Modernidade, identidade e reflexividade em Anthony Giddens e Zygmunt Bauman: notas introdutórias
EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO AO LONGO DA VIDA: ANÁLISE … · 4.3. O modelo andragógico da...
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ANA LUISA DE OLIVEIRA PIRES
EDUCAO E FORMAO AO LONGO DA VIDA: ANLISECRTICA DOS SISTEMAS E DISPOSITIVOS DE
RECONHECIMENTO E VALIDAO DE APRENDIZAGENSE DE COMPETNCIAS
Dissertao apresentada para obteno do Grau de Doutor em Cincias daEducao, pela Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Cincias eTecnologia
Lisboa2002
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
I
Este trabalho de investigao foi apoiado financeiramente peloPrograma Praxis XXI, Fundao para a Cincia e Tecnologia,
Ministrio da Cincia e Tecnologia (ref. PRAXIS XXI/BD/13332/97)
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
II
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
III
Aos meus avs, Lusa e Joo Rebelo, que no me puderam acompanhar
at ao final deste percurso. Para Sempre.
Aos meus pais, Maria de Lourdes e Joo Antnio de Oliveira Pires, que me apoiaram e
deram a confiana necessria para avanar para esta aventura incerta.
Ao Mrio Forjaz Secca, ao Pedro e Ins. A ns.
Por tudo, com todo o meu amor.
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
IV
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
V
Agradeo Professora Doutora Teresa Ambrsio, minha orientadora, cujo estmulo e desafio
no sentido da abertura a novas perspectivas e abordagens, de questionamento, interpelao
permanente e de reflexividade, foram decisivos para a realizao deste trabalho de
investigao.
A todos os colegas e companheiros de percurso das Cincias e Teconologias da Educao e
da Formao e da Unidade de Investigao Educao e Desenvolvimento da FCT/UNL, pelo
carinho e pelo incentivo com que sempre me tm acompanhado.
s instituies e pessoas que disponibilizaram informao pertinente para a realizao do
trabalho emprico fica tambm o meu agradecimento.
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Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
VII
SUMRIO
Este trabalho de investigao, desenvolvido no domnio da Educao/Formao de Adultos,
centra-se no estudo dos Sistemas e Dispositivos de Reconhecimento e Validao de
Aprendizagens e de Competncias adquiridas pelos adultos em contextos no-formais e
informais, ao longo das suas trajectrias pessoais, sociais e profissionais.
O objectivo contribuir para o aprofundamento da compreenso de uma problemtica
inovadora o reconhecimento e a validao , principalmente na perspectiva da Educao e
Formao ao Longo da Vida.
Considerando que esta problemtica se situa na interface entre o sistema educativo, o mundo
do trabalho e a sociedade em geral, o quadro terico de referncia foi construdo a partir de
uma abordagem multidisciplinar, de forma a fornecer um quadro compreensivo que pudesse
abarcar a complexidade dos fenmenos em questo, na perspectiva da investigao educativa.
O estudo emprico foi desenvolvido atravs de uma anlise comparativa realizada a nvel
internacional, com a finalidade de identificar e caracterizar os sistemas e dispositivos j
implementados ou em vias de implementao num conjunto significativo de pases.
A partir deste estudo realizmos uma anlise crtica dos sistemas e dispositivos de
reconhecimento e validao, luz do referencial terico construdo sobre os processos de
aprendizagem de adultos e de desenvolvimento de competncias, procurando evidenciar as
tenses e paradoxos existentes.
Como concluso, verificamos a existncia de vrios discursos tericos e prticos sobre os
actuais sistemas e dispositivos estudados, que nem sempre so convergentes com o referencial
terico de suporte das Cincias da Educao. Procuramos, assim, desocultar esta no
convergncia e apresentar pistas de dilogo interdisciplinar, num contexto de Educao e
Formao ao Longo da Vida.
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
VIII
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
IX
ABSTRACT
This research, developed in the area of Adult Learning, is focused on the study of the systems
of Recognition and Accreditation of Prior Learning, acquired by adults in non-formal and
informal contexts, throughout their personal, social and professional trajectories.
The objective is to contribute to the deepening of the understanding of a innovative domain of
problems recognition and accreditation mainly in the perspective of Life Long Learning.
Considering that the problem lies on the interface betweeen the educational system, the work
environment and society in general, the theoretical framework was constructed from a
multidisciplinary approach, in order to provide a comprehensive picture that could encompass
the complexity of the phenomena involved, from a educational research perspective.
The empirical study was developed using a comparative analysis performed at an
international level, with the aim of identifying and characterizing the Recognition and
Accreditation of Prior Learning systems, based on a theoretical framework built upon the
processes of adult learning and development of competences, trying to highlight the existing
tensions and paradoxes.
As a conclusion, we confirm the existence of several theoretical and practical discourses
about the studied systems, which are not always convergent with the supporting theorectical
framework of the Educational Sciences.
We try in this way to uncover this non-convergence and to present paths of interdisciplinary
dialogue, in the context of Life Long Learning.
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
X
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
XI
Indice de Matrias
INTRODUO GERAL 1
PARTE I A APRENDIZAGEM AO LONGO DA VIDA 15
Captulo 1 Contexto
. Introduo 17
1.1. Os desafios da Sociedade do Conhecimento e da Informao 18
1.2. A Economia do Conhecimento e a produo dos saberes nas organizaes 24
1.3. A evoluo do mundo do trabalho e das organizaes 31
1.3.1.A evoluo das formas de organizao do trabalho 34
1.3.2. O novo paradigma das organizaes 36
1.3.3. A flexibilidade organizacional 38
1.3.4. Estratgias de modernizao nas empresas 39
1.3.5. Consequncias ao nvel da formao de recursos humanos 42
. Concluso 46
Captulo 2 A Educao/ Formao de Adultos luz do paradigma
da Aprendizagem ao Longo da Vida
. Introduo 49
2.1. Linhas europeias de orientao para a Educao/Formao 50
.Livro Branco da Educao e Formao 50
.Memorando da Aprendizagem ao Longo da Vida 54
.Os Futuros Objectivos Concretos dos Sistemas Educativos 59
.Tornar o Espao Europeu de Aprendizagem ao Longo da Vida uma realidade 62
2.2. Anlise crtica do discurso poltico 65
2.3. Distintos enfoques sobre a Sociedade da Aprendizagem ao Longo da Vida 72
2.4. As tendncias da Aprendizagem ao Longo da Vida 74
. Concluso 78
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XII
Captulo 3 Problemtica do estudo, caminho heurstico de investigao
e metodologia geral
. Introduo 81
3.1. A problemtica do reconhecimento e da validao das aprendizagens
experienciais dos adultos relevncia e pertinncia do estudo 82
3.2 . Quadro geral de investigao 85
. Objectivos do estudo 85
. Pressupostos tericos de investigao 86
. Hipteses de partida para o trabalho de investigao 87
3.3. Caminho heurstico de investigao 89
3.4. Metodologia geral de investigao 96
. Construo do quadro terico de referncia 97
. Metodologia do trabalho emprico 99
. Limites e dificuldades 107
Parte II APRENDIZAGEM DE ADULTOS: PRINCIPAIS TEORIAS
E ABORDAGENS
Captulo 4 Quadros conceptuais dos processos de Aprendizagem de Adultos
. Introduo 113
4.1. A filosofia da educao progressista 115
4.2. A abordagem humanista da aprendizagem centrada no sujeito 120
4.3. O modelo andraggico da aprendizagem dos adultos 125
4.4. A conscientizao 130
4.5. A reflexividade e a perspectiva individual de sentido 134
. Concluso 143
Captulo 5 A Aprendizagem Experiencial: origens e conceitos
.Introduo 147
5.1. O conceito de experincia 147
5.2. O papel da experincia na aprendizagem dos adultos 155
5.3. Aprendizagem Experiencial / Formao Experiencial 166
5.4. Aprendizagem Experiencial e Educao Informal / Experiencial 174
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
XIII
5.5. As quatro Villages da Aprendizagem Experiencial: um modelo de sistematizao
das diferentes abordagens 177
. Concluso 185
Captulo 6 A Aprendizagem em Contexto de Trabalho
. Introduo 189
6.1. A Aprendizagem Organizacional 191
6.2. As Organizaes Qualificantes 198
6.3. Condies e factores de aprendizagem nas organizaes 206
6.4. A Aprendizagem Experiencial e o contexto de trabalho 211
. Concluso 218
Parte III ABORDAGEM MULTIDISCIPLINAR DO CONCEITO
DE COMPETNCIA E DO SEU DESENVOLVIMENTO
Captulo 7 Contributos para a compreenso do(s) conceito(s) de Competncia
. Introduo 225
7.1. Quadro multidisciplinar compreensivo do conceito de competncia 226
7.1.1. Contributo da Lingustica 228
7.1.2 Contributo da Psicologia 230
7.1.3 Contributo da Ergonomia 236
7.1.4 Contributo das Cincias da Educao/Formao 239
7.1.5 Contributo da Sociologia do Trabalho 243
7.1.6 Contributo da Gesto de Recursos Humanos 247
7.2. Competncia: um conceito multireferenciado 252
7.2.1. Uma abordagem sistmica de competncia 254
7.2.2. A dimenso individual e colectiva das competncias 259
7.2.3. A competncia como uma construo social 261
7.2.4. Os saberes integrativos da competncia 262
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XIV
7.3. O desenvolvimento de competncias 266
7.3.1. A construo e o desenvolvimento de competncias: a articulao entre
vrios contextos e o percurso existencial do sujeito 267
7.3.2. A tipologia do desenvolvimento de competncias de Wittorski 271
. Concluso 277
Captulo 8 Modelos de educao/formao baseados em competncias
. Introduo 281
8.1 . As origens do(s) modelo(s) da educao/formaco baseado(s) em competncias 281
8.2. A abordagem da educao baseada em competncias na actualidade 284
8.3 A educao/formao baseada em competncias no Reino Unido 285
8.4. A educao/formao baseada em competncias em Frana 296
8.5. A educao/formao baseada em competncias na Austrlia 301
8.6. A educao/formao baseada em competncias no Qubec 311
8.7. Uma abordagem holstica sobre o desenvolvimento de competncias 320
. Concluso 322
Parte IV ESTUDO EMPRICO DOS SISTEMAS E DISPOSITIVOS
DE RECONHECIMENTO E VALIDAO
Captulo 9 Reconhecimento e validao das aprendizagens e das
competncias Quadros empricos e de aco
. Introduo 327
9.1. A emergncia de novas prticas educativas 327
9.2. Clarificao dos conceitos utilizados 331
