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1 EFEITO DO ENVELHECIMENTO ACELERADO SOBRE AS PROPRIEDADES DO MICROBETÃO FIBRO-REFORÇADO COM FIBRAS NATURAIS Paulo R. L. Lima 1 , Romildo D. Toledo Filho 2 , Reiner Neumann 3 , Joaquim A. O. Barros 4 1 Programa de Pós-gradução em Engenharia Civil e Ambiental,Universidade Estadual de Feira de Santana, [email protected], 2 Programa de Engenharia Civi/COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro, [email protected], 3 Centro de Tecnologia Mineral, [email protected], 4 Departamento de Engenharia Civil, Universidade do Minho, [email protected] RESUMO A utilização de microbetão fibro-reforçado sob a forma de lâmina em reforços estruturais ou em sistemas de construção modular com painéis de EPS reforçados é cada vez mais comum. O uso de fibras vegetais neste tipo de aplicação traz vantagens técnicas, económicas e ecológicas, desde que o microbetão possa ser dosado com adições pozolânicas que reduzam a sua alcalinidade e garantam a durabilidade da fibra. Neste trabalho, dois microbetões foram dosados: um de referência, com traço 1:1:0.4 (cimento:areia:fator água/cimento), em massa, e outro com a substituição de 30% do cimento por metacaolinita, para produção de compósitos laminados reforçados com fibras longas de sisal. Placas laminadas foram submetidas a flexão direta após 28 dias de cura em água e após 12 e 25 ciclos de molhagem e secagem, para avaliação do efeito do envelhecimento acelerado sobre o comportamento mecânico sob flexão. A análise da microestrutura após aplicação de 12 ciclos de envelhecimento foi realizada a partir de microscopia eletrônica de varredura e espectroscopia de raio-X por energia dispersiva (EDS). Os resultados demonstram que no microbetão contendo apenas cimento, o hidróxido de cálcio foi lixiviado da matriz e depositado na superfície da fibra. Com isso, os compósitos envelhecidos apresentaram ruptura brusca devido ao enfraquecimento das fibras. Nos compósitos contendo metacaolinita, a matriz mostrou-se livre de hidróxido de cálcio, e o comportamento mecânico pós-fissuração não foi alterado pelo envelhecimento. No entanto, a variação de temperatura e humidade do ciclo molhagem-secagem induziu a fissuração do microbetão antes da aplicação do carregamento mecânico, o que afetou a resistência à formação da primeira fissura dos compósitos e modo de ruptura, o qual aconteceu por delaminação. Palavras-chave: Compósitos / Metacaolinita / Fibra de sisal / Durabilidade

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EFEITO DO ENVELHECIMENTO ACELERADO SOBRE AS PROPRIEDADES DO MICROBETÃO FIBRO-REFORÇADO

COM FIBRAS NATURAIS

Paulo R. L. Lima1, Romildo D. Toledo Filho

2, Reiner Neumann

3, Joaquim A. O. Barros

4

1 Programa de Pós-gradução em Engenharia Civil e Ambiental,Universidade Estadual de Feira de Santana,

[email protected], 2 Programa de Engenharia Civi/COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro,

[email protected], 3Centro de Tecnologia Mineral, [email protected],

4Departamento de Engenharia

Civil, Universidade do Minho, [email protected]

RESUMO

A utilização de microbetão fibro-reforçado sob a forma de lâmina em reforços estruturais ou

em sistemas de construção modular com painéis de EPS reforçados é cada vez mais

comum. O uso de fibras vegetais neste tipo de aplicação traz vantagens técnicas,

económicas e ecológicas, desde que o microbetão possa ser dosado com adições

pozolânicas que reduzam a sua alcalinidade e garantam a durabilidade da fibra. Neste

trabalho, dois microbetões foram dosados: um de referência, com traço 1:1:0.4

(cimento:areia:fator água/cimento), em massa, e outro com a substituição de 30% do

cimento por metacaolinita, para produção de compósitos laminados reforçados com fibras

longas de sisal. Placas laminadas foram submetidas a flexão direta após 28 dias de cura em

