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EDUCAÇÃO INCLUSIVA: HISTÓRIA E POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL PARA A PESSOA COM DEFICIÊNCIA Fabiana M. das G. Soares de Oliveira 1 Neste trabalho de pesquisa bibliográfica e documental, consta uma abordagem sobre a implementação da educação inclusiva no País, uma reação às práticas consideradas excludentes que alimentaram estigmas e segregação, alentadores da injustiça social e da discriminação na escola em relação ao aluno com deficiência, em nome da diferença identificada. A educação, nesses termos, mundialmente tomou forma como uma ação implementada em defesa dos direitos de todos os alunos frequentarem as mesmas escolas e estudarem juntos, como afirmado no Parecer MEC no. 17/2001b: Em nossa sociedade, ainda há momentos de séria rejeição ao outro, ao diferente, impedindo-o de sentir-se, de perceber-se e de respeitar-se como pessoa. A educação, ao adotar a diretriz inclusiva no exercício de seu papel socializador e pedagógico, busca estabelecer relações pessoais e sociais de solidariedade, sem máscaras, refletindo um dos tópicos mais importantes para a humanidade, uma das maiores conquistas do dimensionamento “ad intra” e “ad extra” do ser e da abertura para o mundo e para o outro. Essa abertura, solidária e sem preconceitos, poderá fazer com que todos percebam-se como dignos e iguais na vida social (BRASIL, 2001b, p. 25). A educação como direito universal, segundo Pletsch (2010), tomou forma nas décadas de 50 e 70. Nesse período, a América Latina, em atenção às propostas extraídas de conferências relativas a essa área, deveria matricular todas as crianças em idade de educação primária, até a década de 70, visto que fora identificada a potencialidade dessa região para o cumprimento de tal meta, o que constou no relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância e a Adolescência (1999). No entanto, as motivações e conquistas almejadas foram frustradas, devido problemas econômicos, políticos, sociais, os investimentos na educação, e as marcas da acentuada desigualdade econômica e social. De modo geral, os indicadores sociais se deterioraram ao longo dos anos oitenta na América latina, enquanto os níveis de desigualdade aumentaram. Nesse sentido, a “década perdida”, como ficou conhecida, foi mais perdida para alguns que para outros (EVANGELISTA e SHIROMA, 2006). Paralelamente, o ataque neoliberal ao rol de direitos sociais construídos no pós-guerra a “era do ouro do capitalismo” (HOBSBAWN, 1995) – ganhou 1 Mestre em Educação Professora da Faculdade de Tecnologia em Processos Gerenciais do SENAI (FATECSENAI) e Professora Colaboradora da Coordenadoria de Educação Aberta e à Distância da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Coordenadora Nacional de Educação da Federação Nacional das APAEs-FENAPAEs e da Federação das APAEs de MS. Texto organizado em 2009, in mimeo.

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EDUCAÇÃO INCLUSIVA: HISTÓRIA E POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL

PARA A PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Fabiana M. das G. Soares de Oliveira1

Neste trabalho de pesquisa bibliográfica e documental, consta uma abordagem sobre a

implementação da educação inclusiva no País, uma reação às práticas consideradas

excludentes que alimentaram estigmas e segregação, alentadores da injustiça social e da

discriminação na escola em relação ao aluno com deficiência, em nome da diferença

identificada. A educação, nesses termos, mundialmente tomou forma como uma ação

implementada em defesa dos direitos de todos os alunos frequentarem as mesmas escolas e

estudarem juntos, como afirmado no Parecer MEC no. 17/2001b:

Em nossa sociedade, ainda há momentos de séria rejeição ao outro, ao

diferente, impedindo-o de sentir-se, de perceber-se e de respeitar-se como

pessoa. A educação, ao adotar a diretriz inclusiva no exercício de seu papel

socializador e pedagógico, busca estabelecer relações pessoais e sociais de

solidariedade, sem máscaras, refletindo um dos tópicos mais importantes

para a humanidade, uma das maiores conquistas do dimensionamento “ad

intra” e “ad extra” do ser e da abertura para o mundo e para o outro. Essa

abertura, solidária e sem preconceitos, poderá fazer com que todos

percebam-se como dignos e iguais na vida social (BRASIL, 2001b, p. 25).

A educação como direito universal, segundo Pletsch (2010), tomou forma nas décadas

de 50 e 70. Nesse período, a América Latina, em atenção às propostas extraídas de

conferências relativas a essa área, deveria matricular todas as crianças em idade de educação

primária, até a década de 70, visto que fora identificada a potencialidade dessa região para o

cumprimento de tal meta, o que constou no relatório do Fundo das Nações Unidas para a

Infância e a Adolescência (1999). No entanto, as motivações e conquistas almejadas foram

frustradas, devido problemas econômicos, políticos, sociais, os investimentos na educação, e

as marcas da acentuada desigualdade econômica e social.

De modo geral, os indicadores sociais se deterioraram ao longo dos anos

oitenta na América latina, enquanto os níveis de desigualdade aumentaram.

Nesse sentido, a “década perdida”, como ficou conhecida, foi mais perdida

para alguns que para outros (EVANGELISTA e SHIROMA, 2006).

Paralelamente, o ataque neoliberal ao rol de direitos sociais construídos no

pós-guerra – a “era do ouro do capitalismo” (HOBSBAWN, 1995) – ganhou

1 Mestre em Educação Professora da Faculdade de Tecnologia em Processos Gerenciais do SENAI

(FATECSENAI) e Professora Colaboradora da Coordenadoria de Educação Aberta e à Distância da

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Coordenadora Nacional de Educação da Federação Nacional das

APAEs-FENAPAEs e da Federação das APAEs de MS. Texto organizado em 2009, in mimeo.

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força nos países centrais e periféricos. No final dos anos oitenta, as políticas

de privatização, ajuste fiscal, desregulamentação da economia e

desregulação financeira já faziam parte da paisagem política mundial

(PLETSCH, 2010, p. 36).

Em meio a esses eventos, aconteceu a Conferência Mundial de Educação para Todos:

Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem, em Jomtien/Tailândia (1990). Esse

evento teve como organizadores o Banco Mundial, a Organização das Nações Unidas para a

Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), o Fundo das Nações Unidas (UNICEF) e o

Programa das Nações Unidas (PNUD), além de ter contado com a participação de 155 países,

resultando no documento conhecido como Declaração “Educação para Todos”. Pelo que nos

diz Pletsch,

Essa declaração comumente é considerada como um documento de caráter

“humanístico” ou “progressista”, uma vez que propõe a universalização da

Educação Básica como um “direito”, cuja satisfação requereria novas formas

de acesso (presencial ou à distância), flexibilização curricular, entre outras

medidas. Todavia, é preciso entender de qual educação se fala, o que implica

analisar a sua dimensão mais abrangente (2010, p. 37).

A educação para todos, pressuposto dessa Conferência, comprometia-se com vários

princípios influenciadores da educação inclusiva, e consistem no seguinte:

a) universalizar o acesso à educação aos grupos historicamente excluídos

como, os pobres, as minorias étnicas, as mulheres e as pessoas com

deficiência;

b) promover as necessidades básicas de aprendizagem;

c) promover a equidade considerando a qualidade de ensino;

d) priorizar a qualidade garantindo a aprendizagem efetiva;

e) ampliar os meios e os raios de ação da Educação Básica, nesse caso

incluindo a esfera familiar e os diversos sistemas disponíveis;

f) fortalecer alianças que possam contribuir significativamente para o

planejamento, implementação, administração e avaliação da Educação

Básica (WCEFA, 1990 apud PLETSCH, 2010, p. 37).

Sucedânea a esse evento, surge a temática educação inclusiva, como pauta das agendas

educacionais que vêm incidindo, especialmente, nas necessidades de modificação dos

sistemas de ensino, e que, com isso, movimentou o Sistema de Ensino no Brasil. Tais fatores

foram motivados a partir da Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais:

Acesso e Qualidade, ocorrida em Salamanca (Espanha, 1994), da qual resultou a Declaração

de Salamanca.

