EDUCAÇÃO PARA O CONSUMO. A EFETIVA TUTELA DOS … · a implantação de uma educação para o...
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SUMRIO
SUMRIO .................................................................................................................1
INTRODUO..........................................................................................................2
1 DIREITOS FUNDAMENTAIS ........................................................................7
1.1 Nomenclatura dos Diretos Fundamentais..............................................8
1.2 A Histria da Positivao dos Direitos Fundamentais .........................18
1.3 Fundamento Filosfico: O Princpio da Dignidade Humana................30
1.4 Classificao dos Direitos Fundamentais ............................................41
2 A DEFESA DO CONSUMIDOR COMO DIREITO FUNDAMENTAL ..........47
2.1 O Surgimento da Sociedade de Consumo...........................................47
2.2 A Relao Jurdica de Consumo..........................................................52
2.3 A Previso Constitucional da Defesa do Consumidor .........................61
3 A PRINCIPIOLOGIA DO CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR .......67
3.1 Os Princpios do Cdigo de Defesa do Consumidor ...........................70
3.2 A Poltica Nacional de Relaes de Consumo ....................................79
3.3 Objetivos da Poltica Nacional..............................................................84
4 EDUCAO COMO MEIO DE FORTALECIMENTO DA RELAO
JURDICA DE CONSUMO..................................................................................88
4.1 A Educao para o Consumo no Mundo Globalizado.........................91
4.2 A Previso Constitucional e Infra-constitucional do Direito a uma
Educao-cidad...........................................................................................104
4.3 A Formao da Conscincia Crtica do Consumidor como uma das
Formas de Garantir sua Liberdade de Escolha ............................................110
4.4 A Efetivao dos Direitos do Consumifor por Meio da Educao para o
Consumo. Ideal x Realidade .........................................................................113
CONCLUSO ........................................................... Erro! Indicador no definido.
BIBLIOGRAFIA.....................................................................................................124
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INTRODUO
O presente trabalho pretende analisar a presena de uma educao para o
consumo, garantida na Constituio Federal e prevista como princpio norteador
do Cdigo de Defesa do Consumidor, enquanto meio de fortalecimento dos
direitos dos consumidores. Para tanto, pretendemos analisar as dimenses que
esta educao deve assumir para contribuir na formao de um cidado cnscio
de seus direitos sociais, capacitado para fazer uma escolha consciente nas
relaes de consumo e, portanto, um sujeito apto a lutar pela efetivao destes
direitos.
Importante, neste passo, situar a defesa do consumidor no contexto dos direitos
fundamentais, bem como descrever a trajetria percorrida para a regulamentao
do Cdigo de Defesa do Consumidor, procurando ainda, analisar a importncia dos
direitos do consumidor nos mbitos jurdico e social.
Com este propsito, pretendemos iniciar a anlise falando dos direitos
fundamentais, sua historicidade e fundamento filosfico, estabelecido no princpio
da dignidade da pessoa humana, para ao final do primeiro captulo classific-los
em geraes distintas e sucessivas, buscando identificar a defesa do consumidor
como direito fundamental de terceira gerao.
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Os fundamentos institudos na Constituio Federal, em 1988, modificaram o
Direito, brasileiro, vez que estabeleceram parmetros de atuao, limites e
objetivos que devem ser perseguidos e respeitados pelo Estado, de forma a
atender ao pressuposto da dignidade humana, da cidadania e da livre iniciativa,
objetivando a construo de uma sociedade livre, justa e solidria, com reduo
das desigualdades sociais e erradicao da pobreza, sem olvidar a garantia do
desenvolvimento nacional.
Os preceitos da norma mxima, que aparentemente trazem contradies
insuperveis, demonstram que a pessoa humana o valor fundante do Estado
Democrtico de Direito Brasileiro, e que os direitos fundamentais institudos, por
sua vez, conseqncia de uma conquista histrica, representam um novo
paradigma para toda a sociedade atual, que embora complexa e extenuada,
admite o nascimento de novos direitos ao indivduo.
A identificao da defesa do consumidor como direito fundamental, a ser tratado
no segundo captulo, abre espao para realizarmos um breve estudo do
surgimento da proteo legal aos direitos do consumidor, contextualizando o
momento histrico poltico-cultural em que se deu o surgimento destes direitos.
Vamos notar que, transformaes profundas ocorreram na economia, com a
sedimentao do modo de produo industrial, causando reflexos diretos e
definitivos na vida social, seja do sujeito individualmente, ou da coletividade como
um todo, inseridos que foram na sociedade de massa.
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O subsistema legal criado pelo Cdigo de Defesa do Consumidor inaugurou uma
nova filosofia de acesso e regulamentao das relaes jurdicas de consumo,
aspecto que ser abordado no terceiro captulo, analisando o papel do consumidor
e do fornecedor, bem como, do objeto desta relao, que a aquisio de bens
ou a utilizao de servios. Analisar-se- como a implementao de princpios
prprios relao de consumo visa promover a harmonizao e equalizao desta
relao, atravs da previso de uma Poltica Nacional de Relaes de Consumo,
com mecanismos legais e infra-legais destinados a minimizar a polarizao
existente entre os sujeitos partcipes.
Ainda no terceiro captulo ser feita uma anlise detalhada dos princpios
peculiares relao de consumo, para ento, no quarto e ltimo captulos,
adentrarmos no tema da educao do consumidor, institudo como um dos
princpios norteadores da Poltica Nacional das Relaes de Consumo (artigo 4 ,
inciso IV) e como direito bsico do consumidor, Cdigo de Defesa do Consumidor
(artigo 6, inciso II).
Procuraremos neste captulo, realizar uma anlise acerca da educao para o
consumo no mundo globalizado, tendo o cuidado de diferenciar a prtica do
consumo de uma prtica consumista, eivada de distores scio-culturais, capazes
de causar um distanciamento valorativo no indivduo, uma vez que sua insero
no mercado se d, desde cedo, sem nenhuma preocupao com a preservao ou
a criao de uma postura crtica acerca do processo de consumo, mas to
somente com o intuito de cristalizar a idia de que ele deve atender aos seus
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desejos de consumo, custe o que custar, desejos estes despertados pela atuao
eloqente e eficaz da mdia, que, por sua vez, atua a servio das empresas.
Mostraremos que a nossa Constituio Federal conjugou de forma expressa, os
direitos fundamentais, a cidadania e a educao como querendo significar que
no h garantia dos direitos fundamentais previstos na lei sem o exerccio da
cidadania, e que no h cidadania sem uma educao adequada que lhe garanta
o exerccio.
E ainda, que a mesma importncia dada educao na Constituio Federal foi
tambm dada educao dos consumidores no Cdigo de Defesa do Consumidor,
visando torn-los capacitados nas decises de compra. Esta preocupao,
segundo anlise deste trabalho, implica diretamente no exerccio de cidadania,
medida que a facilitao das informaes relativas relao de consumo, por
meio da educao, favorece a apreenso de conhecimentos indispensveis uma
relao mais igualitria, e portanto, mais justa entre os consumidores e os
fornecedores.
A formao da postura crtica do cidado consumidor, como veremos,
decorrncia de uma educao diferenciada, a educao para o consumo, voltada
para a tica nas relaes de consumo e destinada preservar a dignidade
humana salvaguardando a igualdade entre os sujeitos desta relao. Este
posicionamento, como procuraremos demonstrar, dever se dar atravs do
envolvimento poltico, no melhor sentido do termo, destes indivduos
consumidores na sociedade.
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O trabalho ser finalizado com a apresentao de um conjunto de sugestes para
a implantao de uma educao para o consumo que preserve e fortalea as
relaes entre consumidor e fornecedor. Teremos a oportunidade de apresentar
algumas boas idias j divulgadas e que mostram grande preocupao de alguns
setores da sociedade civil e de rgos do poder pblico com a educao para o
consumo.
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1 DIREITOS FUNDAMENTAIS
O presente captulo tem como objetivo analisar como se deu a conquista jurdica
dos direitos fundamentais no decorrer da histria e como esta trajetria
evidenciou tendncias filosficas que se refletiram em caractersticas dos direitos
conquistados, ampliando a possibilidade dos direitos humanos se efetivarem.
A compreenso desta historicidade define uma tendncia filosfica do direito em
cada poca, e ir permitir a anlise das caractersticas dos direitos do consumidor
e sua relao com os direitos fundamentais, evidenciando tambm como os
fundamentos e garantias institudos na Constituio Federal respondem a essa
tendncia.
Resultado efetivo desta trajetria de conquistas de direitos humanos observa-se
na Constituio Federal que construiu um novo Direito, abarcando as no to
novas preocupaes com os direitos e garantias individuais e coletivos de
primeira, segunda e terceira geraes, realizando o primeiro grande passo para a
afirmao destes direitos, que sua positivao.
Como afirma Bittar:
Das conquistas modernas, talvez esta (direitos humanos) seja a de maior valor, na prpria medida em que as Declaraes so afirmativas da necessidade de proteo da dignidade da pessoa humana, da primeira gerao de direitos humanos (direitos individuais), passando pela segunda gerao de direitos humanos (direitos sociais), terceira gerao de direitos humanos (direitos
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ambientais, direitos difusos) (...) se so historicamente construdos, se foram sistematizados e positivados pelo movimento positivista liberal de direito, se foram trivializados com a paulatina transformao do prprio jusnaturalismo em juspositivismo no constitucionalismo contemporneo, com a conseqente descartabilidade de seus textos, isto no afasta seu carter paradigmtico na busca de solues razoveis para a orientao dos direitos vigentes em sociedade.1
Neste estudo ser analisada a trajetria histrica dos direitos fundamentais,
considerando: a nomenclatura utilizada para defini-los; o caminho percorrido para
sua positivao e; as fases destas conquistas divididas em geraes de direitos
que o homem lutou para v-los inseridos na sociedade, a ponto de estarem aptos
a produzir um dever por parte do Estado, em face do indivduo.
1.1 NOMENCLATURA DOS DIRETOS FUNDAMENTAIS
O homem sujeito de direitos os quais desconhece e precisa conhecer, para que
possa ser capaz de interferir positiva e significativamente em sua vida e na vida
do outro, possibilidade esta, que estar ao alcance de todos, medida que os
indivduos, organizados, coletivamente, descobrirem-se capazes de desempenhar
um papel fundamental, na soluo de seus prprios problemas sociais.