água e após 12 e 25 ciclos de molhagem e secagem, para avaliação do efeito do

envelhecimento acelerado sobre o comportamento mecânico sob flexão. A análise da

microestrutura após aplicação de 12 ciclos de envelhecimento foi realizada a partir de

microscopia eletrônica de varredura e espectroscopia de raio-X por energia dispersiva

(EDS). Os resultados demonstram que no microbetão contendo apenas cimento, o hidróxido

de cálcio foi lixiviado da matriz e depositado na superfície da fibra. Com isso, os compósitos

envelhecidos apresentaram ruptura brusca devido ao enfraquecimento das fibras. Nos

compósitos contendo metacaolinita, a matriz mostrou-se livre de hidróxido de cálcio, e o

comportamento mecânico pós-fissuração não foi alterado pelo envelhecimento. No entanto,

a variação de temperatura e humidade do ciclo molhagem-secagem induziu a fissuração do

microbetão antes da aplicação do carregamento mecânico, o que afetou a resistência à

formação da primeira fissura dos compósitos e modo de ruptura, o qual aconteceu por

delaminação.

Palavras-chave: Compósitos / Metacaolinita / Fibra de sisal / Durabilidade

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1. INTRODUÇÃO

O uso de fibra vegetais, renováveis e com baixo consumo de energia para produção e

beneficiamento, no reforço de matrizes de base cimentícia é uma alternativa tecnicamente

eficiente e ecologicamente mais sustentável, quando comparado com o uso de fibras

manufaturadas. Compósitos reforçados com fibras de sisal podem apresentar ganho de

resistência e tenacidade sob flexão, após a fissuração da matriz, desde que se utilizem

matrizes apropriadas (Lima et al., 2016).

No entanto, problemas de durabilidade foram identificados em telhas telhas e placas

corrugadas de argamassa reforçadas com fibras curtas de sisal com apenas 6 meses de

uso. A investigação dos mecanismos de interação fibra-matriz identificou uma

incompatibilidade química da matriz alcalina de cimento, que produzia nas fibras a quebra

da cadeia molecular da celulose e a mineralização do lúmen da fibra, devido a migração dos

hidróxido de cálcio livre (Gram, 1983; Toledo Filho et al., 2000). A busca por soluções

técnicas que aumentasse a durabilidade da fibra dentro da matriz de cimento resultou na

aplicação de tratamentos da fibra (Ferreira et al., 2015), modificações na composição da

matriz de cimento, com o uso de adições minerais, e tratamento do compósito endurecido

com impermeabilização ou carbonatação (Toledo et al., 2000; Tonoli et al., 2010; Gram,

1983; Mohr et al., 2007; Lima e Toledo Filho, 2008; Claramunt et al., 2016).

A avaliação da durabilidade dos compósitos tem sido feita através de exposição a

envelhecimento natural em países de clima tropical (Roma et al., 2008) ou temperado

(Toledo Filho et al., 2003) e através de ensaios de envelhecimento acelerado,

nomeadamente através de ciclos de molhagem e secagem, com condições variadas de

tempo e temperatura (Bergstrom e Gram, 1984; Toledo filho et al., 2003; Melo Filho et al.,

2013; Wei e Meyer, 2015). No entanto, apesar da confirmação da manutenção da

durabilidade da fibra e tenacidade do compósito após envelhecimento acelerado, os estudos

não têm apontado o efeito da ciclagem sobre as matrizes com elevado teor de adição.

Neste trabalho, dois microbetões reforçados com fibras longas de sisal foram produzidos

utilizando apenas cimento portland ou um ligante composto de cimento portland e 30% de

metacaolinita com o objetivo de avaliar o efeito do envelhecimento acelerado sobre o

comportamento mecânico do compósito e sobre a resistência e composição química da

matriz. O envelhecimento acelerado foi simulado através da aplicação de ciclos de

molhagem por imersão em água e secagem em estufa a 70o C, tendo o seu efeito sido

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avaliado a partir de ensaio mecânico de flexão, microscopia eletrônica de varredura e

espectroscopia de raio-X por energia dispersiva (EDS).

