Educação, videogames e moralidades pós-modernas · e do adolescente, os riscos da socialização...

20
BRINCO, LOGO APRENDO Educação, videogames e moralidades pós-modernas

Transcript of Educação, videogames e moralidades pós-modernas · e do adolescente, os riscos da socialização...

Page 1: Educação, videogames e moralidades pós-modernas · e do adolescente, os riscos da socialização digital e a construção de novas pedagogias passem a definir novas agendas e políticas

Brinco, logo aprendoEducação, videogames e moralidades pós-modernas

Brinco Logo Aprendo_24abr2014.indd 1 24/4/14 9:05 PM

Page 2: Educação, videogames e moralidades pós-modernas · e do adolescente, os riscos da socialização digital e a construção de novas pedagogias passem a definir novas agendas e políticas

Coleção EDUCAÇÃO E COMUNICAÇÃO

Coordenação editorial: Antonio Iraildo Alves de Brito

Gilson Schwartz, Brinco, logo aprendo – Educação, videogames e moralidades pós-modernas

Brinco Logo Aprendo_25abr2014.indd 2 29/4/14 4:52 PM

Page 3: Educação, videogames e moralidades pós-modernas · e do adolescente, os riscos da socialização digital e a construção de novas pedagogias passem a definir novas agendas e políticas

Brinco, logo aprendo

Educação, videogames e moralidades pós-modernas

Gilson Schwartz

Coleção EDUCAÇÃO E COMUNICAÇÃO

Coordenação editorial: Antonio Iraildo Alves de Brito

Gilson Schwartz, Brinco, logo aprendo – Educação, videogames e moralidades pós-modernas

Brinco Logo Aprendo_25abr2014.indd 3 29/4/14 4:52 PM

Page 4: Educação, videogames e moralidades pós-modernas · e do adolescente, os riscos da socialização digital e a construção de novas pedagogias passem a definir novas agendas e políticas

Direção editorialClaudiano Avelino dos Santos

RevisãoCícera Gabriela Sousa Martins

Projeto gráfico e capaWalter Mazzuchelli

Produção editorialAGWM produções editoriais

Impressão e acabamentoPAULUS

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Schwartz, Gilson Brinco, logo aprendo : educação, videogames e moralidades pós-modernas / Gilson Schwartz. São Paulo : Paulus, 2014. -- (Coleção Educação e Comunicação)

ISBN 978-85-349-3910-2

1. Aprendizagem 2. Atividades criativas 3. Brincadeira 4. Comunicação e educação 5. Educação e comunicação 6. Jogos educativos 7. Jogos infantis 8. Jogos infantis – Educação 9. Ludismo I. Título. II. Série.

14-02161 CDD-371.397

Índices para catálogo sistemático: 1. Brincadeiras e jogos : Educação 371.397 2. Jogos e brincadeiras : Educação 371.397

© PAULUS — 2014Rua Francisco Cruz, 22904117-091 — São Paulo (Brasil)Tel.: (11) 5087-3700 — Fax: (11) [email protected]

ISBN 978-85-349-3910-2

1ª- edição, 2014

Brinco Logo Aprendo_25abr2014.indd 4 29/4/14 4:52 PM

Page 5: Educação, videogames e moralidades pós-modernas · e do adolescente, os riscos da socialização digital e a construção de novas pedagogias passem a definir novas agendas e políticas

Às crianças que mais mudaram a minha vida:

Vitor Gurman (1987-2011)Vítima de quem brinca sem responsabilidade.

Coelho, André e TomásAmizade não tem idade!

Meu filho, Pedro Felipe.

E à minha mãe, RosaPelo exemplo de dedicação às crianças do mundo.

Brinco Logo Aprendo_25abr2014.indd 5 29/4/14 4:52 PM

Page 6: Educação, videogames e moralidades pós-modernas · e do adolescente, os riscos da socialização digital e a construção de novas pedagogias passem a definir novas agendas e políticas

— Papai, que é que eu faço?

