Educação e Cidadania - quem educa o cidadão. Prof Priscilla

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    Oues toes da N ossa E poc aVolume 16

    Dados Internacionais de Catalogalfao na PublicByao (CIP)( Ca ma ra B ra sl le ir a d o L iv ro , S P, B ra si l)

    Buffa, EsterEducaQao e cidadania : quem educa 0 cidadao? I Estel-

    Buf fa, Miguel Arroyo, Paolo Nosel la. - 14. ed. - Sao Paulo:Cortez , 2010. - (Colecao questoes da nossa epoca :v . 16)

    Bibliografia.ISBN 978-85-249-1632-8

    1. Alfabetizacao 2. Cidadania 3. Educacao - Finalidadese objetivos 1. Arroyo, Miguel. I I. Nosella, Paolo. I II . Titulo.ry . Serie.

    10-07723 CDD-370.115Indices para catalogo sistematico;

    1. Educacao para a c idadania 370.1152. Cidadania e educacao 370.115

    ~c.oRTEZ~EDITOR~

    E st e r B u f f a M i g u e l A r r o y oP a o l o N o s e U a

    E D U C A ~ A O E C ID A D A N IAq uem ed uc a 0 cidadao?

    14a edicao

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    Educacao e c id a da n ia b u rgu es as

    ,,~\t\ .Q )""~ Ii , I"-~.~~

    \ ~'.~'\

    ~) As palavras cidadao e cidadania trazem a lembranca,i ~LQJ naturalmente, as famosas declaracoes dos Direi tos do HomemV ! ! ) ~l' e do Cidadao. This declaracoes, surgidas no processo da Re-, r : s volucao Francesa do seculo XVIII, ~quando a burguesia, ao. : ~ desalojar a aristocracia, conquista 0poder politico, substituem~ ~ ' l . ' 0 monsieur do.Antigo Regime pelo citoyen da Republica. 0"() ci~adao pleno e , entao , como se vera, 0 proprietario, ,....

    No entanto, houve urn tempo em que a burguesia,. ~ enta~~~rgente, defend~a ~deais universais, como _ac ida-

    r { \ J dania, proposta para todos. E esse momenta de gestac;;ao do/' \, capitalismo, de formaC;;liQdo projeto _u_rgyes de sociedade,

    inclusive no g_uediz respeito a educacao e a cidadania, que( J J " -\- I\.; fF quero foc.alizar em primeiro lugar. Assim, gostaria de pelo~: ~s encaminhar uma resposta a questao: por que 0. ~ ~ 'L . : emergente projeto burgues de sociedade necessita da edu-

    '\ ~ \ ~(J" . J ' cacao e da cidadania para todos, e de que educacao e de que~ ~ i ~ r{~

    ~ u,

    E s te r B u ff a

    cidadania se trata? Depois , como contraponto , focal1zoas

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    referidas declaracoes como expressoes que sao de um mo- _ r J - 1 Y { : } - ~ 9 k S J ~uropa, que possibilitou a forma capitalista de producao,mento em que os ideais, outrora universais, de certo modo 1\r,) ~ ) . J I fgOstaria, no entanto, de relembrar algu;J.spontos fundamen-_se particularizam e se restringem a burguesia. Se, num ~~~ - 1i f t ~ ~"tais relativos ao trabalho, tal como ele se da na manufaturap~~meiro momento, enfoco a origem historica, a evolu

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    do mestre, na corllo.r:a~ao.Mas-ainda existe na manufaturauma certa hierarquia entre alguns trabalhadores, entre asque domin am os segredos do oficio e uma grande partede-les que real iza um trabalho mecanico, que nao requernenhuma habilidade es ecifica. Essa hierarquia se prendeao fato de que a manufatura mantem as caracteristicas dotrabalho artesanal, ou seja, 0 oficio manual continua sendoa base tecnica da manufatura. Isso significa que, em parte,o controle do processo de trabalho e do trabalhador (cole-tivo) e a subordinacao do trabalho ao capital tem ai seuslimites. Marx mostra como os virtuoses sao zelosos de suashabilidades e as conservam mesmo quando nao mais ne-cessarias. Cita 0 insuspeito Ure, que, na sua obra Filosofjada indus t ria li zaQQ2_ escreve: "A fraqueza da natureza huma-.na e tal , que mais 0 trabalhador. ~ habil, mais ele se tornavoluntarioso e intratavel e, consequentemente, menos ade-quado a um sistema mecanico" (Maii,1977, p. 265).