2. METODOLOGIA

2.1. Materiais

A fibra de sisal (agave sisalana), proveniente do Brasil, foi cortada manualmente em

amostras com 400 mm de comprimento. O microbetão utilizado como matriz para o

compósito possuía um traço, em massa, de 1:1 (aglomerante:areia) com fator água-

aglomerante de 0,3 e adição de 0,5% de superplastificante à base de naftaleno sulfonado. A

areia utilizada possuía módulo de finura 2,37 e massa específica de 2,64 g/cm3. Foram

avaliadas matrizes contendo apenas cimento (matriz M1), e uma outra utilizando 30% de

metacaolinita (matriz M2) por substituição de cimento. Para isso, foi realizado um estudo

inicial em pastas, com teor de substituição de cimento por 20, 30 e 40% de metacaolinita,

para avaliação do consumo de hidróxido de cálcio livre. Empregou-se cimento Votoran CP III

– 40, com densidade de 3,0 g/cm3 e superfície específica (BET multiponto, com N2) de

0,2974 m2/g. A metacaolinita, com densidade de 2,5755 g/cm3 e a superfície específica de

40,6987 m2/g, foi produzida e caracterizada por Lima (2004).

Para produção dos laminados, os materiais foram lançados em moldes metálicos com

dimensões internas de 400 x 400 mm. O reforço principal foi dosado para um volume de

fibras longas de cerca de 3%, distribuído em duas camadas com 1,5% de fibra em cada

uma. Após o lançamento da última camada de microbetão, os corpos-de-prova foram

submetidos a pressão de moldagem de 2 MPa, tendo sido observada a expulsão de água e

a redução da espessura da placa no estado fresco. Apesar de não ter sido quantificada, foi

observado que, para a matriz com metacaolinita, a quantidade de água extraída foi muito

menor que para a matriz de cimento. Os laminados foram curados em água, até à idade de

28 dias, em um tanque de cura à temperatura de 25 ± 1o C.

2.2. Métodos de ensaio

O ensaio de flexão dos compósitos foi realizado numa máquina universal de 20 kN, tendo-se

adotada uma configuração de quatro pontos de carga, vão de 300 mm e taxa de

deslocamento de 0,5 mm/min. A partir da curva carga-deslocamento foram calculados: a)

Resistência ao início da fendilhação da matriz (FCS), dada por (1), em que L

(= 350 mm), e (= 10 mm) e b (= 40 mm) representam, respectivamente, o vão, a espessura

e a largura do provete. Neste trabalho, a carga Pf corresponde à primeira queda de

resistência identificada na curva carga-deslocamento; b) Máxima tensão pós-fissuração ( b b

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) – determinada a partir da carga máxima (Pmax) resistida pelo compósito após a primeira

fissura, também obtida através da Eq. (1); c) Tenacidade (TJCL) - energia absoluta definida

como a área sob a curva carga-deslocamento para um deslocamento a meio vão de 12 mm;

d) Fator de carga P*=Pn/Pf, definido pela norma NBN B 15 238 (1992), para deslocamentos

de 0,5 mm, 0,75 mm, 1 mm, 2 mm, 3 mm, 6 mm e 12 mm.

Para o envelhecimento acelerado foi definido um ciclo de 48 horas, sendo 17 horas em água

a 22o C, 30 horas em estufa a 70o C, e 1 hora em condições ambientais naturais, antes da

próxima saturação. Ensaios termogravimétricos foram realizados para determinação do teor

de hidróxido de cálcio livre nas pastas. Os ensaios foram realizados em atmosfera de

nitrogênio, a uma taxa de 10°C/min. Análise de microscopia de varredura (MEV), usando

imagem de elétrons retroespalhados e espectroscopia de raio-X por energia dispersiva

(EDS), foi realizada em amostras embutidas em resina epóxi, lixadas, polidas e cobertas

com carbono.