— Eu já lhe disse: vá brincar e me deixe!

— Mas eu já brinquei, juro.

Papai riu:

— Mas brincar não termina...

— Termina sim.

— Invente outro brinquedo.

— Não quero brincar nem estudar.

— Quer fazer o que então?

Joana meditou:

— Nada do que sei...

— Quer voar?, pergunta papai distraído.

— Não, responde Joana. — Pausa. — Que é que eu faço?

Papai troveja dessa vez:

— Bata com a cabeça na parede!

Clarice Lispector, Perto do coração selvagem

Poder-se-ia dizer que o conceito de “jogo” é um conceito de

contornos pouco nítidos. Mas um conceito pouco nítido é

ainda um conceito? Um retrato difuso é ainda a imagem

de um homem? Pode-se sempre substituir com vantagem

uma imagem difusa por uma imagem nítida? Não é muitas

vezes a difusa aquela de que nós precisamos?

Ludwig Wittgenstein, Investigações filosóficas, § 71

Brinco Logo Aprendo_25abr2014.indd 7 29/4/14 4:52 PM

Page 7: Educação, videogames e moralidades pós-modernas · e do adolescente, os riscos da socialização digital e a construção de novas pedagogias passem a definir novas agendas e políticas

Sumário

Introdução

As crianças de Mediapolis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

Parte I

Pensar 23

1. Educação para a liberdade com criatividade .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

2. Pensar é jogar com (o) juízo .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

3. Paideia: educar para seguir regras .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

4. Homo ludens: todo jogo é cultura .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55

5. Máscara e metáfora: jogos na interpretação dos mitos .. . . . . . . . . . . 67

6. Do totem ao tabuleiro: infância ou revolução? .......................... 83

7. Do jardim de infância ao playground digital: jogo, civilização e criatividade... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109

Parte II

Fazer 137

8. Perto da mídia selvagem: arquiteturas lúdicas e fluxos de informação .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139

9. Da história da mídia à mídia como lugar da história .. . . . . . . . . . . . . . . . 147

10. Fluxos entre o social e o simbólico .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153

11. Fluxos entre informação e ruído .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163

12. Fluxos entre especulação e espetáculo .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169

Brinco Logo Aprendo_24abr2014.indd 8 24/4/14 9:05 PM

Page 8: Educação, videogames e moralidades pós-modernas · e do adolescente, os riscos da socialização digital e a construção de novas pedagogias passem a definir novas agendas e políticas

13. Fluxos entre local e global . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181

14. A inteligência coletiva no jogo da mediação digital . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 187

Parte III

Brincar 193

15. De volta a Rousseau: redes sociais além da mídia selvagem ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 195

16. Do hipertexto ao hipercapitalismo: inteligência coletiva ou infantilização? .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 205

17. Brinco, logo aprendo: transmídia, videogames e conhecimento .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 233

18. Iconomia: fluxos de atenção e pedascopia lúdica nos games ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 263

19. Fluxos e teoria dos jogos .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 277

Conclusão

Jogo, vício, cuidado: por um novo contrato social, lúdico e digital . . . . . 307

Anexo

Jogos pela transformação .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 319

Bibliografia e links .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 325

Brinco Logo Aprendo_24abr2014.indd 9 24/4/14 9:05 PM

Page 9: Educação, videogames e moralidades pós-modernas · e do adolescente, os riscos da socialização digital e a construção de novas pedagogias passem a definir novas agendas e políticas

11

Introdução

As crianças de Mediapolis

A transformação tecnológica a partir da qual se conso-

lidou a digitalização da vida social nos últimos cin-

quenta anos colocou em novo patamar, sem propria-

mente superá-las, as tensões implícitas ao discurso da

modernidade que se debate entre emancipação e condi-

cionamento, liberdade e necessidade, agência e estrutura,

vida aberta e sistemas fechados, cultura e natureza, com-

preensão e conhecimento, inovação e sustentabilidade.

