educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DOUTORADO JAQUELINE PEREIRA VENTURA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS OU EDUCAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA? CONCEPÇÕES EM DISPUTA NA CONTEMPORANEIDADE BRASILEIRA NITERÓI 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – DOUTORADO

JAQUELINE PEREIRA VENTURA

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS OU EDUCAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA ? CONCEPÇÕES EM DISPUTA

NA CONTEMPORANEIDADE BRASILEIRA

NITERÓI

2008

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JAQUELINE PEREIRA VENTURA

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS OU EDUCAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA? CONCEPÇÕES EM DISPUTA

NA CONTEMPORANEIDADE BRASILEIRA

Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense, como requisito para a Obtenção do grau de Doutor em Educação. Campo de Confluência:Trabalho e Educação.

Orientadora: Profª Drª SONIA MARIA RUMMERT

Niterói 2008

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JAQUELINE PEREIRA VENTURA

Educação de Jovens e Adultos ou Educação da Classe Trabalhadora? Concepções em disputa na contemporaneidade brasileira

Tese apresentada ao Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obtenção do grau de Doutor.

Campo de Confluência: Trabalho e Educação. Aprovada em 19 de maio de 2008.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________

Profª Dr ª Sonia Maria Rummert – UFF (Orientadora)

_____________________________________ Prof. Dr. Rui Canário – FPCE-UL

_____________________________________ Prof. Dr. Roberto Leher – UFRJ

_____________________________________ Prof. Dr. Gaudêncio Frigotto – UERJ

_____________________________________ Prof. Dr. Osmar Fávero – UFF

_____________________________________ Profª Dr ª Margarida Machado – UFG (suplente)

_____________________________________ Profª Dr ª Lia Tiriba – UFF (suplente)

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AGRADECIMENTOS

Muitos contribuíram, de variadas formas, para que esta tese chegasse ao seu término.

A todos, os meus sinceros e profundos agradecimentos. Mesmo correndo o risco da omissão

de alguns nomes, procurarei aqui, na medida do possível, referendar algumas pessoas e

instituições, consciente de que o coletivo de apoios, ajudas, incentivos e sugestões é muito

mais amplo do que o registrado nesta seção.

Ao CNPq, pelo apoio recebido na concessão da bolsa de estudos ao longo deste

percurso e na oportunidade de realizar, durante um semestre, o Estágio de Doutoramento em

Portugal.

À Universidade Federal Fluminense agradeço a oportunidade de dar continuidade a

uma longa interlocução. Afinal, entre a Graduação (1993-1997), o Mestrado (1999-2001) e

agora o Doutorado (2004-2008), contabilizo uma década e meia de UFF!

À professora Sonia Maria Rummert, que participou efetivamente de minha trajetória

acadêmica. Sua contribuição transcende, em muito, a escrita desta tese. Tê-la como

orientadora e amiga é um privilégio e uma conquista de grande valor.

Ao professor Rui Canário, pelo acolhimento generoso na Faculdade de Psicologia e

de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. Suas aulas no Curso de Formação de

Adultos e no grupo de pesquisa me instigaram a redimencionar a “educação ao longo da

vida”.

Ao professor Roberto Leher agradeço a recepção na Faculdade de Educação da UFRJ

e as ricas discussões empreendidas nas suas aulas e no momento da qualificação, essenciais

para a elaboração dos dois primeiros capítulos desta tese.

Aos professores Gaudêncio Frigotto e Osmar Fávero, ambos “mestre de muitos

mestres”, pelo companheirismo e generosidade na interlocução acadêmica, minha gratidão e

carinho eternizados.

À professora Maria Margarida Machado, pela prontidão em ler meu trabalho, pela

presença na banca examinadora, pelas contribuições que certamente dará à versão final desta

tese, meu respeito e admiração.

Às professoras Sonia Maria de Vargas (UCP) e Maria Luiza Angelim (UNB), pelas

longas e generosas conversas e trocas. Pelo nome de Lia Tiriba agradeço a todos os demais

professores da UFF, particularmente àqueles do campo Trabalho e Educação e NEDDATE.

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À professora Márcia Trigueiro, por ter realizado a trabalhosa revisão de meu texto,

enriquecendo-o com valiosas sugestões.

A André Vianna Carneiro e Marco Aurélio Santana, amigos e parceiros de trabalho,

pela ajuda na organização dos dados quantitativos e qualitativos relativos a ANPEd.

Aos fóruns de EJA. Apesar de não serem objeto desta pesquisa, o envolvimento com

os mesmos e a experiência de por dois anos estar como representante estadual e ter como

interlocutores os demais fóruns de EJA do Brasil me abriu caminhos de percepção das

mediações, limites e tensões que em muito potencializaram as reflexões empreendidas nesta

tese; espero que ao assinalar as suas contradições, contribua para a superação das mesmas.

Aos tantos amigos, cúmplices de diversas categorias: a Filippina Chinelli, Marisa

Brandão, Inês Bonfim, Ênio Serra, Dani Motta e Luciana Requião, pelas orientações,

coletivas e individuais, que me proporcionaram; a Flávio Anísio, Alexandre Maia, Elizabeth

Serra, Violeta Durão e Gleicimar Gonçalves de Lima, pelo carinho e incentivo.

Especiais agradecimentos, pela confiança que depositam em mim, aos meus

familiares. Primeiramente aos meus pais (Uiaciara e Damião), que pelos nossos horizontes de

classe não idealizaram o mestrado ou o doutorado, mas me acompanham e torcem orgulhosos.

E, em seqüência, a todos os tios, primos, cunhados e sogros, a quem – pelos nomes de Aline

Pereira, prima-comadre, e Francisco das Chagas, cunhado-irmão – agradeço e peço desculpas

pela ausência necessária para a escrita da tese.

Finalmente, ao grande companheiro Francisco, pela leitura, crítica e correção do

trabalho. As contribuições são tantas que já não é possível distinguir ou enumerar.

Cumplicidade e amor não se agradecem, por isso palavras de gratidão serão sempre poucas...

mas foi muito bom poder contar com ele na concretização desse sonho construído em

parceria.

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Ressalto que é um fenômeno histórico. Não vejo a classe como uma “estrutura”, nem mesmo como uma “categoria”, mas como algo que ocorre efetivamente

(e cuja ocorrência pode ser demonstrada) nas relações humanas. (Thompson, 2004: 09)

(...) a classe é uma formação tanto cultural como econômica.

(ibid., p.13)

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO Apresentação do problema e objetivo.......................................................................................15 Referencial teórico-metodológico e estruturação da pesquisa..................................................21 CAPÍTULO I – CRISE DO CAPITAL, REFORMA DO ESTADO E EDUCAÇÃO NO BRASIL 1.1. A crise estrutural do sistema-capital e o capitalismo contemporâneo...............................30 1.1.1. O padrão de acumulação fordista ...................................................................................31 1.1.2. A acumulação flexível e a acumulação por espoliação ..................................................36 1.1.3. A classe trabalhadora diante da atual configuração do capital ......................................41 1.2. A reconfiguração do Estado no capitalismo neoliberal .....................................................48 1.2.1. As políticas educacionais no modelo capitalista neoliberal e periférico brasileiro .......55 CAPÍTULO II – A EDUCAÇÃO DE ADULTOS NO QUADRO HEGEM ÔNICO INTERNACIONAL 2.1. Os Acordos e Declarações Internacionais – aproximações das propostas da UNESCO e do Banco Mundial ....................................................................................................................73 2.1.1 A UNESCO e o Banco Mundial – breve contextualização .............................................75 2.1.2. A Educação de Adultos nas CONFITEAs – concepções e tendências ..........................82 2.1.3. Os Documentos Internacionais a partir da Década de 1990 – recomendações das agências multilaterais ...............................................................................................................88 2.2. Concepções que embasam os Acordos e Declarações Internacionais – Visões da tese da Educação ao Longo da Vida ..................................................................................................101 2.2.1. A Educação de Adultos na perspectiva da Educação ao Longo da Vida “Produtiva”..102 CAPÍTULO III – A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS TRABA LHADORES 3.1. Configuração atual da EJA no sistema educacional brasileiro .......................................110 3.2. Políticas de EJA implementadas pela União ...................................................................124 3.2.1. A EJA nos dois governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) ..........................124 3.2.2. A EJA no primeiro governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006) ..........................134

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CAPÍTULO IV– CONCEPÇÕES E REFERENCIAIS TEÓRICO-METO DOLÓGICOS SOBRE EJA PRESENTES NA PRODUÇÃO DA ANPED E DOS ENEJAS 4.1. A EJA na Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação ................163 4.1.1. GT 9 – Trabalho e Educação ........................................................................................168 4.1.1.1. A produção científica selecionada no GT 9 ..............................................................170 4.1.1.2. Principais referências teóricas ...................................................................................173 4.1.1.3. As pesquisas sobre a EJA no GT 9 ...........................................................................175 4.1.2. GT 6 – Educação Popular ..........................................................................................184 4.1.2.1. A produção científica selecionada no GT 6 ..............................................................187 4.1.2.2. Principais referências teóricas ..................................................................................188 4.1.2.3. As pesquisas sobre a EJA no GT 6 ...........................................................................190 4.1.3. GT 18 – Educação de Pessoas Jovens e Adultas .........................................................196 4.1.3.1. A produção científica selecionada no GT 18 ............................................................199 4.1.3.2. Principais referências teóricas ...................................................................................201 4.1.3.3. As pesquisas selecionadas sobre a EJA no GT 18 ....................................................203 4.2. A EJA nos Encontros Nacionais de Educação de Jovens e Adultos ...............................214 4.2.1. Breve histórico dos ENEJAs ........................................................................................214 4.2.2. Levantamento das discussões ocorridas nos ENEJAs .................................................219 4.2.3. Temáticas e conceitos presentes nos ENEJAs .............................................................232 CAPÍTULO V – CONCLUSÃO: TENSÕES, CONTRADIÇÕES E DESAFIOS DA EJA NA CONTEMPORANEIDADE: DISPUTAS ENTRE AS LÓGICAS DE MANUTENÇÃO E DE SUPERAÇÃO DA ORDEM SOCIAL .......................................240 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Fontes Secundárias .................................................................................................................270 Fontes Primárias .....................................................................................................................283 A – ANPEd (GTs: 06, 09 e 18) ..............................................................................................283 B – Legislações ......................................................................................................................286 APÊNDICES Trabalhos Selecionados do GT 9 – Trabalho e Educação ......................................................294 Trabalhos Selecionados do GT 6 – Educação Popular ..........................................................297 Trabalhos Selecionados do GT 18 – Educação de Pessoas Jovens e Adultas .......................300

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L ISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – Principais ações do governo federal relativas à EJA (1996 a 2002), p. 156 QUADRO 2 – Principais ações do governo federal relativas à EJA (2003 a 2006), p. 157 QUADRO 3 – GT 9: Temas, nível educacional e sujeitos sociais predominantes, p. 179 QUADRO 4 – GT 6: Temas, nível educacional e sujeitos sociais predominantes, p. 192 QUADRO 5 – GT 18: Autores dos minicursos (1998-2006), p. 196 QUADRO 6 – GT 18: Autores dos trabalhos encomendados (1998-2006), p. 196 QUADRO 7 – GT 18: Temas, nível educacional e sujeitos sociais predominantes, p. 210

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L ISTA DE TABELAS

TABELA 1 – GT 9: Autores clássicos, p. 171 TABELA 2 – GT 9: Autores contemporâneos, p. 172 TABELA 3 – GT 6: Autores clássicos, p. 187 TABELA 4 – GT 6: Autores contemporâneos, p. 188 TABELA 5 – GT 18: Principais instituições às quais estão vinculados os autores, p. 199 TABELA 6 – GT 18: Autores contemporâneos, p. 200 TABELA 7 – GT 18: Autores clássicos, p. 200

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L ISTA DE SIGLAS

ANPEd – Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação

CEB – Conselho de Educação Básica

CEFET – Centros Federais de Educação Tecnológica

CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe

CNE – Conselho Nacional de Educação

CNI – Confederação Nacional da Indústria

CGT – Central Geral dos Trabalhadores

CODEFAT – Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador

CONED – Congresso Nacional de Educação

CONFITEA – Conferência Internacional de Educação de Adultos

CUT – Central Única dos Trabalhadores

EJA – Educação de Jovens e Adultos

ENCCEJA – Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos

ENEJA – Encontro Nacional de Educação de Jovens e Adultos

EP – Educação Profissional

FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador

FMI – Fundo Monetário Internacional

FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização

do Magistério

FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização

dos Profissionais da Educação

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário

MEC – Ministério da Educação

MEPF – Ministério Extraordinário da Política Fundiária

MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

MTE – Ministério do Trabalho e Emprego

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OEI – Organização dos Estados Iberoamericanos para a Educação, a cidadania e a cultura

ONG – Organização Não-Governamental

ONU – Organização das Nações Unidas

PAS – Programa Alfabetização Solidária

PEA – População Economicamente Ativa

PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais

PLANFOR – Programa Nacional de Qualificação Profissional ou Plano Nacional de

Educação Profissional

PNE – Plano Nacional de Educação

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PNQ – Plano Nacional de Qualificação

PNPE – Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego

PROEJA – Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na modalidade

de Educação de Jovens e Adultos

PROJOVEM – Programa Nacional de Inclusão de Jovens

PROEP – Programa de Expansão da Educação Profissional

PROFAE – Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem

PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

PRONERA – Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária

PROGER – Programa de Geração de Emprego e Renda Urbano e Rural

REP – Rede de Educação Profissional

SEE – Secretaria Estadual de Educação

SECAD – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade

SETEC – Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica

SEFOR – Secretaria de Formação Profissional

SME – Secretaria Municipal de Educação

SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SENAC – Serviço Nacional do Comércio

SENAR – Serviço Nacional de Aprendizagem Rural

SESC – Serviço Social do Comércio

SESI - Serviço Social da Indústria

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura

UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância

UNITRABALHO – Fundação Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho

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RESUMO

O objetivo principal desta tese é apreender e analisar as concepções de Educação de Jovens e Adultos (EJA) em disputa no Brasil contemporâneo. Desta forma, busca-se: 1) compreender o processo que tornou possível a concretização da identidade atual da EJA, e (em conseqüência), 2) explicitar as contradições, as oposições, as convergências de interesses, os consensos e os contornos do reordenamento da EJA ao longo da última década. O estudo visa, ainda, discutir possibilidades e entraves relativos à construção de processos de aproximação teórica e prática dos campos Trabalho e Educação e Educação de Jovens e Adultos. Para tanto, busca demonstrar como a identidade da EJA, a partir da década de 1990, caracterizada pela fragmentação das ações empreendidas, adquiriu configuração bem mais complexa que a de décadas precedentes, inspirada na lógica do padrão de acumulação flexível e nas diretrizes dos organismos internacionais, especialmente o Banco Mundial e a UNESCO, o que redimensionou o conteúdo da própria fragmentação. Para melhor situar este problema, são abordadas as complexas relações que se estabelecem entre a EJA e as políticas no nível mais global, principalmente quanto aos determinantes estruturais do sistema-capital e sua crise, a reforma do Estado brasileiro e suas implicações no campo educacional como um todo. A seguir, são analisados os conceitos e as propostas na área da educação de adultos desenvolvidas pelos organismos internacionais como resposta à nova materialidade do capitalismo internacional os quais influenciaram no Brasil os debates e nas formulações relativas à EJA na atualidade. Na seqüência, é apresentada a configuração recente das políticas para EJA (1995-2006) e as formas como os dois governos Fernando Henrique Cardoso e o primeiro governo Luiz Inácio Lula da Silva trataram e imprimiram contornos legais e práticos a essa modalidade de ensino, tanto em termos conceituais quanto no âmbito das ações. O capítulo seguinte debruça-se sobre conceitos e referenciais teórico-metodológicos presentes nos trabalhos apresentados nas reuniões da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), e nos relatórios dos Encontros Nacionais de Educação de Jovens e Adultos (ENEJAS) no período em estudo. A análise empreendida na parte final da tese ressalta que atualmente, em relação à EJA, mais do que negar o acesso à educação, o que prevalece são formas diferenciadas de acesso, que regulam a manutenção da distribuição diferenciada dos conhecimentos. O estudo aponta, neste capítuo conclusivo, para tensões, contradições e desafios presentes nas lógicas de manutenção e de superação da ordem social, na EJA, na contemporaneidade brasileira. Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos, Educação Profissional, Trabalho e Educação.

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ABSTRACT The main objective of this research is to capture and to analyse the conceptions of

Youth and Adult Education (EJA) which are under dispute in the contemporary Brazilian society. Thus, this study aims at understanding the process which led to the construction of the current identity of the EJA and (as a result) it also points out the contradictions, oppositions, convergence of interests, consensus and contours of the reformulations of the EJA in the last decade. Moreover, it also discusses the alternatives and obstacles with relation to the theoretical and practical processes of approach of both Work and Education and Youth and Adult Education. Furthermore, this investigation seeks to demonstrate how the identity of the EJA has acquired a more complex format since the 90s, a decade which was characterised by the fragmentation of the undertaken actions. This fragmented format has been inspired by the logic of the flexible accumulation pattern and the guidelines of the international organisations, especially BIRD and UNESCO, which have added a new dimension to the fragmentation content. To address this problem more effectively, this work analyses the complex relationship between the EJA and the global policies, mainly concerning the structural aspects of the capitalist system and its crisis; the Brazilian State Reform and its implications in the educational field as a whole. In addition, it also discusses the concepts and the proposals designed for adult education, developed by the international organisations in reply to the new materialisation of the international capitalism, which has influenced the debates and the formulations concerning the EJA in Brazil at the moment. Futhermore, this study presents the recent configuration of policies regarding the EJA (1995-2006) as well as the ways in which Fernando Henrique Cardoso (in both government terms), and Luiz Inácio Lula da Silva (in his first term), dealt with this educational programme both legally and practically, that is, in conceptual and in practical terms. The following chapter reflects upon the concepts as well as the methodological and theoretical perspectives of the works presented at the Post Graduation National Association and Education Research (ANPEd) meetings, and the reports of the National Conference on Youth and Adult Education (ENEJAS), when this research was being carried out. In addition, the analysis done in this study highlights the fact that, at the moment, with regard to the EJA, what prevails are the different forms of access to this type of educational programme, which is responsible for the uneven and unequal distribution of knowledge. Finally, the concluding chapter points to the tensions, the contradictions and the challenges existing in the predominant logic that contributes to mantain or to overcome the prevailing social order in the EJA, and in the Brazilian contemporary society. Key words: Youth and Adult Education, Professional Education, Work and Education

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INTRODUÇÃO

Apresentação do problema e objetivo

Esta tese se debruça sobre a Educação de Jovens e Adultos (EJA), relacionando-a ao

contexto mais amplo de mundialização do capital (Chesnais, 1996) e suas repercussões em

um país de semiperiferia (Arrighi, 1997) como o Brasil. A pesquisa se ocupou em apreender e

analisar as concepções de EJA em disputa na contemporaneidade e suas múltiplas relações

com o cenário nacional e internacional. Especificamente, pretende-se com esta tese trazer à

tona as configurações que a EJA vem assumindo, sobretudo a partir de meados da década

passada, desvelando e problematizando as concepções hegemônicas e suas complexas

mediações e inter-relações.

O surgimento do tema da pesquisa que deu origem a esta tese relaciona-se a

angústias e reflexões derivadas de nossa experiência profissional de uma década na área de

Educação de Jovens e Adultos, tanto como docente de turmas de nível fundamental, quanto de

alunos de nível superior, para quem ministramos a disciplina de EJA em cursos de Graduação

e de Pós-Graduação lato-senso. A experiência adquirida na administração pública, como

coordenadora da área no município de Niterói, onde vivenciamos o desafio e as dificuldades

em superar a lógica compensatória da EJA e pautar a nível político-administrativo a defesa da

EJA como política pública e como direito à educação com qualidade social para todos. A

participação em diferentes Fóruns sobre o tema, em especial, nos debates do Fórum EJA/RJ1.

A isto podemos acrescentar que em termos acadêmicos, minha relação com o tema remonta à

pesquisa que resultou na nossa dissertação de mestrado2.

Na pesquisa para o doutorado nos ocupamos em apreender e analisar as concepções

de EJA em disputa na contemporaneidade e suas múltiplas relações com o cenário nacional e

internacional, no intuito de trazer à tona as configurações que a Educação de Jovens e Adultos

vem assumindo, sobretudo a partir de meados da década passada, procurando revelar e

1 Além de acompanhar e participar das reuniões do Fórum EJA/RJ desde 2001, e participar dos encontros nacionais (ENEJA) ressalto a atuação como representante do movimento no biênio 2004-2006. 2 No mestrado, nossa investigação focalizou a experiência de formação profissional de nível básico, desenvolvida no âmbito do Ministério do Trabalho: o Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador (PLANFOR). Buscou-se compreender os processos redefinidores das políticas públicas para a educação de jovens e adultos na década de 1990, tomando como referência investigativa o PLANFOR, por considerá-lo representativo da concepção política e pedagógica em construção pelo Estado brasileiro para essa modalidade de educação.

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problematizar as concepções hegemônicas e suas complexas mediações e inter-relações.

Portanto os objetivos da pesquisa foram: 1) compreender o processo que tornou

possível a concretização da identidade atual da EJA, e (em conseqüência), 2) explicitar as

contradições, as oposições, as convergências de interesses, os consensos e os contornos do

reordenamento da EJA ao longo da última década. Para tanto, analisamos as concepções de

EJA atualmente em disputa na sociedade brasileira, com ênfase no período compreendido

entre 1995 e 2006. O fio condutor da análise desse conjunto de questões foram as profundas

mudanças sofridas pelo mundo do capital nas últimas duas décadas em escala global.

Em suma, compreender o movimento do real em que as concepções de EJA em

disputa se materializam em sua dimensão prática é o desafio deste estudo. Buscamos

apreender e explicitar as múltiplas relações que compõem e determinam a forma histórica da

EJA na especificidade do Brasil; e identificamos alguns dos agentes econômicos, sociais,

acadêmicos e estatais envolvidos nessa construção. Para tanto este estudo se debruça sobre

quatro instâncias, tomando-as como constitutivas e insissociáveis da totalidade analisada: 1)

os acordos e declarações das agências multilaterais; 2) as políticas públicas implementadas

nos governos Fernando Henrique Cardoso e no primeiro governo Luiz Inácio Lula da Silva;

3) a produção teórica da ANPEd, nos GTs 6, 9 e 18; 4) os Encontros Nacionais de EJA. Nesta

perspectiva, a Educação de Jovens e Adultos é aqui analisada como referente à educação

básica e profissional de jovens e adultos trabalhadores, sem que se desconsidere, por isto, a

amplitude da área; ao contrário, é precisamente em decorrência de tal amplitude que

delimitamos o campo de análise.

No período compreendido entre a segunda metade da década de 1990 e os primeiros

anos deste novo século o sistema educacional brasileiro foi reformulado e um novo quadro

normativo foi estabelecido na área da EJA. No contexto da promulgação da nova Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN (Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de

1996), a EJA é definida como uma modalidade da Educação Básica, nos níveis fundamental e

médio, acrescido de funções específicas. Observa-se que a área é balizada pela afirmação, no

plano jurídico, do direito formal à educação, ao mesmo tempo em que ocorre efetivamente a

sua negação no âmbito das políticas implementadas para área.

É preciso destacar que aquilo que a partir da Lei nº 9.394/96 passou a ser

denominado Educação de Jovens e Adultos apresenta uma longa história sob a perspectiva

dos marcos legais, que remonta aos Exames de Madureza (Lei nº 4.024/61) e ao Ensino

Supletivo (Lei nº 5.692/71), com parte de suas experiências sendo implementadas no campo

da chamada educação popular. Foge aos objetivos deste estudo retomar a história da EJA em

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sua fase inicial. Contudo, com o propósito de contextualizar a problemática, destacamos

brevemente que, em um primeiro momento, as ações no âmbito da EJA referem-se à

realização das grandes campanhas nacionais de iniciativa oficial, como a Campanha de

Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA), destacando-se também a criação e,

principalmente, o fortalecimento e ampliação da estrutura de formação profissional

empresarial, como o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). O segundo

momento tem como referência os projetos e experiências que envolviam a participação

popular, particularmente na conjuntura anterior ao golpe civil-militar de 1964, como as

atividades de alfabetização de Paulo Freire, a atuação dos vários Centros Populares de Cultura

(CPC), a Campanha “De pé no chão também se aprende a ler” e o Movimento de Educação de

Base (MEB), especialmente na sua primeira fase. O terceiro momento tem como marco os

movimentos implementados a partir da ditadura civil-militar, como a Cruzada Ação Básica

Cristã (Cruzada ABC), o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), além do Programa

de Preparação de Mão-de-Obra (Pipmo). Por fim, o quarto momento alude às experiências

empreendidas no decorrer do processo de democratização, destacando-se a experiência do

Programa Alfabetização Solidária (PAS), seguida por um processo de redefinição, de

construção de uma nova identidade, sendo o Plano Nacional de Formação Profissional

(Planfor) o principal exemplo do que se construiu para EJA até o início da década de 2000 (cf.

Ventura, 2001).

A partir da década de 1990, a aceleração das transformações do capitalismo o Brasil,

seguindo moldes neoliberais, consolidou uma posição marginal ocupada pela EJA no quadro

da política educacional, e integrou, seguramente, uma fase bem definida na história da

educação de adultos no Brasil. A “nova identidade da EJA” (Ventura, 2001) foi constituída ao

longo dos dois períodos governamentais do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995 a

1998 e 1999 a 2002), a partir da baixa indução e coordenação da política educacional dessa

área no âmbito do Ministério da Educação (MEC), e do destacado papel assumido pelo

Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) no mesmo período, com a implementação do Plano

Nacional de Qualificação do Trabalhador (Planfor) respondendo por expressiva parte das

ações de formação profissional, principalmente de nível básico, destinado a trabalhadores sem

escolaridade prévia, conforme previsto no Decreto nº 2.208/97.

Na dissertação de mestrado3 apontamos para o fato de que se desenhava, na década

de 1990, uma clara "divisão de tarefas" entre o MEC e o MTE. Contudo, não por acaso, tal

3 O PLANFOR e a Educação de Jovens e Adultos Trabalhadores: a subalternidade reiterada (Ventura, 2001).

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divisão recai precisamente sobre a modalidade básica da educação profissional, aquela que

atinge a parcela da população que, dado seu alijamento econômico e sociocultural, é

historicamente atendida pela EJA. Nessa "divisão de tarefas", enquanto se observava o

esvaziamento, a indefinição e a descentralização no MEC, o MTE estabeleceu como principal

diretriz a ampliação da educação fundamental (noções básicas, mínimas) e a formação

profissional de nível básico, executadas a partir de projetos e atividades com uma perspectiva

predominantemente aligeirada e assistencialista. O Planfor – Programa Nacional de

Qualificação Profissional é a política que de 1995 a 2003 melhor expressa concepção

fragmentada e focal de educação básica para os trabalhadores e que melhor expressa a divisão

pedagógica e institucional naquele momento. Pode-se dizer que as políticas públicas para a

área aproximam-se do que Neves (1997) denomina formação para o trabalho simples para a

atual geração de trabalhadores4.

Rummert (2003) afirma, baseado em Castro (1985), que as iniciativas no campo da

educação básica e profissional para jovens e adultos trabalhadores, principalmente a partir de

1995, podem ser agrupadas tomando-se como referência frações da classe trabalhadora às

quais se destinam. Desse modo, destaca:

[1] Para aqueles destituídos de todos os direitos sociais, entre os quais se destaca o direito à educação, o MEC implementa ações centradas na filantropia, no apelo ao voluntariado e à solidariedade e/ou nas parcerias, voltadas para a meta recorrente de eliminação do analfabetismo. Nos anos de 1990, a política destinada a esse campo restringiu-se às iniciativas desenvolvidas pelo Programa Alfabetização Solidária. [2] Para a formação de trabalhadores destinados a ocupar postos de trabalho em setores que contam, ainda, com razoável grau de proteção, no núcleo central do capital, ligado, predominantemente às novas tecnologias, o MEC tem atuado, ainda de forma tímida, no Ensino Médio e na educação profissional de nível técnico e tecnológico. (...) [3] [...] aqueles empregados em setores economicamente declinantes, obrigados a abrir mão de direitos para manter ou obter empregos, ou, ainda, aqueles que executam serviços de baixa produtividade, com proteção mínima ou, mesmo nenhuma e em condições de trabalho precarizadas. (...) A esses trabalhadores estão destinados os programas de formação profissional, a maioria implementada pelo MTE em particular, aqueles executados com recursos do Fundo do Amparo ao Trabalhador (FAT). (p. 4-5)

Mais recentemente, em particular no período de 2003 a 2006, as políticas públicas de

educação, tanto básica quanto profissional, não vêm confluindo para uma alteração

significativa na democratização do acesso a educação. Apesar de se encontrar em andamento

um expressivo número de ações (projetos e programas) no âmbito da EJA, continuam

predominando políticas frágeis sob o ponto de vista institucional (recursos, alcance,

4 Neves (1997) subdivide as políticas governamentais para a formação do trabalho simples em dois tipos: formação da atual geração de trabalhadores e formação das próximas gerações de trabalhadores.

Page 19: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

19

provisoriedade) e aligeiradas sob o ponto de vista da qualidade do processo educacional5.

Para compreender6 a configuração da EJA no Brasil enquanto educação destinada

àqueles que na idade própria não tiveram acesso ou continuidade de estudos no Ensino

Fundamental e no Ensino Médio (LDBEN nº 9.394/96, Art. 37), consideramos fundamental a

percepção do seu caráter de classe, bem como a conseqüente percepção de que seu público é

formado essencialmente por trabalhadores, ou seja, por aqueles “que vivenciam diversas

interdições que as profundas assimetrias de poder inerentes à sociedade capitalista impõem à

classe trabalhadora” (Rummert, 2006: 124). Assim, é necessário observar o processo de

configuração da EJA como parte do contexto de reformas da educação, no quadro mais amplo

das reformas institucionais de matriz neoliberal do Estado brasileiro, que, por sua vez, é

marcado por profundas relações com o contexto político internacional, nos marcos da nova

ordem econômica7.

Embora exista uma vasta bibliografia (Paiva, 2003; Beisiegel, 2004; Haddad, 2004,

entre outros) sobre a sua história, é mister reconhecer que são raras as investigações realizadas

que caracterizam a EJA como um campo de disputa entre capital e trabalho. Considerado

como superado por ser incapaz de apreender a complexidade da atualmente denominada

“sociedade do conhecimento”, o conceito de classe social (e de frações de classe) costuma,

atualmente, ser negado ou secundarizado. Todavia, ressaltamos neste trabalho sua

centralidade histórica e analítica, e concebemos as atuais políticas públicas para EJA a partir

da premissa de que:

Em primeiro lugar, sua ótica não parte dos indivíduos, nem da sociedade enquanto somatório de individualidades. Se há natureza no homem, ela é social e, portanto, passível de transformação. Os homens têm uma sociabilidade própria que lhes é dada, em cada momento da história, pelo lugar que ocupam no processo de produção e de trabalho. (Mendonça, 2001:13)

A nosso ver, é justamente o entendimento desta questão e da sua centralidade que

tem gerado importantes conflitos teóricos e no campo da práxis entre uma vertente crítica, na

5 Como exemplo da lógica dominante na área, ver Rummert (2005). 6 Compreensão é aqui tomada no sentido atribuído por Kosik (1995): “compreender o fenômeno é atingir a essência” (p.16), é um esforço por ir além do aparente e chegar à “coisa em si” e “conhecer-lhe a estrutura” (p.18). Tratamos compreensão na perspectiva da filosofia da práxis, de forma indissociável à idéia de ação para transformação. 7 É importante salientar que a incorporação, no Brasil, de proposições difundidas pelos organismos internacionais, em particular sobre a relação linear entre educação e economia determinada pelo desenvolvimento tecnológico, ficou evidente no encaminhamento da política educacional a partir do início dos anos 1990. Por exemplo, em 1993, o “Plano Decenal de Educação para Todos”, formulado pelo MEC, continha as posições, supostamente consensuais, expressas na Declaração Mundial sobre Educação Para Todos: Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem (Unesco, 1990), evento promovido pela UNESCO, UNICEF, PNUD e Banco Mundial; problemática esta que será tratada mais adiante neste trabalho.

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qual predomina a perspectiva da análise das diferenciações sociais sob a forma de classe, e

outra vertente em que predomina a perspectiva das múltiplas identidades e subjetividades,

compreendendo a EJA como campo de demonstração unicamente da diversidade cultural.

Neste ponto, podemos afirmar que, da existência de concepções distintas sobre o que é a EJA

e sobre as características sociais de seu público, derivam diferentes visões sobre a forma e o

conteúdo da condução das políticas educacionais na área.

Assim, esta pesquisa discute a educação de jovens e adultos do ponto de vista da

identidade de classe social, mediada pelo trabalho8, buscando demonstrar como a identidade

da EJA, a partir da década de 1990, caracterizada pela fragmentação das ações empreendidas,

foi tomando uma configuração própria, bem mais complexa, inspirada na lógica do padrão de

acumulação flexível9, que redimensionou o conteúdo da própria fragmentação. Atualmente,

mais do que negar o acesso à educação, o que prevalece são formas diferenciadas de oferta e

acesso, ou seja, verifica-se uma distribuição e regulação de diferentes acessos a variadas

ofertas de educação. A partir deste enquadramento, nossa hipótese é que os novos formatos

das políticas educativas voltadas para jovens e adultos pouco escolarizados tornam-se

compreensíveis à luz de suas intenções de controle social, estruturando-se a partir de objetivos

de caráter paliativo quanto à desigualdade social.

É importante registrar, ainda, que o processo de constituição da atual configuração da

educação brasileira é resultado da correlação de forças entre os vários setores organizados da

sociedade civil. No campo progressista, um exemplo significativo, dentre outros sujeitos

políticos coletivos, foi o empenho do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública10 na

Assembléia Nacional Constituinte de 1988, no Projeto de LDB (PL 1.258/88) e no Plano

Nacional de Educação – Proposta da Sociedade Brasileira (PL 4.155/98). Todavia, a tese não

se ocupará dos meandros desse, priorizando-se apenas o resultado da ação das forças

dominantes.

8 Referimo-nos à categoria trabalho enquanto produção da existência do homem, independente das formas de sociedade, ou seja, como necessidade social-ontológica de mediação entre homem e natureza no processo de produção e reprodução das condições de sua existência (Marx, 1984). 9 A acumulação flexível “é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. [...] A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões de desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado ‘setor de serviços’ ” (Harvey, 1999: 140). 10 Segundo sua Declaração de Princípios (2001), o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública constitui-se em uma articulação de entidades e movimentos sociais organizados da sociedade brasileira os quais, partilhando princípios, valores, concepções e ideais semelhantes, buscam defender a educação pública, gratuita, democrática e de qualidade social, para todos os cidadãos e cidadãs brasileiros(as).” Disponível em: http://www.andes.org.br/forum.htm. Acesso em: maio de 2008

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Referencial teórico-metodológico e estruturação da pesquisa

A opção por um método11 implica em escolhas que, inevitavelmente, terão como

referencial a visão de mundo do pesquisador. Nesta pesquisa procuramos nos fundamentar na

perspectiva dialética do materialismo histórico12, e com isto estamos evidenciando o nosso

compromisso ético e político em relação à realidade, bem como nosso intento de contribuir

para o processo de mudança qualitativa dessa realidade13.

O referencial teórico-metodológico pautado na perspectiva do materialismo histórico

dialético tem por enfoque analisar a realidade buscando atingir sua essência, “a dialética

materialista como método de explicitação científica da realidade humano-social não significa

[...] redução da cultura a fator econômico. A dialética não é o método da redução: é o método

da reprodução espiritual e intelectual da realidade, é o método do desenvolvimento e da

explicitação dos fenômenos culturais partindo da atividade prática objetiva do homem

histórico” (Kosik, 1995: 39).

A importância desta perspectiva situa-se na compreensão da concepção ontológica de

homem, em que a atitude humana face à realidade é de um ser histórico que exerce a sua

atividade prática no trato com a natureza e com os outros homens, objetivando a consecução

dos próprios interesses, dentro de um determinado conjunto de relações sociais. Nesta

perspectiva (Marx e Engels, 1988), o capital possui em si uma contradição: uma vez que gera

simultaneamente ampliação potencializada das forças produtivas (com criação de avanços

tecnológicos e riquezas), por outro lado e simultaneamente, a apropriação privada do

resultado do trabalho humano, cria relações sociais de extrema desigualdade. Tal contradição

(tensão capital x trabalho) se expressa na luta de classes como motor da história, ou seja, para

esses autores, a história da humanidade é a história da luta de classes.

A humanidade, assim, se define não pelo pensar, mas pelo produzir a sua existência:

Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião e por tudo o que se queira. Mas eles próprios começam a se distinguir dos animais logo que começam a produzir seus meios de existência, e esse passo à frente é a própria conseqüências de sua organização corporal. Ao produzirem seus meios de existência, os homens produzem indiretamente sua própria vida material. [...]

11 Método é aqui entendido no sentido que lhe atribui Kosik: “O pensamento que destrói a pseudoconcreticidade para atingir a concreticidade é ao mesmo tempo um processo no curso do qual sob o mundo da aparência se desvenda o mundo real, por trás do fenômeno, a essência” (Kosik.1995:19) 12 Os pressupostos epistemológicos da dialética materialista histórica foram apresentados, por exemplo, em Marx (1983). Dialogamos também com as contribuições de Kosik (1995); Gramsci (1991) e Thompson (2004); Hobsbawm (1995) e Mészáros (2002). 13 Nesta perspectiva, para além da compreensão, busca-se a superação da realidade: “Os filósofos só interpretaram o mundo de diferentes maneiras; do que se trata é de transforma-lo” (Marx e Engels, 1988: 97)

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São os homens que produzem suas representações, suas idéias etc., mas os homens reais, atuantes, tais como são condicionados por um determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e das relações que elas correspondem, inclusive as mais amplas formas que estas podem tomar. (Marx e Engels, 1988: 13/20)

Em outras palavras, o homem é produtor de sua realidade. Amparados em Kosik

(1995) afirmamos a importância da percepção da diferença entre o real e as formas

fenomênicas da realidade, bem como, da compreensão da realidade enquanto unidade do

fenômeno (pseudoconcreticidade) e da essência (realidade) compondo um todo estruturado

que se encontra em desenvolvimento. Não obstante, para superar a aparência e compreender o

real é imprescindível a busca das conexões para reconstituir a realidade concreta como um

todo estruturado (totalidade a ser investigada).

Da vital, caótica, imediata representação do todo, o pensamento chega aos conceitos, às abstratas determinações conceituais, mediante cuja formação se opera o retorno ao ponto de partida; desta vez, porém, não mais como ao vivo mas incompreendido todo da percepção imediata, mas ao conceito do todo, ricamente articulado e compreendido. O caminho entre a ‘caótica representação do todo’ e a ‘rica totalidade da multiplicidade das determinações e das relações’ coincide com a compreensão da realidade. (Kosik, 1995: 36)

Para a dialética materialista a apreensão da realidade social pode e deve se dar na sua

totalidade, o que não quer dizer que seja investigar tudo, ou que, todos os aspectos da

realidade possam ser apreendidos. Todavia, tal posicionamento se contrapõe frontalmente à

posturas relativistas (como as de inspiração pós-modernas) que negam a possibilidade do

conhecimento humano alcançar o conjunto dos aspectos da realidade. De acordo com o

enfoque da dialética materialista histórica, a dimensão da práxis enquanto “método

revolucionário de transformação da realidade” tem papel central no desvelamento do real, ou

seja, “Para que o mundo possa ser explicado criticamente, cumpre que a explicação mesma se

coloque no terreno da práxis revolucionária” (idem, p. 22).

Por isso, como é sintetizado exemplarmente por Frigotto,

Por trás das disputas teóricas que se travam no espaço acadêmico, situa-se um embate mais fundamental, de caráter ético-político, que diz respeito ao papel da teoria na compreensão e transformação do modo social mediante o qual os seres humanos produzem sua existência, neste fim de século, ainda sob a égide de uma sociedade classista, vale dizer, estruturada na extração combinada de mais-valia absoluta, relativa e extra. As escolhas teóricas, deste sentido, não são nem neutras e nem arbitrárias – tenhamos ou não consciência disto. (Frigotto, 1998: 26)

Este ponto nos traz a dimensão de que, levando-se em conta o objeto deste estudo,

faz-se necessário alertar que a apreensão fenomênica e imediata do conceito de classe, só o

percebe como um conceito autônomo e utilitário. Todavia, amparados principalmente nos

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estudos de Thompson, retomamos a apropriação de classe como relação, como um processo

em formação. Segundo este autor,

(...) nenhuma categoria histórica foi mais incompreendida, atormentada, transfixada e des-historizada do que a categoria de classe social; uma formação histórica autodefinidora, que homens e mulheres elaboram a partir de sua própria experiência de luta, foi reduzida a uma categoria estática, ou a um efeito de uma estrutura ulterior, das quais os homens não são os autores mas os vetores. (1981: 57)

Thompson (2004) assinala para o fato de que as concepções de classe social estão,

muitas vezes, marcadas por equívocos como a sua coisificação: "Existe atualmente uma

tentação generalizada em se supor que a classe é uma coisa" (p. 10). Enquanto fenômeno

histórico, que o conceito de classe precisa ser tomado como uma relação social e não apenas

como um mero local estrutural, presente nas visões economicista. Desta forma, assinala:

A meu juízo, foi dada excessiva atenção, frequentemente de maneira anti-histórica, à ‘classe’, e muito pouco, ao contrário, à ‘luta de classes’. Na verdade, na medida em que é mais universal, luta de classes me parece ser o conceito prioritário. Talvez diga isso porque a luta de classes é evidentemente um conceito histórico, pois implica um processo (...). Para dizê-lo com todas as letras: as classes não existem como entidades separadas que olham ao redor, acham um inimigo de classe e partem para a batalha. (Thompson, 2002: 274)

Há de se investigar, portanto, a concepção de classe enquanto fenômeno histórico, ou

seja, a ação dos homens no decorrer de sua própria história, nos termos de sua própria

experiência. Sendo a classe uma relação e não algo estático, é preciso considerar que “A

relação precisa estar sempre encarnada em pessoas e contextos reais [e] a consciência de

classe é a forma como essas experiências são tratadas em termos culturais” (Thompon, 2004:

10).

A apresentação de nossa temática e a de nossos objetivos, sinaliza o itinerário que

projetamos para a pesquisa, que só se concretizou à medida que fomos caminhando,

construindo o conhecimento sobre o objeto de estudo e estabelecendo as bases para a

interpretação dos dados que se apresentaram para análise.

Procuramos dar coerência e ordenação lógica às diversas questões que trata a

dividindo a sua exposição em cinco capítulos. Os quatro primeiros foram organizados em uma

seqüência que levou em consideração os níveis de abstração dos temas e seu grau de

distanciamento em relação à EJA. Iniciamos a análise com as metamorfoses do capitalismo

internacional nas últimas décadas, de caráter mais abstrato e distante do cotidiano da EJA, e

terminamos estudando os grupos sociais, políticos e profissionais que atuam no dia-a-dia

dessa modalidade de ensino reunidos nos ENEJAs. O quinto e último capítulo, de síntese e

crítica, inverteu esta metodologia, ao partir dos temas mais próximos e cotidianos em direção

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24

aos mais abstratos e distantes, buscando desvelar as conexões, interfaces e contradições entre

os caminhos tomados pela EJA contemporânea e os rumos do capitalismo nacional e

internacional.

Assim, os dois capítulos iniciais estabelecem as bases teóricas e os pressupostos

conceituais que serviram de instrumentos de análise, apresentando as matrizes conceituais e as

intermediações das relações capitalistas nacionais e internacionais que influenciaram a

educação de jovens e adultos no Brasil.

O Capítulo I, Crise do capital, reforma do Estado e educação no Brasil, analisa os

determinantes estruturais do sistema-capital e sua crise, a reforma do Estado brasileiro e suas

implicações no campo educacional. Em outras palavras, trata das transformações mais gerais

em curso no capitalismo contemporâneo, que, no Brasil, interferem diretamente nas políticas

de educação dos trabalhadores jovens e adultos implementadas pelo governo federal a partir

de meados da década de 1990. Com esse intuito, discute-se o processo de constituição da “Era

de Ouro” do capitalismo no século XX (Hobsbawm, 1995), e os novos métodos de expansão

do capital, consolidados, sobretudo na década de 1990, com a expansão do padrão de

acumulação flexível e da acumulação por espoliação (Harvey, 1999; 2004).

Segundo esta análise, o processo de reestruturação produtiva desencadeou uma

reordenação das instituições econômicas, políticas e sociais, refazendo antigas e

estabelecendo novas relações a partir da internacionalização do capital – como o

fortalecimento do capital financeiro e dos organismos internacionais –, que exigiram a

reordenação do capital nacional, a alteração do papel do Estado nacional e a construção de um

novo padrão da gestão pública, em especial no que tange às políticas sociais. Reformas que,

orquestradas à luz da ideologia neoliberal, impôs a lógica do mercado ao campo educacional e

sua subjugação explícita à razão econômica. Apesar da perspectiva utilitarista na educação

não ser novidade, as transformações recentes no capitalismo reeditam-na em renovadas

versões, visando criar os consensos necessários à manutenção da hegemonia do capital na

sociedade contemporânea.

O Capítulo II, A educação de adultos no quadro hegemônico internacional, trata dos

conceitos que fundamentam as propostas na área da educação de adultos desenvolvidas pelos

organismos internacionais como resposta à nova materialidade do capitalismo internacional e

suas influências nos debates e nas formulações relativas à educação de adultos no Brasil na

atualidade. No contexto de reordenamento do último quarto do século XX, de

internacionalização da economia no contexto imperialista (Harvey, 2004), observa-se a

subordinação externa ampliada na configuração da divisão internacional do trabalho (Arrighi,

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25

1997), ao mesmo tempo em que se amplia o poder e a influência das agências multilaterais na

tomada de decisões dos governos de países periféricos, com destaque para as orientações

advindas do Banco Mundial. Assim, abordamos alguns aspectos do papel desempenhado

pelos organismos supranacionais na formulação de políticas públicas desses países, enfocando

particularmente as políticas educacionais voltadas para EJA. Neste capítulo, verificamos duas

ordens de questões complementares: por um lado, o retorno renovado da Teoria do Capital

Humano, e, por outro, o estímulo para que os Estados exerçam o papel de gestores de

estratégias para a “compensação” e o “controle” social. Neste sentido, no Brasil, como em

outros países periféricos, atribui-se à educação o papel de desenvolvimento e garantia de

estabilidade do capital. O lema “Educação para Todos”, marca da década de 1990,

empunhado pelo Banco Mundial e, em particular, pela UNESCO, está articulado ao projeto

político-econômico proposto pelos organismos internacionais, de alívio da pobreza e

governabilidade como estratégia de enfrentamento da crise estrutural e de reprodução do

capitalismo mundial.

Os dois capítulos seguintes analisam a EJA no Brasil, partir de três vertentes: as

políticas para EJA advindas do governo federal, as pesquisas apresentadas nas reuniões anuais

da ANPEd e as discussões empreendidas nos encontros nacionais dos Fóruns da área

(ENEJAs).