3. RESULTADOS

3.1. Determinação de uma matriz quimicamente durável

Na Fig. 1 são apresentadas curvas termogravimétricas para pastas de cimento e pastas com

substituição de 40% de cimento por metacaolinita.

Fig. 1 - Análise termogravimétrica (TG) e diferencial (DTA) de pastas de cimento e pastas com

40% de metacaolinita, em várias idades

Observa-se que para temperatura próxima de 440o C há um acentuado gradiente de perda

de massa por aumento de temperatura, que corresponde à desidroxilação do Ca(OH)2, a

qual pode ser avaliada qualitativamente pelos picos nos diagramas de DTA. Para a mistura

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com 4 horas essa perda não é identificada, uma vez que não houve tempo suficiente de

hidratação para formação do hidróxido de cálcio. Nas restantes misturas, com maiores

tempos de cura, as perdas de água corresponderam a 0,75%, 1,50%, 1,76% e 1,93% da

massa da amostra a 36 ºC, para idades de 10h, 24h, 7 dias e 28 dias, respectivamente. Isso

corresponde a uma desidroxilação de 3,08%, 6,17%, 7,24% e 7,90% de hidróxido de cálcio,

respectivamente.

Para pastas com metacaolinita, observa-se na Fig. 1 que, nas curvas da análise

termogravimétrica, não há o aparecimento dos picos característicos da desidroxilação do

Ca(OH)2, na temperatura de cerca 440oC. A ausência dessa reação é confirmada pelas

curvas DTA, indicando a ausência de Ca(OH)2 na mistura. Foram avaliadas pastas com 20%

e 30% de metacaolinita, cujos valores estão apresentados na Tabela 1. Matrizes livres de

hidróxido de cálcio foram conseguidas com substituição de 30% e 40% do cimento (CP) por

metacaolinita (MK). Optou-se pela utilização de 30% de adição nos microbetões pois além

de manter a matriz livre de hidróxido de cálcio, a menor quantidade de adição tende a deixar

a mistura mais trabalhável.

Tabela 1 - Teor de hidróxido de cálcio nas pastas mistas em várias idades

Proporção das pastas (em massa) Aglomerante (CP + adição): A/C

Teor de hidróxido de cálcio livre (% massa)

4h 10h 24h 7d 28d 120d 2anos

CP : 0.4 0,00 3,08 6,17 7,24 7,90 7,20 6,67

(0.8CP + 0.2MK) : 0.4 - - - 0,82 0,77 -

(0.7CP + 0.3MK) : 0.4 - - 0,00 - - 0,00

(0.6CP + 0.4MK) : 0.4 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 - 0,00

3.2. Comportamento mecânico

Na Fig. 2 são apresentadas as curvas tensão versus deslocamento nos compósitos com

matriz de cimento (P3C2-M1) e com matriz com metacaolinita (P3C2-M2), após cura em

água (0 ciclos) e após serem submetidas a 12 ciclos e 25 ciclos de envelhecimento

acelerado. Valores médios de FCS, b e de tenacidade T JCI dos compósitos, com os

respectivos coeficientes de variação (CV), são apresentados na Tabela 2.

a) Fissuração da matriz

Avaliando a resistência de início de fendilhação do compósito (FCS), verifica-se que a

adição de metacaolinita resultou em uma redução da ordem 49,6%. Usando 10% e 30% de

metacaolinita, Mohr et al. (2007) também observaram que os compósitos exibiram 6,7-

24,3% menor FCS que a do compósito de controle, sem adição. Lima e Toledo Filho (2008)

verificaram que a adição de 30% de metacaolinita reduziu em cerca de 36% o valor de FCS

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para misturas sem envelhecimento. A inclusão de metacaolinita como substituição parcial do

cimento aumenta a resistência mecânica do betão até um determinado valor, denominado

nível de substituição ótima, que pode variar de 15% (Dinakar et al., 2013) a 20% (Wild et al.,

1996) após o qual a resistência mecânica começa a reduzir. De acordo com Dinakar et al.,

2013, essa redução pode ser explicada pelo efeito de diluição do clínquer, que é um

resultado da substituição de uma parte do cimento pela quantidade equivalente de

metacaolinita. No concreto com metacaolinita, a reação pozolânica com o hidróxido de

cálcio e o efeito filler reagem contra o efeito de diluição e, dessa forma, há um teor ótimo de

substituição do cimento por metacaolinita. Analisando os resultados apresentados por

Courard et al. (2003) verifica-se um aumento de resistência à flexão até um teor ótimo de

5%, com redução gradual para 10% e 15% de substituição até se atingir uma resistência

similar à do concreto de referência, para teor de metacaolinita de 20%.