    Assim, a revolucao que a manufatura opera e na forca #c!etrabalho-~ 1!_~0 nos_instrumentos de producao, Porem, amanufatura e revolucionaria a medida que, ao dividir par-celarmente 0 trabalho e ao expropria-Io do trabalhador, criacondicoes para um momenta posterior. Aoatingir um certograu de desenvolvimento, a base tecnica estreita da manu-fatura (0 oficio manual) entra em conflito com 'as necessi-dades de producao que ela mesma havia criado (Marx, 1977,p. 266).

    A manufatura, tornada entao insuficiente, sera substi-tuida pela grande induetna modema, em que 0 instrumento- -e trabalho, por excelencia, sera a rnaquina. Com a grande_in~_l&re~Ulforma especifica de producao capitalis-tao 'IYata-se de uma revoluc;;ao_nas_forY.f!.s_produtivas:"Na

    EOUCA~Ao EClOADANIA

    manufatura e no oficio, 0 trabalhador se serve de seu ins-trumento: na fabrica, ele serve a maquina. L a , 0movimen-to do instrumento de trabalho parte dele; aqui ele ap~n~o segue. Na manufatura, os trabalhadores formam membrosde urn mecanisme vivo. Na fabrica, eles sao incorporados-------- - -----a urn mecanisme morto que existe independentementedele" (Marx, 1977, p. 300).. \' A maquina iguala, lllvela-t'rrdus os-trabalhos.j Os traba-lhaaores sao i uais O-;.i:::.s~p~a=r:..::a~tr:..::a=b:.:a=lh=a=:r:-=c::..:o:=m~a~m.preciso possuir urn minirno ja garantido pelo fato de ser

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    ~go J_ \ 0 ) ~Nao ha mais segredos do oficio, nem hierarquia~ e ~$ 1\ t? assim a subordinac;:aodo trabalho ao capital nao tern limites.

    . ~~ yCom a maquinaria 0 que se tem e a passagem d-;)2r~iio' W _ ~ . / . . emp~rica a producao cien:ificizada. E a cH~nciasubstituindo."~ifSJ a rotma (_Marx,1977, p. 276).' \ J l ' J -- A producao capitalista, ainda na sua forma manufatu-

    ~~ reira, muda a forma de propriedade. A propriedade capita-lista tipica sera nao mais a terra e sim a propriedade dosinstrumentos de producao (que nao sao dadiva da terra) edo sobretrabalho. Assim, a RTopriedade burguesa nao e soalguma coisa par~a~lr,_mas sobretudo .* pai~i(;en;r;J2ar~m disso~ ro riedade burgue-sa e , diferentemente da feudal, ad_9uirida pelo trabalho. A.partir de agora, e somente a l2_art irde a.gora, sera Qossivel .J l . l ,conceituar 0homem como trabalhador. \ . f r " . : Y ~ J f o 7T od os o s h om en s s ao ig ua is

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    mayao do Estado moderno -, colocam os homens em novasrelacoes com a natureza - a ciencia moderna - e trazern *-- -- _.alte!~y_QSllLna-QI'gal.-izaya.o_dD_aber sGQ1ar- a escola mo, _~

    Locke (1632-1704), assim como Galileu (1564-1642),Bacon (1561-1826), Descartes (1596-1650), Comenius(1592-167) expressam teoricamente essa sociedade que estaseproduzindo atraves da coo~ra.Qao e da manufatura e uenecessita de urn novo saber e de uma nova educacao.

    Era preciso laicizar 0 saber, ..a moral, a politica. Eral?reciso separar nitidamente~e razao, natureza e religiao _politica e Igreja. Maquiavel (1469-1527), que inaugura urn-ovo modo de encarar a politica, e 0primeiro a entende-lacomo ~m 'ogo de paix6es e interesses animado por forcas .c:postas. Na sua obra maxima, ele nao se dirige nun~ asabedoria C!_orincipe, mas exclusivamente a seus intere~se.s(Levy, introduction, in Maquiavel, 1980, p. 37).