O Capítulo III, intitulado A educação de jovens e adultos trabalhadores, aborda a

configuração recente das políticas para EJA (1995-2006), focalizando a estrutura legal e as

formas como os dois governos Fernando Henrique Cardoso e o primeiro governo Luiz Inácio

Lula da Silva trataram essa modalidade de ensino, tanto em termos conceituais quanto no

âmbito das ações. Bouscou-se, portanto, uma aproximação com a identidade da EJA nas ações

políticas da União a partir da segunda metade da década de 1990. Esta, a nosso ver, apresenta-

se associada aos mecanismos de alívio à pobreza e de controle social exigidos pela

governabilidade; tem vínculos íntimos com inserção associada e subalterna do país ao

capitalismo globalizado; tem laços histórico-culturais com os processos que tradicionalmente

utilizados na manutenção autoritária da ordem diante da uma estrutura social secularmente

desigual.

O Capítulo IV, intitulado Concepções e referenciais teórico-metodológicos sobre

EJA presentes na produção da ANPEd e dos ENEJAs, realizamos um mapeamento dos

conceitos sobre EJA presentes nos trabalhos apresentados nas reuniões da Associação

Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação e nos relatórios dos Encontros Nacionais

de Educação de Jovens e Adultos no período de 1995 a 2006, com o objetivo de desvelar a

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identidade da EJA neles operada. Para tanto, na produção acadêmica, tal caracterização foi

elaborada por meio dos conceitos e das categorias básicas que nortearam os trabalhos

científicos, e nos ENEJAs, nas propostas e reivindicações dos seus diversos agentes políticos,

econômicos, culturais, governamentais, religiosos, empresariais, etc., registradas em seus

relatórios-síntese. Dentre as instituições sociais relacionadas ao tema, elegemos estas duas por

considerá-las as mais emblemáticas do debate que vem sendo travado sobre o tema, não só

por aglutinarem participantes de todo o Brasil, como por representarem os diversos agentes

sociais atuantes na área.

No capítulo V, Tensões, contradições e desafios: disputas entre lógicas de

manutenção e de superação da ordem social, buscamos interligar as bases teóricas que

nortearam este estudo com os dados legais e conceituais levantados ao longo dos capítulos

anteriores, apontando para tensões, contradições e desafios que foram identificadas no

decorrer da pesquisa. Nele, problematizamos o recente consenso que a categoria diversidade

desfruta no campo da EJA, construído em oposição à perspectiva de classe. Com isso,

abandona-se a crítica à estrutura social capitalista e a luta por transformações profundas na

sociedade, e, concomitantemente, adota-se sem questionamentos o referencial da educação ao

longo da vida. Os trabalhos fundamentados na categoria diversidade interpretam os conflitos e

tensões sociais como resistências a pontos específicos do status quo, desencadeadas por

grupos sociais específicos (geralmente minorias), com objetivos específicos; portanto, são

lutas separadas e estanques que, no máximo, podem render alianças estratégicas temporárias.

Desprezam e/ou se negam a compreender a inerente e complexa unidade social e cultural que

sustenta diversidade da “classe que vive do trabalho” – diferentes frações da classe

trabalhadora, com diversas formas de inserção laboral/social/cultural e com graus diferentes

de precariedade.

Muitas são as conseqüências desta forma de interpretar a realidade. Porém, a mais

imediata e desastrosa para os interesses dos que vivem do trabalho é a destruição dos direitos

sociais universais e das políticas por eles orientadas, substituídos pela fragmentação com foco

no atendimento de grupos sociais específicos através da prática usual de parceria Estado-

sociedade, expressando o arranjo de “novos” formatos conciliatórios de participação social.

Nessa perspectiva, a desigualdade social é entendida como inerente às sociedades humanas e

não como uma construção histórico-social; desse princípio decorre que às lutas sociais só é

possível diminuir e atenuar os seus efeitos mais contundentes e desumanos, sem jamais aboli-

las.

Desta forma e a título de considerações finais, apontamos para o imperativo de

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superar concepções e práticas conformadoras à ordem, observadas nas ações derivadas de

perspectivas pautadas na minimização das conseqüências das desigualdades e expropriações,

e, sinalizamos para a necessidade e atualidade de articular a EJA à luta por transformações

estruturais na sociedade brasileira e, mesmo, a suplantação da relação capital.

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CAPÍTULO I

CRISE DO CAPITAL , REFORMA DO ESTADO E EDUCAÇÃO NO BRASIL

Este capítulo tem por objetivo abordar a problemática da educação à luz das

transformações econômicas, políticas e sociais recentes nas sociedades capitalistas. Procede-

se ao estudo do processo de crise e reestruturação do capitalismo contemporâneo e de

reconfiguração do papel do Estado-nação, essencial para a problematização das diferentes

concepções de educação, a partir das quais se disputam conceitos e práticas, em particular na

área da educação de jovens e adultos – EJA. Partimos da premissa de que, sendo a educação

uma construção social, a definição conceitual e as concepções subjacentes às práticas

pedagógicas envolvem disputas por projetos de sociedade e, portanto, não podem ser

analisadas de forma dissociada da conjuntura socioeconômica e político-cultural do país.

Com esse intuito, apresenta-se inicialmente o processo de constituição da “Era de

Ouro” do capitalismo no século XX (Hobsbawm, 1995), que corresponde aproximadamente

ao período de 1945 a 1975. Nesse período, a valorização do capital se dava através do padrão

de acumulação fordista-keynesiano, até que a crise da década de 1970 sinalizou seu

esgotamento e a incapacidade de serem contidas as contradições inerentes ao capitalismo e

impôs a necessidade de criação de novos métodos de expansão, consolidados, sobretudo a

partir da década de 1990, com a expansão do padrão de acumulação flexível e da acumulação

por espoliação (Harvey, 1999: 2004). Assim, em que pesem as peculiaridades de cada país e

as diferenças produzidas pelo desenvolvimento econômico desigual, ao tomar esses dois

momentos histórico-econômicos como referências gerais para a análise empreendida nesta

tese, endossamos a afirmação de Frigotto de que:

[...] a natureza estrutural das relações sociais do sistema capital é a mesma em qualquer parte do mundo, tendo a propriedade privada dos meios e instrumentos de produção pelos capitalistas e, como decorrência, a extração da mais-valia (absoluta e relativa) como elementos centrais. Todavia, pelas contradições internas e pela luta intra e entre classes e frações de classes, o capitalismo assume particularidades e configurações diversas e desiguais em formações histórico-sociais específicas. Assim, a desigualdade entre os hemisférios Norte e Sul ou entre países do capitalismo central e do capitalismo dependente periférico são expressões das relações de força intercapitalistas e das lutas anticapitalistas. (2006: 241-242)

Nesse quadro, verifica-se que, no cenário de reestruturação mundial do capitalismo,

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29

apesar das correlações de força específicas ocasionarem desenvolvimentos desiguais intra e

entre países, as alterações nos modelos de acumulação e a expansão das ideologias do

neliberalismo e da globalização transformaram profundamente o mundo do trabalho e o papel

do Estado. Esse novo processo, evidenciado na financeirização do capital, busca, através de

mudanças nas formas de sociabilidade capitalista, garantir a funcionalidade e a reprodução

sociometabólica do capital (Mészáros, 2002).

No bojo dessas alterações estruturais e de aprofundamento das assimetrias

socioeconômicas, observa-se a expansão das teses sobre a pobreza em substituição ao

princípio da igualdade, tanto nos países periféricos e semiperiféricos quanto nos países do

núcleo orgânico do capital, ao mesmo tempo em que as políticas de educação, assumindo

novas formas de controle social, têm-se configurado como distribuidoras de ilusões,

associando correntemente a educação a questões como inclusão social e empregabilidade.

Especialmente no Brasil, percebe-se que as condições de escolarização da maioria da

população “evidencia a manutenção do caráter de profunda dualidade do sistema educacional

brasileiro, como expressão do grave quadro de desigualdades socioeconômicas que

caracteriza o país” (Rummert, 2007: 84). Observa-se que a questão educacional, a cada nova

configuração do capital, assume funcionalidades renovadas, ressignificadas a partir da divisão

internacional do trabalho. Nesse sentido,

Essa configuração nos permite apreender qual o papel reservado ao Brasil na divisão internacional do trabalho e como se efetivam, nesse contexto, a formação do trabalho simples e complexo e os desafios e dilemas que enfrentamos. As concepções, os projetos e as políticas de educação escolar e de educação profissional em disputa hoje, no Brasil, ganham sentido como constituídos e constituintes da especificidade de projeto de sociedade em disputa pelo capital e pela classe trabalhadora. (Frigotto, 2006: 242)

Decorre daí a importância, para a análise aqui empreendida, de se pôr em evidência

aspectos econômicos, políticos e culturais implicados na inserção do país no modelo de

acumulação flexível nos planos nacional e internacional, para a compreensão da educação de

jovens e adultos no Brasil. Partimos do pressuposto de que o lugar ocupado por essa

modalidade na educação brasileira é fruto da construção de um país de capitalismo

semiperiférico14 na divisão mundial do trabalho (Arrighi, 1997); desta forma, pretende-se

14 Segundo Arrighi (1997), “os Estados semiperiféricos podem se manter à frente da pobreza dos Estados periféricos mas, enquanto grupo, nunca podem transpor o golfo que separa sua riqueza oligárquica dos Estados do núcleo orgânico. O êxito nesse tipo de luta tem suas limitações inerentes. O próprio êxito das lutas contra a exclusão leva a uma exploração mais intensiva dos Estados semiperiféricos por parte dos Estados do núcleo orgânico e, portanto, acentua a capacidade desses últimos de excluir os primeiros das atividades mais compensadoras e do uso ou gozo dos recursos escassos. O próprio êxito das lutas contra a exploração leva a uma auto-exclusão do acesso aos mercados mais ricos e às fontes mais dinâmicas de inovações” (p. 219).

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30

compreender o processo que mantém o campo da educação de jovens e adultos trabalhadores

condicionado e circunscrito a políticas predominantemente compensatórias.

1.1. A crise estrutural do sistema-capital e o capitalismo contemporâneo

No cenário socioeconômico mundial, há mais de três décadas o capitalismo vive uma

crise estrutural e um processo de reestruturação em suas bases produtivas15. As recentes

transformações no capitalismo reorganizaram o regime de produção e de acumulação do

capital, bem como o modelo de regulamentação social e político, com vistas à recuperação do

ciclo de reprodução do capital.

Ultrapassa o tema desta tese uma reflexão mais detida sobre o modo de produção

capitalista. Entretanto, é fundamental destacar que a questão central neste modo de produção é

a acumulação do capital. Trata-se, segundo Marx (1980), de um modo de organização social

cujo princípio fundamental é elevar ao máximo, permanentemente, a acumulação do capital,

submetendo toda a estrutura social aos interesses de uma minoria detentora dos meios de

produção. Antes de mais nada, é preciso considerar, como alerta Hobsbawm, que “o fato

fundamental das Décadas de Crise não é que o capitalismo não mais funcionava tão bem

quanto na Era de Ouro, mas que suas operações se haviam tornado incontroláveis” (1995:

398). Sendo assim, as tensões têm sua origem no caráter contraditório do próprio sistema; no

entanto, manifestam-se apenas quando a forma de administração da era anterior não mais

responde às demandas do momento. Nesse sentido, ao passar por mais uma crise, o

capitalismo encontra na sua própria reforma a condição necessária ao restabelecimento16. A

respeito do capital e sua crise, Jameson destaca que:

O capitalismo, no entanto, não é apenas um sistema ou modo de produção, mas o modo de produção mais elástico e adaptável que já surgiu na história humana; ele já superou crises cíclicas desse tipo antes. E conseguiu isso recorrendo a duas estratégias básicas: a expansão do sistema e a produção de tipos radicalmente novos de bens. A expansão do sistema. O capitalismo sempre teve um centro: em tempos recentes, a hegemonia dos Estados Unidos e, antes, da Inglaterra. […]

15 Nesse cenário, autores como Hobsbawm (1995), Altvater (1995), Arrighi (1997) e Mészáros (2002) apontam, em suas análises, para o fato de que o modo de produção capitalista enfrenta a mais profunda crise da sua história. 16 Sobre a natureza estrutural das crises cíclicas no modo de produção capitalista, “a literatura que analisa a gênese e o desenvolvimento histórico do capitalismo, começando pelas análises de Marx, Engels e Rosa de Luxemburgo, nos dá conta que, de tempos em tempos, o sistema, de forma global, enfrenta crises violentas e colapsos que não advêm de fatores exógenos, mas justamente do caráter contraditório do processo capitalista de produção” (Frigotto, 1995: 65).

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A produção de tipos radicalmente novos de bens. Há um segundo requisito para superar crises sistêmicas: o recurso a inovações e mesmo a “revoluções” na tecnologia. (1999: 187-188, grifos do autor)

No âmbito mundial, observa-se que a crise e a reestruturação do capitalismo

contemporâneo envolvem questões como as da globalização, das reformas políticas e ajustes

econômicos neoliberais, da ampliação das desigualdades decorrentes da chamada “exclusão

social”, da redução do espaço público, da desarticulação do poder de pressão dos

trabalhadores organizados. Destacam-se, em suma, três grandes crises fundamentais: crise do

capital (globalização excludente e neoliberalismo), crise teórica (crise da razão), crise ético-

política (naturalização da desigualdade). Tendo em vista os aspectos observados, pode-se

dizer que no final no século XX e no início do século XXI vivencia-se esse processo de crise

estrutural, com profundas alterações nas relações do sistema-capital, qualificado de forma

feliz por Mészáros como capitalismo auto-reformador (2002: 38).

1.1.1. O padrão de acumulação fordista

Nas décadas subseqüentes à II Guerra Mundial ocorreu um crescimento industrial e

comercial sem precedentes. Segundo Hobsbawm, essa "Era de Ouro", foi marcada por

rupturas profundas, tanto pela chamada "morte do campesinato" e pelo surgimento do mundo

industrializado (êxodo rural e desenfreado crescimento urbano), como pelo desenvolvimento e

complexificação da tecnologia, denominados pelo autor de "terremoto tecnológico" (1995:

328).

Nos países centrais, esse período do capital, da “sociedade da abundância”

(Mészáros, 2002: 137) foi construído, principalmente, através das políticas do Welfare State,

que, por sua vez, apoiavam-se, por um lado, no planejamento keynesiano da economia, e, por

outro, na consolidação do sistema de produção fordista. O período pós-guerra baseou-se,

assim, num conjunto específico de práticas de controle do trabalho, tecnologias, hábitos de

consumo e configurações de poder político-econômico, chamado de fordismo-keynesiano17.

Em linhas gerais, o fordismo se caracterizava pela racionalização do processo de

trabalho, pela produção em massa e pela constituição de um amplo mercado consumidor. “[...]

um sistema de “compromisso” e de “regulação” que, limitado a uma parcela dos países

capitalistas avançados” (Antunes, 2000: 38), baseava-se no tríplice acordo social entre capital

17 Referindo-se tanto ao modelo de organização do trabalho fordista quanto à política estatal keynesiana.

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e trabalho, mediado pelo Estado, e parecia que o sistema de metabolismo social do capital

seria duradouro e controlado. Tal aliança do mercado com o Estado desencadeava, ao mesmo

tempo, crescimento econômico e conquistas na esfera social – entre elas, as políticas de pleno

emprego, que, por um lado, alimentavam com a criação de novas vagas um mercado de

trabalho em expansão, e, por outro, garantiam a ampliação do mercado consumidor. Além

disso, é preciso considerar que, muito mais que um sistema de produção em massa, o

fordismo criava uma nova maneira de se relacionar com o mundo e de viver. Nas palavras de

Harvey (1999), criava um “modo de vida total”18.

Conforme análises empreendidas por Arrighi (1997), construiu-se mundialmente um

perfil de distribuição de riqueza em que se estabeleceu uma estratificação, simbolizando uma

estrutura e uma conjuntura reveladoras de uma distribuição desigual da riqueza. Esse autor

evidencia que a economia mundial estrutura-se em três níveis: núcleo orgânico, semiperiferia

e periferia. Para ele, o Brasil seria um caso típico de semiperiferia, com possibilidade de

mobilidade descendente. É preciso esclarecer, como faz Arrighi, que a utilização do termo

“semiperiferia” é “para nos referirmos a uma posição em relação à divisão mundial do

trabalho” (p. 144). O conceito de semiperiferia abrange o conjunto de países que possuem

atividades de núcleo orgânico e atividades periféricas, mas, dadas as relações de poder entre

os países, não conseguem alcançar o núcleo orgânico, embora também não sejam periferias.

Nas palavras do autor: “nos referimos a uma posição intermediária na estrutura núcleo

orgânico-periferia da economia capitalista mundial” (p. 207).

Nesses termos, em relação aos países periféricos e semiperiféricos, é preciso

relativizar o significado do fordismo, pois embora não tenha sido plenamente dominante, de

certa forma foi estruturante na organização social desses países. Nessas realidades, a euforia

do pós-guerra dava-se sob a forma da ideologia do desenvolvimentismo19. Nesse período,

ocorria no Brasil uma mudança da política econômica e a redefinição da atuação do Estado:

passava-se de uma política que visava criar um sistema capitalista nacional para uma política

18 Sobre essa questão, encontramos na obra de Gramsci (2000) importante análise sobre como a adaptação psicofísica à racionalização fordista cria um novo tipo de trabalhador e de homem, adequado às suas necessidades, ou o que ele chamou de “novo tipo humano”. 19 Toma-se aqui o conceito conforme explicitado por Bielschowsky (2000). Assim sendo, entendemos por desenvolvimentismo a ideologia dominante nos anos 1950, baseada em um projeto de superação do subdesenvolvimento através, principalmente, da industrialização, do planejamento e do apoio estatal. Nas palavras deste autor, um “projeto econômico que se compõe dos seguintes pontos fundamentais: a) a industrialização integral é a via de superação da pobreza e do subdesenvolvimento brasileiro; b) não há meios de alcançar uma industrialização eficiente e racional no Brasil através das forças espontâneas de mercado; por isso, é necessário que o Estado planeje; c) o planejamento deve definir a expansão desejada dos setores econômicos e os instrumentos de promoção dessa expansão; e d) o Estado deve ordenar também a execução da expansão, captando e orientando recursos financeiros, e promovendo investimentos diretos naqueles setores em que a iniciativa privada seja insuficiente.” (p. 7)

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orientada para o desenvolvimento econômico dependente ou associado (Ianni, 1991). Assim,

esse período caracteriza-se, por um lado, pela dependência em relação aos países centrais,

decorrente da abertura ao capital estrangeiro (multinacional) para financiar a produção de

bens de consumo duráveis; por outro, esse período é marcado pela ideologia

desenvolvimentista, produzida pela emergência da burguesia industrial e pela alta

concentração de renda (grandes oligopólios e transferência dos ganhos estatais para setores

privados). Colocou-se como solução para o impasse derivado do esgotamento do modelo da

“substituição de importações” a abertura da economia ao capital externo. O novo modelo de

acumulação, consolidando o capitalismo brasileiro, redefiniu e aprofundou a dependência

econômica do país e teve, como principal elemento de neutralização e adiamento das tensões

sociais, a ideologia nacional-desenvolvimentista (Mendonça, 1985).

A expansão do Welfare State – ou capitalismo de bem-estar social – foi possível até

o final da década de 1960 e início dos anos 1970: o profundo acúmulo de riquezas, obtido

pela cúmplice relação entre mercado e Estado, e a aplicação de parte dessa riqueza e de parte

do fundo público em ciência e tecnologia proporcionaram as bases para o processo de

transnacionalização financeiro-produtiva, com a exarcerbação da competição intercapitalista e

com uma profunda alteração na relação entre os mercados e os Estados nacionais. Assim,

uma de suas premissas e um dos resultados mais importantes desse tipo de sociabilidade – o

investimento em ciência e tecnologia, gerador, em parte, do expressivo desenvolvimento

tecnológico – viabilizaram a materialidade do processo de desterritorialização do capital, que

mais tarde contribuiu para a desarticulação do capitalismo de bem-estar social.

Frigotto (1995) chama a atenção para o fato de que o que entrou em crise no início da

década de 1970 foi, resumidamente, o mecanismo de superação da depressão dos anos 1930,

ou seja, a crise de 1973 demarca o colapso do modelo de desenvolvimento que serviu de

resposta à Grande Depressão de 1929: as políticas públicas, que, com o fundo público,

financiaram o padrão de acumulação capitalista. Dessa forma,

A problemática crucial de ordem político-econômica e social da crise dos anos 30 manifestava-se tanto no desemprego em massa quanto na queda brutal das taxas de acumulação. Ambos incidiam na reprodução da força de trabalho. Mais de meio século depois a mesma questão volta à baila, porém com uma materialidade bem diversa. [...] A crise não é, portanto, como a explica a ideologia neoliberal, resultado da demasiada interferência do Estado, da garantia de ganhos de produtividade e da estabilidade dos trabalhadores e das despesas sociais. Ao contrário, a crise é um elemento constituinte, estrutural, do movimento cíclico da acumulação capitalista, assumindo formas específicas que variam de intensidade no tempo e no espaço. (Frigotto, 1995: 60-62)

Além do estrangulamento da demanda por bens de consumo duráveis nos mercados

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internos dos Estados nacionais, seus problemas financeiros tornaram-se cada vez maiores

diante da crescente fuga das linhas de montagem do centro para a periferia do sistema,

embora o mercado dos países centrais continuasse a ser o destino principal das mercadorias.

Importante ressaltar que, por um lado, o aumento do investimento estrangeiro com a entrada

das grandes corporações nas regiões semiperiféricas contribuiu para o “milagre econômico”

da década de 1970; por outro, os novos países industrializados receberam linhas de montagem

já defasadas tecnologicamente (industrialização de segunda categoria), em geral sem

preocupação ambiental, implantadas em regiões com pouca ou nenhuma tradição sindical,

pagando baixos salários e, geralmente, com vários incentivos governamentais20.

Para Oliveira (1988) a internacionalização produtiva, afetou o padrão de

financiamento do capitalismo de bem-estar social, limitando os recursos destinados aos

investimentos e à manutenção dos serviços sociais, e rompendo, por conseqüência, o pacto

entre capital e trabalho na disputa pelo fundo público21. Trata-se de um momento de transição

no regime de acumulação do capital e no modo de regulamentação social e política a ele

associado. Para Harvey, tal transição caracteriza a história recente e fica evidente no fato de

que “os contrastes entre as práticas político-econômicas da atualidade e as do período de

expansão do pós-guerra são suficientemente significativos para tornar a hipótese de uma

passagem do fordismo para o que poderia ser chamado regime de acumulação 'flexível'”

(1999: 119).

A intensificação da competitividade internacional, ocorrida no final dos anos 1960 e

início dos anos 1970, culminando com o fim do acordo de Bretton Woods22, significou o

marco da crise desse modelo23. Dessa forma, com a crise estrutural do capital, a rigidez do

sistema de acumulação fordista e a adoção do Estado de Bem-Estar Social passaram a ser

criticadas e responsabilizadas pela crise, redundando, segundo Harvey, na implantação da

acumulação de tipo flexível que envolve “rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento

desigual, tanto entre setores quanto entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto

20 Na literatura crítica, é consenso que existe uma relação entre o processo de crise e reestruturação do capitalismo contemporâneo e a reação da burguesia internacional à resistência construída pelos trabalhadores à exploração do trabalho sob o modelo fordista. O mesmo não pode ser dito quanto à situação da classe trabalhadora nos países fora do núcleo orgânico do capital, onde o fordismo foi vivenciado, como já dito, sob a forma de consumo de bens de massa e promessas desenvolvimentistas. 21 A internacionalização crescente retirou uma parte dos ganhos fiscais, porém deixou ao fundo público de cada nação o financiamento da reprodução do capital e da força de trabalho (Oliveira, 1988). 22 Com o término do acordo de Bretton Woods – o fim do sistema de paridade fixa ouro-dólar, base estável de referência para determinar as taxas de câmbio das outras moedas –, terminava-se com o padrão de financiamento da acumulação criado no pós-guerra, e que havia possibilitado a necessária estabilidade para a expansão econômica da “Era de Ouro”. 23 Harvey também chama a atenção para o fato de que a crise do fordismo não pode ser confundida com a crise do capitalismo.

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movimento no emprego no chamado ‘setor de serviços’, bem como conjuntos industriais

completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas (1999: 140).

A passagem do fordismo para a acumulação flexível traz novamente mudanças,

“uma transição no regime de acumulação e no modo de regulamentação social e política a ele

associado” (Harvey, 1999: 117). A acumulação flexível têm como principais características a

especialização flexível, que responde às novas necessidades dos mercados por produtos

menos padronizados, fomentando o crescimento de pequenas empresas; a automação flexível,

redimensionando o tempo de produção e trabalho; a nova segmentação da força de trabalho,

exigindo uma nova forma de organizar e gerir o trabalho no interior da empresa e fora dela; e,

por fim, a transferência das linhas de montagem do centro para a periferia. A expansão das

novas tecnologias contribuiu para a difusão da idéia da necessidade de um trabalhador

flexível, sempre disposto a se adaptar diante das transformações e incertezas do novo

contexto, no mundo do emprego ou do desemprego. Grande parte da literatura destaca a

concomitância entre o início da ascensão da acumulação flexível e o início da aceitação das

teses neoliberais. Cabe destacar que, ainda que o surgimento das idéias neoliberais preceda

esse período e date do começo da implantação do Estado de Bem-Estar24, sua aceitação e

expansão só ocorreriam a partir da crise do fordismo (Anderson, 1996).

Em conseqüência, entram em crise, simultaneamente, o Estado, financiador da

reprodução da força de trabalho e da acumulação do capital, e o regime de produção fordista,

sustentáculo da expansão da produção/consumo em massa para atender à demanda do

mercado interno. Portanto, a crise é, ao mesmo tempo, político-social (Estado previdenciário,

garantia de direitos, etc.) e econômico-produtiva (regime de acumulação taylorista-fordista),

ou seja, atinge as duas dimensões que, juntas, produziam o capitalismo de bem-estar social.

Passa, então, a ser necessário, por um lado, consolidar-se uma nova forma de regulação

político-social, e, por outro, um novo regime de acumulação capitalista. Como resposta a

esses problemas, legitimam-se as teses neoliberais, entre as quais se destacam a defesa da

liberdade absoluta de mercado, a privatização das funções públicas, a desregulamentação e

flexibilização das relações trabalhistas, idéias vinculadas a um novo regime de acumulação

voltado para a concorrência internacional.

Além das mudanças abissais nas áreas política e econômica, também percebem-se

transformações nas práticas culturais e nas apreensões teóricas da realidade. Harvey (1999),

24 O neoliberalismo surge como corrente de pensamento no início do século XX, tendo em Friedrich Hayek um dos seus principais idealizadores. Sua obra O Caminho da Servidão, lançada em 1944, se tornaria uma referência do neoliberalismo no mundo. Hayek defendia, entre outras coisas, que a desigualdade social era necessária e positiva para o funcionamento do capital.

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analisando a transição do fordismo para o modo de acumulação flexível, destaca a relação

entre a ascensão de formas culturais pós-modernas e a emergência de modos mais flexíveis de

acumulação do capital. Em referência ao consumo das mercadorias produzidas, este autor

destaca a transformação cultural decorrente do fato de a acumulação flexível ter sido

acompanhada por uma atenção muito maior às modas fugazes e pela mobilização de todos os

artifícios indutores de necessidades. Assim, “a estética relativamente estável do modernismo

fordista cedeu lugar a todo o fermento, instabilidade e qualidades fugidias de uma estética

pós-moderna que celebra a diferença, a efemeridade, o espetáculo, a moda e a mercadorização

das formas culturais” (1999: 148). Destaca-se, ainda, que

Uma das principais implicações do chamado pós-modernismo, que abrange todo o sistema social contemporâneo, é o desaparecimento do sentimento da história, expresso sob dois aspectos: a transformação da realidade em imagens e a fragmentação do tempo numa série de presentes perpétuos; ambos reproduzindo ou reforçando a lógica do capitalismo tardio. (Jameson, 1996: 44)

A emergência do pós-modernismo está, portanto, como coloca Jameson (1996),

estreitamente relacionada à emergência do novo momento do capitalismo, denominado

também de capitalismo tardio, multinacional ou de consumo. A crise teórica é o reflexo, no

plano do pensamento, da crise da sociedade. Dessa forma, ressalta este autor, a lógica cultural

do capitalismo tardio reflete, no campo simbólico, as mudanças estruturais do capitalismo25.

1.1.2. A acumulação flexível e a acumulação por espoliação

A crise estrutural do capital fez com que se implementasse um processo de

reestruturação com vistas a lidar com a instabilidade sistêmica e recuperar o ciclo de

reprodução do capital. Tal processo levou à implantação de um novo padrão de

desenvolvimento capitalista, marcado pela predominância da produção flexível e do capital

financeiro. A alteração no padrão de acumulação trouxe mudanças para os setores da

produção, principalmente quanto à desregulamentação do mundo do trabalho (Harvey, 1999).

Para Chesnais (1996; 1998), a atual fase capitalista, por ele chamada de

“mundialização”, se beneficia de um espaço de super exploração que se alarga por todo o

globo. Vive-se um modo específico de funcionamento do capitalismo, cujo principal aspecto é

a “mundialização financeira”, conceito que o autor utiliza para definir as transformações

25 Autores como Jameson (1996) e Harvey (1999), dentre outros, identificam na pós-modernidade a sua materialidade e as possíveis mudanças de ordem estrutural que explicariam objetivamente a sua existência.

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ocorridas no cenário do capitalismo mundial, caracterizado pela livre mobilidade do capital

determinada pela esfera financeira. Quanto as relações entre o processo de mundialização e

financeirização do capital, este autor esclerece que a mundialização do capital signifca mais

do que uma fase adicional no processo de internacionalização do capital, representando,

atualmente, o próprio regime de acumulação do capital, ou seja, um tipo de acumulação com

predomínio financeiro.

A principal referência do padrão de acumulação flexível é o toyotismo26, cujas

características centrais são a diversidade e heterogeneidade da produção, o direcionamento

desta a uma demanda prevista do consumo, o estoque mínimo, a terceirização de parte da

produção, a organização do trabalho em equipe e a flexibilidade nas funções do trabalhador

(Antunes, 2000). Como parte do processo de mudança, Harvey (2004) acrescenta, para a

compreensão do capitalismo contemporâneo, o conceito de acumulação por espoliação, que

pressupõe o desenvolvimento desigual inerente à expansão do capital.

Na interpretação de Harvey (2004), há um caráter contínuo e uma persistência das

práticas predatórias da acumulação “primitiva” ou “original” no âmbito da história da

acumulação do capital. Entretando, “Como parece estranho qualificar de “primitivo” ou

“original” um processo em andamento, substituirei a seguir esses termos pelo conceito de

“acumulação por espoliação”” (p. 121). Como exemplos atuais, o autor destaca:

Todas as características da acumulação primitiva que Marx menciona permanecem fortemente presentes na geografia histórica do capitalismo até os nossos dias. A expulsão de populações camponesas e a formação de um proletariado sem terra têm se acelerado em países como o México e a Índia nas três últimas décadas; muitos recursos antes partilhados, como a água, têm sido privatizados (com frequência por insistência do Banco Mundial) e inseridos na lógica capitalista da acumulação; formas alternativas (autóctones e mesmo, no caso dos Estados Unidos, mercadorias de fabricação caseira) de produção e consumo têm sido suprimidas. Indústrias nacionalizadas têm sido privatizadas. O agronegócio substituiu a agropecuária familiar. E a escravidão não desapareceu (particularmente no comércio sexual). (ibidem)

Assim é que, segundo Harvey (2004), a forma atual capitalista se deu principalmente

através da financeirização e da criação de um sistema internacional de livre comércio capaz

de desencadear surtos de desvalorização e de acumulação por espoliação. Para este autor, “A

acumulação por espoliação pode ser aqui interpretada como o custo necessário de uma ruptura

bem-sucedida rumo ao desenvolvimento capitalista com forte apoio dos poderes do Estado”

(p. 128). O autor também destaca que a transição para o padrão de acumulação de tipo

flexível amparou-se na disseminação do referencial teórico-político neoliberal:

26 Termo originário da experiência da fábrica automobilística japonesa Toyota.

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38

A acumulação por espoliação se tornou cada vez mais acentuada a partir de 1973, em parte como compensação pelos problemas crônicos de sobreacumulação que surgiram no âmbito da reprodução expandida. […] Para que tudo isso ocorresse, era necessário, além da financeirização e do comércio mais livre, uma abordagem radicalmente distinta da maneira como o poder do Estado, sempre um grande agente da acumulação, deveria se desenvolver. O surgimento da teoria neoliberal e a política de privatização a ela associada simbolizaram grande parcela do tom geral dessa transição (p. 129).

Ao enfrentar a crise que colocou em xeque o modelo de produção taylorista/fordista

e a teoria econômica keynesiana, o capitalismo recorreu a um novo regime de acumulação,

baseado na transnacionalização produtivo-financeira. Trata-se de uma crise estrutural,

expressa na redução da taxa de lucro do setor manufatureiro e no deslocamento do capital

para o setor financeiro. São características do capitalismo conteporâneo a fragmentação da

indústria, o monopólio em conglomerados empresariais, a produção segmentada, entre outras.

As mudanças são respostas dadas pelo capital a crises que abalam o seu funcionamento, e a

reestruturação produtiva é expressão dessas respostas. Tal compreensão ressalta o fato de que:

É no bojo desta crise que o capital, almejando a recuperação da taxa de lucro, promove uma forte reestruturação produtiva. A consideração de que a crise do fordismo-taylorismo é uma manifestação fenomênica de uma crise maior, de caráter estrutural, tem grande importância teórico-prática, coloca uma pá-de-cal na tese economicista que vincula a restruturação produtiva a uma suposta Terceira Revolução Industrial. (Leher, 2001: 156, grifo do autor)

Acompanhando esse novo regime, o ideário do neoliberalismo e da globalização

passa a ser ressaltado como indispensável ao atual cenário socioeconômico de acumulação

flexível. Apesar destes conceitos – neoliberalismo e globalização – não serem novos, passam

agora a expressar o processo pelo qual as relações econômicas, sociais, culturais e políticas

estão sendo reordenadas no mundo atual. O neoliberalismo, embora retome o antigo discurso

burguês gestado no auge do capitalismo, opera com esse discurso em condições históricas

novas: o capitalismo dos monopólios e da especulação financeira, denominado por Harvey

(2004) de novo imperialismo; além disso, a globalização, enquanto tendência contínua à

expansão, também não é novidade, sendo, inclusive, inerente à própria constituição do capital

(Wood, 2005). Entretanto, como concluem tanto Harvey quanto Wood, há um caráter

imperialista na globalização em curso, e a tendência contínua, de que já tratava Marx27, toma

na atualidade uma feição de reordenação da economia mundial, aprofundando ainda mais a

desigualdade histórica entre os países do núcleo orgânico e da periferia e semiperiferia do 27 Marx e Engels (1988) já colocavam que o capitalismo necessita de dimensões mundiais para viabilizar sua produção e reprodução: “[...] em lugar da antiga auto-suficiência e do antigo isolamento local e nacional,desenvolve-se em todas as direções um intercâmbio universal, uma universal interdependência das nações” (p.70)

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capital.

Nessa interpretação, globalização e imperialismo se inter-relacionam. Sendo assim, o

processo de globalização com práticas imperialistas seria uma das características do

capitalismo contemporâneo, um novo imperialismo que aprofunda e acirra o desenvolvimento

desigual, ampliando relações assimétricas historicamente construídas de dependência

econômica nos países da periferia capitalista. Em suma,

Por um lado, a “revolução” digital-molecular, que associa microeletrônica à informática, produz uma mudança qualitativa que altera a matéria, acrescentando à massa e à energia a informação, modificando as bases científicas e técnicas do processo de produção (produção flexível) (Harvey, 1998). Por outro lado, essa mesma tecnologia permite que a tendência do sistema capital de “tomar o globo terrestre”, anunciada por Marx e Engels no Manifesto Comunista, se torne um fato real com a mundialização do capital (Chesnais, 1996) e do que Harvey (2005) denomina de novo imperialismo. (Frigotto, 2006: 251)

Harvey aponta que a mundialização do capital acentua o desenvolvimento desigual

característico do processo de globalização com práticas imperialistas. Tal processo tem como

elemento fundamental, a hegemonia dos Estados Unidos como núcleo atual do sistema

mundial do capital. O novo imperialismo seria o processo de expansão do capital,

principalmente em direção aos países periféricos e semiperiféricos, como forma de evitar a

sobreacumulação (Harvey, 2004). Também com o propósito de explicar esse processo, Leher,

recorrendo a Samir Amin, propõe que:

[...] se o capitalismo é um sistema mundial é porque a economia mundial que o subentende é, em sua globalidade, regida pelo sistema de produção capitalista. A economia é mundial porque a divisão do trabalho sobre cuja base são organizadas as produções essenciais é uma divisão mundial do trabalho. A originalidade de Amin consiste em propor e demonstrar a tese de que o desenvolvimento desigual do capitalismo – que, em sua forma moderna, surge no século XIX, com a divisão entre os países industrializados e os não engajados na industrialização – resulta da polarização do desenvolvimento capitalista mundial. De um lado, os países do núcleo integram os seus mercados tridimensionalmente (mercadorias, capital e trabalho), de outro lado, os países periféricos integram bidimensionalmente os seus mercados (mercadorias e capital). O mercado de trabalho é dividido por uma muralha que opõe os países centrais aos periféricos. É este movimento desigual que fratura a economia mundial e que a ideologia da globalização quer encobrir. (Leher, 2001: 149-150, grifo do autor)

A interpretação de Leher enfatiza que não se pode minimizar o fato de que a crise

estrutural não se manifesta igualmente em todas as regiões. Destaca ainda que a “rediscussão

do “desenvolvimento desigual do capitalismo” é um dos maiores desafios teórico-práticos dos

movimentos sociais e das ciências econômicas e sociais dos países periféricos” (p. 156). Na

mesma linha de análise, Harvey afirma que a “acumulação flexível envolve rápidas mudanças

dos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre setores quanto entre regiões” (1999:

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40

140). O novo imperialismo caracteriza-se, segundo este último autor, por processos

moleculares de acumulação do capital, e tais processos acirram o desenvolvimento desigual

característico da globalização com práticas imperialistas. Dessa forma, apontam os dois

autores que a globalização e o novo imperialismo seriam duas faces de um mesmo processo,

resultantes da expansão do capital em direção, particularmente, aos países da periferia e

semiperiferia, aprofundando a desigualdade, a dependência e a subserviência econômicas

desses países em relação aos do núcleo central.

As práticas imperialistas, do ponto de vista da lógica capitalista, referem-se tipicamente à exploração das condições geográficas desiguais sob as quais ocorre a acumulação do capital, aproveitando-se igualmente do que chamo de as “assimetrias” inevitavelmente advindas das relações espaciais de troca. […] A riqueza e o bem-estar de territórios particulares aumentam à custa de outros territórios. As condições geográficas desiguais não advêm apenas dos padrões desiguais da dotação de recursos naturais e vantagens de localização; elas são também, o que é mais relevante, produzidas pelas maneiras desiguais em que a própria riqueza e o próprio poder se tornam altamente concentrados em certos lugares como decorrência de relações assimétricas de troca. (Harvey, 2004: 35)

Nesse sentido, ao se levar em conta as formas específicas assumidas pelo

desenvolvimento do capitalismo em cada país, compreende-se porque, embora o toyotismo

não tenha sido difundido de forma mais ampla no Brasil, a política neoliberal o foi. Em

função da posição subordinada e semiperiférica ocupada no quadro internacional, observa-se

que no Brasil (como em toda a América Latina) não houve uma implementação maciça do

toyotismo, mas a ocorrência de uma combinação com outras formas de produção, além da

disseminação de alguns referenciais, como a questão da flexibilidade. A funcionalidade do

neoliberalismo para o capital transnacional pode ser percebida, por exemplo, nos processos de

abertura das economias nacionais ao capital internacional, de privatização e de

desindustrialização28, nos quais é atribuído, a essas economias, o papel de consumidoras e não

de produtoras de tecnologia. Para Pochmann (2004), é certo que, em função dessa perspectiva,

a forma passiva pela qual o Brasil se insere na economia mundial nos retira ou, pelo menos,

dificulta a possibilidade de gerar postos de trabalho de maior qualidade. Por isso esse autor

destaca que:

[…] está em curso, no mundo, uma nova divisão internacional do trabalho. Não é mais como no passado, quando havia uma diferenciação entre o trabalho agrícola e o trabalho industrial. Agora falamos na diferenciação entre o trabalho de concepção e

28 “Até os anos 80, apesar de ter a quinta maior população do mundo, o Brasil respondia pela 13ª posição em termos de desempregados. A partir da década de 90 fomos rapidamente perdendo a condição de baixo desemprego. Tínhamos por exemplo, em 1989, 1,8 milhão de desempregados. Esse número saltou para mais de 8 milhões em 2002, segundo dados da PNAD (IBGE), o que nos colocou entre os três países com maior nível de desemprego no mundo” (Pochmann, 2004: n. p.).

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o trabalho de execução da produção. […] Na verdade, a concepção e a administração da produção são muito mais importantes do que a execução. Vou dar um exemplo da maior indústria de calçados do mundo, que emprega 100 mil pessoas. Desse total, 20 mil trabalham na matriz. São justamente aqueles que nada produzem em termos de calçados, mas desempenham funções importantes como aplicação dos recursos da empresa, planejamento, distribuição e comercialização, além de cuidarem da parte de design e marketing. Esses trabalhadores recebem salários relativamente elevados, enquanto que os 80 mil envolvidos com a execução, com a produção de calçados, trabalham em países com menor custo-trabalho, onde as condições são próximas às do século 19. Você tem então a combinação de formas de trabalho do século 21 com aquelas do século 19. Essa divisão coloca em lados distintos aqueles países que investem em tecnologia e os outros, que são meramente compradores de tecnologia. (n. p.)

Nesse quadro, verifica-se que em países como o Brasil, caracterizados por serem

principalmente consumidores de ciência e tecnologia, o agravamento das condições de

assimetria socioeconômica é verificado de forma mais intensa. Outro indicador deste quadro

de assimetria entre países, é que, segundo dados de Pochmann (2001),

[...] a participação brasileira nas exportações mundiais de produtos manufaturados regrediu, enquanto o peso das exportações de produtos primários foi elevado. Guardada a devida proporção, os anos 90 representaram a volta da dinâmica comercial próxima da verificada no Brasil até 1930, quando exportava bens de baixo valor agregado e pequeno conteúdo tecnológico e importava bens de maior valor agregado e coeficiente tecnológico. (p. 195)

Tal constatação remete à questão da participação do Brasil na divisão internacional

do trabalho no capitalismo contemporâneo, bem como para as conseqüências desse cenário

para a maioria da população.

1.1.3. A classe trabalhadora diante da atual configuração do capital

As transformações recentes empreendidas no modo de produção capitalista

ocasionaram profundas mudanças no mundo do trabalho. Os efeitos da transição do sistema

de acumulação têm sido sentidos pelos trabalhadores de todo o mundo, de acordo com a

realidade socioeconômica de cada país.

Concordamos com as análises empreendidas por Antunes (1995, 2000, 2003),

segundo as quais, como a classe trabalhadora não está desaparecendo (apesar de não ser igual

à do século início do XX), e como o trabalho continua tendo um sentido

estruturante/ontológico, é preciso, permanentemente, “dar contemporaneidade e amplitude ao

ser social que trabalha, à classe trabalhadora hoje, apreender sua processualidade e

concretude” (p. 101). Tal compreensão é contrária à defesa realizada por vários autores (Gorz,

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42

1987; Offe, 1989; Rifkin,1997) do fim do proletariado e do próprio trabalho. Nesse debate há

em comum a crítica ao marxismo, acusado de uma suposta incapacidade em dar respostas à

complexidade da realidade atual. Dentre outros, Wood (1999 e 2003), por exemplo, apresenta

consistente análise contrapondo-se a este tipo de argumento.

Cabe destacar que a fragmentação e a heterogeneidade da classe trabalhadora não

eliminam a sua existência e, apesar do seu apregoado desaparecimento, observa-se

exatamente o contrário, ou seja, que há atualmente uma ampliação da classe que vive do

trabalho (Antunes, 1995; 2000; 2003). Nessa perspectiva, concordamos também com

Bernardo (1998), quando afirma:

Contrariamente ao que pretendem autores em moda, o trabalho é uma categoria cada vez mais central na sociedade contemporânea. Por um lado, tem ocorrido o aumento extensivo da classe trabalhadora, mediante a proletarização de categorias profissionais que antes eram exteriores ao trabalho produtivo. […] Por outro lado, a classe trabalhadora tem sido submetida ao que poderia denominar um crescimento intensivo, decorrente do aprofundamento da mais-valia relativa. (p. 57)

Há, assim, uma questão que se impõe, referente à explicitação do conceito de

trabalho que fundamenta este estudo. Estamos nos referindo à concepção ontológica do

trabalho segundo a qual se entende que os seres humanos criam e recriam sua existência pela

ação consciente do trabalho (Lukács, 1978), ou seja, uma atividade de autoconstituição

humana, não circunscrita apenas à venda da mercadoria força de trabalho. Deste ponto de

vista, o trabalho “é indispensável à existência do homem – quaisquer que sejam as formas de

sociedade –, é necessidade natural e eterna de efetivar o intercâmbio material entre o homem

e a natureza, e, portanto, de manter a vida humana” (Marx, 1982: 50).

Ressalte-se, por isso, a importância da compreensão do trabalho como categoria

central de construção da realidade humano-social para a questão da educação. Ressalta

Rummert (2007), por exemplo, que a “ausência de tal reflexão tem levado, recorrentemente, a

que o trabalho seja tratado, apenas, como sinônimo de emprego ou de ocupação, do que

deriva no campo da educação e, em particular, no da educação profissional de jovens e

adultos trabalhadores, a manutenção do seu caráter de dualidade” (p. 91), o que contribui para

reproduzir e aprofundar a dualidade estrutural da sociedade capitalista.

Não é demasiado sublinhar, portanto, que através do trabalho o homem age sobre sua

realidade, criando-a e transformando-a, numa relação ativa com a natureza, humanizando o

próprio homem e o mundo que o cerca. Conforme salienta Frigotto (2006: 246),

As distinções entre o trabalho na sua dimensão ontocriativa e a forma alienada – que ele assume nas sociedades estruturadas pelo antagonismo de classes – e entre a necessária divisão social do trabalho e a divisão técnica – que ele assume sob as

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relações capitalistas de produção – são fundamentos cruciais e elementares para não se incorrer tanto nas teses do fim do trabalho quanto no determinismo tecnológico do fim das classes sociais ou da negatividade absoluta da técnica e da tecnologia.

Assim, percebe-se que as transformações por que passa o capitalismo contemporâneo

– com seu espantoso desenvolvimento tecnológico (novas tecnologias) e efeitos sobre o

emprego (diminuição dos postos formais de trabalho), com um lugar de destaque para os

mercados financeiros (financeirização econômica) e com relações flexibilizadas e

fragmentadas – obscurecem, mas não eliminam, a existência da classe trabalhadora. Destaca-

se que, da transferência do centro da acumulação do setor industrial para o os mercados

financeiros, resulta a redução progressiva dos postos de trabalho e da classe operária fabril.

