da tensão.

Em termos de notação simbólica, estas duas grandezas podem ser represen-

tadas através de variáveis complexas, designadas por fasores, tendo-se assim,

respectivamente, para o fasor da tensão (ou tensão eficaz complexa), e para o

fasor da corrente (ou corrente eficaz complexa):

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296

0jeUU =

ϕjeII −=

sendo 1−=j .

Regressando então ao estudo dos campos eléctricos, e tendo ainda em

atenção a figura A1, pode-se escrever, em termos de fasores:

Snn EE ρεε =− 2211

Snn jEE ρωσσ −=− 2211

Combinando estas duas equações, obtém-se:

211

221 nn E

jjE

εωσεωσ

++

=

Como se tem, para os mesmos materiais, isto é, para o meio 1 (ar) e para o

meio 2 (tecido biológico), respectivamente:

• σ1 = 10-13 S/m

• σ2 = 10-1 S/m

• ε1 = 10-11 F/m

• ε2 = 10-5 F/m

virá, para a frequência f = 50 Hz:

rad/s314502 =×= πω

2913

31

21113

51

1 1031010310

10314101031410

nnn EjjE

jjE −−

−−

−−

−−

××+××+

≈××+××+

=

Atendendo ainda a que se tem:

22 εωσ >>

11 εωσ <<

pode-se escrever:

21

22

1

21 nnn EjE

jE

εωσ

εωσ

−=≈

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297

Por conseguinte, ao substituírem-se valores ter-se-á:

27

211

1

1 10310314

10nnn EjEjE ××−=

×−≈ −

ou seja:

8

externo

interno

1

2 103 −×≈=EE

EE

n

n

concluindo-se igualmente que a intensidade do campo eléctrico absorvido é

insignificante.

No ábaco da figura A3 (U.S. Office of Technology Assessment. Biological

Effects of Power Frequency Electric and Magnetic Fields. U.S. Government

Printing Office, Washington, DC, Background Paper OTA-BP-E-53, 1989),

mostram-se os níveis de exposição ao valor eficaz da intensidade do campo

eléctrico, em função da distância, para linhas de transporte de alta tensão a

500 kV, para linhas e instalações eléctricas de distribuição em baixa tensão, e

para equipamentos eléctricos de uso geral, como por exemplo electro-

domésticos. Note-se, como curiosidade, que, para distâncias inferiores a cerca

de 0,5 m, o nível de exposição aos electrodomésticos é bastante superior ao

que se verifica com as instalações eléctricas de baixa tensão.

Figura A3 – Valor eficaz da intensidade do campo eléctrico em função

da distância, para linhas de alta tensão, instalações de distribuição

em baixa tensão, e electrodomésticos.

Page 309: EFEITOS BIOLÓGICOS DOS CAMPOS …webx.ubi.pt/~catalao/livro.pdf · campos magnéticos, e de radiação de rádio-frequência. • Descrição e compreensão dos mecanismos de acção

298

ANEXO 2. PENETRAÇÃO DO CAMPO MAGNÉTICO NOS TECIDOS BIOLÓGICOS

2.1. CAMPO MAGNÉTICO ESTACIONÁRIO Tal como sucedeu relativamente à incidência do campo eléctrico, considerem-

-se 2 meios homogéneos e isotrópicos, 1 e 2, caracterizados respectivamente

pelas suas permeabilidades magnéticas μ1 e μ2, como se mostra na figura A4.

O meio 1 poderá ser considerado como sendo o ar, o meio 2 como um tecido

biológico humano, e a fronteira de separação como a pele que reveste o tecido

biológico. Por outro lado, como se mostra ainda na figura A4, considere-se

ainda genericamente que as linhas de força do vector intensidade do campo

magnético H1, assim como do vector densidade de fluxo magnético B1, no meio

1 (ar), ao incidirem na fronteira de separação (pele) segundo um ângulo de

inclinação α1, sofrem um fenómeno de refracção ao penetrarem no tecido

biológico, sendo assim desviados no interior do meio 2 segundo um ângulo de

inclinação α2.