O processo incessante de reprodução ilimitada de

conteúdo, mecânica e depois digital, levou ao extremo

(representado pelo pensamento de Marshall McLuhan)

de considerar que o próprio meio é a mensagem, ou seja,

a destruição da aura da obra de arte reflete uma mudança

estrutural que destrói para sempre a relação entre as

audiências e os artefatos culturais.

Brinco Logo Aprendo_24abr2014.indd 11 24/4/14 9:05 PM

Page 10: Educação, videogames e moralidades pós-modernas · e do adolescente, os riscos da socialização digital e a construção de novas pedagogias passem a definir novas agendas e políticas

12

As crianças de MediapolisIntrodução

O videogame, como o rádio, o cinema e a TV, é a

etapa mais avançada da tendência econômica e política

marcante da sociedade da informação: não apenas o

conteúdo, mas também os principais “jardineiros” do

conhecimento, os intelectuais, perdem sua função em

face de máquinas (hardware), sistemas (software) e redes

(knoware). A hipertrofia do conteúdo produzido e

reproduzido sem aura por um meio voltado para si

mesmo, sem centro nem direção, representa a morte

dos intelectuais.

O papel dos educadores, das escolas e das práticas

sociais é redefinido por sistemas de informação e comu-

nicação cuja arquitetura responde cada vez mais aos

imperativos de uma nova economia política do conhe-

cimento adequada às moralidades pós-modernas. Tor-

nou-se não apenas urgente, mas inevitável pensar criti-

camente a digitalização e, ao mesmo tempo, reconhecer

o caráter complexo dos novos meios, ampliando o debate

sobre o lugar do indivíduo, o sentido de sua formação e

a temporalidade que se abre para a formulação de pro-

jetos com perspectivas locais, concretas.

Crianças e adolescentes são os principais portadores

dessa vida digital anterior à escola, cada vez mais inter-

pondo-se em relações familiares e sociais. O consumo

de eletrônicos – basicamente computador e telefone celu-

lar – é o que mais cresce no Brasil. Em 2011, segundo os

dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domi-

cílios), do IBGE, esse tipo de bem cresceu entre todas as

Brinco Logo Aprendo_24abr2014.indd 12 24/4/14 9:05 PM

Page 11: Educação, videogames e moralidades pós-modernas · e do adolescente, os riscos da socialização digital e a construção de novas pedagogias passem a definir novas agendas e políticas

13

As crianças de MediapolisIntrodução

idades e em todas as regiões do país. Nesse contexto,

41,9% das crianças e jovens entre 10 e 14 anos têm celu-

lar, num “país” com 10,9 milhões de habitantes que cresce

a uma taxa de 43%. Os jovens adultos, entre 25 e 29 anos,

são os maiores consumidores de celulares (83,1%). O

computador com acesso à internet foi o bem durável que

mais ganhou presença nos lares brasileiros.

A expansão do consumo de computadores e celula-

res supera a de carros, geladeiras e fogões, que se torna-

ram produtos subsidiados pelo governo para conter a

crise. Como a renda aumenta menos que as taxas de

aquisição de eletrônicos, especialistas afirmam que a

população está se endividando para participar da cha-

mada “inclusão digital”.

Dos domicílios pesquisados pelo IBGE, 22,4% tinham

computador com acesso à internet em 2011 – alta de 39,8%

em relação a 2009. Ao todo, 46,5 milhões de pessoas

utilizaram o serviço em 2011. Os celulares estavam em

69,1% dos lares em 2011.