Assim, a “acumulação flexível parece implicar níveis relativamente altos de desemprego

“estrutural”, rápida destruição e reconstrução de habilidades, ganhos modestos (quando há) de

salários reais e o retrocesso do poder sindical – uma das colunas políticas do regime fordista”

(Antunes, 2000: 141). Ou seja, evidencia-se, hoje de forma mais clara, o desemprego

estrutural como característica inerente ao capitalismo.

Tal constatação nos remete ao conceito de desafiliação, apresentado por Castel

(1999) ao referir-se a vulnerabilidades e formas de marginalidade decorrentes do desemprego

de longa duração. De acordo com a interpretação deste autor, um dos principais resultados da

metamorfose do trabalho (1998) será o que ele denomina de “metamorfoses da sociedade

salarial”, relativas ao momento de desmonte da centralidade do trabalho assalariado e à

ruptura de uma regulação que pôs em xeque os modos de socialização e formas de integração

com base no trabalho do tipo emprego formal29. Assim, como sugere Bernardo (1998), “Por

detrás da grande preocupação do desemprego é outra realidade que se esconde – a

precarização do trabalho” (p. 59). Sobre a questão da geração de postos de trabalho precários,

Pochmann (2001) apresenta alguns indicadores referentes à realidade do Brasil:

Entre 1989 e 1999, a quantidade de desempregados ampliou-se de 1,8 milhões para 7,6 milhões, com aumento da taxa de desemprego aberto passando de 3,0% da População Economicamente Ativa para 9,6%. Da mesma forma, houve também uma redução do emprego assalariado no total da

29 Convém, neste momento, considerar a observação de Frigotto (2006) em relação à perspectiva de análise de Castel: “se contraditoriamente a defesa do emprego formal e da garantia dos direitos conquistados pela classe trabalhadora é um ponto crucial na luta socialista, ainda mais numa sociedade como a brasileira, de parcos direitos do trabalhador, não é o seu objetivo central e final. Trata-se de uma luta no plano das contradições do sistema capital, mas cuja evidência histórica aqui demonstrada pelas análises de Marx, Gramsci, Harvey, Chesnais, Mészáros e Hobsbawm, entre outros, indica que não é da natureza desse sistema criar condições de pleno emprego. Ao contrário, na atual fase, sua tendência é incorporar cada vez menos trabalhadores e com um nível de exploração e alienação mais acentuados. Mais do que nunca se apresenta como pedagogia contra-hegemônica a tese da necessidade histórica do socialismo. Sem esse horizonte, a tese de Castel pode nos induzir puramentea um viés reformista ilusório” (p. 282).

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ocupação. Em 1989, 64% do total da ocupação brasileira era de assalariados e, em 1999, passou para 58,7%. Somente no mercado formal de trabalho, 3,2 milhões de trabalhadores assalariados perderam o emprego, sendo 2 milhões pertencentes ao setor industrial. Por fim, os postos de trabalho gerados caracterizam-se por serem, em sua grande maioria, precários. Nos anos 90, a cada 5 ocupações criadas, 4 referem-se ao conjunto de trabalhadores autônomos, sem remuneração e assalariados sem registro formal. (p.197-198)

Ainda de acordo com Pochmann (2006), o modelo econômico de inserção do Brasil

no mercado mundial não rompeu com a tendência de estagnação instalada a partir da década

de 1980, apontando este autor que “o novo modelo econômico proporciona ao Brasil

participar com apenas 1,2% no comércio internacional, mas registra, em paralelo, a

responsabilidade de 8% do desemprego aberto mundial.” (p. 129). Assim, percebe-se que a

classe trabalhadora brasileira contemporânea está submetida às mais diversas formas de

relações precárias de trabalho (terceirizados, subcontratados, informais, ilegais); devendo-se

ainda considerar que, “além do desemprego em grande escala, tem importância o processo de

desassalariamento, […] os efeitos sociais disso são perversos para a população de um país

com mais de 1/3 vivendo na situação de extrema miséria” (p. 129-130).

Vive-se hoje o desmonte da estrutura da relação salarial, o que modifica o próprio

conceito de sociedade e o sentido das questões sociais. A sociedade salarial baseia-se no

contrato social da modernidade, que medeia a relação contraditória capital/trabalho e todas as

dimensões da vida em sociedade30. No Brasil, “no ano de 1980, por exemplo, dois a cada três

ocupados eram assalariados, enquanto em 2000 o assalariamento respondia por menos de 58%

dos ocupados” (Pochmann, 2006: 113). Nessa perspectiva, como a crise da contratualização

moderna abala, justamente, a relação salarial que associava trabalho e segurança, um dos

resultados do processo da crise capitalista mundial é o desmonte da sociedade do trabalho

assalariado, constituindo-se este um dos principais problemas deste início de século, dada a

ampliação sem precedentes dos precarizados e desempregados31 e a diminuição progressiva

dos tradicionais direitos sociais e trabalhistas.

Todas essas transformações – que, conforme destaca Antunes (2000), decorrem “da

própria concorrência intercapitalista (num momento de crises e disputas intensificadas entre

os grandes grupos transnacionais e monopolistas) e, por outro lado, da própria necessidade de

30 A contratualidade tem suas origens nos mecanismos reguladores que organizaram social, política e culturalmente a sociedade moderna; esta capacidade regulatória ampliou-se após a Segunda Guerra Mundial, com a intervenção do Estado, regulando, principalmente, a lógica excludente do capital. 31 Castel assinala que a mutação de nossa relação com o trabalho não é só uma questão de emprego/desemprego, mas de uma mutação de nossa relação com o mundo; isto porque “O trabalho, como se verificou ao longo deste percurso, é mais que o trabalho e, portanto, o não-trabalho é mais que o desemprego, o que não é dizer pouco. [...] tratar-se-ia, então, de inventar uma maneira diferente de habitar esse mundo” (Castel, 1999: 496/497).

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controlar as lutas sociais oriundas do trabalho – acabaram por suscitar a resposta do capital à

sua crise estrutural.” (p. 47-48). Em outro trabalho, Antunes (2003) chama a atenção para o

fato de que a potencialidade desse processo de mundialização da produção gerar uma classe

trabalhadora heterogênea, na qual se entrecruzam esferas distintas (local, regional, nacional e

internacional), poderia ampliar as fronteiras no mundo do trabalho. Assim, “Da mesma forma

que o capital dispõe de seus organismos internacionais, a ação dos trabalhadores deve ser cada

vez mais internacionalizada” (Bernardo, 2000 apud Antunes, 2003: 7).

Tendo em vista os aspectos mencionados, é possível perceber que as metamorfoses32

sofridas pelo mundo do trabalho deixaram a classe trabalhadora com uma conformação “mais

fragmentada, mais heterogênea, mais complexificada, mais polissêmica e mais multifacetada.

Uma conformação que só pode ser apreendida se partirmos de uma noção ampliada de

trabalho” (Antunes, 2003: 236). Valendo-nos do estudo e interpretação deste autor,

sintetizamos abaixo as principais mutações que redelinearam o mundo do trabalho:

1- Redução do proletariado industrial, fabril, tradicional;

2- Surgimento de formas desregulamentadas de trabalho, como trabalhos precários;

3- Aumento significativo do trabalho feminino;

4- Expansão do setor de serviços;

5- Dificuldade de acesso dos jovens ao mercado de trabalho;

6- Dificuldade de permanência ou de reingresso dos trabalhadores adultos,

precocemente considerados idosos pelo capital;

7- Utilização de trabalho infantil nas mais diversas atividades produtivas;

8- Expansão do trabalho no “Terceiro Setor”, abarcando um amplo leque de

atividades;

9- Expansão do trabalho em domicílio, decorrente da desconcentração do processo

produtivo e da expansão de pequenas e médias empresas;

10- Transnacionalização do mundo do trabalho: em virtude da transnacionalização do

capital e de seu sistema produtivo.

As características indicadas compõem a nova conformação do mundo do trabalho,

mas também a da classe trabalhadora, que se reconfigura mundialmente. A complexidade do

32 O capital deflagrou, então, várias transformações no próprio processo produtivo, por meio da constituição das formas de acumulação flexível, do downsizing, das formas de gestão organizacional, do avanço tecnológico, dos modelos alternativos ao binômio taylorismo/fordismo, dentre os quais se destaca o “toyotismo” ou modelo japonês. Essas transformações, que decorrem por um lado da própria concorrência intercapitalista (num momento de crises e disputas intensificadas entre os grandes grupos transnacionais e monopolistas) e, por outro, da própria necessidade de controlar as lutas sociais oriundas do trabalho, acabaram por se apresentar como resposta do capital à sua crise estrutural (Antunes, 1999).

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período histórico atual exige considerar ainda “as estratificações e fragmentações que se

acentuam em função do processo crescente de internacionalização do capital” (Antunes, 2003:

235). A forma de ser do trabalho e da classe trabalhadora em nossos dias precisa ser pensada a

partir de uma concepção alargada. Nas palavras de Antunes:

Ela [classe trabalhadora] compreende a totalidade dos assalariados, homens e mulheres que vivem da venda da sua força de trabalho, não se restringindo aos trabalhadores manuais diretos. Incorpora também a totalidade do trabalho social, a totalidade do trabalho coletivo que vende sua força de trabalho como mercadoria em troca de salário. Esta nova forma engloba tanto os “trabalhadores produtivos”, que integram o núcleo central do proletariado industrial e participam diretamente do processo de criação de mais-valia e da valorização do capital (que atualmente, como vimos, transcende em muito as atividades industriais, dada a ampliação dos setores produtivos nos serviços), quanto os “trabalhadores improdutivos”, cujo trabalho não cria diretamente mais-valia, uma vez que é utilizado como serviço, seja para uso público, como os serviços públicos, seja para uso capitalista. […] Incorporam tanto os trabalhadores materiais, como aqueles que exercem trabalho imaterial, predominantemente intelectual. […] A classe trabalhadora atual também engloba o proletariado rural, que vende sua força de trabalho para o capital, de que são exemplos os assalariados das regiões agro-industriais. Incorpora também o proletariado precarizado, o proletariado moderno, part-time, fabril e de serviços, que se caracteriza pelo vínculo de trabalho temporário e pelo trabalho precarizado, em expansão na totalidade do mundo produtivo. Inclui, ainda, em nosso entendimento, a totalidade dos trabalhadores desempregados. (idem, 2003: 235-236)

Neste estudo, ao fazermos alusão ao processo de escolarização da classe

trabalhadora, referimo-nos a todo esse conjunto amplo e heterogêneo de jovens e adultos que,

devido à posição que ocupam na estrutura social, não tiveram o direito à educação. Pois

apenas aos sujeitos da classe trabalhadora é negada ou fracionada a possibilidade da educação

escolar na infância e na adolescência, situação que se explica predominantemente por uma

sociedade de classes (relações de dominação e exploração). Na atual fase de expansão e

acumulação do capital (Harvey, 1999), a perpetuação do exército de reserva assume uma

configuração diferenciada, conferindo à problemática educacional um contorno renovado. A

partir dos anos 1990, no Brasil, muito mais do que a negação do acesso à educação, como será

acurado no Capítulo III, verifica-se o acesso a formas variadas de educação de jovens e

adultos trabalhadores, uma espécie de regulação da educação e controle social das frações da

classe trabalhadora.

Compreendemos também, conforme define Thompson (1987), que classe social não

é só formação econômica, mas também cultural. Tais considerações nos permitem afirmar que

pensar a educação a partir da questão da classe não significa ignorar a diversidade e

multiplicidade dos problemas decorrentes de situações relativas a gênero, geração, raça e

etnia. Entendemos que, ao lado das explorações e expropriações pelo lugar que ocupam na

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sociedade de classes, as pessoas que compõem a classe trabalhadora também são atingidas por

opressões e discriminações, derivadas, por exemplo, de sua origem étnica (indígenas, negros),

de aspectos culturais regionais (nordestinos), de aspectos geográficos (do campo, ribeirinhos),

da orientação sexual (homossexuais). Todavia, queremos ressaltar, com Wood (2003), a

necessidade de um pluralismo “que reconheça a unidade sistêmica do capitalismo e que tenha

a capacidade de distinguir entre relações constitutivas do capitalismo e outras desigualdades e

opressões” (p. 224). Com propriedade, aponta ainda esta autora que “não devemos confundir

respeito pela pluralidade da experiência humana e das lutas sociais com a dissolução completa

da causalidade histórica, em que nada existe além de diversidade, diferença e contingência”

(p. 225).

É de se notar que a natureza da classe trabalhadora hoje metamorfoseou-se diante da

configuração contemporânea do capital, em seu estágio mundializado. De fato, o capital

mundializou-se, desenvolveu a capacidade de superar as fronteiras e fugiu de locais onde a

organização sindical era forte, enquanto os trabalhadores e suas ações políticas continuaram

limitados à territorialidade nacional. Nesse processo, uma das atitudes políticas essenciais dos

defensores do capital foi questionar, através das teses neoliberais, as garantias sociais

construídas pelos trabalhadores organizados. Dessa forma, o processo de transnacionalização

do capital parece ser uma resposta das grandes empresas (que passam a desenvolver

estratégias globais) aos poderes políticos e econômicos adquiridos pelos trabalhadores na

conjuntura do pós-guerra33. O retrocesso nas relações de trabalho são assim apresentados por

Pochmann (2001: 203):

percebe-se no período mais recente o fortalecimento da tendência de maior heterogeneidade nas relações de trabalho. […] Atualmente podem ser encontradas atividades laborais vinculadas tanto ao atraso, somente comparáveis às do século XIX, o trabalho infantil e escravo, ocupações sem rendimento e trabalho independente, quanto associadas a algumas experiências restritas ao uso e remuneração mais modernas de trabalho, como em células de produção na manufatura, em serviços informatizados e de última geração, através de grupos semi-autônomos em empresas industriais e nos serviços de ponta, entre outras.

Na América Latina como um todo, após uma grande expansão do proletariado

industrial nas décadas passadas, presencia-se um processo de desindustrialização, e, em

conseqüência, a expansão do trabalho informal e precarizado, além de elevado índice de

desemprego, desenhando um quadro de desconstrução de compromissos ético-políticos e

sociais fragilmente garantidos pelo próprio capitalismo. Em outras palavras, o cenário de

33 Segundo Antunes (1999), o processo de reestruturação implementado pelo capital visou tanto recuperar o seu ciclo reprodutivo quanto (ao mesmo tempo) repor seu projeto de dominação societal.

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reconfiguração da classe trabalhadora diante do atual cenário econômico fez-se presente nos

países periféricos e semiperiféricos de maneira nefasta. Nesses países, os efeitos da

implantação das reformas neoliberais e a regressão socioeconômica rapidamente fizeram-se

notar na desestruturação do mercado de trabalho.

Até os anos 70, a tendência histórica foi que os Estados nacionais controlassem a economia e as grandes corporações, [...] Assim, sociedade e Estado se tornaram aliados no exercício de controle das corporações [...] Com a globalização, porém, essa situação mudou por completo. As grandes empresas adquiriram um tal poder de mobilidade, redução de mão-de-obra e capacidade de negociação [...] que tanto a sociedade como o Estado se tornaram seus reféns. (Sevcenko, 2001: 31)

Claro que se por um lado o argumeto de Sevcenko é bastante pertinente, por outro,

também é preciso realtivizar no que tange a idéia do Estado ser apenas refém das grandes

empresas. Destaca ainda Sevcenko que, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano da

Organização das Nações Unidas, do ano de 2000, “Entre 1990 e 1998 a renda per capita caiu

nos 50 países mais pobres e aumentou nos 28 mais ricos. Cerca de 1,2 bilhão de pessoas, o

que equivale a um quinto da população mundial, vivem em nível de miséria absoluta” (2001:

43). Ou seja, atualmente, o pseudo universalismo liberal, pode ser facilmente desmascarado,

já que idéias como igualdade e liberdade se tornaram uma retórica abstrata diante da

ampliação do desemprego e da desigualdade social inerentes ao funcionamento do próprio

sistema capitalista. Para o referido autor, a acentuada ampliação da desigualdade social intra e

entre países é o legado mais perverso do século XX para o XXI.

1.2. A reconfiguração do Estado no capitalismo neoliberal

O processo de reestruturação produtiva desencadeou uma reordenação das

organizações sociais, estabelecendo novas relações a partir da internacionalização do capital –

como o fortalecimento do capital financeiro e dos organismos internacionais – que alteraram o

papel dos Estados nacionais. Acompanhando esse novo regime, a ideologia neoliberal –

ressaltada como único caminho possível para deter a atual crise de acumulação capitalista –

visa legitimar as novas exigências de competitividade, associadas às necessidades de reformas

na estrutura estatal. Verifica-se, atualmente, o deslocamento do papel do Estado de uma

função provedora (como no Estado de tipo keynesiano, ainda que com atuação desigual) para

uma função reguladora (de estabelecimento de condições para operações transnacionais nos

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mercados internos), acompanhado pelo deslocamento do reconhecimento do direito aos

serviços sociais para a idéia de que esses serviços são também áreas de atuação direta do

capital. Assim, em outras palavras, o predomínio da lógica econômico-financeira no quadro

do atual capitalismo transnacional e neoliberal reconfigura o papel do Estado e o padrão da

gestão pública, em especial no que tange às políticas sociais.

No contexto das transformações atuais, Fontes (2005) recorre a René Dreifuss para

estabelecer uma conceituação dessas mudanças:

René Dreifuss, […] propõe as seguintes categorias: globalização, para designar os procedimentos econômicos em curso que, segundo ele, conduziriam a uma meta-industrialização; mundialização, para a crescente aproximação dos modos de viver e pensar; e planetarização, para as novas formas de controle político e para os “modos de dominar” [...]. Posteriormente, vem sendo denunciado o viés laudatório do termo globalização, sendo crescentemente retomada a categoria – mais precisa a meu juízo – de imperialismo. (p. 30)

Para além da nomeclatura utilizada, para este estudo importa destacar que tanto

Fontes (2005) quanto Anderson (1995), Arrighi (1997), Harvey (1999), entre outros autores,

concordam que a compreensão das mutações exige uma análise das transformações do Estado

num contexto de integração econômica supranacional; consideram também que o capitalismo

atual tem como síntese ideológica o neoliberalismo. Anderson (1996:14) ressalta que o ideário

neoliberal articula-se em três esferas: econômica, social e político-ideológica; todavia, firma-

se especialmente no plano ideológico, sendo incorporado tanto por governos que se dizem de

direita, quanto de esquerda.

Em relação ao conceito de ideologia, Gramsci (1991) explicita seu significado como

um dos elementos que agregam os grupos sociais – “conservar a unidade ideológica de todo o

bloco social, que está cimentado e unificado justamente por aquela determinada ideologia” (p.

16). Para ele, é a ideologia que mantém unidas as diferentes classes sociais. É importante

ressaltar que na concepção gramsciana não existe uma única ideologia; as diferentes

ideologias são formas inacabadas da interpretação da realidade, sem equivalência entre si do

ponto de vista de sua verdade. Assim, as considerações a respeito de concepção de mundo

podem ser estendidas à ideologia: “somos sempre conformistas de algum conformismo”

(idem, p. 12), desde que se dê “ao termo ideologia o significado mais amplo de uma

concepção de mundo, que se manifesta implicitamente na arte, no direito, na atividade

econômica, em todas as manifestações de vida individuais e coletivas” (idem, p. 16). A

ideologia está, portanto, disseminada na sociedade, tornando-se “o terreno sobre o qual os

homens se movimentam” (ibidem), sendo preciso considerar que, “a escolha e a crítica de

uma concepção do mundo são, também elas, fatos políticos” (idem, p. 15). Cabe ainda

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ressaltar que a ideologia é mais do que um sistema de idéias: ela também está relacionada

com a capacidade de inspirar atitudes concretas e de orientar para a ação. Para Gramsci,

ideologia é uma concepção de mundo que se manifesta em diferentes níveis (de acordo com o

rigor intelectual) – na filosofia, na religião, no folclore –, por isso o autor enfatiza a questão

da hegemonia e o importante papel dos intelectuais e dos aparelhos de hegemonia na

produção e disseminação das ideologias.

Assim, o neoliberalismo é uma ideologia do capital para manter sua hegemonia,

sobretudo no caráter de adesão ativa dos dominados às suas teses e pressupostos. Como, por

exemplo, no convencimento de todos do quanto é necessário para o suposto desenvolvimento

a adoção de lógicas e mecanismos de mercado na gestão do Estado, ou mesmo da educação.

A respeito, Rummert (2000) ressalta que a hegemonia é firmada em acordos estabelecidos

também no plano simbólico:

Nesse processo, são formulados novos discursos capazes de ordenar aspirações, sonhos, fantasias projetivas, necessidades materiais e simbólicas. A força do discurso neoliberal se destaca ainda mais devido à ausência de formulações cultural-ideológicas concorrentes na disputa por hegemonia. Esse destaque decorre, também, da própria recomposição das formas de produção que, geradoras de diversos processos de exclusão, legitimam, no plano das subjetividades, a aceitação, e mesmo o desejo, de ver implantadas medidas de caráter mercantil apregoadas como solucionadoras dos problemas vivenciados por parte significativa da sociedade. (p. 58)

Dessa forma, vários estudos, como os já citados (Anderson, 1995; Arrighi, 1997;

Harvey, 1999), são unânimes em destacar que a hegemonia das teses neoliberais, como

instrumento político da dominação econômica, proporcionou, após os anos 1980, a adequação

político-jurídica ao novo regime de acumulação34. Tais políticas, correntemente chamadas de

ajustes estruturais35 do Estado, construíram um novo padrão de atuação pública, apontando

como um dos seus fatores prioritários a redução da esfera pública e a ampliação da esfera

privada e, conseqüentemente, do poder desta última no âmbito do Estado. A respeito, destaca-

se que:

Os programas de ajuste estrutural, necessários ao fortalecimento das políticas

34 Como já dito, as idéias neoliberais são bem anteriores à crise do capitalismo de bem estar social. A primeira experiência de governo numa perspectiva neoliberal ocorreu ainda no início dos anos 1970, durante a ditadura chilena de Pinochet. Em 1979, com a eleição de Thatcher na Inglaterra, a política econômica neoliberal é adotada em um país de capitalismo avançado. Logo depois, em 1980, com Reagan na presidência dos EUA, essa ideologia expande-se pelo Ocidente, avançando na Alemanha com Khol, em 1982, e posteriormente, na segunda metade dos anos 1980 e início dos anos 1990, atinge a América Latina e o Leste Europeu. 35 O ajuste estrutural é uma expressão que refere-se a um conjunto de medidas que visam impulsionar as reformas orientadas para o mercado. Dentre elas destacam-se a privatização de empresas estatais, a estabilização macroeconômica, a normatização da política monetária e fiscal, a liberalização e desregulamentação dos mercados e bens de capital.

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macroecômicas, são compostos por três elementos básicos: redução dos gastos públicos, realocação de recursos necessários ao aumento de superávites na balança comercial e reformas visando a aumentar a eficiência do sistema econômico. Tais orientações, que se colocam como exigências para a inserção das economias nacionais no processo de globalização capitalista, incidem diretamente sobre as políticas públicas de corte social, na medida em que impõem cortes nos orçamentos e redução do gasto público. O Estado é entendido aqui não mais como o provedor de serviços públicos, mas como promotor e regulador, devendo estabelecer suas funções de acordo com sua capacidade36. (Simionatto, s. p.)

De fato, pode-se afirmar que o neoliberalismo surge como um ideário supostamente

capaz de renovar as formas de acumulação do capitalismo. Sendo assim, em algumas

interpretações, a relação entre capitalismo e neoliberalismo advém da necessidade do capital

de criar novas formas de expansão que, diante do esgotamento do modelo social-democrata

em países europeus, permitissem uma reconfiguração do imperialismo capitalista (Harvey,

2004).

Nesse contexto, intensifica-se, desde as duas últimas décadas do século XX, tanto em

países de capitalismo central quanto em países da semiperiferia como o Brasil, um processo

de reforma baseado, entre outros, no argumento da oposição entre Estado e sociedade civil,

sendo esta última vista como defensora do bem de todos, associada a positividades e

liberdades, e o Estado visto como o locus do autoritarismo, do parasitismo e da corrupção. O

questionamento a essa interpretação é fundamental para este estudo, uma vez que é a partir da

difusão desse tipo de argumentação que o Estado justifica medidas coerentes com os novos

processos organizativos de sua ação coadunados com a nova lógica de acumulação; como, por

exemplo, o estímulo às parcerias ou iniciativas “não-estatais”, enquanto algumas iniciativas

governamentais foram suprimidas.

Observa-se que, se por um lado o Estado é considerado por alguns como uma

instituição que busca igualitariamente o “bem geral de toda a nação”, por outro, a idéia de

Estado remete a uma instituição que se opõe à sociedade. Consideramos que ambas fazem

parte de uma mesma concepção (burguesa), que busca esconder disputas e conflitos de classe

inerentes à sociedade capitalista. Nesse sentido, seja na difusão da idéia anterior (liberal) de

que o Estado, através das políticas públicas, cuidaria do bem de todos indistintamente, seja na

idéia atual (neoliberal) de que essa tarefa cabe à sociedade civil, que deve realizá-la

principalmente através de parcerias (público-privado), constatamos a negação do conflito e a

predominância de uma concepção restrita de Estado. Assim, esvaziada do seu conteúdo de

interesses de classe, observa-se que uma série de iniciativas na sociedade civil, com base em

36 Simionatto I. Crise, reforma do Estado e políticas públicas: implicações para a sociedade civil e a profissão. In: Gramsci e o Brasil Disponível em: http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv87.ht Acesso em: 19 mar. 2007.

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políticas sociais, são apresentadas como se fossem iniciativas desvinculadas de projetos de

sociedade.

Faz-se necessário, neste momento, sublinhar a concepção de Estado que embasa este

trabalho. O conceito aqui adotado se fundamenta na teoria do Estado ampliado de Gramsci,

segundo a qual “na noção geral de Estado entram elementos que devem ser remetidos à noção

de sociedade civil (no sentido, seria possível dizer, de que Estado = sociedade política +

sociedade civil, isto é, hegemonia couraçada de coerção)” (2000: 244). Dessa forma, o

político e o econômico são indissociáveis e, dada a inevitável imbricação desses dois planos

na organização geral do Estado, até mesmo a distinção feita por Gramsci (entre sociedade

política, para referir-se ao que comumente se entende por estrutura do Estado, e sociedade

civil, para referir-se a organismos privados) só faz sentido do ponto de vista didático/analítico,

mas não na dinâmica do real. Para este autor, através do Estado a classe dirigente justifica e

mantém o seu domínio, bem como obtém o consentimento dos governados.

Esclarecer essa concepção de Estado, mesmo que de forma breve, visto não ser este o

objetivo desta tese, é fundamental para compreendê-lo como espaço de disputas e correlações

de força na sociedade e questionar a pretensa neutralidade do seu papel e das suas ações, que

o situa acima das classes sociais. O conceito ampliado de Estado contribui para se

compreender que a construção da hegemonia ocorre no cotidiano por meio dos diversos

aparelhos de hegemonia, na sociedade política e também na sociedade civil. É nesses dois

âmbitos que se (con)forma na sociedade um projeto específico, ou seja, dirige-se a vida social

através de consenso e coerção, de forma a garantir a construção e a manutenção da hegemonia

das classes dominantes. Ressalte-se que as políticas sociais (dentre elas, as de educação),

como modalidade de política pública, adquirem, na sociedade capitalista, o sentido de

regulação social, ou seja, de concessões necessárias à sua reprodução e à manutenção da

hegemonia da classe (e frações de classe) representada por esse Estado. Assim, o Estado não

deve ser apreendido como algo geral, abstrato ou neutro, e sim como histórico e,

principalmente, como palco contínuo de conquista e manutenção da hegemonia:

O fato da hegemonia pressupõe indubitavelmente que sejam levados em conta os interesses e as tendências dos grupos sobre os quais a hegemonia será exercida, que se forme um certo equilíbrio de compromisso, isto é, que o grupo dirigente faça sacrifícios de ordem econômico-corporativa; mas também é indubitável que tais sacrifícios e tal compromisso não podem envolver o essencial, dado que, se a hegemonia é ético-política, não pode deixar de ser também econômica, não pode deixar de ter seu fundamento na função decisiva que o grupo dirigente exerce no núcleo decisivo da atividade econômica. (Gramsci, 2000: 48)

Dessa forma, na concepção gramsciana, o Estado representa os interesses e o projeto

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de sociedade de uma determinada classe. Como ressalta o autor: “Enquanto existir o

Estado-classe não pode existir a sociedade regulada […]. permanece exato o conceito [...] de

que não pode existir igualdade política completa e perfeita sem igualdade econômica”

(Gramsci, 2000: 223-224). Coerentemente, pode-se afirmar que na sociedade capitalista, por

um lado, não há espaço para a igualdade política, a não ser do ponto de vista formal37 e, por

outro, em conseqüência do primeiro enunciado, não se estabelecem relações entre iguais, mas

sim entre classes sociais fundamentais, desiguais, com interesses antagônicos. Vê-se assim

que o que a democracia burguesa faz é minimizar esse antagonismo através da suposta

igualdade política regulamentada por leis. Assim, consenso e coerção se combinam na busca

da classe social dominante pela hegemonia e por sua manutenção.

Em diversos momentos, Gramsci procura demonstrar que a independência que os

liberais buscam atribuir ao plano econômico (como se este tivesse vida própria, à parte das

vontades políticas e dos projetos políticos) é alcançada “legalmente” através da coerção das

leis, que é uma atribuição própria do Estado e, portanto, do político. Da mesma forma, com o

neoliberalismo vê-se atualmente a difusão do consenso de que o atual cenário socioeconômico

mundial (processo de reestruturação das bases produtivas) e a supostamente nova ordenação

globalizada, orientada pela competitividade, são inevitáveis. Assim, governos neoliberais, sob

o argumento de que as políticas públicas de natureza universal e coletiva são caras e

anacrônicas, legitimam perante a sociedade a idéia de um mercado global competitivo e o

aprofundamento das desigualdades sociais, como se não dependessem de escolhas e ações

políticas, mas fossem conseqüências inelutáveis do mercado; por conseqüência, o que o

Estado pode fazer é proteger os pobres.

Pode-se dizer que o impacto do processo de reestruturação, implementado pelo

capital para recuperar o seu ciclo reprodutivo e repor seu projeto de dominação societal

(Antunes, 2000) sobre os Estados nacionais, causou uma reconfiguração da natureza destes e

da sua relação com a economia. Observa-se, a nosso ver, que mais do que uma minimização

do Estado, o que ocorre é uma remodelação da sua estrutura e do seu papel, alterações essas

diretamente ligadas à dominação financeira do processo de acumulação.

Pode-se destacar, por exemplo, a ênfase dada pelo Banco Mundial (2007) a essa

temática em documentos como o Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial “O Estado num

mundo em transformação”, em que se ressalta a necessidade de redefinição do Estado para o

37 A democracia formal baseia-se em idéia superficial de participação e na ilusão de igualdade de escolhas no campo econômico e político; é uma pretensa liberdade, tendo em vista que as supostas escolhas ocorrem, na realidade, em condições desiguais e submissas ao capital.

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alcance de sua maior eficiência quanto ao desenvolvimento econômico e social. O relatório

indica a atuação do Estado como parceiro e catalisador, e não como promotor direto do

crescimento; trata-se do aproveitamento da capacidade limitada do Estado mediante parcerias

com as empresas e a sociedade civil. Nos termos do Relatório:

Sem um Estado efetivo, o desenvolvimento – econômico, social e sustentável – é impossível. Reconhece-se cada vez mais que um Estado efetivo – e não um Estado mínimo – é essencial para o desenvolvimento econômico e social, mais, porém, como um parceiro e facilitador do que como diretor. Os Estados devem complementar os mercados, e não substituí-los. [...] A História ensina a importância de aproveitar as vantagens relativas do mercado, do Estado e da sociedade civil para aumentar a efetividade do Estado. Isso implica uma dupla estratégia: ajustar o papel do Estado à sua capacidade e, depois, aumentar essa capacidade. (p. 18, grifo nosso)

A literatura relativa à reconfiguração do Estado no capitalismo contemporâneo

ressalta a relação entre a nova ordem econômica internacional e a tese do Estado mínimo, ou

seja, da diminuição e enfraquecimento da atuação do Estado. Porém, como esclarece Wood

(2005), se, por um lado, com a redução do espaço público a reconfiguração dos Estados

nacionais leva ao abandono de algumas de suas funções, por outro lado, outras atribuições são

assumidas. Nesse sentido, a autora critica o argumento corrente da diluição das fronteiras

entre as nações com a globalização e afirma:

[...] contra o pressuposto amplamente difundido de que a globalização está tornando o Estado-nação cada vez mais irrelevante […] quaisquer que fossem as funções que o Estado pudesse estar perdendo, está ganhando outras novas como canal principal entre o capital e o mercado global. […] no mercado global, o capital precisa do Estado. Precisa dele para manter as condições de acumulação e de competitividade em várias formas […]. Precisa do Estado para preservar a disciplina no trabalho e a ordem social diante da austeridade e da “flexibilidade” e para acrescentar a mobilidade de capital, ao mesmo tempo em que bloqueia a mobilidade dos trabalhadores. Por detrás de cada corporação transnacional há uma base nacional que depende de seu Estado local para sustentar sua viabilidade e de outros Estados para dar-lhe acesso a outros mercados e outras forças de trabalho. […] Em todo caso, o Estado-nação é o principal agente da globalização. (Wood, 2005: 109-110)

Em suma, a afirmativa acima revela que o Estado no capitalismo contemporâneo

continua tendo um papel dominante. Com suas novas atribuições, ele cumpre de outra forma

(agora num capitalismo globalizado e através das políticas neoliberais) a função de

“manutenção do ambiente adequado para a acumulação do capital e para a competitividade”

(Wood, 2005: 111). Em outras palavras, o capital continua necessitando do Estado e, para

atender aos interesses do capital, ele continua atuando fortemente. Quanto à questão da

globalização, a mesma autora esclarece ainda que “a globalização não é uma nova época, mas

um processo de longo prazo; não se trata de um novo tipo de capitalismo, mas da lógica do

capitalismo tal como este foi desde o começo” (idem, p. 101). Assim, tanto Wood (2005)

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quanto Harvey (2004) apontam em suas análises para o fato de que não há ineditismo no

processo de globalização em si, enquanto expansão capitalista. Para Harvey, o que o termo

globalização expressa de novo em relação à ordenação espacial da economia mundial é a

tendência à eliminação de barreiras de todas as ordens ao capital. Em suas palavras, “a

evolução da paisagem geográfica da atividade capitalista tem sido impelida sem remorsos por

etapa após etapa de compressão do espaço-tempo” (2004: 86).

Por fim, ambos os autores concordam que o atual processo de globalização apresenta

particularidades decorrentes da reconfiguração capitalista contemporânea e destacam como

principais características: a revolução tecnológica, a internacionalização do capital, a ofensiva

às conquistas dos trabalhadores e a regionalização do mundo em blocos econômicos. Sobre o

último aspecto, ressalta-se o fortalecimento dos países ricos em detrimento dos países da

periferia do capitalismo, que se inserem nessa lógica de maneira subalterna diante de novas

formas imperialistas dos países centrais.

1.2.1. As políticas educacionais no modelo capitalista neoliberal e periférico brasileiro

Na década de 1990, torna-se visível no Brasil e na América Latina em geral a

influência da ideologia neoliberal no campo da educação. De modo intensivo, vem sendo

colocada em prática uma série de reformas, impulsionadas predominantemente pelos

interesses hegemônicos internacionais, que repercutem com força nas políticas educacionais.

Verifica-se que as mudanças na educação apontam para sua mercantilização e subjugação

explícita à razão econômica. Apesar da perspectiva utilitarista na educação não ser novidade,

as transformações recentes no capitalismo (tratadas nas seções anteriores deste capítulo)

reeditam-na em novas versões no processo de reconfiguração do sistema educacional, visando

criar os consensos necessários à manutenção da hegemonia no capitalismo contemporâneo.

No caso brasileiro, é de se notar que a expansão do acesso ao sistema educacional

resultou, de um lado, de pressões populares pelo acesso à educação e, de outro, do

atendimento às necessidades imediatas e mediatas do capital. A gradual ampliação da rede

pública escolar se deu de forma desigual e assimétrica, com caráter fortemente seletivo,

evidente nos baixos índices de escolaridade da população. De acordo com dados do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2003), o nível médio de instrução da população

adulta, de 25 anos ou mais, é de apenas seis anos de estudos, ou seja, inferior ao tempo

exigido para se concluir o Ensino Fundamental. Conforme o mesmo Instituto, a taxa de

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analfabetismo da população com 15 anos ou mais, registrada em 2004, foi de 11,6%, sem

considerar o imenso contingente de analfabetos funcionais38. Destaque-se, ainda, a elevada

demanda por educação e a sua desigual distribuição, que se observa no afunilamento do

número de estudantes à medida que aumenta o nível de ensino. De acordo com dados do

Censo Escolar de 2005, de 33 milhões de matrículas na Educação Básica, apenas 9 milhões se

realizaram no Ensino Médio regular. Além disso, desse total, em média 41% dos alunos

matriculados no Ensino Fundamental não o concluem.

O movimento de ressignificações no campo educacional tem demonstrado que, na

atual configuração capitalista, de corte neoliberal, criou-se um modelo de atuação pública nos

países semiperiféricos do capitalismo e, nesse âmbito, a educação reaparece como questão

central, agora relacionada ao tema da competitividade na economia globalizada. Observa-se,

portanto que

A educação ocupa, assim, nos dias atuais, lugar de destaque nos debates que envolvem tanto as questões sociais quanto as econômicas. Esse destaque se deve, fundamentalmente, ao fato de que é a educação o campo para o qual o neoliberalismo catalisa, direta ou indiretamente, os elementos relevantes de seu projeto identificatório. […] Tal centralidade, que tem se expressado através de embates de diversas ordens, assumiu, ao longo da história, diferentes configurações, ocupando espaços diversos e tendo pesos diferenciados na permanente luta por hegemonia. (Rummert, 2000: 66)

Assim, a educação sempre teve uma posição de destaque nas questões

socioeconômicas. Do ponto de vista liberal, ocupou um lugar central, tendo sido associada, na

fase de expansão capitalista, a uma promessa de integração dos indivíduos ao emprego e à

sociedade (Gentili, 1998). A educação foi considerada pela Teoria do Capital Humano39 como

solução para o subdesenvolvimento e para a desigualdade entre indivíduos e regiões, pois

abria uma perspectiva de “ascensão social”.

Hoje em dia, as políticas educacionais, sob a hegemonia neoliberal, reafirmam essa

visão economicista e continuam utilizando o discurso da promoção pela educação, porém

agora não mais sob o ideário da formação para o emprego, mas, no atual contexto de

desemprego, sob o ideário da formação para a empregabilidade. Assim, numa perspectiva

acentuadamente individualista, relacionam a educação a uma promessa de acesso ao mercado

de trabalho, ou seja, como alternativa não mais de mobilidade social, mas de “inclusão

social”.

38 O IBGE considera analfabeto absoluto a pessoa que não é capaz de ler e escrever um bilhete simples no idioma que conhece, e analfabeto funcional a pessoa que possui menos de quatro anos de estudos completos. Estima-se que aproximadamente 1/3 da população adulta brasileira possa ser considerada analfabeto funcional. 39 Para uma análise crítica da Teoria do Capital Humano, ver Frigotto (1993).

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Como conseqüência, este movimento explicita que “a escola passou de um contexto

de certezas para um contexto de promessas, inserindo-se, atualmente, num contexto de

incertezas.” (Canário et al, 2001). Segundo Frigotto (2006), especificamente no contexto

brasileiro essa tendência materializou-se numa

[...] relação entre a regressão das relações sociais e os processos de mercantilização da educação no seu plano institucional e no seu plano pedagógico. Há uma travessia da ditadura civil-militar para uma ditadura do mercado no ideário pedagógico. [...] No âmbito do pensamento pedagógico, o discurso em defesa da educação é dominantemente retórico ou apresentado de forma inversa tanto na ideologia do capital humano (conjuntura da década de 1960 a 1980) quanto no que diz respeito às teses, igualmente ideológicas, da “sociedade do conhecimento”, da pedagogia das competências e da empregabilidade (década de 1990). (p. 265)

As mudanças ocorridas simultaneamente nos campos do trabalho e da educação ao

longo do período do ciclo de desenvolvimento iniciado a partir da década de 1930 no Brasil,

permitem compreender como é recuperada, com novos sentidos, a teoria do capital humano na

atualidade40. Trata-se, portanto, de um

[...] esforço de pensar a educação, em sua articulação com a dinâmica social do capitalismo, compreendido enquanto “modo multifacetado de reprodução sociometabólica que o abarca totalmente e que afeta profundamente cada aspecto da vida, desde o diretamente material até as relações culturais mais mediadas.” (Mészáros, 2002: 102)

Assim, tomamos como ponto de partida o fato de que, para compreender a realidade

atual, é preciso levar em conta que o processo de expansão capitalista no Brasil caracteriza-se

pela forma dependente41 de sua inserção no quadro hegemônico internacional. O capitalismo

aqui não se desenvolveu nem ao mesmo tempo, nem sob as mesmas condições dos países do

núcleo orgânico e, como vimos com Arrighi (1997), não poderia ser de outra forma, uma vez

que a existência de regiões desiguais é inerente à lógica que sustenta o sistema do capital.

A partir da década de 1930, ocorreu um processo de ruptura política, social e

econômica com o Estado oligárquico, e uma transição na direção do desenvolvimento de um

Estado industrialista. O Brasil possuía uma economia praticamente não-industrializada até

meados dessa década, quando passou de país essencialmente agrário-exportador a país

industrializado. Inicia-se, nesse período, um processo de industrialização tardia, de caráter

40 Cabe esclarecer que a idéia de desenvolvimento, ou mesmo o termo desenvolvimentismo, é utilizado neste trabalho como o faz Neves (1997), para identificar de forma abrangente o padrão de desenvolvimento econômico e político-social vigente no Brasil no período de 1930 a 1989. Já a idéia de competitividade irá referir-se aos tempos mais recentes, a partir de 1990, época caracterizada pelo acelerado processo de difusão das novas tecnologias, pela abertura econômica e pelas reformas neoliberais no Brasil. 41 Sobre o conceito de dependência, convém sublinhar que “O horizonte teórico que assumimos situa-se no horizonte das análises de Florestan Fernandes, que sublinha a tese do ‘capitalismo dependente’, e das análises de Caio Prado Júnior e Francisco de Oliveira” (Frigotto, 2006: 281).

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dependente e centrada na importação tanto de tecnologias quanto de quadros profissionais.

Também deve-se destacar que a expansão da industrialização ocorreu sem o estabelecimento

de qualificação da mão-de-obra e de políticas sociais para o conjunto da população.

Durante o período do Estado Novo definiu-se um novo cenário político, marcado

pelo crescimento econômico baseado na “substituição de importações”. O Estado nacionalista

de Getúlio Vargas, em sintonia com anseios da emergente fração de classe urbano-industrial,

assumiu um papel fundamental no processo de expansão industrial. Já na primeira metade da

década de 1950, o padrão de acumulação da economia brasileira fundou-se sobre uma

expansão incompleta do setor de bens de consumo. Este período também se caracterizou por

uma reorientação das relações entre Estado e economia, com o poder público desempenhando

funções mais ativas no sistema econômico-financeiro. Nesse momento as diretrizes inspiradas

pela doutrina liberal foram parcialmente abandonadas e, a partir de uma mobilização política

das “tendências nacionalistas”, estabeleceram-se as bases para o desenvolvimento industrial

nacional. Nesse processo, o Estado assumiu novas tarefas e desempenhou um papel decisivo

no estabelecimento de um novo padrão de crescimento (Bielschowsky, 2000).

Nesse contexto, vale lembrar, dá-se início no país às campanhas de alfabetização de

adultos, estimuladas mundialmente pela UNESCO42, vinculadas às necessidades do projeto

capitalista do pós-guerra – em essência, a necessidade de ampliação do exército industrial de

reserva e de conformação da massa trabalhadora –, focado no desenvolvimento e no combate

ao comunismo43.

O acelerado crescimento industrial dos países latino-americanos na década de 1950

foi acompanhado pela afirmação do desenvolvimentismo44 como ideologia dominante. No

pós-guerra, a industrialização foi impulsionada pela produção de bens manufaturados, mas

sem que amplos setores da população tivessem acesso às riquezas por ela produzidas. Nesse

sentido o processo tardio de industrialização no Brasil caracterizou-se principalmente pela

herança escravocrata; pelo demorado processo de organização e luta dos trabalhadores; pela

incipiente constituição de políticas sociais, dentre as quais a educacional; e pelos baixos

salários garantidos pela concorrência entre trabalhadores pouco qualificados. A combinação

desses fatores compôs “um capitalismo desigual e combinado, com uma base industrial

complexa e diversificada, embora não totalmente desenvolvida, mas com a manutenção dos

42 Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. 43 A Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA), iniciada em 1947, é um marco no que se refere à política da União, sendo considerada pela bibliografia (Paiva, 2003; Beisiegel, 2004) a primeira iniciativas de política nacional para jovens e adultos no país. 44 Ver a respeito, nota 19 neste capítulo.

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problemas tradicionais dos mercados de trabalho” (Rummert, 2000: 48, grifo nosso), como os

baixos salários e a mão-de-obra com pouca qualificação, marcada pela oferta de formação

profissional instrumental.

A política governamental de Juscelino Kubitschek operou uma ruptura com a

orientação da política econômica anterior, e isso em dois planos: tanto na redefinição do novo

setor industrial a ser privilegiado pelo Estado – o de bens de consumo duráveis –, quanto no

estabelecimento das novas estratégias para o financiamento da industrialização brasileira pelo

capital estrangeiro. Mendonça (1985) destaca que foi principalmente quanto à forma de

financiamento que “o modelo de acumulação delineado entre 1955-1960 mais se distinguiu do

anterior. [...] optou-se pela internacionalização da economia brasileira, abrindo-a ao capital

estrangeiro […]. Implantava-se aí o que alguns denominam modelo do capitalismo

dependente-associado” (p. 47).

Assim, invertendo o patamar de acumulação para a produção de bens de consumo

duráveis, a aplicação do Plano de Metas45 significou uma mudança na política econômica e

uma redefinição do papel do Estado: passou-se de uma política que visava criar um sistema

capitalista nacional para uma política orientada para o desenvolvimento econômico

dependente; a atuação do poder público no sistema econômico procurava acelerar o

desenvolvimento econômico, principalmente a industrialização, e impulsionar o setor privado

nacional e estrangeiro (Ianni, 1991).

Dessa forma, o período Kubitschek marca uma nova forma de dependência em

relação aos países centrais, por meio da abertura ao capital estrangeiro para financiar a

produção de bens de consumo duráveis. Esse processo de oligopolização da economia

brasileira baseou-se, em parte, na transferência de ganhos estatais para setores privados, e o

consenso em torno dele foi construído através de uma ideologia desenvolvimentista. Afinal,

de acordo com Mendonça, “nada mais ideológico do que um discurso nacionalista em meio à

plena abertura da economia ao capital estrangeiro” (1985: 59). Por essa ideologia, buscou-se

engajar todos os brasileiros num projeto comum de desenvolvimento e consolidação do

“capitalismo nacional”, ocultando-se as contradições que lhe eram inerentes.