Tabela 2 - Resultados experimentais do ensaio de flexão

Compósito.

Ciclos FCS (CV) (MPa)(%)

T JCI (CV)

(KN.mm) (%)

b (CV) (MPa)(%)

P3C

2 -

M

1

0 10,88 (8,3) 1,21 (12,0) 8,40 (2,15)

12 9,97 (3,4) - -

25 9,85 (7,8) - -

P3C

2 -

M

2

0 5,48 (2,4) 0,49 (13,4) 6,27 (4,5)

12 3,47 (1,5) 0,30 (14,5) 3,66 (8,9)

25 3,46 (16,9) 0,32 (22,9) 3,00 (6,4)

Fig. 2 - Curvas típicas carga vs. Deslocamento a meio vão de provetes compósitos com: a)

matriz de cimento; b) 30% de cimento substituído por metacaolinita

No presente trabalho, em que os compósitos foram produzidos sob pressão, a redução de

FCS, com a adição de metacaolinita, pode também estar associada a uma relação

água/aglomerante efetiva maior; apesar de possuírem a mesma relação água/aglomerante

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inicial, durante a prensagem para a produção dos laminados, observou-se visualmente uma

menor expulsão de água da mistura M2, com relação à mistura M1 (sem pozolana).

Após o envelhecimento acelerado, verifica-se uma redução de FCS para ambos os

compósitos: P3C2-M1 apresentou redução de 8,36% e 9,46% após ser submetido a 12

ciclos e 25 ciclos de envelhecimento, respectivamente. Por sua vez o P3C2-M2 apresentou

perdas maiores de resistência, nomeadamente 36,68% e 36,86% para 12 e 25 ciclos,

respectivamente, acompanhando a tendência de redução apontada pela literatura para

compósitos com matriz contendo metacaolinita submetidos a grande variações de

temperatura, como mostra a Fig. 3.

Fig. 3 - Efeito do envelhecimento sobre a resistência de início de fendilhação da matriz (FCS)

de compósitos com metacaolinita

A inspeção da superfície dos compósitos, durante os ciclos de envelhecimento acelerado

permitiu verificar que as placas com metacaolinita apresentavam intensa microfissuração

gerada pelo gradiente térmico (Fig. 4a). Fissuras transversais, na face superior e na face

inferior, e fissuras longitudinais na lateral, ao longo da camada de fibra, também foram

observadas, como mostra a Fig. 4b. As fissuras transversais surgiram possivelmente devido

à grande diferença de coeficiente de dilatação térmica entre a camada de matriz e a fibra.

Assim, as tensões de tração que estão na base das fendas observadas durante os ciclos de

secagem-molhagem acompanhados de variação de temperatura terão sido devidas à

restrição que as fibras ofereceram à deformação da matriz envolvente. A água armazenada

nas fibras terá também contribuído para o desenvolvimento de tensões na zona de interface

entre as fibras e a matriz envolvente devido à sua conversão em vapor quando o laminado

foi sujeito a aumento de temperatura no processo da sua secagem, bem como à variação

dimensional das fibras devido a esta mudança de estado. Este processo poderá ter tido uma

evolução não uniforme na espessura do laminado, tendo gerado curvatura que justifica a

ocorrência de fissuras transversais (Fig. 4b).