Em suma, crianças representam pelo menos um quarto

do mercado de consumo mais dinâmico da economia

brasileira. Nesse contexto, estão postas as condições para

uma expansão ainda mais intensa, nos próximos anos,

dos mercados de conteúdos digitais com foco nesse

público infantojuvenil e de jovens adultos, com destaque

inquestionável para os jogos eletrônicos, os videogames. Como responderá a escola a essa mudança tão rápida

e intensa? Se os jovens levam mais tempo para conseguir

Brinco Logo Aprendo_24abr2014.indd 13 24/4/14 9:05 PM

Page 12: Educação, videogames e moralidades pós-modernas · e do adolescente, os riscos da socialização digital e a construção de novas pedagogias passem a definir novas agendas e políticas

14

As crianças de MediapolisIntrodução

uma inserção produtiva na sociedade, enquanto os mais

velhos ficam por períodos mais longos ocupados, que

interfaces, espaços e funções serão possíveis para que se

consolide uma nova “economia do ócio” (De Masi, 2009)?

É preciso “aprender a ficar ocioso” para o bem de todos?

Ainda segundo De Masi, a quantidade e a qualidade

do trabalho, a abstração, a virtualidade, a flexibilidade e

a criatividade que o caracterizam cada vez mais, a possi-

bilidade de desestruturá-lo no tempo e no espaço, a

progressiva confusão com o estudo e com o tempo

livre “desviam a atenção para o ócio e lhe conferem um

valor novo” (1999, p. 297). Na sociedade pós-industrial é

“impossível reduzir e melhorar o trabalho sem aumentar

e melhorar o tempo livre”.

A “alegria do ócio” pós-industrial flagrada por De Masi

aproxima-se ponto a ponto, quase como um decalque, à

topografia dos mundos lúdicos digitais. Dez anos depois,

Sonia Livingstone (2009) indica um conjunto de transfor-

mações (mudanças na estrutura do emprego, aumento

da urbanização, novas relações entre mercado e Estado,

ampliação do individualismo consumista, diversificação

étnica das populações, transformação das relações de

gênero e a redefinição do que sejam um lar ou uma família)

que torna ainda mais problemática, se é que não impede, a

passagem da infância à vida adulta. Novamente, o lugar, o

tempo e o sentido da brincadeira, do tempo livre ou “des-

perdiçado”, do jogo e principalmente do que chamamos de

“arquitetura lúdica da informação” ficam em primeiro plano.

Brinco Logo Aprendo_24abr2014.indd 14 24/4/14 9:05 PM

Page 13: Educação, videogames e moralidades pós-modernas · e do adolescente, os riscos da socialização digital e a construção de novas pedagogias passem a definir novas agendas e políticas

15

As crianças de MediapolisIntrodução

Se há mais “oferta” de juventude na sociedade, o mundo

adulto, por sua vez, volta-se com interesse comercial e polí-

tico crescente para esse contingente populacional que, a

partir da mais tenra idade, assume posição como sujeitos

de uma cultura de consumo que dá ênfase à livre escolha,

assim como a modismos e estilos de vida intensamente

sexualizados, quando se trata de formação de identidade e

socialização (esferas que até pouco tempo eram um domí-

nio privado, essencialmente tradicional ou comunitário).

Giddens (1993) aponta para uma “democratização

da esfera privada” em que as crianças ganham o direito de

determinar e regular suas “condições de associação”, que

ganham nova “pureza”, a própria infância passa a ser

continuamente renegociada em favor de novos modelos

de autenticidade, intimidade, confiança, reciprocidade,

reconhecimento e flexibilidade nos papéis assumidos

em benefício de uma cultura narcísica e individualista.

Nada parece mais proveitoso para a formação dessa nova

criança que a universalização no espaço, no tempo e nas

práticas pedagógicas da “cultura do game”.Ser criança, em suma, equivale cada vez mais a cons-

truir seu próprio personagem para entrar em jogos de

socialização e reconhecimento. Paradoxalmente, ser criança

traduz-se cada vez mais no desafio de assumir responsa-

bilidades que antecipam incertezas futuras, que as obri-

gam a lidar com riscos e insegurança do próprio status, na medida em que os valores da família e da comunidade

perdem completamente o sentido.