9.3. A avaliao das aprendizagens e das competncias 337
9.4. Os paradigmas da avaliao 349
9.5. A implementao dos sistemas de reconhecimento e validao 353
9.5.1. As lgicas dos sistemas de reconhecimento e validao 355
9.5.2. Os princpios de base 356
9.5.3. As condies necessrias 358
9.6. Os paradoxos do reconhecimento e validao 362
. Concluso 368
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
XV
Captulo 10 Estudo emprico dos sistemas e dispositivos de reconhecimento
e de validao
. Introduo 371
1. Canad (Qubec) 374
2. Frana 397
3. Reino Unido 421
4. Irlanda 437
5. Austrlia 446
6. Finlndia 453
7. Espanha 458
8. Alemanha 461
9. Portugal 465
10. Noruega 492
11. Blgica 497
12. Itlia 499
. Concluso 500
Parte V CONTRIBUTO PARA UMA ANLISE CRTICA DOS SISTEMAS
DE RECONHECIMENTO E VALIDAO
Captulo 11 Contributo para a anlise crtica dos sistemas e dispositivos
de reconhecimento e validao 505
Captulo 12 Concluses Gerais 555
Bibliografia Geral 581
Anexo 1 Listagem de Actores 611
Anexo 2 Documentao de suporte ao Trabalho Emprico 613
ndice de Autores 625
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
XVI
ndice de Figuras:
Figura 1 Ciclo de Kolb 156
ndice de Quadros:
Quadro 1 Estratgias de modernizao 40
Quadro 2 Flexibilizao da organizao do trabalho / qualificaes 42
Quadro 3 Mudana, Educao e Formao 75
Quadro 4 Saberes, funes formas de aquisio e de manifestao 265
Quadro 5 Tipologia dos processos de desenvolvimento de competncias 274
Quadro 6 Abordagens do conceito de competncia 321
Quadro 7 Abordagens de avaliao de competncias 346
Quadro 8 Paradigmas da avaliao 352
Quadro 9 Designaes dos Sistemas e Dispositivos 499
Quadro10 Entidades Responsveis 500
Quadro 11 Objectivos 501
Quadro 12 Pblico-Alvo 503
Quadro 13 Metodologias 504
Quadro 14 Referenciais 505
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
XVII
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
1
Introduo Geral
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
2
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
3
1. Da dinmica do percurso pessoal (de educao, formao, aprendizagem) ao objecto
da investigao
Todo o conhecimento autobiogrfico, numa perspectiva fenomenolgica, na medida em que
assimilado, integrado, construdo a partir das caractersticas e das situaes de vida que
constituem o percurso do investigador1. Qualquer trabalho de investigao tem que ser
entendido luz de uma dupla contextualizao: a partir de uma realidade de ordem subjectiva,
do posicionamento do sujeito-autor-investigador (experincia adquirida, percurso
desenvolvido, motivaes, interesses, projectos, etc.) e a partir de um contexto histrico,
social, cultural onde este se insere2. Desta forma, procuro explicitar as razes, que, de um
ponto de vista pessoal e profissional, me levaram a realizar este trabalho de investigao.
As questes articuladas com a formao, a aprendizagem e o desenvolvimento dos adultos
tm assumido sempre um lugar de destaque ao longo do meu percurso pessoal e profissional.
As opes que fui tendo a oportunidade de fazer ao longo da minha trajectria de vida foram-
me sempre alargando o horizonte de escolhas, abrindo-me a porta para novos caminhos. A
razo dessas opes e o motivo dessa procura, so mais profundos, na medida em que se
prendem com a minha forma pessoal de viver e de compreender a vida.
A formao de base em Psicologia, na rea Clnica, proporcionou-me uma formao
extraordinariamente enriquecedora (na perspectiva pessoal, social e profissional) e os
alicerces que me possibilitaram a compreenso dos aspectos relativos ao desenvolvimento
humano, educao, formao e aprendizagem. A semente ficou lanada e o terreno em que
iniciei a minha prtica profissional Formao de Formadores3 foi suficientemente frtil
para me permitir experienciar, construir novos saberes, levantar interrogaes, confrontar com
paradoxos e para reforar a minha necessidade de aprendizagem ao longo da vida. E,
1 No domnio das cincias sociais, tanto o sujeito como o objecto da investigao so simultaneamenteintrpretes, pesquisadores de sentido, e produtores de sentido, sendo impossvel separar o investigador doobjecto de investigao. Sujeito e objecto, as pessoas e o mundo, so co-constitudas e constituem-semutuamente (Usher et al, 1997:181).A perspectiva fenomenolgica entende que a intersubjectividade e a objectividade se encontram interligadas, quesujeito e objecto fazem parte de um contnuum, permitindo ultrapassar o dualismo cartesiano (Kazanjian, 1998).A considerao da existncia de uma continuidade entre sujeito-objecto permite superar as barreiras impostaspela tradicional dicotomia e descontinuidade entre sujeito e objecto.2 Referenciando-nos em Sousa Santos (1991), todo o conhecimento auto-conhecimento. O autor defende aimportncia das trajectrias de vida (ao nvel pessoal e colectivo) que do sentido investigao e ao trabalhocientfico. No paradigma emergente, o carcter auto-biogrfico e auto-referencivel da cincia plenamenteassumido (op.cit.: 53).3 No Centro Nacional de Formao de Formadores do Instituto do Emprego e Formao Profissional, em 1987.
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
4
principalmente, para confirmar a pertinncia e a relevncia do trabalho desenvolvido na rea
da formao de adultos.
O trabalho desenvolvido na Formao de Formadores veio consolidar uma postura
interrogativa e de confronto entre as prticas desenvolvidas e a reflexo, sempre que possvel
enquadrada teoricamente, bem como a constatao da necessidade de desenvolver estudos
cientficos que pudessem contribuir para o aprofundamento das problemticas que emergem
no domnio da educao e formao de adultos. Sempre senti como prementes as questes
relativas ao confronto, por um lado, e interdependncia dinmica existentes entre a teoria e a
prtica. A reflexo sobre a experincia, a sua articulao com um referencial terico que lhe
desse sentido, as interrogaes e avanos resultantes desta dinmica formativa constituiram
um motor desencadeador de um percurso investigativo, de questionamento e de tomada de
conscincia da necessidade de uma reflexo mais aprofundada sobre os fenmenos relativos
educao e formao de adultos.
A experincia desenvolvida no campo da formao de adultos foi significativamente
produtora de conhecimentos, por um lado, e de interpelaes, por outro, o que me levou a
sentir a necessidade de aquisio de novas referncias, novos quadros conceptuais, que de
alguma forma permitissem dar pistas de resposta s interrogaes ento em emergncia. Este
foi o motor desencadeador de um percurso formal de investigao, que se iniciou com o
mestrado em Cincias da Educao Educao e Desenvolvimento, realizado na FCT/UNL.
Neste mbito, desenvolvi um trabalho de investigao subordinado ao tema
Desenvolvimento Pessoal e Profissional Estudo dos Processos e Contextos de Formao
das novas Competncias Profissionais, sob a orientao da Prof. Doutora Teresa Ambrsio,
centrado na problemticas das competncias (no tcnicas) consideradas fundamentais para o
desenvolvimento pessoal e profissional e nos seus processos de aquisio e de
desenvolvimento, a partir de uma abordagem suportada no contributo de diferentes campos
disciplinares. Este trabalho, muito gratificante, para alm de contribuir para a construo de
novas perspectivas de sentido, proporcionou-me a tomada de conscincia da complexidade
dos fenmenos educativos e reforou o desejo de continuar a desenvolver a investigao no
domnio da educao/formao de adultos.
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
5
Com a concluso do mestrado, em 1995, e aps uma breve passagem pela Formao de
Formadores (IEFP), continuei o meu percurso profissional no INOFOR4, no mbito do
projecto de investigao Evoluo das Qualificaes e Diagnstico de Necessidades de
Formao em que a problemtica das competncias se constituiu como um dos eixos
centrais da investigao5. Novas questes emergentes vieram enriquecer a minha reflexo
sobre a problemtica da educao e formao de adultos e fazer amadurecer a vontade de
prosseguir o percurso de investigao anteriormente iniciado com o mestrado.
Na medida em que reconheo a relevncia do contributo formativo proporcionado pelos
vrios contextos que marcaram o meu percurso pessoal e profissional e tendo conscincia de
que para tal contribuiram tanto aprendizagens formais como no-formais e informais, e
principalmente porque, do ponto de vista cientfico, tenho vindo a acompanhar a emergncia
de uma nova problemtica no domnio da educao e formao de adultos articulada com as
questes do reconhecimento e validao destas aprendizagens, decidi, no momento em que as
condies me foram favorveis6, aprofundar esta nova problemtica atravs da realizao da
presente investigao.
A finalidade deste trabalho de investigao contribuir para a compreenso de um novo
fenmeno emergente no domnio educativo: o reconhecimento e a validao das
aprendizagens7 que os adultos realizam ao longo das suas trajectrias de vida, margem dos
contextos formais de educao e formao. Temos vindo a assistir, principalmente a partir dos
anos oitenta, implementao de sistemas e de dispositivos (tal como so designados nos
diferentes pases) com esta finalidade, no mbito educativo. A introduo destes sistemas e
dispositivos parece ocorrer em articulao com um conjunto de mudanas ao nvel dos
sistemas de educao/formao, levando-nos a questionar se se tratar apenas de uma
mudana tcnico-organizativa ou se se traduzir numa mudana mais profunda, a nvel das
concepes educativas, na medida em que esta problemtica vem confrontar os sistemas de
educao/formao com novos desafios, interpelando e sendo simultaneamente interpelada
4 INOFOR Instituto para a Inovao na Formao, nesta fase inicial (Abril/Maio 1995) ainda designado deComisso para Inovao na Formao.5 Pela natureza de um dos objectivos do estudo, que consistiu na construo de um referencial de perfisprofissionais baseados em competncias, e pela problematizao dos contributos dos sistema deeducao/formao e do mundo do trabalho na construo, desenvolvimento e gesto das competncias.6 Nomeadamente pelo apoio concedido pelo Ministrio da Cincia e Tecnologia, atravs de uma bolsa dedoutoramento ao abrigo do programa Praxis XXI (1998/2001).7 Utilizamos aqui o termo genrico de aprendizagem; no entanto, as designaes adoptadas pelos diferentessistemas e dispositivos estudados so: learning, em lngua inglesa, acquis, em lngua francesa, ecompetncias, em portugus. O ttulo deste trabalho procura traduzir, de uma forma mais prxima da realidadeestudada, o objecto dos sistemas e dispositivos estudados.
