educação, saúde e espiritualidade a partir de um enfoque transpessoal
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HOMO SPIRITUALIS Centro de Cultura e Educação Espiritualista
Educação, Saúde e Espiritualidade a partir de um enfoque transpessoal
Adilson Marques - Doutor em Educação/USP
Palestra apresentada pela primeira vez na ONG Círculo de São Francisco, na cidade de São Carlos/SP, em outubro de 2003, dentro do projeto Quintessência.
Texto original revisto e ampliado em novembro de 2008.
Introdução A chamada Psicologia Transpessoal vem se consolidando como a “quarta força” no
meio psicológico, ao lado da abordagem comportamentalista, da psicanálise e da humanista
(da qual deriva). Lentamente, os estudos transdisciplinares de RHINE, GROF, MASLOW,
CAPRA, entre outros, são estudados com seriedade e se constituem em um novo ramo de
pesquisa acadêmica.
As investigações sobre o inconsciente e o imaginário são as que mais podem se
beneficiar com a Psicologia Transpessoal, que possibilita ao cenário acadêmico abarcar
novos fenômenos antes execrados pelas correntes tradicionais.
Nos EUA, estes pesquisadores, desde a década de 1960, vêm se debruçando sobre
as filosofias orientais e suas práticas meditativas para compreender fenômenos
incompreensíveis à mentalidade cartesiana ocidental: a reencarnação, a vida após a morte e
os estados ampliados de consciência.
No Brasil, a rica literatura mediúnica e a fenomenologia espirítica e umbandística,
por exemplo, gradativamente se tornam recursos obrigatórios de pesquisa para quem deseja
compreender o homem e a mulher holísticos. Somados as Terapias orientais como o Tai
Chi, a Meditação (budista, veda, zen etc.) o Yoga, o Reiki, entre outras práticas estudadas
ou praticadas por psicólogos transpessoais, o arcabouço teórico e doutrinário das religiões
medianímicas brasileiras enriquecem este campo da pesquisa, ajudando a compreender a
dimensão espiritual humana.
A Psicologia Transpessoal contribui para a desconstrução das teorias materialistas
da predominância genética na condição das doenças e enfermidades mentais e outros
fenômenos. Assim, o self (alma), o corpo bioplásmico (o corpo astral dos esotéricos ou
perispírito dos espiritistas e umbandistas) e o corpo físico estudado em sua plenitude
necessitam de um outro olhar, um outro paradigma. O paradigma clássico que estrutura as
correntes materialistas das escolas psicológicas tradicionais não consegue explicar os
fenômenos mediúnicos como a clarividência, as ectoplasmias, a psicografia, entre outros,
reduzindo tudo a regressões mentais ou patologias. Somente um paradigma que possibilite
abarcar o ser humano em sua estrutura física, psíquica e transcendental será capaz de trazer
respostas convincentes para estes fenômenos humanos, conhecidos e vividos desde a pré-
história.
A questão paradigmática Para Jean-François LYOTARD, a pós-modernidade caracteriza-se pela crise dos
relatos, ou seja, pela transformação do pensamento do homem em relação à existência de
uma Verdade, caracterizada por um tipo específico de linguagem. Sua obra transcende os
domínios da filosofia e refletem, por exemplo, na do sociólogo português Boaventura de
Souza SANTOS. Sua contribuição também pode ser pensada tendo em vista a constituição
de uma ciência com consciência (MORIN, 1990). O conceito de pós-modernidade nos
possibilita elucidativas reflexões no âmbito sócio-educacional e acadêmico.
No seu famoso texto O pós moderno, podemos compreender que a Modernidade
pode ser caracterizada pela pretensão de instituir o conhecimento científico como o único
saber capaz de orientar o homem em todos os domínios da vida social. Nela estariam
contextualizados os metadiscursos de “pretensões atemporais e univeralizantes”. Podemos
relacionar tal pretensão da modernidade como fruto das imagens que Gilbert DURAND
(1997) chamou de diairéticas e que são típicas das “estruturas heróicas do imaginário”, e
capazes de estimular uma mentalidade e um comportamento egocêntrico, esquizomórfico e
“monárquico” nos especialistas, pois estes devem apresentar uma postura diferente – e
superior – em relação à maioria das pessoas que compreendem o mundo através de “pré-
conceitos” teológicos ou do senso comum.
Com essas regras básicas, o conhecimento (ou o saber científico), ao ser construído,
deveria adquirir uma materialidade própria e o cientista, por sua vez, passaria a ser
“objetivado”, ou seja, tornar-se-ia anônimo, tornando o produto do saber científico
socialmente compartilhado, por exemplo, através da didática ou dos manuais de divulgação
científica, separado e alienado de seu criador.
Diferenciando o senso comum (saber narrativo, em suas palavras) do saber
científico, LYOTARD afirma que este último exige o isolamento de um jogo de linguagem
(o denotativo) e a exclusão dos outros, constituindo ele próprio, uma espécie de discurso.
Ao contrário, a forma narrativa admite a pluralidade de jogos de linguagem. O autor
observa que, com a diversificação dos jogos de linguagem, paira uma dúvida em relação ao
que seria exatamente este saber científico, e como aconteceria sua legitimação, já que esta
não se pauta mais nos enunciados das metanarrativas.
O termo “jogos de linguagem” é utilizado por LYOTARD no mesmo sentido
atribuído por WITTGENSTEIN, e por este termo quer dizer que cada uma (das) diversas
categorias de enunciados deve poder ser determinada por regras que especifiquem suas
propriedades e o uso que delas se pode fazer (1993:16). Estas regras provem de um acordo
entre os participantes, como em um jogo. É como se durante a Pós-Modernidade existisse
grande variedade de jogos em substituição aos grandes relatos da Modernidade.