Figura A4 – Refracção dos vectores intensidade do campo magnético H

e densidade de fluxo magnético B, ao penetrarem nos tecidos biológicos,

considerando o ar e os tecidos como meios homogéneos e isotrópicos.

fronteira (pele)

meio 2 (tecido biológico)

2Br

1Br

2Hr

1Hr

2tHr

1tHr

1nHr

2nHr

α2

α1

μ1

μ2

meio 1 (ar)

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299

Considerando a não existência de correntes eléctricas na fronteira entre os dois

meios, as componentes tangenciais do vector intensidade do campo magnético

são contínuas, podendo-se assim escrever:

21 tt HH =

Por outro lado, atendendo ao teorema de Gauss, a componente normal do

vector densidade de fluxo magnético é contínua através da fronteira entre dois

meios, ou seja:

21 nn BB =

mas como se tem ainda:

111 nn HB μ=

222 nn HB μ=

então, por substituição, virá:

2211 nn HH μμ =

Da figura A4, por sua vez, obtêm-se as seguintes relações:

1

11

n

t

HH

tg =α

2

22

n

t

HH

tg =α

donde, por combinação:

2

1

1

2

1

2

2

1

2

1μμ

αα

===n

n

n

n

t

tHH

HH

HH

tgtg

22

11 α

μμα tgtg =

Na prática, como a maioria dos tecidos biológicos tem uma permeabilidade

magnética igual à do vazio, tem-se μ1 ≅ μ2 ≅ μ0, isto é:

21 αα tgtg ≈

21 αα ≈

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300

Por conseguinte, conclui-se que:

• não há refracção das linhas de força do campo magnético ao incidirem

nos tecidos biológicos.

• considerando Bn1 = Bexterno e Bn2 = Binterno, como se tem Bn1 = Bn2, então

Binterno = Bexterno, ou seja, não existe atenuação à penetração das linhas

de força do campo magnético nos tecidos biológicos.

• não existe indução de correntes eléctricas nos tecidos, na medida em

que a intensidade dos campos magnéticos é invariante no tempo.

2.2. CAMPO MAGNÉTICO QUASE ESTACIONÁRIO Contrariamente aos campos magnéticos estacionários, quando a sua inten-

sidade varia no tempo, ao penetrarem nos tecidos biológicos, irão gerar

correntes eléctricas, igualmente variáveis no tempo, induzidas com base na lei

de Faraday, como se demonstra seguidamente. Considere-se então a figura

A5, onde se representa uma linha de força do vector densidade de fluxo

magnético B, e um circuito eléctrico fechado, de forma circular com raio r e

perímetro L. Adicionalmente, S representa a área da superfície circular limitada

pelo circuito eléctrico e que é atravessada pelo campo magnético, E o vector

intensidade do campo eléctrico induzido no circuito, e σ a condutividade

eléctrica do material condutor de que é feito o circuito.

Figura A5 – Esquematização da lei de indução de Faraday – interacção

entre um campo magnético variável no tempo e um circuito eléctrico fechado.

σ

Ldr

Er

dS

L

Br

S dS

r

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301

De acordo com a lei de indução de Faraday, tem-se:

∫∂∂

−∫ =•SL

SdtBLdE

rr

Considerando que o valor instantâneo da densidade de fluxo (módulo do vector

densidade de fluxo) é alternado sinusoidal, isto é:

tBB ef ωsin2=

obtém-se, para a integração da equação de Faraday:

∫−∫ =S

efL

SdtBdLE ωω cos2

StBLE ef ωω cos2−=

2)2

(sin22 rtBrE ef ππωωπ ×−=×

)2

(sin22 πωω −= tBrE ef

Por conseguinte, o valor eficaz da intensidade do campo eléctrico induzido é

dado através da seguinte expressão:

2ef

efBr

=

Por outro lado, como o valor eficaz da densidade de corrente que circulará no

circuito fechado é:

efef EJ σ=

virá finalmente, por substituição:

2ef

efBr

Jωσ

=

Considerando um tecido biológico, tem-se σ = 10-1 S/m. Assim sendo, para um

circuito com r = 10-1 m, virá, para a frequência de 50 Hz (ω = 314 rad/s):

efef BE 7,15=

efef BJ 57,1=

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302

Por exemplo, para se obter uma densidade de corrente de 10-3 A/m2, seria

necessário uma densidade de fluxo com o valor:

mT64,0T1064,057,1

1057,1

33

=×=== −−

efef

JB

a qual induziria um campo eléctrico com a seguinte intensidade:

mV/m 10 V/m10101064,07,157,15 33 =×=××== −−efef BE

Considerando que se teria Einterno = Eef = 10 mV/m, se se tiver em conta que se

está em presença de um campo interno de 50 Hz, para se conseguir ter esta

intensidade, seria necessário que o valor eficaz do campo externo tivesse o

seguinte valor:

kV/m 300 V/m103001031010

1033

8

3

8-interno

externo =×≈×

×=

×=

−EE

Figura A6 – Valor eficaz da densidade de fluxo magnético em função

da distância, para linhas de alta tensão, instalações de distribuição

em baixa tensão, e electrodomésticos.