    Por sua vez, paraos modernos, a natureza nao sera -.f Y . irnais oQjetode es eculacao e ~m d~ a~o. Era preciso, en-' ,.j/~tfu;,elaborar metodos adequados para investigar 0 universo, r . r .lIe~e grande livro que continuamente se abre peran~ t f f \ . i f .sos olhos", como afirma Galileu (1973, p. 119). Os novos I ':r.~/'metodos sao baseados na experimentacao, na ex;periencia ~ :e na razao, "essa luz natural" (Descartes, 1966, p. 39) que !todo homem possui. 0 objetivo desse novo conhecimento,livre da autoridade e das preocupacoes medievais, e a trans-formacao da realidade. Descartes, no Discurso da metoda, japropusera: li E possivel or meio do novo metodo) chegar.___- _-a ~onhecimentos que sejam uteis a vida, e que em vez des-sa filosofia eS12eculativa que se ens~na_nas escolas,yode-se

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    encontrar uma (filosofia nitica, pela qual, conhecendo aforya e as a90es do fogo, da agua, do ar, dos astros, dos ceuse e todos os outros corpos que nos cercam, tao distinta-mente como conhecemos os diversosoficios de nossos ar-tesaos, nos os Qoderiamos empregardo mesmo modo e atodos os usos aos quais eles sao 12roQrios~ sim nos tor-. -_ - -narmosmestres e_possu~doresda natureza" (Descartes, 1966,p.84).~ A erfeic;:oara vida humana, contribuir para a diminui-yaOdo sofrimento dos_homens j~ tinha sido 0 intento deGalileu nas suas tentativas de compreender 0 universo. Damesma forma, Bacon (1979, p. 49), ja afirmara que a\"ver-dadeira e legitima meta das ciencias e a de dotar a vidahumana ~e novos inventos e recursosn: Seu metodo eiperi:menta nbJetiy..a31-a...a.u-me-nt-ar-osonhecimentos,_ tendo JTIvista assegurar 0 dominic do homem sobre _ ! _ natureza. Parachegar a esse conhecimento que permitisse a intervencaotecnica sobre a natureza tanto fisica quanta humana, a ques-tao do metodo e primordial.j 'Iodos os fildaofcs.modemos.se., ~ \.pr~ocu am em e contrar "0born metodo, que e aquele que \t ) , " x , c f #permite conhecer verdadeiramente 0 maior numero de ~coisas, com 0 menor numero de regras" (Chaui et a1.,1985,p. 77). AMm disso, 0 meto'dOYsempre- considerado mate-matico, no sentido de que procura 0 ideal maternatico, istoe , 0 conhecimento completo, perfeito-e inteiramente domi--nado pela inteligencia. 0metodo ainda possui dois elemen-tos fundamentais de todo conhecimento maternatico.ia O. . I ;dem e a medida (Chaui et a1., 1985, p. 77).

    E sobretudo Locke quem vai exprimir, a nivel teorico,os interesses da burguesia emergente. Nao por acaso, por-tanto, ele e considerado 0 pai do liberalismo. No seu dis-

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    curso, estao presentes elementos da nova sociedade queesta sendo~onstruid. ockeestabelece que, embora a~erra e todas as criatura -inffuiores pertencam em comu~ :fa 0 os os homens, cada um conserva apropriedade de sua !O r , ' \ , i Y.pr6pria pessoa, ou seja, cada homem e proprietario d~ si, ~ r r f " J a L ~ ( ).~e seu cor o. ~ a homem se apropria das coisas pela tra-~2P'~alho, que e _ _ ? u~ode seu corpo. Ele se apropria dos frutos r v I'~~g\ae seu tra alho e daqueles que ele nao consumiu imedia- r f" A . \ y W "tamente, que ele eeonomizou. Desses prineipios decorre -)que, se a apropriaQao se da pelo trabalho, fica abolida a) :ideia segundo a qual certas jerrasa.posses pertenceriam, J ~. (f7par nasciment~, ~ uma c1asse privilegiada. Fica estabele- - 1 ( j - J V ! tpcida a ideia de que todos os homens siloIivres, pois todos In ~I'jP .sao proprietaries de si,e de que todos os homens sao iguais ~V" f Y $ j v(Locke, 1977, cap. V). I