Brinco Logo Aprendo_24abr2014.indd 15 24/4/14 9:05 PM

Page 14: Educação, videogames e moralidades pós-modernas · e do adolescente, os riscos da socialização digital e a construção de novas pedagogias passem a definir novas agendas e políticas

16

As crianças de MediapolisIntrodução

É, portanto, compreensível que os direitos da criança

e do adolescente, os riscos da socialização digital e a

construção de novas pedagogias passem a definir novas

agendas e políticas públicas num mundo flutuante em

que os adultos também se infantilizam.

Os dados da pesquisa “Tic Crianças”1 – que mede, em

domicílios, o uso das tecnologias de informação e comu-

nicação – apontam que 27% dos domicílios brasileiros

têm acesso à internet, dos quais apenas 6% na área rural.

Apesar dessa limitação, é interessante observar que 51%

das crianças entrevistadas relatam ter utilizado compu-

tador e 27% afirmam já ter usado a internet. Jogar e pes-

quisar tarefas escolares (sobretudo busca) são as ativi-

dades que se destacam. Mas os jogos são citados por

90% das crianças! Nenhuma novidade, ainda que o tema

dos games mal tenha começado a entrar em nossas

agendas de pesquisa, em especial na área pedagógica.

Redes sociais também têm um apelo significativo: 29%

das crianças entrevistadas já usaram Orkut e Facebook,

entre outros softwares de relacionamento. Quanto à aqui-

sição das habilidades para usar as TICs, os professores

ainda são fundamentais segundo 37% das crianças da

pesquisa, número que sobe para 53% na área rural. Entre

as crianças entrevistadas, 60% usam celular, aqui também

com destaque para os jogos (84%). Questões voltadas a

1 Cf. <www.cetic.br/usuarios/criancas/2010/apresentacao-tic-criancas-2010.pdf>. Cf. também <cgi.br>, 2010.

Brinco Logo Aprendo_24abr2014.indd 16 24/4/14 9:05 PM

Page 15: Educação, videogames e moralidades pós-modernas · e do adolescente, os riscos da socialização digital e a construção de novas pedagogias passem a definir novas agendas e políticas

17

As crianças de MediapolisIntrodução

segurança e participação da família também estão pre-

sentes no levantamento.

A cultura digital promove novas demandas e instaura

dinâmicas que desafiam autoridades, controles e medidas

de desempenho pessoal, social, educacional e profissional.

Essa realidade traz desafios e oportunidades para os pro-

fessores, caso pretendam cerrar fileiras com seus alunos em

defesa de práticas pedagógicas inspiradoras, capazes de ir

além da mera transmissão de informações. Entre os jovens

entrevistados é grande a expectativa de encontrar um pro-

fessor mais próximo, mais “amigo”, disposto a comparti-

lhar (mais que “transmitir” ou “depositar”) conhecimento

de maneira lúdica e colaborativa. As novas tecnologias

podem ajudar, mas também aprofundar os conflitos inevi-

táveis numa época de grande mudança tecnológica.

Na rede pública, o uso de celular é vetado. Muitos

professores acham que brincar pode diminuir o seu

“poder” ou “eficiência disciplinar”, ou seja, consideram

que a brincadeira é uma ameaça à autoridade e rejeitam

in limine os games como dispositivos violentos e alienantes,

resultados de uma sociedade do espetáculo, que injeta a

digitalização nas mais íntimas e primárias emoções de

cada consumidor. O estudo do Cetic (Centro de Estudos

sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação)

pelo menos sugere que a linguagem das novas gerações

já é enriquecida por tecnologias de apropriação de conteú-

dos e vivências cujos resultados educacionais e culturais

ainda são uma importante incógnita do processo.