Enquanto isso, a classe trabalhadora era submetida a péssimas condições de trabalho

e explorada ao máximo, o que possibilitou a expressiva concentração de renda que se verifica

na segunda metade dos anos 1950. É de se notar, ainda, que as altas taxas de crescimento

45 Este tinha por objetivos acelerar o processo de acumulação capitalista pela ampliação da produtividade dos investimentos, e elevar o nível de vida da população, superando a miséria pela ampliação do número de empregos e pelo estabelecimento de um novo modo de viver.

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econômico foram alcançadas sem a promoção de reformas estruturais, baseando-se numa

espécie de “fordismo”, ou seja, no aumento da produtividade pelo aperfeiçoamento das

formas de exploração do trabalho operário.

A crise econômica que se abateu sobre a maioria dos países latino-americanos no

começo da década de 1960 foi uma crise de acumulação, que se manifestou na incapacidade

para importar os elementos materiais necessários ao desenvolvimento do processo de

produção. Os problemas apresentados por esses países decorriam de um processo de

industrialização, em marcha na América Latina desde a década anterior, que não se fazia

acompanhar pelas reformas estruturais indispensáveis à criação de um espaço econômico

adequado ao crescimento industrial. No caso brasileiro, podemos acrescentar o fato de que a

industrialização teve que conviver com a permanência da velha estrutura fundiária. O caráter

ambíguo do governo João Goulart e a ampliação das demandas por reformas sociais

(chamadas reformas de base, dentre elas: reforma agrária, urbana, eleitoral, educacional etc.),

descortinaram um cenário de maior reivindicação de participação popular no processo político

e pleitea-se um investimento maior do Estado na expansão do acesso à educação (como, por

exemplo, em 1961, a Campanha em Defesa da Escola Pública).

Fávero (1996), referindo-se à conjuntura sociopolítica brasileira da época ajuda-nos a

perceber o processo de disputa por projetos de sociedade, assim destaca o fato de que:

Em síntese, a “política de massas” oportunizou a emergência das camadas populares, isto é, possibilitou que elas avançassem em suas reivindicações e em sua organização como classe. O nível crescente dessas reivindicações e a possibilidade de seu atendimento pelo sistema produtivo e pelos poderes públicos deixavam cada vez mais claros os limites do populismo. Em conseqüência, de um lado, as pressões populares caminhavam no sentido de questionar a própria estrutura da sociedade (passando a exigir, por exemplo, a Reforma Agrária) e o papel do Estado (por isto a importância do voto, no período). Por outro, a classe dominante, cada vez mais apoiada pelas camadas médias da população, amedrontada pelo espectro do comunismo [...], preparava o golpe de março de 1964. (p.11)

Ressalta-se também que, no bojo da ampliação da luta anticolonial e disputa por

projetos de sociedade, ocorriam paralelamente práticas pedagógicas baseadas numa visão de

formação de recursos humanos e num entendimento de que o processo educativo deve suprir a

não-escolarização na idade considerada própria, e diminuir a suposta marginalização cultural

da população – que, em grande parte, seria responsável pelo atraso econômico do país. Por

outro lado, cresce uma concepção segundo a qual o processo educativo é visto como

emancipatório, na medida em que pode promover a conscientização política dos setores

populares e incentivar a sua organização e autonomia, engajando-os num projeto de

transformação social. Uma das características importantes das experiências conduzidas nessa

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61

segunda vertente é o modo como a educação de adultos foi encarada: instrumento de

conscientização da realidade social e potencializadora de transformações dessa mesma

realidade; donde o destaque dado a iniciativas ocorridas no período de 1958 a 1964,

correntemente denominadas “educação popular e cultura popular”, que apresentavam como

um de seus objetivos contribuir para gerar mudanças na estrutura socioeconômica do país.

As contradições do mundo urbano-industrial se complexificavam e, “minado em sua

base, questionado ‘por cima’, o regime não resistiria às suas próprias contradições”

(Mendonça, 1985: 69), mesmo com a manutenção do corporativismo sindical, que, com base

na conciliação de classes, procurava manter sob o controle do Estado os conflitos antagônicos

entre capital e trabalho.

As dificuldades de conciliação criaram vários impasses políticos que tiveram seu

desfecho no golpe civil-militar de 1964, que redefiniu o pacto de poder no país, sem que se

alterasse, do ponto de vista econômico (stricto sensu), o modelo de acumulação. Ao contrário,

o novo regime político garantiu a consolidação e o aprimoramento do regime econômico

implantado nos anos 1950.

Entre 1964 e 1967 foi preparado o terreno para a fase posterior, conhecida como

“milagre econômico” (1968-1974), que significou, na prática, a garantia de lucros faraônicos

às empresas monopolistas, nacionais e estrangeiras. A crise do petróleo, em 1974, refreou a

“euforia”, evidenciando as contradições latentes do modelo econômico. Dessa forma, na

década de 1970 viveu-se o fracasso do “milagre econômico”, e o modelo de industrialização

monopolista atravessou sua primeira grande crise. Na educação, observa-se a incorporação

das orientações impostas pelas organizações multilaterais, consolida-se a influência da Teoria

do Capital Humano, ligada complementarmente à perspectiva tecnicista em expansão,

reduzindo a educação a fator de produção, apresentando-a como solução para os problemas de

caráter econômico decorrente do modelo capitalista dependente implantado.

Apesar das grandes transformações econômicas sofridas particularmente a partir dos

anos 1950, não houve, no Brasil, uma superação de certos aspectos tradicionais da cultura

sociopolítica nacional. Um exemplo do movimento dialético entre continuidades e rupturas no

Brasil pode ser encontrado na manutenção ou recorrência de certos fenômenos, tais como:

"pelo lado sociológico, as várias formas de manifestação do autoritarismo imperante nas

relações sociais de produção e, pelo lado político, a permanente tensão entre os poderes locais

e as centralizações autoritárias e entre o populismo civil e o intervencionismo militar" (Fiori,

1994:127). Assim, podemos compreender o golpe civil militar de 1964, como aprimoramento

e consolidação do modelo da década de 1950 (sob o ponto de vista econômico), embora

Page 62: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

62

também representasse uma ruptura com o pacto populista, entre outros elementos, por

consentir com a expansão dos oligopólios. Em relação ao Golpe, Mendonça e Fontes (apud

Rummert, 2000: 46) afirmam, "o favorecimento da grande empresa era o seu objetivo. O

arrocho salarial, sua estratégia. O combate à inflação, sua justificativa legitimadora. O milagre

econômico veio a ser seu resultado". Ainda conforme as autoras, no processo de

industrialização a qualificação "nunca foi assumida como peça importante no

desenvolvimento da competitividade microeconômica. Uma opção por uma espécie de

taylorismo sem fordismo." (ibidem).

Em meados dos anos 1970, a crise mundial de acumulação capitalista refletiu no

Brasil sob a forma do colapso do modelo de substituição de importações e do Estado

autoritário que o manteve. A crise brasileira fica mais nítida no final dessa década e durante

os anos 1980 (conhecidos, sob uma perspectiva economicista, como “década perdida”), com

o fracasso do “milagre econômico”. Em relação à política econômica, esse período foi

dominado pela questão do endividamento externo e por suas implicações, como a aceleração

inflacionária, a recessão industrial do início da década (1981-1983), a estagnação após 1986,

e, principalmente, a ameaça de um processo hiperinflacionário no final da década. Destaca-se

quanto à crise dos anos 1980 que:

No final da década de 70 início dos anos 80 esgotam-se as possibilidades da matriz industrial, que serviu de carro-chefe do processo da industrialização brasileira, continuar sustentando a expansão econômica do país, bem como se esgotam também, ou se reduzem drasticamente, as duas fontes básicas até então utilizadas para financiar o desenvolvimento econômico brasileiro (o Estado e o capital externo). (Brum, 1993: 273)

Ao longo do período da ditadura civil-militar, as experiências no âmbito dos

movimentos sociais (fase dos movimentos de educação e cultura popular) são encerrados, e a

Educação de Jovens e Adultos trabalhadores foi inserida no contexto da ideologia da

segurança e do desenvolvimento nacional, passando a ser implementada com a oferta do

Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização) e do Ensino Supletivo. O tecnicismo e o

economicismo na educação, principalmente por meio da difusão da Teoria do Capital

Humano, serão as marcas das experiências implementadas no período. Ao analisar o papel

político do Mobral, Paiva (2003) afirma que a compreensão dessa nova campanha de massa

deve ser buscada não apenas nas idéias que conectam educação e desenvolvimento

econômico. E assinala sua utilização como instrumento de controle ideológico das massas:

Na concreta situação política do período, quando ainda se acreditava que o campo apresentava grandes riscos políticos e crescente tensão, a campanha alfabetizadora servia aí como ponta de lança para o controle político das massas, especialmente no

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63

interior, estendendo a todos os municípios brasileiros tentáculos capazes de perceber rapidamente não apenas as tensões sociais, mas também eventuais mobilizações de natureza política num período em que ainda vicejavam, bem ou mal, movimentos guerrilheiros no campo. (Paiva, 1990: 11)

A crise brasileira, além de estar relacionada ao esgotamento do modelo de

modernização conservadora, também decorre de mudanças estratégicas no cenário

internacional, como a competição entre as economias dos países capitalistas avançados e as

mudanças tecnológicas aceleradas pela informática, pela automação microeletrônica e pela

revolução comunicacional. Desse modo, a década de 1980 presenciou o crescimento da

pobreza e da miséria em países como o Brasil (considerados economias emergentes), que

vincularam o processo de redemocratização à redução das desigualdades sociais.

No entanto, contrariando os aspectos econômicos, os anos 1980 representaram uma

época de avanço nos movimentos de organização dos trabalhadores e da sociedade civil.

Entraram em cena novos sujeitos sociais (Sader, 1988), que reordenaram em novos eixos a

dinâmica da luta de classes na sociedade brasileira: o “novo sindicalismo” 46 e a criação das

centrais sindicais, a organização de movimentos de moradores nos grandes centros urbanos,

organizações de trabalhadores rurais, de novos partidos políticos etc. Esses movimentos

tinham a luta pela redemocratização como ponto central de articulação.

Além do surgimento dessas novas formas de organização da sociedade civil, os anos

1980 foram marcados por fatos de grande significado na vida política do país: a consolidação

do “novo sindicalismo”, as eleições de 1982, a “Campanha Diretas Já” 47, a instalação da

Assembléia Nacional Constituinte, a promulgação de uma nova Constituição em 1988 e a

primeira eleição direta para a Presidência da República.

Depois de quase três décadas sem eleições presidenciais, no sufrágio de 1989

definiu-se qual seria a tendência ideológica predominante na política brasileira nos anos 1990.

O retorno à nossa velha democracia formal se deu com a eleição de Collor de Mello, a qual

sinalizou a reorganização das forças conservadoras e o início das reformas neoliberais. A

46 O termo “novo sindicalismo” refere-se a uma nova fase do movimento dos trabalhadores organizados, caracterizada pela combatividade na ação sindical. Importante assinalar que, conforme destacado por Rummert (2000), esse termo “amplamente utilizado na literatura acadêmica e no âmbito do movimento sindical para marcar a retomada da ação sindical no final da década de 1970, foi cunhado na literatura internacional para caracterizar os processos de transformação na organização sindical, ocorrida no final do século XIX. Sem ignorar o fato de que a história não se repete, considero pertinente tomar a análise de Hobsbawm – escrita em 1981 – sobre a origem do novo sindicalismo britânico, nas décadas de 1880 e 1890, como referência auxiliar para uma reflexão mais aprofundada sobre o novo sindicalismo brasileiro, tal como vem se apresentando um século depois” (p. 107). 47 A campanha “Diretas Já” foi o movimento e o momento em que todos se “uniram”, buscando o direito de votar para presidente da República. Os grupos conservadores, que defendiam a mudança de regime, percebendo a ameaça, aliaram-se aos liberais da base política da ditadura, que, reunidos sob a legenda “Frente Liberal”, ao término do regime deixaram de ser governo e se mostraram como oposição.

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64

seguir, o governo de Fernando Henrique Cardoso, pela credibilidade que alcançou através da

estabilização da moeda, ampliou o projeto neoliberal, inserindo, de forma passiva e

subordinada, a economia brasileira no quadro econômico internacional. Em meio a uma

profunda reorganização da sociedade, as opções adotadas pelo governo em resposta à nova

realidade internacional aprofundaram a desigualdade social, e parcelas significativas da classe

trabalhadora viram-se cada vez mais empobrecidas.

O processo de reforma educacional empreendido na década de 1990 ocorre nos

marcos da nova ordem econômica internacional e da adaptação do governo brasileiro à nova

concepção de Estado, que tem como resultado a desconstrução dos compromissos políticos e

sociais firmados pelo Estado na Constituição de 1988. Como será aprofundado no Capítulo 3,

ao combinar centralização das decisões com descentralização das ações e das

responsabilidades de execução, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (nº 9.394,

de 96), e demais instrumentos legais correlatos imprimiram às políticas públicas, no âmbito da

educação, um tom acentuadamente pulverizado e compensatório, numa lógica que redefiniu

não só o caráter universal da educação estabelecido na Constituição, como também o caráter

do financiamento público e do conteúdo da ação governamental, passando a priorizar

estratégias de focalização em grupos de extrema pobreza48.

Como demonstra Andrioli (2002), são várias as conseqüências do neoliberalismo na

educação brasileira. Abaixo, procuramos sintetizar as principais:

- Diminuição de recursos financeiros; decorrente tanto da menor arrecadação (através

de isenções, incentivos, sonegação) quanto da não aplicação dos recursos e de

descumprimento de leis;

- Parcerias com a sociedade civil (empresas privadas e organizações sociais);

- Foco no Ensino Fundamental, como responsabilidade dos estados e municípios;

- Produtividade e eficiência empresarial como referência para a educação (máximo

resultado com o menor custo);

- Alteração do termo "igualdade social" para "eqüidade social", ou seja, a

preocupação com a igualdade como direito de todos deixa de ser a referência, e passa

a importar apenas a "amenização" da desigualdade;

- Autonomia apenas administrativa (critérios de "controle" e fiscalização continuam

dirigidos, bem como continuam centralizadas as avaliações nacionais, livros

didáticos, currículos, programas, conteúdos, cursos de formação de professores),

48 Para uma análise da questão no Brasil, ver Leher, (1999) e Uga (2004).

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65

enquanto que a parte financeira (como infra-estrutura, merenda, transporte) passa a

ser descentralizada.

As transformações no campo da educação representam um reordenamento político

diante dos velhos (travestidos de novos) interesses do capital. Como tratado na seção anterior,

o neoliberalismo não é um movimento político autônomo; ao contrário, está em sintonia com

a tentativa de retomada dos patamares de lucro anteriores de acumulação capitalista. E, no

Brasil, a década de 1990 marcou o neoliberalismo na educação, no bojo da mudança de

funcionamento da economia capitalista nacional:

O Estado brasileiro promoveu uma ampla abertura comercial e uma também ampla desregulamentação financeira que, articuladas, concorreram para o aprofundamento da dependência da economia brasileira frente ao capital financeiro internacional. Um aprofundamento da dependência que é, ao mesmo tempo, uma relativa alteração nos termos dessa dependência. Hoje, o funcionamento do capitalismo brasileiro está dependurado no fluxo de ingresso de capital financeiro internacional, que permite o fechamento das contas externas, fluxo esse mantido graças a uma atrativa (para o capital especulativo) e destrutiva (para os trabalhadores e para a produção interna) política de juros altos. (Boito Jr, 2002: n. p.)

Afetada pelas transformações econômicas e políticas brevemente enunciadas nesta

seção, a educação teve seus objetivos e projeções reorganizados em cada período histórico do

cenário nacional. Na interpretação de Rodrigues (1998), isto significa que, primeiro,

prometeu-se a construção da Nação através da industrialização (télos de nação

industrializada); depois, a modernização foi apontada como condição para se alcançar o

desenvolvimento esperado (télos de país desenvolvido); agora, é posta a necessidade da

reestruturação produtiva para que o país tenha competitividade no mercado internacional

(télos de economia competitiva). Observa-se a influência sobre o Estado e suas políticas

educacionais, de forma direta e sem mediações, das orientações dos organismos internacionais

e do pensamento pedagógico empresarial nacional.

Os altos níveis de concentração da riqueza no Brasil indicam que a base elementar de

distribuição de renda do padrão fordista de acumulação – produção/consumo em massa, ou

seja, a formação de um mercado interno de massas – não se consolidou plenamente no país, e

nem mesmo direitos sociais básicos como saúde, educação e seguridade social foram

garantidos à população no período anterior à crise. Nos anos 1990 essa situação agravou-se

ainda mais, uma vez que foram implementadas políticas de redução dos direitos sociais

conquistados historicamente, ainda que nos limites do desenvolvimentismo e do populismo,

encaminhando-os para a iniciativa privada. Como destaca Boito Jr. (2002: n. p.)

Aquele modelo, como indicamos anteriormente, se representava um grande avanço

Page 66: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

66

em relação à política social da República Velha (1894-1930) e se ainda representa uma situação mais favorável para o trabalhador que a situação presente criada pelo neoliberalismo, aquele modelo, nós dizíamos, desenvolveu, apesar de tudo, uma política de inclusão social restrita e segmentada. Até 1962, os trabalhadores rurais permaneceram fora da legislação social. Ao longo dos anos 70 e 80, quando a migração interna transferiu a população do campo para a cidade, um grande e crescente contingente de trabalhadores recém-chegados ao mercado urbano passou a trabalhar “sem carteira assinada”, isto é, não lograram inserir-se em relações de emprego formais e permaneceram, portanto, sem direitos sociais. É por isso que estamos dizendo que a cidadania social no Brasil é restrita. Ela sempre excluiu um número muito grande de trabalhadores. E ela é, também, segmentada, porque, dentre os trabalhadores que nela estão incluídos, o acesso à educação, à moradia, ao saneamento, à aposentadoria, às condições de trabalho etc. é muito desigual. Essa cidadania restrita e desigual, que ofereceu aos trabalhadores brasileiros um arremedo de Estado de bem-estar, é uma herança perversa do Estado desenvolvimentista e do populismo.

Entre esses direitos sociais básicos figura a educação em seus vários níveis e

modalidades: para cada um deles foram criadas, através de reformas, políticas tendo como

fios condutores a redução da presença do Estado e a subordinação às leis de mercado,

estabelecida a partir da atuação de organismos internacionais e nacionais voltados ao

atendimento dos interesses do capital. Na perspectiva da economia competitiva, um Estado

mais “produtivo” justifica a realização de amplas reformas desregulamentadoras,

eventualmente responsáveis por sacrifícios, vistos como necessários pelo senso comum da

população brasileira. E assim o pensamento único (neoliberal) expressa sua hegemonia,

afirmando o caminho das reformas49 para o conjunto da sociedade. Este pensamento único

difunde valores como a solidariedade social no nível da família e da cultura cívica, e a

autonomia com responsabilidade pessoal e coletiva. Instala-se, dessa forma, uma confusão

entre liberalismo e democracia, entre liberalismo econômico e progresso, entre reformas e

liberalização (Leher; Sader, 2006).

Em quase todos os países da América Latina é visível a influência dos organismos

internacionais ou multilaterais, principalmente, a intervenção do Banco Mundial nos sistemas

de ensino nacionais, não só por meio de recursos a projetos localizados, mas, especialmente,

na proposição e financiamento de amplos programas de reestruturação desses sistemas

(Draibe, 1993). Os organismos multilaterais, de modo geral, destacam duas tarefas para a

educação: a) ampliar o mercado consumidor, apostando na educação como geradora de

trabalho e consumo; b) garantir, através da subordinação dos processos educativos aos

49 “Para ganhar legitimidade, a palavra reforma teve que percorrer uma longa trajetória, enfrentando obstáculos de distinta índole. A reforma protestante se opunha à rigidez do poderio da Igreja católica e era assimilada à autonomia das pessoas para interpretar os textos sagrados e para definir os critérios de seu comportamento. Este aspecto de autonomia individual foi um daqueles que favoreceu a identificação do protestantismo com a extensão e a emergência do capitalismo, articulados em comum com o conceito de ‘indivíduo’ e sua liberdade individual” (Leher; Sader, 2006: 03).

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67

interesses da reprodução das relações sociais capitalistas, a governabilidade, a estabilidade

política.

Nesse quadro, verifica-se que a prioridade aos pobres encontra-se em sintonia com as

recomendações do Banco Mundial, para o qual a educação contribui para a estabilidade

política necessária à realização dos negócios (Leher, 1999). Ou seja, a chamada “inclusão

social” através da educação contribui para a “paz” necessária à reprodução ampliada do

capital. Nesse sentido, ao destacar o papel dos organismos internacionais na educação, Leher

(2005: n. p.) aponta a focalização como uma das estratégias em curso:

No caso da educação, a orientação [do Banco Mundial] foi de que os governos deveriam abandonar a “irrealista e ineficaz” perspectiva da universalização da educação como um direito do cidadão e um dever do Estado. Conforme o Banco, os gestores modernos devem empreender ações focalizadas – tidas como eficientes e muito menos custosas – como, por exemplo, a alfabetização para certos segmentos da população por meio de ações da “sociedade civil”.

Desta orientação resulta a progressiva diminuição das políticas públicas universais e

a disseminação crescente de políticas focalizadas. Não é fortuito o fato de que as ações no

sentido de elevar os baixos níveis de escolaridade da população brasileira continuem tendo

pouco efeito para a solução de nossos problemas educacionais, cuja gravidade pode ser

atestada pela diminuta oferta de escolarização de jovens e adultos no país50. A persistência do

caráter seletivo do sistema educacional mantém uma parcela significativa da população à

margem do processo de escolarização. Segundo análise de Oliveira (2004: 116-117),

atualmente,

[...] impedidos de agir nas políticas de desenvolvimento, resta aos Estados nacionais na América Latina a administração das políticas de funcionalização da pobreza. [...] Como as forças do trabalho foram grandemente erodidas e perderam a capacidade de propor políticas e afiançá-las, ou de vetar as anti-reformas, os Estados nacionais na América Latina roçam o que a literatura chamou no passado de populismo. Mas a denominação é equívoca, pois o populismo no passado significou a inclusão pela “via passiva”, autoritariamente, das classes trabalhadoras na política, enquanto o neopopulismo – aceitemo-lo por enquanto – é a exclusão dos trabalhadores da política e sua transformação em objetos de políticas compensatórias. Nun que me perdoe, mas a “massa marginal” converte-se, pelas políticas de funcionalização da pobreza, em manutenção dos “exércitos de reserva”, aptos a manejar processos de trabalho os mais primitivos, com o que ganham lugar funcional na acumulação de capital.

Como se pode perceber, a influência neoliberal nas reformas educacionais impôs

uma ética individualista, presente no discurso de valorização da aquisição de competências

que supostamente garantiriam a empregabilidade em tempos de crescente desemprego.

50 Como será explicitado no capítulo III, a atual oferta de escolarização na área da EJA não chega a 10% da demanda potencial no Ensino Fundamental.

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68

Ganhou força, nos anos 1990 – num retorno à Teoria do Capital Humano, agora num contexto

de desemprego estrutural –, o discurso sobre a necessidade de ampliação e elevação da

escolaridade da força de trabalho, exigida pelo capital como pré-condição para o aumento da

produtividade. A baixa escolaridade da população passou a ser considerada um dos obstáculos

à nossa competitividade econômica numa suposta “sociedade da informação ou do

conhecimento”. Essas expressões, carregadas de determinismo tecnológico, se baseiam numa

análise superficial da realidade e resultam na apologia das novas tecnologias de informação e

comunicação e na negação da centralidade do trabalho e das classes sociais na atualidade.

Ancorado no velho discurso liberal de “democratização das oportunidades”, o

processo de mercantilização da educação no Brasil tem se dado em múltiplas frentes. As

propostas neoliberais para a política educacional seguem a lógica do mercado, restringindo,

de modo geral, a ação do Estado à garantia da educação básica. Especificamente no caso

brasileiro, a obrigatoriedade do Estado com a oferta de vagas recai apenas no Ensino

Fundamental, isto é, na primeira etapa da Educação Básica, deixando o Ensino Médio e a

Educação Superior, bem como, as modalidades de Educação Profissional e de Educação de

Jovens e Adultos sujeitos às leis da oferta e procura; enfatizando os direitos do consumidor51.

Exercendo papel fundamental na conformação do novo sujeito coletivo, a idéia da

aldeia global – que atinge a tudo e a todos e promete a satisfação pelo consumo – é veiculada

por diferentes aparelhos de hegemonia, entre eles o sistema educacional, que tem sido levado

a contribuir para a criação e difusão de uma cidadania política, baseada na colaboração de

classes. Num cenário em que as políticas neoliberais levam à ampliação do número de

trabalhadores precarizados, além de difundir-se a “pedagogia da competitividade, centrada

nos conceitos de competências e habilidades, opera-se uma mudança profunda no papel

econômico atribuído à escola [...], a função econômica atribuída à escola passa a ser a

empregabilidade ou a formação para o desemprego” (Frigotto, 1998: 12).

Dentre essas reformas educacionais neoliberais, uma das expressões mais

significativas é a política de currículo encarnada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais -

PCN. Trata-se, segundo Falleiros (2005), do processo de criação de um “novo homem”:

O “novo homem”, nessa visão de mundo, deve: sentir-se responsável

51 Bianchetti, ao analisar as políticas sociais no modelo neoliberal, explica que “nas sociedades de economia livre, onde o bem-estar é identificado com o consumo, cada indivíduo tem a possibilidade de adquirir os bens que seu próprio esforço lhe permitiu. [...] o êxito ou o fracasso é resultado de condições do próprio indivíduo, e não daqueles com quem se relaciona, sempre que todos tenham respeitado as regras do jogo. O volume dos resultados individuais e coletivos está determinado pela sorte e pela decisão individual. Portanto, a noção de justiça social é considerada como uma forma de intervenção externa na busca de uma igualdade de resultados, contrariando a concepção liberal que defende a idéia da igualdade de oportunidades” (1996: 90-91).

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69

individualmente pela amenização de uma parte da miséria do planeta e pela preservação do meio ambiente; estar preparado para doar uma parcela do seu tempo livre para atividades voluntárias nessa direção; […]. À escola, portanto, é transmitida a tarefa de ensinar as futuras gerações a exercer uma cidadania de “qualidade nova”, a partir da qual o espírito de competitividade seja desenvolvido em paralelo ao espírito de solidariedade, por intermédio do abandono da perspectiva de classe e da execução de tarefas de caráter tópico na amenização da miséria em nível local. (p. 211)

Destaca-se o fato de que as mudanças no mundo do trabalho (impactos da

acumulação flexível), conjugadas ao modelo de organização societária de corte neoliberal que

se tem configurado no Brasil, no bojo de uma crise mais ampla do capital, têm demandado

modificações substanciais no campo educacional. Na década de 1970, buscou-se explicar com

a Teoria do Capital Humano as contradições do capitalismo, usando a educação como

justificativa para as diferenças de renda entre pessoas e países: pessoas/países seriam

pobres/subdesenvolvidos porque não teriam investido suficientemente em educação. A partir

dos anos 1990, de forma similar, conceitos como competência e empregabilidade procuram,

também, justificar pela ausência de formação a não-integração de determinadas pessoas no

mercado de trabalho e/ou de determinados países na economia globalizada. Percebe-se que

empregabilidade e competência direcionaram as discussões sobre a relação entre emprego e

desemprego no Brasil. A partir do exposto, pode-se afirmar que a redefinição do campo

educativo materializado nas reformas educacionais teve como pressuposto a sintonia com a

lógica da competitividade para a inserção na economia globalizada.

No final do século XX e início do século XXI a educação foi recorrentemente

apresentada como solução para problemas de caráter estrutural. No caso brasileiro em

particular, tal receituário aparece como solução para os problemas sociais decorrentes de sua

posição subordinada e dependente, situada na periferia do capitalismo. Também é

significativo o fato de que a maior parte da classe trabalhadora só tem assegurado o acesso

aos níveis inferiores de ensino, o que é coerente com o lugar ocupado pelo Brasil, de

consumidor de tecnologia, e não de produtor (a partir da década de 1990, a divisão social do

trabalho, no plano internacional, se torna mais definida). Por fim, destaca-se ainda que a

recente ampliação das vagas no sistema educacional tem apresentado um forte conteúdo de

gestão da pobreza ou apassivamento social (Andrade, 2000), agora sob os novos conceitos de

eqüidade e desenvolvimento, conforme indicado pelo Banco Mundial. Entre as

recomendações político-econômicas do Banco para os governos dos países em

desenvolvimento, encontra-se o desafio de proteger os chamados grupos vulneráveis,

justificado pelo fato de que:

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70

A longo prazo, o crescimento rápido e o investimento em recursos humanos reduzirão drasticamente a pobreza. No entanto, independentemente do nível de renda de um país – e independentemente dos ganhos para a economia como um todo – alguns cidadãos serão deixados para trás e outros sofrerão temporariamente. (Banco Mundial, 1997: 58, grifo nosso)

Não restam dúvidas de que, nas últimas décadas, a influência dos organismos e

agências multilaterais no âmbito educacional ampliou-se significativamente na América

Latina. Tais organismos apresentam enorme capacidade de implementação das suas idéias,

desempenhando papel preponderante na manutenção da hegemonia e na difusão, para os

países periféricos, de uma determinada concepção de educação apresentada como via de

diminuição da pobreza e/ou das desigualdades entre países. Assim,

Os reflexos diretos esperados pelo grande capital a partir de sua intervenção nas políticas educacionais dos países pobres, em linhas gerais, são os seguintes: a) garantir governabilidade (condições para o desenvolvimento dos negócios) e segurança nos países “perdedores”; b) quebrar a inércia que mantém o atraso nos países do chamado “Terceiro Mundo”; c) construir um caráter internacionalista das políticas públicas com a ação direta e o controle dos Estados Unidos; d) estabelecer um corte significativo na produção do conhecimento nesses países; e) incentivar a exclusão de disciplinas científicas, priorizando o ensino elementar e profissionalizante. (Andrioli, 2002)

Atente-se para o fato de que o debate educacional incorporou, em grande medida, as

diretrizes dos movimentos internacionais organizados pelos países centrais, em especial as

apresentadas em 1990 na Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em

Jomtien (UNESCO, 1990). Assim, as orientações internacionais desses países influenciam

fortemente as políticas educacionais dos países periféricos. No Brasil, observa-se no discurso

das agências multilaterais (como o Banco Mundial e a UNESCO), dos setores da burocracia

estatal (como o Ministério da Educação e o Ministério do Trabalho e Emprego), de amplas

parcelas dos chamados novos movimentos sociais, bem como de um número expressivo de

intelectuais/pesquisadores, o horizonte comum da defesa da educação básica e da educação

continuada, mas nesses discursos ambas permanecem circunscritas à lógica do determinismo

econômico anteriormente abordado.

Por fim, a discussão sobre os organismos supranacionais nos conduz a refletir, no

próximo capítulo, sobre as políticas públicas nos países periféricos, discussão em que

levaremos em conta os condicionantes internacionais que influenciam na formulação de

políticas relativas à educação de jovens e adultos no contexto brasileiro.

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71

CAPÍTULO II

A EDUCAÇÃO DE ADULTOS52

NO QUADRO HEGEMÔNICO INTERNACIONAL

Com base nas considerações teóricas apresentadas no capítulo anterior, acerca das

mudanças contemporâneas no mundo do trabalho e as conseqüentes modificações no campo

da educação no Brasil, podemos afirmar que a redefinição dos sistemas educacionais, a partir

da década de 1990 está diretamente relacionada aos programas de ajuste estrutural impostos

pelos organismos internacionais.

No quadro de mundialização (Chesnais, 1996), vivemos por um lado, um

acentuamento da concentração de capital, dos processos de precarização da força de trabalho

e de fragmentação do mundo do trabalho. Por outro, vivemos um aprofundamento do

processo de internacionalização do capital, com forte predomínio do financeiro. Nesse

contexto de reordenamento do último quarto do século XX, observa-se a ampliação do poder

e da influência dos órgãos de regulação supranacionais (as agências multilaterais53) na tomada

de decisões dos governos de países periféricos. A totalidade dos Estados situados na

semiperiferia, conforme anteriormente assinalado, vêem sua dependência e subordinação

externa ampliadas na configuração da divisão internacional do trabalho (Arrighi, 1997).

A internacionalização da economia no contexto imperialista (Harvey, 2004) torna-se

evidente, entre outros exemplos, pelo grande alcance das orientações advindas do Banco

Mundial. Segundo vários autores (entre eles, De Tommasi et al., 1996), a força da influência

dessa instituição nos Estados-nação é inquestionável, e sua importância deve-se mais ao seu

desempenho no processo de ajuste neoliberal e estabilização macroeconômica dos países

periféricos do que ao volume de seus empréstimos.

As mudanças ocorridas na década passada, em muitos desses países, foram

provocadas pela ação de governos submetidos às exigências de organismos internacionais, em 52 Utilizamos aqui o termo Educação de Adultos por ser internacionalmente a nomenclatura adotada. 53 Neste cenário, os organismos multilaterais, principalmente o Banco Mundial e o FMI, passam a ter o papel de tutorear as reformas dos Estados nacionais, em particular as de países do capitalismo periférico. A UNESCO assume o papel de assessora técnica no plano pedagógico, realizando eventos e produzindo um grande número de documentos “orientadores” de prioridades na educação. A OMC, no plano jurídico-econômico, vai traçando uma legislação cujo poder ultrapassa o domínio das empresas transnacionais, e cada dia mais exerce, também, grande influência na educação. Regionalmente, há ainda, no plano econômico, a CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) e, no plano educacional, a OREALC (Oficina Regional para a Educação na América Latina e no Caribe).

Page 72: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

72

particular do Banco Mundial. Este continua a exercer grande influência (direta e indireta) nas

orientações das políticas públicas desses países, com conseqüentes alterações não só no

campo econômico como nos campos social e cultural. No que diz respeito ao âmbito

educacional, observamos duas ordens de questões complementares: por um lado, um retorno

renovado da Teoria do Capital Humano, e, por outro, um estímulo para que os Estados

exerçam o papel de gestores de estratégias para a “compensação” e “controle” social.

Nos países periféricos, atribui-se à educação o papel de desenvolvimento e garantia

de estabilidade do capital. Nesse sentido, o lema “Educação para Todos”, marca da década de

1990, empunhado pelo Banco Mundial e, em particular, pela UNESCO, está articulado ao

projeto político-econômico proposto pelos organismos internacionais, de alívio da pobreza e

governabilidade como estratégia de enfrentamento da crise estrutural e reprodução do

capitalismo mundial. Dessa forma, duas características centrais aparecem nas reformas

educacionais postas em prática: a educação dirigida à formação para o trabalho simples e a

educação dirigida à gestão da pobreza (Oliveira, 2000). Conforme estudos de Leher (1999;

2005), a “investigação dos acordos educacionais do Brasil com os Estados Unidos e do modo

de atuação do Banco Mundial e da UNESCO permitem evidenciar que a preocupação com a

segurança é constante” (p. 18). Todavia, conclui o autor, a questão da segurança tem

significado, na verdade, uma preocupação com o estabelecimento da ordem social para a livre

circulação do capital. Além disso, é importante também destacar a função de controle social

que as promessas de “inclusão”, sobretudo pela educação, exercem sobre o conjunto da classe

trabalhadora, contribuindo com a perpetuação da hegemonia do sistema capital.

Há um discurso hegemônico que, de forma simultânea, supervaloriza a educação,

atribuindo-lhe o papel de meio de ascensão social e superação de desigualdades entre

indivíduos e países, e a defesa do enfrentamento da baixa escolaridade da população com

iniciativas focais, “simulacros de processos educacionais [...] anunciados como portadores

potenciais de inclusão” (Rummert, 2007: 37-38). Do mesmo modo, a política educacional

brasileira, sob a orientação de agências internacionais, enfatiza em suas formulações a relação

entre “educação e desenvolvimento”, ou, na versão renovada, “educação e competitividade”.

Essas relações são justificadas pela defesa de que a educação é elemento estratégico nas

políticas de redução da pobreza, funcionando (aberta ou veladamente) como promotora de

contenção social, traduzido atualmente como educação para inclusão e eqüidade social.

Entendemos ser impossível alcançar o objetivo deste segundo capítulo sem

considerarmos esse conjunto de fenômenos contemporâneos imbricados. Assim, considerando

o cenário de reordenamento do mundo do trabalho, partimos do pressuposto de que os

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73

parâmetros definidores das políticas educacionais são orientados, em grande parte, pelas

agências internacionais e pelos organismos vinculados ao mundo produtivo de cada país –

intelectuais coletivos do capital mundializado –, coadunados aos interesses internacionais.

Consideramos as agências internacionais sistemas de poder amparados pelos Estados

nacionais, ou seja, ligados ao Estado e atuando na governabilidade do capital, operando o

próprio capital e influenciando as políticas sociais, dentre elas, as de educação nos países

periféricos.

Nesse quadro, o objetivo deste capítulo é traçar uma breve análise sobre o papel e a

influência dos organismos supranacionais ou agências multilaterais na formulação de políticas

de educação básica e profissional de jovens e adultos trabalhadores em países semiperiféricos,

como é o caso do Brasil. Para discorrermos sobre a inter-relação entre a concepção

internacional de educação e a concepção nacional de EJA, teremos como eixo condutor a

seguinte questão: quais os significados das teses acerca da "educação ao longo da vida" para

países semiperiféricos? Para elucidarmos essa questão, trabalharemos a partir de dois pontos:

a) as propostas políticas presentes nos acordos e declarações internacionais; b) as visões

contidas na tese da “educação ao longo da vida”.

2.1. Os Acordos e Declarações Internacionais – aproximações das propostas da UNESCO e do Banco Mundial

Inicialmente, é preciso sublinhar que, se por um lado observa-se atualmente em todo

o mundo uma espécie de “contaminação internacional” (Barroso, 2003: 83) entre os países,

em relação a conceitos e a políticas postas em prática, por outro lado tal tendência à

uniformidade em escala mundial não se refere a uma simples sujeição dos governos nacionais

aos organismos internacionais. Nesse sentido, Frigotto (2003), chama a atenção para a análise

de Maria Abadia da Silva (2002, in Frigotto, 2003), que sintetizou esta relação como sendo de

"intervenção e consentimento", bem como para a análise de Luiz Antonio Cunha (2002, in

Frigotto, 2003), que discute a importância de perceber que não se trata de uma subordinação

das elites brasileiras aos organismos internacionais.

Em outro trabalho, Cunha (2000), ao analisar as reformas na educação técnico-

profissional na América Latina, numa perspectiva comparada entre Brasil, Argentina e Chile,

demonstra que se há, por um lado, uma “homogeneização das referências intelectuais e

técnicas”, por outro, essa difusão dos referenciais internacionais produz resultados diretos e

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74

indiretos na estrutura educacional do país, uma vez que ocorre “mediante a atuação direta e

presencial de assessores desses bancos ou mediante a atuação de especialistas nacionais

formados segundo as orientações assumidas pelas instituições financeiras – um caso peculiar

de afinidades eletivas (p. 52)”, além do fato de que vários quadros de tecnocratas e

intelectuais brasileiros fazem parte desses organismos.

Importa-nos, neste momento, captar o ideário internacional, para, mais adiante, poder

apreender o modo como influencia e se materializa, na especificidade da realidade brasileira,

esse referencial internacional. Para tanto, procuraremos articular o particular e o universal na

disseminação de conceitos e diretrizes que, através de conferências, documentos, assessorias

técnicas etc., formam consensos nos países periféricos.

Cabe destacar que, apesar de reconhecermos a influência dessas agências na

formulação de políticas sociais, estaremos atentos à advertência de Oliveira (2000), segundo a

qual

A demasiada atenção a esse objeto de estudo parece estar atribuindo exagerado poder de intervenção e arbitragem àquelas instituições nas políticas locais. A advertência que aqui se faz é que, embora seja reconhecida a importância das mencionadas agências na formulação das políticas sociais dos países em desenvolvimento, sobretudo os devedores do FMI, não é possível considerar que suas agendas se resumem em mera execução das orientações oriundas daqueles organismos. [...] o entendimento aqui exposto é de que as políticas educacionais, sobretudo no Brasil, condensam um leque mais amplo de interferências, extrapolando muitas vezes as recomendações desses organismos. (p. 108)

Para este estudo, consideramos especialmente, dentre as agências multilaterais, a

UNESCO e o Banco Mundial, duas agências internacionais importantes de formulação de

concepções e políticas de EJA no Brasil, às quais serão incorporadas outras, de modo

complementar, quando necessário54.

As agências multilaterais atuam no estabelecimento e gestão de relações econômico-

financeiras e na indução de ações nos mais diferentes campos. Nesse sentido, no que se refere

às políticas educacionais desses organismos, verifica-se que a UNESCO atua, em grande

medida, como produtora de informação e conhecimento, assim como produz assessoria e

orientação, balizando a atuação dos governos nacionais com “princípios” e “necessidades”

formulados em escala global. Por sua vez, o Banco Mundial atua como instância financiadora

de projetos, construindo uma forma estratégica de intervenção e indução nas políticas dos

Estados nacionais. Por fim, é preciso considerar que o Banco Mundial “transformou-se, nos

últimos anos, no organismo com maior visibilidade no panorama educativo global, ocupando,

54 Tal recorte não significa que não reconheçamos a atuação coadunada do FMI com o Banco Mundial e com a UNESCO, nem sua importância, principalmente, no que se refere à gestão do endividamento externo.

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75

em grande parte, o espaço tradicionalmente conferido à UNESCO” (Torres, apud De

Tommasi et al., 1996: 125-126).

Considerando-se os os objetivos da tese, procede-se a seguir a uma breve retomada

das da origem e das características fundamentais de cada uma das agências anteriormente

apresentadas.

2.1.1. A UNESCO e o Banco Mundial – breve contextualização

Criada em 1945, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura – UNESCO, uma das agências especializadas da Organização das Nações Unidas

(ONU), com responsabilidade específica pela educação, tinha por objetivo, contribuir para a

reconstrução dos sistemas educativos e para a disseminação de uma cultura de paz,

especialmente nos países que compuseram a frente dos países aliados na Segunda Guerra

Mundial. Também é digna de destaque, no quadro de processo de criação da Unesco, a

Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento assinado por todos os países

membros da ONU em 1948, que assevera a todas as pessoas o direito à instrução, conferindo

à educação o status de direito humano universal55.

Atualmente, a UNESCO possui 192 Estados Membros e seu objetivo é a promoção

da paz e dos direitos humanos, bem como ser uma agência “para disseminar e compartilhar

informação e conhecimento – enquanto colabora com os Estados Membros na construção de

suas capacidades humanas e institucionais em diversos campos”56, promovendo assim a

cooperação internacional nas áreas de educação, ciência, cultura e comunicação. Sua principal

diretriz hoje é alcançar até 2015 os “Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações

Unidas”, com destaque para as metas de:

55 Cabe destacar que a “questão dos direitos humanos é parte integrante da tradição cultural ocidental. As primeiras discussões acerca dessa idéia datam do período medieval da história européia e, na era moderna, ganharam amplitude e profundidade com as obras filosóficas dos contratualistas, como Hugo Grotius, Thomas Hobbes e John Locke. [...] [todavia] A discussão sobre os direitos humanos no âmbito das relações internacionais é relativamente recente – data de após a Segunda Guerra Mundial –, não obstante o Congresso de Viena (1815) ter iniciado o processo de abolição do tráfico de escravos já no século XIX. Até então, a questão dos direitos dos indivíduos era considerada como de âmbito exclusivo do Estado [...]. Foi o advento do nazismo que produziu uma mudança na percepção da questão. [...] A consciência de que crimes como os praticados pelos nazistas não poderiam mais ser repetidos em parte alguma, e de que não poderia haver mais lugar para a dominação colonial no mundo do pós-guerra, fizeram com que a questão da defesa dos direitos humanos fosse incluída em todo o processo de criação da ONU como matéria de grande relevância. O ápice desse processo, iniciado com a Carta das Nações Unidas, foi alcançado em 10 de dezembro de 1948, ocasião em que veio a público a Declaração Universal dos Direitos do Homem” (Gonçalves, 2004: 41-42). 56 Disponível em: <www.unesco,org.br> Acesso em: 7 ago 2007.

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- Reduzir pela metade a proporção da população que vive em condições de pobreza extrema; - Atingir o ensino básico universal; - Eliminar a disparidade de gênero no ensino primário e secundário; - Combater a Aids, a malária e outras doenças; - Garantir a sustentabilidade ambiental. (UNESCO, 2007: 3)

Esta pauta é constituída com base no programa Educação para Todos, sendo este,

atualmente, o “cerne de suas principais atividades na área da educação” (UNESCO, 2007: 5),

por meio do qual são empreendidas ações direcionadas ao apoio a políticas nacionais de

ampliação do acesso à educação.

A análise da trajetória desta agência apontou que nas décadas de 1950 e 1960 a

UNESCO apresentava um discurso mais próximo das demandas dos países periféricos,

especialmente quanto à defesa da descolonização, de crítica ao racismo e de defesa da

ampliação do acesso à educação. Apesar de os projetos educacionais empreendidos pela

instituição situarem-se nos marcos do projeto do capital, tal desempenho chegou a ser

considerado por conservadores norte-americanos como de favorecimento ao comunismo,

culminando com a saída dos Estados Unidos da UNESCO em 1984.

Durante a década de 1970 a UNESCO passou a difundir com ênfase a Teoria do

Capital Humano, estimulando publicações e ações que associavam educação e

desenvolvimento, expandindo a idéia de que o investimento em capital humano, através da

educação, resultaria em crescimento econômico e desenvolvimento mundial. Assim, o

crescimento econômico era considerado necessário, mas não suficiente, sendo a educação

considerada a estratégia fundamental para resolver a questão do empobrecimento nos países

periféricos. Baseando-se em um discurso aparentemente progressista e em prol do “bem

comum”, fomentava-se a crença de que o avanço da ciência e da tecnologia traria

desenvolvimento e progresso para todos57.

Nessa direção política, no período empreendido entre 1970-1990 a UNESCO

promoveu conceitos como os de educação permanente e educação ao longo da vida, conforme

será retomado adiante, como fonte de constante capacitação e aperfeiçoamento dos

trabalhadores frente aos reordenamentos do mundo do capital.

Além do escritório regional de educação da UNESCO, a Oficina Regional de

Educação para a América Latina e o Caribe (OREALC), com sede em Santiago, que

57 Finger (2005), por exemplo, destaca que “Historicamente, a educação de adultos é um movimento nascido de uma idéia de mudança social. A UNESCO viu-a como uma idéia de humanização da civilização. Mas, a própria UNESCO nunca imaginou que a ciência e a tecnologia pudessem ser um problema. Para ela, a ciência e a tecnologia eram boas e seguiam na direção certa, mas a sociedade deveria estar à altura delas, não para mudar a orientação, mas simplesmente para acompanhar a sua evolução” (p. 22).