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
6
por um novo paradigma educativo8. Assim, o objecto do estudo centra-se nos sistemas e
dispositivos que tm vindo a ser recentemente implementados por um conjunto de pases, com
vista ao reconhecimento de aprendizagens e de competncias adquiridas pelos adultos em
contextos no-formais e informais, no mbito de um paradigma de Educao e Formao ao
Longo da Vida.
2. Educao, Formao, Aprendizagem ao Longo da Vida
As referncias aos conceitos de Educao ao Longo da Vida, Formao ao Longo da Vida,
Aprendizagem ao Longo da Vida, nas fontes bibliogrficas consultadas, nem sempre
aparecem suficientemente clarificadas. A necessidade de aprofundar o seu significado
implicou uma pesquisa, cujo resultado evidenciou, relativamente a educao, formao e
aprendizagem, uma multiplicidade de significaes, de abordagens e de concepes
subjacentes9. Para alm destes conceitos serem entendidos sob diferentes perspectivas, de
acordo com o campo disciplinar em que so analisados e com as abordagens tericas que os
suportam, tambm o facto de serem utilizados em diferentes domnios e a partir de linguagens
distintas cientfica, tcnica, poltica , dificulta a sua clarificao. A dificuldade aumenta,
se considerarmos que tanto em lngua inglesa como francesa se revestem de significados
conceptuais diferentes; a sua traduo, em diferentes lnguas, no possui as mesmas
representaes.
8 Utilizamos o conceito de paradigma para nos referirmos ao conjunto de ideias, princpios, conceitos, e teorias,que, num dado momento, partilhado por uma determinada comunidade cientfica.9 Josso (1991-b) analisa o conceito de formao atravs de diferentes perspectivas disciplinares sociologia,psicologia social, antropologia, psicologia, cincias da educao. Segundo a autora, a sociologia e a psicologiasocial entendem a educao como processo de socializao, evidenciando a funo socializadora da educao; asociologia, aborda a educao enquanto interiorizao da realidade socialmente construda, que fornece aoindivduo um conjunto de comportamentos e de significados; a psicologia social, atravs de uma abordagemsobre a interao social, compreende a socializao atravs das relaes interpessoais e intergrupais. Aantropologia pe o enfoque na enculturao, o processo atravs do qual o indivduo adquire a cultura dogrupo, da classe, ou segmento social; como se desenvolve a aquisio de modelos de comportamento, alinguagem, os costumes, etc.Para Josso, a psicologia entende a formao como aprendizagem das condutas, constituio e articulao dasinstncias psiqucas, construo da pessoa e actualizao das suas potencialidades. O contributo deste domniodisciplinar para a compreenso do conceito de formao (principalmente a partir do trabalho de Piaget,Delpierre, Jung e Rogers, que representam correntes diferenciadas) reside, para a autora, na considerao da suadimenso dinmica, de abertura e criatividade; a capacidade criadora do anthropos como fonte deautonomizao; as possibilidades do ser en devenir, e a liberdade fundada na responsabilidade no seu futuro.No mbito das Cincias da Educao, Christine Josso identifica diferentes leituras do conceito de formao, deacordo com abordagens diferenciadas: enquanto aprendizagem de competncias e de conhecimentos (Not,Debesse, Mialaret, Besnard e Lietard, Palmade, Berbaum); como processo de mudana (Bateson, Nuttin); ecomo projecto, produtor da sua vida e de sentido (Freire, Rogers, Honor, Dominic e Pineau) (id.).
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
7
Se, por um lado, a acepo geral de educao tanto se pode referir aco educativa, ao
processo organizado por instncias exteriores pessoa, no sentido do desenvolvimento das
suas capacidades, potencialidades, conhecimentos, atitudes, etc., dizendo quase sempre
respeito ao ser humano enquanto criana ou jovem10, pode, por outro lado, ser entendida de
uma forma mais abrangente, no se limitando s instncias externas, ao perodo inicial da vida
do ser humano, nem aos contextos formais onde tradicionalmente se realiza11.
Enquanto aco educativa, exercida pela sociedade e pelas instncias educativas, a
separao tradicional entre os domnios da educao e da formao (conceito inicialmente
circunscrito ao domnio profissional) tambm se torna cada vez mais difcil, na medida em
que, tanto na perspectiva das instituies, como nas finalidades, objectivos e funes
preconizados, como da natureza e dos contedos do processo, as fronteiras tradicionais se
vo esbatendo.
Por outro lado, se entendermos a educao e a formao na perspectiva de processos, no se
podem nunca reduzir aco desenvolvida pelas instncias exteriores pessoa, pois dizem
respeito ao processo pessoal de aprendizagem, intrinsecamente articulado com as dinmicas
de desenvolvimento da pessoa. So os processos de aprendizagem que se encontram na base
do que nos torna humanos. A concepo de aprendizagem veiculada pela escola ao longo do
tempo, que tem dominado as prticas educativas em diferentes nveis e tipos de ensino bem
como as prticas de formao, assenta na ideia de que a aprendizagem resulta da assimilao
de informaes que so transmitidas (Bourassa et al, 1998). No entanto, diversos so os
autores que defendem que a aprendizagem no se resume mera aquisio de informaes, de
conhecimentos, de comportamentos e atitudes, a concepo mais largamente difundida. As
diferentes tradies (correntes e abordagens) que influenciaram a psicologia da aprendizagem
domnio disciplinar que mais tem contribudo para a compreenso do conceito de
10 Na Grande Enciclopdia Portuguesa e Brasileira, a educao entendida como Aco ou efeito de educar, deformar uma criana, uma pessoa, de desenvolver as suas faculdades fsicas, morais, intelectuais. Constituem aeducao todos os processos conscientemente adoptados por uma dada sociedade para realizar nos indivduos osideais que so aprovados pelo agregado social a que eles pertencem () Educar desenvolver as faculdadesfsicas, intelectuais, morais; criar; ministrar educao, Domar, ensinar, adestrar.No Dictionaire encyclopdique de lducation et de la Formation (1998), a educao entendida como oconjunto das aces e das influncias exercidas voluntariamente por um ser humano sobre outro ser humano, emprincpio por um adulto sobre um jovem, e orientada para um fim, que consiste na formao das disposies detoda a espcie do ser jovem ().11 Destacamos o contributo significativo do movimento da Educao Permanente, no incio dos anos setenta. AEducao Permanente enquanto princpio reorganizador de todo o processo educativo tinha como refernciacentral a emergncia da pessoa como sujeito de formao, e partiu dos seguintes pressupostos-chave:continuidade, diversidade e globalidade do processo educativo, enfatizando a dimenso cvica da educao(Canrio, 1999). O conceito de Educao Informal (Pain, 1990), e a Teoria Tripolar da Formao (Pineau, 1989,1991), mais recentes, constituem contributos incontornveis para a compreenso dos processos deeducao/formao para alm da viso institucionalizada.
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aprendizagem e que podem ser entendidas luz da relao entre a pessoa e o meio social,
segundo a nfase atribuda s influncias internas ou externas (Tennant, 1997)12, veiculam
distintas concepes de aprendizagem.
A aprendizagem e o desenvolvimento dos adultos so conceitos dinmicos e aparecem
actualmente estreitamente interligados: o desenvolvimento comanda as aprendizagens e as
aprendizagens intervm no desenvolvimento (Danis e Solar, 1998). No campo da educao de
adultos, nos ltimos vinte anos, tm emergido novas concepes sobre a aprendizagem dos
adultos numa perspectiva desenvolvimental, visando aprofundar a dinmica dos processos de
aprendizagem. Diversos autores tm vindo a reforar a pertinncia da relao entre o
desenvolvimento global do adulto e os aspectos afectivos, scio-afectivos, fsicos,
intelectuais, sociais, profissionais, criativos, morais, etc., que se encontram interligados com a
evoluo do pensamento, da afectividade e da aco do adulto ao longo da sua vida (Danis e
Solar, 1998)13.
Esta concepo de aprendizagem parece-nos encontrar-se em consonncia com um conceito
de formao (Josso, 2000, Couceiro, 2000, 1992, Honor, 1992, Dominic, 1990, Pineau,
1991, entre outros) em que se valoriza a dimenso de processo, a dimenso da dinmica do
sujeito, a dimenso temporal ao longo da vida, a dimenso de construo de si prprio (a
construo da pessoa).