Os estudos das diferentes nomenclaturas recebidas pelos direitos fundamentais e
seus correlatos, importante, medida que representam as modificaes sofridas
no evolver dos acontecimentos histricos, que foram delineando a construo dos
direitos analisados. Certamente que todo termo cunhado revela sua historicidade
1 BITTAR, Eduardo C.B. O Direito na Ps Modernidade. Forense, RJ, 2005, p. 285.
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e seus princpios formadores e, o estudo destes facilita a compreenso de seu
significado.
O termo fundamental, por si s, j traduz a idia de algo essencial, bsico,
imprescindvel, sendo este o ponto de partida para a anlise da nomenclatura e
conceituao recebidas pelos direitos fundamentais.
Antes de ingressar no conceito de direitos fundamentais, importante trazer
lume a existncia de muitas denominaes para estes direitos, podendo-se
identificar alguns aspectos diferentes em cada uma delas.
Os termos direitos naturais, direitos humanos, direitos da pessoa humana,
liberdades pblicas, liberdades individuais e direitos fundamentais do homem so
similares, contudo, possuem algumas diferenciaes que se tentar identific-las.
A dificuldade em diferenciar uma e outra nomenclatura, se d em funo de que,
algumas vezes, os termos so usados como sinnimos, e em outras, traduzem
vises diferentes acerca dos direitos fundamentais.
Durante o processo de evoluo histrica da afirmao dos direitos fundamentais,
tratou-se de firmar a escolha natural dos termos e, nas declaraes internacionais
de direitos, o termo comumente empregado direitos humanos, os quais, por
sua vez, uma vez incorporados nas Constituies de cada pas, foram introduzidos
como direitos fundamentais.
A Declarao Universal dos Direitos Humanos usa as expresses direitos do
homem e direitos fundamentais do homem, expressando que:
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[...] na Carta, os povos das Naes Unidas proclamam, de novo,
sua f nos direitos fundamentais do Homem, na dignidade, e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres e se declaram resolvidos a favorecer o progresso social e a instaurar melhores condies de vida dentro de uma liberdade mais ampla, para depois considerar que: ... os Estados-Membros se comprometeram a promover, em cooperao com a Organizao das Naes Unidas, o respeito universal e efetivo dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais.
Portanto, como se pode notar: as expresses utilizadas podem atingir dimenses
diversas quando utilizadas em contextos distintos, sendo este o parmetro a ser
utilizado para a correta diferenciao e conceituao dos termos relacionados aos
direitos fundamentais. Ento, para a compreenso dos diferentes termos faz-se
necessrio distingu-los dentro dos contextos em que foram cunhados, analisando
e compreendendo, para tanto, a viso da postura jusnaturalista e da postura
positivista.
O pensamento jusnaturalista nasceu na Grcia, de Aristteles, a partir das
observaes de que o mundo dos corpos no se deve aos Deuses e Mitos, mas
sim explicada pela cincia, e esta cincia a Fsica.
A Fsica experimental de Aristteles (cincia dos fenmenos) um magnfico edifcio intelectual completamente prejudicado por erros de fato. Mas seu Fsica Filosfica (cincia do ser mvel como tal) contm os fundamentos e os princpios de toda a verdadeira filosofia da natureza. 2
Certamente, como conseqncia da influncia do pensamento filosfico dos
gregos sobre Ccero, o qual era grande admirador de Plato, que este se
destaca em suas reflexes acerca da existncia de um Direito Natural, baseado
2 MARITAN, Jacques. Introduo Geral Filosofia, 14 ed. Agir, SP, 1985.
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numa Lei Natural, que rege a conduta humana e que sintetiza o nascimento da
razo, distinguindo o bem do mal.
Ccero viveu em Roma, fez parte da sociedade romana e suas reflexes sobre a
origem do Direito Romano, da poca, no se detiveram nas razes culturais ou nos
elementos puramente prticos daquela formao. A partir de uma postura
filosfica, introspectiva e reflexiva, fez uma ntida distino entre o Direito Positivo
e o Direito Natural, pois segundo ele, antes de qualquer conveno dos homens,
suas virtudes, sua tica e, portanto, sua felicidade, dependia da exata
compreenso do que a Lei Natural, soberana, anterior, proveniente da Natureza,
acreditando que: no que diz respeito ao Direito Natural, devemos pensar e falar
por nossa prpria conta; porm, quando se trata do Direito Romano, temos que
nos referir aos documentos e s tradies. 3
Ccero desenvolve e defende a idia de que a lei pr-existe ao homem e o coloca
da todos em situao de igualdade, mas esta igualdade entre os homens o coloca
em vantagem em relao aos demais seres, que no possuem a razo, pois a
razo, segundo ele, que:
[ ...] conforme a natureza, gravada em todos os coraes, imutvel, eterna, cuja voz ensina e prescreve o bem, afasta o mal que probe e, ora com seus mandados, ora com suas proibies, jamais se dirige inutilmente aos bons, nem fica impotente ante os maus. Essa lei no pode ser contestada, nem derrogada em parte, nem anulada; no podemos ser isentos de seu cumprimento pelo
3 Cf. Ccero, das Leis, apud de Eduardo C.B. Bittar. Curso de Filosofia do Direito. 3 ed., Atlas Jurdico, SP, 2004.
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povo nem pelo Senado; no h que procurar para ela outro comentador nem intrprete. 4
Portanto, desde Ccero, na antiga Roma, os direitos naturais do homem eram
provenientes da Lei Natural, e a existncia desta poderia ser demonstrada atravs
da anlise da conduta do prprio homem em relao aos atos criminosos, pois,
uma conduta humana poderia no estar prevista como crime na lei escrita e
representar, ao mesmo tempo, afronta Lei Natural, que a todos governa, pois o
homem tem a noo intuitiva do bem, de acordo com a razo eterna e divina,
sendo, ento, esta Lei Natural, que deve inspirar o legislador social.
Depois deste perodo inicial, o pensamento jusnaturalista evoluiu de forma a
procurar um novo sentido para as questes que regem a sociedade, uma vez que
a queda do Imprio Romano fez surgir a necessidade de explicar os dogmas
cristos que amparavam o pensamento filosfico, e que fundamentavam a
existncia da lei divina a reger o Universo.
Foi por intermdio da anlise de John Locke5 que surgiu a idia de que os
homens, embora sujeitos lei da natureza, em seu estado natural, no poderiam
garantir que todos vivessem em perfeita harmonia e felicidade, pois os princpios
prprios da sua natureza poderiam ser por eles abandonados, em renncia
razo e numa forma de transgresso.
4 Cf. Ccero, Da Repblica, trad., par. XVII, p. 75, apud de Eduardo C.B. Bittar, 3 ed. , Atlas Jurdico, SP, 2004. 5 LOCKE, John. Coleo Os Pensadores. Histria da Filosofia. p. 244
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Este momento histrico filosfico, representa o rompimento do pensamento
jusnaturalista com a teocracia e sua aproximao com a razo, eis que conforme
Locke, na prtica, a evidncia da lei de natureza no previne que ela seja
ignorada ou desprezada 6, donde decorre a importncia da razo, pois, somente
o homem que fizer uso de sua razo ir impedir a guerra, respeitando a liberdade
e os direitos do outro.
Todavia, parecendo muito difcil exercer este controle da liberdade, do homem
pelo homem, que ele transfere o poder a um corpo poltico que o ir executar,
individual ou coletivamente, mas sempre com a finalidade de concentrar o direito
de punir queles que agem contra a razo instalando o estado de guerra, a fim de
preservar a paz e a segurana aos membros da sociedade.
Este pacto firmado que d origem ao Estado Civil, no puro objetivo de garantir a
vigncia e proteo aos direitos naturais, bom que se diga, no ilimitado, pois
o Estado/Juiz deve sempre se pautar pela lei da natureza, segundo os
jusnaturalistas.
Neste segundo momento do pensamento jusnaturalista prevaleceu a idia de que
as normas jurdicas, emanadas pela natureza, eram apreendidas pelo homem
atravs de seu conhecimento racional, sendo estas, sem dvida, as bases para o
pensamento que impulsionou a Revoluo Francesa, que por sua vez vai romper
6 LOCKE, John. Ob. cit. p. 244
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de modo definitivo e prtico com a teocracia e afirmar de uma vez por todas a
existncia dos direitos naturais do homem.
A doutrina jusnaturalista foi sendo desenvolvida ao longo da histria da filosofia
jurdica e consolidando-se, por sua vez, em distintas perspectivas, o que dificulta a
definio sinttica acerca dos direitos naturais, sob este ponto de vista.
Todavia, decorre desta breve sntese do pensamento jursnaturalista, que esta
doutrina serviu de base para a formao jurdico-filosfica dos direitos humanos,
medida que consolidou princpios bsicos configurao dos direitos fundamentais
do homem, como do direito liberdade, o direito vida, o direito propriedade,
que desde seu nascimento eram opostos a tudo e a todos.
Os direitos naturais, portanto, so aqueles inerentes natureza humana, porm,
este termo no representa com unanimidade os direitos fundamentais, uma vez
que esta perspectiva considera a natureza humana abstratamente,
desconsiderando as diversidades das condies de tempo e de lugar que atuam
sobre os povos, determinando e influenciando a formao de diferentes estruturas
jurdicas em diferentes sociedades.
A evoluo da forma como o homem passou a entender seus direitos, deslocando
o fundamento dos direitos, ento chamados naturais, da natureza humana, para
a razo humana, e incluindo uma anlise profunda e verdadeira sobre as
influncias dos aspectos culturais e histricos das conquistas destes direitos,
ocasionou o esvaziamento do termo direitos naturais.