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acompanha os programas e projetos na região a UNESCO possui também uma representação

no Brasil, que data de 1964 e que a partir de 1992, toma novo impulso em sua relação com o

MEC em função da Declaração Mundial de Educação para Todos. Atuando por meio de

projetos de cooperação técnica com o governo, a UNESCO auxilia na formulação e execução

de políticas que contribuam para a concretização das grandes metas acordadas entre seus

Estados Membros. Em relação à área de educação de adultos, entre outras ações como

publicação de livros e acompanhamento técnico a UNESCO realiza as Conferências

Internacionais de Educação de Adultos, como será visto na seção 2.1.2.

Podemos destacar ainda que até a década de 1980 a UNESCO (em conjunto com a

UNICEF – Fundo das Nações Unidas de Socorro à Infância) era reconhecida como a agência

de referência no que tange a discussões e proposições de políticas educacionais. Todavia, a

partir de meados dos anos 1980, e principalmente ao longo dos anos 1990, a UNESCO foi se

aproximando gradualmente do Banco Mundial, especialmente depois do afastamento dos

Estados Unidos (em 1984) e da retirada do financiamento deste país nas ações da instituição.

Na verdade, a relação dos Estados Unidos com a UNESCO nunca deixou de existir, uma vez

que quem determina a política do Banco Mundial são os países mais ricos e, destes, o EUA

tem 20% das cotas-parte e poder de veto58.

Alguns autores (Leher, 1999; 2005; Siqueira, 2001a; 2001b) destacam a influência

do Banco Mundial sobre a UNESCO como um dado importante para a compreensão não só da

instituição e do papel que desempenha, como também do redesenho da política educacional

dos países periféricos no bojo do deslocamento da ideologia do desenvolvimento para a da

globalização. Concordando com essas análises, cabe sublinhar que:

Em sua origem, a UNESCO foi basicamente uma instituição norte-americana produzida no contexto da Guerra Fria e da ideologia do desenvolvimento [...]. Porém, contra todas as expectativas, com o processo de descolonização e o deslocamento da Guerra Fria para os países periféricos, a UNESCO foi transformada pelo Movimento dos Países Não-Alinhados e pelos países socialistas em uma referência significativa para o debate educacional, encorajando políticas que favoreceram a aprendizagem e o acesso ao conhecimento de populações até então submetidas à violência da dominação estrangeira, representando um símbolo de esperança para os países explorados e de economia deformada. [...] a educação não era tida como decisiva na “quebra” da inércia que aprisiona os países latino-americanos ao “subdesenvolvimento”, o que explica o já relativo

58 Faz-se necessário explicitar que “O Banco Mundial é um organismo multilateral. Ou seja, assim como o FMI, ele pertence a governos nacionais – 184, no caso. Cada governo tem uma cota-parte em função de seu poder econômico. Como os votos são proporcionais à quantidade de quotas, quem acaba determinando a política do Banco são os cinco países mais ricos do mundo: Estados Unidos, Japão, França e Inglaterra. Um acordo entre eles assegura que sempre que o diretor do FMI for europeu, o do Banco Mundial será estadunidense. Mas só os Estados Unidos, donos de 20% cotas-parte, têm poder de veto. Isso porque, pelas normas do Banco Mundial, para aprovação de decisões importantes são necessários 85% dos votos, mais do que a soma de todos os outros países membros” (Machado, 2002: 16-17).

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debilitamento da UNESCO no período. O seu curso futuro, porém, causou profunda reação da direita organizada dos EUA, que [...] acabou levando esse país a abandonar a UNESCO em 1984. [...] Adotando o ponto de vista de que o novo papel da educação decorre de uma suposta revolução científica, tecnológica e organizacional, reforçam a ideologia da globalização e o determinismo tecnológico, ofuscando o problema real da crise estrutural do modo de produção capitalista, bem como de suas conseqüências para a educação. (Leher, 1999b, n. p.)

Parece que a UNESCO, apesar dos limites institucionais intrínsecos, “apresentava

uma perspectiva mais comprometida com a perspectiva de autodeterminação e soberania dos

povos” (Siqueira, 2001b: 18), mas, para cumprir o papel que a atual economia designa à

educação, sofreu grande influência do Banco Mundial, distanciando-se desses valores iniciais.

Assim, o Banco foi se transformando na melhor estratégia, na agência de excelência

estadunidense para reger a política educacional para os países pobres. É notório o controle dos

EUA nas políticas realizadas pela UNESCO, bem como o significado político da dependência

financeira desta em relação ao Banco Mundial, que, por sua vez, também apresenta forte

dependência dos EUA.

Com efeito, em meados dos anos 1990, a UNESCO retomou e aprofundou o papel

que desempenhou, desde a sua origem, de "humanização" do capitalismo por meio de

incentivo a progressivas reformas que pudessem amenizar as agudas contradições classistas

da sociedade capitalista. Observamos em seus documentos uma ênfase na noção de “capital

humano” (anos 1960) para se referir a habilidades e capacidades individuais, e na noção de

“capital social” (anos 1990) para se referir à capacidade de articulação das pessoas em grupos

e comunidades locais, a fim de reverter a situação de pobreza e encontrar soluções para seus

problemas imediatos. O capital social, para a UNESCO e para o Banco Mundial, está

relacionado à possibilidade de acerto de falhas do mercado através da participação cívica em

ações comunitárias, baseando-se na possibilidade de harmonização social59.

Nesse contexto, a educação é hiperdimensionada, tratada simultaneamente como

causa e solução para o desemprego e a pobreza. Ilustrativo dessa lógica é o documento

conjunto Banco Mundial-UNESCO em que se afirma: “bilhões de pessoas ainda vivem na

escuridão de pobreza DESNECESSARIAMENTE… isto é em parte porque elas não podem

59 A forma como as agências internacionais concebem o tema Capital Social, dentre elas, especialmente, o Banco Mundial, refere-se a uma interpretação que tende a minimizar as “imperfeições” do mercado e que pretende proporcionar uma melhora nos índices de desenvolvimento. Assim, o conceito de capital social associa-se, de forma instrumental, a temas correlatos, como o desenvolvimento regional e a governança local, tendo em vista impulsionar a eficiência dos empreendimentos locais pela atuação (chamada, em geral, de participação) de indivíduos e grupos, sem, no entanto, desencadear processos de democratização ou redistribuição de poder.

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ligar o ‘interruptor da luz’ que é a educação.” (The task force on higher education and society,

2000, p.19, in Siqueira, 2001a: 4, grifo do autor) 60.

O Banco Mundial foi criado em 1944, em Bretton Woods, nos EUA, e como

organismo especializado das Nações Unidas (ONU) em 1947, com o objetivo de colaborar na

reconstrução da economia dos países capitalistas da Europa após a Segunda Guerra Mundial.

Inicialmente, restringia-se à concessão de empréstimos em longo prazo, tendo em vista a

estabilidade e o crescimento econômico dos países beneficiados. Em seguida, no contexto da

Guerra Fria, a partir de 1950, passou a priorizar a assistência econômica, política e militar aos

países periféricos, principalmente com o financiamento de infra-estrutura, na perspectiva de

fortalecimento do Bloco Capitalista.

Na década de 1970 (mais precisamente no período entre 1968 a 1981, referente à

presidência de McNamara), inicia-se uma fase de preocupação com a pobreza. Expande-se a

influência do Banco Mundial na América Latina, financiando particularmente o setor social.

A proposição principal era de que a pobreza absoluta desapareceria como conseqüência do

crescimento econômico dos países. Nos anos 1980, com o fim da ameaça de adesão ao

modelo comunista e a eclosão da “crise de endividamento”61, o Banco passou a priorizar

empréstimos condicionados a programas de ajuste econômico estrutural, e assumiu,

juntamente com o FMI62, um papel central na renegociação, no monitoramento e na garantia

do pagamento das dívidas externas, e na reestruturação e abertura das economias dos

devedores, além da criação de condicionalidades para a obtenção de novos financiamentos.

Na década de 1990, a pobreza volta a ser considerada o grande entrave para o

desenvolvimento, associada à idéia de que os países da periferia do capital necessitavam

aumentar sua competitividade no mercado mundial. No documento Prioridades e estratégias

para a educação fica clara a concepção do papel que a educação deveria desempenhar:

La educación es crucial para el crecimiento económico y la reducción de la pobreza. […] La estrategia del Banco Mundial para reducir la pobreza se concentra en la promoción del uso productivo del trabajo, que es el principal activo de los pobres y en la prestación de servicios sociales básicos a los necesitados. Las inversiones en educación contribuyen a la acumulación de capital humano que es esencial para

60 Para Siqueira (2001), este documento seria a melhor demonstração da consolidação da tendência que vimos discutindo, uma vez que expressa a adesão da UNESCO a um documento bastante distante das suas diretrizes originais. Segundo a autora, “não foi uma surpresa que este documento ‘conjunto’ Banco Mundial-UNESCO se assemelhasse mais aos demais documentos do Banco Mundial do que aos da UNESCO, não só em termos de forma, mas também de conteúdo, para não mencionar também de metodologia de elaboração” (p.15). 61 “O processo de desenvolvimento econômico nesses países, nos anos 1950 e 1960, realizou-se via endividamento externo. A economia brasileira entrou em crise no fim dos anos 1970, com o segundo choque do petróleo – em 1979 –, momento em que sofreu drasticamente” (Ugá, 2004: 56). 62 Fundo Monetário Internacional.

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lograr ingresos más altos y un crecimiento económico sostenido. (Banco Mundial, 1995: 1)

Outro componente que podemos destacar é que o Banco Mundial passou de uma

aproximação com os países subdesenvolvidos, voltada para frear a influência do comunismo,

a uma aproximação que visava justificar as desigualdades, uma vez que as promessas de

desenvolvimento cederam lugar a argumentos justificadores das diferentes formas de

expropriações e a compromissos de valorização de diferenças e diversidades. Enfim, a

mudança de objetivos e prioridades do Banco são decorrentes das modificações no próprio

contexto econômico e político mundial63.

No Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2000/2001, o próprio Banco

Mundial avalia sua trajetória em relação à temática da pobreza, considerando que:

Nos anos 50 e 60, muitos consideravam os grandes investimentos em capital fixo e infra-estrutura como a principal via para o deenvolvimento. Nos anos 70, aumentou a conscientização de que o capital físico não era suficiente: a saúde e a educação tinham pelo menos a mesma importância. O Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 1980 articulou essa noção e argumentava que as melhorias em saúde e educação eram importantes não só por si próprias mas também para promover o aumento da renda da população pobre. Nos anos 80, [...] a ênfase passou a ser atribuída à melhoria da gestão econômica e liberação das forças do mercado. O Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 1990 propunha uma estratégia dupla: promover o crescimento com uso intensivo de mão-de-obra mediante abertura econômica e investimento em infra-estrutura e propiciar serviços básicos de saúde e educação para os pobres. Nos anos 90, o governo e as instituições passaram a ocupar o centro do debate, ao lado das questões de vulnerabilidade no âmbito local e nacional. Este relatório baseia-se nas estratégias anteriores, tendo em vista a experiência acumulada na última década e o novo contexto global. (Banco Mundial, 2001: 6)

O conjunto de reformas na América Latina (no Brasil, claramente percebida a partir

de 1995) estimulada pelos organismos multilaterais reflete o estabelecimento dessa nova

orientação. As reformas devem-se à sujeição às condicionalidades (principalmente por meio

dos contratos e das cartas de aval, que somente são concedidos se o país solicitante aceitar as

condições que lhe são determinadas) para a obtenção de novos financiamentos, vinculada à

adoção de programas de ajuste estrutural e/ou de projetos específicos em negociação com o

Banco Mundial; em muitos casos, como o do Brasil, as “reformas” atingiram as políticas

internas e provocaram mudanças na legislação. Importante ressaltar que a manutenção da

estabilidade política diante do risco da insatisfação popular e a subjugação da economia dos

63 Consolida-se mundialmente a influência do Banco “na reestruturação econômica dos países em desenvolvimento por meio de programas de ajuste estrutural” (De Tommasi et al., 1996: 18), transformando-se de banco de desenvolvimento em banco facilitador da abertura das economias desses países aos requisitos do capital baseado na mundialização financeira (Chesnais, 1996).

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países em desenvolvimento aos interesses do capital internacional são pontos comuns

predominantes nos dois momentos históricos (tanto na década de 1970 quanto na de 1990).

Por fim, conforme assinalado anteriormente, é importante destacar que, apesar de

organismo multilateral com participação de vários países, o grupo Banco Mundial64 é

dominado pelos EUA que, além de possuir a maior parte do capital votante também escolhe a

residência do Banco desde a fundação. Dessa forma, pode-se dizer que o Banco Mundial se

assemelha muito mais a um braço da política externa estadunidense do que a um órgão

multilateral e pluralista. Desde meados dos anos de 1990, o Banco consolidou-se como uma

agência internacional de financiamento de projetos nas áreas sociais, baseando-se no discurso

da redução da pobreza e minimização dos seus efeitos. Todavia, como já dito, a influência do

Banco não se dá apenas por seus recursos financeiros, mas por ter se tornado a principal fonte

de assessoramento da política educativa, inclusive para outras agências (como a UNESCO,

por exemplo), que cada vez mais seguem a sua liderança. Assim, em meados da década de

1990 o Banco definia sua participação no financiamento do seguinte modo:

O Banco Mundial está fortemente comprometido em sustentar o apoio à educação. Entretanto, embora financie na atualidade aproximadamente uma quarta parte da ajuda para a educação, seus esforços representam somente cerca de meio por cento do total das despesas com educação nos países em desenvolvimento. Por isso a contribuição mais importante do Banco Mundial deve ser seu trabalho de assessoria, concebido para ajudar os governos a desenvolver políticas educativas adequadas às especificidades de seus países. O financiamento do Banco, em geral, será delineado com vistas a influir sobre as mudanças nas despesas e nas políticas das autoridades nacionais. (apud Coraggio, 1996: 75)

Tendo em vista os aspectos observados, evidencia-se o quanto esta agência

multilateral é atualmente a principal instituição envolvida na reconfiguração da educação dos

países periféricos, exercendo grande influência sobre as políticas desses países,

principalmente com seus diagnósticos e recomendações de políticas públicas e ações

governamentais, impondo, assim, temáticas prioritárias para acesso aos recursos. Nesse

sentido, destacam-se, de forma combinada e complementar, o predomínio da UNESCO como

assessora técnica na organização pedagógica, realizando grandes eventos de farta produção

documental, e o do Banco Mundial no direcionamento das prioridades e estímulo à produção

por meio dos financiamentos a projetos afinados com as suas proposições para a educação nos

países periféricos.

64 O Banco Mundial é composto por cinco instituições: Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), a Associação Internacional de Desenvolvimento (AID), a Corporação Financeira Internacional (CFI), a Agência de Garantia de Investimentos (AGIN) e o Centro Internacional para a Resolução e Disputas sobre Investimentos (CIRD).

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2.1.2. A Educação de Adultos nas CONFITEAs – concepções e tendências

No período histórico posterior à Segunda Guerra Mundial, o campo da formação de

adultos é afirmado e desenvolvido mundialmente65.

Nesta seção apresentaremos as concepções e tendências que permearam as

Conferências Internacionais de Educação de Adultos (CONFITEAs) realizadas ao longo da

segunda metade do século XX, que tiveram a UNESCO como sua principal agência

promotora, coordenando a preparação das reuniões. Nesse sentido, partimos do princípio de

que as CONFITEAs representam o pensamento da UNESCO para a área de educação de

adultos.

Não objetivamos fazer uma análise exaustiva das Conferências, mas apenas

recuperar brevemente sua história e demonstrar a influência, particularmente da quinta,

ocorrida no final da década de 1990, para a visão de EJA no Brasil. Dessa forma, a revisão e

análise das CONFITEAs justificam-se, por um lado, por serem os eventos internacionais mais

importantes da área, sendo, em certo sentido, a “voz” da Unesco para a educação de adultos;

e, por outro, por elas se apresentarem como um espaço que catalisa e articula matrizes teóricas

e perspectivas políticas internacionais no âmbito da educação de adultos.

Ao analisar a educação na segunda metade do século XX, Manacorda (1992) afirma

que a ONU e a UNESCO constituem em “atuais consultationes catholicae (consultas

universais)“ (p. 352). E, no que tange especificamente ao papel da UNESCO, destaca:

A UNESCO se propõe a ajudar as associações “não-governamentais” na realização de programas educativos e a coligar-se com as “comissões nacionais” que cada Estado-membro da ONU se empenha a constituir. Vem desenvolvendo atividades de apoio à instituição escola e à criação de bibliotecas, de luta contra o analfabetismo e de promoção da educação de adultos, de consultoria técnica, didática e pedagógica, de estímulo às iniciativas de pesquisa e de intercâmbio no campo das ciências, como

65 É preciso considerar, como faz Gonçalves (2004) que, “entre o fim da Segunda Guerra Mundial (1945) e o desmantelamento do Muro de Berlim (1989), o comportamento dos atores internacionais foi condicionado pela estrutura bipolar do sistema internacional. [...] O eixo Leste-Oeste, o da segurança, era polarizado pelas duas superpotências – Estados Unidos e União Soviética – e seus respectivos blocos. Sua formação deu-se em 1947, após a dissolução da grande aliança que derrotou as potências do Eixo – o nazismo alemão, a fascismo italiano e o militarismo japonês – na Segunda Guerra Mundial. [...] O eixo Norte-Sul, o do desenvolvimento econômico social, começou a esboçar-se em meados da década de 1950, no contexto das independências das colônias européias na Ásia e na África, e da reflexão sobre a questão desenvolvimento/subdesenvolvimento, levada a efeito principalmente por intelectuais latino-americanos”. (p. 8-9) Ainda de acordo com este autor, podemos dizer que “a vitória do mundo capitalista sobre o mundo comunista e o conseqüente término da Guerra Fria permitiu aos Estados Unidos, muito mais desenvoltamente, compor a nova agenda internacional em consonância com os interesses dos países que compõem o Grupo dos Sete. Supondo que o fim da Guerra Fria tornara o mundo homogêneo, essas potências investem no projeto de implantar e fortalecer a democracia de matriz anglo-saxônica em todas as nações, e abrir os mercados para o livre fluxo de capitais e mercadorias, além, claro, de enfatizar a questão da proteção do meio ambiente, do desarmamento, do combate ao narcotráfico, ao terrorismo internacional e da defesa dos direitos humanos em todos os planos” (p. 29).

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também vem cuidando de várias publicações, como atas de encontros de história da cultura, da ciência e da educação nos vários países do mundo. (ibidem)

Tal empenho “é um esforço admirável, apesar de seus erros e limitações” (ibidem). E, para

exemplificar como o processo é complexo e contraditório, o autor cita a Declaração dos

Direitos do Homem, de 1948, que, se por um lado “merece ser aplaudida” (p. 353), por outro,

também se pode afirmar que é um “texto importante, embora não animador: muito

conformado aos esquemas do existente quando menciona os graus de instrução, óbvio e

esquemático quando indica os fins, claramente preocupado com o excesso de estatalismo e

com traços implícitos de confessionalismo quando exalta o papel dos pais.” (p. 354).

Como pode ser depreendido nas passagens acima, Manacorda (1992) compreende a

UNESCO, no movimento contraditório do real. Pretendemos, buscando seguir o exemplo

deste autor, empreender uma análise das CONFITEAs e da UNESCO tendo também a

categoria contradição como horizonte, ou seja, não as percebendo como maléficas, mas

tampouco como neutras ou dotadas apenas de “boas intenções” e virtudes.

As CONFITEAs vêm sendo realizadas desde 1949, com doze anos de intervalo em

média. Assim, até o momento houve cinco Conferências: I – Dinamarca, 1949; II – Canadá,

1960; III – Japão, 1972; IV – França, 1985; V – Alemanha, 1997. A VI deverá ocorrer em

maio de 2009, pela primeira vez na América Latina, e será sediada pelo Brasil.

Cada CONFITEA reflete as inquietações e as tendências mundiais dominantes na

década anterior à sua realização. Para a primeira Conferência Internacional sobre Educação de

Adultos (Helsingor, Dinamarca, 1949) foram convidados todos os Estados, membros ou não

da ONU. “O Relatório da Conferência manifesta claramente a preocupação e o entusiasmo

existentes” (Gusmão; Marques, 1978: 3). A I CONFITEA pretendia ter “o papel de encorajar

a tolerância entre as nações, promover a democracia nos países, criar uma cultura comum

englobando a elite e as massas, trazer esperança aos jovens, dar às populações um sentimento

de pertença a uma comunidade” (Bhola, 1989: 14, apud Canário, 2000: 12). Atribuiu-se à

educação de adultos, nesse período pós-guerra, um caráter de educação cívica; a ênfase foi

posta na questão do respeito aos direitos humanos e na paz. Como a escola não havia

conseguido evitar a barbárie da guerra, considerava-se “necessária uma educação ´paralela`,

fora da escola, cujo objetivo seria contribuir para o respeito aos direitos humanos e a

construção de uma paz duradoura” (Gadotti, 2000: 34).

Na II CONFITEA (Montreal, Canadá, 1960), que teve como tema “A Educação de

Adultos num Mundo em Mutação” (Gusmão; Marques, 1978: 3), o foco central foi o debate

sobre a relação entre desenvolvimento econômico e a educação de adultos; “a partir deste

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momento, o desenvolvimento passará a estar no centro da ideologia da educação de adultos no

Terceiro Mundo” (Bhola, 1989: 25, apud Canário, 2000: 13). Nessa Conferência “aparecem

dois enfoques distintos: a educação de adultos (popular) concebida como uma continuação da

educação formal, como educação permanente, e, de outro lado, a educação de base ou

comunitária” (Gadotti, 2000: 34, grifos do autor).

A III CONFITEA (Tóquio, Japão, 1972) abordou “A Educação de Adultos no

contexto da aprendizagem contínua”. A partir dessa Conferência desponta no debate

internacional, como forma de resposta à crise da escola, uma concepção de educação focada

na aprendizagem como algo global e contínuo. Assim, o campo da educação de adultos “viria

a conhecer um momento culminante com a afirmação, no início dos anos 70, do movimento

de educação permanente. [...] numa perspectiva de valorização e centralidade da pessoa

humana, no âmbito dos processos educativos” (Canário, 2006: 3). De acordo com Gusmão e

Marques (1978: 3), a principal idéia expressa nas conclusões dessa CONFITEA foi a de que:

[...] é urgente desenvolver as possibilidades da educação de adultos no contexto de sistemas integrados de educação; a educação deve responder às necessidades e aspirações do homem contemporâneo, e, por isso, deve passar de institucional a funcional; este objetivo só se poderá atingir favorecendo a execução de um sistema funcional de educação permanente.

Essa concepção ampla, “quer no sentido temporal, quer na diversidade de formas

possíveis” (Canário, 2006: 03) está expressa na Conferência Geral da UNESCO, de 1976, em

Nairobi, que registra a abrangência do termo educação de adulto, a qual:

[...] designa a totalidade dos processos organizados de educação, seja qual for seu conteúdo, o nível ou o método, sejam formais ou não formais, ou seja, que prolonguem ou re-iniciem a educação inicial dispensada nas escolas e universidades e na forma de aprendizagem profissional, graças às quais as pessoas, consideradas como adulto pela sociedade a que pertencem, desenvolvem suas atitudes, enriquecem seus conhecimentos, melhoram suas competências e técnicas profissionais ou lhes dão nova orientação, e fazem evoluir suas atitudes ou o seu comportamento na dupla perspectiva de um enriquecimento integral do homem e uma participação em um desenvolvimento socioeconômico e cultural equilibrado e independente. (UNESCO, 2005: s. p.)

A IV CONFITEA (Paris, França, 1985), destaca em sua declaração a importância do

“direito a aprender”. Seu documento final recorda o conceito de educação de adultos da

Conferência Geral da Unesco de Nairobi, acima transcrito. A IV CONFITEA reafirma a

perspectiva da educação permanente e recomenda o desenvolvimento da educação de adultos

a partir de um conceito que abranja sua realização social.

É evidente também o estímulo para que fossem realizados programas especialmente

destinado a “necessidades particulares de determinados grupos: mulheres, jovens, pessoas de

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idade, minorias, trabalhadores imigrantes, populações ameaçadas pela fome”66. Na

perspectiva de Gadotti (2000), a IV CONFITEA caracterizou-se pela articulação de uma

variedade de temas, relacionando a educação de adultos com as educações cooperativa,

vocacional, rural, de saúde e nutrição, comunitária, da mulher, familiar etc., ou seja, pela

pluralidade de conceitos. “Dessa forma, a Conferência de Paris “implodiu” o conceito de

educação de adultos” (idem, p. 34, grifo do autor). A Declaração dessa Conferência elege o

direito a aprender como o principal desafio, e ressalta:

Como derecho humano fundamental su legitimidad es universal. Por tanto, no se podría limitar en la práctica su reconocimiento a solo parte de la humanidad: a los hombres, a los países industrializados, o sólo a las clases pudientes, o los jóvenes que han tenido el privilegio de ir a la escuela. La Conferencia de Paris invita a todos los países a que logren el reconocimiento real de este derecho, creando las condiciones necesarias para su ejercicio efectivo universal, consagrándole todos los recursos humanos y materiales necesarios, revisando la concepción de los sistemas educacionales a fin de redistribuir más equitativamente los bienes educativos y culturales y, por último, apelando a los recursos creados por las distintas comunidades.67

A última CONFITEA realizada até este momento (Hamburgo, Alemanha, 1997) teve

como principal perspectiva conceber a educação de adultos dentro do contexto da educação

continuada ao longo de toda a vida. Cabe destacar que, na avaliação da UNESCO (2007), esta

Conferência é considerada especial: “La CONFITEA V, considerada una conferencia hito,

planteó uma visión global del apredizaje y la educación de adultos en la perspectiva del

aprendizaje a lo largo de toda la vida”.

Da V CONFITEA, que ressaltou a defesa de duas vertentes complementares: a

escolarização e a educação continuada, resultaram dois documentos: a Declaração de

Hamburgo e a Agenda para o Futuro (UNESCO, 1997), que sistematizaram e divulgaram os

conceitos de educação continuada ao longo da vida e de necessidades de aprendizagem,

calcados nas perspectivas da cooperação e a solidariedade internacionais para um novo

conceito da educação de adultos. Assim, para analisarmos as formulações que estão postas

neste importante e recente marco, é preciso problematizar seu conteúdo implícito quando, por

exemplo, a Agenda para o Futuro da Educação de Adultos da Declaração de Hamburgo

assinala:

A cooperação e a solidariedade internacionais devem consolidar uma nova concepção de educação de adultos, a qual é, a um tempo, holística, para cobrir todos os aspectos da vida, e multissetorial, para englobar todos os domínios da atividade

66 Art. II, p.7. Disponível em: <http://www.unesco.org/education/uie/confintea/paris_s.pdf> Acesso em: 30 ago de 2007. 67 Disponível em: http://www.unesco.org/education/uie/confintea/paris_s.pdf Acesso em: 2 set. de 2007.

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cultural, social e econômica. [...] O diálogo, a partilha, a consulta e a vontade de instruir-se por uma escuta mútua são as bases da cooperação que deve passar pelo respeito à diversidade. (Tema X)

Dessa forma, segundo a Declaração de Hamburgo (2004), o conceito contemporâneo

da educação de adultos:

Engloba todo o processo de aprendizagem, formal ou informal, onde pessoas consideradas “adultas” pela sociedade desenvolvem suas habilidades, enriquecem seu conhecimento e aperfeiçoam suas qualificações técnicas ou profissionais, direcionando-as para a satisfação de suas necessidades e as de sua sociedade. A educação de adultos inclui a educação formal, a educação não-formal e o espectro da aprendizagem informal e incidental disponível numa sociedade multicultural, onde os estudos baseados na teoria e na prática devem ser reconhecidos”. (Art. 3) Educação Básica para todos significa dar às pessoas, independente da idade, a oportunidade de desenvolver seu potencial, coletivo ou individualmente. [...] É fundamental que o reconhecimento do direito à educação continuada durante a vida seja acompanhada de medidas que garantam as condições necessárias para o exercício desse direito. (Art. 9). O reconhecimento do “Direito à Educação” e do “Direito a Aprender por toda a vida” é, mais do que nunca, uma necessidade. (Art. 12)

Ou seja, a V CONFITEA reafirmou a necessidade de alargar o conceito de educação

de adultos para além da questão da escolarização, destacou que a alfabetização deve ser

tratada como a primeira etapa da educação básica, ressaltando que esta não pode ser separada

da pós-alfabetização; enfim, discutiu o conceito de educação de adultos como um direito, que

é associado à possibilidade de processos formais e informais de aprendizagem e à educação

contínua. Todavia, associando a globalização à Sociedade da Informação ou do

Conhecimento, numa perspectiva de negação da luta de classes e de adoção das teses do fim

do trabalho, a Conferência relaciona a educação de adultos com a complexidade da tal

Sociedade da Informação e com a necessidade da construção de uma espontânea harmonia

social em prol de uma abstrata solidariedade universal:

A educação de adultos, dentro desse contexto, torna-se mais que um direito: é a chave para o século XXI. [...] é um poderoso argumento em favor do desenvolvimento ecológico sustentável, da democracia, da justiça, da igualdade entre os sexos, do desenvolvimento socioeconômico e científico, além de ser um requisito fundamental para a construção de um mundo onde a violência cede lugar ao diálogo e à cultura da paz baseada na justiça. (Art. 2) É de fundamental importância a contribuição da educação de adultos e da educação continuada para a criação de uma sociedade tolerante e instruída, para o desenvolvimento socioeconômico, para a erradicação do analfabetismo, para a diminuição da pobreza e para a preservação do meio ambiente. (Art. 4) (refs. )

As orientações prévias da UNESCO para a VI CONFITEA, a ser realizada no Brasil

no ano de 2009, são:

O processo preparatório, a conferência e o acompanhamento do CONFITEA VI permitirá uma revisão global do estado da arte de educação e aprendizagem de

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adultos, e servirá como uma base para as questões econômicas, sociais, culturais e políticas, emergentes em relação a educação e desenvolvimento internacional. CONFINTEA VI oferecerá a oportunidade de articular a educação e aprendizagem de adultos com os arcabouços internacionais principais em relação à educação e desenvolvimento: as metas da Educação para Todos (EPT) e as Metas de Desenvolvimento do Milênio (MDMs), como também a Década das Nações Unidas para a Alfabetização (UNLD), a Iniciativa de Alfabetização para o Empoderamento (LIFE) e a Década da Nações Unidas para Educação e o Desenvolvimento Sustentável (DESD). (UNESCO/UIL, 2007: 1-2, grifos nossos)

Atualmente, um dos principais objetivos que a UNESCO pretende alcançar com a

CONFITEA é “o reconhecimento da educação e aprendizagem de adultos como um elemento

importante e fator que contribui com a aprendizagem ao longo da vida” (idem, p. 2, grifos do

autor). Não por acaso, é o Instituto para Aprendizagem ao Longo da Vida da UNESCO

(UIL) 68 que “está coordenando a preparação da Conferência, em cooperação com a Sede da

UNESCO e Escritórios Regionais, e com o país Anfritrião da CONFITEA VI” (idem, p. 1).

Assim, pode-se afirmar que hoje em dia, para a UNESCO,

CONFINTEA es la única plataforma significativa a nivel internacional para el diálogo político y la renovación de compromisos en materia de educación de adultos. Es también uno de los foros más influyentes que propone la UNESCO y cuenta con una amplia participación de sus asociados como las organizaciones internacionales o los sindicatos y el sector privado. CONFINTEA VI quiere ser también un medio para reforzar el papel de líder de la UIL como instituto de la UNESCO especializado en las áreas de la alfabetización, de la educación no formal, de la educación de los adultos y del aprendizaje a lo largo de toda la vida.69

Em suma, as formulações que estão postas desde a Conferência de 1997 em

Hamburgo, colocam a educação de adultos no centro de uma série de recomendações

internacionais a serem seguidas pelos países com elevado nível de analfabetismo. Na seção a

seguir buscaremos delinear o processo construído ao longo da década de 1990, do qual a V

CONFITEA é uma culminância, em que a educação de adultos (ou educação de jovens e

adultos) foi alvo da atenção dos organismos internacionais no bojo de uma rediscussão das

políticas educativas para os países periféricos em nível internacional.

68 “Anteriormente llamado el Instituto de la UNESCO para la educación, es la institución más antigua de las Naciones Unidas en Alemania. De conformidad con su nuevo estatuto jurídico, el UIL tendrá la responsabilidad del trabajo de la UNESCO en las áreas de la alfabetización, de la educación no formal y del aprendizaje de los adultos. El UIL también coordinará la Iniciativa para la alfabetización: saber para poder (LIFE), una iniciativa creada por la UNESCO para reforzar el Decenio de las Naciones Unidas para la alfabetización.” Disponível em: <http://portal.unesco.org/education/es/ev.php-URL_ID=52478&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION= 201. html> Acesso em: 19 fev. 2007 69Disponível:<http://portal.unesco.org/education/es/ev.phpURL_ID=52592&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html> Acesso: 14 dez. 2007.

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2.1.3. Os Documentos Internacionais a partir da Década de 1990 – as recomendações das agências multilaterais

A concepção de educação expressa na V CONFITEA, do direito à educação

continuada durante a vida, estava presente, de certa forma, alguns anos antes, na Conferência

Mundial de Educação Para Todos e no Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas

de Aprendizagem. Igualmente, a idéia de educação como “chave para o século XXI” já estava

presente no Relatório da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, o

Relatório Delors. Enfim, a análise da V CONFITEA precisa ser feita a partir da ênfase dada à

temática educacional, empreendida nos anos 1990 no Brasil, em que são visíveis as

“recomendações” para a definição de políticas educacionais para a América Latina e o Caribe,

veiculadas pelos organismos multilaterais. Este será o foco desta seção.

Em relação à UNESCO, convém destacar que esta agência promove também grandes

eventos na área de educação70, cuja influência é preciso considerar. Sobre esse aspecto,

estudos de Silveira (1999) destacam que:

Uma conferência ou reunião internacional patrocinada por um organismo internacional constitui um espaço de articulação e de relações de poder entre Estados sobre as orientações de políticas de dimensões contraditórias. Por um lado, este espaço determina que se estabeleçam grandes consensos em torno das tendências das linhas de políticas públicas. Não obstante, por outro lado, ocorrem nele algumas práticas que são cumpridas rotineira e protocolarmente, estabelecendo assim uma relação formal e peculiar entre as recomendações aprovadas pelos atores na conferência e pelo processo de decisão de uma política pública em cada contexto nacional. (p. 441)

É quase um lugar comum entre aqueles que analisam a educação na década de 1990

mencionar que a Conferência Mundial de Educação para Todos realizada em Jomtien, na

Tailândia, em março de 1990 – organizada e patrocinada pela UNESCO, pelo PNUD, pelo

UNICEF e pelo Banco Mundial –, é considerada um marco na formulação de políticas para a

educação nas duas últimas décadas. Durante sua realização, vários países comprometeram-se

a oferecer educação para todos, tendo em vista a eliminação do analfabetismo (o ano de 1990

sendo proclamado de Ano Internacional da Alfabetização). A Declaração e o Plano de Ação

de Educação para Todos, decorrentes da Conferência, encerraram as principais diretrizes

educacionais adotadas posteriormente pelos diversos países, através dos Planos Decenais e de

acordo com suas posições no sistema capitalista.

70 Cabe mencionar as Conferências Internacionais de Educação da Unesco e da OEI (Organização dos Estados Iberoamericanos para a Educação, a cidadania e a cultura), realizadas ao longo da década de 1990.

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Expande-se, a partir dessa Conferência, a releitura da Teoria do Capital Humano, o

discurso da educação para a eqüidade social; ao mesmo tempo, a ampliação do acesso aos

sistemas de ensino se deu por meio de estratégias de gestão e financiamento, a partir da

focalização nas políticas públicas e apoiando-se no apelo ao voluntariado (Oliveira, 2000). A

série de eventos que aconteceram nos anos 1990, muitos deles relacionados à política

educacional, demonstram a centralidade atribuída à educação na pauta internacional71. Merece

destaque, no que tange as orientações da UNESCO para a educação, as Reuniões do Comitê

Regional Intergovernamental do Projeto Principal de Educação na América Latina e Caribe,

referidas pela sigla Promedlac, que congregam os ministros de educação e sinalizam eixos

para a construção de políticas públicas no campo da educação na América Latina72. O lema

Educação para Todos, foi reafirmado em várias das conferências da ONU que se seguiram, e

reconceituadas na V CONFITEA, conforme já discutido.

Vê-se por isso que, nas duas últimas décadas do século XX, o Banco Mundial, a

UNESCO, a CEPAL, entre outros organismos, passaram a estabelecer orientações políticas,

principalmente para os países considerados em desenvolvimento, as quais supostamente os

fariam aptos à nova direção econômica mundial, cada vez mais competitiva. A incorporação

desse ideário no Brasil é referendada pela orientação da política educacional nos anos iniciais

da década de 1990. Em 1993, o Plano Decenal de Educação para Todos e o Acordo

Nacional73, formulados pelo MEC, expressam os termos do consenso supostamente

71 Entre as grandes conferências internacionais destacam-se: a Conferência Mundial das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Rio de Janeiro, em 1992), a Conferência Mundial sobre a População (Cairo, em 1994), a Conferência sobre os Direitos da Mulher (Pequim, em 1995), a Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Social (Copenhague, em 1995), a Cúpula Mundial sobre Alimentação (Roma, em 1996). Relacionados, especificamente com a educação, podemos destacar ainda o Encontro de Nova Delhi (UNESCO, 1993), a Reunião de Kingston - VI Reunião de Ministros de Educação da América Latina e o Caribe (UNESCO, 1996) e a Reunião de Cochabamba – VII Reunião de Ministros da Educação (UNESCO, 2001). 72 Embora não possamos, tendo em vista os objetivos da tese, aprofundar cada uma das reuniões, cabe mencionar que, segundo Juan Casassus, ocorreram cinco marcos no contexto dos processos de reforma da educação na América Latina. São eles: a Conferencia Mundial de Educação para Todos, “o Promedlac IV. [...] Em 1991, em Quito, ocorreu a Quarta Reunião. [...] O terceiro marco foi estabelecido pela 24ª Reunião da CEPAL, que convoca os Ministros da Economia e Finanças. Ela ocorreu em Santiago do Chile, em 1992. Seu propósito era o de analisar a conveniência de voltar a situar a educação e o conhecimento no cerne das estratégias de desenvolvimento. [...] O quarto marco foi o Promedlac IV, que se realizou em Santiago, em 1993. O propósito da reunião era criar, identificar e esboçar ações que permitissem melhorar os níveis de qualidade das aprendizagens. Para tanto, chegou-se à conclusão que no nível macro os instrumentos eram a criação de sistemas nacionais de avaliação e o desenvolvimento de programas de discriminação positiva. Em último lugar, o quinto marco, mais técnico que político, foi o Seminário Internacional organizado pela UNESCO sobre descentralização e currículo, que ocorreu em Santiago do Chile, em 1993” (Casassus, 2001: 11-12). 73 O Plano Decenal de Educação para Todos e o Acordo Nacional foram desdobramentos do compromisso assumido pelo Brasil em Jomtien, na Tailândia, onde se tornou signatário da Declaração Mundial sobre Educação Para Todos: Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem (UNESCO, 1990), num evento promovido pela UNESCO, pelo UNICEF, pelo PNUD e pelo Banco Mundial. A Declaração continha as posições consensuais que deveriam constituir as bases dos planos decenais de educação dos países de maior população do mundo ali presentes (sem que as mesmas tivessem sido previamente discutidas em cada um dos

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alcançado. Pode-se dizer que o documento que primeiramente expressou essa orientação em

nosso país foi o Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003)74:

O Plano Decenal de Educação para Todos é a expressão brasileira do movimento planetário orquestrado por UNESCO, BIRD/Banco Mundial e assumido pelo Brasil como orientador das políticas públicas para a educação que resultaram na reforma educacional brasileira dos anos 1990, realizada em todos os níveis e modalidades, com diretrizes curriculares, referenciais curriculares, Parâmetros Curriculares Nacionais para níveis e modalidades de ensino, produzidos estes de forma competente por especialistas, em geral pesquisadores e professores universitários de nossas melhores universidades e instituições de pesquisa, afinados com o compromisso assumido pelas autoridades políticas brasileiras em todas as áreas de ação do Estado, particularmente para a educação. (Silva Jr., 2002: 209-210)

Uma ampla documentação internacional, “emanada de importantes documentos

multilaterais, propalou esse ideário mediante diagnósticos, análises e propostas de soluções

consideradas cabíveis a todos os países da América Latina, tanto no que toca à educação

quanto à economia do país” (Shiroma et al., 2004: 56). Gradualmente, essa documentação,

não sem contradições, influiu na definição das políticas para a educação no Brasil.

Especialmente depois da realização da Conferência Mundial de Educação Para Todos

(UNESCO, 1990)75, o discurso reformador atribuiu à educação o papel de “instrumento

fundamental para promover o crescimento econômico e a redução da pobreza” (De Tommasi

et al., 1996: 196).

A principal meta anunciada nessa Conferência foi a revitalização do compromisso

mundial, firmado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de tratar a educação como

um direito humano. Da Conferência, como já mencionado, resultaram a Declaração Mundial

de Educação para Todos e o Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de

Aprendizagem, cuja recomendação principal foi assim redigida:

Essas necessidades compreendem tanto os instrumentos essenciais para a aprendizagem (como a leitura e a escrita, a expressão oral, o cálculo, a solução de problemas), quanto os conteúdos básicos da aprendizagem (como conhecimentos, habilidades, valores e atitudes), necessários para que os seres humanos possam sobreviver, desenvolver plenamente suas potencialidades, viver e trabalhar com dignidade, participar plenamente do desenvolvimento, melhorar a qualidade de vida, tomar decisões fundamentadas e continuar aprendendo. A amplitude das necessidades básicas de aprendizagem e a maneira de satisfazê-las variam segundo cada país e cada cultura, e, inevitavelmente, mudam com o decorrer do tempo. (UNESCO, 1990, art.1, 1)

países). Dentre eles, estava o Brasil. 74 Cabe destacar que o Plano Decenal antecedeu a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 e o Plano Nacional de Educação. A LDB organizou e fortaleceu a atuação do poder central e o PNE adaptou as orientações para educação produzidas pelos assessores do Banco Mundial. 75 A proposta de ampliação da educação, explicitada na Conferência Educação Para Todos (UNESCO, 1990), começou a ser implementada no Brasil na gestão do Fernando Henrique Cardoso, traduzida como ampliação do número de vagas (acesso) das crianças (7 a 14 anos) no Ensino Fundamental.

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Na interpretação de Torres (2001: 20),

“Educação para Todos” equivale a “Educação Básica para Todos”, entendendo-se por educação básica uma educação capaz de satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem (NEBA) de crianças, jovens e adultos. As NEBAs, por sua vez, eram definidas como aqueles conhecimentos teóricos e práticos, destrezas, valores e atitudes que, em cada caso e em cada circunstâncias e momento concreto, tornam-se indispensáveis para que as pessoas possam encarar suas necessidades básicas.

Contudo, Torres critica o encolhimento, no conceito e na prática, das metas originais

da Educação para Todos. Segundo a autora, a visão de educação básica acordada em Jomtien

não foi contemplada nas formulações das políticas e reformas educativas, tendo sido traduzida

na prática como o ingresso de crianças na escola primária. Assim,

A visão ampliada e a própria adoção do conceito de educação básica foram resultado de um complexo processo de discussão e negociação entre as quatro agências que impulsionaram a Educação para Todos [...]: a UNESCO advogou uma compreensão ampla do educativo e, particularmente, a inclusão da alfabetização e da educação de adultos; o UNICEF defendeu o desenvolvimento infantil e a educação inicial dentro do conceito de educação básica, assim como – juntamente com a UNESCO – a necessidade de flexibilizar e diversificar a oferta educativa, incluindo variantes não-formais, diferentes das variantes escolares convencionais; o Banco Mundial propôs focalizar a Educação para Todos no sistema escolar e na educação primária; e o PNUD não defendeu uma posição clara a esse respeito. (Torres, 2001:15)

A predominância no Brasil de uma determinada tendência expressa a correlação de

forças entre as agências financiadoras. É notório que, apesar de a UNESCO ter sido

recomendada como “a instituição líder do processo, o Banco Mundial foi assumindo o

controle na condução das políticas educacionais, colocando as instituições da ONU e seus

objetivos em uma posição subordinada.” (Siqueira, 2001b: 3). Dessa forma, análises do tipo

custo-benefício continuaram sendo o instrumento privilegiado no campo das políticas

educacionais.

Dois aspectos merecem destaque em relação à especificidade brasileira:

externamente, a questão do interesse do Banco Mundial pela educação básica na década de

1990 e, internamente, a forma como o processo de cooperação ou assistência técnica

internacional tem influenciado a educação brasileira.

Dentro dessa ótica, vale lembrar que os recursos advindos de agências internacionais,

como o Banco Mundial, foram concentrados na reconstrução dos países europeus, em meados

da década de 1940. Depois, na década de 1950, as agências internacionais passaram a

fomentar o desenvolvimento do (chamado) Terceiro Mundo, mediante programas conjuntos

de assistência técnica e financeira aos países. Na década de 1960, a partir do significativo

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aumento da pobreza, as agências passaram a recomendar que as dimensões sociais fossem

consideradas na assistência financeira, criando um setor social para os seus créditos. Na

década de 1970, a pobreza passou a ser destacada, e um enfoque assistencial-compensatório,

que irá torna-se hegemônico no final da década de 1980, é também dado à educação; esta vai

ocupar, a partir de então, uma posição central nas intervenções do Banco. Ao longo da década

de 1990 cresceu a influência e o impacto do Banco Mundial nas políticas educacionais, como

estratégia política do projeto de desenvolvimento econômico.

Progressivamente, as recomendações internacionais são pactuadas e incorporadas

pelas elites e governos dos países periféricos, num processo duplo de intervenção e

consentimento (Silva, 2002). No Brasil, os acordos internacionais na área educacional seguem

a tendência geral supracitada, salvo ajustes devido à especificidade da conjuntura. Portanto,

não são poucas as “coincidências” entre as políticas brasileiras e as prioridades expressas nos

documentos oriundos de acordos internacionais.

Nesse sentido, no processo de “ajuda externa”, realizada através de empréstimo e

assistência técnica internacional na educação brasileira, destacam-se, segundo Fonseca

(1996), três fases: a de cooperação técnica, a de cooperação internacional bilateral e a de

cooperação, por meio de instituições multilaterais.