Como tambm constata Couceiro (2000), a distino entre os conceitos de educao de
adultos e de formao de adultos no clara. O conceito de formao pode ser entendido sob 12 . As teorias que enfatizam o primado da pessoa explicam a aprendizagem e o desenvolvimento a partir deprocessos internos (integridade ou dinmica autnoma, independentemente da influncia do meio social); nombito destas teorias referenciam-se as que focalizam o desenvolvimento emocional psicologia humanista(Rogers e Maslow), teorias psicodinmicas (Freud) e seus desenvolvimentos posteriores; Merriam e Cafarella(1991) tm vindo a desenvolver a sua investigao sobre a aprendizagem dos adultos a partir dos contributosdecorrentes destas perspectivas. Estas teorias prope um modelo para a compreenso do funcionamento dapessoa em termos de personalidade adulta, autnoma e independente;. As teorias que se focalizam nos processos de construo de conhecimentos e de aquisio de capacidadescognitivas, centrando-se nos processos que ao longo do desenvolvimento contribuem para a compreenso domundo (desenvolvimento cognitivo Piaget, desenvolvimento moral Kohlberg).. As teorias que privilegiam o meio social, entendem a aprendizagem e o desenvolvimento como resultantes deforas externas pessoa, que entendida a partir de uma posio dependente, e produto da influncia social: asabordagens que postulam a existncia de uma relao mecanicista entre as influncias sociais (recompensas esanes) e o comportamento da pessoa; o behaviourismo (Skinner); as que atribuem um papel mais activo pessoa na relao dialctica entre a pessoa-sociedade; a aprendizagem e o desenvolvimento so entendidos comodecorrentes de uma interaco permanente entre a pessoa e o meio social, e so ambos elementos activos nesteprocesso dialctico; na educao de adultos destacam-se Freire, Brookfield, e Mezirow, que valorizam o papeldos processos sociais na formao da identidade individual e que destacam a necessidade de resistir a formas deenculturao que consideram alienantes e opressivas.13 A aprendizagem entendida como um fenmeno evolutivo, no qual intervm interactivamente aspectoscognitivos e desenvolvimentais permite, para Danis e Solar, uma melhor compreenso da dinmica quesustm, no adulto, a integrao das aprendizagens realizadas bem como a evoluo pessoal que lhecorresponde (op.cit.: 17/18).
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
9
mltiplos pontos de vista e, na perspectiva das Cincias da Educao, este conceito tem no
s sido objecto de incidncias especficas e de objectivos dominantes ao longo do tempo,
como na poca actual permite a co-existncia de perspectivas e correntes vrias, em particular
no que se refere formao de adultos. (Couceiro, 2000: 11). Presentemente o campo actual
da formao de adultos pode ser caracterizado de acordo com trs eixos distintos: formao
como processo de aprendizagem de competncias e de conhecimentos tcnicos e simblicos,
formao como processo de mudana, formao como construo de si e de sentido (Josso,
2002).
A necessidade de se desenvolver uma nova abordagem da educao evidenciada por Honor
(in Josso, 1991-b): de um ensino orientado para preocupaes scio-econmicas e
adaptativas, para uma formao centrada no desenvolvimento pessoal, e na expresso das
potencialidades das pessoas, contribuindo simultaneamente para o desenvolvimento do meio.
Esta mudana tambm parece reflectir-se na literatura actual de lngua inglesa, que tem vindo
a evidenciar um deslizamento do enfoque da Educao de Adultos (Adult Education) para a
Aprendizagem de Adultos (Adult Learning). Esta mudana parece no se limitar a um
deslizamento terminolgico; procurmos compreender o seu significado com vista
clarificao dos conceitos utilizados neste trabalho.
Para Raggatt et al (1996) os conceitos de educao permanente, educao ao longo da vida e
educao recorrente que balizavam h trinta anos o campo da educao dos adultos
tinham em comum o facto de centrarem a sua ateno na educao, nos promotores e na
oferta; tambm entendiam que era principalmente o estado o responsvel pela criao de
instituies e pelo fornecimento de recursos para o desenvolvimento das polticas da educao
dos adultos. Actualmente, os autores constatam a utilizao de conceitos distintos,
nomeadamente aprendizagem ao longo da vida (Lifelong Learning) e sociedade da
aprendizagem (Learning Society).
A aprendizagem de adultos compreendida actualmente numa perspectiva mais globalizante,
integrando a dimenso sociocultural e no apenas psicolgica (Usher, Bryant e Johnston,
1997). um conceito que ultrapassa a aprendizagem realizada em contextos formais (balizada
por instituies, programas e objectivos pr-determinados); significa a aprendizagem em
sentido lato, que tanto pode ser realizada dentro como fora das instituies de
educao/formao que pode ocorrer em qualquer tempo ou momento da vida da pessoa. No
limitvel a tempos/espaos/finalidades especficos. Pode ter um carcter intencional ou
expontneo, sistemtico ou aleatrio. Nesta perspectiva, a educao (entendida como um
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
10
campo formalmente constitudo) no mais a detentora do monoplio da aprendizagem
(Usher, Bryant e Johnston, 1997).
O alargamento da perspectiva tradicional de educao e de formao para alm dos
espaos/tempos formais coincide com a atribuio de maior relevncia ao conceito de
aprendizagem ao longo da vida. A noo ao longo da vida significa um alargamento das
dimenses temporal e espacial14 da aprendizagem, da educao e da formao. O fenmeno
da aprendizagem ao longo da vida no um resultado da sociedade contemporanea, mas a sua
importncia cada vez mais valorizada num contexto sujeito a rpidas mudanas, incerteza
e imprevisibilidade15.
Na medida em que encontramos eixos de convergncia entre o conceito de Educao e
Formao ao Longo da Vida que, na nossa perspectiva, integra a noo de processo, de
dinmica pessoal, de alargamento a diversos tempos e contextos que no os
institucionalmente definidos pelas instncias educativas e que tm como finalidade o
desenvolvimento e a construo global da pessoa humana, nas suas mltiplas dimenses e o
conceito de Aprendizagem ao Longo da Vida tal como definido por Usher, Bryant e
Jonhston (1997) , situmo-nos perante um dilema desorientador: que conceito adoptar para
este trabalho de investigao? A escolha no foi simples nem fcil, mas teve que ser feita.
Decidimos utilizar o conceito portugus de Educao e Formao ao longo da Vida, que na
lngua francesa se traduz por Education et Formation tout au long de la vie, e que no
entanto na lngua inglesa se encontra mais prxima de Lifelong Learning, na acepo acima
apresentada. Na semntica portuguesa e francesa16, aprendizagem tem uma representao
mais redutora do que na inglesa. Como exemplo referimos a forma como este conceito
utilizado no Livro Branco da Educao e da Formao, rumo Sociedade Cognitiva;
Enseigner et Apprendre, vers la Societ Cognitive; Teaching and Learning, towards the
14 Segundo Santos Silva (1997) a ideia da formao ao longo da vida, num processo permanente deaprendizagem, significa que a formao nunca est terminada, que a aprendizagem co-extensiva da vida daspessoas, e da actividade dos grupos e das sociedades. (1997:155).15 Em lngua inglesa, o conceito de Lifelong Learning foi generalizado nos anos 70, tendo como significado asestruturas e estratgias organizacionais e didcticas que permitem que a aprendizagem ocorra desde a infnciaat idade adulta (P.J. Sutton in International Encyclopedia of Adult Education and Training, ed. By Tuijnman,1996: 27). No entanto, este conceito reaparece nos anos 90, enquanto conceito poltico e estratgico para odesenvolvimento dos pases industrializados (em situao de ajustamentos estruturais rpidos), em parte pelainfluncia da OCDE (ibid.).16 Como tambm constata Dominic, na introduo do livro de Mezirow recentemente traduzido para francs:os problemas ligados aprendizagem adulta encontram-se pouco trabalhados em lngua francesa, a no ser nasua verso cognitiva (in Mezirow, 2001: 10); para evidenciar mais uma vez a questo semntica, o ttulooriginal de Mezirow em ingls Transformative Dimensions of Adult Learning, e a sua traduo para francsresultou em Penser son exprience dvelopper lautoformation.
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
11
Learning Society. Neste contexto, a dimenso da aprendizagem que valorizada a
cognitiva, mas em ingls o seu significado muito mais abrangente, possuindo uma
representao mais alargada.
Optmos por manter a designao de Aprendizagem ao longo da Vida, na Parte I deste
estudo, nos ttulos e no texto que lhe d corpo, principalmente porque se trata de um conceito
de natureza poltica e com esta designao que aparece nas fontes consultadas. Tambm ao
longo do texto possvel encontrar este conceito em referncias cujo original de lngua
inglesa, ou quando aparece explicitado desta forma no documento original em outras lnguas
por uma questo de rigor terminolgico com as fontes consultadas. Desta forma, as
referncias a Educao e Formao ao Longo da Vida e a Aprendizagem ao Longo da
Vida , ao longo do trabalho de investigao, no traduzem uma falta de coerncia e de rigor
metodolgico, se tivermos em considerao as razes acima apresentadas.
Ao adoptarmos o conceito Educao e Formao ao Longo da Vida, temos subjacente a
nossa prpria viso do processo de desenvolvimento da pessoa, quer ao nvel da aquisio de
conhecimentos, de competncias e de capacidades para a vida pessoais, sociais,
profissionais, cvicos e ticos , que pressupe um processo de construo da pessoa e que
mobiliza uma multiciplicidade de dimenses (que no meramente cognitivas nem
comportamentais), de acordo com uma viso antropocntrica.
3. Estrutura geral do trabalho de investigao
Este trabalho encontra-se estruturado em quartro partes, sub-divididas em captulos, sub-
captulos e pontos. A lgica que presidiu sua organizao procurou conciliar a facilidade da
sua leitura, com a coerncia conceptual e metodolgica e a natureza dos contedos e temas
abordados e com o percurso investigativo realizado.
. Parte I Aprendizagem ao Longo da Vida
O objectivo desta 1 parte a construo do enquadramento geral da investigao. Sub-
dividida em trs captulos Captulo 1: Contexto; Captulo 2: A Educao/Formao de
Adultos luz do Paradigma da Aprendizagem ao Longo da Vida; Captulo 3: Problemtica do
Estudo, Caminho Heurstico de Investigao e Metodologia Geral.
Procuramos caracterizar o actual contexto, atravs da anlise de alguns eixos que traduzem a
complexidade e a interdependncia de factores econmicos, tecnolgicos e organizacionais e
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
12
que se articulam dinamicamente com o domnio da educao/formao de adultos,
nomeadamente na sua relao com a aprendizagem ao longo da vida. Analisamos, a partir do
contexto europeu, algumas das principais linhas de orientao para a educao/formao,
principalmente as que se articulam mais estreitamente com esta concepo de aprendizagem e
que tm vindo a ser evidenciadas pelo discurso poltico. Na medida em que co-existem
diferentes enfoques sobre o conceito de aprendizagem ao longo da vida, procuramos dar conta
das diferentes perspectivas e identificar algumas das tendncias de evoluo que emergem na
sociedade actual.