No ábaco da figura A6 (U.S. Office of Technology Assessment. Biological

Effects of Power Frequency Electric and Magnetic Fields. U.S. Government

Printing Office, Washington, DC, Background Paper OTA-BP-E-53, 1989),

mostram-se os níveis de exposição ao valor eficaz da densidade de fluxo

magnético, em função da distância, para linhas de transporte de alta tensão a

Page 314: EFEITOS BIOLÓGICOS DOS CAMPOS …webx.ubi.pt/~catalao/livro.pdf · campos magnéticos, e de radiação de rádio-frequência. • Descrição e compreensão dos mecanismos de acção

303

500 kV, para linhas e instalações eléctricas de distribuição em baixa tensão, e

para equipamentos eléctricos de uso geral, como por exemplo electro-

domésticos. Note-se, como curiosidade, que, para distâncias inferiores a cerca

de 1 m, o nível de exposição aos electrodomésticos é bastante superior ao que

se verifica com as linhas de transporte de energia e com as instalações

eléctricas de baixa tensão. Todavia, tal como sucede com a exposição a

campos eléctricos (figura A3), o nível dessa exposição diminui muito rapida-

mente com a distância.

Relativamente aos electrodomésticos, é de salientar que os relógios digitais, na

maioria das situações devido ao seu deficiente projecto eléctrico e electrónico,

podem originar níveis de exposição da ordem de 100 μT, na sua proximidade,

e, se se atender a que esses relógios se encontram sobre as mesas de

cabeceira dos quartos de dormir, durante a noite a cabeça fica exposta

permanentemente a níveis elevados de campo magnético, níveis esses

superiores ao nível médio verificado normalmente nas habitações.

Outra situação curiosa, ocorre com as incubadoras, onde os níveis de

exposição a campos magnéticos se situam entre 0,23 μT e 4,4 μT, com uma

média aritmética de 1,0 μT. Ora, muitos destes valores são consideravelmente

superiores aos existentes em áreas residenciais situadas nas proximidades de

linhas aéreas de transporte de energia.

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304

ANEXO 3. CAMPOS ELÉCTRICOS E MAGNÉTICOS EM LINHAS DE TRANSPORTE DE ENERGIA

Como se tem vindo a assistir publicamente, a problemática dos potenciais

efeitos nocivos causados pela exposição a campos eléctricos e magnéticos

emitidos por linhas aéreas de transporte de energia em alta e muito alta tensão,

encontra-se na ordem do dia, apesar de, por um lado, se citarem de facto

estudos epidemiológicos concretos, que indiciam a existência causa-efeito

relativamente a determinadas anomalias na saúde, e por outro, se especular

sem quaisquer argumentos técnicos e científicos, à boa maneira do “diz que

disse”, muito característico da nossa população.

O caso das radiações emitidas por equipamentos informáticos e por telefones

celulares é, na maioria das situações, mais gravoso, todavia ninguém quer ou

pensa deixar de utilizar esses equipamentos, na medida em que colhem

directamente, no dia a dia, os seus benefícios – veja-se a situação para-

digmática das antenas celulares, ou seja, ninguém as quer ver instaladas por

perto, contudo todos querem comunicar por telemóvel com o melhor sinal

possível, berrando raios e coriscos quando tal não acontece. Por outro lado, as

figuras A3 e A6 são bastante elucidativas no que respeita aos electro-

domésticos, contudo, alguém pensa em deixar de os utilizar? Quanto às linhas

aéreas, uma vez que apenas transitam ao longo dos espaços urbanos e rurais,

do ponto de vista psicológico representam o bode expiatório na medida em que

não conferem in situ um benefício directo às populações que se manifestam

contra a sua instalação.

Para uma melhor elucidação, mostra-se na figura A7 os valores medidos da

densidade de fluxo magnético em função da distância, para uma linha de

transporte de energia eléctrica de alta tensão em corrente contínua, constituída

por dois cabos submarinos afastados entre si de 20 metros, no norte da

Europa. Saliente-se que o interesse da utilização do transporte de energia

eléctrica em corrente contínua de alta e muito alta tensão, tem vindo a

aumentar de forma significativa, devido não só ao desenvolvimento dos

conversores electrónicos de potência, mas também por serem necessários

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apenas dois condutores em lugar de três, como sucede no transporte trifásico.