O termo pós-moderno originou-se nos anos de 1960 na arquitetura. Alguns de seus
profissionais, propondo uma arquitetura mais leve que enfatizasse os aspectos decorativos e
integrasse as formas passadas, se autodenominaram pós-modernos. Em 1978, Charles
JENCKS, crítico da arquitetura, publicou o livro L'architecture postmoderne e, no ano
seguinte, Jean-François LYOTARD publicou seu livro mais famoso, O pós-moderno.
Este livro alcançou uma repercussão considerável no meio acadêmico, gerando
polêmicas calorosas. LYOTARD explica como as grandes teorias científicas, morais,
ideológicas e artísticas do período moderno tendem a entrar em crise de legitimidade.
A abordagem científica proposta por DESCARTES, GALILEU e NEWTON,
arautos da Modernidade, transformou-se em “paradigma” e, como apontou LYOTARD,
criou nos cientistas a obsessão pela medição e quantificação. A Ciência Moderna
instituiu-se a partir de um modelo de racionalidade que visava conhecer o mundo não mais
para o contemplar. Ou seja, ela é fruto de uma racionalidade instrumental, técnica, própria
de um imaginário heróico (DURAND).
Curiosamente, do seio da Modernidade surgiu o seu próprio algoz. As descobertas
no âmbito da Termodinâmica trouxeram novas questões, impossíveis de serem resolvidas
sem abandonar a idéia motriz da modernidade: a descrição objetiva da natureza, que se
baseava na física newtoniana.
Com a segunda lei da termodinâmica (da dissipação da energia), o quadro
determinístico (causa e efeito) da Física newtoniana passou a ser questionado. A solução
para esse conflito só foi possível com o surgimento da chamada Teoria das Probabilidades.
Porém, com o surgimento da Física Quântica, nas três primeiras décadas do século XX, os
conceitos clássicos da Física, como Tempo e Espaço, deixaram de ser considerados certos e
imutáveis.
Lembremos, por exemplo, BACHELARD elogiando o procedimento pedagógico
que HEISENBERG utilizou na obra Princípios físicos da teoria dos quanta, em que
elaborou dois capítulos antagônicos. O primeiro criticava as noções físicas da teoria
corpuscular à luz da teoria ondulatória e, o segundo, estabelecia o procedimento contrário,
ou seja, criticava as noções físicas da teoria ondulatória à luz da teoria corpuscular. Em
outras palavras, esta pedagogia (conhecida como “o princípio da incerteza de
HEISENBERG”) foi fundamental para demonstrar a importância da subjetividade e de
outros elementos “não científicos” para a Ciência de uma forma geral. Em linhas gerais,
colocou-se em discussão, novamente, o paradoxo (ou seja, o oxímoron dos pré-socráticos)
e, por conseguinte, a relatividade de todo conhecimento científico.
A ciência Pós-moderna, na linha sugerida por LYOTARD e seus desdobramentos
em outras áreas, como na pedagogia, deveriam introduzir no saber científico, o chamado
pensamento “dilemático" ou “anfibólico”, ou seja, a ambigüidade que compartilha com o
seu oposto uma qualidade comum. Assim, é possível compreender que a epistemologia
proposta por LYOTARD não representa uma condenação às teses da Ciência Moderna, mas
a relativização das doutrinas absolutas (metanarrativas), como as de MARX, FREUD, entre
outras.
Assim, a Ciência, no século XX, assumiu um papel mais modesto e menos
pretensioso, relativizando o saber científico e abrindo-se para outras formas de aquisição de
conhecimento (arte, religião, senso comum etc). Esta mudança poderá, futuramente,
refletir-se também nas práticas didáticas, com o fortalecimento da interdisciplinaridade na
escola e a conseqüente contextualização do meio sócio-cultural em que ela está inserida.
É neste contexto que podemos compreender o surgimento e o aperfeiçoamento da
chamada Psicologia Transpessoal.
O que é a Psicologia Transpessoal?
A década de 1960 foi importante para o aprofundamento dos pressupostos básicos
da chamada Psicologia Humanista. A discussão sobre os limites e potencialidade da
consciência humana ganhou destaque com as obras, entre outros, de MASLOW, Carl
ROGERS e Stanislav GROF.
Muitos fenômenos mentais passaram a intrigar alguns psicólogos e psiquiatras que
questionavam a interpretação “heróica” da Psicanálise e do Behaviorismo, ou seja, nos
quais os estudos sobre a personalidade possuíam como fundamento a consciência em estado
de vigília, considerada como a “consciência normal”. Em outras palavras, tais escolas
consideravam a “consciência normal” como o nível saudável de percepção cognitiva e
todos os desvios desse sintoma eram classificados como psicopatológicos.
Felizmente, pesquisas sérias como as de Stanislav GROF questionaram tais
conclusões e abriram a possibilidade de estudos mais avançados, indo além da história
orgânico-biográfica de alguns pacientes. Entre suas hipóteses mais criativas está a que
concebe a consciência humana como um espectro eletromagnético no qual cada
"freqüência" passa a expressar um modo de percepção. Dessa forma, a consciência não se
resume a um conjunto de traços ou características rigidamente definidas, mas é possível
abranger elementos que não têm nenhuma continuidade com sua identidade egóica e que
não derivam de suas experiências no mundo fenomênico.
Essa proposta de GROF vem ao encontro dos estudos psicografados por médiuns
espíritas e umbandistas brasileiros. No livro “a escrita mágica dos orixás”, obra mediúnica
psicografada por Rubens SARACENI (2000), discute-se, entre outros assuntos, como cada
religião possui um magnetismo específico que se irradia a partir dos espaços sagrados
(igrejas, mesquitas, sinagogas, centros espíritas etc.), ativado pelos respectivos sacerdotes e
que, apenas os que receberam suas “pedras fundamentais” (iniciação naquela religião),
conseguem fazer com que suas consciências vibrem na mesma freqüência eletromagnética.