Esse documento, ao impulsionar princípios e diretrizes no sentido de implementar a

educação para todos, ficou reconhecido mundialmente como evento disseminador das

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medidas que envolveram países de diversas partes do mundo, dentre eles o Brasil, no sentido

de modificar suas escolas, em prol da universalização da Educação Básica, destacando a

inclusão escolar em seu texto, com visível reconhecimento nos documentos nacionais

A inclusão escolar constitui uma proposta que representa valores simbólicos

importantes, condizentes com a igualdade de direitos e de oportunidades

educacionais para todos, mas encontra ainda sérias resistências. Estas se

manifestam, principalmente, contra a ideia de que todos devem ter acesso

garantido à escola comum. A dignidade, os direitos individuais e coletivos

garantidos pela Constituição Federal impõem às autoridades e à sociedade

brasileira a obrigatoriedade de efetivar essa política, como um direito

público subjetivo, para o qual os recursos humanos e materiais devem ser

canalizados, atingindo, necessariamente toda a educação básica (BRASIL,

2001b, p. 26 e 27).

Dessa forma, entra em cena o papel da escola comum, no sentido de receber os alunos

e, ao mesmo tempo, modificar-se para tal, pela própria compreensão de seu papel diante das

modificações pretendidas:

[...] as escolas comuns, com essa orientação integradora, representam o meio

mais eficaz de combater atitudes discriminatórias, de criar comunidades

acolhedoras, construir uma sociedade integradora e dar educação para todos;

além disso, proporcionam uma educação efetiva à maioria das crianças e

melhoram a eficiência e, certamente, a relação custo-benefício de todo o

sistema educativo (BRASIL, 1997, p. 10).

Mediante tais orientações, passou a ser determinante o compromisso das escolas de

receberem a todos os alunos, independentemente de suas condições físicas, sociais,

linguísticas, etnicorraciais de gênero e outras.

Organismos internacionais, destacadamente as Nações Unidas e a UNESCO,

responsáveis por eventos mundiais que defendem a educação inclusiva reforçam a ideia de

que essa é, sobretudo, uma questão de direito. Dessa forma, a escola, ao receber o aluno, deve

aceitá-lo sem restrições, fazê-lo sentir-se pertencente, integrante do corpo discente, sem

discriminações, abolindo práticas excludentes que porventura existam em sua comunidade

escolar. Nesse sentido, retomamos o texto da Declaração de Salamanca (1994), no qual

consta:

[...] as escolas devem acolher todas as crianças, independentemente de suas

condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras.

Devem acolher crianças com deficiência e crianças bem dotadas; crianças

que vivem nas ruas e que trabalham; crianças de populações distantes ou

nômades; crianças de minorias linguísticas, étnicas ou culturais e crianças de

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outros grupos ou zonas desfavorecidos ou marginalizados (BRASIL, 1997,

p. 17-18).

A educação das pessoas com deficiência vinha sendo reclamada por famílias e

profissionais como um direito que precisava consolidar-se da mesma forma como era

disponível às pessoas sem deficiência. Foram determinantes nesse sentido, documentos da

Organização das Nações Unidas, entre eles, as Normas Uniformes sobre a Igualdade de

Oportunidades para as Pessoas com Deficiência, “nas quais os estados são instados a garantir

que a educação de pessoas com deficiência seja parte integrante do sistema educativo”

(BRASIL, 1997, p. 9).

Da Declaração de Salamanca, há outros trechos orientadores da reorganização das

escolas e dos sistemas de ensino, na adequação às necessidades educacionais de todos os

alunos, nos seguintes termos:

Todas as crianças de ambos os sexos, têm direito fundamental à educação e

que a ela deva ser dada a oportunidade de obter e manter nível aceitável de

conhecimento;

Cada criança tem características, interesses, capacidades e necessidades de

aprendizagem que lhe são próprios;

Os sistemas educativos devem ser projetados e os programas aplicados de

modo que tenham em vista toda gama dessas diferentes características e

necessidades;

as pessoas com necessidades educacionais especiais devem ter acesso às

escolas comuns que deverão integrá-las numa pedagogia centralizada na

criança, capaz de atender a essas necessidades;

as escolas comuns, com essa orientação integradora, representam o meio

mais eficaz de combater atitudes discriminatórias, de criar comunidades

acolhedoras, construir uma sociedade integradora e dar educação para todos;

além disso, proporcionam uma educação efetiva à maioria das crianças e

melhoram a eficiência e, certamente, a relação custo benefício de todo o

sistema educativo (BRASIL, 1997, p. 10).

Antecedente aos eventos internacionais supramencionados, a Constituição Federal de

1988 introduziu no País a era dos direitos, contrapondo práticas de benesse, caridade e favor,

que impregnavam projetos sociais, mantendo, sobretudo, a hegemonia das instituições e a

fragilidade dos cidadãos. E, com isso, defendendo a cidadania plena, ao mesmo tempo,

envolvendo o Estado, a sociedade e as famílias, direcionando-as a assegurar o acesso aos bens

sociais, sem discriminação de qualquer natureza.

A Constituição Federal de 1998 incorporou vários dispositivos referentes aos

direitos da pessoa com deficiência, nos âmbitos da saúde, educação, trabalho

e assistência. Especificamente no campo educacional, registrou-se o direito

público subjetivo à educação de todos os brasileiros; entre eles, os indicados

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como portadores de deficiência, preferencialmente junto à rede regular de

ensino. Essas determinações estenderam-se para outros textos legais da

União e para as legislações estaduais e municipais (FERREIRA;

FERREIRA, 2004, p. 22).

Como exemplo dos determinantes constitucionais, o art. 206 assegura o direito de

todos à educação, e, no art. 208, § III, “atendimento aos portadores de deficiência,

preferencialmente na rede regular de ensino”. Além desses direitos, identificamos:

habilitação, reabilitação e integração à vida comunitária, (art. 203, IV) e, nesse mesmo art. (§

5º), um salário mínimo mensal para aqueles que não possuam meios de prover a própria

subsistência, sobre o qual acrescentamos sua inserção na Lei n. 8,742, de 7 de dezembro de

1993 (Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), nos seguintes termos:

O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário mínimo

mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com setenta anos ou

mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e

nem de tê-la provida por sua família (BRASIL, 1993, art. 20).

Mesmo assim, não se pode esquecer a importância do empoderamento das pessoas

com deficiência para superarem as condições de fragilidade a que eram submetidos. E, assim,

alcançar a autonomia, escolarização e percurso escolar que lhes garanta independência para o

trabalho e para a vida familiar e societária, mesmo que para isso tenha de suspender o

benefício, mais conhecido como (BPC)2. Sua regulamentação deu-se pelo Decreto n. 1.744,

de 8/12/1995. Conquistas legais já ocorrem que poderão ajudar nesse sentido, sendo uma

delas a proibição de qualquer discriminação referente a salário e critérios de admissão (art. 7°,

inciso XXXI); e o acesso ao serviço público por meio de reservas de percentual dos cargos e

empregos públicos (art. 37, § 7°). O Decreto n. 3298/99 efetivou a regulamentação desse

direito:

Fica assegurado à pessoa portadora de deficiência o direito de se inscrever

em concurso público, em igualdade de condições com os demais candidatos,

para provimento de cargos cujas atribuições sejam compatíveis com a

deficiência de que é portador (BRASIL, 1999, art. 37).

E, ainda, vale citarmos a eliminação de obstáculos arquitetônicos e acesso ao

transporte coletivo (art. 227, II e § 2°, e art. 244). Foi o que resultou na Lei 10.098, de 19 de

dezembro de 2000, estabelecendo normas gerais para a acessibilidade, e que foi

2 Benefício de Prestação Continuada.

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regulamentada pelo Decreto n. 5296, de 2 de dezembro de 2004. Com essa legislação, a

acessibilidade passou a ser conhecida como:

Condição de utilização, com segurança e autonomia, das vias, espaços,

mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações de uso público ou de

uso coletivo, dos serviços de transporte e dos sistemas e meios de

comunicação e informação, por pessoas portadoras de deficiência ou com

mobilidade reduzida (BRASIL, 2005, p. 10).