Assim, a partir da década de 1950, a “cooperação técnica” realiza-se nos acordos

econômicos entre os governos brasileiro e norte-americano, administrada pela Agência Norte

Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID), criada no projeto

desenvolvimentista da “Aliança para o Progresso” para prover assistência ao desenvolvimento

no Terceiro Mundo, particularmente na América Latina. Na seqüência, são criadas as

atividades de cooperação técnica bilateral, nas quais “a espontaneidade da primeira fase da

cooperação técnica à educação será substituída pelo formalismo que caracteriza os acordos

econômicos e seus corolários de inflexibilidade financeira e de condicionalidades políticas e

econômicas” (Fonseca, 1996: 229). Por fim, na terceira fase da “ajuda externa”,

No início dos anos 70, a educação foi considerada, [...] como meio para o provimento de técnicos para o setor produtivo [...]. Esta diretriz explica a ênfase conferida ao ensino profissionalizante no interior dos projetos desenvolvidos à época pelo Banco junto ao ensino brasileiro. No final da década de 70, o interesse do Banco direcionou-se para a educação primária. (idem, 230)

O percurso realizado pela política educacional a partir da década de 1990 redefine a

educação em geral e também a educação de jovens e adultos trabalhadores. No Brasil, como

em quase todos os países da América Latina, sob a influência de recomendações

internacionais, foram empreendidas reformas curriculares, sistemas de avaliações

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93

centralizadas foram criados, e ampliados os recursos tecnológicos nas escolas. A análise

crítica sobre as reformas e políticas neoliberais, empreendidas no Brasil mais intensamente a

partir de 199576, têm demonstrado o caráter retórico do discurso em defesa da educação, uma

vez que, por um lado, ocorreu uma redescoberta da educação como alvo de investimento e,

por outro, o Estado priorizou o Ensino Fundamental, desobrigando-se, ao mesmo tempo, dos

demais níveis e modalidades.

É preciso ainda destacar que a década de 1990 protagonizou uma série de novos

acordos internacionais, cujas características são: a) políticas internacionais para a educação, as

quais constam de propostas que articulam educação e desenvolvimento, em moldes

fundamentados na Teoria do Capital Humano; b) definição de uma agenda internacional para

a educação, materializada em eventos internacionais; e c) a presença de organizações

internacionais (como UNESCO, UNICEF e Banco Mundial) voltadas para o desenvolvimento

de projetos na área educacional do país. Por exemplo, no ano de 1990, o Banco Mundial

apresentou o Relatório A pobreza (1990), em que a educação básica é anunciada, de forma

enfática, como fator preponderante para o crescimento econômico, para o desenvolvimento

social e para a redução da pobreza.

A condição de liderança atingida pelo Banco Mundial (o sócio/financiador mais forte

na Educação para Todos) no cenário educativo da década de 1990 foi um dos principais

fatores responsáveis pelo discurso com ênfase na educação básica de qualidade77 e pelo

suposto consenso em torno de sua prioridade; o que, na verdade, se transformou em reformas

educacionais baseadas na perspectiva reducionista defendida pelo Banco (foco no sistema

escolar primário).

Em síntese, a UNESCO e o Banco Mundial apresentavam concepções diferentes

sobre o conceito de educação básica, que para o Banco, era restrita ao ensino fundamental.

Todavia, divergências nunca representaram rupturas entre essas agências, podendo-se

verificar vários pontos que têm em comum. Ao analisar a articulação do preceito “educação

para todos” ao quadro de alívio à pobreza e de governabilidade no que tange à reforma da

educação superior, Lima (2005) assinala pontos em comum entre a Unesco e o Banco

Mundial:

(I) o acesso à educação básica estará circunscrito às “necessidades básicas de aprendizagem” como vias de integração dos “povos” na “sociedade da informação”,

76 Especialmente entre 1995 e 2002, período referente às duas gestões de Fernando Henrique Cardoso na presidência da República. 77 Sobre a centralidade do debate sobre educação básica, ver Oliveira (2000); sobre as diferentes concepções de educação básica de qualidade, ver Rummert (2000).

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94

caracterizada como uma sociedade na qual existe um aumento na quantidade de informações disponíveis; (II) o acesso à educação básica será identificado como igualdade de oportunidades, marcado pela concepção da educação como formadora de valores e comportamentos; (III) o estímulo à diversificação das fontes de financiamento da educação será considerado o elemento central na reformulação educacional em curso [...] (IV) o acesso à educação deverá considerar a utilização das NTC´s, identificadas como “tecnologias educativas”, como estratégia de aprendizagem ao longo da vida. (p. 107)

Apresentando como inevitável à adequação subordinada dos países periféricos à

mundialização financeira, os documentos elaborados pelos organismos internacionais ao

longo da década de 1990 apresentaram como idéia central a associação entre educação e

“adaptação às mudanças”, como forma de inclusão das massas que estivessem à margem do

processo de modernização. Assim, as agências internacionais e os organismos nacionais a elas

relacionados, buscaram uma fórmula que permitisse às massas adquirir os elementos básicos

da modernidade, bem como inserir-se, no suposto novo tempo da “sociedade do

conhecimento”, da informação e da pós-modernidade78.

A CEPAL, por exemplo, no documento “Educación y conocimiento: eje de la

transformación productiva con equidad”, apresentou no início dos anos 1990 uma proposição

educacional para a América Latina e o Caribe que pretendia articular transformação produtiva

com eqüidade, tendo como eixo das reformas a educação e o conhecimento. Segundo o

documento, cabe à educação fomentar valores e habilidades consideradas indispensáveis para

a competitividade internacional dos países. Assim,

Recursos humanos y desarrollo son dos temas muy vinculados entre sí. El reconocimiento de esta vinculación ha inducido a la CEPAL a iniciar, en conjunto con la Oficina Regional de Educación de la UNESCO para América Latina y el Caribe (OREALC), un esfuerzo sistemático para profundizar en las interrelaciones entre el sistema educativo, la capacitación, la investigación y el desarrollo tecnológico, en el marco de los elementos centrales de su propuesta, es decir, la transformación productiva, la equidad social y la democratización política. El presente documento es un primer intento de esbozar lineamientos para la acción en el ámbito de las políticas e instituciones que pueden favorecer las vinculaciones sistémicas entre educación, conocimiento y desarrollo, tomando en cuenta las condiciones existentes en el decenio de 1990.79

Silva Jr. (2002) aponta que, ao analisarmos os documentos de referência e outros que

resultaram das ações da UNESCO, no contexto das reuniões mundiais (que, em geral,

contavam com financiamento e assessoria do Banco Mundial), observamos a construção de

78 A pós-modernidade irá referir-se a um conjunto de idéias e práticas que surgem não apenas da crise de paradigmas da sociedade contemporânea como, principalmente da crise do sistema capitalista, que diante da necessidade de construção do consenso e das insatisfações cria um clima de novo na busca por enterrar o velho. 79 Disponível em: <http://www.eclac.org/cgi-bin/getProd.asp?xml=/publicaciones/xml/0/4680/P4680.xml&xsl=/tpl/p9f.xsl> Acesso em: 10 ago. 2007.

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“um pacto social mundializado”, para o qual convergiria o foco da “adaptação às mudanças”.

Assim, destaca o autor,

A Declaração Mundial sobre Educação para Todos - Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem, em seu "Preâmbulo", expressa a preocupação política com as "mais de 100 milhões de crianças, das quais 60 milhões são meninas, não [terem] acesso ao ensino primário"; com os "mais de 960 milhões de adultos - dois terços dos quais mulheres, são analfabetos, [...] [sendo o] analfabetismo funcional um problema significativo em todos os países industrializados ou em desenvolvimento"; com mais de "um terço do mundo [que] não tem acesso ao conhecimento impresso, às novas habilidades e tecnologias, que poderiam melhorar a qualidade de vida e ajudá-los a perceber e a adaptar-se às mudanças sociais e culturais", sedutoras preocupações políticas que sensibilizaram muitos políticos e educadores bem-intencionados mas também os oportunistas. (p. 212, grifos do autor)

Nesse sentido, Silva Jr. destaca duas ordens de questões: as minorias e a eqüidade

social. Em primeiro lugar, é interessante ressaltar as diferentes posições e prioridades

assumidas pelas agências internacionais na Conferência de 1990. Essas posições diferentes

(que são, no entanto, complementares) deram origem à concepção predominante nos

documentos oriundos da Conferência e revelam tendências contrárias, que não serão

hegemônicas na Declaração, mas se farão hegemônicas nas políticas educacionais

empreendidas – como, por exemplo, na perspectiva reducionista da educação defendida pelo

Banco Mundial.

A UNESCO destacou a diversidade e as minorias – por exemplo, o analfabetismo da mulher. Uma categoria nova aparece no discurso pedagógico: a eqüidade. Até 90, falava-se muito na igualdade de oportunidades. A partir daí, passa-se a trabalhar com a categoria de eqüidade. [...] O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) realçou a idéia de que a melhoria dos índices de educação acabaria produzindo melhor crescimento econômico. O Banco Mundial esteve mais preocupado com o gerenciamento dos recursos, batendo na tecla de que há recursos para a educação, mas são mal-aproveitados. (Gadotti, 2000: 28-29)

Sobre a questão da eqüidade social, a proposta de educação expressa na Declaração

Mundial de 1990 acata o receituário do Banco Mundial, ao considerar que “essa educação

foca os desvalidos sociais, sem pôr em pauta as razões dessa condição, para ajudá-los a

‘perceber e a adaptar-se às mudanças sociais e culturais’ em trânsito em todos os países”

(Silva Jr., 2002: 213). A educação deve ter como referência central, de acordo com a

Declaração, a promoção da eqüidade social. Parece ser esse o conceito de eqüidade

compreendido pelas agências (UNESCO e Banco Mundial) e que orienta as políticas

educacionais dos países da periferia do capital. Apesar do tom humanista de democratização

do acesso à educação, o estudo dos documentos e declarações evidencia a diretividade de uma

concepção econômica do social, ou seja, do projeto de sociedade que o configura.

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Nos termos do Banco Mundial, por exemplo, como destacado no Relatório sobre o

Desenvolvimento Mundial de 1995, intitulado “O trabalhador e o processo de integração

mundial”, o ajustamento dos trabalhadores ao modelo de desenvolvimento imposto e à

pobreza é assim apresentado:

As transformações implicam profundas reformas estruturais, criando novas oportunidades e novos riscos que naturalmente geram vencedores e vencidos. Contudo, ao transferir a mão-de-obra para usos mais produtivos, a mudança estrutural acaba por aumentar a produção e a renda do trabalho. A mão de obra tende realmente a sofrer, talvez mais do que o capital, durante o período inicial do ajustamento. Em geral, porém, esse sofrimento se deve não a falhas no planejamento das políticas de ajustamento mas ao fato de ocorrer esse ajustamento simultaneamente com a crise econômica – ou ser provocado por ela – , acompanhada de acentuada queda da demanda global. (Banco Mundial, 1995: 118)

Podemos observar como as orientações das temáticas prioritárias e sua abordagem

economicista influenciam as políticas públicas de países como o Brasil. O resultado das

reformas educacionais empreendidas no Brasil nos anos de 1990 foi a construção, em resposta

às agencias, de um “pacto social mundializado”, ou seja, de “uma intervenção consentida

realizada pelas autoridades educacionais nos moldes das agências multilaterais, no contexto

da universalização do capitalismo, direcionadas por uma razão instrumental e pela busca de

consenso social geral” (Silva Jr., 2002: 208). Enfim, como destaca o Banco Mundial em

relação à ampliação da oferta de educação, “as metas de combate à discriminação, redução da

pobreza e promoção da eqüidade justificam a ação governamental para promover a

acumulação de capital humano, especialmente entre os pobres” (1995: 44).

A partir dessas considerações, é possível asseverar que os acordos firmados para a

área de educação de edultos após a V CONFITEA, realizada em 1997 em Hamburgo, estarão

presentes nos documentos gerados no Brasil, coadunando-se a um movimento de manutenção

da ordem.

Um primeiro problema aqui enfrentado refere-se à expressão “para todos”, que sugeria uma universalização da educação básica, que no Brasil compreendia desde a educação infantil até o ensino médio, que a Conferência não pretendia. Em segundo lugar, alguns autores compreenderam o conceito NEBA em sua função ideológica de indicar a natureza do ensino a ser ministrado. Isto é, para estratos sociais diferentes, ensinos diferentes, uma vez que as necessidades básicas de um e outro não poderiam ser as mesmas. Reeditava-se o dualismo na educação brasileira, partindo-se do suposto de que se as necessidades das amplas camadas empobrecidas eram peculiares, deveriam continuar tendo atendimento diverso do demandado por clientela mais seleta. (Shiroma et al., 2004: 62)

Na realidade, além da focalização dos recursos predominantemente no nível mais

elementar de educação, outro aspecto decorrente da lógica acima é o fato de que o discurso

sobre a democratização da educação mascara simulacros de acesso e certificações em massa,

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expressos sob a forma de ampliação dos índices de escolarização nos países periféricos.

Tendo em vista as idéias defendidas pelo Banco Mundial sobre educação e pobreza,

aqui brevemente alisadas, percebe-se o receio existente pelo capital quanto aos riscos de um

clima de instabilidade gerado em decorrência do aumento desordenado da pobreza. Observa-

se que os organismos internacionais atribuem à educação a tarefa de atenuar a exclusão social

através da formação para a empregabilidade, preparando principalmente a “população de

risco” para as incertezas. O Banco Mundial revela frequentemente sua preocupação quanto ao

“crescimento da pobreza no mundo”, divulga como solução que a educação é o meio de tirar

“os pobres da pobreza” e afirma que a “educação determinará quem tem as chaves dos

tesouros que o mundo pode fornecer. Isso é particularmente importante para os mais pobres,

que têm que confiar no seu capital humano como o principal, se não o único, meio para

escapar da pobreza” (World Bank, 1999 p.1. apud Siqueira, 2001b: 12, grifo nosso). Assim, o

Banco delega à educação, o papel ideológico de operar as contradições advindas da exclusão

estrutural dos países periféricos. Seguindo o mesmo raciocínio, Leher (2005) destaca:

As prioridades do Banco nunca estão desvinculadas das estratégias de governabilidade. No período McNamara, como visto, o Banco apoiou escolas técnicas rurais objetivando minar as bases de possíveis insurgências. Atualmente, a prioridade do organismo é atuar na “despolitização” da reforma agrária, inserindo-a no escopo do capitalismo agrário, e atuar na educação de jovens e adultos nas periferias, na educação do campo e na ação junto às chamadas minorias étnicas, sustentando que o problema da miséria imposta aos negros e aos povos indígenas não tem relação com a condição de classe – como se a classe social não tivesse cor na América Latina – sendo uma questão restrita à identidade e à cultura. (2005: 5)

Como demonstramos até aqui, no âmbito internacional o Banco Mundial se mantém

hegemônico na propagação do conceito sobre o que seja a Educação para Todos. A análise

dos documentos elaborados na metade da década de 1990, especificamente os Relatórios de

Desenvolvimento Mundial (Banco Mundial, 1995; 1997; 2000-2001) demonstra que, embora

afirmem a necessidade de “um Estado mais próximo do povo”, asseveram claramente uma

concepção liberal, apresentada sob a forma de um capitalismo reformado. O Relatório de

1997, por exemplo, defende a “maior aproximação entre Estado e o público”, entendendo que

é preciso “dar voz ao povo”:

Os governos são mais eficientes quando escutam as empresas e os cidadãos e trabalham em parceria com eles na decisão e implementação de políticas. [...] Uma parceria requer que a voz dos pobres e dos grupos marginalizados seja levada ao próprio centro do processo de formulação de políticas. [...] Os programas governamentais funcionam melhor quando buscam a participação dos usuários e quando aproveitam a reserva comunitária de capital social. (Banco Mundial, 1997: 29, grifos nossos).

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A necessidade de ações de redução da pobreza e proteção dos grupos sociais mais

vulneráveis, principalmente de minorias étnicas, fundamenta-se no argumento de que estes

constituem uma “terra fértil para a violência e a instabilidade” (idem, p. 6).

Estas diretrizes serão retomadas em outros documentos80, podendo ser destacado,

ainda, que o Banco, além de ser promotor, em conjunto com a UNESCO, da maior parte dos

encontros internacionais, criou, em 2002, a Iniciativa Via Rápida (IVR) da Educação para

Todos81, com o fim de viabilizar recursos da cooperação internacional para a educação,

especialmente para o ensino fundamental para crianças. Outra questão que merece destaque é

a inserção do tema “educação” nos Tratados de Livre Comércio, por meio do Acordo Geral

sobre o Comércio de Serviços, que incluiu a educação no conjunto das atividades a serem

liberalizadas e flexibilizadas, de acordo com os princípios da Organização Mundial do

Comércio (OMC)82.

Não se deve esquecer ainda que a campanha Educação para Todos, lançada no ano

de 1990, continua sendo um marco de ação internacional. Conforme o Relatório de

Monitoramento Global de Educação para Todos de 2006, existem no mundo cerca de 781

milhões de jovens e adultos considerados oficialmente analfabetos (UNESCO, 2007). À

Declaração Mundial de Educação para Todos foram acrescidas, além da V CONFITEA,

novas referências orientadas pelas agências internacionais para o campo da educação, como o

80 Fazemos referência, especialmente, aos documentos: Do confronto à colaboração: relações entre a Sociedade civil, o governo e o Banco Mundial no Brasil, datado de 2000; Relatório Sobre Desenvolvimento Mundial 2000/2001 - Luta Contra a Pobreza; Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2004: Eqüidade e Desenvolvimento; Relatório Sobre o Desenvolvimento Mundial 2006: a Eqüidade Aumenta a Capacidade de Reduzir a Pobreza. 81 Segundo estudo realizado pela ONG Ação Educativa, em 2005 os países da América Latina e Caribe que participavam da IVR eram Honduras, Guiana e Nicarágua. “A IVR é gerenciada por uma co-presidência que funciona em regime rotativo e é composta por um doador do G-8 (grupo dos oito países mais ricos do mundo) e por outro doador de fora do G-8. Esta co-presidência é apoiada por um comitê diretivo e por um secretariado localizado nas instalações do Banco Mundial” (Silva et al., 2005: 38). 82 Aliás, a “criação de uma organização para administrar o comércio internacional constava como um dos projetos da ONU, quando de sua fundação. Havia a preocupação, sobretudo da parte dos Estados Unidos, em reduzir as tarifas alfandegárias que haviam se elevado excessivamente ao longo dos anos 1930. [...] O governo americano não conseguiu, todavia, convencer suas elites econômicas a aceitarem se submeter à autoridade de um organismo tal como o esboçado na Carta de Havana. Como solução provisória, optou-se pela assinatura de um acordo, o GATT (General Agreement on Tariffs and Trade), ou Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio. Em seus 47 anos de vigência o GATT promoveu oito rodadas de negociações [...]. A inclusão dos serviços e da propriedade intelectual nas negociações da Rodada Uruguai [1986-1994] fez com que essa fosse a mais complexa entre todas [determinando a criação da OMC. Assim, criada em 1995, a OMC é] uma instituição intergovernamental global, multilateral, que promove, monitora e arbitra as relações comerciais internacionais. Seu objetivo é estabelecer regras que facilitem a expansão da produção de bens e serviços. Sediada em Genebra, a OMC ocupa-se da regulamentação dos três amplos domínios do comércio de bens, de serviços e da propriedade intelectual” (Gonçalves, 2004: 30). Através da OMC, as economias mais fortes “continuam a usar seus maiores recursos para impor sua vontade, principalmente mediante o artifício de invocar proteção ao meio ambiente e aos direitos humanos, como forma de retaliar economias mais fracas que aumentam sua competitividade em determinados setores da produção de bens e serviços e passam a concorrer com vantagens com os mesmos setores das mais desenvolvidas” (idem, p.32).

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Marco de Ação de Dakar (UNESCO, 200). Nesse encontro, realizado em 2000 em

Dakar/Senegal, as metas de Educação para Todos foram avaliadas e redimensionadas, foi

acordada uma redução do analfabetismo em 50%, e prolongado o compromisso até 2015. O

Marco de Ação de Dakar estabelece objetivos prioritários83 e reafirma que a educação é a

chave para o desenvolvimento sustentável e para assegurar a paz e a estabilidade em cada

país. No artigo 5, do texto adotado pela Cúpula Mundial de Educação afirma-se:

A Avaliação de EPT 2000 demonstra que houve progresso significativo em muitos países. Mas é inaceitável que no ano 2000 mais de 113 milhões de crianças continuem sem acesso ao ensino primário, que 880 milhões de adultos sejam analfabetos, que a discriminação de gênero continue a permear os sistemas educacionais e que a qualidade da aprendizagem e da aquisição de valores e habilidades humanas estejam longe das aspirações e necessidades de indivíduos e sociedades. Jovens e adultos não têm acesso às habilidades e conhecimentos necessários para um emprego proveitoso e para participarem plenamente em suas sociedades. Sem um progresso acelerado na direção de uma educação para todos, as metas nacionais e internacionais acordadas para a redução da pobreza não serão alcançadas e serão ampliadas as desigualdades entre nações e dentro das sociedades. (UNESCO, 2000: 1)

Em poucas palavras, as agendas dos organismos internacionais, cujo discurso

retórico é em prol da ampliação do acesso à educação, são contínuas e inúmeras. Vários

documentos que reafirmavam os compromissos de Jomtien foram produzidos, com

recomendações aos países membros. Além das iniciativas já mencionadas, podemos destacar

a Declaração de Nova Delhi84 (UNESCO, 1993) e a Declaração de Cochabamba (UNESCO,

2001) 85. Ambas retomam as propostas já acordadas de universalizar a educação primária e de

reduzir o analfabetismo, em consonância com o princípio da eqüidade. Dentre os atuais

documentos que expressam compromissos, podemos ainda ressaltar: a Década das Nações

Unidas para a Alfabetização (2003-2012), as Metas de Desenvolvimento do Milênio e o

Programa Iniciativa para o Empoderamento. Em comum, todos apontam, com maior ou

83 São seis os objetivos: 1) expandir e melhorar a e ducação e os cuidados na primeira infância; 2) assegurar o acesso de todas as crianças em idade escolar à educação primária completa, gratuita e de boa qualidade; 3) ampliar as oportunidades de aprendizado dos jovens e adultos; 4) melhorar em 50% as taxas de alfabetização de adultos; 5) eliminar as disparidades entre gêneros na educação; e 6) melhorar todos os aspectos da qualidade da educação. 84 Na Declaração de Nova Delhi, os países se comprometem a “buscar com zelo e determinação as metas definidas pela Conferencia Mundial sobre Educação para Todos” (UNESCO, 1993, art.1). O documento reconhece e aponta que “os conteúdos e métodos de educação precisam ser desenvolvidos [...] proporcionando-lhes o poder de enfrentar seus problemas mais urgentes – combate à pobreza, aumento da produtividade, melhora das condições de vida e proteção do meio ambiente” (idem, art. 2.4, grifo nosso). Ao final, o documento convoca os colaboradores das instituições financeiras internacionais para que, “sob o prisma de ajustes estruturais, reconheçam a educação como investimento crítico isento da imposição de tetos preestabelecidos, e que promovam um clima internacional capaz de permitir aos países sustentar seu desenvolvimento socioeconômico” (idem, art. 4.2). 85 Não foram consideradas declarações mais específicas, apesar de estarem no mesmo contexto, como, por exemplo, a Declaração de Salamanca, sobre Princípios, Política e Prática em Educação Especial, de 1994, e a Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI: visão e ação, de 1998.

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menor ênfase, o acesso à educação como base para a eqüidade, a inclusão e a coesão sociais e

a solidariedade entre os povos, requisitos para enfrentar os desafios da “sociedade do

conhecimento”. A imperiosa necessidade de “adaptação às mudanças” é o foco convergente

em todos os documentos (acordos e declarações), tanto os oriundos do Banco Mundial quanto

os da UNESCO.

Nesse sentido, o Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2000/2001. Luta

contra a pobreza “propõe uma estratégia para atacar a pobreza em três frentes: promover

oportunidades, facilitar a autonomia e aumentar a segurança” (Banco Mundial, 2001: 6).

Afirma ainda que

a promoção da autonomia dos pobres (fazendo com que as instituições públicas e sociais se tornem mais sensíveis às suas necessidades) também é essencial para reduzir a pobreza. A vulnerabilidade a acontecimentos externos incontroláveis (doença, violência, choques econômicos, mau tempo, catástrofes naturais) aumenta o mal-estar dos pobres, exacerba sua pobreza material e enfraquece seu poder de barganha. Por isso, o aumento da segurança (reduzindo os riscos de eventos como guerras, doenças, crises econômicas e catástrofes naturais) é essencial para reduzir a pobreza. Também são essenciais a redução da vulnerabilidade dos pobres aos riscos e a implantação de mecanismos para ajudá-los a enfrentar os choques adversos. (idem, 2001: 1e 3)

Outro aspecto central que esclarece o “como ajudá-los (aos pobres)” aparece, por

exemplo, expresso no recente documento UNESCO. O que é. O que faz (UNESCO, 2007),

onde afirma-se que, para acelerar o alcance das metas da educação para todos, atualmente a

Unesco prioriza três iniciativas em áreas estratégicas:

. A iniciativa da alfabetização para o empoderamento (LIFE – Literacy Iniciative for Empowerment) programa destinado à pessoas sem conhecimentos suficientes de leitura e escrita, implementado em 33 países; . A iniciativa Global de Educação para a prevenção do HIV/AIDS (EDUCAIDS) que promove a ampliação da educação preventiva para a população jovem vulnerável; . A iniciativa de formação de professores na África Sub-Saariana que visa suprir a carência de professores (ocasionada pela HIV/Aids, conflitos armados, entre outros). (p. 6)

Nesse cenário, dentre as três áreas chave, o “empowerment” ou “Iniciativa para o

Empoderamento” nos chama particularmente a atenção. Trata-se de um programa específico

criado pela UNESCO, no marco do Decênio, para países com altas taxas de analfabetismo, em

que o enfoque, considerado inovador, é dado na “alfabetização para o empoderamento dos

excluídos”86, sem articulações políticas mais amplas (como partidos políticos ou sindicatos),

86 “Na região da América Latina existem dois países que foram considerados nesse Programa: Haiti (por suas altas taxas de analfabetismo) e Brasil (por ter mais de 10 milhões de analfabetos)”. Disponível em: <http://www.campanaderechoeducacion.org/news.php> Acesso em: 10 out. de 2007.

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pregando o incentivo às potencialidades dos indivíduos para melhorarem suas condições

imediatas de vida, promovendo a integração das frações mais destituídas da classe

trabalhadora a um mínimo de serviços e bens elementares à sobrevivência.

Desconsiderando, obviamente, uma perspectiva de análise histórica87, a forma

naturalizada com que os documentos88 tratam as causas da pobreza e apontam medidas para

reduzi-la, predominando claramente a concepção de que se deve “ajudar” os pobres a

perceber e a adaptar-se às mudanças sociais, econômicas e culturais. Para os organismos

internacionais, há uma situação social limite a ser administrada, sendo preciso abrandar as

conseqüências do modelo político-econômico adotado. Neste sentido, o cinismo com que o

Banco Mundial lamenta o crescimento exponencial da pobreza no mundo é acompanhado de

incentivo a políticas focalizadas; dentre elas políticas focais na educação, utilizadas como

controle social, ao contribuir para mitigar tensões sociais decorrentes da pobreza e suas

conseqüências.

2.2. Concepções que embasam os Acordos e Declarações Internacionais - visões da tese da Educação ao Longo da Vida

Nosso propósito nesta seção é discutir a essência (Kosik, 1995) do conceito de

educação ao longo de toda a vida, recomendado e difundido pela UNESCO, tendo em vista

explicitar de que modo e com qual significado esse conceito vem se tornando hegemônico no

discurso oficial, bem como seu caráter multifacetado e suas contradições na realidade

brasileira.

Apesar do discurso sobre a necessidade de se continuar a formação ter tido maior

espaço recentemente, o conceito “educação ao longo da vida” tem sua origem e matriz

fundadora em outro conceito, o de “educação permanente”. Todavia, como destacado por

Canário (2003) e Lima (2007), ele não significa uma continuidade ou atualização do conceito

87 Como, por exemplo, “não há uma palavra mencionada sobre o processo de acumulação prévia – quer dizer, como países ricos ficaram ricos; não há uma palavra sobre como o modelo de ‘desenvolvimento’ baseado na industrialização/teorias da modernização vem por anos contribuindo para a criação da pobreza” (Siqueira, 2001:12). E, ainda, “a inexistência de críticas mais radicais ao crescente endividamento e ao aprofundamento da concentração de renda e ampliação das desigualdades dos países periféricos diante da difusão da ideologia da ‘globalização’ será somada à defesa da diversificação das instituições de ensino e da diversificação das fontes de financiamento da educação” (Lima, 2005: 108). 88 Dentre outros, destacamos, especialmente os seguintes documentos: Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2000/2001 – Luta contra a pobreza. Panorama Geral (Banco Mundial, 2001) e Desenvolvimento e Redução da Pobreza (Banco Mundial, 2004).

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anterior, mas uma reconceituação, e seu significado, no debate atual, passa ao largo do

significado original de sua matriz. Segundo os autores supracitados, o conceito difundido a

partir de meados da década de 1990 muda o sentido, distorce ou mesmo nega projetos

políticos originais, como, por exemplo, o pressuposto da educação como direito coletivo e

responsabilidade do Estado.

A visão sobre a educação permanente não mais é vinculada a um direito social e

coletivo, calcado na referência de Estado-providência e pleno emprego, e sim a uma

responsabilização individual, dentro do contexto de mudanças da atuação do Estado e do

desemprego estrutural. Além disso, a educação permanente aproxima-se de uma educação ao

longo da vida, que serviria como meio para a solução de problemas da competitividade e do

desemprego, e como capacidade de adaptação ao mercado.

Nesse sentido, adverte Moraes (2006) que atualmente a noção de formação contínua

“atribui ênfase à formação profissional, à sua capacidade de modernização e adaptação

funcional à economia e ao mercado” (p. 397). No contexto de predomínio do ethos mercantil

e de responsabilização individual do direito à formação observam-se deslocamentos não só da

educação para formação, mas também da formação para aprendizagem. Surge a

“‘aprendizagem ao longo da vida’ como política educativa do novo Estado neoliberal,

orientado [...] para o reforço das vantagens competitivas de indivíduos, empresas e nações”

(ibidem). Assim, a noção de “aprendizagem ao longo da vida” é vista como obtenção e

renovação de competências necessárias para a participação na “sociedade do conhecimento”.

2.2.1. A Educação de Adultos na perspectiva da Educação ao Longo da Vida “Produtiva”

A associação, no Brasil, entre educação de jovens e adultos (EJA) e educação

continuada ao longo da vida tornou-se comum na última década. Tal fato, identificado como a

emergência de um novo paradigma, estaria redefinindo a identidade da área em oposição ao

(suposto) paradigma anterior de educação compensatória. Esse processo de transição de

referências (ou paradigmas) é justificado, nacionalmente, pela necessidade de crítica a uma

visão redutora e escolarizante, que aborda a EJA apenas no sentido de reposição de estudos

via escolarização, e também pela necessidade de uma oposição às ações de curta duração e

baixa escolaridade que caracterizam historicamente as políticas para a área.

Page 103: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

103

Temos, assim, nos anos mais recentes, a defesa de uma lógica de redefinição,

segundo a qual:

Frente ao mundo inter-relacionado, desigual e inseguro do presente, o novo paradigma da educação de jovens e adultos sugere que a aprendizagem ao longo da vida não só é um fator de desenvolvimento pessoal e um direito de cidadania (e, portanto, uma responsabilidade coletiva), mas também uma condição de participação dos indivíduos na construção de sociedades mais tolerantes, solidárias, justas, democráticas, pacíficas, prósperas e sustentáveis. A educação capaz de responder a esse desafio não é aquela voltada para as carências e o passado (tal qual a tradição do ensino supletivo), mas aquela que, reconhecendo nos jovens e adultos sujeitos plenos de direito e de cultura, pergunta quais são suas necessidades de aprendizagem no presente, para que possam transformá-lo coletivamente. (Di Pierro, 2005: 1119-1120)

A perspectiva acima é representativa da concepção dominante que subsidia as

análises de grande parte da literatura atual da área de EJA no Brasil. É importante considerar

que tal perspectiva é consoante com a afirmada internacionalmente. A atual ênfase na

“educação continuada ao longo da vida”, que tem como pressuposto a “sociedade do

conhecimento”, permeia tanto os documentos das agências internacionais, advindos

principalmente das parcerias com a UNESCO, como aparece, de forma recorrente, na

literatura especializada e em documentos governamentais. A consideração do tema “educação

continuada ao longo de toda a vida” como um novo paradigma da EJA tem sua origem em

documentos como a Declaração de Hamburgo (proveniente da V CONFITEA, realizada em

1997), e é referendada, como será vista no capítulo III, em documentos legais como o Parecer

nº 11/2000 do Conselho Nacional de Educação, que instituí a função qualificadora, atribuindo

à EJA a função de “atualização de conhecimentos por toda a vida”.

Não obstante o seu tom inaugural, o discurso sobre a necessidade de uma educação

ao lonto da vida não é novo89. Em 1972, a Comissão Internacional para o Desenvolvimento da

Educação, criada pela UNESCO, apresentou o Relatório Aprender a Ser (mais conhecido

como Relatório Faure, nome do presidente da Comissão90), enfatizando o conceito de

educação permanente. Em 1996, mais de vinte anos depois do Relatório Faure e, portanto,

num contexto totalmente diferente, o Relatório para a Unesco da Comissão Internacional

sobre Educação para o Século XXI, elaborado de 1993 a 1996 e divulgado no livro Educação:

Um tesouro a Descobrir (conhecido também como Relatório Delors, nome do presidente da

89 Em 1968 a UNESCO publicou o documento A crise Mundial da Educação – uma análise sistêmica, no qual Philip H. Coombs, diretor do Instituto Internacional de Planificação da Educação (IIPE) da UNESCO, se apoiava em trabalho desse Instituto para analisar os problemas da educação no mundo e recomendar ações inovadoras (cf. Delors, 2004: 268). 90 A Comissão era composta por sete pessoas: Edgar Faure (França), Felipe Herrera (Chile), Abdul-Razzak Kaddoura (Síria), Henri Lopes (República Popular do Congo), Arthur V. Petrovsky (URSS), Majid Rahnema (Iran), e, Frederick Champion Ward (USA).

Page 104: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

104

Comissão91), apresentou os desafios aos quais a educação, em âmbito mundial, deveria

responder no próximo milênio.

A partir do Relatório Faure (Faure, 1981), novos pressupostos para a educação foram

elaborados nos anos 1970. Um dos objetivos do Relatório Faure foi analisar a crise mundial

da educação, resultante dos acontecimentos do final da década de 196092 e da expansão dos

sistemas educacionais após a Segunda Guerra Mundial. Cabe ressaltar que esse Relatório foi

elaborado num período em que os países periféricos estavam mais articulados93. O documento

manifestou apreensão com relação à grande disparidade, nos níveis econômico e social, entre

os países industrializados e os em desenvolvimento, e com a questão da marginalização de

muitas pessoas em todo o mundo, acarretando um processo de desumanização da sociedade e

pondo em xeque a democracia. A finalidade do Relatório era propor uma educação capaz de

possibilitar e garantir a democracia, dentro de uma referência de desenvolvimento social.

Nesse sentido,

[...] recomendou a adoção de medidas redistributivas, num clima de solidariedade, responsabilidade, e respeito à diversidade e necessidades culturais. Mais, ainda, propôs a criação de uma nova ordem educacional, denominada “humanismo científico”, na qual haveria a necessidade de uma formação continuada e maior generalização do conhecimento científico e tecnológico, a fim de que os seres humanos pudessem lidar com os avanços nessa área, sem que se tornassem escravos dos mesmos, podendo controlar seus próprios destinos. (Siqueira, 2001b: 1)

Assim, a partir de um enfoque no sujeito, o Relatório Faure enfatiza a adequação da

sociedade à modernização, ou seja, baseia-se na idéia de expansão do progresso e no

impedimento de possíveis conflitos gerados pelos que não eram incorporados ao suposto

desenvolvimento. Relacionando as idéias de progresso e educação, a educação permanente,

inspirando-se nas teorias do Capital Humano e da Modernização, pretendia suprir

necessidades de formação educacional para a segunda metade do século XX. A educação

permanente e a Cidade Educativa seriam os agentes de uma formação mais adequada para a

91 A Comissão foi composta pelos seguintes membros: Jacques Delors (França), In’am Al Mufti (Jordânia), Isao Amagi (Japão), Roberto Carneiro (Portugal), Fay Chung (Zimbábue), Bronislaw Geremek (Polônia), William Gorham (EUA), Aleksandra Kornhauser (Eslovênia), Michael Manley (Jamaica), Marisela Padrón Quero (Venezuela), Marie-Angélique Savané (Senegal), Karan Singh (Índia), Rodolfo Stavenhagen (México), Myong Won Suhr (Coréia do Sul), Zhou Nanzhao (China). 92 Referindo-se, entre outros, à experiência francesa de ocupação das universidades pelo movimento estudantil, e de formulação cultural de contracultura, que ficou conhecido como Maio de 1968. 93 Sobre essa observação, Siqueira (2001: 02) destaca o fato de que em 1974, por exemplo, os países em desenvolvimento “conseguiram a aprovação na Assembléia Geral da ONU da Proposta de uma Nova Ordem Econômica Internacional, baseada nos princípios de solidariedade, cooperação, soberania, autodeterminação dos povos, respeito à diversidade etc. Contudo, ocorreram as crises do petróleo, e daí, por um lado uma grande necessidade de recursos, e por outro lado uma vasta massa de recursos, os petrodólares, depositados em bancos americanos (Chase e Citibank), que precisavam ser reciclados. Daí nascem os grandes empréstimos, boa parte com juros flutuantes, e as grandes dívidas, que vão explodir com o aumento das taxas de juros.”

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105

sociedade do trabalho, dentro de um projeto de sociedade em que o Estado-nação exerceria

um papel central, destacando-se no Relatório a recomendação para que o Estado ampliasse

seus gastos com a educação pública.

O Relatório Delors94, representando “uma reação ao desvirtuamento carreado pelo

Banco Mundial e demonstrando uma preocupação com os desafios do novo século” (Siqueira,

2001b: 5), põe ênfase no respeito à diversidade e aposta na defesa do pluralismo como forma

de melhorar o entendimento entre os povos e a construção de um mundo melhor, além de

reafirmar as idéias de educação continuada e de que o sistema educacional deveria ser visto

em sua totalidade95. O relatório parte da constatação de que mudanças na estrutura social,

decorrentes das transformações no mundo do trabalho, teriam gerado a “nova sociedade da

informação” e, a partir daí, estabelece quatro pilares considerados indispensáveis para

educação: aprender a ser, aprender a conhecer, aprender a fazer e aprender a viver juntos

(Delors, 2004: 90).

Observa-se, conforme estudos de Silva Jr. (2002), o aporte teórico para pedagogias

instrumentais e adaptativas, por meio da naturalização das desigualdades sociais. A idéia de

constante adaptação a um mundo que passa por rápidas mudanças é central no Relatório

Delors. Dessa forma, tomando a realidade social como algo dado, a educação passa a

expressar o novo paradigma político, centrado na busca do consenso e da harmonia social;

toma ainda as realidades social e natural como dadas, sem qualquer questionamento sobre as

contradições que, por meio das relações sociais, produzem a realidade.

Em síntese, os dois “balanços da educação” foram encomendados pela UNESCO, de

tal modo que, apesar do discurso sobre o caráter autônomo do relatório Faure e do relatório

Delors96, eles se configuram como documentos provenientes dessa instituição, que, sob a

forma de supostas recomendações técnicas – as quais, não por acaso, obscurecem o debate

político –, influenciam e pautam a agenda política de países como o Brasil.

A análise da bibliografia sobre o tema indica que “educação ao longo da vida” é um

94 O Relatório Delors é composto por três partes (1- Horizontes, 2- Princípios e 3- Orientações), totalizando nove capítulos, seguido de epílogo e apêndice. Cabe destacar que todos os capítulos, ao final, apresentam pistas e recomendações (uma síntese das idéias centrais), e que o epílogo apresenta textos individuais elaborados pelos membros da comissão (com análises mais específicas sobre seus países). 95 Siqueira (2001:5) ressalta que, apesar de o Relatório indicar a necessidade de financiamento para todos os níveis de ensino e anunciar que a educação não deve ser regulada pelo mercado, no que tange ao ensino superior ele “colocou muita ênfase na expansão do ensino superior como forma de reduzir o clima de crescente frustração entre os jovens, gerado pelo desemprego em massa; alias, como a ÚNICA saída. Isso significa uma grande despolitização sobre a questão do desemprego, das relações de trabalho, das relações de produção, do lucro, etc.” (grifo nosso). 96 Sobre a “independência” do trabalho da Comissão que produziu o Relatório Delors, o fato é que esta foi “Financiada pela UNESCO, e servida de um secretariado posto à sua disposição por esta mesma organização” (Delors, 2004: 268), assim como dispôs dos recursos e do acervo de informações daquela agência.

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106

conceito passível de diferentes interpretações. Além disso, a ampla repercussão sobre a sua

importância estratégica é interpretada por alguns autores como regresso ou atualização dos

ideais da educação permanente. Esse sentido de continuidade está implícito, de uma maneira

geral, nos documentos da Unesco e em grande parte dos autores.

Na interpretação de Dias (2002), o Relatório Delors retoma essencialmente as

mesmas idéias do relatório de 1972: “uma das preocupações nucleares do relatório da Unesco

é a temática dos valores, articulados com a dimensão social e pessoal da educação, numa

perspectiva de educação ao longo da vida, concepção retomada do Relatório Faure” (p. 83),

acrescido de temáticas surgidas mais recentemente, como a do meio ambiente, do

desenvolvimento sustentável ou da situação das mulheres. Para o autor, “mais que uma

avaliação do último quartel do século XX, [o Relatório Delors] adota, na continuidade do

relatório anterior, um posicionamento perante os desafios, incertezas e esperanças do século

XXI, encarando a educação como um trunfo indispensável à humanidade na construção dos

ideais de paz, de liberdade e de justiça social” (ibidem).

Para Canário (2000; 2003), no entanto, a atual ênfase na educação ao longo da vida

pode parecer, “numa primeira, apressada e ingênua leitura” (2003: 193), um raciocínio que dá

continuidade à educação permanente; “contudo, nada é mais diferente” (ibidem), sendo

necessário para a análise e compreensão do seu sentido “negar essa continuidade e pôr em

evidência a ruptura existente entre as duas concepções” (2003: 191). O autor defende que a

ênfase “na importância da educação e da formação inscreve-se, fundamentalmente, numa

perspectiva de sobredeterminação da educação por uma lógica de caráter econômico que,

cumulativamente, induz uma visão redutora e pobre dos fenômenos educativos.” (2000: 89).

Canário (2003), ao situar o caráter central que o conceito de aprendizagem ao longo

da vida vem adquirindo na Europa a partir dos anos 1990, aponta que este se articula com a

relação direta estabelecida entre educação e atividade econômica, ou seja, a política de

formação como resposta às políticas de emprego. Este autor nos mostra que os argumentos

que sustentam a aceitação e expansão em torno do conceito de aprendizagem ao longo da vida

são: 1) a evolução tecnológica, “transição para uma ‘Era do Conhecimento’, concomitante

com uma ‘nova economia’ que tornaria obsoletas as competências atualmente existentes” (p.

194); 2) a eficácia produtiva “em torno da trindade (santíssima?) da produtividade,

competitividade e empregabilidade apela para uma outra gestão global da mão-de-obra”;

(ibidem), e, por fim, 3) a coesão social “traduz a preocupação central de combater ou prevenir

formas de conflitualidade social que poderiam abalar o sucesso da nova ordem econômica”

(ibidem). Desta forma, demonstra o caráter de subordinação das políticas de formação

Page 107: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

107

contínua à racionalidade econômica dominante, justificando a aprendizagem ao longo da vida

como fator de busca de empregabilidade e adaptabilidade, como resposta individual aos

desafios da mundialização.

Na mesma direção, Lima (2007) destaca que a centralidade atribuída à idéia de

aprendizagem ao longo da vida tem se referendado, na realidade, na defesa de aprendizagem

de competências para competir. Demonstra ainda que, desse modo, predomina uma orientação

pragmática, segundo a qual:

Trata-se de conceitos ubíquos, difundidos à escala global [...] a partir de grandes simplificações e generalizações (como a sociedade da “aprendizagem”, da “informação”, ou do “conhecimento”), com base em crenças acriticamente aceitas (como a que linearmente associa o desemprego estrutural à falta de qualificações, ou de competências, da mão-de-obra), concentrando-se retoricamente em conceitos ambíguos e pouco consistentes. (p.15)

A nosso ver, no Relatório Delors predominam conceitos pouco precisos, conforme

dito acima: nele a educação é considerada, abstratamente, “a chave de acesso ao nosso

século”, expressa no princípio de “aprender por toda a vida”. O termo “sociedade educativa”

define a “nova sociedade” e o conceito de “Educação ao Longo de Toda Vida” é a solução

privilegiada diante das incertezas da contemporaneidade.

Em estudo recente, Almeida (2007) chama a atenção para o fato de que a idéia de

educação ao longo da vida, dominante a partir dos anos 1990, constitui-se em uma proposta

mais ampla de educação pós-moderna. Assim, esclarece a autora:

Com o objetivo de superar uma análise simplista, [o Relatório Delors] identifica os limites estabelecidos pela educação formal e por isso propõe uma nova educação mais abrangente, que não desconsidere as outras esferas de convívio social. O trabalho, o lazer, as mídias, são espaços também educativos, capazes de educar e formar os cidadãos ao longo de toda a vida. É nesta perspectiva que esta proposta de educação para o novo milênio se apresenta como uma alternativa, pelo menos fenomenicamente, viável a uma sociedade em constante mudança. Esquecendo apenas um detalhe substancial: a inexistência de uma ruptura radical e estrutural na sociedade atual, capaz de negar a existência da sociedade de classe. Não havendo de fato uma ruptura substancial com a ordem estabelecida, este discurso acerca da Educação ao Longo de Toda a Vida – a percepção de outras formas de educação para além da educação formal, de modo a garantir competências que não são necessariamente aprendidas nos sistemas de ensino formal, e sim na vida cotidiana – revela um grande potencial de controle no interior desta proposta. Uma vez não rompendo com a lógica societal existente, essa proposta com ares progressistas acaba por subsumir toda a vida humana ao capital, todas as esferas de reprodução e produção da vida articuladas, de maneira jamais vista antes. (p. 133, grifo nosso)

Chegamos assim ao ponto de origem da reflexão que vimos desenvolvendo ao longo

desta seção, e podemos concluir que a proposta de educação ao longo da vida, não tem como

horizonte um rompimento com a lógica social capitalista, por ser engendrada pelo capital.

Tanto o Relatório Faure quanto o Relatório Delors construíram princípios de educação

Page 108: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

108

capazes de responder à fase de acumulação do sistema capitalista, na qual foram produzidos.

Apresentavam, nesse sentido de conformação à ordem, mais continuidade do que ruptura no

encadeamento de suas lógicas estruturantes relacionadas ao projeto de sociedade capitalista

que estava sendo posto. Dessa forma, concordamos com Almeida (2007) quando destaca que

o Relatório Faure formulou uma proposta educacional capaz de dar respostas à sociedade

industrial capitalista, que se tornou hegemônica ao longo do século XX. Através de uma

proposta humanista, os estudos do Relatório Faure pretendiam garantir ao Estado nacional o

papel de coordenador das relações capitalistas através das idéias de “educação permanente e

de “sociedade educativa”. E o Relatório Delors, nos anos 1990, em linhas gerais, cumpriu o

mesmo objetivo, ou seja, o de construir uma proposta educacional capaz de dar respostas à

atual fase de acumulação flexível do sistema capitalista.