Apresentamos a problemtica de investigao o reconhecimento e validao das
aprendizagens dos adultos , a sua relevncia e pertinncia e construmos o quadro geral de
investigao os objectivos do estudo, os pressupostos tericos subjacentes as e questes de
partida da investigao. Procuramos explicitar o caminho heurstico realizado e a metodologia
geral que suportou a realizao deste trabalho.
. Parte II Construo do referencial terico sobre a Aprendizagem dos Adultos
Nesta parte do trabalho construmos o referencial terico que nos permite compreender os
processos de aprendizagem dos adultos e que enquadra um dos eixos da problemtica do
estudo. Estruturada em trs captulos Captulo 4: Quadros Conceptuais dos Processos de
Aprendizagem dos Adultos; Captulo 5: A aprendizagem Experiencial: origens e conceitos;
Captulo 6: A Aprendizagem em Contexto de Trabalho tem como finalidade a apresentao
do quadro conceptual e dos conceitos que fundamentam a perspectiva defendida sobre
aprendizagem de adultos e que se encontram directamente articulados com a problemtica do
reconhecimento e validao. Na medida em que estes processos inovadores se focalizam
sobre as aprendizagens e as competncias adquiridas pelos adultos noutros contextos que no
os formais e atravs de processos de aprendizagem que no os tradicionais, procurmos
compreender, do ponto de vista terico, quais so os fundamentos que suportam esta viso de
aprendizagem.
. Parte III Abordagem multidisciplinar do conceito de competncia e do seu
desenvolvimento
A terceira parte do trabalho, que tambm fornece elementos para o enquadramento terico da
investigao, procura contribuir para a compreenso do conceito de competncia a partir da
construo de um quadro multidisciplinar, considerando que este conceito emerge no
cruzamento de domnios disciplinares distintos dos quais privilegimos a Psicolingustica,
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
13
Psicologia, Ergonomia, Cincias da Educao/Formao, Sociologia do Trabalho e Gesto de
Recursos Humanos. Para alm da clarificao do conceito e das distintas abordagens que o
sustentam, nosso objectivo compreender como que, na perspectiva da educao/formao,
emergiram e se desenvolveram modelos educativos baseados em competncias, e a partir de
que concepes educativas se encontram fundamentados. Desta forma, organizmos esta parte
do estudo em torno dos seguintes captulos: Captulo 7: Contributos para a compreenso do(s)
conceito(s) de Competncia; Captulo 8: Modelos de Educao/Formao baseada em
competncias.
Parte IV Estudo Emprico dos sistemas e dispositivos de Reconhecimento e Validao
Esta parte do trabalho de investigao encontra-se estruturada em torno de dois captulos:
Captulo 9: Reconhecimento e Validao de Aprendizagens e de Competncias Quadros
Empricos e de Aco; e Captulo 10: Estudo comparativo dos sistemas e dispositivos de
reconhecimento e validao. A parte IV inicia-se com a anlise dos quadros empricos e de
aco que suportam as novas prticas de reconhecimento e de validao. A clarificao dos
termos e conceitos utilizados17 reconhecimento, validao, certificao , a enunciao dos
princpios e das condies que servem de suporte para a aco, parece-nos constituir uma
etapa essencial ao estudo dos sistemas e dispositivos em causa. Estes conceitos, emergentes
do terreno emprico e utilizados no mbito das prticas desenvolvidas, encontram-se
estreitamente articulados com o contexto especfico em que so desenvolvidos educativo,
social, cultural.
O trabalho emprico realizado, tendo como objectivo o estudo dos sistemas e dispositivos de
reconhecimento e de validao de aprendizagens e de competncias adquiridas pelos adultos
para alm dos contextos formais de educao/formao, delimita-se a um conjunto de pases
europeus e no s, como o Canad e a ustralia que implementaram (ou se encontram em
vias de implementao), estas novas prticas educativas, principalmente no mbito dos
sistemas de educao/formao, ou com eles articulados. Os sistemas e dispositivos estudados
so caracterizados a partir de um conjunto de dimenses de natureza tcnico-organizativa e
poltico-social , de forma a permitir uma leitura que faa evidenciar regularidades,
especificidades, ou algumas tendncias comuns. Os sistemas e dispositivos encontram-se
17 Considerando que os conceitos de validao (lngua francesa) e acreditao (lngua inglesa) dizem respeito mesma realidade, optamos por utilizar o termo de validao sempre que nos referimos a estes processos de umaforma global; no entanto, em referncias e citaes, e no estudo emprico, mantemos as designaesoriginalmente utilizadas em cada pas.
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
14
organizados por pases e a ordem com que so apresentados reflecte o critrio temporal da sua
emergncia e implementao.
Parte V Contributo para uma anlise crtica dos sistemas e dispositivos de
reconhecimento e validao
A ltima parte deste estudo integra um Captulo Conclusivo, em que procuramos contribuir
para a anlise crtica dos sistemas de reconhecimento e validao, partindo do trabalho
emprico realizado e de um conjunto de questes orientadoras emergentes luz da
investigao educativa. Procuramos analisar os sistemas e dispositivos de reconhecimento e
validao as suas finalidades, estrutura, lgicas, metodologias, referenciais de suporte, ,
com vista identificao das convergncias/divergncias, tendncias, paradoxos e tenses que
emergem desta nova problemtica. Pretendemos articular pressupostos e conceitos
decorrentes do quadro conceptual de suporte do estudo, interrogando estas novas prticas
principalmente a partir de uma concepo de Educao/Formao ao Longo da Vida.
As Concluses Gerais que se apresentam pretendem contribuir para a construo de um
quadro compreensivo da problemtica do reconhecimento e validao de aprendizagens e de
competncias dos adultos. Apresentamos um conjunto de reflexes que, apesar de relevantes
luz da investigao educativa, no esgotam a complexidade da problemtica em causa
multidimensional e multireferenciada , mas que podero fornecer pistas para um dilogo
interdisciplinar.
O trabalho finaliza-se com a apresentao da Bibliografia Geral, a identificao dos actores
que contribuiram para a realizao do trabalho emprico e a listagem da documentao que
lhe serviu de suporte. Apresentamos ainda o ndice de Autores referenciados no texto, que
facilita a visualizao dos que contriburam, em termos de suporte terico, de uma forma mais
significativa para a elaborao deste trabalho.
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
15
Parte I
A Aprendizagem ao Longo da Vida
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
16
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
17
Captulo 1 Contexto
Nesta parte do trabalho procuramos caracterizar o actual contexto social, econmico,
tecnolgico e cultural, de acordo com um conjunto perspectivas que traduzem as profundas
alteraes que tm vindo a ocorrer na sociedade contempornea. Segundo Giddens (2000),
encontramo-nos na era da globalizao, em que a nossa forma de viver em sociedade est a
ser afectada por uma profunda restruturao18.
A globalizao entendida como uma rede complexa de processos, que agem de forma
contraditria, e mesmo em oposio. Face complexidade dos fenmenos emergentes,
difcil delimitar os contornos da sociedade actual, orientada por movimentos no lineares,
fruto de influncias mltiplas e diversas. O actual contexto social complexo, marcado pela
incerteza19 (Handy, 1995) e pelo risco20 (Giddens, 2000), por paradoxos e perplexidades21
(Santos, 1994), e, como tal, de difcil abordagem.
De entre as principais mudanas com que actualmente nos confrontamos no actual contexto,
salientamos as seguintes:
. rpida evoluo cientfica e tecnolgica, com impacto em todos os domnios da vida
humana;
. transio da sociedade industrial para a sociedade da informao e do conhecimento;
. grande impacto da tecnologia nos processos de comunicao, aquisio de conhecimento,
processos de produo e formas de organizao do trabalho;
. alteraes profundas nas fontes e formas de aprender; deslocamento do papel das instituies
tradicionais de educao/formao para outras estruturas, organizaes e contextos de
aprendizagem; 18 Tanto a nvel econmico, como poltico, tecnolgico e cultural; a globalizao tanto diz respeito aos grandessistemas ordem financeira mundial como aos aspectos que se relacionam directamente a vida pessoal daspessoas como exemplo, os valores familiares , levando ao reaparecimento das identidades culturais emdiversas partes do mundo (Giddens, 2000:24). O autor considera a globalizao como um processo multicausal,sujeito a contingncias e incertezas.19 Ver Handy (1995): A era da incerteza uma reflexo sobre as transformaes em curso na sociedademoderna; o autor analiza, ao longo de um conjunto de ensaios, os processos de mudana que caracterizam aactual sociedade no mundo das empresas, do trabalho e da educao , destacando um elemento comum: aincerteza.20 Segundo Giddens, o conceito de risco diz respeito a perigos calculados em funo de possibilidades futuras.S tem uso corrente numa sociedade orientada para o futuro. (2000: 33); a aceitao do risco fundamentalpara uma sociedade inovadora, e a era da globalizao em que vivemos implica a capacidade de enfrentar novosfactores de risco.21 Entre as vrias perplexidades analizadas pelo autor, destacamos o acentuar da interdependnciatransnacional e das interaes globais, o que parece conduzir desterritorializao das relaes sociais (com aultrapassagem de fronteiras como as naes, a lngua, as ideologias), mas simultaneamente e de formaaparentemente contraditria , ao reforo de novas identidades regionais e locais.
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
18
. emergncia de um paradigma de aprendizagem ao longo da vida.
Assim, de entre os aspectos que consideramos mais significativos para a contextualizao do
nosso trabalho, salientamos os seguintes eixos temticos:
. a Sociedade do Conhecimento e da Informao;
. a Economia do Conhecimento e a produo de saberes nas organizaes;
. a evoluo do mundo do trabalho e das organizaes;
Os eixos que servem de base anlise do actual contexto fornecem-nos uma leitura redutora,
com algum risco de simplificao, por no ser possvel optar por uma anlise das relaes
sistmicas em presena22 que traduza de uma forma mais adequada a confluncia dinmica e a
interdependncia dos diversos factores em jogo; contudo, tendo em vista uma anlise mais
detalhada, optmos por uma leitura sistematizada em diferentes pontos.