Outro estudo esclarecedor sobre a importância da mente na emanação fluídica ou
eletromagnética é o clássico estudo de André Luiz, psicografado por Chico Xavier: Os
mecanismos da mediunidade.
Essas interpretações que nos vêm do mundo metafísico, além de elucidar a
dimensão hologramática da mente e da consciência, abre as portas do ecumenismo e da
tolerância, pois demonstra que não há uma religião melhor que a outra, apenas vibrações
numinosas diferentes.
Voltando ao estudo da consciência, as teorias cartesianas definem a consciência
“normal” como sendo aquela no qual o indivíduo se experimenta e se reconhece existindo
dentro dos limites de seu corpo físico e a sua percepção do meio ambiente é restringida pela
extensão de seus órgãos de percepção externa.
Essa concepção dominante “naturaliza” a idéia de que tanto a percepção interna
quanto a percepção do meio ambiente estão confinadas dentro dos limites do espaço e
do tempo, como bem definiu o paradigma cartesiano-newtoniano. Porém, as experiências
psicodélicas realizadas por GROF, as experiências com alucinógenos realizadas pelo
antropólogo CASTANEDA ou mesmo os relatos místicos-esotéricos relacionados às
práticas orientais como a Meditação, Yoga, Reiki etc. vêm demonstrar que os estados
“alterados” de consciência não são, necessariamente, sintomas psicopatólógicos. Ao
contrário, são manifestações que nos permitem estudar e compreender a dimensão
transpessoal da consciência. Dentro de um novo paradigma, podemos dizer que se trata de
estados ampliados de consciência.
De forma esporádica e tímida, algumas abordagens cartesianas se referiram a esses
fenômenos. FREUD, por exemplo, chamou de "Experiências Oceânicas" os casos em que o
sujeito consegue afrouxar os limites do Ego, expandindo sua consciência de forma capaz de
incluir e abranger outros indivíduos e elementos do mundo externo ou quando consegue
experienciar sua própria identidade em um tempo ou espaço diferente.
É importante reconhecer que tais experiências, antes negligenciadas ou tratadas
como psicopatologias, tornaram-se o foco central da Psicologia Transpessoal, movimento
que reúne desde psicólogos humanísticos até psiquiatras insatisfeitos com a abordagem
mecanicista e biomédica dos estudos behavioristas e psicanalíticos.
É importante reconhecer os esforços de Abraham MASLOW e Anthony SUTICH
na gestação dessa abordagem “pós-moderna”, buscando integrar os trabalhos de C. G.
JUNG, Carl ROGERS e outros que desafiaram, de modo convincente, os pressupostos
mecanicistas e newtonianos, revelando a importância dos aspectos não racionais e não
lineares da psique, defendendo o inefável, o criativo e o espiritual como meios válidos para
se obter conhecimento.
JUNG, por exemplo, ao defender que o inconsciente não podia mais ser pensado
como um mero depósito psicobiológico de instintos reprimidos, mas que deveria ser aceito
como um princípio ativo inteligente (em sua dimensão mais profunda, o Self ligaria o
indivíduo à humanidade, à natureza e ao cosmos), passou a aceitar a necessidade de
interação entre elementos conscientes e inconscientes ou a constante troca de
informação e fluidez entre ambos para que a individuação se processasse, ou seja, o
processo de maturação psíquica que transcende os estreitos limites do ego e do inconsciente
individual.
Outra questão importante que a obra de JUNG nos fornece é a aceitação do
irracional e do paradoxal como válidos em si mesmos. Ele também estava convicto da
realidade da dimensão espiritual no esquema universal das coisas. Sua suposição básica era
que o elemento espiritual é parte orgânica e integral da psique. Ele é a centelha divina que
se localiza no Self. Assim, a verdadeira espiritualidade, ou a sua busca, é um aspecto
pulsional do inconsciente coletivo, independente do condicionamento da infância e da vida
do indivíduo, do ponto de vista cultural e educacional. Dessa forma, tanto a análise como o
autoconhecimento, quando alcançam suficiente profundidade, permitem que os elementos
espirituais se manifestem espontaneamente na consciência. São as manifestações
numinosas, como diria Kant.
Jung, porém, não se atreveu a introduzir a reencarnação em suas pesquisas,
fenômeno importante e aceito com naturalidade pela Psicologia Transpessoal. Mas
podemos dizer que entre as principais contribuições de JUNG para a psicoterapia e, em
breve, para a educação, é o reconhecimento das dimensões espirituais da psique e a abertura
para os campos transpessoais da consciência, pois sua hipótese da existência de uma
centelha numinosa no Self vem ao encontro das filosofias orientais e são corroboradas pela
literatura medianímica produzida no Brasil.
Esse paralelo entre as filosofias e práticas orientais e as revelações por vias
medianímicas comprovam as hipóteses de JUNG que não aceitava a idéia de causalidade
linear como o único princípio motor na natureza. De sua mente transgressora surgiu o
termo sincronicidade, a palavra que encontrou para designar o princípio de ligação entre
eventos de forma não causal. Dessa forma, JUNG procurou interpretar as coincidências
significativas de eventos separados no tempo e/ou no espaço.
É importante ressaltar que suas idéias passaram a interessar vários físicos pós-
modernos, entre eles EINSTEIN. Acredita-se que em um encontro pessoal, EINSTEIN
encorajou JUNG para dar prosseguimento em suas pesquisas. Wolfgang PAULI, um dos
pioneiros da teoria quântica, também foi um cientista que compartilhou com entusiasmo as
idéias de JUNG sobre sincronicidade.