No que diz respeito ao texto da Carta Magna, pelos próprios princípios, valores, pela

defesa da democracia e pela dignidade, acrescentamos:

A democracia, nos termos em que é definida no Artigo I da Constituição

Federal, estabelece as bases para viabilizar a igualdade de oportunidades, e

também um modo de sociabilidade que permite a expressão das diferenças, a

expressão de conflitos, em uma palavra, a pluralidade. Portanto, no

desdobramento de que se chama conjunto central de valores, devem valer a

liberdade, a tolerância, a sabedoria de conviver com o diferente, tanto do

ponto de vista de valores como de costumes, crenças religiosas, expressões

artísticas, capacidades e limitações (BRASIL, 2001b, p. 25).

Posterior à Constituição Federal, a Lei 9394/96 (LDB)3 reservou o Capítulo V dos

artigos 58 a 60 à educação especial, modalidade destinada ao atendimento educacional

especializado das pessoas com deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino, aos

quais deve ser proporcionado apoio consoante com suas necessidades educacionais especiais.

Na organização das classes comuns, entre outras providências, as escolas deveriam prever e

prover:

d) serviços de apoio pedagógico especializado, realizado:

na classe comum, mediante atuação de professor da educação especial, de

professores intérpretes das linguagens e códigos aplicáveis, como a língua de

sinais e o Sistema Braille, e de outros profissionais, como psicólogos e

fonoaudiólogos, por exemplo; itinerância intra e interinstitucional e outros

apoios necessários à aprendizagem, à locomoção e à comunicação;

em salas de recursos, nas quais o professor da educação especial realiza a

complementação e/ou suplementação curricular, utilizando equipamentos e

materiais específicos. (BRASIL, 2001b, p. 47 e 48).

3 A Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013 altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, definindo o

atendimento educacional especializado aos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e

altas habilidades ou superdotação.

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A ênfase ao papel da escola, e o compromisso com a sua organização para

atendimento adequado aos alunos com deficiência, pode ser visto no art. 59 da mencionada

Lei que nos mostra o seguinte:

Art. 59 – Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com

necessidades especiais:

I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização

específicos, para atender as suas necessidades;

II – terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível

exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas

deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar

para os superdotados (BRASIL, 1996, p. 15).

Essa Lei respalda os serviços especializados na sua organização com professor

especializado ou capacitado, terminalidade específica, certificação, materiais e equipamentos

adequados ao atendimento dos alunos para sua devida escolarização, e, ainda, com apoio

técnico e financeiro às instituições privadas ou filantrópicas de educação especial,

devidamente reconhecidas pelos respectivos sistemas de ensino.

São dispositivos que contribuíram na sistematização e publicação da Resolução do

Conselho Nacional de Educação, Câmara de Educação Básica n. 2, de 11 de setembro de

2001, a qual formalizou as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação

Básica, ressaltando a matrícula de todos os alunos com deficiência, pelos sistemas de ensino.

Às escolas comuns, recomendava-se devida preparação para receber a todos os alunos, por se

entender que essas escolas têm “[...] um compromisso primordial e insubstituível: introduzir o

aluno no mundo social, cultural e científico; e todo ser humano, incondicionalmente, tem

direito a essa introdução” (BATISTA; MANTOAN, 2005, p. 8). Nesse sentido, deveriam

comprometer-se com a previsão e provisão dos apoios para o atendimento das necessidades

educacionais especiais, com professores especializados ou capacitados4, a fim de garantirem o

sucesso dos alunos com deficiência nas classes comuns, participação dos professores nas

4 Para atuarem em educação especial: a) Professores capacitados: aqueles que comprovem, que, em sua formação

de nível médio ou superior, foram incluídos conteúdos ou disciplinas sobre educação especial e desenvolvidas

competências para: I – perceber as necessidades educacionais especiais dos alunos; II – flexibilizar a ação

pedagógica nas diferentes áreas de conhecimento; III – avaliar continuamente a eficácia do processo educativo;

atuar em equipe, inclusive com professores especializados em educação especial (BRASIL, 2001, p. 31 e 32).

b) Professores especializados: aqueles que desenvolverem competências para identificar as necessidades

educacionais especiais, definir e implementar respostas educativas a essas necessidades, apoiar o professor da

classe comum, atuar nos processos de desenvolvimento e aprendizagem dos alunos, desenvolvendo estratégias

de flexibilização, adaptação curricular e práticas pedagógicas alternativas, entre outras, e que possam

comprovar: a) formação em cursos de licenciatura em educação especial ou em uma de suas áreas,

preferencialmente de modo concomitante e associado à licenciatura para educação infantil ou para os anos

iniciais do ensino fundamental; e b) complementação de estudos ou pós-graduação em áreas específicas da

educação especial, posterior à licenciatura nas diferentes áreas de conhecimento, para atuação nos anos finais

do ensino fundamental e no ensino médio (BRASIL, 2001b, p. 31 e 32)

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elaborações teóricas sobre a educação inclusiva com respaldo das instituições de ensino

superior, sustentabilidade do processo inclusivo, por meio de práticas cooperativas, em sala de

aula, equipes, rede de apoio, com a parceria da família e da comunidade. Os serviços de apoio

à educação escolar foram pensados contando-se com os professores nas seguintes funções,

formação e locais de atuação:

Classes Comuns: serviço que se efetiva por meio do trabalho de equipe,

abrangendo professores da classe comum e da educação especial, para o

atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos durante o

processo de ensino e aprendizagem. Pode contar com a colaboração de

outros profissionais, como psicólogos escolares, por exemplo.

Salas de recursos: serviço de natureza pedagógica, conduzido por professor

especializado, que suplementa (no caso dos superdotados) e complementa

(para os demais alunos) o atendimento educacional realizado em classes

comuns da rede regular de ensino. [...]

Itinerância: serviço de orientação e supervisão pedagógica desenvolvida por

professores especializados que fazem visitas periódicas às escolas para

trabalhar com os alunos que apresentem necessidades educacionais especiais

e com seus respectivos professores de classe comum da rede regular de

ensino.

Professores-intérpretes: são profissionais especializados para apoiar alunos

surdos, surdos-cegos e outros que apresentem sérios comprometimentos de

comunicação e sinalização.

Todos os professores de educação especial e os que atuam em classes

comuns deverão ter formação para as respectivas funções, principalmente os

que atuam em serviços de apoio pedagógico especializado (BRASIL, 2001b,

p. 50).

O texto básico das Diretrizes Nacionais da Educação Especial na Educação Básica

(2001b) apresentava, além de outras, a seguinte afirmativa:

Na era atual, balizada como a era dos direitos, pensa-se diferentemente

acerca das necessidades educacionais de alunos. A ruptura com a ideologia

da exclusão proporcionou a implantação da política de inclusão, que vem

sendo debatida e exercitada em vários países, entre eles o Brasil. Hoje, a

legislação brasileira posiciona-se pelo atendimento dos alunos com

necessidades educacionais especiais preferencialmente em classes comuns

das escolas, em todos os níveis, etapas e modalidades de educação e ensino

(BRASIL, 2001b, p. 21).

Além do mais, evidencia-se no referido documento a preocupação no sentido de evitar

prejuízos aos alunos em seu percurso escolar, com a adoção de mecanismos que possam

comprovar sua passagem pelos níveis e etapas de ensino previstas em lei. Com isso, volta-se à

recomendação quanto à temporalidade flexível do ano letivo, a fim de evitar distorção

idade/série, especialmente nos casos de deficiências mais acentuadas e múltiplas,

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[...] de forma que possam concluir em tempo maior o currículo previsto para

a série/etapa escolar, principalmente nas séries finais do ensino fundamental,

conforme estabelecido pelas normas dos sistemas de ensino, procurando-se

evitar grande defasagem idade/série (BRASIL, 2001b, p. 48).