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Realizada a crtica sob este ponto de vista, importante notar, ainda, que aspectos
da prpria natureza humana deixaram de fazer parte da reflexo dos juristas que
adotam o termo direitos naturais, eivando de vcios a doutrina, medida que
desconsidera o verdadeiro carter da natureza humana, a qual se mostra
7profundamente varivel.
certo, porm, que existem doutrinadores, notadamente da Universidade de
Viena, que fazem uma distino entre direitos naturais originrios, como sendo
aqueles que compreendem princpios morais bsicos e imutveis, e, os direitos
naturais aplicados, resultantes da combinao dos direitos inatos do homem com
as circunstncias histricas que variam em razo do lugar e tempo, realizando a
distino entre as bases dos direitos naturais. 8
Liberdades fundamentais ou liberdades pbicas so termos tambm utilizados no
contexto dos direitos fundamentais, porm, possuem vis poltico proeminente,
que limita seu alcance, restringindo sua definio a uma determinada classe de
direitos humanos, no se incluindo, conforme Jos Afonso da Silva, os direitos
econmicos e sociais. 9
Muitas vezes utilizadas como sinnimos, as noes de liberdade pblica e de
direitos individuais so provenientes da doutrina liberal, principalmente, da Frana,
7 MONTORO, Andr Franco. Introduo Cincia do Direito. 25 ed RT/SP, 1999, p. 274 8 RUBIO, Valle Labrada. Introduccion a la teoria de los Derechos Humanos: Fundamento. Histria. Declaracion Universal de 10 de Diciembre de 1948. Ed. Civitas, Madrid. 1998. , p. 22, citando J. Messner, o qual entende por direitos naturais queles que tm seu fundamento na natureza humana e servem de base para os direitos que integram a esfera da liberdade social do homem. 9 DA SILVA, Jos Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, 23 ed., Malheiros, SP, 2004, p. 178
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que prope uma no atuao estatal no tocante s liberdades fundamentais do
indivduo, assegurando, por exemplo, a liberdade de ir e vir, o direito liberdade
de expresso, o direito propriedade. Porm, em seu contedo, este termo
mostrou-se insuficiente para abranger a totalidade dos direitos que o indivduo
necessita ver assegurados, faltando-lhe exatamente, o aspecto positivo da
atuao estatal, no sentido da concretizao das liberdades fundamentais, que
engloba os direitos sociais e econmicos, que so os viabilizadores daquelas.
As declaraes de direitos dos sculos XVIII e XIX, que possuam este carter
individualista, tiveram o condo de sacramentar esta primeira etapa de conquistas
de direitos do homem e por isso no podem ser desprezadas, mas, os termos
cunhados, neste perodo, carecem, hoje, da amplitude necessariamente adquirida
pelos direitos fundamentais, e que englobam os direitos sociais e econmicos,
como: o direito fundamental ao trabalho e educao, que so os fomentadores
do desenvolvimento do indivduo e, sem os quais, no h como se falar sequer em
direito vida e dignidade.
Portanto, a evoluo dos direitos individuais, surgidos nas declaraes de direitos
e que designavam o dever de no atuao estatal em face do indivduo, rumo a
uma nova etapa de conquistas e afirmaes, fez surgir a necessidade de nova
designao mais abrangente e contundente, que englobasse tambm as
aquisies sociais, sendo que, acima de tudo, como bem observado por Celso
Bastos, [ ...] a prpria natureza dos direitos protegidos modificou-se. De um lado
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porque se passou a reconhecer que muitas vezes necessrio proteger o grupo e
no o indivduo isoladamente. 10
Direitos fundamentais, finalmente, a expresso preferida dos juristas
positivistas, designando no nvel do direito positivo, aquelas prerrogativas e
instituies que ele concretiza em garantias de uma convivncia digna, livre e
igual de todas as pessoas. 11
O termo direitos fundamentais foi inicialmente utilizado na Frana, no final do
sculo XVIII , proveniente do mbito poltico e jurdico da sociedade da poca e
que culminou com a Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, de 1789.
Este documento, por sua vez, foi o primeiro a positivar os direitos humanos no
continente europeu, feito esse que traduz a ligao existente entre a denominao
direitos fundamentais e o reconhecimento destes direitos em textos legais. 12
Faz-se necessrio, neste contexto de apresentao dos diferentes conceitos e
nomenclaturas acerca dos direitos fundamentais, realizar uma distino entre
direitos humanos e direitos fundamentais.
Do ponto de vista histrico, os direitos fundamentais so, em sua origem, direitos
humanos. Contudo, pode-se e deve-se estabelecer uma distino entre ambos os
termos para definir os direitos fundamentais como sendo manifestaes positivas
10 BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de Direito Constitucional, 14 ed., Saraiva, SP, 1992, pg. 158. 11 DA SILVA, op. cit., p. 178 12 RUBIO, op. cit., p. 21
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no Direito dos chamados direitos humanos, que, por sua vez, constituem-se
prerrogativas do indivduo em face do Estado.
Os direitos humanos so conquistas morais do homem e a repercusso destes no
mbito jurdico e poltico, com efetiva conquista legal, em nvel nacional e
supranacional, pode ser traduzida como direitos fundamentais, mantendo estreita
relao com o modo de vida do homem em sociedade, estabelecendo limites
legais para a atuao do Estado em relao ao indivduo, e limites nas relaes
interpessoais.
1.2 A HISTRIA DA POSITIVAO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
A histria da sociedade se constri no como uma linha reta, onde so vistos os
marcos divisrios, estticos e claramente definidos, mas, que se desenvolve por
idas e vindas contnuas, aonde as diferentes fases evolutivas vo se sobrepondo e
onde o pensamento humano tambm caminha em avanos e recuos, na tentativa
de compreender os valores humanos, as formas de organizao do homem em
sociedade, as formas como os homens se relacionam entre si e o Direito, a justia,
enfim, na tentativa do homem compreender a si prprio.
Na histria do homem, os passos de sua conquista por direitos que lhe
assegurassem uma existncia menos oprimida, menos dependente de interesses
que no os seus mais legtimos anseios naturais, portanto, com mais dignidade,
comearam a ser dados por aqueles que possuam na sociedade uma posio
privilegiada.
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Importante considerao a este respeito dada por Jos Afonso da Silva, ao dizer
que: Mais que conquista, o reconhecimento desses direitos caracteriza-se como
reconquista de algo que, em termos primitivos, se perdeu, quando a sociedade se
dividira entre proprietrios e no proprietrios. 13
Isto porque o homem reconhece na sua mais antiga descendncia, uma luta por
direitos que lhe garantissem a liberdade, a vida, a dignidade enfim, pertence
natureza humana o ideal de vida livre, de vida digna, com o mnimo necessrio
para o desenvolvimento e expanso do exerccio livre de viver.
Com os filsofos gregos, o homem iniciou a busca por si mesmo, passando pela
compreenso da alma humana, de sua inteligncia, a origem e destino de suas
idias, a compreenso e assimilao de seus ideais ticos, sua funo com relao
ao Estado, abrindo uma via importante para o pensamento humanista, porm, as
idias no se desenvolveram no sentido de se admitir a igualdade para todos e se
tornaram frustradas no tocante dignidade humana.
Ponto marcante e fundamental na histria da humanidade, o Cristianismo, ainda
que entendido como religio e no como filosofia, teve um papel indiscutivelmente
renovador e positivo, difundindo princpios morais universais e causando uma
verdadeira revoluo de valores. A doutrina crist foi a precursora da noo da
dignidade humana, eis que sempre pretendeu atingir a todos, indistintamente, e
13 DA SILVA, op. cit., p. 176
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sacramentou no ideal humano conceitos de igualdade, caridade e fraternidade
nunca dantes reconhecidos.
Importante notar, neste ponto da reflexo, que toda a moral do cristianismo s
possvel de ser compreendida atravs dos escritos evanglicos, que, por sua vez,
so interpretaes dadas por seguidores do fundador da doutrina, o qual no
deixou de prprio punho, texto algum para a humanidade.
Podemos notar nesta atitude de Cristo, uma prtica da prpria teoria que
preconizou, uma vez que trouxe a palavra e a exemplificou, deixando aos homens
a misso de difundir a doutrina com base mais em seus atos que em suas
palavras. Os princpios de liberdade, de igualdade, fraternidade, amor ao prximo,
e o perdo s ofensas, que marcaram a curta vida do Cristo, foram expressos nos
Evangelhos ditados pelos Apstolos e representam uma expresso desta
liberdade, permitindo a cada historiador, intrprete ou crtico, opinar sobre qual
teria sido sua verdadeira inteno ao realizar o ato descrito.
Todavia, esta liberdade certamente resultou em interpretaes indevidas,
realizadas no intuito de servir a causas particulares, escusas, diversas daquelas
previstas pelo Messias de Nazar, aspecto que no pode passar desapercebido,
quando se faz a reflexo sobre a influncia do Cristianismo sobre os direitos
fundamentais:
Devem-se diferir os maus usos da doutrina crist, que se fizeram na histria ocidental por algumas ideologias, do que verdadeiramente ela encerra em si como doutrina, como ensinamento, como 0preocupao axiolgica. O Cristianismo
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alcanou muitas representaes e interpretaes no tempo, e no espao muitas das quais fidedignas aos mandamentos originrios, outras contraditrias. 14
Ainda que tenha sido grande a contribuio do Cristianismo para a construo da
doutrina dos direitos fundamentais, sob o ponto de vista prtico, os homens ainda
no possuam tais direitos reconhecidos perante o poder institudo, ou seja, o
Imprio Romano.
O Estado Medieval mantinha estruturas de dominao que sufocavam tanto os
vassalos quanto os bares e os nobres. Estes, por sua vez, sendo detentores de
algum poder, medida que possuam terras, armas e soldados, organizaram-se e
passaram a exigir de seus reis: a concesso, o reconhecimento de alguns direitos
importantes.
Tais reconhecimentos se deram atravs de pactos, forais e cartas de franquia,
sendo que o mais famoso destes documentos , sem dvida, a Magna Carta
Inglesa (1215-1225), documento este que representou um importante marco para
o nascimento de direitos fundamentais do homem, reconhecido, de forma a
obrigar o Estado ao respeito e cumprimento das garantias ali depositadas e,
portanto, representou uma expressiva limitao do poder do monarca.
