Educadores em Confronto com um Novo Jeito de Pensar

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Quem se encontra Envolvido com a tarefa de educar está, de alguma forma, sempre posto em dificuldade. Isto vale para o âmbito formal, como é o caso da escola, como para o nível informal, no caso dos pais que precisam educar seus filhos. E um dos fatores de insegurança é o avanço da tecnologia, que povoa cada vez mais todas as áreas da nossa vida. Embora seja quase uma “heresia” levantar atualmente alguma questão relacionada aos avanços científicos e tecnológicos, vamos nos arriscar. Na verdade, não queremos nem desvalorizar, nem endeusar alguns dos modos de viver desenvolvidos pelo ser humano. Achamos somente que a vida merece continuar em questão. E, no nosso caso, a educação do ser humano, numa época em que as coisas podem ser alcançadas e os desejos satisfeitos quase de forma imediata. Vemos, no trabalho cotidiano com crianças e jovens, a mudança que está ocorrendo. Uma reticência cada vez maior em realizar tarefas que não tenham solução imediata, que exijam esforços maiores e que contradigam a vontade do momento presente. A dificuldade de professoras e professores em convencer os alunos da necessidade de organizar o tempo e o espaço para além do prazeroso é cada vez maior. A tecnologia entra na vida Não é difícil perceber que o ser humano pensa e desenvolve suas compreensões a partir dos seus envolvimentos cotidianos. Assim também suas ações e envolvimentos são condicionados pelo pensamento. Isso tudo num processo em que o mundo e constituído pelo nosso próprio viver. Podemos dizer que, na medida em que o nosso envolvimento com a tecnologia aumenta, também nosso modo de pensar absorve os mecanismos e modelos de funcionamento da tecnologia. Por exemplo, ao lidar cotidianamente com uma máquina como o computador, nossos comportamentos adquirem expectativas e modos de lidar com a própria realidade aprendidos na lida com o computador. Sem falar na virtualização das relações e dos objetivos, enforcaremos simplesmente o fato de que transferimos para as relações interpessoais e para os objetos o modelo da máquina. E o que acontece na nossa relação com a máquina? Ela simplesmente é feita para funcionar, para responder a uma demanda determinada. É tanto mais valorizada quanto mais rápido e eficazmente cumpre sua tarefa. Se não funciona, precisa ser consertada. E, mais especificamente no caso da tecnologia da informática, o computador ligado a internet é uma máquina que oferece oportunidade para satisfazer quase que imediatamente a curiosidade por algum assunto ou informação. E, cada vez mais, as nossas crianças manuseiam com desenvoltura essas maquinas, buscam nelas o que lhes interessa, e somente o que lhes causa alguma satisfação. A lógica da satisfação imediata Assim como busco na internet aquilo que me agrada, na hora em que sentir vontade, assim também me comporto com o mundo que está além do virtual. A inteligência também absorve uma lógica quase matemática,

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Quem se encontra

Envolvido com a tarefa de

educar está, de alguma forma,

sempre posto em dificuldade.

Isto vale para o âmbito

formal, como é o caso da

escola, como para o nível

informal, no caso dos pais que

precisam educar seus filhos. E

um dos fatores de

insegurança é o avanço da

tecnologia, que povoa cada

vez mais todas as áreas da

nossa vida.

Embora seja quase uma

“heresia” levantar

atualmente alguma questão

relacionada aos avanços

científicos e tecnológicos,

vamos nos arriscar.

Na verdade, não queremos

nem desvalorizar, nem

endeusar alguns dos modos

de viver desenvolvidos pelo

ser humano. Achamos

somente que a vida merece

continuar em questão. E, no

nosso caso, a educação do

ser humano, numa época

em que as coisas podem

ser alcançadas e os desejos

satisfeitos quase de forma

imediata.

Vemos, no trabalho

cotidiano com crianças e

jovens, a mudança que está

ocorrendo. Uma reticência

cada vez maior em realizar

tarefas que não tenham

solução imediata, que

exijam esforços maiores e

que contradigam a vontade

do momento presente. A

dificuldade de professoras e

professores em convencer

os alunos da necessidade

de organizar o tempo e o

espaço para além do

prazeroso é cada vez maior.

A tecnologia entra na vida

Não é difícil perceber que o

ser humano pensa e

desenvolve suas

compreensões a partir dos

seus envolvimentos

cotidianos.

Assim também suas ações

e envolvimentos são

condicionados pelo

pensamento. Isso tudo num

processo em que o mundo e

constituído pelo nosso

próprio viver.

Podemos dizer que, na

medida em que o nosso

envolvimento com a

tecnologia aumenta,

também nosso modo de

pensar absorve os

mecanismos e modelos de

funcionamento da

tecnologia. Por exemplo, ao

lidar cotidianamente com

uma máquina como o

computador, nossos

comportamentos adquirem

expectativas e modos de

lidar com a própria realidade

aprendidos na lida com o

computador. Sem falar na

virtualização das relações e

dos objetivos, enforcaremos

simplesmente o fato de que

transferimos para as

relações interpessoais e

para os objetos o modelo da

máquina.

E o que acontece na

nossa relação com a

máquina? Ela simplesmente

é feita para funcionar, para

responder a uma demanda

determinada. É tanto mais

valorizada quanto mais

rápido e eficazmente

cumpre sua tarefa. Se não

funciona, precisa ser

consertada. E, mais

especificamente no caso da

tecnologia da informática, o

computador ligado a internet

é uma máquina que oferece

oportunidade para satisfazer

quase que imediatamente a

curiosidade por algum

assunto ou informação. E,

cada vez mais, as nossas

crianças manuseiam com

desenvoltura essas

maquinas, buscam nelas o

que lhes interessa, e

somente o que lhes causa

alguma satisfação.

A lógica da satisfação

imediata

Assim como busco na

internet aquilo que me

agrada, na hora em que

sentir vontade, assim

também me comporto com

o mundo que está além do

virtual. A inteligência

também absorve uma lógica

quase matemática,

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calculista. Um exemplo

ilustra nossa reflexão: um

professor, conversando com

seus alunos sobre Deus, é

surpreendido por um aluno

de nove anos, afirmando

que fez um pedido em sua

oração, não foi atendido e

que, portanto, agora não

tem mais motivo para a fé

religiosa. Ou Deus funciona,

ou precisa de conserto, ou

não existe. O mesmo vale

para a relação com os seres

humanos: importam na

medida em que satisfazem

expectativas imediatamente.

Algumas questões

surgem: que tipos de

relacionamentos

desenvolvemos dessa

forma? Que tipo de

regulação social é

necessária quando o olhar e

o horizonte alcançam

somente o prazeroso? Qual

o papel da escola e como

irá desenvolver sua tarefa?

Que tipo de sociedade

teremos? Os valores que

hoje consideramos

importantes para a

convivência e realização

humana ainda serão os

mesmos? Há ainda espaço

para o pensamento e o

mistério em meio ao cálculo

e o previsível?

Seremos confrontados

com a necessidade de

recolocar o problema do

sentido da vida, do projeto

de sociedade que queremos

construir, do modelo de

homem e mulher que

iremos ajudar a formar?

Neste sentido, a novidade

que a tecnologia introduz

em nossa vida não somente

produz melhoras na

qualidade de vida, mas nos

confronta com a nossa

própria existência, com

nossos valores, com a

capacidade de lidar com a

frustação e o sofrimento,

com a dificuldade de tolerar

o que não é imediato, além

de problemas os quais a

educação já está lidando e

deverá enfrentar ainda

mais.

Fonte:

www.mundojovem.com.br

Março, 2007.