Esse é um assunto não resolvido, uma vez que nas leituras dos currículos das escolas

preparados para cada ano letivo, e dos próprios quadros curriculares, verifica-se a intenção de

que, a série ou ano escolar seja cumprido no tempo e prazo previsto, finalizando-se cada ano,

com a aprovação do aluno. Evidentemente que nem todos os alunos têm sucesso na

aprendizagem e vivenciam frustrações por não terem conseguido vencer o previsto pela

escola, tornando-se o reprovado.

Implicações na vida escolar de outros alunos da educação especial, com altas

habilidades/superdotação, levaram o texto das Diretrizes Nacionais para a Educação Especial

na Educação Básica (BRASIL, 2001B), a recomendar aos sistemas de ensino medidas

favoráveis a esses alunos e compatíveis com suas especificidades, disponibilizando programas

de enriquecimento/aprofundamento nos processos curriculares, com previsão e detalhamentos

determinantes, a fim de lhes possibilitar menor tempo para conclusão da série ou etapa

escolar, conforme dispõe o Art. 24, inc. V, “c, da Lei 9394/96 (LDB).

Tais recomendações foram incisivas, no sentido de reforçar a ideia de que todos os

alunos com necessidades educacionais especiais deveriam estudar em classes comuns de

qualquer etapa ou modalidade da Educação Básica, assegurando o direito à educação. Por

alunos com necessidades educacionais especiais, deve-se compreender como aqueles que

apresentem no processo educacional:

I – dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de

desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades

curriculares, compreendidas em dois grupos:

a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica;

b) aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências;

II – dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais

alunos, demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis;

III – altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que

os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes

(BRASIL, 2001a, art. 5º.).

Nessa Resolução, são ainda previstos serviços a serem disponibilizados aos alunos,

tais como: classes especiais, em caráter temporário, com orientações próprias,

Classe especial: sala de aula, em escola de ensino regular, em espaço físico e

modulação adequada. Nesse tipo de sala, o professor da educação utiliza

métodos, técnicas, procedimentos didáticos e recursos pedagógicos

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especializados e, quando necessário, equipamentos e materiais didáticos

específicos, conforme série/ciclo/etapa da educação básica, para que o aluno

tenha acesso ao currículo da base nacional comum (BRASIL, 2001b, p. 53 e

54).

E são recomendadas escolas especiais, em caráter extraordinário, públicas, privadas ou

filantrópicas, onde podem ocorrer atendimentos especializados, de forma articulada, com

profissionais da Saúde e Assistência Social, sempre que, em função das necessidades

especiais dos alunos, sejam recomendados fonoaudiólogos, fisioterapeutas, assistentes sociais,

terapeutas ocupacionais e outros. Entende-se por escolas especiais, aquelas destinadas

[...] à oferta de educação escolar de alunos que apresentam necessidades

educacionais especiais e que requeiram atenção individualizada nas

atividades de vida autônoma e social, bem como ajudas e apoios intensos e

contínuos e flexibilizações e adaptações curriculares tão significativas que a

escola comum não tenha conseguido prover [...] (BRASIL, 2001b, p. 53 e

54).

Outros serviços em benefício das demandas dos alunos são recomendados, entre eles, ainda:

Classe hospitalar:

Serviço destinado a prover, mediante atendimento especializado, a educação

escolar a alunos impossibilitados de frequentar as aulas em razão de

tratamento de saúde que implique internação hospitalar ou atendimento

ambulatorial (BRASIL, 2001b, p. 51).

E atendimento em ambiente domiciliar,

[...] destinado a viabilizar, mediante atendimento especializado, a educação

escolar de alunos que estejam impossibilitados de frequentar as aulas em

razão de tratamento de saúde que implique permanência prolongada em

domicílio (BRASIL, 2001b, p. 52).

Direitos assegurados em documento normativo, a fim de que o aluno com deficiência

tenha acesso aos conhecimentos disponíveis na escola, que não acumule prejuízo em sua

aprendizagem e, além do mais, possa contar com tais serviços quando deles necessitar, por

problemas de saúde ou outros agravantes que o impeçam de frequentar normalmente a escola.

São serviços que têm como finalidade evitar prejuízo ao aluno no ano letivo e devem

funcionar de forma a contribuir com o seu retorno e continuidade dos estudos na escola, com

percurso escolar semelhante aos demais alunos.

Essas diretrizes, justificadas em nome do direito à educação das pessoas que

apresentam deficiências, fundamentam-se nos valores emanados dos seguintes princípios: “a

preservação da dignidade humana; a busca da identidade e o exercício da cidadania”

(BRASIL, 2001b, p. 24). São princípios que, sobretudo, vêm contribuir para a formação de

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ações solidárias e de respeito aos direitos humanos, diferenciando-se das atitudes de piedade,

extinção, rejeição ou exclusão, longamente praticados e que contribuíram para a exclusão e a

discriminação. A discriminação afronta a dignidade humana, sendo que “toda e qualquer

pessoa é digna e merecedora do respeito de seus semelhantes e tem o direito a boas condições

de vida e à oportunidade de realizar seus projetos” (BRASIL, 2001b, p. 24).

As orientações atuais, compatíveis com esses pressupostos, sinalizam para um outro

modelo de sistema de ensino, com a escola desempenhando o duplo papel de socializador e

pedagógico, ao mesmo tempo, de forma solidária e sem preconceitos, a fim de contribuir para

que todos se percebam dignos e iguais nas questões dos direitos sociais. E, ainda, como nos

lembra Pletsch:

[...] uma proposta de educação que se pretenda inclusiva deve ser entendida

como um processo amplo, no qual a escola deve ter condições estruturais

(físicas, de recursos humanos qualificados e financeiros) para acolher e

promover condições democráticas de participação dos alunos com

necessidades educacionais especiais no processo de ensino-aprendizagem,

assim como de todos os alunos. É um processo no qual a escola possa

promover não só o acesso, mas também o desenvolvimento social e

acadêmico, levando em consideração as singularidades de cada um (2010, p.

77).

O preconceito afronta a afirmação da sociedade como democrática e plural, na qual as

relações entre pessoas devem solidificar-se com atitudes de respeito mútuo.

O respeito traduz-se pela valorização de cada indivíduo em sua

singularidade, nas características que o constituem. O respeito ganha um

significado mais amplo quando se realiza como respeito mútuo: ao dever de

respeitar o outro, articula-se o direito de ser respeitado. O respeito mútuo

tem sua significação ampliada no conceito de solidariedade (BRASIL,

2001b, p. 25 e 26).

A educação especial, como modalidade na educação básica, implementou-se ancorada

nesses princípios, conceitualizada na Resolução CNE/CEB, no. 2, de 11 de setembro de 2001,

como:

[...] processo educacional definido em uma proposta pedagógica,

assegurando um conjunto de recursos e serviços educacionais especiais,

organizados institucionalmente para apoiar, complementar, suplementar e,

em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a

garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento das

potencialidades dos educandos que apresentam necessidades educacionais

especiais, em todos os níveis, etapas e modalidades da educação (BRASIL,

2001a, art. 3º.).

12

Terminologias compõem a definição de educação especial, determinantes para a

compreensão de sua finalidade, com referência ao professor, ao aluno, ao currículo e aos

locais de atuação, são apresentados com o seguinte entendimento:

a) Apoiar: “prestar auxílio ao professor e ao aluno no processo de ensino e

aprendizagem, tanto nas classes comuns quanto em salas de recursos”;

complementar: “completar o currículo para viabilizar o acesso à base

nacional comum”; suplementar: “ampliar, aprofundar ou enriquecer a base

nacional comum”. Essas formas de atuação visam assegurar resposta

educativa de qualidade às necessidades educacionais especiais dos alunos

nos serviços educacionais comuns.

b) Substituir: “colocar em lugar de”. Compreende o atendimento educacional

especializado realizado em classes especiais, escolas especiais, classes

hospitalares e atendimento domiciliar (BRASIL, 2001b, p. 27-28).