Ainda que a Magna Carta Inglesa tivesse por mote o interesse de um determinado
grupo social, que por sua vez no se interessou em estender as garantias aos
direitos de liberdade, vida e propriedade para toda a sociedade, funcionou como
14 DA SILVA, op. cit., p. 175
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sementeira frtil para o nascimento de novas declaraes de direitos. Para Jos
Afonso da Silva, a Carta Inglesa se tornou o smbolo das liberdades pblicas,
criando o esquema do constitucionalismo e influenciando os juristas da poca, que
dela tiraram os fundamentos da ordem jurdica democrtica inglesa. 15
Sem ter a inteno de esgotar o assunto, mas de traar um panorama histrico da
evoluo do reconhecimento dos direitos fundamentais, importante consignar
que o sculo XVII foi um perodo de conquistas importantes e definitivas, nesta
seara, quando na Inglaterra foram firmados pactos importantes, como a Petition
of Rights, 1628, que era, segundo narrativa de Jos Afonso da Silva:
Um documento dirigido ao monarca em que os membros do Parlamento de ento pediram o reconhecimento de diversos direitos e liberdades para os sditos de sua majestade. A Petio constituiu um meio de transao entre Parlamento e o rei, que este cedeu, porquanto aquele j detinha o poder financeiro, de sorte que o monarca no poderia gastar dinheiro sem autorizao parlamentar. Ento, precisando de dinheiro, assentiu no pedido, respondendo-o nos termos seguintes: ` Petio que , de fato, tendo sido lida e inteiramente compreendida pelo dito senhor rei foi respondida em Parlamento pleno, isto : Seja feito o direito conforme se deseja` 16 Embora os documentos com as declaraes de direitos denotassem um enfraquecimento do poder real, o efetivo respeito aos direitos, por parte do poder central, foi pouco a pouco se firmando, juntamente com o fortalecimento das instituies do Parlamento e do Judicirio, dentro da estrutura Estatal.
Portanto, notamos a estreita ligao entre o reconhecimento efetivo dos direitos
fundamentais com a tripartio dos poderes, pois este mecanismo se consolidou
como sendo essencial para a imposio de limites ao poder, e limitando o poder
15 DA SILVA, op. cit., p. 152 16 DA SILVA, op. cit., p. 152
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pelo prprio poder, assegurava-se a convivncia harmnica entre eles e evitava-se
a prtica de abuso por quem o detinha.
Era a diminuio da atuao do Estado sobre a vida do cidado, pois o Estado j
no mais podia tudo e assegurava ao cidado o exerccio de direitos mnimos,
direitos relativos a sua liberdade, ao respeito, a sua propriedade e a sua vida.
Das declaraes de direitos ingleses, sem contar com o ineditismo da Magna
Carta, de 1215, a mais importante foi a Bill of Rights, de 1688, que decorreu da
Revoluo Inglesa, e que consolidou a importncia do Parlamento e a submisso
do poder real Carta.
Lanada a semente das cartas de direitos inglesas, viu-se a difuso destas idias
nas colnias inglesas da Amrica do Norte, onde foram firmados importantes
documentos, inclusive antes da sua independncia, sendo a mais lembrada pelos
autores a Declarao da Virgnia, de 1776, onde se pode perceber, alm da
influncia dos documentos ingleses, a marca do pensamento iluminista francs,
que extraiu do jusnaturalismo sua base terica de fundamentao, inspiradas na
crena da existncia de direitos naturais e imprescritveis do homem. 17
A independncia das Colnias Americanas se deu em 1776, ocasio em que foi
aprovada a Constituio Americana, na qual, poucos anos depois, foram
introduzidas emendas, essas sim, contendo uma Carta de Direitos que garantiam
ao povo americano, direitos fundamentais.
17 DA SILVA, op. cit., p. 154
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Na Frana, a histria se deu de maneira diferente da Inglaterra, pois, na ilha
inglesa os acontecimentos locais geraram a necessidade da imposio dos
documentos garantidores de direitos, conforme explica Celso Ribeiro Bastos :
[ ...] Enquanto as Declaraes anglo-saxnicas apresentavam-se eminentemente vinculadas s circunstncias histricas que as precederam e, por essa razo, se afiguravam como limitadas ao prprio mbito sobre o qual vigiam, a Declarao Francesa se considera vlida para toda a humanidade. O racionalismo prprio do pensamento francs iria emprestar uma base terica de que as proclamaes de direitos ingleses careciam. 18
A Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, da Frana de 1789, recebeu
grande influncia do movimento contratualista, especialmente, da obra de Jean-
Jacques Rousseau, O Contrato Social, na qual o autor prope uma unio de
foras contra a tirania, o abuso do poder, os desvios de interesses polticos, ou
seja, Rousseau explica o nascimento da sociedade pela vontade dos indivduos, e,
portanto, prope que se use a vontade geral para uma re-fundao da
organizao social onde haja respeito aos direitos e s liberdades individuais.
Nas palavras de Eduardo Bittar:
O contrato aparece como forma de proteo e de garantia de liberdade, e no o contrrio. A unio de foras destina-se realizao de uma utilidade geral, que no se confunde com a utilidade deste ou daquele membro. O que se busca a concretizao do que no seria possvel ou acessvel ao homem em seus estado de natureza, quando as foras particulares agiam desagregadamente. E isso se a vontade particular se destina naturalmente realizao de preferncias, a vontade geral que funda o pacto se destina realizao da igualdade. 19
18 BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de Direito Constitucional, 1992, p . 154 19 BITTAR, Eduardo, Curso de Filosofia do Direito, 2004, p. 240
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25
Em suma, aproveitando o ensinamento de Norberto Bobbio, conclui-se que:
O que une a doutrina dos direitos do homem e o contratualismo a comum concepo segundo a qual primeiro existe o indivduo singular com seus interesses e com suas carncias, que tomam a forma de direitos em virtude da assuno de uma hipottica lei da natureza, e depois a sociedade, e no vice-versa como sustenta organicismo em todas as suas formas. [...] 20
O referido texto proclamava, entre tantos outros, os princpios da liberdade, da
igualdade e da legalidade, fazendo-o de maneira universal eis que (e) estendia os
direitos a todos os povos e no s aos franceses, sendo outra caracterstica do
texto francs, o individualismo, pois as garantias eram feitas aos indivduos, na
preocupao de defend-los contra o Estado, mas no previa a liberdade de
associao ou de reunio .
A Declarao de Direitos, francesa, de 1789, criou a tendncia universalista das
cartas de direitos, caracterstica marcante que j denunciava a necessidade da
viso global acerca dos direitos do homem, fundamentais e, portanto, atinentes a
todos os homens e a toda a humanidade.
A Primeira e, mais intensamente, a Segunda Guerra Mundial foram a gota dagua
que fez transbordar a conscincia mundial acerca da necessidade de serem
criados rgos e instituies supra-nacionais de defesa e garantia dos direitos
fundamentais, j previstos na grande maioria dos pases, em textos nacionais.
20 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 1995, p. 15
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O sofrimento e a destruio causados por elas, fizeram surgir, em 1945, a
Organizao das Naes Unidas, com a Carta de So Francisco, ou Carta da ONU,
cuja preocupao central era criar uma Declarao Universal dos Direitos do
Homem, o que fica claro, logo no texto inicial daquela Carta, onde se afirma: a
f nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e valor da pessoa humana,
na igualdade dos direitos de homens e mulheres e das naes grandes e
pequenas.
Com isso, foi criada uma Comisso dos Direitos do Homem, com a misso de
formular a Declarao Universal dos Direitos do Homem, documento que foi
aprovado em 10.12.1948 e que conta com um Prembulo, e trinta artigos.
Estava consolidada no ideal jurdicopositivo e mundial, a necessidade de
reconhecimento dos direitos fundamentais, tendo isto ficado expresso desde o
prembulo do texto da Declarao Universal onde se l que:
O ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as naes, a fim de que todos os indivduos e todos os rgos da Sociedade, tendo esta Declarao constantemente no esprito, se esforcem, pelo ensinamento e pela educao, a desenvolver o respeito desses direitos e liberdades e assegurar-lhes, por medidas progressivas de ordem nacional e internacional, o reconhecimento e a aplicao universais e efetivos. [...]
O texto citado possui trinta artigos, sendo que os primeiros vinte artigos
proclamam os direitos e garantias individuais, procurando assegurar a todos os
homens, pois universal, garantindo, alm do direito vida, as liberdades
individuais, a condenao escravido, direito de constituio de famlia, a
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presuno de inocncia, o direito plena defesa, entre outros, alm de assegurar
a proteo aos direitos sociais, dos quais trataremos a seguir.
Contudo, embora a histria do reconhecimento dos direitos fundamentais deva ser
vista como uma espiral erguida para o alto, que por vezes se rompeu e foi preciso
recomear a subida, existe consenso absoluto, atualmente, no sentido de que,
passada esta primeira fase, necessria agora a luta pela concretizao dos
direitos alcanados, o que somente se conseguir com a somatria de esforos no
sentido de atrair mecanismos sociais, polticos e econmicos que viabilizem e
fiscalizem a real observncia e cumprimento dos direitos fundamentais
positivados.
Muito til a classificao dos direitos fundamentais feita pela doutrina em
direitos de primeira, segunda e terceira gerao, que sugerem que tais direitos
tenham passado por uma linha evolutiva, atingindo ento, como entendem
alguns, at uma quarta gerao dos direitos fundamentais. 21
Tal evoluo, bom que se diga, no indica que os primeiros direitos
fundamentais reconhecidos, tenham sido superados pelos posteriores, mas que
novos direitos fundamentais mereceram reconhecimento e acolhimento no mundo
jurdico, alcanando valores antes no protegidos.
21 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 9 Ed., Malheiros, So Paulo, 2000, p. 517 e LAFER, Celso. A reconstruo dos Direitos Humanos. Um dilogo com o pensamento de Hannah Arendt. 3 reimpresso. Cia das Letras. So Paulo. 1988.
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Consolidados os direitos fundamentais, chamados de primeira gerao, com a
universalizao do direito liberdade e aos princpios democrticos, viu-se o
homem impelido a criar mecanismos que viabilizassem a sua vida atravs da
positivao de garantias de direitos sociais e econmicos, capazes de salvaguardar
ao mesmo a fruio dos direitos fundamentais de primeira gerao.
Nasceram ento, os direitos fundamentais de segunda gerao, os direitos sociais,
que envolviam a garantia de condies dignas de trabalho, o desenvolvimento de
sua capacidade intelectual, enfim, eram reconhecidos como fundamentais direitos
que salvaguardassem a efetivao dos direitos fundamentais, de primeira gerao,
que preservavam a dignidade do homem atravs de direitos de natureza
econmica e cultural.