Em linhas gerais, podemos afirmar que para se estudar as experiências transpessoais
e encontrar formas seguras de utilizá-las na Educação, objetivo do Centro de Cultura e
Educação Espiritualista HOMO SPIRITUALIS, precisamos nos abrir para os estudos sobre
a gênese da consciência realizados por místicos e por físicos pós-modernos, relativizando o
conhecimento estável e aceito com quase unanimidade pela Psicológica acadêmica.
Hoje em dia, já são muitos os pesquisadores (MASLOW, WEIL, GROF, WILBER,
entre outros) que formularam fortes hipóteses de que os “estados alterados de consciência”
são não apenas naturais, mas que são necessários para o bem-estar e para a saúde do
indivíduo que atingiu um certo grau de expansão cognitiva. É claro que estes autores não
defendem que tais estados sejam obtidos através de drogas, uma vez que estas podem
causar dependência química e destruir nosso corpo físico, mas através das diferentes
práticas meditativas ou religiosas e também de atividades psico-corporais como o T’ai Chi,
o Yoga, o Reiki etc., possibilitando o “desentupimento” dos chakras e, conseqüentemente,
permitindo um reequilíbrio físico, mental, emocional e espiritual.
MASLOW aos estudar pessoas que vivenciaram, espontaneamente, experiências
místicas de "pico", formulou a hipótese de que muitos sintomas emocionais graves vividos
no mundo contemporâneo são frutos do não afloramento dos níveis transcendentes da
personalidade. Assim, da mesma forma que aceitamos que existe uma pulsão para a
experiência sexual, possivelmente há também uma pulsão para a expansão da consciência
para se atingir outros níveis de percepção. Em seus estudos, a conclusão a que chega é que
as pessoas que têm experiências espontâneas de "pico" beneficiam-se delas, mostrando uma
clara motivação para a auto-realização, um dos objetivos da psicoterapia humanística. Ao
contrário de seus pares psicólogos, avaliou tais experiências como “supernormais” ao invés
de “subnormais”.
É preciso não se esquecer da importante contribuição de Carl ROGERS para o
amadurecimento das abordagens transpessoais na psicologia. Duramente criticado por
valorizar as dimensões transcendentes ou espirituais que emergiam no contexto terapêutico,
especialmente nas Terapias de Grupo, ROGERS parece não ter se intimidado e deu
prosseguimento ao seu transgressor e revolucionário trabalho. Em suas últimas obras, a
formulação de uma temática transpessoal começou a se destacar após a observação de
fenômenos que demonstravam a existência de estados sutis de consciência e concluiu que
se tratava, de fato, de experiências transcendentais e espirituais. O próprio ROGERS (1983:
62) afirma que no passado não empregaria estas palavras (transcendência e espiritualidade),
“mas a estrema sabedoria do grupo, a presença de uma comunicação profunda quase
telepática, a sensação de que existe ‘algo mais’, parecem exigir tais termos”.
Profeticamente, ouso afirmar que ROGERS cumpriu se papel. Com sua morte, ele
próprio não pode aprofundar suas novas concepções, tarefa que coube a seus seguidores e
admiradores. Em uma de suas últimas reflexões (1983: 53) afirmou: “tenho a certeza de
que nossas experiências terapêuticas e grupais lidam com o transcendente, o indescritível,
o espiritual. Sou levado a crer que eu, como muitos outros, tenho subestimado a
importância da dimensão espiritual ou mística”.
A partir do que expus, podemos concluir que a abordagem transpessoal possui uma
base holonômica no qual o organismo humano passa a ser pensado como um todo integrado
que envolve padrões físicos, mentais, sociais e espirituais. Ken WILBER demonstrou que
estes padrões definem diferentes espectros ou níveis de consciência: o do ego, o do
biossocial, o do existencial e o do transpessoal.
No primeiro caso, a consciência está identificada com uma representação mental
do organismo ou do corpo físico. É o domínio da auto-imagem construída ou egóica. Nesse
nível, a pessoa se identifica com o seu “eu” (diferente e independente de tudo e de todos) e
só cultiva relações interpessoais quando sente ou percebe que isso trará vantagens
específicas para o ego. Nesse nível de consciência, praticamente não há preocupação com
aspectos ecológicos ou sociais.
O segundo nível, o biossocial, envolve uma outra freqüência nos padrões de
consciência e a preocupação com a preservação ou construção de um ambiente social
aumenta. A pessoa começa a se sentir como parte de seu meio ambiente social e natural,
aumentando o seu grau de responsabilidade pelo mesmo.
O terceiro nível, o existencial, engloba o organismo total. Nesse estágio, a pessoa
apresenta um senso de identidade corpo/mente auto-organizador. É quando surgem os
ideais humanistas e os pensamentos mais complexos e elaborados, sobretudo em relação à
Filosofia de Vida. Nesse estágio, Emoção e Razão seguem juntas para que haja o
crescimento e expansão das potencialidades humanas, desde que haja meios propícios para
que esse processo ocorra. O que não significa também que na ausência desses meios a
pessoa não irá se auto-realizar ou se solidarizar com seus semelhantes. Normalmente, um
alto grau de envolvimento ético e moral está associado a este estágio.
O último nível, o transpessoal, é o da expansão da consciência para além das
fronteiras do ego, correspondendo a um senso de identidade muito mais amplo e
envolvente. Esse nível costuma envolver percepções do meio ambiente onde tudo está
relacionado, mas não de forma linear ou causal. É o nível que permite uma abertura segura
ao inconsciente coletivo e aos fenômenos que lhe estão associados, entre eles, a telepatia, a
precognição, os diferentes tipos de mediunidade e até lembranças de vidas passadas.