Este sistema, designado por HVDC (High Voltage Direct Current), com tensões

de ± 1100 kV é utilizado já na Europa, Ásia e América do Norte, sendo de

realçar que o transporte de energia é realizado através de cabos submarinos

entre a Suécia, Finlândia, Dinamarca, Alemanha e Polónia.

Como se constata da figura A7, a densidade de fluxo é mais elevada a 2 m

acima dos cabos, sendo o máximo atingido, como é natural, junto aos dois

cabos. Por outro lado, a 10 m acima, as densidades de fluxo são bastante

inferiores às do campo magnético terrestre.

Figura A7 – Densidades de fluxo em função da distância, para uma linha HVDC

constituída por dois cabos submarinos, e para uma corrente de 1333 A.

Por sua vez, na figura A8 mostram-se os valores da intensidade do campo

eléctrico em função da distância, para linhas de transporte trifásicas de 400 kV,

220 kV, e 130 kV, indicando-se esquematicamente a configuração dos postes

assim como os valores das distâncias entre condutores e entre condutores e o

solo. Como se pode observar, o valor máximo da intensidade do campo

eléctrico situa-se junto aos condutores e, como não poderia deixar de ser,

quanto mais alto é o nível da tensão nominal, mais elevadas são as

intensidades do campo eléctrico, para a mesma distância dos condutores.

Na figura A9 mostram-se os valores da densidade de fluxo em função da

distância, para quatro linhas trifásicas de transporte, constatando-se, para a

linha de tensão mais elevada, que a 200 m de distância a densidade de fluxo

tem o valor de 0,1 μT, bastante inferior ao que se verifica em incubadoras.

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Figura A8 – Intensidade do campo eléctrico em função da distância, para linhas

aéreas trifásicas de transporte de energia a 400 kV, 220 kV, e 130 kV.

Figura A9 – Densidade de fluxo magnético em função da distância, para linhas aéreas

trifásicas de transporte de energia a 400 kV, 220 kV, 130 kV, e 20 kV, para

intensidades de corrente respectivamente de 1200 A, 500 A, 350 A, e 300 A.

Finalmente, na figura A10 mostra-se, para uma linha trifásica de 220 kV, como

se consegue reduzir drasticamente a densidade de fluxo magnético em função

da distância, utilizando-se diferentes configurações de postes, ou seja, de

instalação e disposição dos condutores.

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Figura A10 – Exemplos de redução da densidade de fluxo magnético em função da

distância, para uma linha aérea trifásica de transporte de energia, utilizando

diferentes configurações de instalação.

A configuração (A), que é aquela que conduz a densidades de fluxo mais

elevadas, em contrapartida é a mais económica, o mesmo sucedendo um

pouco com a configuração (B), que apresenta custos todavia mais elevados

devido à maior altura dos postes. Quanto à configuração (C), que é significati-

vamente a melhor em termos da emissão de campos magnéticos representa,

contudo, a solução mais cara, na medida em que duas das fases são

repartidas por dois condutores, obrigando ainda à utilização de um maior

número de isoladores por poste (11 contra 3).

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Um outro aspecto importante no que respeita à exposição a campos magné-

ticos, diz respeito ao transporte ferroviário de passageiros, sendo de destacar

que, no interior das carruagens, assim como das locomotivas e automotoras,

coexistem várias gamas de frequências, associadas aos motores de tracção,

aos conversores electrónicos de potência, aos sistemas electrónicos de

regulação e comando dos conversores, aos sistemas electrónicos de regulação

da iluminação e da climatização, e ainda aos sistemas de comunicações. No

ábaco da figura A11 relacionam-se, para cada tipo de material circulante

eléctrico em corrente monofásica, os valores da densidade de fluxo com as

gamas de frequência respectivas. Nesta figura tem-se NEC – U.S. Amtrak

Northeast Corridor, TR-07 – German Transrapid Maglev System, TGV – Train a

Grande Vitesse, e NJT – New Jersey Transit.

Figura A11 – Densidades de fluxo em função das diversas gamas de

frequência, em material ferroviário de corrente monofásica

(1 mG = 0,1 μT).