Nas palavras de Bobbio:
Em sua dimenso mais ampla, os direitos sociais entraram na histria do constitucionalismo moderno com a Constituio de Weimar. A mais fundamentada razo da sua aparente contradio, mas real complementaridade, com relao aos direitos de liberdade a que v nesses direitos uma integrao dos direitos de liberdade, no sentido de que eles so a prpria condio do seu exerccio efetivo. Os direitos de liberdade s podem ser assegurados garantindo-se a cada um o mnimo de bem estar econmico que permite uma vida digna. 22
No processo evolutivo da humanidade, percebeu o homem nas sociedades
industriais, de massa, de economia basicamente liberal, que a liberdade alcanada
no era suficiente para proporcionar a to almejada dignidade a este, uma vez
22 BOBBIO, Norberto, A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 9 ed. Campus, 2004, Rio de Janeiro, p. 227
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que cresciam no seio da sociedade, diferenas de classes, de oportunidade,
surgiam ncleos sociais distanciados entre si, gerando desigualdades e
discriminaes econmicas e sociais que impediam o avano das liberdades
individuais.
A caracterstica da universalidade dos direitos fundamentais, expressa pela
primeira vez na Declarao de Direitos, francesa, de 1789, foi tomando corpo e
importncia, medida que estendia a todos, os direitos ali assegurados,
difundindo-se no mundo pela coerncia com que tratava a questo dos direitos
do homem.
Ainda sob a influncia da Carta de Direitos francesa, por sua vez influenciada pelo
pensamento filosfico da poca, no sculo XX, vamos encontrar a tendncia
universalista dos direitos fundamentais, alados para os direitos sociais,
principalmente na Declarao dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, a
Revoluo Sovitica, que procurou ser humanista e justa, extinguindo toda forma
de desigualdade social entre os homens.
Como bem observou Jos Afonso da Silva:
[ ...] as declaraes de direitos do sculo XX procuram consubstanciar duas tendncias fundamentais: universalismo, implcito j na Declarao francesa de 1789, e o socialismo (tomada essa expresso em sentido amplo, ligado a social, e no tcnico cientfico), com a extenso do nmero dos direitos reconhecidos, o surgimento dos direitos sociais, uma inclinao ao condicionamento dos direitos de propriedade e dos demais direitos
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individuais, propenso que refletiu no Direito Constitucional contemporneo. 23
Alm da constitucionalizao dos direitos, as tendncias supra mencionadas,
atingiram tambm as cartas internacionais, a comear pela Declarao Universal
dos Direitos do Homem, da ONU, surgida no ps-guerra, perodo em que a
pobreza e a misria j tomavam propores assustadoras, mostrando ao homem
que eram necessrios, alm dos mecanismos de controle e limitao do poder do
Estado, a criao de mecanismos de limitao do poder do mercado.
Portanto, viu-se que a dignidade da pessoa humana s existe na medida em que
estiverem garantidos direitos que amparem o homem nas suas necessidades
vitais, e no s na sua liberdade. 24
1.3 FUNDAMENTO FILOSFICO: O PRINCPIO DA DIGNIDADE HUMANA
Os direitos fundamentais so uma construo histrica, concreta e positivada, com
origem filosfica em pensamentos que buscavam a descrio e compreenso do
homem, num processo que envolveu o surgimento do conceito de pessoa, sujeito
de direitos e obrigaes e culminou na assertiva filosfica de que esta pessoa
portadora de dignidade humana e de liberdade, pressupostos e condio da
sobrevivncia deste ser humano, na vida em sociedade.
23 DA SILVA, op. cit., p. 162 24 CHIMENTI, Ricardo Cunha. Curso de Direito Constitucional. 2004, p. 107
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As dimenses da pessoa humana revelam sua fenomenologia, ou seja, o estudo
destas dimenses revela a descrio e caractersticas do homem, que por sua vez,
na viso jusnaturalista, vai embasar os direitos fundamentais, uma vez que estes
esto ligados ontologia da pessoa, ao seu estatuto, a sua condio humana, e
no decorrem da experincia que se desenvolve no passar do tempo.
O grande enigma para toda a humanidade e que proporcionou o nascimento da
filosofia a busca pelo homem de suas razes. Nesta busca, o indivduo formulou,
em primeiro lugar, o conceito de pessoa, dissecando suas dimenses e este foi o
ponto de partida para o nascimento do princpio da dignidade da pessoa humana
e dos direitos humanos.
Numa breve sntese da antropologia filosfica, vamos identificar o incio do
pensamento sobre o homem na obra de Scrates, que dizia que todas as coisas
que existem no mundo portam a marca da inteligncia, assim como o homem, e
este, portador e parte integrante da inteligncia universal poder usar esta
inteligncia para o descobrimento da verdade. Em Scrates, iniciou o homem uma
busca pelo auto-conhecimento, atravs do imperativo conhece-te a ti mesmo,
resultando num apelo interioridade e apreciao da alma humana.
A alma humana, inteligente, possui a dignidade humana, e, foi o magistrio de
Scrates que direcionou o pensamento grego em direo ao homem e para a
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dignidade humana, para o conhecimento de si mesmo e para a vida conforme as
normas morais que ditavam a razo. 25
Plato fundou uma filosofia de cunho pedaggico e explicativo, medida que dissecou e ensinou aos homens aspectos fundamentais de sua existncia, deixando um legado de suma importncia que gerou influncias no cristianismo. Plato ensinou os homens a elevar-se at o transcendente. Sua filosofia no era somente uma especulao desinteressada, mas uma explicao da realidade que culminou numa pedagogia, um modo de diferenciar o sensvel e o inteligvel, o alto do baixo, para ali encontrar a felicidade na contemplao da verdade e o amor presente na idia de bem. 26
O homem atingiu, na doutrina de Plato, uma dimenso moral e transcendental,
tendo sido difundida a idia da diferenciao de alma e corpo fsico, unidos
acidentalmente, e a idia de que a tarefa do homem, nesta vida, era preparar-se
para a definitiva liberao, numa conduta moral que envolve a prtica do bem.
Todavia, Plato acreditava na superioridade do Estado em relao ao homem e
sua filosofia poltica caiu em contradies em relao igualdade e liberdade,
admitindo a escravido.
Aristteles era discpulo de Plato, mas em virtude de sua potncia intelectual
desenvolveu pensamentos que pouco se assemelharam aos de seu mestre. Para
Aristteles a alma e o corpo se unem no acidentalmente, mas substancialmente,
e como forma de complementao de uma e outra. Porm, a alma, para
25 VALVERDE, Carlos. Antropologia Filosfica. 2 ed. Edicep, Mxico, Santo Domingo, Valencia p. 47 26 VALVERDE, op. cit., p. 48
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Aristteles, possui mxima importncia, pois possui a razo, e a mente humana
que o diferencia dos demais seres. 27
Portanto, Aristteles identificou o homem como animal racional e
fundamentalmente como um animal social por natureza, desaparecendo os
elementos volitivos e emocionais presentes na doutrina de Plato. Para Aristteles,
o homem no consegue se realizar a no ser atravs do Estado. Os direitos do
Estado prevalecem em relao aos direitos do cidado e da famlia e, assim
explicava e justificava a escravido, afirmando que o Estado possua a
necessidade de que algum se dedicasse a ele. Era uma filosofia que no admitia
a dignidade da pessoa humana.
Com o declnio e a decadncia do mundo grego, com a morte de Alexandre, a
cultura helnica no desapareceu, ao contrrio, ela se expandiu pelo mundo e
atingiu Roma. Neste momento, o foco do pensamento passa a ser o homem e sua
vida interior, sendo que este movimento favoreceu o nascimento da preocupao
tica de comportamentos.
Visando uma reflexo acerca da expanso do imprio e da cultura grega, a partir
das guerras de Alexandre Magno, outra filosofia deve ser apontada como
colaboradora da evoluo das noes morais que iro permitir o nascimento do
conceito de pessoa, sendo imprescindvel destacar a filosofia Estica como sendo
uma filosofia voltada para a tica e princpios de ordem moral.
27 VALVERDE, op. cit., 48
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34
Este perodo da filosofia denominado Estoicismo e embora tenha adentrado no
tema da dignidade humana, a verdade que o pensamento soa confuso, pois os
pensadores j no tm a filosofia como cincia, com seu rigor necessrio, mas
como uma espcie de religiosidade de circunstncia, adequada para as massas.
Para os esticos a filosofia passa a ter uma funo diferente, de projeto e modo
de vida livre e sereno, na busca do sentido do homem, enquanto tal, procurando
afastar a preocupao terica dos filsofos das fases anteriores.
Em que pese perda de profundidade do pensamento filosfico, possvel que
seja este vis intimista e humanista, demonstrado pelos esticos, que deu ensejo
para o nascimento da preocupao e da afirmao da existncia do princpio da
dignidade humana.
No estoicismo, a identificao da Lei Natural ou Universal com a reta-razo, cujo
autor Deus, criou o conceito de igualdade e fraternidade universais, em virtude
desta natureza nica de todos os homens, dando origem ao ideal humanitrio,
gerador do conceito de dignidade da pessoa humana. O ideal de fraternidade
universal, em decorrncia desta natureza nica do homem, levou o pensamento
estico quase to longe como o Cristianismo, faltando-lhe apenas distinguir ou
identificar o porqu desta unicidade entre os homens.
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Porm, vale dizer que, o influxo das doutrinas esticas, foi decisivo tanto para a
formao do Direito Romano como na moral crist que assumiu seno todos, mas
muitos conceitos esticos. 28
O conceito de pessoa nasceu com o cristianismo quando ento os autores cristos
se viram obrigados a explicar a identidade de Deus, revelada por Jesus Cristo,
desmistificando o Todo-Poderoso. O mistrio, portanto, passou a residir no
homem. A existncia de um Deus, que se fez homem, na pessoa de Jesus Cristo,
no s explicou a essncia humana como tambm dignificou toda pessoa humana.