Vemos, então, que o paradigma da aprendizagem ao longo da vida como princípio

norteador das políticas educativas, ao apresentar como pressuposto e realidade dada a

“sociedade do conhecimento”, encontra-se coadunado aos interesses do capital

(internacional), visto que se orienta numa lógica utilitarista de preocupação com o aumento da

empregabilidade individual.

Apesar das considerações acima, cabe salientar que não desconsideramos a dimensão

de luta (mesmo que contraditória) que este conceito pode representar no Brasil.

Particularmente, se considerarmos o esforço (no sentido de disputas e correlações de força na

sociedade) que os movimentos sociais, em particular do campo, mas não só, vêm

empreendendo pela ampliação do acesso a educação, através do conceito de direito a

educação ao longo da vida.

No capítulo seguinte procuramos averiguar em que medida o conceito de Educação

de Jovens e Adultos que foi sendo construído de forma hegemônica no Brasil a partir de

meados dos anos 1990, adequou-se à ordem e ao “tom” do momento internacional, ou se foi

possível avançar no sentido da constituição de políticas democratizantes para a área.

Page 109: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

109

CAPÍTULO III

A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS TRABALHADORES

Este capítulo faz o balanço do cenário atual da educação de jovens e adultos no

Brasil, empreendendo uma contextualização das políticas97 de educação básica e profissional

dos trabalhadores no período de 1995 a 2006. Apresenta-se dividido em duas seções, a saber:

a configuração atual da EJA no quadro da legislação da educação brasileira; e as principais

ações federais para EJA no referido período. Na primeira seção, os instrumentos legais

referentes à EJA são tomados tendo-se em vista identificar e refletir sobre a configuração

legal da educação dos trabalhadores (enquanto elevação de escolaridade ou formação

profissional) atualmente existente.

97 As políticas de educação básica e profissional de jovens e adultos trabalhadores são políticas sociais, aqui entendidas enquanto modalidades de política pública, como ação de governo com objetivos específicos relacionados à proteção social. De acordo com Vianna (2002), “Como política pública, portanto, a política social deve ser entendida em sua dimensão política e histórica” (p. 1). Desta forma, conforme assinala a autora, “as ações governamentais com objetivos voltados para a proteção social começam a ser produzidas contemporaneamente à consolidação dos Estados nacionais” (p. 2) na Europa Ocidental. Identificam-se três fases ou tendências nas políticas sociais ao longo desse processo: 1 – A assistência pública nos séculos XVI a XIX, “primeira fase da evolução da política social consistiu nas chamadas Lei dos Pobres [...] A pobreza, nesta fase, é o risco predominante. O Estado age para proteger a sociedade da ameaça representada pela pobreza (à qual se associam a indigência, a doença, o furto, a degradação dos costumes) e para proteger os pobres” (idem, p. 3). 2 – Numa segunda fase, o seguro social no final do século XIX e início o século XX. Os “Seguros sociais compulsórios, para fazer face a riscos sociais associados ao trabalho assalariado, despontam como o modelo dominante de proteção social. [...] Para a sociedade, mais que a pobreza, a ameaça agora está na recusa ao assalariamento. [...] A forma seguro, implicando um contrato entre partes (sendo o Estado, na grande maioria dos casos, uma destas partes), retirava da política social seu caráter meramente assistencialista. Por sua natureza meritocrática [...] o seguro social destituía a política social de estigma. Deslocando seu alvo principal, da pobreza para o trabalho assalariado, a política social ganha papel pró-ativo no sistema” (idem, p. 4-5). 3 – A seguridade social, em meados do século XX; nesta fase a natureza da política passa a ser universalista e a referência à garantia de amplos direitos sociais a todos os cidadãos, configurando os Estados de bem-estar social. Nesta concepção de proteção social, “O princípio da unidade tinha por metas a unificação das múltiplas instâncias de gestão dos seguros sociais existentes e a homogeneização das prestações básicas. Universalidade, o outro grande princípio, dizia respeito à cobertura – todos os indivíduos – e aos escopos da proteção (todas as necessidades essenciais). Pode-se afirmar, assim, que introjeta-se na cultura política ocidental do pós-guerra uma concepção de cidadania como trajetória cumulativa de direitos: direitos civis (as liberdades individuais), direitos políticos e direitos sociais” (idem, p. 5, grifos do autor). Atualmente, há uma redução da política social e da questão social a carências individuais, à pobreza e a uma “definição de pobreza como uma situação em que indivíduos se encontram por falta de certos dotes, dotes que uma vez adquiridos os capacitam a pular a linha da pobreza” (Vianna, 2007: 3). Neste novo modelo de proteção social, o objeto da política social passa a ser certos indivíduos e grupos específicos. Assim, a referência a um padrão universalista de proteção social, através de políticas sociais de natureza coletiva, vem sendo considerada cara e acusada de não alcançar os pobres, e sendo substituída por “ações que se dirigem a indivíduos, a grupos específicos, a segmentos da população pobre, que devem ser tratados de modo diverso em respeito às diferenças que guardam entre si. [...] ou seja, a política social é uma ação para os pobres” (ibidem). Com base no acima exposto, consideramos importante sublinhar a natureza política da política social e das políticas públicas em geral, o que significa apreender o seu caráter circunstancial e historicamente definido.

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110

Vale destacar que se procurou apresentar um quadro das referências e princípios

expressos na base legal. Consideramos que a legislação proclamada em instrumentos

normativos expressa, por um lado, o nível de poder das forças sociais que disputam a

hegemonia num determinado momento histórico; e, por outro, são resultantes de decisões

políticas e, portanto, estão articuladas ao projeto de sociedade que os governos definem para

os diferentes cenários conjunturais, num permanente processo de correlação de forças

(Rummert, 2000). Em seqüência, a segunda seção discute como o governo federal tratou a

questão em tela, ou seja, evidencia as ações da União empreendidas nos dois governos de

Fernando Henrique Cardoso e no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva no âmbito da

EJA.

3.1. Configuração atual da EJA no sistema educacional brasileiro

O resgate histórico das ações implementadas pelo governo federal na área da EJA,

empreendida pela autora da presente pesquisa em sua dissertação de mestrado (Ventura,

2001), evidenciou o fato de ser a mesma tratada, recorrentemente, de forma marginal, tomada

de uma maneira geral, como dimensão residual e temporária na educação brasileira. O

referido estudo apontou, ainda, para um longo percurso de ausência de políticas públicas e

insucessos na promoção da escolarização da população, que se inicia no final da década de

1940 e se estende até os dias atuais. Nessa perspectiva, destacamos alguns instrumentos legais

relacionados com a EJA que fazem parte da reforma educacional iniciada e empreendida ao

longo da década de 199098.

A Constituição Federal de 1988 reconheceu a educação como direito de todos e dever

do Estado, firmando o Ensino Fundamental como obrigatório e gratuito, independentemente

da idade. Entretanto, nos anos 1990, no contexto das reformas da educação, novas bases

legais redefiniram os rumos da política educacional e significaram expressivo retrocesso e

desqualificação da Educação de Jovens e Adultos, acentuando-se o lugar secundário por ela

ocupado no conjunto das políticas educacionais.

98 De modo geral, “pode-se afirmar que a história política do Brasil a partir dos anos 90 tem sido a história de recomposição e aprofundamento da hegemonia da burguesia brasileira nesse momento de mudanças qualitativas da organização do trabalho e da produção e reestruturação do Estado no capitalismo monopolista internacional e nacional” (Neves, 2005: 89). Conforme esta autora, após a eleição de Fernando Henrique Cardoso o Brasil integrou-se organicamente ao projeto neoliberal, promovendo reformas nas quais a educação teve um papel relevante para os ajustes estruturais.

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111

Assim, apesar de escapar aos propósitos desta tese analisar os acordos travados ao

longo da extensa trajetória da LDBEN, convém destacar que a Lei aprovada em 1996

expressou a correlação de forças entre os defensores da educação pública e os defensores de

interesses privatistas de caráter neoliberal; esses últimos, ao longo dos anos de 1990, tornam-

se politicamente hegemônicos. Movimento que ganha nitidez ao atentarmos para os termos

utilizados na nomeiação dos diversos segmentos e modalidades de educação nos Projetos de

Lei anteriores ao aprovado – expressões das diferentes concepções em disputa.

No texto do primeiro projeto de LDBEN, apresentado em 1988, à Câmara dos

Deputados, pelo Deputado Octávio Elísio, a EJA estava contemplada em três artigos no Título

VI – Da Educação Fundamental, nos quais é definida como:

Art. 22 – Para aqueles que não tenham seguido ou concluído a educação escolar de 1º ou 2º graus na idade próprioa será organizado ensino regular específico, além do ensino supletivo que abrangerá cursos e exames, conforme as normas baixadas pelos Conselhos de Educação competentes. (Saviani, 1997: 45).

Em 1990, na versão que ficou conhecida como “substitutivo Jorge Hage”, a comunidade

educacional através, principalmente, do Fórum em Defesa da Escola Pública, estava

mobilizada e influenciou a relatoria do deputado Jorge Hage. Inspirada nas reivindicações da

comunidade educacional, a EJA aparece em um capítulo próprio intitulado Capítulo XII – Da

educação básica de jovens e adultos trabalhadores, que aponta a necessidade de um

tratamento articulado com a educação escolar regular e assegura as condições legais para

solucionar os principais problemas de acesso e permanência do aluno trabalhador na escola.

Nas palavras do substitutivo: “A educação básica pública oferecerá alternativas adequadas às

necessidades da população trabalhadora, jovem e adulta” (Art. 6299) e “O Poder Público

viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações

99 Parágrafo único – As alternativasreferidas neste artigo incluirão, no mínimo: I – regime especial de trabalho para trabalhadores-estudantes, (...). II – disponibilidade de aparelhagem e demais condições para recepção de programas de teleducação no local de trabalho, em empresas e órgãos públicos com mais de 100 (cem) empregados; III – oferta regular de ensino noturno, entendido como tal o oferecido a partir das 18 horas, nos mesmos padrões de qualidade do diurno, e em escola próxima dos locais de trabalho e residência; IV – alternativas de acesso a qualquer série ou nível, independentemente de escolaridade anterior, sem restrições de idade máxima, mediante avaliação dos conhecimentos e experiências, admitida, quando necessária, a prescrição de programas de estudos complementares em paralelo; V – conteúdos curriculares centrados na prática social e no trabalho e metodologia de ensino-aprendizagem adequado ao amadurecimento e experiência do aluno; VI – organização escolar flexível, inclusive quanto à redução da duração da aula e do número de horas-aulas, à matrícula por disciplina e a outras variações envolvendo os períodos letivos, a carga horária anual e o número de anos letivos dos cursos; VII – professores especializados; VIII – programas sociais de alimentação, saúde, material escolar e transporte, independente do horário e da modalidade de ensino, financiados com recursos específicos; IX – outras formas e modalidades de ensino, que atendam a demandas dessa clientela, nas diferentes regiões do país.

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112

integradas e complementares entre si” (Art. 63100).

Entretanto, dois anos depois, alterado o contexto e a correlação de forças políticas, um

outro projeto de LDBEN é apresentado. De autoria do senador Darcy Ribeiro em articulação

com o governo Collor de Mello, o Projeto retrocede na concepção de EJA no texto da lei ao

substituir a expressão “educação básica” por “educação supletiva” e suprimir o termo

“trabalhadores” associado aos jovens e adultos, ficando assim o título do capítulo sobre EJA:

Da educação supletiva de jovens e adultos. O conteúdo deste capítulo na prática limitava a

EJA à educação supletiva e retomava os exames de madureza, categorias anacrônicas no

começo da década de 1990 diante do acúmulo teórico e das propostas políticas então em

disputa. Assim expresso no texto do projeto: “Os sistemas de ensino mantêm exames

supletivos ou de madureza que compreendem a base nacional comum do currículo,

habilitando o prosseguimento de estudos em caráter regular”101 (idem, p. 138).

Depois de variadas emendas, na versão da LDBEN aprovada a seção que trata da EJA

recebeu o seguinte título: Da educação de jovens e adultos. Nela, o Art. 38 afirma: “Os

sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a base nacional

comum do currículo, habilitando ao proseguimento de estudos em caráter regular”; que

comparado com o projeto de Darcy Ribeiro nos permite apontar a proximidade em um e

outro, mas, por outro lado, explicita a imensa perda sofrida pelas forças progressistas se a

comparação for com a versão do Substitutivo Jorge Hage. Antigas reivindicações e propostas

dos movimentos sociais não foram asseguradas e, assim, a LDBEN aprovada não trouxe uma

melhoria significativa para a área; também não deixa dúvidas quanto à hegemonia das forças

conservadoras, sobretudo durante os oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso. Sobre

a versão vencedora do texto legal, Saviani avalia que

Observa-se, então, que essa Seção V resultou bastante diversa do Capítulo XII do Substitutivo Jorge Hage que tratava Da Educação Básica de Jovens e Adultos

100 (...) que incluirão: I – ações diretas dos sistemas de ensino, para implementação das providências contidas nos incisos III a IX do artigo anterior; II – ações junto aos empregadores, mediando processos de negociação com os trabalhadores, fiscalizando o cumprimento das normas legais, e criando incentivos e estímulos, inclusive de natureza fiscal e creditícia, para as empresas que facilitem a educação básica dos seus emregados, na forma dos incisos I e II do referido artigo; III – ações diretas do Estado, na condição de empregador, por si e por suas entidades vinculadas e emresas públicas. Parágrafo único – O valor de bolsas de estudos ou outros benefícios educacionais, concedidos pelos empregadores a seus empregados, não será considerado, para nenhum efeito, como utilidade e parcela salarial, não integrando a remuneração do empregado para fins trabalhistas, previdenciários ou tributários. (Saviani, 1997, p.93-94) 101 § 1º – Os exames a que se refere o caput deste artigo se realizam: a) ao nível de conclusão do ensino fundamental, para os maiores de quinze anos, denominado Madureza I; b) ao nível de conclusão do ginásio, para os maiores de dezoito anos, denominado Madureza II. § 2º – os exames supletivos ficam a cargo de estabelecimentos oficiais credenciados pelos vários sistemas de ensino, ampliando-se seu número progressivamente até atingir a totalidade de estabelecimentos tecnicamente capacitados ao exercício desta atribuição. (idem, p.138 – grifo nosso)

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113

Trabalhadores. Aí se procurou voltar os olhos para a especificidade das condições de freqüência à escola dos jovens e adultos trabalhadores. Por isso se previa horas de estudo durante a jornada de trabalho, (...) redução de jornada de trabalho em uma ou duas horas, sem prejuízo salarial, além de outras medidas visando garantir o acesso e a permanência do trabalhador na escola. (...) a nova LDB, sob esse aspecto, representa um claro recuo em relação ao Substitutivo que havia sido aprovado na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados em 28 de junho de 1990. (Saviani, 1997: 215, grifo do autor)

Daqui por diante, no que concerne ao quadro normativo da EJA importa, dentro do

escopo deste trabalho, colocar em evidência: 1) a Emenda Constitucional nº 14/96, que

modificou o inciso I do Artigo 208 da Constituição Federal e deu nova redação ao art. 60 do

Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; 2) a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (Lei nº 9.394/96), que tratou a EJA de forma contraditória, pois se por um lado

conferiu à EJA uma nova identidade, assumindo-a como uma modalidade da educação básica,

por outro lado, manteve a ênfase em cursos e exames supletivos; 3) a criação do Fundo de

Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério

(Fundef) – Lei nº 9.424/96 – e, em seguida, a exclusão da EJA desta forma de financiamento,

o que desestimulou a ampliação de vagas; 4) a implementação do Planfor, através da

Resolução nº 126/96 do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador

(Codefat) e a reforma da educação profissional, através do Decreto nº 2.208/97, que, juntos,

ampliaram o caráter fragmentado e privatista da formação profissional da População

Economicamente Ativa (PEA); 5) por fim, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA,

Resolução CEB/CNE 1/2000, que reafirma a identidade própria desta modalidade da

educação e apresenta avanços e limites, conforme demonstraremos.

Desse modo, no que se refere às bases legais, a Emenda Constitucional nº 14/96, ao

modificar sutilmente a redação da Constituição102, excluiu o princípio da obrigatoriedade do

poder público em ofertar o ensino fundamental para os que a ele não tiveram acesso na idade

própria, por outro lado, o veto do presidente Fernando Henrique Cardoso, exclui as matrículas

da EJA para a composição do FUNDEF. É seguro que a Constituição Federal Brasileira de

1988 significou um marco legal importante no campo da EJA ao garantir “ensino fundamental

obrigatório e gratuito” (art. 208, inciso I) para todos. Além disso, pode-se ressaltar o destaque

para que a “erradicação do analfabetismo” (art. 214, inciso I) fosse enfrentada pelo Plano

Nacional de Educação, além de terem sido firmadas metas e compromissos do poder público

102 Da formulação original, que assegurava, “ensino fundamental obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria”, a Constituição passou depois da Emenda Constitucional nº 14/96 a assegurar “ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para os que a ele não tiveram acesso na idade própria” (Brasil, 1999: 121). Com esta alteração, manteve-se a gratuidade mas retirou-se a obrigatoriedade da oferta.

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114

no sentido de empreender esforços para eliminar o analfabetismo e universalizar o ensino

fundamental, com prazos e recursos previstos para esse fim (Art. 60 do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias). Por fim, segundo a Constituição, a EJA, no nível do Ensino

Fundamental, constituía um “direito público subjetivo” (Art. 208, § 1º); cabendo, por isso, aos

poderes públicos ofertar essa educação. Todavia, como foi visto, a emenda ao texto legal

promovida pela Emenda Constitucional nº 14/96, desobrigou o poder público dessa oferta,

bem como retirou do Artigo 60 do Ato das Disposições Transitórias o prazo estipulado de dez

anos para suprimir o analfabetismo. Isto significou a restrição, no governo Fernando Henrique

Cardoso, dos avanços que pareciam já conquistados na Constituição.

A Lei nº 9.394/96, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, incorporando o

discurso da adequação da educação ao novo cenário político e econômico, destacou a

educação básica como prioritária para a inserção do país no mundo competitivo e,

complementarmente, vinculou o campo educacional às supostas exigências do mundo

produtivo103. Assim, esta lei e outros instrumentos legais104 imprimiram às políticas

educacionais, ao longo da década de 1990, a lógica da descentralização e fragmentação105,

colocando em curso “um processo de redefinição das atribuições da educação fundamental de

jovens e adultos, [...] deslocadas da União para os Estados e, principalmente, para os

Municípios, com apelos dirigidos também ao envolvimento das organizações não-

governamentais e da sociedade civil” (Beisiegel apud Cury, 2000: 19).

A LDBEN, conforme já assinalado, não significou uma ruptura com a diretriz

predominante na EJA ao longo de sua história, sendo apresentada como uma modalidade

educacional, assim definida:

Art. 37 - A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria. § 1º - Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.

103 Para uma síntese das disputas políticas travadas durante os oito anos de tramitação até a promulgação da nova LDBEN, ver Saviani (1997). 104 Além da alteração na questão do financiamento expresso na Lei 9.424/96 (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), o programa de reforma educacional baseava-se, principalmente, na reformulação curricular da educação básica, expressa sob a forma de Diretrizes e Parâmetros Curriculares Nacionais. No que tange especificamente à reforma da educação profissional na década de 1990, as bases legais foram: o Decreto 2.208/97, a Portaria MEC nº 646/97, a Portaria MEC n º 1.005/97, o Parecer CNE/CEB nº 16/99, a Resolução CNE/CEB 04/99. 105 Sobre esta questão, Leher chama a atenção para o fato de que “em um primeiro momento, responsabilidades da União são repassadas para os estados e municípios. [...] Usualmente, o Executivo Federal se desobriga total ou parcialmente dos custeios dessas políticas. [...] O passo seguinte, observado em países como o Chile, é a completa transferência do ‘serviço’ para a ‘comunidade’” (Leher, 2001: 165).

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----------------------------------------------------------------------------------------------------- Art. 38 – os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando o prosseguimento de estudos em caráter regular106.

Nesse sentido, em que pese o fato de terem sido alterados a nomenclatura e o

conceito, sua existência continuava mediante a forma de “cursos e exames supletivos”107, o

que, por um lado, perpetua a concepção de suplência, de compensação e de correção de fluxo

escolar108. Como destacado no Parecer nº 05/97 do Conselho Nacional de Educação, “a

conclusão evidente é que a expressão da lei anterior não foi revogada. Foi mantida como

forma alternativa para nomear uma mesma modalidade (art. 38)”109. Porém, a incorporação da

mudança conceitual, ao substituir a denominação, foi avaliada de forma positiva por

profissionais da área, como Soares (2002), que afirma:

[...] a mudança de ensino supletivo para educação de jovens e adultos não é uma mera atualização vocabular. Houve um alargamento do conceito ao mudar a expressão de ensino para educação. Enquanto o termo “ensino” se restringe à mera instrução, o termo “educação” é muito mais amplo, compreendendo os diversos processos de formação. (p. 12)

Em relação ao texto da LDBEN a principal mudança quanto à legislação anterior

residiu na “abolição da distinção de subsistemas de ensino regular e supletivo, integrando

organicamente a educação de jovens e adultos ao ensino básico comum” (Haddad; Di Pierro,

2000: 122). A outra novidade foi a redução das idades mínimas para a realização de exames

supletivos – de 18 para 15 anos no Ensino Fundamental e de 21 para 18 anos no Ensino

Médio –, uma mudança significativa, que corroborou para a desqualificação desta modalidade

de ensino e da própria escola, uma vez que se priorizou a idade mínima para a certificação,

secundarizando os processos pedagógicos110. Ao analisar esta questão, Rummert destaca que

106 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L9394.htm> Acesso em: 4 mar. 2008. 107 Os termos cursos e exames são formas de atendimento diferenciadas, com características próprias. No documento básico orientador das audiências públicas para subsidiar a reformulação do Parecer CNE/CEB 11/2000, fez-se a distinção, esclarecendo-se que: “Os cursos pressupõem a relação professor-aluno e buscam assegurar que os saberes dos jovens, adultos e idosos trabalhadores sejam considerados no encaminhamento metodológico próprio desta modalidade, bem como no tempo de permanência e conclusão do curso, utilizando-se para tal de mecanismos internos de aproveitamento de estudos, classificação e reclassificação. Os exames destinam-se a candidatos que, a partir de suas experiências de vida, vinculadas à apropriação de saberes ao longo de sua história escolar e não escolar, se inscrevem nas redes públicas e, em alguns casos, privadas, estaduais ou municipais para a aferição destes saberes e, em obtendo êxito, recebem certificação de conclusão de disciplinas e/ou áreas do conhecimento ou de curso.” (Este documento está disponível em: www.forumeja.org.br ) 108 Cabe destacar que o Parecer CNE/CEB 05/97 aborda a questão da denominação "Educação de Jovens e Adultos" e "Ensino Supletivo", definindo os limites de idade fixados para que jovens e adultos se submetam a exames supletivos, as competências dos sistemas de ensino, e explicitando as possibilidades de certificação. 109 Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/PCB0597.pdf> Acesso em: 6 mar. 2008. 110 O documento básico orientador das audiências públicas para subsidiar a reformulação do Parecer CNE/CEB 11/2000 chama a atenção para o fato de que “Ao se fixar uma idade mínima para ingresso na EJA, deve-se atentar, ainda, para um outro marco legal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), que define

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116

A legislação ratificou, assim, tanto a subordinação da educação dos trabalhadores aos interesses do capital em sua atual fase de acumulação, quanto a valorização de medidas que alteram os indicadores estatísticos de baixa escolaridade da população, sem que se verifique efetivo compromisso com a oferta de educação de qualidade para a maioria da classe trabalhadora. (2007: 64)

Além da seção diretamente referente à EJA, destacam-se na LDBEN outras

referências indiretas, como, por exemplo, a menção à oferta de “ensino noturno regular,

adequado às condições do educando” e de “educação escolar regular para jovens e adultos,

com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades,

garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola”

(Art. 4º, incisos VI e VII). Em síntese, cabe destacar que a LDBEN de 1996 trata a educação

de joves e adultos de forma bastante contraditória, ao mesmo tempo em que prevê

“oportunidades educacionais apropriadas” (Art. 37, §1º), identifica a EJA com a reposição da

escolaridade, com referência no ensino fundamental e médio regular, mantém a ênfase nos

exames supletivos e rebaixa a idade mínima para o acesso a certificação (Arts. 37 e 38).

Também contribuiu para o processo de desqualificação da EJA na última década a

atitude evasiva provocada pela criação do Fundef111. O presidente Fernando Henrique

Cardoso vetou a inclusão da EJA do cômputo das matrículas do ensino fundamental o que

significou o desestímulo à criação ou mesmo à ampliação de vagas na educação de jovens e

adultos nos Estados e Municípios112, que, de maneira geral, já não vinham apresentando

atuação expressiva em relação à demanda da população adulta existente.

Outra iniciativa que concorreu para a desqualificação da EJA foi a chamada nova

institucionalização da educação profissional no país, com a criação do Planfor, desenvolvido

pela Secretaria de Formação e Desenvolvimento Profissional (Sefor), no MTE. Coadunado

com o conjunto de políticas neoliberais do governo Fernando Henrique, que baseavam-se na

descentralização através das parcerias (convênios e contratos), o Planfor voltou-se, de forma

como adolescentes aqueles (as) compreendidos na faixa etária de 12 a 18 anos, e que, como tais, devem ter assegurados todos os direitos fundamentais ao seu pleno desenvolvimento. [...] São comuns os relatos de que [...] Adolescentes têm visto na EJA a oportunidade para ‘acelerar’ seus estudos e a escola a possibilidade de ‘livrar-se’ de alunos indisciplinados. Como conseqüência, temos uma confusão quanto aos objetivos e finalidades da EJA, que passa a ser vista, exclusivamente, como uma forma de ‘acelerar’, de corrigir a ‘defasagem idade-série’ dos/das adolescentes. Não podemos contribuir para que a EJA seja vista como espaço de correção de comportamento ou como castigo para os que não se adequam ao Ensino Regular, prejudicando, entre outros, a afirmação da identidade da EJA.” (Este documto está disponível em: www.forumeja.org.br ) 111 Uma vez que os seus alunos da educação de jovens e adultos não foram considerados na contagem do censo geral das matrículas que podiam fazer jus aos recursos do Fundo, sob a alegação de que haveria dificuldade de recenseamento e não disponibilidade de dados estatísticos no MEC/INEP. 112 Cabe ressaltar que essa restrição acarretou, em significativo número de municípios brasileiros, a redução da oferta de vagas no supletivo, substituído pelo curso regular noturno, cujas matrículas eram contabilizadas nos seus cálculos, sem que ocorresse, em geral, nenhuma adaptação de caráter pedagógico com vistas a atender às especificidades dos jovens e adultos.

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117

expressiva, para o alunado de baixa escolaridade, na medida em que seu público alvo era a

população em desvantagem social (pessoas desocupadas ou sob risco de desocupação).

Assim, no que diz respeito à formação profissional, em oposição ao breve tratamento

dado à EJA na seção V, a LDBEN de 1996, guardou, no Capítulo III, espaço bastante

significativo para a educação profissional, também apresentada como modalidade

educacional, voltada para o “permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva”

(Art. 39). Além de destacá-la da educação escolar, a LDBEN regulamentou a educação

profissional de forma genérica, permitindo diversas estruturas para a sua organização,

destacando-se a possibilidade de ser, “em articulação com o ensino regular ou por diferentes

estratégias de educação continuada, em instituições especializadas ou no ambiente de

trabalho” (Art. 40), e a oferta de “cursos especiais, abertos à comunidade” sem

condicionamento da matrícula ao nível de escolaridade (Art. 42).

Do mesmo modo, as modificações advindas do Decreto nº 2.208/97113 propiciaram a

chamada nova institucionalidade da educação profissional. A partir desse Decreto, as

instituições que ministravam a educação profissional passaram a oferecer cursos profissionais

de nível básico, independente do grau de escolaridade dos alunos, conferindo aos concluintes

o certificado de qualificação profissional. Tais cursos de qualificação de nível básico

caracterizam-se por serem de curta duração, fragmentados e vinculados à demandas pontuais.

Nesse sentido, o Decreto teve implicações diretas no campo da educação de jovens e adultos,

possibilitando a expansão do atendimento às demandas por educação para as frações mais

fragilizadas da classe trabalhadora (historicamente atendidas pela EJA) através de uma rede

paralela de qualificação, dissociada da rede escolar de educação básica114. Isto desviou o foco

do direito à educação de qualidade e gerou um campo propício à oferta de cursos de formação

profissional aligeirados e de baixíssima complexidade, que, na maior parte das experiências,

pouco acrescentava à formação plena dos jovens e adultos trabalhadores.

Em outras palavras, os instrumentos legais que proporcionaram a nova

institucionalidade da educação profissional, contribuíram, significativamente, para acentuar, o

desenho de uma "divisão de tarefas" (Ventura, 2001) entre o Ministério da Educação e o

Ministério do Trabalho, no âmbito da EJA, na segunda metade dos anos 1990. Como

conseqüência, o atendimento às demandas por educação da população adulta de baixa

escolaridade passou a ser realizado por meio da criação de uma rede de cursos de qualificação

113 O Art. 3º do Decreto 2.208/97 redefine em três níveis a formação profissional: I - básico, II - técnico e III – tecnológico. 114 Os cursos ocorriam com gestão e financiamento do Ministério do Trabalho, utilizando recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), mas sua execução ficava a cargo das diversas instituições da sociedade civil.

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118

profissional, cabendo sua gestão e financiamento ao Ministério do Trabalho, e a tarefa de

execução a diversas instituições – como empresas, ONGs, entidades sindicais representativas

dos trabalhadores, o Sistema S, entre outras115 –, os cursos sendo desenvolvidos, em sua

maioria, a partir de uma perspectiva acentuadamente assistencialista. Esta lógica de

implementação do Planfor, em que o Estado exerce papel de articulador e as organizações da

sociedade civil a execução direta, contribuiu para reduzir o caráter público da formação

profissional e ampliar o seu caráter privado.

Sob os auspícios do primeiro governo Luiz Inácio Lula da Silva alguns aspectos

dessa nova institucionalidade foram profundamente alterados, sem, no entanto, ocorrerem

mudanças na lógica que presidiu e preside as políticas voltadas para a educação de jovens e

adultos no Brasil. Em 2004, um novo decreto, de número 5.154, revogou Decreto nº 2.208,

sem, contudo, alterar substantivamente a organização da educação profissional116. Ainda que

tenha agregado mais uma possibilidade de articulação (denominada “ensino médio

integrado”) às possibilidades de articulação entre o ensino médio e a educação profissional

previstas anteriormente (concomitante e seqüencial), “o decreto apenas reconhece (ou

naturaliza) os diferentes projetos político-pedagógicos, clivados pela dualidade estrutural

social, presentes na sociedade de classes em que vivemos” (Rodrigues, 2005: 267).

Em síntese, dispersa em diferentes órgãos governamentais, realizada sob a forma dos

mais variados programas e projetos, uma “nova” identidade da EJA foi se forjando ao longo

da década de 1990. Consideramos que a identidade que se construiu para a educação de

jovens e adultos ilustra, de forma emblemática, as mudanças vivenciadas, de uma maneira

geral, pela educação: tanto em uma como na outra as mudanças se relacionam, de forma

linear, ao mercado de trabalho. Desse modo, percebemos, nos anos 1990, ordenadas sob a

ótica do télos do Brasil competitivo (Rodrigues, 1998), a inauguração de um novo momento

na educação, comparável, em sua dimensão, às mudanças ocorridas a partir de meados dos

anos 1960, que, de maneira semelhante, associavam educação às necessidades do setor

produtivo – no entanto, planejada sob a referência do télos do Brasil desenvolvido (idem). Em

outras palavras, da ideologia desenvolvimentista à ideologia competitivista, observamos que a

educação passou de uma tentativa de adequar-se às exigências do padrão fordista para, após

profunda reformulação, a tentativa de adequar-se ao referencial de acumulação flexível

115 Nesse período, o Plano Nacional de Formação Profissional (PLANFOR) foi emblemático da concepção de educação que estava sendo desenhada. Para uma análise da relação entre a EJA e o Planfor, ver Ventura (2001). 116 Segundo o Art. 1º: I – formação inicial e continuada de trabalhadores; II – educação profissional técnica de nível médio; e III – educação profissional tecnológica de graduação e pós-graduação (Brasil, 2004). Sobre o debate acerca deste decreto, consultar Rodrigues (2005), Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005).

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119

(Ventura, 2001). Cabe lembrar, que estes conceitos foram discutidos no primeiro capítulo do

presente trabalho.

A EJA passa a apresentar-se de forma mais ampla, mais fragmentada e mais

heterogênea. Tais características, entretanto, não alteram sua marca histórica: ser uma

educação política e pedagogicamente frágil, fortemente marcada pelo aligeiramento,

destinada, predominantemente, à correção de fluxo e à redução de indicadores de baixa

escolaridade, e não à efetiva socialização das bases do conhecimento; estar comprometida

com a permanente construção e manutenção da hegemonia inerente às necessidades de

sociabilidade do próprio capital.

Já na década seguinte, o principal marco legal foi a Resolução CNE/CEB nº 1/2000,

que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação e Jovens e Adultos,

baseadas no conjunto de formulações sobre a especificidade da EJA expressas no Parecer

CNE/CEB nº 11/2000117. É preciso destacar que nas audiências públicas e debates ocorridos

durante a elaboração do Parecer 11/2000, os vários atores envolvidos com a EJA

empenharam-se para que este documento contribuísse para recuperar o que se tinha perdido

com a esvaziada Seção V da LDBEN e com a Emenda Constitucional nº 14/96. Conforme

assinala Rummert, este é “um importante documento que, embora marcado por limites

político-ideológicos do momento em que foi elaborado, abriga enorme potencial de

valorização dessa modalidade de ensino” (2002: 121).

Assim, o Parecer CNE/CEB nº 11/2000 apresentou avanços e limites. Por um lado,

podemos destacar avanços como a ênfase da EJA como direito, particularmente direito

público subjetivo, o reconhecimento da sua especificidade como uma modalidade de ensino

“a EJA é uma categoria organizacional constante da estrutura da educação nacional, com

finalidades e funções específicas” (Soares, 2002: 31) e a referência à função reparadora,

entendida como “restauração de um direito negado: o direito a uma escola de qualidade, mas

também o reconhecimento daquela igualdade ontológica de todo e qualquer ser humano”

(idem, p. 34). Assim, responsabiliza os sistemas de ensino por construírem modelos

pedagógicos próprios para esta modalidade da educação básica, que propiciem o atendimento

aos interesses e necessidades do seu público.

Por outro lado, o mesmo Parecer atribui à EJA duas outras funções: equalizar e

qualificar. A primeira, baseada na discriminação positiva (políticas afirmativas); a segunda,

117 Ao longo deste capítulo estaremos muitas vezes utilizando o livro que Soares (2002) organizou com o Parecer CNE/CEB nº 11/2000 “principal documento que regulamenta e normatiza a educacao de jovens e adultos no Brasil, e outros documentos que são considerados importantes para compreender a configuracão da area, na atualidade, no país” (p. 7).

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120

baseada na noção de educação continuada ou educação ao longo da vida. Estas funções

merecem ainda algumas considerações.

A função equalizadora da EJA é assim definida no Parecer:

A eqüidade é a forma pela qual se distribuem os bens sociais de modo a garantir uma redistribuição e alocação em vista de mais igualdade, consideradas as situações específicas. [...] Neste sentido, os desfavorecidos frente ao acesso e permanência na escola devem receber proporcionalmente maiores oportunidades que os outros. Por esta função, o indivíduo que teve sustada sua formação, qualquer que tenha sido a razão, busca restabelecer sua trajetória escolar de modo a readquirir a oportunidade de um ponto igualitário no jogo conflitual da sociedade. [...] Ela possibilita ao indivíduo jovem e adulto retomar seu potencial, desenvolver suas habilidades, confirmar competências adquiridas [...]. (idem, p. 40, grifo nosso)

A perspectiva apontada acima, ao ignorar a desigualdade real como elemento

fundamental que define a sociedade de classes, parte do pressuposto da igualdade legal,

baseada numa liberdade abstrata, fundamento do Estado liberal. Apesar de à primeira vista

parecer um avanço, a disposição de reafirmar o preceito constitucional do direito de todos à

educação, ao se sustentar apenas na igualdade formal, revela um claro predomínio da

concepção liberal de indivíduo. Assim, ao oferecer oportunidades equânimes (o mesmo ponto

de partida, mesmo que tardiamente) para que todos possam competir na sociedade, o mérito

individual (esforço, empenho etc.) continuaria justificando a desigual posição ocupada pelas

pessoas na sociedade, escamoteando as relações de produção que ocorrem na sociedade

capitalista.

Em relação à função qualificadora ou permanente da EJA, o Parecer destaca:

Esta tarefa de propiciar a todos a atualização de conhecimentos por toda a vida é a função permanente da EJA que pode se chamar de qualificadora. Mais do que uma função, ela é o próprio sentido da EJA. Ela tem como base o caráter incompleto do ser humano cujo potencial de desenvolvimento e de adequação pode se atualizar em quadros escolares ou não escolares. (idem, p. 41, grifo nosso).

Sobre o conteúdo da função acima, destacamos a referência ao conceito de

aprendizagem ao longo da vida118, para empreender questionamentos iniciais. Convém

chamar a atenção para o fato de que a aprendizagem é inerente à própria condição humana, ou

seja, inevitavelmente, enquanto estamos vivos, aprendemos, tanto no que diz respeito à

sociabilidade, quanto no que diz respeito à relação do homem com o mundo físico e natural.

Na sociedade dividida em classes, o acesso à escolarização para a classe trabalhadora foi

inicialmente negado, depois a instituição escolar o distribuiu desigualmente. Por isso, ao

longo dos dois últimos séculos, os trabalhadores organizados lutaram e lutam para garantir

118 Este conceito foi discutido no capítulo 2 deste trabalho, relacionado ao quadro hegemônico internacional.

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121

aos seus filhos e a si mesmos o direito à educação escolar.

Nesse horizonte, o locus do saber legitimado passou a ser a escola, instituição

responsável por educar os homens num determinado período de suas vidas, preparando-os

para a vida adulta. Atualmente, frente à sistemática relação entre ciência, tecnologia e

produção, que produz avanços tecnológicos e organizacionais – favorecendo o surgimento de

um novo regime de acumulação capitalista, a acumulação flexível119 (Harvey, 1999) –, o

conhecimento distribuído pela escola não é mais suficiente para toda a vida produtiva do

trabalhador, tornando-se necessário que este refaça sua trajetória profissional várias vezes.

Assim, a secular luta dos trabalhadores por acesso à educação básica ganha um novo

ingrediente e torna-se um novo espaço de disputa que, de certa forma, vem se delineando, em

plano universal, desde os anos 1970: a necessidade de sistematização da aprendizagem ao

longo da vida.

Nessa disputa, quando as Diretrizes Curriculares Nacionais para EJA estabelecidas

no Parecer CNE/CBE nº 11/2000 apontam a educação ao longo da vida como uma das suas

funções, a expressão se torna vazia quando não vem acompanhada da indispensável

qualificação: qual educação? Indagamos ainda: qual a força política e de organização que

aqueles que vivem do trabalho têm para impor uma educação que tenha os homens, e não os

interesses do mercado, como eixo central? A subordinação da educação à lógica mercantil,

coadunado ao revisitar da Teoria do Capital Humano, parece ser a lógica das referências à

importância da educação ao longo da vida. Como acentua Canário (2000), “o discurso (oficial

ou oficioso) sobre a formação ao longo da vida tem como eixo estruturante a idéia de que a

formação corresponde no essencial à formação profissional, e que a formação profissional

deve servir às necessidades das empresas” (p. 89-90). Um exemplo citado por este mesmo

autor ilustra esta argumentação:

[...] realizou-se em Lisboa [...] uma exposição de fotografia de Giuseppe Morandi, fotógrafo (italiano) não profissional, que sempre viveu em Piadena (sua terra natal), onde é, ainda, apesar da sua notoriedade como artista, um modesto funcionário (dactilógrafo) da Câmara Municipal. Como escreve Peter Kamere (no catálogo da exposição), Morandi “nunca tentou sair desta situação para se tornar um intelectual” e pensa que “não ter um curso é quase como ser livre” porque “significa não pensar numa carreira”. O seu percurso de formação, enquanto artista, autodidacta e militante cultural, está muito ligado à experiência italiana das “150 horas”, a partir do qual os trabalhadores italianos conquistaram o direito (traduzido na contratação coletiva) a gerir uma carga horária trienal de 150 horas para melhorar a sua cultura. Tratava-se de um processo de formação autogerido de modo colectivo e claramente distanciado das concepções redutoras e funcionais da “formação profissional”. [...] As concepções de educação e de formação presentes no percurso pessoal de Morandi e subjacentes ao movimento das “150 horas” remetiam não para um

119 Abordado no capitulo 1 do presente trabalho.

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122

processo de adaptação ao mundo, mas sim para uma compreensão crítica que permitisse intervir para transformar. Slogans como “a cultura não é uma flor na lapela” ou “aprender a tocar flauta é um acto revolucionário” exprimiam o modo como era vista, na época, numa perspectiva de educação popular, a articulação entre educação e cultura. Uma história como a de Giuseppe Morandi não seria possível, hoje, no contexto da política de “aprendizagem ao longo da vida”. Faltam os movimentos sociais de cariz transformador que, a partir das fábricas e das escolas, influenciaram, no início dos anos 70 as idéias e as práticas de educação e formação que, a nível institucional, se viriam a traduzir no movimento de educação permanente. (Canário, 2003: 192, grifo nosso)

A análise de Canário sinaliza para o fato de que discursos conformadores, sem

aspecto transformador ou de caráter híbrido expressam, na atual conjuntura, uma visão

produtivista e redutora do conceito de educacao permanente. Neste sentido, sinalizamos para

o fato de que a função permanente ou qualificadora da EJA dificilmente tem materialidade

histórica para ocorrer enquanto se pressupor que ela irá propiciar a todos, de forma abstrata, a

atualização de conhecimentos por toda a vida sem, por exemplo, garantir a obrigatoriedade do

Estado de ofertá-la (garantindo profissionais, número de horas de formação, local e infra-

estrutura), e, além disso, sem garantir que as pessoas tenham liberdade de escolha do

conteúdo desta formação, ou seja, sem possibilitar que ela seja desatrelada das necessidades

imediatas do mercado e que possa responder ao desenvolvimento das mais variadas

potencialidades humanas.

Ressaltamos, por fim, o Plano Nacional de Educação, Lei nº 10.172/2001, que

estabelece objetivos e metas para a EJA. O PNE aprovado pelo Congresso em 2001

contemplava apenas algumas das medidas que haviam sido propostas pela sociedade em

1998120. Mesmo assim, cabe enfatizar que, posteriormente, foram praticamente todas vetadas

pelo presidente Fernando Henrique Carsoso. Os vetos presidenciais aos artigos do PNE,

voltaram-se principalmente aos que previam recursos para ampliar o atendimento na

educação, comprometendo, portanto, diretamente o financiamento na EJA. Segundo o

deputado federal Ivan Valente, o progressivo esvaziamento transformaria o PNE governista,

aprovado, em simples “carta de intenção”; assim sendo, destaca que:

Há visível redução de ênfase nos comandos: a erradicação do analfabetismo em termos de objetivo do plano desaparece. O legislador edulcora este fato grave (o descaso para com o resgate desta que é uma das piores dívidas sociais, dentre tantas que as elites do país têm para com o povo) “explicando” que este alvo estaria incluído na prioridade 2 reproduzida adiante (repetindo a surrada desculpa de que os “recursos financeiros são limitados”). No que poderia ser tratado como um esforço para contrabalançar tal rebeixamento, foram inseridas, na seção que trata da educação de jovens e adultos, metas indicando a tarefa de combate ao analfabetismo,

120 A proposta de PNE da sociedade brasileira, expressa no PL 4.155/98, representava a síntese de uma construção coletiva desenvolvida no I e II CONEDs (Congresso Nacional de Educação), realizados em 1996 e 1997 em Belo Horizonte/MG.

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123

sem no entanto, (...) apontar meios para concretizar o intento proclamado. (Valente, 2001: 15)

Dentre suas diretrizes, há a previsão de enfrentamento do analfabetismo, indicando a

ampliação de matrículas, principalmente no âmbito do Ensino Fundamental, e a adoção do

conceito de educação ao longo de toda vida, relacionando-o à extensão da alfabetização:

Desenvolve-se o conceito de educação ao longo da vida, que há de se iniciar com a alfabetização. Mas não basta ensinar a ler e a escrever. Para inserir a população no exercício pleno da cidadania, melhorar sua qualidade de vida e de fruição do tempo livre, e ampliar suas oportunidades no mercado de trabalho, a educação de jovens e adultos deve compreender, no mínimo, a oferta de uma formação equivalente às oito séries iniciais do ensino fundamental. (Brasil, 2001: 106, grifo do autor)

Em síntese, no que tange à base legal, por um lado, há no país um conjunto leis que

garantem o direito de todos à educação. Esses novos instrumentos legais significaram

avanços, ao apresentarem indicações quanto à obrigatoriedade, gratuidade e respeito à

especificidade da EJA. A Constituição, por exemplo, assegura “a questão da garantia da

gratuidade dessa modalidade de ensino no nível fundamental (Art.208, inciso I) e, em seguida,

o destaque para o enfrentamento do analfabetismo como um dos objetivos de um Plano

Nacional de Educação (Art. 214, inciso I)” (Ireland et al 2005: 92). Por outro lado, a base

jurídica também possibilitou a existência e a multiplicação de cursos precários, com foco

apenas na certificação; do mesmo modo, permitiu a transferência da responsabilidade pela

educação do Estado para iniciativas da sociedade civil, favorecendo as parcerias e, nesse

horizonte, a legislação confirmou “tanto a subordinação da educação dos trabalhadores aos

interesses do capital em sua atual fase de acumulação, quanto a valorização de medidas que

alteram os indicadores estatísticos de baixa escolaridade da população, sem que se verifique

efetivo compromisso com a oferta de educação de qualidade” (Rummert, 2007: 64).

A seguir demonstraremos como se deu a execução desses preceitos legais na

materialidade e especificidade das ações de execução desenvolvidas pelo governo federal nos

dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso e no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da

Silva.

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124

3.2. Políticas de EJA implementadas pela União

Nesta seção serão abordadas iniciativas que expressam, pela sua abrangência e

volume de recursos e/ou por explicitar as forças sociais que representam, o campo principal

de execução da educação básica e profissional dos trabalhadores no decorrer do período de

1995 a 2006. Pretende-se, assim, apresentar um esboço do quadro das políticas para a EJA

formuladas nos dois governos Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002) e no

primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006). Procuraremos demonstrar a

fragmentação na oferta e o caráter em geral precário da formação propiciada nos variados

programas e nos projetos dispersos estabelecidos por essas políticas, uma vez que a

centralidade de tais ações parece incidir mais na ampliação de mecanismos de certificação

relativos à conclusão do Ensino Fundamental, à formação profissional (particularmente a de

caráter inicial) e, mais recentemente, com maior referência, ao término do Ensino Médio, do

que à ampliação das condições de acesso ao conhecimento.