Observe-se que os detalhamentos dos termos que compõem a definição da educação

especial, apoiar e substituir, não ocorrem na atual Política Nacional de Educação Especial

(2008), posteriormente evidenciado. Voltando aos antecedentes dessa modalidade, outra das

recomendações das Diretrizes Nacionais da Educação Especial na Educação Básica dizem

respeito aos sistemas de ensino e o comprometimento necessário quanto aos procedimentos

oficiais para efetivação das matrículas de todos os alunos nas escolas, incluindo-se aqueles

com necessidades educacionais especiais, cabendo às escolas organizarem-se para a oferta de

educação de qualidade para todos (BRASIL, 2001b).

A responsabilização da escola, implica ainda, na transformação de suas práticas, de

forma a efetivar-se como escola inclusiva, prevendo e provendo condições e recursos, de

forma a assegurar acesso, permanência e percurso escolar aos alunos incluídos em suas

classes comuns, lembrando que:

[...] não é o aluno que se amolda ou se adapta à escola, mas é ela que,

consciente de sua função, coloca-se à disposição do aluno, tornando-se

espaço inclusivo. Nesse contexto, a educação especial é concebida para

possibilitar que o aluno com necessidades educacionais especiais atinja os

objetivos da educação geral (BRASIL, 2001b, p. 29).

São dispositivos que fundamentam e acompanham outros documentos educacionais,

normativos e orientadores dos sistemas de ensino, tanto que, no mesmo ano, o Plano Nacional

de Educação, oficializado pela Lei n. 10.172/2001, reconhece a escola inclusiva como avanço,

no sentido de garantir a diversidade humana, ampliando horizontes para o professor e para o

aluno. A escola representa apenas uma parte do mundo com suas complexidades, fascínios e

13

desafios, e onde são estabelecidas relações intersociais e interpessoais, que deve ser ancoradas

na ética.

No texto do Plano Nacional de Educação (2001), já constavam defasagens nas

matrículas de alunos com deficiência em classes comuns, assim como problemas na formação

docente e na acessibilidade, especialmente na adequação de prédios e logradouros públicos.

Posteriormente, surgiram normativas com orientações, como, “Os projetos arquitetônicos e

urbanísticos devem basear-se nos princípios do desenho universal, na legislação específica e

nas normas técnicas de acessibilidade da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)”

(BRASIL, 2005, p. 12).

As ações em busca do apoio legal às pessoas com deficiência sucederam-se e, no

mesmo ano do referido Plano, foi instituído no Brasil, o Decreto 3956/2001, tornando-se lei

brasileira as recomendações da Convenção da Guatemala/1999. Esse Decreto sustenta a

afirmativa de que as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos que as demais pessoas,

recriminando todo e qualquer tipo de discriminação, exclusão ou diferenciação devido à

deficiência. Sobre discriminação contra as pessoas com deficiência nos informa o Decreto

3956/2001:

a) [...] significa toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em

deficiência, antecedente de deficiência, consequência de deficiência anterior

ou percepção de deficiência presente ou passada, que tenha o efeito ou

propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício por

parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas

liberdades fundamentais;

b) não constitui discriminação a diferenciação ou preferência adotada pelo

Estado-Parte para promover a integração social ou o desenvolvimento

pessoal dos portadores de deficiência, desde que a diferenciação ou

preferência não limite em si mesma o direito à igualdade entre as pessoas e

que elas não sejam obrigadas a aceitar tal diferenciação ou preferência. Nos

casos em que a legislação interna preveja a declaração de interdição, quando

for necessária e apropriada para o seu bem-estar, esta não constituirá

discriminação (BRASIL, 2001, Artigo I, Item 2, letras a e b, p. 1).

As finalidades da Convenção da Guatemala, com status de lei brasileira, por meio do

Decreto 3956 de 8 de outubro de 2001, repercutem fundamentalmente no compromisso social

e no respeito ao tratamento cidadão do aluno com deficiência e reforça, ao mesmo tempo, em

seu texto, a observância ao direito desse aluno à educação. Nesse sentido, é determinante com

as recomendações de providências e garantias da eliminação de barreiras impeditivas à

aprendizagem, e ao acesso à escolarização, esclarecendo em que momento a diferenciação

pode ser praticada sem confundir-se com exclusão ou preconceito.

14

Em 2002, vários dispositivos legais foram instituídos, tendo-se como exemplo a

Resolução CNE/CEB no. 1 de 2002, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para

a Formação de Professores da Educação Básica. Por essas Diretrizes, as instituições de ensino

superior devem estabelecer as bases da formação docente no espírito da diversidade humana e

com estudos voltados à aquisição de conhecimentos sobre os alunos com necessidades

educacionais especiais, destacando-se o art. 6º, no qual fica especificado:

VI - as competências referentes ao gerenciamento do próprio

desenvolvimento profissional.

§ 3º A definição dos conhecimentos exigidos para a constituição de

competências deverá, além da formação específica relacionada às diferentes

etapas da educação básica, propiciar a inserção no debate contemporâneo

mais amplo, envolvendo questões culturais, sociais, econômicas e o

conhecimento sobre o desenvolvimento humano e a própria docência,

contemplando:

[...]

II - conhecimentos sobre crianças, adolescentes, jovens e adultos, aí

incluídas as especificidades dos alunos com necessidades educacionais

especiais e as das comunidades indígenas; (BRASIL, 2001b, art. 6º. p.2).

O professor de alunos surdos, garante a necessidade de formação específica nessa área,

por meio do que ficou instituído na Lei n. 10.436/02, a Lei da Língua Brasileira de Sinais

(Libras), que foi definida como meio legal de expressão e comunicação da pessoa surda, ao

mesmo tempo, recomendando difusão dessa Língua, sustentabilidade e institucionalização do

seu uso. A Libras deverá integrar, ainda, além dos cursos de formação de professores, os de

fonoaudiologia. No Capítulo II da referida Lei,

Art. 3º A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos

cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em

nível médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de

ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de

ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. (BRASIL, 2002,

Art. 3º., p. 1).

Também, em se tratando de formação, a Portaria n. 2. 678/02 do MEC aprova diretrizes

e normas para o uso, o ensino, a produção e implementação do Sistema Braille em todas as

modalidades de ensino, conjuntamente com o projeto Grafia Braille para a Língua Portuguesa,

cujo uso pelo cego também faz parte da recomendação, em todo o território nacional.

Considera-se que

Aprendizagem do Sistema Braille. Uma das habilidades principais que o

aluno cego precisa dominar é a leitura e grafia escrita do Braille, conforme

15

convencionada para os países de língua portuguesa. O Braille é um processo

de escrita em relevo para leitura táctil, que se compõe de 63 sinais formados

por pontos, a partir de um conjunto matricial idêntico a uma sena de dominó,

que chamamos de célula Braille (ORRICO apud GLAT, 2007, et al., p. 125;

126).

No contexto educacional e na formação de professores, é oportuno reconhecer que,

para a apropriação da escrita pela pessoa cega, necessita-se prever e prover os programas

educacionais com os recursos detalhados na sequência, um diferencial próprio das

características dessa pessoa e sua necessidade educacional especial:

A escrita é feita com a reglete, um equipamento manual (parece uma régua,

daí seu nome) ou de mesa, com células Braille em sua extensão, que permite

a escrita com o uso de estilete genericamente chamado de punção, em um

papel especial de 120g a 180g. Outro recurso é a máquina Perkins,

semelhante a uma máquina de datilografia, mas com o teclado adaptado para

a escrita Braille, podendo ser manual ou eletrônica; o papel indicado para

essa máquina é o de 120g. O domínio do Braille é fundamental para a pessoa

cega, pois lhe garante uma alternativa para o acesso mais amplo à cultura e

ao conhecimento (op. cit. p. 126).

Conforme acrescentado anteriormente, vários documentos legais foram acionados em

favor da inclusão dos alunos na escola, na sociedade e na vida, criando possibilidades

diversificadas para sedimentação do contexto relacional entre as pessoas com e sem

deficiência. E, então, no Brasil, as providências requeridas para a construção da escola e da

sociedade inclusiva não ficaram relegadas aos texto das Declarações e dos tratados diversos

que as inspiraram, embora não possamos afirmar que todas as providências já foram tomadas

ou as necessidades sanadas.