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Fig. 4 - Efeito do envelhecimento sobre a matriz com metacaolinita: a) microfissuração; b)

fissuras laterais e longitudinais

b) Comportamento pós-fissuração do compósito

No microbetão fibro-reforçado, quando é formada uma fissura a capacidade de carga que a

matriz suporta é transferida para as fibras que atravessam essa fissura, passando-se a

mobilizar os mecanismos de reforço das fibras. Apesar da utilização de fibras longas neste

trabalho, a relativa baixa aderência das fibras vegetais com matrizes de base cimentícia,

bem como o desenvolvimento de “superfície de fraqueza” na interface entre a camada de

fibras e a matriz em resultado da dificuldade em assegurar um perfeito envolvimento de

todas as fibras da camada por matriz, contribuiu para a ocorrência de queda de capacidade

de carga do laminado imediatamente após a fendilhação da matriz, como mostra a Fig. 2.

Com o processo de tensionamento das fibras, verifica-se então uma fase de ganho de

resistência, até um valor máximo b. Após esse ponto, a ligação fibra-matriz entra numa

fase de progressivo e intenso dano, justificando a fase de amolecimento estrutural verificado

nos ensaios das placas. A ruptura do laminado acontece então pelo arrancamento gradual

das fibras, pelo que as condições de ligação entre as fibras e a matriz são determinantes

para a capacidade do laminado, tal como demonstrado em Barros et al. (2016).

Os compósitos P3C2-M1 e P3C2-M2 apresentaram, aos 28 dias, tensões máximas pós-

fissuração, b, iguais a 8,4 e 6,3 MPa, respectivamente. Comparando com FCS, verifica-se

que, mesmo após a abertura da fissura no betão, a fibra conseguiu manter níveis de

resistência de 77% e 114%, respectivamente. Após o envelhecimento, no entanto, verifica-

se uma mudança significativa no comportamento do compósito P3C2-M1, em que o

surgimento da primeira fissura é seguido da perda total de resistência após 12 e 25 ciclos,

como mostra a Figura 5.

Para P3C2-M2, o valor de b reduziu 41,6% e 52,1% após 12 ciclos e 25 ciclos de

envelhecimento, respectivamente. De acordo com Mohr et al. (2007) o módulo de ruptura de

compósitos com 30% de metacaolinita pode apresentar redução de até 43.5% após

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aplicação de 25 ciclos molhagem-secagem. Enquanto para o laminado P3C2-M1 há uma

redução significativa de P* após 12 e 25 ciclos de envelhecimento, para o laminado P3C2-

M2 o comportamento de P* é praticamente o mesmo para todas as situações de

envelhecimento.

Fig. 5 - Efeito do envelhecimento sobre a resistência pós-fissuração

Para os compósitos P3C2-M2, com metacaolinita, o processo de ruptura foi precedido de

uma delaminação e deslizamento entre camadas de matrizes, que foram microfissuradas

pelo gradiente térmico do processo de envelhecimento, como mostram as Figuras 6a e 6b.

A superfície de fratura do compósito P3C2-M1, apresentada na Figura 6c, indica que o

comprimento de arrancamento das fibras foi severamente afetado pelo envelhecimento

acelerado.

a) b) c))

Fig. 6 - a) Delaminação do laminado envelhecido após a primeira fendilhação sob flexão; b)

momento da ruptura; c) comprimento de arrancamento de fibras

Uma inspeção visual indica a ruptura das fibras rente a matriz. O maior comprimento de

arrancamento do compósito P3C2-M2, por outro lado, indica que a matriz livre de hidróxido

de cálcio foi capaz de manter a integridade da fibra de sisal com o processo de

envelhecimento. O laminado P3C2-M2, por outro lado, apesar de apresentar redução no

módulo de ruptura e de tenacidade, com relação ao compósito não envelhecido (ver Tabela

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2), consegue manter comportamento pós-fissuração com cargas maiores que a de

fissuração, como mostra a Figura 5, que apresenta as variações de P* para os laminados

P3C2-M1 e P3C2-M2.