Na bibliografia que nos serve de suporte contextualizao da investigao, encontram-se
autores que representam diversas correntes de pensamento (bem como distintos quadros
ideolgicos). No cabe no mbito deste trabalho fazer uma anlise crtica destas correntes
nem dos quadros que os suportam; no entanto, dada a evidncia objectiva das leituras da
realidade que expe, tommos como referncia um conjunto de questes e de problemas que
emergem do seu confronto. A contextualizao procura traduzir diferentes perspectivas
(econmicas, sociolgicas, polticas,), e faz emergir um conjunto de questes relevantes
para a nossa investigao.
1.1 Os desafios da Sociedade do Conhecimento e da Informao
A rpida evoluo tecnolgica com que nos temos vindo a confrontar nas ltimas dcadas tem
provocado profundas mudanas na sociedade, levando numerosos investigadores a analisar os
seus efeitos e as suas consequncias em termos de organizao do sistema social em geral, e,
particularmente, ao nvel do acesso ao conhecimento e aprendizagem.
22 Ver Durand (1992): a tomada de conscincia cada vez mais profunda da complexidade e da incerteza domundo contemporneo conduz difuso lenta mas inexorvel do paradigma (ou modelo sistmico). S podemosser optimistas sobre o desenvolvimento desta viso ou desta estratgia que permite tomar em considerao etratar de forma adequada , no apenas complexidade e incerteza, mas tambm ambiguidade, acaso, (1992:121).
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
19
Uma das abordagens mais correntes considera que a transio da sociedade industrial para a
sociedade ps-industrial uma mudana ainda mais radical do que foi a passagem da
sociedade pr-industrial para a sociedade industrial. Em particular, prev-se que, na sociedade
ps-industrial, no sero nem a energia nem a fora muscular que lideraro a evoluo, mas
sim o domnio da informao. Nesta ptica, os sistemas da sociedade, humanos ou
organizacionais, so basicamente pensados como sistemas de informao (Livro Verde para
a Sociedade da Informao23, 1997:7).
Assistimos actualmente emergncia da Sociedade do Conhecimento e da Informao24,
baseada na rpida evoluo das tecnologias da informao, caracterizada pelo uso sistemtico
e intensivo da informao, do conhecimento, da cincia e da cultura (Rodrigues, 1997). Os
seus efeitos conduzem a uma profunda reorganizao da sociedade, e fazem-se sentir tanto ao
nvel da esfera produtiva como no mundo da educao/formao, fazendo convergir os
modos de aprender e os modos de produzir, exigindo o mesmo tipo de capacidades e de
competncias para o domnio destas situaes.
Fruto do rpido desenvolvimento tecnolgico, as pessoas tm cada vez mais facilidade em
aceder e em relacionar-se com uma multiplicidade de fontes de informao e do
conhecimento, facilitando a diversificao das fontes e dos modos de aprendizagem. A
aprendizagem ultrapassa os limites espacio-temporais das instituies tradicionais de
educao/formao (escolas, centros de formao, universidades, ), e desenvolve-se ao
longo da vida activa, para alm dos espaos/ tempos formalizados. Diversificam-se os
contextos e os processos de aprendizagem, e reconhece-se a emergncia da Sociedade do
Conhecimento, marcada por novas formas de produzir, utilizar e difundir o conhecimento. A
sociedade actual uma sociedade baseada no conhecimento, e este encontra-se directamente
relacionado com o acesso e com a gesto da informao.
23 O Livro Verde para a Sociedade da Informao em Portugal resulta de um conjunto de contributos deautores pertencentes a diversos sectores da sociedade portuguesa, sob a coordenao da Misso para a Sociedadeda Informao, Ministrio da Cincia e Tecnologia. Resulta de um debate amplo levado a cabo a nvel nacional,sob o tema da Sociedade da Informao, e pretende sistematizar uma reflexo estratgica, bem como apresentarum conjunto de propostas de medidas conducentes elaborao de planos de aco.24 A Sociedade da Informao refere-se a um modo de desenvolvimento social e econmico em que a aquisio,armazenamento, processamente, valorizao, transmisso, distribuio e disseminao da informaoconducente criao de conhecimento e satisfao das necessidades dos cidados e das empresas,desempenham um papel central na actividade econmica, na criao de riqueza, na definio de qualidade devida dos cidados e das suas prticas culturais. (Livro Verde para a Sociedade da Informao, 1997: 7).
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
20
Temos vindo a assistir nos ltimos anos rpida evoluo tecnolgica no domnio das
tecnologias da informao e da comunicao. Esta evoluo veio contribuir para algumas
transformaes estruturais da sociedade, tanto ao nvel econmico, como ao nvel social e
organizacional.
Soete (2000-a) identifica algumas caractersticas das novas tecnologias da informao e da
comunicao, que esto na base das grandes transformaes sociais:
. a drstica reduo dos custos do processamento da informao e da comunicao;
. a convergncia digital das tecnologias da comunicao e da informtica;
. e o crescimento acelarado das redes electrnicas internacionais.
A rpida evoluo das tecnologias da informao e da comunicao contribuiu para a
alterao dos padres de comunicao entre pessoas, entre organizaes, e entre pessoas e
mquinas. Para alm destes aspectos, tambm introduziram grandes mudanas na produo e
distribuio de bens e servios, contribuindo para a transformao econmica (id.).
Neste contexto emergiram novas reas de mercado25, e observou-se a confluncia de outros
domnios telecomunicaes, computadores e audio-visuais. Constroem-se, assim, novos
modelos de comunicao e de relao humana, com cidados activos e intervenientes, que
interagem directamente com a fonte da informao e que so eles prprios fontes de
informao. (Marques, 1998: 12).
Mas as mudanas no se limitam s formas de comunicao, elas do origem a novos
modelos de pensamento o pensamento em rede , que no se compadece com a lgica
linear e determinista (comear num princpio, ter um meio, acabar num fim), pois os novos
modelos de pensamento adoptam a estrutura de uma malha, determinada pelo utilizador que
interage com a informao. Este tipo de pensamento contribui para o reforo da diversidade e
da individualizao contrastando com a uniformizao e a massificao, caractersticas que
marcaram anteriormente a sociedade (id.).
As novas tecnologias da informao e da comunicao tambm contriburam para a
introduo de profundas mudanas ao nvel da produo, distribuio e organizao das
actividades de investigao e de produo de conhecimento. Para Soete (2000-a), a
capacidade de investigao e inovao de um pas, organizao, ou sector, cada vez menos
entendida como a capacidade de explorar novos princpios tecnolgicos, e mais como a
25 Segundo o Livro Verde para a Sociedade da Informao, as novas reas de mercado so o mercado dascomunicaes mveis, a internet, o comrcio electrnico, a indstria multimdia, etc.
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
21
capacidade de explorar sistematicamente os efeitos que as novas combinaes de
conhecimentos armazenados produzem. Este novo modelo de redes de conhecimento
implica o acesso sistemtico aos bancos de conhecimento, detentores do state of the art,
atribuindo um papel muito mais activo s universidades e centros de investigao, no que diz
respeito disseminao desse conhecimento.
O sistema de cincia e de tecnologia est-se a mover em direco a uma estrutura mais
complexa de actividades de produo de conhecimento socialmente distribudas, que
envolvem uma maior diversidade de organizaes que tm como objectivo explcito a
produo de conhecimento. (op.cit.:5)
A inovao tecnolgica e o impacto das novas tecnologias da informao e da comunicao
em diversas reas e a diversos nveis parece ser incontornvel. Algumas das mudanas
estruturais que ocorrem com a emergncia da Sociedade da Informao so identificadas por
Moniz (2000) da seguinte forma:
. mudanas na natureza do trabalho, na estrutura do emprego e nas competncias exigidas aos
trabalhadores, resultantes de um efeito combinado da transformao do mundo econmico, da
utilizao de novas tecnologias e da introduo de novas formas organizacionais;
. emergncia de novas reas de actividade econmica ligadas s tecnologias da informao,
com a consequente emergncia de novos domnios e actividades profissionais;
. mudanas ao nvel das qualificaes, principalmente em sectores tradicionais, pelo efeito da
utilizao das tecnologias da informao;
. mudanas ao nvel da organizao do trabalho, que se traduzem na evoluo das
competncias necessrias para o desempenho profissional;
. mudanas ao nvel do sistema de educao/formao, por forma a dar resposta s novas
necessidades de qualificao e de competncias;
. reconfigurao das formas tradicionais de organizao da educao/formao, com a
integrao das novas tecnologias da informao.
No entanto, no que diz respeito inovao e ao emprego, no se considera suficiente o
incremento das tecnologias da informao para que ocorra a inovao no tecido empresarial,
na medida em que a introduo destas tecnologias no fomenta por si mesma a flexibilidade
organizacional e a qualidade no emprego; para tal ser necessrio uma implementao
equilibrada das novas tecnologias no apoio mudana organizacional nas empresas (id.).
Educao e Formao ao Longo da Vida Ana Luisa de Oliveira Pires
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O Livro Verde para Sociedade da Informao levanta uma questo primordial: as tecnologias
da informao, apesar de serem consideradas como um motor de desenvolvimento a diversos
nveis, podem tambm fazer aumentar o fosso entre os indivduos que so capazes de as
utilizar e os que no o so. A Sociedade da Informao encerra assim uma potencial
contradio, valorizando por um lado a participao humana nos processos de produo, que
transforma o conhecimento e a informao em valor econmico; mas, por outro lado, vem
introduzir a questo da desqualificao dos indivduos que no detm os saberes e as
competncias necessrias para trabalhar e viver nessa mesma sociedade.
Pode ocorrer, no entanto, uma promoo desiquilibrada das tecnologias de informao e das
comunicaes no atendendo a critrios sociais, criando um mercado de trabalho polarizado,
de um lado com grupos aptos para utilizar essas tecnologias, e, do outro, os restantes
perdedores. (L.V.S.I., 1997: 54).
O Livro Verde chama ainda a ateno para questes-chave articuladas com a democracia e
com a igualdade, questionando at que ponto a complexidade e o custo das tecnologias
podero fazer aumentar o desnvel existente entre as reas industrializadas e as menos
desenvolvidas, entre os jovens e os idosos, entre os que sabem e os que no sabem.
feita uma chamada de ateno para as causas do fenmeno da excluso da sociedade da
informao (info-excluso), que tanto podem estar relacionadas com a falta de capacidade
dos indivduos para a utilizao das tecnologias da informao (decorrente das suas
aprendizagens anteriores), como com questes de natureza organizacional (a organizao do
trabalho no promove essas capacidades).