Brinco Logo Aprendo_24abr2014.indd 17 24/4/14 9:05 PM

Page 16: Educação, videogames e moralidades pós-modernas · e do adolescente, os riscos da socialização digital e a construção de novas pedagogias passem a definir novas agendas e políticas

18

As crianças de MediapolisIntrodução

É urgente a reinvenção do professor como um men-

tor, um parceiro inspirador e experiente na apropriação

dos novos recursos tecnológicos em favor de práticas de

aprendizagem mais criativas. Vencer esse desafio é o que

nos levará, nas escolas, nas empresas e na sociedade, a

uma vivência mais plena e democrática do conhecimento

e da tecnologia no século XXI.

Como dar conta desses desafios que se ampliam com

a universalização da internet? Vamos acionar o botão

do “pânico” (moral)? Vamos aderir às moralidades pós-

-modernas em que já não há sentido na busca de padrões

abstratos de desenvolvimento da criança ao longo de está-

gios universalmente observáveis à Piaget? Vamos adotar

perspectivas mais sociométricas ou promover uma nova

sociologia da infância cuja chave está num contexto de

fluidez ou “liquidez” digital, à Vigotsky? Como alerta Sonia

Livingstone, todas as questões relativas à infância agora se

recolocam diante do universo de problemas trazidos pela

integração da infância à internet. A infância on-line traz riscos e oportunidades cuja compreensão é essencial tam-

bém à análise e criação de novas práticas pedagógicas

mediadas por tecnologias de informação e comunicação.

Brinco Logo Aprendo_24abr2014.indd 18 24/4/14 9:05 PM

Page 17: Educação, videogames e moralidades pós-modernas · e do adolescente, os riscos da socialização digital e a construção de novas pedagogias passem a definir novas agendas e políticas

19

As crianças de MediapolisIntrodução

a criança na Mediapolis: oportunidades e riscos

oportunidades riscos

Acesso à informação global Conteúdo ilegal e pernicioso

Recursos educacionais Pedófilos, estranhos, pervertidos

Redes sociais com amigos Violência extremada ou sexual

Entretenimento, jogos, diversão Conteúdo ofensivo e prejudicial

Criação de conteúdo pelos usuários

Material e atividades racistas e intolerantes

Participação cívica e políticaMarketing e publicidade sub-reptícias

Privacidade para expressão da identidade

Preconceito e informação sem qualidade

Ativismo e engajamento comunitário

Manipulação de informações pessoais

Literacia e habilidades tecnológicas

Cyber-bullying e assédio digital

Progresso na carreira e no trabalho

Cassinos, golpes, phishing (fraudes digitais)

Apoio pessoal, em saúde e sexualidade

Danos autoinfligidos (suicídio, anorexia)

Grupos de especialistas e redes de fãs

Invasões e abusos de privacidade

Compartilhamento de experiências

Atividades ilegais (hackers, piratas)

Fonte: Adaptado de Livingstone, 2009.

Brinco Logo Aprendo_24abr2014.indd 19 24/4/14 9:05 PM

Page 18: Educação, videogames e moralidades pós-modernas · e do adolescente, os riscos da socialização digital e a construção de novas pedagogias passem a definir novas agendas e políticas

20

As crianças de MediapolisIntrodução

Uma expressão resume os desafios e tensões desse

novo contexto digital: nascemos e vivemos numa “Media-

polis”, termo criado por Roger Silverstone (2007) para

indicar a preeminência desse “espaço de aparecimento

mediado”, um espaço público mediado em que a mate-

rialidade do mundo é construída principalmente pelo

discurso e pela ação pública e comunicada eletronica-

mente, um espaço fraturado e fragmentado. É nesse espaço

continuamente reconstruído que podemos ainda alcançar

nossa própria humanidade, seja qual for a nossa localização.

estrutura do livro

Para examinar as oportunidades e riscos, espaços e

tempos dos games nas escolas, ou seja, as relações entre

pensar, fazer e brincar na sociedade do conhecimento

digital, recuaremos inicialmente para o berço da civili-

zação ocidental, a paideia grega, indissociável de uma

paidía (brincadeira infantil) e da própria “infância” do

pensamento ocidental, de uma perplexidade ao mesmo

tempo maravilhada e agonística que surge dos nossos

encontros com as coisas, com as pessoas e as representa-

ções simbólicas.