Nesse nível de consciência, dificilmente a pessoa aceita as teorias que apontam para
uma separação rígida entre o Ego e todo o resto do universo, a não ser como uma forma de
atuação no meio em que vive com outras pessoas. Esse nível de consciência transcende o
raciocínio mecanicista cartesiano e se aproxima das experiências místicas.
Nesse sentido, é importante dedicar mais atenção a um dos temas polêmicos
atualizados pela abordagem transpessoal: a reencarnação. Com o crescimento dessa
abordagem, este tema deixou de ser apenas um dogma religioso e começa a ganhar uma
dimensão também científica.
Como já salientamos, as abordagens cartesianas consideram a consciência “normal”
(ego) com base apenas nos fenômenos típicos do estado de vigília. Nesse estado, usamos a
razão instrumental para lidar com quase todas as situações da vida cotidiana. É claro que a
consciência “normal” possui um precioso instrumento: a memória. Porém, está provado que
existem outros conjuntos de dados ou de informações, muito mais rico e profundo, que não
são obtidos ou recuperados pela vontade consciente da pessoa. E são vários os conjuntos:
os da vida presente da pessoa, sobretudo, da infância (FREUD), da vida intra-uterina (Otto
RANK) e das experiências perinatais (GROF). Mas há, também, muitas experiências e
psicoterapias de regressão (WEIL, 1979; PINCHERLE et al., 1991; GROF 1988)
demonstrando que há informações no inconsciente que são referentes à pessoa, porém,
anteriores à vida presente. Muitas das informações obtidas através das Terapias de Vida
Passada (TVP) ou outras técnicas dificilmente podem ser relacionadas com a história
biográfica do paciente (GROF, 1988).
A Terapia de Vida Passada, formulada por Morris NETHERTON relaciona, além
das teorias de JUNG, MASLOW e ROGERS, os conhecimentos produzidos pela
Neurofisiologia contemporânea e as teorias holográficas de Karl PRIBAM e do físico
David BOHM.
Do ponto de vista terapêutico, GROF demonstrou que o fato de reviver tais
memórias cármicas, de forma geral, possibilita ao paciente sentir um “profundo alívio”, a
sensação de libertação dos opressivos "vínculos cármicos", além de sentimentos de êxtase e
de realização.
Apesar de recente, os estudos científicos sobre a reencarnação se baseiam nos
pressupostos de uma ciência pós-moderna, ou seja, não cartesiana-newtoniana.
Culturalmente, a crença na reencarnação é algo típico das Civilizações Orientais. Tanto o
Budismo como o Hinduismo se fundamentam nessa idéia. Porém, no Ocidente, essa
concepção também está presente, sobretudo nos antigos cultos órficos. Para SÓCRATES,
PLATÃO e PITÁGORAS a reencarnação era a condição necessária da existência humana.
No século XIX, o estudo da reencarnação voltou à tona com o surgimento do
Espiritismo, da Teosofia e de outras abordagens religiosas ou filosóficas. Podemos notar
que, a cada dia, se tornam mais evidentes as semelhanças entre as doutrinas medianímicas
(como o Espiritismo e a Umbanda) e as doutrinas orientais. No começo do espiritismo
dizia-se que os chakras, por exemplo, não existiam, que seria uma idéia “mística”. Com o
aumento da literatura mediúnica e com espíritos considerados “evoluídos” e de “confiança”
como André Luiz escrevendo sobre os “campos de força”, que curiosamente se
assemelhavam aos chakras das literaturas orientais, o tema passou a ser aceito com mais
naturalidade no meio espirítico.
Em breve, as reflexões sobre a reencarnação serão aceitas com mais naturalidade
pela comunidade científica. Para o momento, podemos nos pautar nos pesquisadores J.
FADIMAN e R. FRAGER (1986) para quem as evidências factuais da existência da
reencarnação não podem ser descartadas com facilidade. No Brasil, temos as pesquisas de
Hernani Guimarães Andrade que reforçam a tese de que a reencarnação é um fato natural.
Poderíamos falar também do crescimento exponencial da Transcomunicação Instrumental
(contatos com espíritos através dos mais modernos aparelhos de comunicação) para
demonstrar que o contato com os seres incorpóreos é uma realidade incontestável.
Passaremos, agora, da Psicologia Transpessoal para o domínio da Educação. Para
tanto vamos cunhar o neologismo Animagogia para se referir a ela. Trata-se de um enfoque
educativo que reconhece, necessariamente, as dimensões espirituais e o potencial para a
expansão da consciência humana. Assim, o educador transpessoal ou animagogo pensa,
propõe e realiza com seus alunos novos campos experienciais a partir dos pressupostos da
Psicologia Transpessoal, visando promover e valorizar a dimensão numinosa da
Cooperação. Seu objetivo é ajudar na consolidação do Homo cooperativus uma espécie
intermediária entre o Homo tecnologicus atual e o possível Homo spiritualis, o homem
“pós-moderno” que surgirá na face da Terra quando a reencarnação, a vida após a morte e o
contato com os seres incorpóreos se tornarem fatos naturais e universalmente aceitos.