    Lockeesta afirmando que existeU.maigualdade natural,inata, entre as homens, e isso e @nesse momenta b i s =t6rieo, e a ruptura com 0 passado. Nas soeiedades antiga e

    \m~, oshomens sao naturalmente desiguais_,~ha_s_enhQ.- I I n n G "I nres e escravos, ha senhores.e.servos. Entao, para Locke, a V M o ' I Y v tJ'"troea e uma troca entre iguais, entre proprietarios de.mer-, ~~,~ vcadoriasjDo mesmo modo, a relacao salaria1:0 trabalho de / y;m homem, sendo propriedade sua, pode ser vendido, ou ( _l\~ ""~ ;melhor, troeado por urn salario.9 trabalho, assim vendido, ~. ~ ise torna propriedade do comprador, que tern direito de se \)J' Iapropriar, de fato, desse trabalho. Note-se que 0 eomprador,au seja, 0 capitalista, compra a trabalho (mais tarde, se diraa forca do trabalho) e nao 0 trabalhador. A relacao salariale , pois, natural, baseia-se no livre eontrato entre os indivi-duos interessados. Assim, nao existe para Locke, como nao

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    existe para 0 liberalismo - diseurso ideologico daburguesiarevolucionaria -, ccntradicao entre capital e trabalh~----- -,-Percebe-se, pois, que a igualdade proposta pela burgue-sia e primeiramente a igualdade na troca - baseada noeontrato de cidadaos hvres e iguais - e qe ois e tambelILa-igualdade juridica - a lei e igual para todos e todos saoiguais perante a lei.-----~Sabe-se, hoje, que a igualdade juridica esconde, naverade, a desigualdade dos individuos concretos: de urn ._lado, 0 proprietario privado; de outro, 0 trabalhador assala-=-

    ~Para 0 proprietario privado, 0 "livre co~/I p~r~~-_te uma nova forma de domini~ '~ocial" com 0 que subordi-na os demais a si mesmo. Para 0 trabalhador assalariado,esse mesmo livre contrato significa so u:r:;:;:;-novaorma deservidao social, pela qual se subordina ao outro (Cerroni,1972, p. 105).

    Se as propostas de igualdade burguesa a arecem hoj~como desafina as, mistificadoras, e porque_uma elaboracaote6rica superior deu conta de explicar certas eontradLQ.oesdo capitalismo, impossiveis de serem compreendidas nostempos de Locke e mesmo de A. Smith e Ricardo. Marxaprofunda, radicaliza a questao da igualdade posta pelo li-beralismo, ao analisar, com maior profundidade, 0 processode trabalho. Quanto a r Qi'io-sala.I-ialrPQr-xmplQ.,....elldesvela que"-a-forc;;ade trabalho, t~nada ela pr6pria umarrrerca aria, e vendida pelo seu valor, euj~o varia de-cordo com as feis do mercado. No entanto, de posse dessa'TIreTcadorra-;-o-capttal-rstae u iliza dela na producao de ou-"tras, extrarndo assim~00 trabatho~um excel1enteem relacaoaovalor da mercadoria forca de trabalho adquirida. Entao,no capitalismo sobra mesmo apenas a igualdade juridica.

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    No entanto, 6 semprebom lembrar que 0 interlocutordo discurso burgues ernergente nao e 0 marxismo e sim,

    .pa a-dtz~r rna palavra, a escolastica. Nagueles tempos,a~rmar que os homens nascemiguais, que todos tern a luz

    _natura aa razao, que nao ha sabio inato, nao era po~co. Ese - S O C i a mente 0 ue se verifica 6adesig1J.qldade, essa '6-precisamente uma guesC 0 social e nao.de natureza. Estavaimplicitamente afirmado gue os homens modernos livres,-fgliais por natureza, proprietaries de si, trabalhadores ...fazem a historia.

    A~_de_b.asica_entre os homens, posta na manufa-tura, foi expressa a-nivel deorganizacao do saber escolarpor Comenius. Na sua Didatica magna (1632), mesmo pre-servando a distincao das classes sociais, propoe para todos_ ---- pelo fillo de.todos serem homens - urn minima comume universal de escolarizacao padronizada e publica com basenoexperimentalismo cientifico.