O maior dogma cristo, de que o homem foi criado por Deus, a sua imagem e
semelhana, deu a dimenso que faltava a este para atingir a plenitude de sua
importncia e significao. A realidade de que o homem possui uma alma
individual e imortal no pode passar desapercebida pela filosofia. A pessoa
humana tem, portanto, um valor inaprecivel e insubstituvel. 29
Portanto, o princpio da dignidade da pessoa humana estava implcito na filosofia
crist, seja na idia de que o homem era a realidade mais elevada, era a criatura
mais privilegiada e criada imagem e semelhana de Deus (Imago Dei), seja pela
concluso da decorrente, de que, o Estado existia para o homem e no vice-
versa. Todavia, como no se pode afirmar a existncia de uma filosofia crist e
sim de uma doutrina religiosa, o princpio da dignidade da pessoa humana,
embora proveniente da mensagem crist, somente foi formulado pelo filsofo
Immanuel Kant.
28 VALVERDE, op. cit., p. 49 29 RUBIO, op. cit., p. 34
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Immanuel Kant nutria grande admirao acerca de Jean Jacques Rousseau, e esta
admirao o fez tecer a anlise de certos pontos do comportamento humano,
seguindo uma linha de raciocnio bastante peculiar. Kant julga importante, mais do
que analisar os contedos dogmticos de uma cincia, conhecer e levar em conta
a idia inicial que pautou o desenvolvimento daquela cincia, pois conhecendo a
idia oculta que fomentou a construo daquele conhecimento que saberemos se
nos distanciamos ou nos aproximamos da proposta inicial, podendo realizar uma
crtica sincera e completa acerca do sistema de conhecimento construdo.
O fundamento do pensamento rousseauniano, que parte da compreenso dos
ditames do bom convvio social entre os indivduos, com uma viso humanista da
formao de um estado justo e igualitrio, foi inspirador para Kant, que percebeu
a exata sintonia entre idia e construo das teses de Rousseau.
O pensamento rousseauniano foi inspirador no somente para Kant, mas para
todos os contratualistas que vieram depois dele, pois sua proposta era de refundar
os ditames do convvio social, como resposta e crtica aos desmandos do poder,
ao caos social instalado, falta de tica generalizada, e, traz uma nova
perspectiva de justia, com base num pacto social que tem como fundamento a
vontade soberana do povo, expressa atravs da lei, criando os limites da liberdade
de cada um.
A obra de Kant teve como fundamento a reflexo sobre o conhecimento humano,
levantando questes que fizeram uma crtica inteligente e profunda metafsica,
contrapondo-a ao ceticismo. O filsofo levava em conta, inicialmente, que as
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cincias naturais eram possveis enquanto que comprovadamente reais como a
Matemtica e a Fsica, levantando a questo do surgimento, a priori, de partes do
conhecimento humano, representado pelo conhecimento que nasce com o
homem, como as cincias naturais.
O conhecimento a posterior ou sinttico, ser representado por tudo aquilo que o
homem adquire atravs de sua experincia sensvel, ou seja, decorre da
percepo do objeto estudado, percepo esta que se forma pela prpria
experincia do estudo, e que leva em conta as sensaes e sentimentos,
envolvidas na prtica desenvolvida.
A moral humana seguia para Kant a mesma lgica racional de seus pensamentos
acerca do conhecimento humano. Segundo ele, para que se chegue a um
consenso absoluto acerca do que vem a ser a conduta moral, deve ser observada
a forma como esta conduta se vislumbra. A razo cria o mundo moral, pois a
razo que utiliza os conhecimentos a priori para estabelecer, atravs das
experincias sensoriais, conhecimentos a posteriori. esta razo que ir
estabelecer o mundo moral.
A lei moral para Kant, tambm apriorstica e definida atravs de um imperativo
categrico, ou seja, a de que se deve agir de tal modo que a mxima da tua
vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como princpio de uma legislao
universal. nesta parte do pensamento filosfico de Kant que o Direito, mais
especificamente, os direitos da pessoa, passam a ser visto sob um prisma
diferenciado, tico, medida que na descoberta de valores o homem ser nico
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dotado de vontade , de agir livremente, ele legisla os valores universalmente e se
submete como sujeito a eles .30
Portanto, na filosofia de Kant, o conceito de pessoa e de dignidade da pessoa
humana toma vulto, sendo importante ressaltar seu papel nesta etapa histrica de
afirmao dos direitos humanos, pois ao afirmar que todo homem tem dignidade e
no um preo, conforme Fabio Konder Comparato cita, produziu um grande
distanciamento entre a pessoa e a coisa, transformando definitivamente a
dicotomia herdada do Direito Romano entre personae e res.
Com a matriz surgida no pensamento cristo, sintetizada e refletida no
pensamento de Kant, o homem passa a ser visto individualmente, como sujeito de
direitos e dignidade, dada a transcendncia, a importncia da razo humana, pois,
para o filsofo, o homem um ser dotado de dignidade em virtude de sua
natureza racional. Esta natureza racional da qual o homem portador, segundo
Kant, que lhe garante uma escolha livre do que fazer. Em Crtica da Razo
Prtica ele afirma que a moralidade a relao das aes com a autonomia da
vontade e..., portanto, que a liberdade humana equivale plena autonomia da
razo e que fica sem referncias objetivas na conduta humana. 31
Ou seja, para Kant a moral uma idia sinteticamente a priori, que se impe sem
questionamento, sem contedo, dever pelo dever, o bem pelo bem, sendo o
fundamento de sua moral, o dever, formulado tambm no imperativo categrico:
30 COMPARATO, Fabio Konder. A afirmao histrica dos direitos humanos. 3 ed., Saraiva, SP, 2003. 31 RUBIO, op. cit., p. 36
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Age de tal modo a tratar a humanidade, na tua pessoa como na dos outros , como
um fim e no como meio , postulado este identificado como a sntese do
princpio da dignidade humana.
O racionalismo de Kant, contudo, por seu nvel de abstrao, deu lugar a um forte
distanciamento ente filosofia e realidade, sendo que no decorrer do sculo XIX e
at no sculo XX, vamos encontrar correntes que representavam o pensamento da
poca, que foi a consagrao da modernidade jurdica, com importante
desenvolvimento da cincia jurdica atravs, principalmente, do positivismo.
Neste momento, vamos identificar manifestaes jurdicas no sentido de dissociar
totalmente o direito, da moral, como feito por Hans Kelsen, em sua Teoria Pura
do Direito, forjando um conceito de Direito, sem qualquer valor moral ou
qualquer apelo da tica entre os homens, e, recortando o objeto do direito de
forma a deixar a ele somente a preocupao com a norma jurdica e remetendo
discusso sobre justia e moral, por exemplo, filosofia. Esta concepo de
direito, de cunho estritamente formalista, produz uma ambigidade na sua teoria,
uma vez que sistemtica, mas, vazia de contedo, no possuindo uma eticidade
mnima a amparar a noo de Direito.
O Direito o regulador da vida em sociedade, e seu carter neutro e estvel
descrito pelos racionalistas mostrou-se insuficiente para proporcionar a pacificao
social. A sociedade se mostrou uma realidade instvel, com o estouro de duas
grandes guerras. A razo se transformou num veculo contrrio racionalidade e
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potencializadora da violncia, e a idia de que pela razo se poderia concretizar a
liberdade se converteu numa iluso.
Aps a 2 Guerra Mundial, a dor e o sofrimento causaram impacto definitivo em
todo o mundo, refletindo no campo do saber uma reao de necessidade de
retorno ao jusnaturalismo, no sentido de se buscar o retorno tica. A dignidade
da pessoa humana passou a ser, com a Declarao Universal dos Direitos dos
Homens, de 1948, o fundamento e princpio de todos os textos jurdicos e se
transforma em matriz axiolgica de onde se extrai os demais direitos do homem.
A dignidade da pessoa humana comea a aparecer no sculo XX como referncia de todo princpio de estimativa jurdica, ou valorao do Direito. No se trata de um conceito novo, mas com diferentes matizes, uma idia presente ao largo da histria do pensamento. A novidade est em proporcionar um desenvolvimento filosfico da idia de dignidade humana, que fugisse dos confins religiosos para converter-se em um postulado bsico da cultura ocidental ao menos, se no pode s-lo da universal. 32
No Brasil, a Constituio Federal, de 1988, foi um marco decisivo para o processo
de institucionalizao dos direitos fundamentais e, logo em seu artigo 1 , erigiu a
dignidade da pessoa humana, como princpio fundamental e fundamento
democrtico.
Portanto, a notcia da historicidade dos direitos naturais, primeiramente, seguida
da anlise do conceito de pessoa, redundando da afirmao histrica do princpio
da dignidade da pessoa humana, fazem parte do trajeto traado pelos direitos
32 RUBIO, op. cit., p. 48
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humanos, com o qual passou o indivduo a contar com uma proteo irrestrita em
face da atuao estatal, em todas as esferas do poder.
1.4 CLASSIFICAO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Uma vez conquistados e positivados os direitos fundamentais, cuja matriz repousa
na proteo da dignidade humana, a completa compreenso do tema passa
necessariamente pela classificao dos direitos tratados, ordenando-os a partir dos
valores protegidos pelos mesmos.
A classificao proposta leva em considerao, necessariamente, o momento
histrico-poltico que envolveu o processo de conquista e afirmao destes direitos
fundamentais que, portanto, resultaram numa construo jurdico-filosfica
sedimentada em fases sucessivas. Da porque falar-se em geraes de direitos
fundamentais, sem que a fase seguinte significasse a supresso da primeira, mas
ao contrrio, significando o amadurecimento dos direitos anteriores, atravs de
mecanismos constitucionais de garantia de sua observncia e existncia.
importante que se diga que o lema revolucionrio francs, do sculo XVII I,
esculpido na trade Liberdade, Igualdade e Fraternidade, iria representar, talvez
at de maneira inconsciente, o caminho a ser percorrido pelos direitos
fundamentais, seu reconhecimento e constitucionalizao. Porm, de qualquer
forma, a distino destas fases do processo histrico de institucionalizao dos
direitos fundamentais importante para a completa compreenso deste fenmeno
jurdico, e, conforme observa Paulo Bonavides esta manifestao em geraes
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distintas e sucessivas dos direitos fundamentais (...) traduzem sem dvida um
processo cumulativo e qualitativo, o qual, segundo faz prever, tem por bssola
uma nova universalidade: a universalidade material e concreta, em substituio da
universalidade abstrata e, de certo modo, metafsica daqueles direitos, contida no
jusnaturalismo do sculo XVIII. 33
Os direitos fundamentais de primeira gerao nasceram com o movimento
constitucionalista ocidental, juntamente com as primeiras declaraes de direitos,
onde se propagou e se consolidou, ento, o direito de liberdade do indivduo,
sendo a primeira conquista fundamental dos povos, representando, desde o incio,
uma forma concreta de limitao Estatal. So direitos civis e polticos, inerentes ao
indivduo, relativos liberdade de ir e vir, liberdade religiosa, liberdade de
opinio, propriedade, representando, nas palavras de Celso Lafer:
[ ...] a emancipao do poder poltico das tradicionais peias do poder religioso e atravs da liberdade de iniciativa econmica a emancipao do poder econmico dos indivduos do jugo e do arbtrio do poder poltico. 34
Estes direitos que possuem como titular o indivduo requerem uma no atuao
do Estado, impem um no fazer por parte dos governantes, no sentido dos
mesmos observarem e respeitarem os direitos dos governados, tendo sido esta a
primeira e essencial fase de conquista e afirmao dos direitos fundamentais,
seguida, dos direitos fundamentais de segunda gerao, que nasceram
33 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 9 Ed., Malheiros, So Paulo, 2000, p. 517
34 LAFER, Celso. A reconstruo dos Direitos Humanos. Um dilogo com o pensamento de Hannah Arendt. 3 reimpresso. Cia das Letras. So Paulo. 1988.