Nesse sentido, a Animagogia encontra nas filosofias orientais e em suas atividades
vivenciais, como também na fenomenologia mediúnica um rico campo de estudo e de
hipóteses de trabalho. É preciso ressaltar que, no Brasil, há um pequeno risco da Psicologia
Transpessoal se transformar em instrumento para legitimar o espiritismo. Se isso vier a
acontecer, ela corre o mesmo risco da Parapsicologia que, durante décadas, ficou atrofiada
devido ao seu forte vínculo ao catolicismo. É por isso que devemos sempre ressaltar que a
psicosofia (sabedoria espiritual) espirítica é uma rica fonte de informações e de hipóteses
de trabalho para o estudo e aprimoramento da Psicologia Transpessoal e,
conseqüentemente, para a Animagogia, e não o contrário. Assim, da mesma forma que nos
EUA os psicólogos transpessoais se voltaram ao estudo das filosofias orientais e de suas
práticas meditativas, no Brasil não podemos menosprezar a abundante literatura espirítica e
umbandista em nossos estudos. A fenomenal obra mediúnica de Chico Xavier é fonte
inesgotável de estudos transpessoais. Mas, como dissemos, a doutrina espírita deve ser
objeto de estudo e fonte de hipóteses de trabalho.
Tomemos para exemplificar nossa argumentação, a polêmica questão da
espiritualidade indígena. Se para os adeptos da doutrina espírita os espíritos indígenas são
“inferiores” ou os “bárbaros” que invadem o mundo civilizado por meio da reencarnação e
que devem ser “doutrinados” quando se manifestam em um trabalho mediúnico, tais
afirmações devem ser apenas hipóteses de trabalho em um enfoque transpessoal. Além da
perspectiva espirítica temos de levar em consideração a visão umbandística. Os adeptos
desta outra religião, que também realiza intercâmbio com os seres incorpóreos, acreditam
que uma entidade indígena possa ser tão “evoluída” e que, muitas vezes, não necessita mais
encarnar sobre a Terra. Tal Ser pode utilizar a forma perispiritual de um índio por várias
razões: manter sua privacidade, pois pode ter sido uma figura de destaque no meio sócio-
cultural, em uma de suas encarnações passadas; para expressar humildade diante das leis
numinosas que regem o Universo etc.
Assim, se por um lado, no âmbito da Psicologia Transpessoal, a reencarnação e a
imortalidade da alma não são mais temas tratados como hipóteses; por outro, as
informações provenientes das religiões reencarnacionistas e medianímicas devem ser
tratadas sempre como hipóteses de trabalho e nunca como dogmas. A Psicologia
Transpessoal e a Animagogia podem contribuir e receber contribuição das doutrinas
religiosas, mas nunca devem se transformar em instrumentos para legitimar opções
doutrinárias.
Outro exemplo importante que nos ajuda a compreender a distinção entre o campo
da ciência e o da religião, ilustrando nossa argumentação, pode ser encontrada no debate
que envolve a Transcomunicação Instrumental. No meio espirítico há uma polêmica sobre
o assunto. Para uns, ela não teve origem no espiritismo e, portanto, não se trata de uma
“atividade doutrinária”. Outros não se importam com o fato dela ter se popularizado através
de pesquisas realizadas por padres católicos e acreditam que ela ajuda a popularizar a vida
após a morte e o intercâmbio com o plano espiritual.
Porém, estas questões de ordem “doutrinárias” não interessam para a Psicologia
Transpessoal. Assim, a Transcomunicação Instrumental, o Reiki, a Apometria etc. serão
estudadas de forma desinteressada e acadêmica, a partir das contribuições que poderão
trazer para o aprimoramento espiritual do ser humano. É por isso que, apesar de crescer o
numero de espíritas interessados na Psicologia Transpessoal, esta última não pode se
transformar em veículo para legitimação religiosa ou doutrinária.
A Animagogia e os estados ampliados de consciência
Antes da abordagem transpessoal, as experiências místicas ou os estados ampliados
de consciência eram classificados como neurose, regressão a estágios intra-uterinos etc. A
Psicologia Transpessoal descobriu o Ser espiritual e também que este se aprimora ao longo
de várias encarnações. Unindo a psicosofia do Oriente e as modernas pesquisas do Ocidente
manifestou a estrutura do ser humano como Homo spiritualis.
No Brasil, a fenomenologia mediúnica pode contribuir para o avanço da Psicologia
Transpessoal, desde que, como já foi dito, está não seja utilizada para legitimar opções
religiosas. A pessoa que experimenta estados ampliados de consciência seja através de
contatos com seres incorpóreos, abertura para vidas passadas ou de outros fenômenos, não
encontra as melhores palavras para explicar o fato para aquele que nunca viveu tais
experiências, porém, o importante é que para absorver a nova informação e a energia que
contém tais experiências toda a personalidade necessita se reestruturar, superando velhos
hábitos, velhos paradigmas, bloqueios psicológicos e religiosos etc. Mas é importante
ressaltar também que, quase sempre, tais mudanças são acompanhas de novas
responsabilidades.
Essa metanóia consiste em assumir um nova sensibilidade ou atitude diante do
mundo. É por isso que a Psicologia Transpessoal pode libertar realmente o Ser, ao contrario
das abordagens clássicas. No âmbito da saúde, o enfoque deixa de ser a doença para se
centrar no pensamento, nos sentimentos e nas atitudes que estão por trás das enfermidades.
No âmbito educativo, ou seja, da Animagogia, o enfoque é o aprimoramento espiritual
através de diferentes técnicas psico-sociais, corporais e meditativas que visem o
desabrochar do Homo spiritualis no mundo técnico-informacional contemporâneo. Em
suma, uma nova modalidade de ser no mundo, de mente universalista e livre de amarras
doutrinárias, apesar de sua abertura neg-entrópica para as contribuições da psicosofia
espiritista, budista, umbandista, hinduísta, taoista, teosófica, católica etc.
A Animagogia como uma educação do espírito pressupõe a aceitação do fato de que
somos seres autônomos que antecedem a criação do nosso veículo físico, necessário para a
vida sobre a Terra, e que retorna para casa ao fim de mais uma jornada sócio-cultural e
educativa destinada ao aprimoramento moral e intelectual do nosso ser eterno.