    Ainda que todajustificativa da educacao proposta, berncomo a flnalidade da propria vida humana sejam postas porComenius em termos teologicos - 0 fim llitimo do homemesta fora dessa vida e essa vida nao 6 senao uma prepar~Qao~a. leitura mais-at~nta da Didtitic!!-magna, mesmo dos seus aspectos religiosos, revela.que areIlgTIfc)de Comenius nao e a me sma religiao mistica eco~plativa da Idade Media, e po:Jsso ~~o naoseriaadequado considera-lo ?m pensad_or medieval. Alias,....Q.o-menius ja pertence aos quadros de un:a religiao reformadaque q~!ionara _as concepcoes de dogmas e cerirnonias e,sobretudo, a autoridade religiosa. \

    Quanta as su~ propostas de ensinar tudo a tod

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    " C . . . ) as escolas inferiores, a materna e a prima ia,_exercitamajuventude de ambos os sexos; a escola de lati deve edu-car sobretudo, de.modo erfeito, os adolesce:nJ.e~qlleasp-iramascoisas mais altas ue ostrabalhos manuais; e asacademiasdevern formar os doutores e futuros condutores dos outros-para que, nem a s e s c o as, nem as administracoes publicae;faltem dirigentes competentes" (Cornenius, 1976, p. 413).Ou ainda:"Os trabalhos da academia rosseguira.o_rnais_facilm~n.te. ecom maior sucesso, se, ern primeiro Iugar; s6 para la foremenviados os eng~nhos mais.seletos, a f lor d9s homens; osoutfos enviar-se-ao para a charrua, parlL_?_Qrofissoesma-nuais, para 0 cornercio.jpara 0 que, alias, nasceram (Come-niu~ 1976, p. 448).--Fica, assim, evidenciada uma educaQao comum para *~odos, ate certo ponto. Depois uma educacao que continua,para aqueles que SeTaOdirigentes. A educacao para todos

    se faz basicamente na escola de lingua nacional, cuj? obj~t~vo e ensinar a toda ajuventude, dos seis aos doze ou trezeanos de idade, aquelas co isas que the serao uteis toda a vida:ler; esc~, ~r, medir,_ cantar melodias, aprender .de.,c6fmnos sagrados, catecismo, maximas da Sagrada Escri-tura, ensinamentos morals, condicoes economicas e politi-cas, historia geral do mundo, cosmografia e conhecimentosvarios a ordem geral acerea das artes rnecanicas, E_gome-nius (1976, p. 429) completa: "Se todas essas eoisas forem-- _-capazmente minis!radas nesta esco a de lingua nacional_accntecera que, nao so aos adoleseentes que entram paraa escola latina, mas tambern aqueles que pass am a exercero cornercio, a agricultura, ou os oficios manuais, nada se

    E D U C A

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    as regras da arte (leia-se manufatura) e ~modelo J2..iillL3-OTganizayao das escolas._O aluno deve aprender.a.fazer,fazendo (p. 320). 0 professor dey_e~ensina:ca-mu-it0s-al-b1.-E:OSde urfias6 vez, dividindo-os em classes,_tendo a ajuda.de'chefes de turmcC_de- monitores e, prjncipalmentecdo.Iivrodidatico (p. 279-81). 0 l ivro didatico sera 0 unicn.lizrn nara,. - - - - - - - - - -s alunos,_ elaborado 12e1ossabios, e cada professor , mesmo- .--que nao tenha muita habilidade :Rara ensinar, 0 usara 12aracomunicar e infundir na 'uventude u a erudiyao jfi prepa-rada e com instrumentos tarnbern ja preparados, colocadosri:as suas maos, assim como 0 org~e~ecu; uma sinfo-nia olhando para a partitura que ele talvez na_o fosse capa~_9r (p. 457). Olivro didatico, ao oferecer 0 que ~eveser aprendido, deve faze-Io repartido do modo mais distin-_- --to possivel, em tarefas de urn ano, de um mes, de urn dia,de uma hora (p. 459). Alem do livro-texto, para os alunos,Comenius recomenda tambem 0 livro-roteiro para os pro-fessores, para que esses aprendam a servir-se bem daquele,s(p. 460).o livro didatico sera, pois, 0 grande recurso para aeducacao p~dronizada que s~pi5e. OliVrOClidatico surge- . . -visceralrnerrte ligado a educayao que a burguesia ernergen-"te propce para difundir sua visii_odo rnundo. E, CO!? 0 livrod!d~ciftc-o,-frcamdados, desde ja, os limites epistemo16gicosda escola para todos. '.' .