3.3. Avaliação microestrutural

Na Figura 7 é observada a superfície externa lateral da fibra de sisal, antes de ser utilizada

no compósito e após ser retirada do compósito P3C2-M1, submetido à 12 ciclos de

envelhecimento. Verifica-se que, após o envelhecimento, as fibras perdem parte da

rugosidade superficial (células do parênquima que recobrem a superfície) e produtos de

hidratação permanecem aderidos, mesmo após o seu arrancamento da matriz.

Para identificar o tipo de material presente sobre a superfície das fibras foram realizadas

cinco análises por EDS por fibra para mapeamento dos elementos químicos Si, Ca, K e Na.

O espectro obtido da análise da fibra, em compósito submetido a 12 ciclos de

envelhecimento, está apresentado na Figura 8 e indica a presença de carbono e oxigênio,

natural de produtos orgânicos, e de íons cálcio e traços de sílica oriundos da matriz de

cimento. Resultado similar foi obtido por Savastano et al. (2005) e corrobora a hipótese da

mineralização da fibra devido a migração do cálcio livre para o seu interior.

Fig. 7 - Superfície da fibra de sisal antes do uso e após envelhecimento do compósito

A análise semiquantitativa por EDS dos componentes químicos das matrizes M1 e M2 estão

apresentados na Tabela 3. Verifica-se que a relação CaO/SiO2 para a mistura M1 reduziu de

1,18 para 0,44, o que indica uma redução do teor de cálcio após o envelhecimento. Para a

mistura M2, a relação CaO/SiO2 manteve-se praticamente constante após 12 ciclos de

envelhecimento. Tal comportamento deve-se ao facto do cálcio presente na mistura

contendo metacaolinita fazer parte dos silicatos de cálcio hidratados, que são produtos

menos solúveis que o hidróxido de cálcio.

Para efeito de comparação, verifica-se que, para a mistura M1, o teor de óxido de alumínio,

que é um composto menos solúvel, variou pouco com o envelhecimento acelerado. A

relação Al2O3/SiO2 aumentou de 0,29 para 0,35. Para a mistura M2, a relação Al2O3/SiO2

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aumentou de 0,65 para 0,68.

Fig. 8 - Imagem de elétrons retroespalhados de superfície de fibra em matriz M1 após 12 ciclos

de envelhecimento

Tabela 3 - Composição química, em %, de pasta de cimento dos microbetões obtida através de

análise semi-quantitativa por EDS

Composto M1 M2

0 ciclos 12 ciclos 0 ciclos 12 ciclos

Al2O3 9.8 (11,2) 16.7 (10,2) 29.0 (1,1) 29.4 (4,3)

SiO2 33.5 (2,7) 47.2 (3,8) 44.7 (8,5) 43.5 (2,8)

CaO 39.7 (6,3) 21.0 (14,9) 17.6 (24,9) 17.3 (16,3)

4. CONCLUSÕES

Dos resultados obtidos neste estudo, é possível concluir que:

a) O uso de metacaolinita em teores maiores que 30% conseguem produzir uma matriz a

base de cimento livre de hidróxido de cálcio;

b) Após exposição a envelhecimento acelerado, o hidróxido de cálcio do microbetão de

cimento portland é lixiviado e parte dos íons depositam-se sob a superfície da fibra de sisal,

e como os compósitos produzidos com esse microbetão e fibras longas de sisal perdem a

resistência e tenacidade após envelhecimento, devido à ruptura da fibra;

c) O uso de 30% de metacaolinita em substituição ao cimento permite o desenvolvimento de

um compósito quimicamente durável, com manutenção da resistência e tenacidade pós-

fissuração mesmo após 25ciclos de molhagem-secagem. No entanto, uma maior

suscetibilidade deste betão a danos devido à variação térmica dos ciclos de envelhecimento

acelerado é verificada.

5. AGRADECIMENTOS O autor agradece a CAPES pela bolsa de Estágio Sênior e ao CNPq pelo aporte financeiro à

pesquisa.

Page 12: EFEITO DO ENVELHECIMENTO ACELERADO SOBRE AS … · água e após 12 e 25 ciclos de ... da manutenção da durabilidade da fibra e tenacidade ... de ciclos de molhagem por imersão

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6. REFERÊNCIAS

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