Em torno da Anima-ação cultural O termo Anima-ação cultural foi cunhado em minha tese de doutoramento
“sociagogia do (re)envolvimento e anima-ação cultural” para representar toda e qualquer
programação sócio-cultural que tenha como objetivo o aprimoramento espiritual do ser
humano, sem preocupação doutrinária. O que poderíamos indicar como característica
central da Anima-ação cultural é o seu “modo de pensar” residual, ou seja, “impuro”. Ela se
formula na trajetoriedade entre o conhecimento produzido pela ciência contemporânea e as
psicosofias (sabedorias espirituais) das diferentes religiões e filosofias reencarnacionistas.
Porém, seu campo de ação não é o religioso, mas o cultural. É nesse âmbito que sua função
simbólica se concretiza.
Nos itens anteriores foi possível apresentar, resumidamente, a base teórica e
epistemológica do que entendemos por Animagogia. Passemos, agora, para a sua
realização, por intermédio da Anima-ação cultural, o caminho aqui proposto para que
possamos contribuir para a realização do ser humano como “neótono neg-entrópico”, ou
seja, como um ser aberto para o mundo, lúdico-explorador, permanentemente incompleto e
inacabado.
Assim, o prefixo anima - que na psicologia analítica de Jung tem uma conotação
peculiar, referindo-se ao princípio feminino no homem - indicaria um programa de ação
cultural ou uma inter(in)venção sobre grupos em que a sensibilidade – ou a anima – é o seu
“catalisador”. É preciso salientar que estamos compreendo o termo ação cultural no sentido
proposto por TEIXEIRA COELHO (1989:33):
... [a ação cultural] Tem sua fonte, seu campo e seus instrumentos na produção simbólica
de um grupo. E entre as formas do imaginário que a constituem, as da arte – ao lado de
praticas culturais leigas, mítico-religiosas, etc. – são privilegiadas, por mais que se diga o
contrário. O trabalho com uma modalidade artística em particular pode até não ser do
interesse de uma ação cultural específica. Mas, o que é vital à ação cultural é a operação
com os princípios da prática em arte, fundados no pensamento divergente (identificado por
Gaston Bachelard como o ‘princípio do diagrama poético’, que consiste em aproveitar,
para o processo, tudo o que interessar, venha de onde vier, na hora em que for necessário,
sem o recurso a justificativas claras e precisas) e no pensamento organizado, e movido
pela possibilidade, pelo vir-a-ser. É esse tipo de pensamento e essa modalidade de prática,
em parte privilegiada também pela ciência mais criativa, que permite o ‘movimento’ de
mentes e corpos tão privilegiado pela ação cultural. É esse na verdade o tipo de
pensamento que altera os estados, transforma o estado em processo, questiona o que existe
e o coloca em movimento na direção do não conhecido. A proposta, portanto, é usar o
modo operativo da arte – livre, libertário, questionador, que carrega em si o espirito da
utopia – para revitalizar laços comunitários corroídos e interiores individuais dilacerados
por um cotidiano fragmentante.
A inter(in)venção sócio-educativa promovida pelo animagogo (o agente da Anima-
ação cultural) poderá ser realizada com diferentes grupos sociais, envolvendo crianças,
adolescentes, adultos e idosos (e até desencarnados, dependendo do caso). Não há dúvidas
que se trata de um tipo peculiar de educador. De certa forma sua ação ocorre no tempo
livre do grupo e não é o ambiente escolar o seu principal locus de atuação. Se o seu
trabalho não é pedagógico, no sentido estrito da palavra, ou seja, de um ensino-
aprendizagem voltado para crianças, ele é, sobretudo, animagógico, como apresentamos
acima.
Em relação às atividades que normalmente compõem um programa de Anima-ação
cultural encontraremos aquelas que possibilitam uma ponte entre a luz e a sombra ou entre
a vigília e o repouso, por exemplo. Algumas atividades típicas de um programa de anima-
ação cultural são, entre outras, a Meditação, o Yoga, o Reiki, as Danças Circulares.
Meditar, por exemplo, não significa dormir, mas, em estado de vigília, manter uma
postura e formas de respiração que permitam a pessoa entrar em contato com o seu mundo
interior e com fenômenos “transpessoais”. A expressão Yoga em sânscrito significa religar.
Por sua vez, a palavra japonesa Reiki, envolve duas expressões: Rei (energia universal) e Ki
(energia vital). Ou seja, em ambas encontramos a imagem de religação entre dois mundos
complementares.
Talvez por essa característica transicional, a Anima-ação cultural parece favorecer a
amizade e a cooperação. As atividades culturais relacionadas com "saúde holística", "meio
ambiente", "espiritualidade", entre outras, são as que mais se relacionam com a Anima-ação
cultural. No caso da espiritualidade, ela permite a expressão da alma oriental no Ocidente.
Isso fica mais compreensível quando pensamos junto com JUNG (apud FRANZ, 1998:33)
que "o cristianismo expressa a verdade da alma, porém numa forma exterior, projetada".
Ou, ainda segundo JUNG (op. cit.: 34), no cristianismo "a alma parece tão insignificante
que não se supõe ser ela capaz de produzir nenhum mal, muito menos um bem. Mas se a
alma não tem mais nenhum papel a cumprir, a vida religiosa se enrijece nas exterioridades
e formalidades." Devemos lembrar que a expressão cristianismo para JUNG esta
fortemente relacionada à tradição judaico-católica e não abarca todas as expressões do
cristianismo.
Podemos perceber que a Anima-ação cultural, pelo menos do ponto de vista aqui
discutido, implica um problema religioso (religare), mas não necessariamente doutrinário.