    Se ainda resta alguma duvida quanta a modernidade deComenius e as caracteris ticas de suas escolas, basta mencio-nar 0 calculo que faz d.!:_horasde.estndo.na.escola.

    "Iernos boas razoes 12araacon~elhar Cl.ue_n~odisl2Yn_Q.amde trab_alhar nas eseolas publicas mais de quatro horas pordia; duas antes e duas depois do meio-dia. E se no sabado se

    EDUCAc ;: AO E C I DADAN IA 27

    fizer feriado de tarde, e 0 domingo for todo consagrado ao~lto divino, teremos 22 horas semanais de aula e (conee-didos ainda os feriados necessarios para as festas mais sole-nes) teremos cerca de mil horas Qor ano. E, em mil horas,quantas coisas se podem ensinar e aprender, se se pro cedesempre metodicamente" (Comenius, 1976, p. 463).. Comenius ten! no metodci a me sma confianya de Des-

    cartes, e isso nao e casual, uma vez que ha urn metoda _paraensinar porque ha um_metodo :Rara eonhec~r. Ha tambemurn "metoda" para produzir na manufatura. \

    E~Qe., ___agor3.-deixa-IldQ-GQmenius_d.e ado ,Yernergente ordem bur uesa necessita de uma ~d~y.oespeci&a para ~.E-Ji'LUJri_a_daslasses soeiais _wndamentaisem formacao, mesmo que, ate certo onto, a educa ao seja _. ::;.....' - 'comum, As necessidades educacionais da nova ordem em~desenvolvimento sao expressas com clareza por Leo Kofler,que cito em seguida, numa traducao de suas ideias, maisque de suas palavras.

    Sem duvida, a manufatura, durante muito tempo, re-vestiu-se de uma forma inicial e rudimentar. Porern, com 0crescimento das cidades e a rnaior demanda, fruto tambernde relacoes de mereado e consumo mais desenvolvidas, acriacao em grande escala de estabelecimentos manufaturei-ros se converteu na neeessidade mais urgente da economia._No_entanto~-p_ar isso er~ reciso su erar nao s6 difieulda-des materiais - principalmente a relativa pobreza de capi-~tal dos empresarios surgidos no art~ato - co:n0 tambemobstaculos de indole tradicional. Aos empresarios era preci-~ar,_em vez da atitude h~donista h~, segulldoa qual se trabalhava para viver, um espirito de caleulo e de~ue desembocava na ideia de qu~ ~e deve viver

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    III,.

    Ii.!

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    para trabalhar. Mas havia obstaculos tambem do lado dostrabalhadores: a rotina artesanal , baseada na tradi~;_a. comoda e agradavel concepyao de trabalho que, face ao novo'raG~'o ahsmo, aparecia como carente de disciplina; a atitude-iITaClOnasta iante do conceito de tempo, dianteda vidaetc. .. resultaram num gigantesco problema. A maioria dos-eres humanos de entao se surpreendeu com urn sentirncn-to de desgosto a ideia de uma organizacao produtiva estrita-mente ordenada, com base na divisao do trabalho e conce-bida para economizar tempo. Era preciso exterminar urnsentimento ainda pmfundamente arraigado,--proprio tantodo homem rural como do urbane: 0 sentimento de que aliberdade pessoal e incomp_ati'ILeLcom~ subordinagao a urnprocesso de trabalho estritamente vigiado e totalmentecionalizado e que, ate esse momento, era conhecido apenasnas casas de corregao e nos presidios. Nada mostra melhoro problema dos trabalhadores dessa epoca de transiQao gueo fa~ode estar as cidades a transbordarem de desocupa os,_mendigos e vagabundos, enquarito se experimentava escas-sez de mao de obra (Kofler; s/d. , p. 229).