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abraados ao princpio da igualdade , conforme Paulo Bonavides, que tutelam
direitos sociais, culturais e econmicos, com vistas a proporcionar o exerccio dos
direitos de primeira gerao, por parte do indivduo.
O surgimento dos direitos fundamentais de segunda gerao tambm se deu a
partir de formulaes poltico-filosficas, que resultaram numa positivao
posterior e num reconhecimento forado pelas circunstncias histricas do
momento, sempre visando o bem estar do indivduo, que j era titular do direito
de liberdade, em sentido amplo, mas que necessitava do apoio do Estado para o
exerccio efetivo das garantias obtidas. Tais direitos como: direito ao trabalho,
sade, educao, previdncia social, reclamam uma atuao positiva do
Estado, no sentido de criar as condies para o pleno exerccio dos direitos de
primeira gerao.
Neste movimento de reconhecimento dos direitos fundamentais de segunda
gerao cria-se a noo de que, somente atravs da valorao das instituies
sociais bsicas ao indivduo, os direitos fundamentais de primeira e de segunda
gerao estariam garantidos.
Os direitos sociais fizeram nascer a conscincia de que to importante quanto salvaguardar o indivduo, conforme ocorreria na concepo clssica dos direitos de liberdade, era proteger a instituio, uma realidade social muito mais rica e aberta participao criativa e valorao da personalidade que o quadro tradicional da solido individualista, onde se formara o culto liberal do homem abstrato e insulado, sem a densidade dos
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valores existenciais, aqueles que unicamente o social proporciona em toda a plenitude. 35
Trata-se de implementar garantias institucionais, constitucionalmente, a rgos
que so os mecanismos essenciais ao exerccio dos direitos sociais, como por
exemplo ao magistrio, de forma a garantir o exerccio livre de arbitrariedades do
direito educao.
Estes mecanismos essenciais de exigncia das garantias institucionais, a nvel
constitucional, foram descobertos e difundidos a partir dos direitos fundamentais
de segunda gerao, ressaltando neste seu carter objetivo de prestao e de
organizao em busca de um fim especfico so: o bem estar do indivduo, o
exerccio pleno do direito vida, do direito liberdade, do direito de expresso,
etc.
Se na fase da primeira gerao os direitos fundamentais consistiam essencialmente no estabelecimento das garantias fundamentais da liberdade, a partir da segunda gerao tais direitos passaram a compreender, alm daquelas garantias, tambm os critrios objetivos de valores, bem como os princpios bsicos que animam a lei maior, projetando-lhe a unidade e fazendo a congruncia fundamentais de suas regras. 36
Assegurados sociedade os direitos mnimos para a vida digna, envolvendo alm
dos aspectos subjetivos, de sua vida privada, as garantias ao desenvolvimento do
indivduo no plano social e cultural, esta sociedade mostrou-se sob uma nova face,
apresenta-se agora como titular de direitos, enquanto sociedade, no sendo
possvel identificar o titular do direito fundamental de terceira gerao no
35 BONAVIDES, op. cit., p. 519 36 BONAVIDES, op. cit., p. 522
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indivduo considerado, isoladamente, ou num determinado grupo dentro de um
Estado, mas, todo o gnero humano titular do direito fundamental de terceira
gerao.
A sociedade, globalmente considerada, que transita entre Estados desenvolvidos,
subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, que caminha cada vez mais no sentido
de possuir uma conscincia de seu valor existencial, necessita agora da proteo
ao direito fundamental, ao meio ambiente, ecologicamente equilibrado, tpico
direito fundamental de terceira gerao, ou seja, a sociedade global tem direito ao
desenvolvimento, tem direito paz, tem direito a que o Estado tutele as relaes
de consumo, que so direitos de titularidade difusa.
No processo de evoluo dos direitos fundamentais, alguns autores identificam
ainda, direitos de quarta gerao, como sendo: direito democracia, direito ao
pluralismo, direito paz, direito ao desenvolvimento. Paulo Bonavides os identifica
como anncio de uma pretendida globalizao poltica que avana lenta, mas
paralelamente globalizao econmica, fruto do neoliberalismo, e que
representa o anseio atual e legtimo do povo em ver institudos e universalizados
os direitos das geraes anteriores. Manifestam-se pela busca de uma cidadania
global, representada atravs de conceitos ticos que devem estar presentes no
Estado e da sociedade contempornea.
Por fim, quanto aos direitos fundamentais classificados em geraes distintas,
ainda que tais fases representem a manifestao de anseios da sociedade, esta,
cada vez mais complexa, subsidiar, necessariamente, o nascimento de novos
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direitos, como um processo sem fim, em resposta ao desenvolvimento do ser
humano e harmonizao deste, na vida em sociedade. Nas palavras de Norberto
Bobbio:
[...] O elenco dos direitos do homem se modificou, e continua a se modificar, com a mudana das condies histricas, ou seja, dos carecimentos e dos interesses, das classes no poder, dos meios disponveis para a realizao dos mesmos, das transformaes tcnicas, etc. Direitos que foram declarados absolutos no final do sculo XVII I , como a propriedade sacre et inviolable , foram submetidos a radicais limitaes nas declaraes contemporneas; direitos que as declaraes do sculo XVII I nem sequer mencionavam , como os direitos sociais, so agora proclamados com grande ostentao nas recentes declaraes. No difcil prever que, no futuro, podero emergir novas pretenses que no momento nem sequer podemos imaginar [...] 37
37 BOBBIO, Norberto. Era dos Direitos. 9 ed., Elsevier, RJ, 2004, p. 38
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2 A DEFESA DO CONSUMIDOR COMO DIREITO FUNDAMENTAL
A era moderna representou para a humanidade uma era de grandes avanos
tecnolgicos, progresso e mudanas paradigmticas em todos os aspectos da vida
em sociedade. Os direitos humanos tiveram seus pilares erguidos ao longo da
histria, mas, vieram a ser sedimentados na era moderna, atravs do processo de
universalizao destes direitos, iniciados na Revoluo Francesa, seguido da
Declarao de Direitos, daquele pas e sedimentado com a Declarao Universal
dos Direitos Humanos, da ONU, em 1948. Neste sentido, notamos a confirmao
da supracitada assertiva de Bobbio, que ressalta a importncia do aspecto
histrico, poltico e social no surgimento dos direitos, de onde localizamos o
surgimento dos direitos dos consumidores.
Para se iniciar uma compreenso acerca das caractersticas da atual sociedade, do
ponto de vista jusfilosfico, com o objetivo de justificar a criao de um micro
sistema legal, novo, regulador de uma realidade scio-econmica, precisamos
partir do aspecto social histrico.
2.1 O SURGIMENTO DA SOCIEDADE DE CONSUMO
Aps uma primeira grande modificao na sociedade, notada pela transmutao
do modo de vida e produo agrrio para o urbano/ industrial, no sculo XIX,
parece que as novas organizaes tomaram vida prpria e iniciaram uma dinmica
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corrida para novas conquistas, ampliando o poder de influncia e transformao
seja no indivduo seja nas organizaes.
Os mecanismos de produo em massa atingiram uma proporo tamanha, que
transferiu ao indivduo consumidor esta nsia pela amplitude de resultados,
fazendo com que todo o organismo social abarcasse as conseqncias da
produo em srie, em massa, passando a ser sentida a conseqncia desta
transformao na viso, agora recorrente, de que o consumo, mais do que o
trabalho, passou a ser um dos pontos de anlise dos comportamentos sociais do
homem, individualmente considerado ou no. Todavia no so poucos os
impactos sentidos pela sociedade industrial, cujo processo trouxe novas
perspectivas e esperanas, mas, que acarretou ao indivduo uma srie de
armadilhas, apresentadas agora como conseqncias incontornveis, e que so na
verdade o resultado de um descaso com aspectos fundamentais da formao da
sociedade, como: a preocupao com a educao de qualidade do indivduo, a
moralizao das instituies, a luta contra a banalizao dos direitos humanos, ou
mesmo, da subestimao da fora e das conseqncias das transformaes
tecnolgicas trazidas no bojo do processo.
A Revoluo Industrial, iniciada na Inglaterra, ensejou a substituio das
ferramentas pelas mquinas, da energia humana pela energia motriz e do modo
de produo domstico pelo sistema fabril, gerando conseqncias incontornveis
ao modo de vida do indivduo.
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As famlias que haviam deixado de viver no campo e se espremiam nas grandes
cidades, concentrando-se em fbricas e transformando definitivamente o carter
do trabalho humano, impondo uma dicotomia insupervel entre capital e meios de
produo (instalaes, mquinas, matria-prima) e o trabalho. Os operrios
passaram a ser assalariados dos capitalistas (donos do capital) e os artesos,
acostumados a controlar o ritmo de seu trabalho, agora tinham de submeter-se
disciplina da fbrica, passando inclusive a sofrer a concorrncia de mulheres e
crianas. Esta concorrncia, bom que se diga, era desleal e desumana, posto
que, a mo de obra de mulheres e crianas era tida como subproduto, sendo
exploradas e mal remuneradas. Concomitante a este quadro, notava-se a total
falta de garantias trabalhistas relativas segurana e sade do trabalhador, sendo
constantes os acidentes sem a conseqente indenizao.