A cada ano, uma nova proposta. Em 2003, veio a implementação, pelo Ministério da

Educação, do Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade. A partir desse documento,

ações foram planejadas e implementadas, especialmente, reafirmando a irreversibilidade da

educação inclusiva, priorizando-se a formação dos professores e gestores, com o objetivo

primordial de garantir o acesso de todos os alunos à educação escolar, à oferta do atendimento

educacional especializado e à garantia da acessibilidade, com a remoção de barreiras

impeditivas de sua plena atuação. As barreiras podem ser vistas como:

Quaisquer obstáculos que impeçam ou dificultem a utilização, a liberdade de

movimentos e a circulação das pessoas portadoras de deficiência pelos bens

e serviços públicos ou de uso público. Dividem-se em: barreiras urbanísticas,

barreiras nas edificações, barreiras nos transportes e barreiras nas

comunicações e informações (BRASIL, 2005, p. 10).

16

Em 2004, publicado pelo Ministério Público Federal, o documento “O Acesso de

Alunos com deficiência às Classes Comuns da Rede Regular de Ensino”, com vistas à

disseminação dos conceitos e diretrizes mundiais para a inclusão, destacando os direitos e os

benefícios da educação escolar em contextos inclusivos, em que todos os alunos com e sem

deficiência podem estudar juntos em turmas comuns do ensino regular.

Ainda nesse ano, foi publicado o Decreto 5296/04, o qual regulamentou as Leis

10.048/2000 determinante da prioridade no atendimento às pessoas com deficiência, bem

como a Lei 10.098/2000, que estabelece como obrigatória a acessibilidade das pessoas com

deficiência ou com mobilidade reduzida, beneficiando-se também dessas leis pessoas idosas

ou com dificuldade na locomoção e gestantes. O Ministério das Cidades incorporou tais

dispositivos, no tocante à promoção da acessibilidade urbana e ao apoio às ações promotoras

do acesso universal aos espaços públicos, tudo isso na lógica do desenho universal, que

significa:

[...] a definição de espaços e edificações, públicos ou de uso público, que

permitam a utilização de todas as pessoas, de forma autônoma, segura e

confortável, independentemente das diferenças individuais de mobilidade e

percepção sensorial (BRASIL, 2005, p. 11).

No ano seguinte, o Decreto n. 5.626/2005 regulamentou a Lei da Libras, e, ao mesmo

tempo, contribuiu para ampliar o acesso do aluno surdo à escola, reafirmando a Libra como

disciplina curricular, o direito à formação e à certificação do professor, do instrutor e do

tradutor/intérprete de Libras, o ensino da Língua Portuguesa como segunda Língua e a

organização da educação bilíngue no ensino regular.

Ainda em 2005, foram disseminados Núcleos de Atividades de Altas

habilidades/Superdotação (NAAH/S) em todos os estados e no Distrito Federal, organizados

centros de referência para o atendimento daqueles que apresentam altas

habilidades/superdotação com a oferta do atendimento educacional especializado, orientação

às famílias e formação continuada dos professores, priorizando-se a oferta dos atendimentos

na rede pública de ensino, consentânea com a política da educação inclusiva, a qual

compreende

[...] a construção de uma escola aberta para todos, que respeita e valoriza a

diversidade, desenvolve práticas colaborativas, forma redes de apoio à

inclusão e promove a participação da comunidade.

Essa compreensão significa criar escolas de qualidade para todos, que

atendam efetivamente a todas as crianças e adolescentes das suas

comunidades, revertendo a situação de exclusão na educação. A educação

17

especial, nesta perspectiva, converte-se numa modalidade transversal que

perpassa todos os níveis, etapas e modalidades da educação, disponibiliza

serviços, recursos e atendimento educacional especializado para apoiar o

processo de escolarização nas classes comuns do ensino regular,

beneficiando todos os alunos. (BRASIL, 2003, p. 1).

Em 2009, foi promulgada a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com

Deficiência5, aprovada pela ONU, da qual o Brasil foi signatário. Essa Convenção determina

que os Estados-Partes devem assegurar um sistema de educação inclusiva em todos os níveis

de ensino, com medidas que atentem para a plena participação e inclusão, constando as

seguintes recomendações no art. 24:

a) As pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional

geral sob alegação de deficiência e que as crianças com deficiência não

sejam excluídas do ensino fundamental gratuito e compulsório, sob alegação

de deficiência;

b) As pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino fundamental

inclusivo, de qualidade e gratuito, em igualdade de condições com as demais

pessoas na comunidade em que vivem. (BRASIL, 2009, p. 46).

Depreende-se daí que a deficiência não pode servir como desculpa para inobservância

do direito de acesso do aluno à educação escolar, pública e gratuita, e que devem ser

garantidas a participação e o acesso ao conhecimento com qualidade e igualdade de

condições, sem discriminação. A inclusão apresenta implicações que merecem ser observadas.

Nesse sentido, Glat faz referência aos dizeres de Ainscow (2004), enfatizando o seguinte:

[...] a inclusão escolar pressupõe três elementos básicos: a) a presença, o que

significa estar na escola, superando o isolamento do ambiente privado e

inserindo o indivíduo num espaço público de socialização e aprendizagem;

b) a participação, que depende, no entanto, do oferecimento das condições

necessárias para que o aluno realmente possa interagir plenamente das

atividades escolares; c) a construção de conhecimentos, sem a qual pouco

adianta os outros aspectos (apud GLAT, 2007, p. 33).

Esses três elementos poderiam ser incorporados aos documentos das escolas, nos

Projetos Políticos Pedagógicos, reconhecida sua importância por toda a comunidade escolar, a

fim de se evitar a desmotivação do aluno, a própria solidão ocasionado pela falta de

participação nas atividades escolares e entre os pares na sala de aula e, ainda, entendemos

que, a inclusão sem resolutividade quanto à aprendizagem e acesso ao conhecimento, fica

prejudicada e com uma grande interrogação ou letra morta.

5 A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo foram promulgados

pelo Decreto no 6.949, de 25 de agosto de 2009 da Presidência da República.

18

Em 2006, a Secretaria de Direitos Humanos, os Ministérios da Educação e da Justiça,

juntamente com a (UNESCO)6, instituíram o Plano Nacional em Direitos Humanos, no qual

um dos objetivos é inserir a temática sobre deficiências no currículo da educação básica, e, ao

mesmo tempo, implementar ações afirmativas que possibilitem o acesso das pessoas com

deficiência a outros níveis de ensino, ressaltando que

Na educação superior, a educação especial se efetiva por meio de ações que

promovam o acesso, a permanência e a participação dos alunos. Estas ações

envolvem o planejamento e a organização de recursos e serviços para a

promoção da acessibilidade arquitetônica, nas comunicações, nos sistemas

de informação, nos materiais didáticos e pedagógicos, que devem ser

disponibilizados nos processos seletivos e no desenvolvimento de todas as

atividades que envolvam o ensino, a pesquisa e a extensão (BRASIL, 2008a,

p. 16).

Em 2007, foi implantado o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE),

incorporado à Agenda Social, priorizando a formação de professores para a educação

especial, a implantação de salas de recursos multifuncionais, a acessibilidade arquitetônica

dos prédios escolares, acesso e permanência das pessoas com deficiência na educação

superior e o monitoramento dos beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC),

quanto ao acesso e frequência na escola. Com esse documento, busca-se superar a oposição

entre a educação regular e a educação especial, reforçando-se a transversalidade dessa última

em todas as etapas, níveis e modalidades da educação no País, no sentido de viabilizar a

inclusão escolar de todos os alunos, propiciando igualdade de condições, acesso e

permanência na escola e a continuidade nos níveis mais elevados de ensino.