    M.esmoos que ingressavam nas manufaturas deixavammUitd a des~jar; como atesta Mar; (1977, p. 266) "DurantetodD 0 perfodo manufatureiro ouvern-se queixas e queixasa prop6sito da disciplina dos trabalhadores".

    A lg un s s ao m a is ig u ais q ue o utro s

    A burguesia do seculo XVIII ja nao e mais a burguesiaemergente dos seculos XVI e XVII. Cresceu e consolidou-se---=--------- ,a~sim como ~rodu ao ca12italistainciRiente e nao hegemo-

    economico decisivo. Agora, a prodw;;ao capitalista produzm~rcadorias em grande escala de acordo com urn metodode divisao do trabalho gue em rega trabalhadores sob g _ di-recao de um empresario moderno. A maquina esta surgindoe revolucionando a I1rodugao e,_A_medidaque a producao ~~.capitalista de mercadorias avancou, mudou tambem a so-f , .~,.Iciedade como um todo. Con~olidada economicame~," ( ' J \ ~ t ~burguesla, agora, conquista 0 p;der politico ara insta~rar n~rJ! 'v-~a aemocracia burguesa, cujos primeiros sinais sao as decla- ' iY'c 'i rayoes dos Direitos do Homem e do Cidadao. A pri' iYieJ. ffi, Dec1aragao, a de 1789, ..Q.lle_s.endra=a:e::.15.ase-para_a_CDnstitui-

    . IfY ya O de 1791, elab_o.rada-pela-Assembleia Constituinre.domi-tr~ O \pada pela ande urmesia, insRira-se_!!as doutrinas ~os_~ ~ i j J fi16sofos iluministaa. Enuncia, no preambulo, os direitosJ ? naturais e imprescritiveis do homern: liberdade, _.PIQ_prieda-

    ~Iv e_rdela privado, senao quando a necessidade_publica, legalmen- .te constatada, 0 exige evidentemente e sob a condicao de. -_-umajusta e previa indenizacao" (artigo 17 da Declaracao dos. . . . _ _ _Direitos doHomern e do Cidadao de 1789, in Burdeau, 1979,p. 77). As duas dec.1arac;;_Q_eseguintes, a de 179.3 e a d e 1795,rnodificam a primeira_em_J!. lguns as ectos, porem todasafirmam a direito a propriedade. E 0 proprietario e 0 cidadao,ou seja, a propriedade e a criteriQ do civisrno.----- --Nessa epoca revolucionaria, escreve Burdeau, helumaconvicyao dorninante segundo a qual, nas alavras de Di-derot, liea propriedade ue faz c.cidadao'' Ou, como regis--

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    nica da rnanufatura desenvolveu-se ate tornar-se 0 fator

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    30 B UF FA . A RR O YO N O SE L LA

    tra a Enciclopedia: "Iodo homem que possui no Estado einteressado no bern do Estado". Ainda de acordo Cam Jill.[-deau, nao s6 a pensamento dominant~ defendi~Q_roprie-aade, mas tambem os que se exprimiam nos Cahiers deDoleances, cujo sentimento se resume nessa f6rmula: "0objeto das leis e assegurar a liberdade e a propriedade"(Burde_?u, 1979, p. 77).

    A tese dos enciclopedistas e , pais, como diz 0 baraod'Holbach, "0 proprietario, unicamente, e urn verdadeirocidadao" E a que e a cidadao,_]2ergunta Burdea~,_p!~ essespensadores do seculo XVIII que 'querem _estabelecer seureina? E responde: li E urn homem de ordem suficientemen-- - -- - ,te esc1arecido para poder escolher seus representantes comconhecimento de causa, bastante independente para estarao abrigo das press6es. Ora, que criteria melhor que a pos-se de uma certa propriedade poderia permiti r a segurancade que essas condicces estao satisfeitas? ~ propriedade euma garantia de afeiyao a coisa publica, p_piUJ12ro12rietariQ_---esta interessado em sua boa gestae, a propriedade e urn---- -signa, au aomenos uma supasigao de instI'1ll