Assim, tanto o sistema de educao/formao como a organizao do trabalho so
directamente questionados pelos desafios emergentes. O primeiro o sistema de educao/
formao , no que diz respeito sua capacidade de desenvolver novos perfis de
competncias, mais alargados e complexos, necessrios para viver e trabalhar na Sociedade da
Informao. Destacam-se entre estas competncias o saber codificar/descodificar a
informao electronicamente transmitida, ter capacidade para decidir on-line, ser capaz de
constituir trabalho de aco/deciso em equipa electrnica ().(op.cit.: 55). A segunda
organizao do trabalho , questionada na sua capacidade para a promoo das
aprendizagens que esto na base do desenvolvimento individual e organizacional.
Segundo Kovcs (1998-a), que vai mais longe do que a reflexo precedente, a anlise das
tendncias de evoluo do emprego e das qualificaes com a introduo das TIC evidencia
que no existe apenas uma nica tendncia de evoluo, mas a possibilidade de existir uma
diversidade de situaes em funo de um conjunto de condies macroeconmicas, sociais
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e culturais, principalmente da diviso internacional do trabalho, das polticas (econmicas, de
emprego, de educao e de formao, entre outras), das condies do mercado e dos produtos
do trabalho, do sistema de ensino e formao, das estratgias sindicais, do contedo das
negociaes e do nvel de educao/formao dos recursos humanos, entre outras (op.cit.: 8).
A autora chama a ateno para o fenmeno da diviso das competncias nas empresas, que
desigual, e que leva a uma distribuio igualmente desiquilibrada das qualificaes e das
oportunidades de aprendizagem em contexto de trabalho.
Tambm Soete (2000) chama a ateno para o aspecto das qualificaes e das competncias
dos indivduos: a longo prazo, o processo de acumulao de conhecimento depende das
capacidades dos trabalhadores (trabalhadores do conhecimento), que so cruciais para a
implementao, manuteno e adaptao das novas tecnologias. Da que o investimento na
educao e na formao seja considerado uma necessidade fundamental, tanto na perspectiva
organizacional, como na perspectiva individual e social.
As novas tecnologias da informao so simultaneamente uma fonte de preocupao e de
fascnio. Aps a revoluo informtica, abriram-se aparentemente possibilidades ilimitadas
para a comunicao humana. A integrao entre diferentes meios de comunicao ir
provavelmente mudar o nosso meio, de uma forma ainda mais significativa. A educao e a
formao no podero ficar margem. Tero que definir o seu papel e tornarem-se elementos
decisivos na optimizao e no uso destas tecnologias. (Study Group on Education and
Training26, 1997)
A sociedade do Conhecimento e da Informao ir sem dvida provocar profundas alteraes
no sistema de educao/formao, podendo ser um dos motores, segundo o Study Group
(1997), de um novo paradigma no que diz respeito aos mtodos e processos educativos, aos
papis e responsabilidades dos actores. Um novo conceito de educao e de formao
encontra-se em emergncia, reconhecendo-se que o processo educativo ultrapassa largamente
os limites institucionais da escola, por um lado em termos de durao, por outro em termos de
espao. A multiplicidade das fontes de informao e de conhecimento promovem processos 26 O Study Group on Education and Training foi estabelecido pela Comisso Europeia em 1995, sendoconstitudo por um conjunto de peritos independentes a nvel europeu (do domnio acadmico, poltico e deaco), com a misso de promover um amplo debate relativo aos desenvolvimentos futuros daeducao/formao. O relatrio em causa Accomplishing Europe through education and training um dosresultados do trabalho deste grupo, que contou com o contributo dos investigadores portugueses Prof. DoutoraTeresa Ambrsio e Eng. Roberto Carneiro.
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de aprendizagem em diferentes tempos e contextos, para alm dos formais. Para alm da
actividade profissional, desenvolvida em contexto de trabalho, reconhece-se cada vez mais a
componente formativa implcita em actividades que no so intencionalmente organizadas
nem estruturadas para a aprendizagem, tais como as actividades de lazer, e as situaes da
vida do quotidiano.
De acordo com o Study Group, as principais mudanas da actual sociedade (do Conhecimento
e da Informao) podem ser sistematizadas da seguinte forma (op.cit.: 114):
. a transio do conhecimento objectivo para o conhecimento construdo;
. a transio da sociedade industrial para uma sociedade da informao;
. a mudana da misso educativa, da transmisso da instruo para a aquisio de mtodos de
aprendizagem pessoal;
. o aumento (talvez dominante no futuro) do papel da tecnologia no processo de comunicao
e na aquisio do conhecimento;
. o deslocamento das instituies educativas, como as escolas e as universidades, para
estruturas organizadas de aprendizagem, que ainda tero de ser determinadas.
A resposta dos sistemas educativos a estes desafios passa em grande parte por uma reflexo
aprofundada sobre as suas consequncias e implicaes, ao nvel das prioridades, dos modelos
e das prticas desenvolvidas. O que, para diversos autores, se articula com a necessidade de
promover uma reorganizao mais profunda, sustentada numa reflexo sobre as finalidades e
os pressupostos que sustentam a actividade educativa, e que poder ser traduzida numa
mudana paradigmtica da educao/formao mudana esta que ser abordada no captulo
seguinte27.
1. 2. A Economia do Conhecimento e a produo de saberes nas organizaes
Do ponto de vista da esfera econmica possvel analisar um conjunto de mudanas
significativas que tm vindo a ocorrer, confrontando com novos desafios a sociedade em
termos globais, e o domnio educativo em particular.
27 Captulo 2 A Educao/Formao de Adultos luz do paradigma da Aprendizagem ao Longo da Vida.
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25
. os desafios da globalizao
A nova ordem econmica, caracterizada pela globalizao, teve a sua origem na revoluo
telemtica e financeira, e foi rapidamente incrementada pela abertura de novas trocas
comerciais pricipalmente derivadas do GATT, da Organizao Mundial do Comrcio e das
mudanas decorrentes da abertura dos pases de leste (Rodrigues, 1997).
Segundo Edwards (1997), a conjuntura econmica actual pode ser caracterizada pela
revitalizao da acumulao do capital baseado na globalizao, o que tem vindo a dar origem
emergncia de novas formas de produo, distribuio e consumo. A globalizao
acompanhada da flexibilizao do capital e dos mercados de trabalho, e da introduo de
novas formas de informao e de comunicao. Uma das consequncias deste fenmeno o
aumento da competitividade a nvel mundial, e a exigncia de maior flexibilidade, que se
traduz ao nvel das empresas28 no deslocamento das formas tradicionais de organizao do
trabalho (caracterizadas pela produo massificada de bens e produtos) para as novas formas
de organizao caracterizadas pela reduo das escalas de produo, maior orientao para o
cliente, procura de nichos de mercado, etc. A globalizao da vida econmica veio dar origem
ao aumento da competitividade a nvel mundial, deixando frequentemente pouco
salvaguardados os direitos sociais dos trabalhadores e os equilbrios ambientais (Rodrigues,
1977).
A viso de que a globalizao da economia e o aumento da competitividade exigem uma
maior flexibilizao do mercado de trabalho, sem garantir as condies ou sem considerar
alternativas, uma perspectiva que tem vindo a ser defendida por parte de alguns sectores, de
forma preocupante (Edwards, 1997)29. Avolumam-se assim as preocupaes de natureza
social, que se focalizam nas crescentes desigualdades que ocorrem tanto escala global como
local.
Para Rodrigues, a globalizao est a gerar, por outro lado, crescente sensibilidade dos
movimentos de capitais s condies de investimento de cada pas ou regio, em funo das
suas externalidades e, particularmente, em funo da relao que estabelecem entre
qualificao e custos salariais (1997: 7).
28 As principais mudanas que tm vindo a ocorrer no seio das empresas so analizadas mais detalhadamente noponto seguinte deste captulo A evoluo do mundo do trabalho e das organizaes.29 O autor investigador e professor no campo da educao de adultos explora os desafios, as incertezas e asambivalncias dos actuais processos de mudana no mbito da learning society, particularmente no que dizrespeito ao conceito de flexibilidade, que se tornou central no debate educativo e politico; ver Edwards (1997)Changing places? Flexibility, lifelong learning and a learning society.
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O risco de marginalizao ou de excluso de determinadas regies ou pases, pouco
competitivas e pouco aliciantes para o investimento econmico, tem que ser considerado e
tem que ser alvo de uma estratgia de aco que previna e reduza a sua excluso econmica e
social. Para alm deste tipo de marginalizao, escala macro, constata-se um agravamento
da polarizao ao nvel micro, os indivduos nas organizaes: entre os mais dotados,
qualificados, competentes, e os mais desfavorecidos destas caractersticas30.
A mudana econmica tem colocado a nfase na necessidade de aumentar a competitividade e
na flexibilidade. De acordo com Edwards (1997), existem, no entanto, tendncias e focos
diferentes no discurso da mudana econmica, nomedamente as mudanas na macroeconomia
associadas com a globalizao do investimento do capital, as mudanas no tipo e organizao
do trabalho e as mudanas nas competncias necessrias ao emprego. Ao nvel dos discursos,
identifica duas tendncias distintas, que atribuem diferentes sentidos flexibilidade: a
primeira construda sobre o discurso da competitividade, e a segunda sobre o discurso da
insegurana.
Segundo o autor, o discurso dominante coloca a necessidade da flexibilidade como
desejvel, inevitvel, e direccionada para a economia; a flexibilidade necessria
competitividade, ao crescimento econmico e ao emprego; traduz-se na exigncia de
trabalhadores flexveis (no contexto de trabalho e entre contextos de trabalho), multi-
competentes, e detentores de competncias flexveis. O discurso subordinado, mais crtico e
cauteloso, acentua as questes da insegurana como consequncia das alteraes associadas
flexibilidade. Os defensores deste discurso alertam para o aumento de diferenciao entre um
ncleo relativamente seguro de trabalhadores e um grupo perifrico de trabalhadores
temporariamente empregados, em regime de part-time ou desempregados, uma espcie de
sub-classe afastada dos benefcios econmicos e sociais. Nesta perspectiva, o
desenvolvimento econmico pode contribuir para a produo de grupos cada vez mais vastos
de populao desempregada.