A Anima-ação cultural se realiza, normalmente, através de atividades de introversão ou de
atividades que apresentam forte homologia com a Alquimia ou que nos faz reconhecer que
é através de nós, mas não a partir de nós (ou seja, de dentro da personalidade, mas não a
partir do ego) que encontramos tudo o que necessitamos, mas que, por não termos
consciência desse fato, procuramos, desesperadamente, do lado de fora.
As atividades que compõe um programa de Anima-ação cultural têm como função
fazer brilhar dentro de nós, ainda que tenuamente, a vida e a luz do homem, porém, uma luz
que não emana de nós (em outras palavras, do ego), mas que, no entanto, está dentro de
nós.
A Anima-ação cultural vem ao encontro da crítica junguiana ao cristianismo oficial
de sua época, pois acentua a idéia de que todo ser humano abriga no mais fundo de sua
psique (no Self) uma centelha divina, uma parte da Divindade. Como disse FRANZ
(1998:72), seguindo as trilhas de JUNG: "admitamos ter a imagem de Deus como uma
entidade ativa, como uma essência, em nossa própria psique, então não precisamos ficar
correndo a esmo para procurá-la; nós a temos ali mesmo".
Essa "procura" parece demonstrar bem a diferença sensível entre o imaginário
ocidental, fortemente heróico, e o oriental, muito mais noturno. Sobre essa questão, JUNG
(1990:107) já havia apontado que:
... o homem ocidental procura sempre a exaltação, e o oriental, a imersão ou o
aprofundamento. Parece que a realidade exterior, com sua corporeidade e peso, domina o
espírito europeu com muito mais força e maior intensidade do que o faz com o hindu. Por
isso o primeiro procura elevar-se acima do mundo, enquanto o segundo retorna, de
preferência, às profundezas da mãe natureza.
Em suma, a cultura da alma que essa forma de ação cultural realiza tem muita coisa
a nos dizer, e aqui me refiro ao homem ocidental "que não descansará enquanto não tiver
contaminado o mundo inteiro com sua agitação febril e sua cobiça desenfreada” (JUNG,
1990: 125).
Podemos dizer, também, que na Anima-ação cultural há uma tendência para se
considerar sem pré-conceitos os chamados “ruídos” ou “impurezas” que ocorrem na
comunicação humana, ou em um sistema vivo, na linguagem de MORIN (s/d).
Normalmente, o ruído é associado ao “erro”, ou seja, a toda recepção inexata de uma
informação em relação à sua emissão. Porém, tal "problema" na Comunicação pode
adquirir um outro significado se atentarmos, como fez MORIN em O Paradigma perdido:
a natureza humana, ao estudar o erro e o ruído em relação aos “sistemas vivos” e concluir
que estes são capazes de funcionar apesar de e com o erro e o ruído.
Como afirma Morin (s/d:113):
... o organismo vivo, funciona apesar de e com a desordem, o ruído, o erro, os quais, não
produzindo necessariamente um aumento da entropia do sistema, não são necessariamente
degenerativos, podendo ser mesmo regenerativos.(...) Este paradoxo esclarece-se quando
se considera a organização do sistema vivo como um processo de autoprodução
permanente ou autopoiese. (...) O ‘ruído’ não está só ligado ao funcionamento, mas ainda
mais à evolução do sistema vivo. (...) Em certos casos, o ‘ruído’ provoca o aparecimento
de uma inovação e de uma complexidade mais rica. Nesse caso, o erro, em vez de degradar
a informação, enriquece-a. O ‘ruído’, em vez de provocar uma desordem fatal, suscita uma
ordem nova. (...) Deste modo, a transformação, a inovação na ordem do vivo, só se podem
conceber como o produto de uma desordem enriquecedora, porque passa a ser fonte de
complexidade.
Nesse sentido, a Anima-ação cultural tende a valorizar a neg-entropia e, do ponto de
vista hermenêutico, a dimensão simbólica de cada grupo. O processo de criação tende
também a promover a dimensão “fática” - ou o homo cooperativus -, o que significa
valorizar além das preocupações com o conteúdo, seja este “crítico”, “civilizador”,
“revolucionário” etc., o ser humano, o afetual e a interação social. Assim, pode-se dizer que
a Anima-ação cultural é, sobretudo, uma inter(in)venção cultural. Ou seja, um programa
elaborado junto com o grupo e não para o grupo.
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O autor:
Adilson Marques formou-se em Geografia, em 1992, pela Universidade de São Paulo. Em 1996, defendeu sua dissertação de mestrado na Faculdade de Educação da USP, cujo titulo foi: Educação ambiental, memória e topofilia: uma pesquisa preliminar. Em 2003 doutorou-se pela mesma faculdade com a Tese: Nossas lembranças mais pessoais podem vir morar aqui: sociagogia do (re)envolvimento e anima-ação cultural.
Profissionalmente atuou como animador cultural do SESC, em várias unidades no estado de São Paulo e, atualmente, leciona na Universidade Aberta da Terceira Idade (UATI), na cidade de São Carlos.
Participou da experiência mediúnica que resultou na criação da ONG Círculo de São Francisco – Instituto de Animagogia, localizada na cidade de São Carlos/SP, onde realizou pesquisas sobre Psicologia Transpessoal e Animagogia. Em 2007 criou o Centro de Cultura e Educação Espiritualista Homo Spiritualis para difundir a experiência construída a partir do contato com seres incorpóreos. É autor de 16 livros abordando temas como mediunidade, paranormalidade e imaginário. Entre eles, destacam-se: Educação após a morte: princípios de animagogia com seres incorpóreos e O REIKI, a TVI e outros tratamentos complementares.