A mecanizao desqualificava o trabalho e resultava numa reduo do salrio.
Eram freqentes as paradas da produo, provocando desemprego. Nas novas
condies, caam os rendimentos, contribuindo para reduzir a mdia de vida. Aos
poucos, os operrios organizaram-se, inicialmente conquistando a proibio do
trabalho infantil, a limitao do trabalho feminino, e, o direito de greve.
Estes primeiros movimentos trabalhistas foram o germe do nascimento do
movimento consumerista, agora, com a conscincia de quais direitos lutavam por
proteger, conforme Jos Geraldo Brito Filomeno:
Entretanto, embora coevos, os movimentos trabalhistas e consumerista acabaram por cindir-se, mais precisamente pela criao da denominada Consumer s Legue , em 1891, tendo
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evoludo posteriormente para o que hoje a poderosa e temida Consumers Union dos Estados Unidos. A referida entidade, dentre outras atividades de conscientizao dos consumidores, promoo de aes judiciais etc., chega a adquirir quase todos os produtos que so lanados no mercado norte-americano para anlise e, em seguida, por intermdio de sua revista Conmumers Report, aponta vantagens e desvantagens do produto dissecado. 38
Esta unio pode ser compreendida atravs da anlise dos estreitos laos que
unem a produo e o consumo, sendo um fenmeno determinante do outro e
assim sempre foi, tendo sido desde logo notado por Marx, que descreve esta
sinergia desta forma:
[ ...] A produo engendra o consumo: - fornecendo-lhe o material; - determinando o modo de consumo; - gerando no consumidor a necessidade dos produtos, que, de incio, foram postos por ela como objeto. Produz, pois, o objeto do consumo, o impulso do consumo. De igual modo o consumo engendra a disposio do produtor, solicitando-lhe a finalidade da produo sob a forma de uma necessidade determinante. 39
A sociedade industrial, modificada pelas novas tcnicas de produo em massa,
assistiu, tambm, ao desenvolvimento das tcnicas de publicidade, ao
recrudescimento do sistema de crdito, ao aprimoramento dos sistemas de
comunicao e transportes e aos avanos tecnolgicos, cada vez mais
surpreendentes, sendo todos eles motivos determinantes para um novo modelo de
convvio humano. A produo em massa exigia tambm o consumo em massa, e a
fora do capital passou a direcionar e at criar nos indivduos novas necessidades,
artificiais e descartveis, proporcionando mudanas e implementando o
38 FILOMENO, Jos Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 8 ed., Atlas, So Paulo, 2005. 39 MARX, Karl. Crtica da Economia Poltica. Coleo os Pensadores, Nova Cultural, SP, 1999, p. 32
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surgimento de hbitos, tudo por conta das novssimas tcnicas de convencimento
desenvolvidas pela publicidade e que restringiam as escolhas do consumidor.
No tardaram a aparecer as marcantes assimetrias nas relaes jurdicas destes
novos atores econmicos: o fornecedor, como controlador dos bens de produo,
pde, desde ento, impor seus interesses aos consumidores e ditar as regras das
relaes entre ambos. Aos consumidores pouca liberdade resta, eis que os
empresrios definem: quanto, como, onde, o qu produzir, alm de definir qual
ser sua margem de lucro, restando apenas o limitado direito de adquirir ou
recusar o bem ofertado. Notamos, neste momento histrico, a exemplificao
clara da anlise feita por Norberto Bobbio, em A Era dos Direitos , quando afirma
que Quanto mais aumentam os poderes dos indivduos, tanto mais diminuem as
liberdades dos mesmos indivduos. As novas formas de produo e distribuio
de bens proporcionaram melhoras na vida do homem, medida que ele passou a
desfrutar de mais conforto, maior acesso tecnologia e cultura, longevidade
ampliada, etc. Todavia, os diferentes vnculos jurdicos, que surgiram como os
contratos de massa, se traduziram em mecanismos de limitao da liberdade de
escolha, do indivduo consumidor.
As clusulas gerais pr-definidas dos contratos de massa j no eram alcanadas
pelo direito tradicional, fundado na teoria da autonomia da vontade, que se
mostrou ineficaz na proteo da parte mais fraca da relao de consumo. Diante
deste quadro, que resultou em prticas abusivas, a exemplo das clusulas de no
indenizar ou limitativas da responsabilidade, bem como, de tentativas de controle
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do mercado, ou de eliminao da concorrncia, foi preciso haver uma reao
social no sentido de buscar uma tutela especfica para o consumidor, que
significasse um avano efetivo desta realidade scio-jurdica, carente de regulao
e de harmonizao.
Foi neste contexto que surgiu e consolidou-se o Direito do Consumidor como um
sistema legal, novo, apto a realizar a ponte necessria entre fornecedores e
consumidores, buscando diminuir as desigualdades desta relao, atravs de
mecanismos de cunho protecionista, inseridos na prpria lei e, ainda, atravs de
uma efetiva mudana de viso que este novo sistema busca proporcionar,
medida que insere no Estado Social de Direito, a preocupao com a educao
deste indivduo consumidor, uma educao com vistas a introduzir nele a
conscincia acerca de seus direitos elementares, e, com isso, favorecer alguma
autonomia, deste, dentro da relao de consumo.
2.2 A RELAO JURDICA DE CONSUMO
No cenrio, acima descrito, surgiu a relao jurdica de consumo, que, como toda
relao jurdica, envolve necessariamente duas partes, assumindo cada uma a
posio de sujeito ativo e sujeito passivo da relao. O fato das partes estarem
em situao de desigualdade real que ensejou sua regulamentao atravs do
Cdigo de Defesa do Consumidor.
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Portanto, uma anlise singela dos sujeitos desta relao, assim como dos possveis
objetos desta, importante para se permitir uma completa reflexo acerca do
tema.
Embora sem definio no Cdigo de Defesa do Consumidor, a relao jurdica de
consumo pode ser conceituada como sendo aquela realizada entre consumidor e
fornecedor, havendo por parte do primeiro a aquisio de bens ou produtos ou a
utilizao de servios fornecidos ou prestados pelo segundo.
Segundo ensina Nelson Nery Junior:
So elementos da relao de consumo, segundo o CDC: a) como sujeitos, o fornecedor e o consumidor; b) como objeto, os produtos e servios; c) como finalidade, caracterizando-se como elemento teleolgico das relaes de consumo serem elas celebradas para que o consumidor adquira produto ou se utilize de servio como destinatrio final.40
Dos elementos do conceito lanado acima, tem-se que o consumidor , conforme
definio legal do artigo 2 do Cdigo de Defesa do Consumidor: toda pessoa
fsica ou jurdica que adquire ou utiliza produto ou servio como destinatrio final.
H, ainda, no Pargrafo nico do artigo 2 do CDC a seguinte noo: Equipara-se
a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indeterminveis, que haja
intervindo nas relaes de consumo.
40 NERY JR, Nelson. Cdigo Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos autores do anteprojeto. Coord. Ada Pellegrini Grinover et alli. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2005, 8 ed., p. 494
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Nos termos da lei, o conceito de consumidor amplo, equiparando ao consumidor
destinatrio final, que, definitivamente, retirou o bem do mercado, a outros
sujeitos que participem, ainda que indiretamente, da relao de consumo.
Para o doutrinador Jos Geraldo Brito Filomeno:
O trao marcante da conceituao de consumidor, no nosso entender, est na perspectiva que se deve adotar, ou seja, no sentido de se o considerar como vulnervel, no sendo, alis, por acaso, que o mencionado movimento consumerista apareceu ao mesmo tempo em que o sindicalista, principalmente a partir da segunda metade do sculo XIX em que se reivindicaram melhores condies de trabalho e melhoria da qualidade de vida, e, pois, em plena sintonia com o binmio poder aquisitivo/aquisio de mais e melhores bens e servios. 41
Os consumidores, sob o ponto de vista sociolgico, so considerados os novos
atores sociais, ao lado dos Estados, governos, sindicatos, partidos polticos,
movimentos sociais, cidados, etc, que atua no mais de maneira passiva frente
ao mercado , mas agora de maneira criativa que lhe permite apoderar-se das
atenes das atividades culturais.
Conforme anlise de Ftima Portilho:
Os consumidores, ao contrrio do que correntemente percebido, no so atores sociais privilegiados na mudana da sociedade em direo sustentabilidade. Tambm no so vtimas passivas e manipuladas das foras dominantes de produo. Mas, se considerarmos que a mudana social no se d apenas de forma radical e grandiosa, poderemos considerar o campo do consumo
41 FILOMENO, Jos Geraldo Brito. Cdigo de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 8 ed., Forense Universitria, RJ, 2005, p. 31
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como uma necessria extenso das novas prticas polticas que surgem no centro da modernidade contempornea. 42
Sob o ponto de vista psicolgico, considera-se consumidor o sujeito sobre o qual
se estudam as reaes a fim de se individualizar os critrios para a produo e as
motivaes internas que o levam ao consumo, 43 ressaltando Jos G. Brito
Filomeno que esta espcie de anlise do consumidor procura levar em
considerao as circunstncias subjetivas que levam o indivduo a ter preferncia
por determinado tipo de produto ou servio, partindo da influncia exercida sobre
ele ou sobre o grupo, pela cincia do marketing e da publicidade.
A teoria de Freud criou os conceitos de inconsciente e do mecanismo de
represso, para quem Certas idias seriam to prejudiciais segurana e sade
do sujeito que seriam reprimidas da conscincia, tornando-se inconscientes.
Como, porm, tinham uma carga energtica, continuavam fazendo presso para
surgir na conscincia, obtendo seu acesso por meio de sonhos, atos falhos e
outros caminhos tortuosos. 44 Portanto, para este pensador, como interpretao a
partir de sua doutrina, j que o prprio no escreveu sobre o consumo, o
consumidor seria aquele sujeito que atua de forma a ceder s satisfaes dos seus
desejos inconscientes atravs do ato de consumo.
Esta perspectiva permite, ainda, uma anli