30 A propsito de excluso de pases, regies, pessoas ver V. Forrester (1996), no que a autora designa deO Horror Econmico; Segundo Waters (1999), o actual modelo de estratificao emergente (ao nvelinternacional) evidencia, nas sociedades ricas, que os seus membros possuem maiores benefcios epossibilidades de consumo do que os elementos das sociedades em desenvolvimento; parece ser possvelidentificar, de acordo com Lash e Urry (1994, in Waters 1999: 89) uma nova configurao que justape umaclasse rica ps-industrial de servios ou classe mdia, bem paga, com profisses relativamente autnomas, comum grupo Gastarbeiter em desvantagem, ou classe baixa, que mantm o seu consumo a partir de situaes detrabalho precrio, rotineiro e mal pago.
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27
Apesar do discurso dominante assumir que a competitividade uma condio para a criao
de riqueza e para ultrapassar a insegurana e a pobreza (...) os crticos sugerem que estes dois
aspectos esto intimamente articulados (Edwards, 1997: 30).
Este discurso da competitividade acentua o valor da dimenso individual, atravs da
actualizao e desenvolvimento de competncias: aqueles que tm mais competncias e
qualificaes testemunharo uma expanso de oportunidades, enquanto que os outros
confrontar-se-o com a contraco do emprego (Glyn, in op.cit.: 31).
Segundo Edwards, o discurso da competitividade dominou o pensamento e as polticas de
muitos governos durante as dcadas de oitenta e noventa, no qual se entendia a flexibilidade
como uma resposta instrumental para os desafios da competitividade. O autor constata a
desregulao dos mercados, a perda de aco dos sindicatos, e a atribuio do direito de
gerir aos gestores das empresas. Alguns governos procuraram criar condies para que os
mercados pudessem funcionar mais eficazmente, e a prpria Comisso Europeia definiu
orientaes para fazer evoluir os sistemas de educao/formao nos estados membros, e para
reduzir a rigidez dos mercados de trabalho e do sistema de emprego. A valorizao das
competncias-chave, a transferibilidade das competncias, a flexibilidade dos trabalhadores
so entendidas neste contexto como um meio para o desenvolvimento econmico e para a
criao de maiores oportunidades de emprego. A produo de novos conhecimentos, a
reconstruo/recomposio dos saberes e das competncias disponveis, e o desenvolvimento
da capacidade de aprendizagem dos indivduos so assim perspectivados como elementos-
chave para o desenvolvimento econmico.
. a Economia do Conhecimento
Alguns dos factores de evoluo decorrentes da Sociedade da Informao influenciaram
fortemente o mundo da economia. O valor da informao e da produo do conhecimento,
com vista inovao, parece ser actualmente inquestionvel.
Kessels (2000) defende que a economia se est a transformar na Economia do Conhecimento,
em que o factor-chave do sucesso o prprio conhecimento. Por um lado, possvel
identificar as potencialidades que se abrem nesta nova economia, mas por outro, no
possvel ignorar os desiquilbrios que se criam no novo contexto.
Da emerge o enfoque colocado na necessidade dos indivduos e das organizaes
desenvolverem competncias adequadas, tendo em conta que o trabalho se baseia na
produtividade do conhecimento. O autor considera no entanto que as abordagens
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28
tradicionais da gesto, da formao e do desenvolvimento no proporcionam os ambientes de
aprendizagem adequados a um trabalho baseado no conhecimento.
Segundo Kessels (2000), a inovao nas organizaes implica a capacidade de recolher
informao, criar novos conhecimentos, dissemin-los e aplic-los. A criao de ambientes de
aprendizagem nas organizaes o seu factor de sucesso31, o que implica uma avaliao
crtica de instrumentos de diversa natureza, com vista ao desenvolvimento da produtividade
do conhecimento e das competncias a ele associadas. A produtividade do conhecimento
exige a sinalizao, a absoro e o processamento de informao relevante, a criao de novo
conhecimento e a sua transposio para a inovao e melhoria de processos/ produtos e
servios.
Na base da economia do conhecimento encontra-se a capacidade de aprendizagem dos
indivduos, das organizaes, do mundo do trabalho, da esfera poltica, e da sociedade em
geral.
Existe actualmente um consenso relativamente alargado sobre a importncia do conhecimento
no desenvolvimento econmico, designando-se frequentemente a nova economia como
knowledge-based economy a economia baseada no conhecimento. Por outro lado, constata-
se a emergncia de um novo conceito, relacionado com o anterior, que o de learning
economy a economia da aprendizagem, que se baseia na hiptese da acelarao tanto da
produo como da destruio do conhecimento, nas ltimas dcadas (Lundvall, 2000).
O conceito de knowledge-based economy foi inicialmente introduzido pela OCDE no final
dos anos oitenta. Nos E.U. a nova economia enfatizava o impacto combinado da
globalizao e das novas tecnologias da informao, com um padro de crescimento baseado
em aspectos intangveis, como o comrcio electrnico e a criao das auto-estradas da
informao (Soete, 2000-a). Mas, segundo Soete (2000-a e 2000-b) mais adequada a
designao de knowledge-driven economy a economia guiada pelo conhecimento , que
vem alargar o debate com a incluso de aspectos da esfera social, associados com a economia
baseada no conhecimento e com as novas tecnologias da informao e da comunicao.
Segundo Tedesco (2001), a sociedade do conhecimento est associada a uma profunda
transformao social, e um dos fenmenos emergentes consiste no aumento da desigualdade
31 Este tema desenvolvido no captulo 6 A aprendizagem em contexto de trabalho, particularmente no pontoCondies e factores de aprendizagem nas organizaes.
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29
social: desenvolvimento econmico e aumento da desigualdade tendem assim a ser
concomitantes.
Com conscincia destes riscos, salientou-se na reunio do Conselho Europeu (Lisboa, Maro
2000) a definio de novos objectivos estratgicos da Unio Europeia, com vista ao reforo
do emprego, da reforma econmica e da coeso social, considerados como importantes
elementos da Economia baseada no Conhecimento: Para o desenvolvimento de uma
economia dinmica e competitiva baseada no conhecimento, torna-se necessrio conciliar um
crescimento econmico sustentado com a melhoria do emprego e o aumento da coeso
social.
Actualmente existe uma reflexo crtica relativamente aos problemas que advm da Economia
do Conhecimento. Alguns dos seus principais riscos podem ser sistematizados da seguinte
forma:
. a crescente tendncia para a polarizao (entre os mais qualificados e os menos qualificados,
entre as regies ricas e as mais pobres, e escala global, entre os pases mais ricos e os mais
pobres;
. o aumento de tenso entre os processos que excluem cada vez mais uma grande parte da
populao activa, e a grande necessidade de uma participao alargada no processo de
mudana (Lundvall, 2000).
Estas tendncias e tenses, se no forem atenuadas, podem ser factores que a longo prazo
podero condenar uma Economia do Conhecimento, na medida em que conduzem a um
clima de polarizao social agravada. Daqui a necessidade urgente com que a sociedade se
confronta no sentido de promover uma distribuio de saberes e de competncias mais
equitativa, bem como a promoo da aprendizagem a todos os nveis (id.). Para o autor, o
actual contexto exige novas estratgias a diferentes nveis: individual, empresarial, regional,
nacional e ainda comunitrio32. Por outro lado, faz emergir a necessidade de repensar as
relaes industriais e o papel dos parceiros sociais.
As grandes mudanas em curso exigem modificaes integradas a diferentes nveis ao nvel
organizacional, ao nvel das dinmicas do mercado de trabalho, ao nvel tico e poltico.
32 O campo de aco desta anlise situa-se escala comunitria, considerando o contexto em que esta afirmaofoi produzida: no mbito de um seminrio subordinado ao tema Towards a Learning Society: innovation andcompetence building with social cohesion for Europe a seminar on socio-economic research and Europeanpolicy, realizado em Portugal (Quinta da Marinha), 28-30 Maio 2000, sob a gide da Comisso Europeia,Direco-Geral de Investigao.
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Estratgias fragmentadas e isoladas no tero efeitos numa sociedade complexa, sendo
necessrio repens-la de uma forma integrada.
Em concluso, o advento da Economia do Conhecimento vem exigir novas regras,
identificadas por Lundvall (2000) da seguinte forma:
. ao nvel dos sindicatos, exige-se uma nova responsabilidade face actual tendncia para a
excluso social, o que implica o desenvolvimento de uma nova forma de solidariedade
centrada na redestribuio da capacidade de aprendizagem (com o reforo do
desenvolvimento da capacidade de aprendizagem dos segmentos da populao mais
desfavorecidos, dos trabalhadores detentores de competncias estreitas e restritas, dos
trabalhadores mais idosos que se encontram mais desfavorecidos face ao mercado de
trabalho); o papel dos sindicatos valorizado nestes processos;
. ao nvel da responsabilidade das empresas, necessria a promoo alargada do acesso
aprendizagem, e a criao de condies para participao dos trabalhadores nos processos de
aprendizagem colectiva, garantia das organizaes qualificantes (geralmente nas empresas
quem tem acesso formao de tipo upgrading que j tem mais formao, quem evidenciou
a sua capacidade de aprendizagem);
. ao nvel das relaes industriais, exige-se a reintegrao de funes e novas
responsabilidades (articulao da construo das competncias com os salrios, tempos de
trabalho, segurana social, e distribuio das capacidades de aprendizagem); a concertao
entre os parceiros sociais perspectivada como fundamental.
A esta anlise de Lundvall acrescentamos outro nvel de responsabilidade, que decorre do
mbito educativo, da esfera da educao/formao, e que decorre do papel que as polticas
educativas desempenham na preveno e atenuao da excluso social. A promoo e o
alargamento do acesso s oportunidades educativas, tanto ao nvel da formao inicial como
da educao/formao ao longo d