O acervo legal referente à educação especial e à educação inclusiva foi

implementando-se no decorrer desses anos, trazendo-se uma outra Política orientativa aos

sistemas de ensino no que se refere à organização, implementação e aplicabilidade dessas

temáticas no País. É o que trataremos a seguir.

1-A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva –

Atuais Paradigmas

A Política Nacional (2008a) foi elaborada por um Grupo de Trabalho instituído pela

Portaria Ministerial n. 555, de 5 de junho de 2007, prorrogada pela Portaria n. 948, de 09 de

outubro de 2007. Essa Política foi publicada na Edição Especial “INCLUSÃO: REVISTA DA

6 Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

19

EDUCAÇÃO ESPECIAL” (v. 4, n. 1, jan./jun. 2008a). Com base nos fatos e eventos

mundiais e ações nacionais, anteriormente discutidos, em defesa da inclusão de alunos em

situação de exclusão no País, o Ministério de Educação (MEC) redimensionou a atuação da

Educação Especial, destacando que essa modalidade

[...] se organizou tradicionalmente como atendimento educacional

especializado substitutivo ao ensino comum, evidenciando diferentes

compreensões, terminologias e modalidades que levavam à criação de

instituições especializadas, escolas especiais e classes especiais. Essa

organização, fundamentada no conceito de normalidade/anormalidade,

determina formas de atendimento clínico-terapêuticos fortemente ancorados

nos testes psicométricos que, por meio de diagnósticos, definem práticas

escolares (BRASIL, 2008a, p. 9-10).

Com tais críticas a respeito do que vinha sendo praticado na educação especial, e

justificando os propósitos de expansão da Educação Inclusiva no País, o MEC elaborou o

documento da Política (2008a), com foco no acesso, participação e aprendizagem dos alunos

com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas

escolas regulares, cujos conceitos encontram-se na sequência deste documento.

Pessoa com deficiência: pode-se entender como “Aquela que tem impedimentos de

longo prazo, de natureza física, mental ou sensorial que, em interação com diversas barreiras,

podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade” (BRASIL,

2008a, p. 15). As deficiências podem ser

a) Deficiência auditiva: perda bilateral, parcial ou total de 41 decibéis (dB) ou mais, aferida

por audiograma, nas frequências de 500 Hertz (Hz), 1.000 Hz, 2.000 Hz e 3.000 Hz.

(BRASIL, 2004, art. 5º. $ 1º. Letra b, p. 1)

b) Deficiência física: alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo

humano, acarretando o comprometimento da função física, abrangendo, dentre outras

condições, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, membros com deformidade

congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades

para o desempenho das funções. (BRASIL, 2004, art. 5º. $ 1º. Letra a, p. 1)

c) Deficiência intelectual/mental: caracteriza-se por limitações significativas, tanto no

funcionamento intelectual como na conduta adaptativa, na forma expressa em habilidades

práticas, sociais e conceituais (SISTEMA AADID, 2010). A Organização Pan-Americana da

Saúde e a Organização Mundial da Saúde realizaram um evento em Montreal, Canadá, em

outubro de 2004 e, nessa ocasião, foi aprovado o documento “Declaração de Montreal sobre

Deficiência Intelectual”. A mudança de terminologia de deficiência mental para intelectual

20

pretendeu esclarecer que se trata de funcionamento de intelecto e não da mente como um

todo. Hoje em dia, cada vez mais se está substituindo o adjetivo mental por intelectual.

d) Deficiência visual: deficiência visual: cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou

menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa

acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos

quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60o;

ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores; (BRASIL, 2004, art. 5º. $

1º. Letra c, p. 1).

e) Deficiência múltipla: associação de duas ou mais deficiências (BRASIL, 2004, art. 5º. $

1º. Letra e, p. 1).

f) Surdocegueira: é uma deficiência singular que apresenta perda auditiva e visual,

concomitantemente, em diferentes graus, necessitando desenvolver diferentes formas de

comunicação para que a pessoa surdacega possa entender e interagir com a sociedade,

possibilitando-lhe usufruir uma vida social com qualidade e acesso aos bens sociais. (GRUPO

BRASIL, 2008).

g) Além de outras, a Síndrome de Down: alteração genética cromossômica do par 21, que

traz, como consequência, características físicas marcantes e implicações tanto para o

desenvolvimento fisiológico quanto para a aprendizagem.

– Alunos com transtorno global de desenvolvimento: aqueles que apresentam alterações

qualitativas das interações sociais e recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses

e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos com autismo,

síndromes do espectro do autismo e psicose infantil (BRASIL, 2008a, p. 15).

– Autismo: transtorno do desenvolvimento, caracterizado, de maneira geral, por problemas

nas áreas de comunicação e interação, com um repertório restrito de interesses e atividades.

(BRASIL, 2010, p. 15).

– Transtornos funcionais específicos: dentre os transtornos funcionais específicos estão:

dislexia, disortografia, disgrafia, discalculia, transtorno de atenção e hiperatividade, entre

outros.

– Transtorno de aprendizagem: atualmente, a descrição dos transtornos de aprendizagem é

encontrada em manuais internacionais de diagnóstico, tanto no CID-10, elaborado pela

Organização Mundial de Saúde (1992), como no DSM-IV, organizado pela Associação

Americana de Psiquiatria (1995). Ambos os manuais reconhecem a falta de exatidão do termo

“transtorno”, justificando seu emprego para evitar problemas ainda maiores, inerentes ao uso

das expressões “doença” ou “enfermidade”.

21

– Alunos com altas habilidades/superdotação: aqueles com potencial elevado em qualquer

uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança,

psicomotricidade e artes, além de apresentar grande criatividade, envolvimento na

aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse (BRASIL, 2008a, p. 15).

Mediante tais especificidades e, com base nos objetivos da Política de Educação

Especial (2008a), aos sistemas de ensino cabem respostas adequadas às necessidades

educacionais especiais dos alunos, garantindo, também:

Transversalidade da educação especial desde a educação infantil até a

educação superior; Atendimento educacional especializado; Continuidade da

escolarização nos níveis mais elevados de ensino; Formação de professores

para o atendimento educacional especializado e demais profissionais da

educação para a inclusão escolar; Participação da família e da comunidade;

Acessibilidade urbanística, arquitetônica, nos mobiliários e equipamentos,

nos transportes, na comunicação e informação; e Articulação intersetorial na

implementação das políticas públicas (BRASIL, 2008a, p. 14).

Do ponto de vista da organização dos sistemas de ensino, tais providências, se

consolidadas, contribuirão para o desenvolvimento das propostas defendidas. Na perspectiva

da transversalidade, a educação especial estará disponível ao aluno em todo o seu percurso

escolar, com apoios especializados, recursos financeiros para financiamento dos programas e

projetos com a previsão de ações direcionadas às diversas situações de ensino-aprendizagem,

nas diferentes fases de vida escolar. Essa modalidade propõe-se ainda, a atender aos alunos

em suas espeficidades, a orientar a organização de redes de apoio, bem como a identificação

de recursos, serviços e a incentivar a formação continuada dos professores, como um dos

compromissos das escolas e dos profissionais, inclusive com a adoção de práticas inovadoras

e colaborativas. Com esses propósitos, entra em discussão a educação especial, tendo em vista

a seguinte definição:

[...] modalidade de ensino que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades,

realiza o atendimento educacional especializado, disponibiliza os recursos e

serviços e orienta quanto a sua utilização no processo de ensino e

aprendizagem nas turmas comuns do ensino regular (BRASIL, 2008a, p. 15).

Nesse conceito, com a ausência de outras terminologias conforme citado

anteriormente, o atendimento educacional especializado passa a constar como

redirecionamento da educação especial, percebendo-se a tentativa de modificar os aspectos

conceitual e operacional dessa modalidade. No desdobramento da Política (2008), identifica-

se que, “O atendimento educacional especializado tem como função identificar, elaborar e

22

organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena

participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas” (BRASIL, 2008, p. 15).