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    Os direitos do cidadao, tanto os chamados direitos hu-manos - a vida, a saude, a educa_gao, a moradia - quantoos direitos civis - liberdade, igualdade juridica, justica => ,que a partir do seculo XVIII [oram sendo progressiva~enterealizados nos paises caQi.t.lis~envolvidos sao, pois,proposi 6es da democracia burguesa. Alias, os direitos dohomem e do cidadao foram reafirmados pela ONU, apes aSegunda Guerra MundiaL -

    Apesar disso, 0 Brasil, pais capitalista, caracteriza-seEor se~ieaaae autontarfa e hierarquizada em queos direitos do homem e do cidadao simplesmente nao exis-tern. Nab existem ara a elite, de vez ue ela nao precisade direitos porque tern rivilegios. Estct_pois, acima deles.Nao existem para a imensa maioria da po~ ~ os des-possu~os -, pois suas tentativas de consegui-los sao ~em-pre encaradas com_Q_p!:.oblemas de - olicia e tratadas comtodOo rigor do aparato repressor de urn Estado quase ~li-potehfe (C:naui;T9"8"6~2).

    A extrema liberal idade com q_u_e_Ltm.!;adag _ J 2 e!;l!:lenaelite corresponde a extrema repressao do povo sobretudo'-uando as trabalh~gol'es_se organizam e lutam. Epis6diosrecentes de nossa historia revelam que nem mesmo a vidahumana e encarada com alguma seriedad~._- Quanto a educacao, um dos direitos do cidadao 0 quese oferece a m~a da P_-9:gu1agao_maJ;d~coJ~~ 12~- - -

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    minima necessaF-ie-parafazer do trahalhador-um-Gidadaopassivo que, apesar de tudo, tern alguns poucos direitos.

    E h oje , n o Brasil, nem cldadaos ha.~--I:I

    I :-i

    EDUCA< ; :AO E C I DADANI A 33

    carla em todos as sentidos, e mesmo com escola~~nando com oito periodos diaries (declaracao da ex-coorde-nadora do COGSP a Folhade S.Paulo, 30jul. 1986, p. 16) naochega a atender todas as criancas em idade escolar. Para ascriancas consideradas care!lt~s, surgem a tO~fll:0ra propos-tas de planas ~ais a;-sistencialistas)_9 cronicoproblema do analfabetismo no Brasil continua insoluvel,

    ( como atesta Luiz Araujo Filho, assessor ao MEC: "Ttinta\ millioes e bras_Deiros @o analfabetos fu..ncionais, i_IQe ,embora sabendo desenhar 0no~e e decifrar algumas pala-vras, n~preend-;-m 0 que leem ~ vinte m1Jl1Clessaoanalfabetos absolutes, que nao sabern sequer assinar 0nom;;(__Folha d;S.Paulo, 31jul. 1986).

    Poder-se-ia pensar que, se 0 Brasil ainda nao~eti-zou as -id~ais burgues-;; de cidadania e pOl_gue aqui aindanao teria sido realizada a revolucao burguesa, ou seja, 0Brasi], nao seria.um pais capital is ta. Essa hipotese e , noentanto, de dificil aceita~ao. 0 Brasil e urn pais ca italista,~~a industria competitiva inclusive internacionalmen-'teo S6 que a realizac;;ao docaPfuilISm.o, ~qui,_~ao se da nos :.mesmos termos em que ocorre naEuropa, Aqui a realizacaodo capital - que 'afinal e 0 sujeito do capitalismo - se fazas custas da marginalizaQao da maioria dos bra.?j}~iros. En-tElo fica a guestao: como conseguir ue, no Umiar do seculoXXI os brasileiros se transformem em cidadaos? ,, - I

    Referenc ias b ib l ioqra f icasBACON, F Novum organum. 2. ed. Sao Paulo: Abril Cultural, 1979.(Col. Os Pensadores.)

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    , II BURDEAU, Georges. Le liberalisme. Pari s: Ed. du Seui l, 1979.CERRONI, U. La libertad de los modernos. Barcelona: EditionesMartinez Roca, 1972.CHAUl, M. et a1. Primeira f i losofia: licces introdutorias, 2. ed, SaoPaulo: Bras il iense, 1985.--_. Os direitos humanos. FoZha de SPaulo, 7 set. 1986.COMENlUS. Diddtica magna. 2. ed. Lisboa: Funda