Muito antes de Descartes e, portanto, dos computa-

dores em rede, é apaixonante retomar alguns dos princi-

pais momentos da história do pensamento ocidental na

sua origem, nos modos como a Antiguidade enquadrou a

educação e como os jogos foram desde cedo pensados

Brinco Logo Aprendo_24abr2014.indd 20 24/4/14 9:05 PM

Page 19: Educação, videogames e moralidades pós-modernas · e do adolescente, os riscos da socialização digital e a construção de novas pedagogias passem a definir novas agendas e políticas

21

As crianças de MediapolisIntrodução

no projeto da polis: esse parece ser ainda o melhor antí-doto para as visões ingenuamente cartesianas e calculis-tas que, em última análise, serviram (e ainda servem) para a manutenção de mecanismos instrucionais e corre-cionais contemporâneos.

Em face do pan-óptico digital emergente, buscamos

uma pedascopia lúdica, ou seja, uma pedagogia consciente

da pulsão escópica, das relações entre fluxos que intensi-

ficam o nosso ser, o nosso sentir e a nossa capacidade de

ativar, na hora e no lugar certos, nossas competências

perceptivas, audiovisuais e cognitivas. A arquitetura lúdica

da informação nos jogos inspira novas linguagens e gêne-

ros, pode ser também a matriz para redesenhar ensino e

aprendizagem, superando os modelos fabris e prisionais.

A primeira parte – Pensar – navega por esse amplo

cenário histórico, filológico e filosófico que prepara o

leitor para a reflexão sobre o brincar digital, que requer,

na segunda parte – Fazer –, uma percepção crítica ainda

que panorâmica das práticas e modos de produção das

indústrias comunicacionais que se consolidaram global-

mente a partir do século XX.

Finalmente, a convergência entre as histórias do pen-

samento (pensar) e da indústria da comunicação (fazer)

conduzirão, na terceira parte – Brincar –, a uma revisão

do surgimento e da evolução dos videogames, do uso de

tecnologias de informação e comunicação na educação e

de games nas escolas e em outros ambientes (como as

forças armadas e as redes sociais).

Brinco Logo Aprendo_24abr2014.indd 21 24/4/14 9:05 PM

Page 20: Educação, videogames e moralidades pós-modernas · e do adolescente, os riscos da socialização digital e a construção de novas pedagogias passem a definir novas agendas e políticas

22

Introdução

Pensar

Nossa mais íntima preocupação é colocar esse roteiro

histórico e reflexivo, crítico, mas voltado à prática peda-

gógica, a serviço da gestão escolar, inserindo os games no cenário da educomunicação e indicando exemplos,

projetos e games específicos que nos últimos anos

ganharam a confiança de professores e administradores

de instituições escolares.

Que novas promessas surgem de uma aproximação

entre o brincar digital e as transformações em curso no

capitalismo em crise? É notório que a superação da crise

econômica tem sido continuamente associada ao culto

da inovação tecnológica, do capital intelectual e da cria-

tividade como fontes de valor.

A disseminação de games e, de modo geral, da educo-

municação digital torna-se rapidamente a visão hegemônica

em todo o mundo; governos apostam em ecossistemas

educacionais como ferramentas de superação da crise

financeira, que é também crise do trabalho e da identi-

dade do sujeito autônomo que confia e depende da am -

pliação incessante da democracia de massa. Bibliografia

e links na internet completam esse percurso.

Em substituição ao “Penso, logo existo” surge no hori-

zonte outra perspectiva: “Brinco, logo aprendo”, pois o

pensar não se resume a uma forma unívoca, determinada

e imutável do existir.

Brinco Logo Aprendo_24abr2014.indd 22 24/4/14 9:05 PM