Supõe-se que as finalidades desse atendimento dizem respeito aos alunos, cuja

escolarização e percurso escolar requerem ações especializadas que garantam as devidas

condições para acesso aos níveis mais elevados de ensino, nesse caso, condizentes com o que

prescreve a Constituição Federal (1988, o art. 208, Item V) e legislações que a sucederam.

A modalidade educação especial veio compor a educação básica, no sentido de evitar e

levar o aluno com deficiência, transtorno global do desenvolvimento e altas habilidades ou

superdotação, a superarem a baixa expectativa em relação a sua aprendizagem e favorecer o

cumprimento do direito à educação de cada um, valorizando as diferenças e especificidades

nas diferentes maneiras de apender, e, também, defendendo a observância ao tempo e ao ritmo

diferente para a aprendizagem. Entender os alunos

[...] como sujeitos singulares implica o reconhecimento da diversidade

presente na sala de aula e a exigência de uma atuação diversificada em

virtude das múltiplas situações de aprendizagem e desenvolvimento que o

professor tem que promover e gerenciar (MARTINEZ, 2008, p. 73).

Nesse sentido, evidencia-se a necessidade de otimizar a ação docente revestida de

inovações, criatividade e estudos, com ampliação contínua dos conhecimentos trazidos da

própria formação, atuando no sentido de inovar os planejamentos e propostas educacionais

das escolas, e na busca de apoio de outros especialistas e pesquisadores, superando-se, visto

que

A profissão de professor envolve um grande número de decisões que

tradicionalmente são da sua responsabilidade e que lhe outorgam um elevado

grau de autonomia no quotidiano de sua profissão. Por isso, é tão complexa a

profissão e a sua respectiva formação e se torna claro o motivo pelo qual

resulta insuficiente um simples incremento de formação teórica

(RODRIGUES, 2008, p. 8).

Ao longo dos anos, os cursos de formação de professores não previam informações ou

disciplinas sobre pessoas com deficiência, transtornos globais dos desenvolvimentos, altas

habilidades superdotação e mais,

[...] a escola não foi pensada para atender a heterogeneidade. Toda a

estrutura e funcionamento da escola regular é mais confortável ao considerar

a homogeneidade do que com a diferença entre os alunos. Mas o que é certo

é que a heterogeneidade é cada vez maior em nossas escolas e a premência

de lhe dar uma resposta de sucesso é também cada vez mais inadiável. Em

sociedades que prezam o seu desenvolvimento não é aceitável que existam

23

alunos que abandonem a escola, ou que nela permanecendo, não obtenham

sucesso (RODRIGUES, 2008, p. 11).

Isso implica destacar a importância da atuação docente na educação inclusiva,

conforme nos fala Rodrigues (apud FERREIRA, 2006, p. 11): “[...] o professor com todo o

conjunto de competências e experiências que tem é certamente o principal recurso em que a

Educação Inclusiva se pode apoiar”. Por sua vez, os professores que nunca haviam trabalhado

com alunos com deficiência justificavam não aceitá-los em suas salas de aula, devido a não

saber trabalhar com eles.

E a questão é: se não sabem, vamos encarar esta situação de modo a que

aprendam, dado que esta falta de competência dos formadores poderá criar

graves problemas para o sucesso dos alunos. Não podemos encarar os

formadores como “completos”, mas como profissionais em aprendizagem

(RODRIGUES, 2008, p. 11).

Outra coisa é considerar tais justificativas plausíveis, dadas as especificidades dos

alunos, as diferentes manifestações e adequações requeridas para o desenvolvimento do

ensino-aprendizagem, bem como as competências que devem ser desenvolvidas pelo

professor, conforme poderemos ver no seguinte trecho:

[...] as competências que se esperam que o professor domine se revelam cada

vez mais complexas e diversificadas. Espera-se que o professor seja

competente num largo espectro de domínios que vão desde o conhecimento

científico do que ensina a sua aplicação psicopedagógica, bem como em

metodologias de ensino, de animação de grupos, atenção à diversidade etc.

Isto sem considerar as grandes expectativas que existem sobre o que o

professor deve promover no âmbito educacional mais geral, tal como a

educação para a cidadania, educação cívica, sexual, comunitária entre outras.

Alguns autores têm, por isso, denominado a missão do professor na escola

contemporânea como uma “missão impossível” (BEN-PERETZ, 2001 apud

RODRIGUES, 2008, p. 8).

Medidas por parte dos sistemas de ensino, no que diz respeito à formação inicial e

continuada dos professores, movimentariam iniciativas valiosas com impactos na prática

pedagógica e na vida escolar dos alunos, contemplando aquisição de conhecimentos quanto à

adequação nos currículos, à pesquisa e à adoção de práticas pedagógicas valiosas para o

sucesso do aluno em seu processo de ensino e de aprendizagem.

Para atuar na educação especial, o professor deve ter como base da sua

formação, inicial e continuada, conhecimentos gerais para o exercício da

docência e conhecimentos específicos da área. Essa formação possibilita a

sua atuação no atendimento educacional especializado, aprofunda o caráter

24

interativo e interdisciplinar da atuação nas salas de aula comuns do ensino

regular, nas salas de recursos, nos centros de atendimento educacional

especializado, nos núcleos de acessibilidade das instituições de ensino

superior, nas classes hospitalares e nos ambientes domiciliares, para a oferta

dos serviços e recursos de educação especial (BRASIL, 2008, p. 17).

A formação inicial e continuada dos professores passa a constar como exigência nas

normativas dos sistemas de ensino e, ao mesmo tempo, os cursos de educação superior sofrem

modificações em suas propostas pedagógicas com o compromisso de implementar o que foi

instituído na Resolução CNE/CP n. 1/2001. No entendimento de pesquisadores que estudam o

assunto,

O papel do professor mudou: de um transmissor de informação, ele passou a

ser um facilitador do processo de aquisição de conhecimento. Este

procedimento implica que para que a informação se transforme em

conhecimento precisa ser contextualizada, refletida e, muitas vezes,

completada. Esta é uma nova competência do professor e da escola

(RODRIGUES, 2008, p. 9).

A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva

(2008a) foi oficializada por meio de Decretos e Resoluções posteriores a sua implantação. Em

2009, foi publicada a Resolução n. 4 do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação

Básica, de 3 de outubro de 2009, que instituiu as diretrizes para operacionalização do

atendimento educacional especializado. Entre outras orientações, foram apontados para a

oferta desse atendimento, as salas de recursos multifuncionais ou os centros de atendimento

educacional especializado, e, ainda, outras providênciasara organização e regularização da

oferta desse atendimento nos sistemas de ensino, conforme legislação específica.

O Decreto n. 7611, de 17 de novembro de 2011, também veio compor a coletânea de

documentos normativos, reafirmando a dupla matrícula do aluno com deficiência como um

direito, o que garante, concomitantemente, a educação escolar e o atendimento educacional

especializado, embora em turnos diversos.

Vive-se, ainda, no País, o processo para a adequação às normas educacionais,

respectivamente, pelas unidades e pelos serviços oferecidos. Além de outros documentos

normativos e orientativos, encontra-se em vigência, o Plano Nacional de Educação

(2014/2024), Lei n. 13.005, aprovado em 25 de junho de 2014. A educação especial encontra-

se contemplada na Meta 4 desse documento, com desdobramento nas respectivas estratégias,

sendo destacada a educação escolar e o atendimento educacional especializado das pessoas

com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação,

25

preferencialmente na rede regular de ensino, podendo ser ofertados nas escolas comuns,

escolas especiais, salas de recursos multifuncionais e demais centros especializados.

Dessa forma, a modalidade educação especial deverá organizar-se nos estados e

municípios, consoante as normas próprias de cada Sistema de Ensino nas diferentes esferas

administrativas. Daí a importância dos órgãos executores da política pública da educação e

dos que atuam com caráter normativo e consultivo, os Conselhos de Educação, de cada

sistema de ensino, nas diferentes esferas, comprometerem-se com ações que garantam o

fortalecimento e implementação da educação especial, para que os alunos com deficiência,

transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades ou superdotação efetivem o acesso,

permanência e percurso escolar com sucesso.

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27

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