Ao examinarmos as políticas121 de educação básica e profissional dos trabalhadores

estabelecidas pela legislação, bem como as ações implementadas pelo governo federal,

buscaremos apreender o conteúdo das características que assume, no atual momento histórico,

o conflito estrutural entre o capital e o trabalho. Pretendemos, nesta seção, ir ao encontro da

apreensão das formas assumidas por esse mesmo conflito ao mostrar as estratégias criadas

pelos governos para materializar pressupostos legais.

3.2.1. A EJA nos dois governos Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002)

No período referente aos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, a atuação do

governo federal na coordenação das políticas para EJA no âmbito do MEC limitou-se

basicamente ao estabelecimento de parâmetros e diretrizes curriculares nacionais e à

formulação de exames nacionais de certificação. Como visto, os marcos legais estabelecidos

neste período refletem a tendência hegemônica de centralização pelo MEC da definição de

políticas educacionais, e de descentralização para estados, municípios e entes privados para

sua execução.

No transcorrer dos oito anos de governo observou-se um processo de esvaziamento e

121 Conforme assinalado na nota 97.

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125

“desresponsabilização” do MEC pela condução de ações voltadas para EJA e a dispersão de

programas de educação de jovens e adultos em outros órgãos públicos federais. Assim,

prevaleceu um “conjunto de instrumentos de regulação e controle, com destaque para as

transferências de verbas condicionadas à adesão a programas e projetos previamente

modelados” (Di Pierro, 2005: 1127). Tratava-se de programas focalizados e compensatórios,

dentre os quais as ações mais importantes foram o Programa Alfabetização Solidária – PAS

(Casa Civil da Presidência da República), o Programa Nacional de Educação na Reforma

Agrária – Pronera (Ministério Extraordinário da Política Fundiária122) e o Plano Nacional de

Qualificação Profissional – Planfor (Ministério do Trabalho e Emprego), cuja implementação

será acompanhada a seguir.

Apesar do discurso em relação à autonomia, foram criados mecanismos regulatórios

e elaboradas, como “sugestão” para os sistemas de ensino, as propostas curriculares nacionais,

como a Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos, para o Primeiro Segmento

(em 1996) e para o Segundo Segmento (em 2001) do Ensino Fundamental. No que tange à

certificação, foi criado em 2002, sob a forma de adesão opcional pelos sistemas de ensino, o

Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos – Encceja123; tendo

por objetivo a avaliação e a certificação de competências e habilidades de jovens e adultos, no

nível de conclusão do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. Não devemos deixar de

considerar o fato de que, em virtude dos diferentes graus e dificuldades enfrentadas pelos

sistemas de ensino no que se refere ao financiamento, material didático, formação de

professores e, particularmente, à própria visão supletiva sobre a EJA, qualquer documento

elaborado e distribuído pelo MEC torna-se, via de regra, quase a única referência.

Programa Alfabetização Solidária – PAS. No primeiro governo de Fernando

Henrique Cardoso, a principal ação direta da União para a área foi o Programa Alfabetização

Solidária. Na contramão das reflexões dos educadores envolvidos histórica e nacionalmente

com a EJA124, o PAS, foi criado em 1996 em parceria com o Conselho do Comunidade

122 Atual Ministério do Desenvolvimento Agrário. 123 Portaria nº 111/2002 – MEC/INEP. Disponível em: <http://www.inep.gov.br/basica/encceja> Acesso em: 03 jan. 2008. 124 Conforme assinala Machado (1998), “Quanto à proposta do Programa Alfabetização Solidária, esta sequer foi colocada em debate no Seminário Nacional de Educação de Jovens e Adultos, realizado em Natal, onde seus delegados foram surpreendidos com tal lançamento” (p. 5). Traçando um paralelo entre as duas concepções de EJA (a do documento final do Seminário e a do Programa Alfabetização Solidária), esta autora elabora um quadro apontando as características e divergências entre cada uma das concepções, demonstrando anacronismo da proposta.

Page 126: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

126

Solidária (órgão vinculado à Casa Civil da Presidência da República, com o objetivo de

coordenar ações sociais de combate à pobreza) e o Ministério da Educação, e executado por

meio de parcerias entre os poderes públicos federal e municipal, organizações da sociedade

civil, instituições de ensino superior (públicas e privadas) e empresas.

O formato proposto pelo PAS era de realização de atividades de alfabetização

organizadas em módulos (com duração de seis meses). Cada módulo previa a seleção e a

“capacitação” de novos alfabetizadores, cuja manutenção por mais de um semestre,

inicialmente, só era autorizada excepcionalmente. Também o Programa só podia ter

continuidade da parceria se contasse com novos alunos para a composição de uma outra turma

na mesma localidade.

Os papéis de cada parceiro na operacionalização do PAS podem ser sintetizados da

seguinte forma: a Universidade era responsável pelo acompanhamento do trabalho

desenvolvido nos municípios (seleção e capacitação de alfabetizadores, orientação do trabalho

e acompanhamento das turmas); o município era responsável pela infra-estrutura (espaço,

mobília etc.); a empresa parceira, ao “adotar” municípios, tornava-se responsável por

despesas financeiras como a remuneração dos alfabetizadores (sob a forma de bolsa), a

alimentação dos alfabetizandos etc.; por fim, o Conselho do Comunidade Solidária, por meio

da coordenação executiva do PAS, definia os municípios, articulava as entidades envolvidas e

mobilizava novos parceiros.

O PAS teve acesso aos recursos públicos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da

Educação – FNDE; a recursos privados oriundos de doações de empresários e pessoas físicas;

e ainda a universidades, todos considerados parceiros do programa. O financiamento do PAS

era compartilhado entre o governo federal e as empresas, sendo que somente nos casos de

municípios com IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) inferior a 0,5, e que não tivessem

sido “adotados” pela iniciativa privada, o governo assumia a alfabetização125.

O Programa em questão representou mais que uma política de combate ao

analfabetismo. O adjetivo “solidário” que acompanha sua denominação e a do órgão que o

criou, o Comunidade Solidária126, sugere uma estratégia simbólica com o objetivo de

125 O PAS associa, até hoje, à histórica suposição de imaturidade do analfabeto, a concepção de tutela, estimulada pela Campanha "Adote um Aluno". 126 O PAS esteve sob a responsabilidade do Comunidade Solidária até 1998. Desde então passou a ser coordenado e administrado pela Associação de Apoio ao Programa Alfabetização Solidária (AAPAS), uma organização não-governamental sem fins lucrativos e de utilidade pública. “Com estatuto próprio, a AAPAS passou a ser responsável pelo gerenciamento da AlfaSol. A constituição da entidade proporcionou maior autonomia para a captação de recursos e agilidade no gerenciamento das atividades. Todo o trabalho é desenvolvido com base em parcerias mantidas com o Ministério da Educação, empresas, pessoas físicas,

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127

legitimar uma determinada forma de administrar políticas sociais no Brasil. Assim, na

interpretação de Neves,

Além de cumprir o importante papel de pólo aglutinador de forças político-sociais para a implementação das ações educadoras da sociedade neoliberal na sociedade civil, o Programa Comunidade Solidária desempenhou, ainda, papel fundamental na elaboração do seu arcabouço jurídico, em especial na elaboração da Lei das Organizações Sociais (OS) de 1998, da Lei do Voluntariado, em 1998, e da Lei nº 9.790/99, que cria as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips). (2005: 93).

Em 2000 foi criada a Comunitas, uma organização não-governamental, de interesse

público, com o objetivo de garantir a continuidade dos programas gerados pelo Comunidade

Solidária após o término do mandato presidencial. No último ano da gestão Fernando

Henrique Cardoso, os números não deixam dúvidas quanto ao protagonismo do Comunidade

Solidária na máquina estatal, tendo sido gastos em 2002 R$ 113,3 milhões na educação de

jovens e adultos, a maior parte dos quais, R$ 107 milhões, destinados ao programa agora

rebatizado apenas de Alfabetização Solidária – AlfaSol.

Deve-se destacar, ainda, o fato de que, um ano após o lançamento de outra proposta

de alfabetização, o atual Programa Brasil Alfabetizado, a capacidade do Alfasol na captação

de recursos públicos impressionava, tendo apresentado em 2004 “programas de educação e

desenvolvimento em 27 estados, 2 mil municípios e 9 regiões metropolitanas, contando com

grande número de agentes multiplicadores e estabelecendo significativas parcerias e

articulações em rede” (Neves, 2005: 94). Os prêmios recebidos confirmam a sintonia desta

lógica solidária a matrizes conceituais e operacionais oriundas dos organismos internacionais:

Em 2004, o programa recebeu o mais importante prêmio internacional de alfabetização da UNESCO, o Prêmio Rei Sejong de Alfabetização. O prêmio foi concedido à Alfasol pela excelente iniciativa em mobilizar diferentes parceiros, especialmente os do setor privado e cidadãos, para apoiar a alfabetização em grande escala. Também em 2004, a organização recebeu o Prêmio da Rede Inovemos (Rede de Inovações Educacionais para a América Latina e Caribe), que é uma das ações articuladas pelo Escritório Regional para a América Latina e Caribe (OREALC) da UNESCO127.

Foi nesse quadro que, seguindo a tendência de descentralização do financiamento e

da execução da EJA, a lógica de serviços a serem ofertados sob a forma de parcerias, assim

como a consolidação da posição marginal da educação básica na política educacional, foram

criados outros programas, também não coordenados pelo Ministério da Educação, como o

organizações, governos municipais e estaduais, instituições de ensino superior e outras.” Disponível em: <http://www.alfabetizacao.org.br/aapas%5Fsite/asalfasol10anos.asp> Acesso em: 19 mar. 2007. 127 Disponível em: <http://www.unesco.org.br/noticias/ultimas/alfasol10anos/noticias_view> Acesso em: 19 mar. 2007.

Page 128: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

128

Pronera e o Planfor128.

Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária. O Pronera foi criado pela

Portaria nº 10/1998 do então Ministério Extraordinário da Política Fundiária, e desenvolvido

sob a coordenação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), com o

propósito de promover a ampliação dos níveis de escolarização junto a trabalhadores rurais,

nos assentamentos.

No contexto geral das políticas implementadas no final da década de 1990, o Pronera

apresenta similitudes e particularidades em relação aos demais empreendidos no período.

Assim, por um lado, como outros programas federais de educação/qualificação para os

trabalhadores criados nos anos 1990, o Pronera é marcado pela descentralização do

financiamento e da execução: é desvinculado do Ministério da Educação, o regime de parceria

é condição obrigatória para a sua implementação, e seu caráter contingencial o torna

vulnerável quanto à continuidade, por depender da aprovação de projetos com financiamento

incerto. Por outro lado, no que tange à especificidade do Pronera, destaca-se a sua

proximidade com as universidades e com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

(MST), que tem tensionado e, por vezes, inovado no âmbito do Programa.

Destaca-se que a criação do Pronera está relacionada à mobilização dos trabalhadores

do campo, a partir da realização do I Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da

Reforma Agrária, ocorrido em 1997 e promovido pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem Terra em articulação com a Universidade de Brasília (UNB), a Organização das Nações

Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), o Fundo das Nações Unidas para a

Infância (UNICEF) e a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), sendo

considerado um marco da mobilização por uma educação do campo no país. No ano seguinte,

1998, foi realizada a I Conferência Nacional por uma Educação do Campo, com vistas a uma

mobilização de caráter nacional para avaliar a situação educacional no campo. Nesses

encontros, as principais reivindicações foram a presença da política pública no fortalecimento

da educação realizada nos assentamentos e a ampliação de oferta de educação no campo,

contemplando a sua realidade, tendo em vista a democratização do conhecimento. Desse

modo, pode-se afirmar que o Pronera também surge da demanda dos movimentos sociais do

campo pela educação.

128 No governo Luiz Inácio Lula da Silva o Planfor é substituído pelo PNQ (Plano Nacional de Qualificação); o Pronera continua com o mesmo nome.

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129

O Pronera se destina à população dos projetos de assentamento da reforma agrária,

estabelecidos pelo Incra ou por órgãos estaduais que respondem pelas políticas agrária e

fundiária. Na sua operacionalização, o governo federal é responsável pelo financiamento, as

universidades pela formação dos alfabetizadores e elevação de sua escolaridade básica, e os

sindicatos ou movimentos sociais do campo pela mobilização dos educandos e educadores

(Haddad; DiPierro, 2000). Desde sua origem o Pronera enfrentou dificuldades financeiras.

Segundo a avaliação realizada por Andrade et al. (2004: 24), “as oscilações no montante do

orçamento do Programa e no fluxo de recursos dos convênios resultaram em instabilidade no

atendimento e descontinuidade das ações”. Assim, considera-se que a “abrangência alcançada

pelas ações do Pronera no período 1999-2002 ficou muito aquém das necessidades educativas

da população assentada. Em 2002, o Programa estava presente em apenas 14% dos

assentamentos então existentes” (idem, p. 26).

No governo Fernando Henrique Cardoso o Pronera limitou-se ao objetivo específico

de promover a alfabetização e aumentar os níveis de escolarização dos jovens e adultos

assentados, atuando prioritariamente nas regiões com maior índice de analfabetismo. Em que

pese o fato de o Programa, em tese, poder abrigar outras ações educativas, a educação de

jovens adultos (principalmente a alfabetização) foi, entre 1999 e 2002, a modalidade

educativa prioritária, representando majoritariamente o número de inscrições no Programa.

Segundo Andrade et al. (2004), a EJA representou mais de 90% das matrículas do Pronera129,

cerca de 110 mil alunos, concentrados principalmente nas Regiões Norte e Nordeste.

Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador – Planfor . Executado pelo MTE

com financiamento proveniente do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), o Planfor teve

um papel de destaque no cenário nacional, além de enorme abrangência e volumosos

recursos130. Foi um dos projetos prioritários do governo federal, integrante do programa

Brasil em Ação desde 1995, bem como dos programas Mãos à Obra em Ação (1995-2002) e

Avança Brasil (1999-2002), sendo incluído também no Plano Plurianual 2000-2003.

129 A cobertura do Pronera, no que se refere às matrículas por modalidade de ensino entre 1999 e 2002, foi de 94% na EJA (109.489 matriculados), enquanto que os outros 6% se dividiram em: 0,6% no Curso de Magistério (696), 0,4% no Curso de Graduação em Pedagogia (448), 0,8 em cursos técnicos profissionalizantes (916), 3,6% em cursos pós-técnicos (4.175) e 0,3 em outros (385) (Andrade et al., 2004: 27). 130 Segundo balanço realizado pelo MTE em 2003, o Planfor “Entre 1995 e 2001 envolveu 15,3 milhões de trabalhadores nos Planos de Qualificação Profissional financiados com recursos do FAT. Ampliando o atendimento de 153 mil educandos, em 1995, para algo próximo de 4 milhões, em 2001. Durante esse período, houve crescimento significativo do volume de recursos disponibilizados pelo FAT. Passou de R$ 28 milhões, em 1995, para R$ 493 milhões em 2001” (Brasil, 2003: 18).

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130

Implementado a partir de 1995, o Planfor foi um dos mecanismos da Política Pública

de Trabalho e Renda e fez parte das ações de articulação e coordenação da política de

educação profissional da Secretaria de Formação Profissional (Sefor) do MTE. Conforme

sublinhado por Fidalgo (1999a: 132), “o destaque político tem recaído no Ministério do

Trabalho, pelo seu papel de órgão público responsável pela articulação das duas políticas: a de

emprego, trabalho e renda, e a de educação profissional”. Assim, mais do que uma política de

educação profissional, o Planfor significou, no contexto da década de 1990, uma “política

pública renovada, integrante e constituinte de processos relacionados à reconfiguração do

regime hegemônico de acumulação capitalista e de reordenamento político do estado burguês”

(Cêa, 2004: 3).

O Planfor propôs-se a integrar e estimular a participação dos que atuavam na

formação profissional, bem como, teoricamente, fortalecer sua capacidade de execução. Em

nome da parceria131 construiu-se uma rede de interesses, compondo um grande “mercado da

formação”. As ações voltadas para a qualificação dos trabalhadores eram executadas, de

forma descentralizada, por inúmeras entidades, que, juntas, integravam a “Rede de Educação

Profissional”, formada por organismos públicos e privados, federais, estaduais ou municipais

– governamentais ou não –, com ou sem fins lucrativos. Esta ampla rede de executores da

qualificação, caracterizada pela flexibilização, na verdade representou a terceirização da

política pública de educação profissional, com disputa e distribuição do fundo público do

FAT.

Outra característica do Planfor foi a utilização da gestão tripartite (Estado,

empresários e trabalhadores), com participação supostamente equânime nas decisões e ações

da educação profissional. Em relação a este aspecto, sabemos que em sociedades organizadas

pelo modo de produção capitalista, a correlação de forças entre esses interlocutores políticos é

muito desigual132. Assim, conforme elucidado por Fidalgo (1999b),

O paritarismo ressurge nos anos noventa como a mediação adequada à nova engenharia do consenso, capaz de restabelecer o pacto entre o Estado, o Capital e o Trabalho em parâmetros adequados ao novo regime de acumulação capitalista e à

131 O Planfor assim define a parceria: “Uma das diretrizes básicas para execução de programas/ações de EP no âmbito do Planfor é buscar, fomentar, estimular, construir PARCERIAS. (...) O conceito de PARCERIA vai além de meras atribuições contratuais de executores (embora todo executor/contratado deva ser visto e atuar como parceiro). PARCEIRO, na visão do Planfor, é quem oferece efetivo aporte de recursos – humanos, físicos, de tecnologia e conhecimentos – à realização dos programas e projetos. PARCERIA é fundamental para atingir os objetivos do Planfor, de qualificar anualmente 20% da PEA, buscando fontes adicionais de recursos, além do FAT. Por isso, PARCERIAS devem ser construídas desde a fase de concepção dos planos e projetos” (Brasil, 1999a: 20). 132 Deve-se destacar particularmente os conceitos de “novo imperialimo” e “acumulação por espoliação” (Harvey, 2004) contextualizados, brevemente, no primeiro capítulo deste trabalho.

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131

sua expressão concreta em cada realidade nacional. [...] O paritarismo atual não pode ser visto fora do contexto de extrema fragilização dos trabalhadores e seus representantes, e o consenso por ele construído corre o risco de atender principalmente aos interesses dos empresários e do Estado. Mesmo preservando a proporcionalidade numérica da representação, a correlação de forças entre os interlocutores políticos é, neste contexto, muito desigual. (p. 60-62)

Com base legal conferida principalmente pelo Decreto nº 2.208/97, o Planfor propôs

como meta ampliar a qualificação profissional da força de trabalho, desenvolvendo

habilidades e competências, tendo em vista desenvolver a empregabilidade133 de 20% da

População Economicamente Ativa (PEA) e melhorar a competitividade no mercado de

trabalho; contudo, conforme já dito, através de uma formação desatrelada da educação formal,

o que significou em torno de 15 milhões de pessoas envolvidas nos cursos de qualificação,

com carga horária média entre 60h e 100h134, estruturados em torno de habilidades básicas,

específicas e de gestão135 tendo em vista as demandas do mercado136. Nesse quadro,

referendada pelas avaliações externas do Planfor, aponta Kuenzer (2006: 889) que

Além do mau uso dos recursos públicos, [o Planfor] caracterizou-se pela baixa qualidade e baixa efetividade social, resultante de precária articulação com as políticas de geração de emprego e renda, desarticulação das políticas de educação, reduzidos mecanismos de controle social e de participação no planejamento e na gestão dos programas e ênfase em cursos de curta duração focados no desenvolvimento de habilidades específicas.

Assim, cabe reafirmar que nos dois governos Fernando Henrique Cardoso as

políticas de educação passaram a funcionar por meio de projetos e programas, na condição de

mercadoria negociada entre governo e sociedade civil na busca por financiamento público.

133 “O conceito de empregabilidade tem sido utilizado para referir-se às condições subjetivas de integração dos sujeitos à realidade atual dos mercados de trabalho e ao poder que possuem de negociar sua própria capacidade de trabalho, considerando o que os empregadores definem por competências” (Machado apud Fidalgo, 1999a: 22). 134 No primeiro quadriênio do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998) destaca-se: “carga horária média por treinando: em torno de 100 horas em 1996/1997, caindo a 87 horas em 1998” (Brasil, 1999: 27). No segundo (1999-2002), o próprio MTE destaca que a carga horária passou “para 60 horas médias” (Brasil, 2003: 18). 135 De acordo com o Ministério do Trabalho: “Habilidades básicas – competências e conhecimentos gerais, essenciais para o mercado de trabalho e para a construção da cidadania, como comunicação verbal e escrita, leitura e compreensão de textos, raciocínio, saúde e segurança no trabalho, preservação ambiental e outros eventuais requisitos para as demais habilidades. Habilidades específicas – competências e conhecimentos relativos a processos, métodos, técnicas, normas, regulamentações, materiais, equipamentos e outros conteúdos específicos das ocupações. Habilidades de gestão – competências e conhecimentos relativos a atividades de gestão, autogestão, melhoria da qualidade e da produtividade de micro e pequenos estabelecimentos, do trabalho autônomo ou do próprio trabalhador individual, no processo produtivo”. (Brasil, 1999b: 41). 136 Vários estudos e avaliações externas apontaram os limites dos cursos ministrados, até mesmo sob a ótica do que o Planfor se propunha a ser. Por exemplo, na avaliação externa realizada pela Unitrabalho (Fundação Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho), foi destacado: “a carga horária pequena, impedindo seu aprofundamento; a pouca quantidade de aulas práticas; a pouca articulação entre a teoria e a prática; a precariedade dos equipamentos; o conservadorismo das metodologias de ensino, reproduzindo os modelos existentes no mercado e com conteúdos pouco aplicáveis à realidade dos alunos; e a deficiente integração entre as habilidades básicas, específicas e de gestão” (Unitrabalho, 1999: 120-121).

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132

Nesse quadro, a compreensão do sentido da nova institucionalidade que o Planfor inaugurou

passa, por exemplo, pelo sentido que foi atribuído, a partir dele, para a estratégia de

articulação institucional através da parceria, não só entre governo e sociedade civil, mas,

também entre órgãos do governo, como a execução de ações diretas de qualificação

profissional voltadas para pessoas participantes de outros programas do governo. Isto deu ao

Planfor uma capilaridade tão expressiva que no ano 2000, conforme demonstrou Cêa (2003:

108-109), ele aparece no Plano Plurianual como componente das seguintes áreas/programas:

. Programa Comunidade Solidária: Capacitação Solidária (qualificação de jovens) e Comunidade Ativa; . Micro, pequena e média empresa: Brasil Empreendedor; . Direitos Humanos: Serviço Civil Voluntário, Segurança pública (qualificação de policiais civis e militares); . Assistência social: qualificação de cuidadores de idosos, qualificação de educadores infantis; . Educação: PROEP, educação de jovens e adultos; . Saúde: PROFAE (Programa de Formação de Auxiliares de Enfermagem).

Apesar de os documentos afirmarem que o Planfor era complementar, e não

substituto da educação básica, na prática, tendo em vista o baixo nível de escolaridade da

maior parte da força de trabalho brasileira, muitas vezes foram ministrados cursos de

alfabetização e supletivos dos ensinos fundamental e médio no âmbito do Planfor, com o

objetivo de garantir o treinamento de habilidades básicas exigidas pelos cursos de

qualificação profissional de nível básico. A recomendação para inclusão do Supletivo

Profissionalizante e do Alfabetização Solidária nos Planos Estaduais de Qualificação – PEQs

é destacada nas “Orientações para revisão dos PEQs” para o período 1999/2002:

Neste sentido, está sendo implementada a integração entre o Planfor e o Programa Alfabetização Solidária. O objetivo dessa integração é que todos os jovens que passem pelo Alfabetização Solidária sejam absorvidos em programas de educação supletiva de 1º grau e de qualificação profissional, proporcionados pelo Planfor, sempre com vistas a oportunidades de geração de renda. (Brasil, 1999a: 5)

Outro exemplo bastante ilustrativo do quanto o Planfor se imbricou com a educação

de jovens e adultos nesse período é o fato de que as duas experiências destacadas como

inovadoras na primeira fase do Planfor foram o Serviço Civil Voluntário137 e o Supletivo

Profissionalizante138. O primeiro, voltado para jovens em situação de risco social e/ou

137 Cabe lembrar, que o Serviço Civil Voluntário criado no âmbito do Planfor foi reestruturado no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006) e passou a denominar-se Juventude Cidadã; no segundo mandato, iniciado em 2007, com pequenas alterações foi agrupado a outros dois programas (Consórcio Social da Juventude e Escola de Fábrica) e passou a chamar-se Projovem Trabalhador. Estes programas serão abordados mais adiante. 138 Segundo o Anuário Estatístico 1995/1998 (Brasil, 1999: 44), em 1998 matricularam-se no Supletivo Profissionalizante 43.560 treinandos, com um aporte de recursos da ordem de R$ 9.445.806.

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133

candidatos ao primeiro emprego, e o segundo, uma experiência dirigida para as competências

básicas e a escolaridade do trabalhador, integrada à qualificação profissional, em parceria com

o Programa Comunidade Solidária. Vale lembrar a inexpressividade do MEC nesse período,

em particular no que se refere ao financiamento da EJA para sua implementação nas redes

públicas de ensino municipais e estaduais, enquanto, por exemplo, iniciativas como o Serviço

Civil Voluntário e o Supletivo Profissionalizante poderiam contar com recursos de fontes

variadas, do Planfor ao Programa Alfabetização Solidária.

É importante assinalar ainda que, se por um lado o Planfor teve o mérito de se

direcionar para uma parcela da população que pela primeira vez teve acesso a algum

programa de qualificação, ou mesmo a algum programa do Estado139, por outro, o conteúdo

oferecido mantém esses sujeitos, no que tange à formação, à margem do conhecimento

científico-tecnológico e, no campo do trabalho, serve para conter a pressão por postos de

trabalho e acomodar a população em atividades periféricas e precárias do mercado,

naturalizando, assim, a pobreza e a desigualdade. Não por acaso, sintomaticamente, o

Planfor, como política pública para educação de adultos, foi considerado por muitos, inclusive

pelos trabalhadores140, como possível alternativa à “exclusão social”, bem como de combate

ao desemprego e à precarização das condições de vida.

Em síntese, “ser educado é ser empregável”141; uma vez que aos trabalhadores jovens

e adultos, subjugados pelo cenário de desmonte da “sociedade salarial” (Castel, 1999), o

Estado brasileiro e os setores burgueses a ele vinculados, distribuem a “promessa de

inclusão”, a expectativa de saírem da situação de precariedade por meio da empregabilidade

e/ou do empreendedorismo – ou seja: transferindo para o indivíduo a responsabilidade de sua

inserção no mercado de trabalho ou em formas autogeridas. Sendo assim, de maneira

equivocada, tal discurso eleva a educação a um papel central na sociedade: apresenta-a como

prática social “redentora”, atividade por excelência “integradora” no âmbito de um modelo

139 Merece destaque, ainda que não possamos desenvolver o assunto nesta tese, o intenso debate e disputa que foi travado no movimento sindical, principalmente na Central Única dos Trabalhadores, em relação ao Planfor e à disputa pelos recursos públicos do FAT. Ver, por exemplo, Castro e Macedo (1998). 140 Vale sublinhar que, nesse período, sindicatos de trabalhadores e centrais sindicais voltaram-se intensivamente para o desenvolvimento de ações de educação profissional. Sobre este aspecto, Rummert (2007) esclarece que a ênfase dada pelas centrais à questão educacional resultou, principalmente, “de dois desencadeadores externos, o primeiro, constituído pela própria exigência do sistema do capital em relação ao nível de escolaridade e de qualificação profissional dos trabalhadores de modo a atender às demandas das inovações tecnológicas e da reestruturação produtiva. O segundo, inerente à própria concepção e estrutura do FAT, que beneficiou as entidades com significativos recursos extras. Tal processo promoveu um expressivo envolvimento global das entidades nacionais, e daquelas a elas filiadas, com os temas e problemas da educação, em particular com a educação de jovens e adultos trabalhadores”(p. 98). 141 Cabe mencionar que tal expressão foi cunhada em nossa dissertação de mestrado, tendo sido objeto de estudo, particularmente, no quarto capítulo, intitulado “Planfor: ‘ser educado é ser empregável’” (Ventura, 2001).

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134

socioeconômico em que prevalecem os processos diversos de expropriações.

O cenário até aqui delineado foi assim avaliado no II Encontro Nacional de Educação

de Jovens e Adultos, em 2000:

A atual política governamental no atendimento à educação de jovens e adultos encontra-se dispersa em órgãos como o Ministério do Trabalho, o Ministério da Reforma Agrária e o Incra, o Ministério da Educação, e se realiza em programas de cunho compensatório e projetos com caráter de campanha – a exemplo da Alfabetização Solidária e do Pronera – que não atendem às demandas sociais, geram descontinuidade e repercutem negativamente no trabalho pedagógico. (ENEJA, 2000: 4)

O papel fundamental que a sociedade atribui à educação, ao estabelecer vínculo

direto e imediato entre qualificação e ação de combate ao desemprego, por meio de atuações

caracterizadas pelo “permanente provisório” (Fidalgo, 1999a: 176), e não através do acesso à

educação como direito público subjetivo e universal, se mantém presente nas políticas para a

EJA, no primeiro governo Luiz Inácio Lula da Silva, conforme será demonstrado na seção a

seguir.

3.2.2. A EJA no primeiro governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006)

O período compreendido entre 2003 e 2006, referente ao primeiro governo de Luiz

Inácio Lula da Silva, ocasionou para a EJA maior evidência do que ocorreu nos governos

anteriores, pós-redemocratização. Entretanto, se existe um discurso que apregoa sua

valorização, este não se fez acompanhar de ações concretas que superassem estruturalmente a

matriz construída na década anterior. Apesar de um número bem mais expressivo de

iniciativas, estas se apresentam calcadas em estratégias como o assistencialismo e o controle

social, claras explicitações do quadro já delineado nos dois governos de Fernando Henrique

Cardoso.

Dentre as várias iniciativas desenvolvidas entre 2002 e 2006, voltadas para a

educação dos trabalhadores jovens e adultos, pode-se destacar: 1) No MEC, a Secretaria de

Educação Continuada Alfabetização e Diversidade (Secad) criou o Programa Brasil

Alfabetizado, permanentemente reformulado, na tentativa de superar seus limites de origem (o

formato de campanha) e o Programa Saberes da Terra; a Secretaria de Educação Profissional

e Tecnologia (Setec) tem programas com vínculos diretos com a EJA: o Projeto Escola de

Fábrica, que pretende a inclusão social de jovens pobres por meio da formação profissional

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135

em ambientes de trabalho142, e o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional

Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na modalidade de Educação de Jovens e Adultos

(Proeja), que se refere à EJA no nível médio (Educação Básica e Profissional)143. 2) No MTE,

se extinguiu o Planfor, mas foi criado o Plano Nacional de Qualificação (PNQ), em moldes

semelhantes porém com dotação orçamentária menor; e o Programa Nacional de Estímulo ao

Primeiro Emprego (PNPE), com iniciativas referentes à qualificação profissional, como o

Consórcio Social da Juventude e o Juventude Cidadã, ambos voltados para “a inclusão de

jovens em situação de vulnerabilidade social” através de cursos de qualificação e prestação

de serviços voluntários à comunidade. 3) No Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA),

o Pronera continuou atuando com a EJA nos níveis fundamental e médio no campo, com ou

sem vínculo com profissional. 4) No Ministério da Saúde (MS), é dada continuidade ao

Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área da Enfermagem (Profae), criado em

1999. 5) O Projeto Soldado Cidadão, criado em 2002, é desenvolvido pelo MTE em parceria

com o Ministério da Defesa (MD). 6) No Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à

Fome (MDS) destaca-se o Projeto Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano

(Agente Jovem), que pretende promover uma “ação socioeducativa” por meio de uma

capacitação com conteúdos teóricos e práticos, compreendida enquanto atuação do jovem na

sua comunidade. 7) Na Secretaria-Geral da Presidência da República, através da Secretaria

Nacional da Juventude, foi criado o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem),

destinado a jovens de 18 a 24 anos que estejam desempregados e que não tenham concluído o

Ensino Fundamental144.

Programa Brasil Alfabetizado. Criado em 2003 com o propósito de “erradicar” o

analfabetismo no Brasil. Sua proposta, nos moldes de campanha de alfabetização,

apresentava-se, no primeiro momento, desvinculada da educação básica e claramente

circunscrita ao viés compensatório das ações anteriores. No primeiro ano do governo ficou

sob a responsabilidade da extinta Secretaria Extraordinária de Erradicação do Analfabetismo

142 Para uma análise detalhada do Projeto Escola de Fábrica, ver Rummert (2005). 143 Analisado em Rummert (2007). 144 Cabe esclarecer que nesta seleção não consideramos os projetos diretamente vinculados ao Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego (PNPE), como o Consórcio Social da Juventude, o Projeto Juventude Cidadã e o Empreendedorismo Juvenil, dentre outros. Tais ações encontram-se desvinculadas da Educação Básica e, do nosso ponto de vista, configuram-se mais como uma ação social com transferência de renda para jovens pobres, do que como uma política de educação básica ou profissional, objeto do presente estudo.

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136

– SEEA, mas, desde 2004 encontra-se localizado na Secad145, originada da junção da SEEA

com a Secretaria de Inclusão Social.

O Brasil Alfabetizado tem por finalidade “capacitar alfabetizadores e alfabetizar

cidadãos com 15 anos ou mais que não tiveram oportunidade ou foram excluídos da escola

antes de aprender a ler e escrever”146. Segundo o MEC, o período estipulado para a

alfabetização é de até oito meses, com uma carga horária estimada entre 240 a 320 horas.

Segundo os documentos oficiais, o Programa atua sob a forma de transferência de recursos

financeiros aos estados e municípios, bem como a empresas privadas, universidades,

organizações não-governamentais e instituições civis, considerados parceiros no processo. A

assistência financeira concedida permite a execução de duas ações: a formação de

alfabetizadores e a alfabetização de jovens e adultos. Pelos termos do convênio, as instituições

são responsáveis pela cessão do espaço (salas de aula), pela formação dos educadores e

cadastramento dos alunos e professores. Não há destinação de recursos para material didático,

alimentação ou qualquer apoio pedagógico; quando estes existem, são considerados como

contrapartida da entidade parceira.

De uma forma geral, o Programa consiste no estabelecimento de convênio entre

MEC e entidades e instituições da sociedade civil147, mediante avaliação e credenciamento de

projetos de alfabetização. Em 2003, as regras de financiamento possibilitavam o acesso aos

recursos, em igualdade de condições, tanto por parte dos sistemas públicos quanto por parte

das organizações não-governamentais; como conseqüência, no primeiro ano do Programa

70% da captação de recursos foi realizada por instituições da sociedade civil. No ano

seguinte, foi estabelecido duas resoluções diferentes, sendo uma para as ONGs e outra para

órgãos públicos; ocasionando em 2004, uma captação de reursos em torno de 50% entre

sisitemas públicos e ONGs. “A assistência financeira será processada mediante solicitação

das entidades e instituições [...] por meio de projetos educacionais elaborados sob a forma de

plano de trabalho” (Brasil, 2005c). No convênio, denominado nos documentos como parceria,

as instituições148 ficam responsáveis pela capacitação dos alfabetizadores e pela alfabetização

145 A Secad reúne alfabetização e educação de jovens e adultos, educação do campo, educação ambiental, educação escolar indígena e diversidade étnico-racial. Segundo o MEC, um dos objetivos desta Secretaria é “tornar a multiplicidade de experiências pedagógicas dessas áreas em modos de renovação nas práticas educacionais. Mais do que competências e experiências desenvolvidas, tanto pelos sistemas formais de promoção da cidadania, da valorização da diversidade e de apoio às populações que vivem em situações de vulnerabilidade social.” (Brasil. MEC/Secad, 2004). 146 Disponível: em www.mec.gov.br. Acesso: 6 maio 2006. 147 Deve-se destacar que não compreendemos o conceito de sociedada civil como algo dado ou naturalizado, mas conforme discussão empreedida, mesmo que brevemente, no primeiro capítulo deste trabalho. 148 As instituições credenciadas são as mais diversas, de empresas a entidades filantrópicas. Dentre elas, destacam-se: o Serviço Social da Indústria (Sesi), o Movimento de Educação de Base (MEB) da Confederação

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137

de jovens e adultos por elas cadastrados, e o MEC financia os custos com a capacitação e o

pagamento dos alfabetizadores149. Sobre a questão dos docentes, cabe registrar que no ano de

lançamento do Programa havia um forte apelo à velha fórmula do mutirão e do voluntariado

na educação de adultos:

Todo mundo pode ajudar a alfabetizar o Brasil. O Ministério da Educação está lançando a apostila “Reflexões Práticas para o Alfabetizador Voluntário”, que será distribuída gratuitamente. Há também uma central de atendimento telefônico, pronta para orientar o alfabetizador voluntário e tirar dúvidas de qualquer canto do país através de ligação gratuita. [...] O grande objetivo é que todos possam ajudar alguém a aprender a ler e escrever, criando uma verdadeira corrente pela alfabetização. (Brasil, 2003)

As instituições ficavam responsáveis pela cessão do espaço (salas de aula), pelos

materiais didáticos (cadernos, livros etc), pela formação dos educadores e pelo cadastramento

dos alunos e professores. Em 2004, dentre as reformulações do Programa, podemos destacar:

a ampliação do período de alfabetização de seis para oito meses; aumento de 50% nos

recursos para a formação dos alfabetizadores; estabelecimento de um piso para a bolsa do

alfabetizador; implantação de um sistema integrado de monitoramento e avaliação do

Programa; aumento do percentual de recursos para estados e municípios, para que façam a

inserção dos alfabetizados nos sistemas de ensino. No ano de 2005, novas resoluções

estabeleceram mudanças nos critérios e procedimentos para a distribuição dos recursos

financeiros do Programa Brasil Alfabetizado, buscando ampliar a verba destinada aos

municípios e estados, na tentativa de alterar a lógica de financiamento público para

instituições privadas que havia caracterizado o Programa nos dois primeiros anos. E, com

isso, atacando um dos principais limites apontados ao Programa: a questão da continuidade da

alfabetização, o que, sem dúvida exige o envolvimento dos sistemas públicos de educação.

Em 2005 o Programa passou por uma avaliação nacional que pretendeu, segundo o

MEC,

[...] avaliar o aprendizado dos estudantes, a gestão do programa por parte dos parceiros (prefeituras, secretarias estaduais de educação, ONGs e universidades), o desempenho das diferentes metodologias aplicadas pelos diversos parceiros em diversos públicos, o índice de evasão, o impacto do programa nas vidas dos alfabetizandos em relação a questões como situação socioeconômica, empregabilidade, comportamento e outros150.

Apesar de gradualmente o Programa Brasil Alfabetizado ir incorporando as críticas e

Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), além de universidades e secretarias municipais e estaduais de educação. 149 Remuneração calculada pelo número de alunos na classe de alfabetização, sendo os recursos repassados ao alfabetizador pela instituição conveniada. 150 Cf. www.mec.gov.br.noticias. Acessado em: 20 jan. 2005.

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138

se reformular, ainda guarda relação com outras iniciativas tomadas com o mesmo objetivo ao

longo das seis últimas décadas. Desde o início, questionam-se as bases de sua concepção,

análogas às de tantas iniciativas fracassadas (como o Mobral e o PAS), e a desconsideração de

amplo conjunto de trabalhos que evidenciam as fragilidades e limites de tais iniciativas.

Diálogos entre a Secad e especialistas da área ao longo do período de implementação

resultaram em algumas alterações; entretanto, os ajustes têm se limitado a aprimoramentos de

uma mesma lógica, sem romper a sua estrutura programa apartado da educação básica151.

Em 2006, quando perguntado sobre o que mudou no Programa, a partir de 2004, em

relação à gestão do governo anterior, o ministro da educação, Fernando Haddad, destacou,

entre outros aspectos:

[...] tratar a alfabetização como algo (também) desconectado do ensino formal. E a expressão mais evidente dessa concepção é o fato, em minha opinião, marcante de que o programa de alfabetização não estava sob a alçada do Ministério da Educação, e sim do Comunidade Solidária, uma ONG que atuava fora da jurisdição do MEC. Isso impedia que o recém-alfabetizado tivesse uma progressão no âmbito da educação continuada, única maneira de promover o aumento de escolaridade. O que se pretendeu, logo no início de 2004, quando chegamos, Tarso e eu, foi criar as condições institucionais de superação do que nos pareciam falsas contradições. No caso da educação continuada, o Brasil Alfabetizado, ainda na gestão Cristovam Buarque, foi trazido, felizmente, para a órbita do Ministério da Educação, mas não havia sido integrado à educação de jovens e adultos. Para sanar essa debilidade, criamos a Secretaria de Educação Continuada, que cuida dos dois programas: Brasil Alfabetizado e Educação de Jovens e Adultos (EJA), que estão sendo integrados paulatinamente.152

As colocações acima indicam que o próprio MEC percebia o quanto o Programa

Brasil Alfabetizado, desde o seu lançamento, retomava a fórmula de alfabetização de massa,

recorrente na história do país. Em estudo anterior, sinalizamos para o fato de que, embora

tenha ocorrido uma ampliação do atendimento, a atuação da União permaneceu no governo

Luiz Inácio Lula da Silva assentada em programas (como o Brasil Alfabetizado) cujos

resultados ficam muito aquém do anunciado. Diante de tal quadro, constata-se que “não

dispomos, até hoje, de políticas que superem ações de governo implementadas a partir de

objetivos e critérios discutíveis, e se consolidem como políticas de Estado153” (Rummert;

Ventura, 2007: 41-42). 151 Dentre as reformulações, segundo o MEC, destacam-se: a ampliação do período de alfabetização (de seis para oito meses); aumento nos recursos para a formação dos alfabetizadores; estabelecimento de um piso para a bolsa do alfabetizador; implantação de um sistema integrado de monitoramento e avaliação do Programa; e aumento do percentual de recursos para estados e municípios, para que façam a inserção dos alfabetizados nos sistemas de ensino, mudanças nos critérios e procedimentos para a distribuição dos recursos financeiros (cf. http://portal.mec.gov.br/secad/. Acesso em: 15 ma. 2007. 152 Entrevista com Fernando Haddad, 26/09/2006. Educação: uma visão sistêmica. Fundação Perseu Abramo. Disponível em: http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=3012. Acesso em: 05 jan. 2008. 153 Proposição reafirmada no VIII Encontro Nacional de Educação de Jovens e Adultos, “EJA – uma política de Estado: avaliação e perspectivas” (ENEJA, 2006).

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139

Uma vez que não é objetivo deste trabalho uma análise detalhada do Programa Brasil

Alfabetizado, iremos nos ater a dados divulgados que corroboram as críticas a ele formuladas.

Recebido com grande repercussão pela mídia154, o Brasil Alfabetizado, como as iniciativas

anteriores, foi apresentado pelo governo como a via de solução para o analfabetismo, que, no

início do século XXI, ainda atingia aproximadamente 15 milhões de brasileiros. Constituiu-se,

assim, em mais um entre os muitos processos de distribuição de ilusões relativas à educação,

em atendimento à permanente necessidade de construção e manutenção de hegemonia pelas

forças dominantes.

No final de 2006, a mesma mídia, embora com menor ênfase, divulga informações

desfavoráveis acerca do Programa. Dados apresentados pelo IBGE/PNAD 2005 (IBGE, 2006)

demonstravam que, dois anos após a implementação da nova “campanha”, e tendo sido gastos

aproximadamente R$ 330 milhões no biênio 2003-2005, a queda percentual no número de

analfabetos absolutos situou-se no reduzido patamar de 0,3%155.

Compreender as razões que dão origem a tais indicadores exige que nos debrucemos

sobre um conjunto de variáveis que transcendem o âmbito do próprio Programa. Considerar a

decisiva importância do contexto socioeconômico e cultural dos jovens e adultos da classe

trabalhadora e reconhecer o caráter decisivo da ampliação dos processos de produção cada

vez mais precária da existência é um procedimento teórico-metodológico que se impõe, se

pretendemos, efetivamente, alterar o quadro que os próprios órgãos oficiais nos apresentam.

Tal alteração exige, portanto, mudanças de caráter profundo no próprio modelo societário, a

serem empreendidas de forma integrada com novas e necessárias concepções e práticas no

âmbito da educação.

Apesar de nossa pesquisa limitar-se ao período referente ao primeiro governo de

Luiz Inácio Lula da Silva, consideramos pertinente tecer breves considerações quanto às

recentes alterações do Programa Brasil Alfabetizado. A partir de abril de 2007, passou a

vigorar o Decreto nº. 6.093, que determinou a reorganização do Programa, motivado

principalmente pela constatação de sua baixa efetividade156. A principal alteração refere-se

aos profissionais que atuarão com a alfabetização. De acordo com o Art. 5º, “As atividades de

alfabetização de turmas apoiadas pela União serão realizadas, preferencialmente, por

154 Notícias sobre o Programa Brasil Alfabetizado veiculadas no período de 2003 a 2006 podem ser encontradas em www.uff.br/ejatrabalhadores. 155 Idem. http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u19328.shtml http://txt.estado.com.br/editorias/2006/09/17/pol-1.93.11.20060917.6.1.xml. 156 O afirmado foi amplamente divulgado pela mídia, a partir dos resultados das avaliações realizadas em turmas do Brasil Alfabetizado.

Page 140: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

140

professores das redes públicas de ensino” (grifo nosso). Todavia, ao contrário do que num

primeiro momento poderia parecer, o Decreto não proporciona a ampliação do número efetivo

de profissionais na educação de jovens e adultos, nem a expansão da rede pública de

atendimento dessa modalidade de ensino, pois, nos parágrafos seguintes, destaca que a

“atuação do alfabetizador deverá ocorrer em caráter voluntário” (§3o); que o “alfabetizador

poderá receber bolsa, para custeio das despesas realizadas no desempenho de suas atividades

no Programa” (§5o); e, por fim, que “as bolsas não poderão ser recebidas cumulativamente e

não se incorporarão ao vencimento, [...] do professor, para qualquer efeito, não podendo ser

utilizadas como base de cálculo para quaisquer vantagens ou benefícios trabalhistas ou

previdenciários” (§7o)157.

As orientações acima não deixam dúvidas quanto ao caráter de vínculo precário e

provisório que a bolsa estabelece entre os professores e o Programa de alfabetização. Desse

modo, apesar de serem professores concursados158, não lhes está sendo proposta uma

vinculação orgânica com a EJA, nem a perspectiva de profissionalização quanto às exigências

que a EJA impõe aos educadores como campo pedagógico próprio (Ribeiro, 1999). Portanto,

também pode não significar uma distinção qualitativa nos profissionais e nos resultados do

Programa159. Afinal, como exigir qualidade se na versão 2007 do Programa Brasil

Alfabetizado permanece a perspectiva filantrópica e de caráter voluntário, tão denunciado nas

pesquisas da área160 e conforme assinalam Fávero et al. (1999):

Representações correntes em nossa sociedade prendem-se à perspectiva que concebe a Educação de Jovens e Adultos como uma ação de caráter voluntário, marcada por um cunho de doação, favor, missão, (...) Tais representações, além de desprofissionalizar o educador de jovens e adultos e a própria ação educativa com eles desenvolvida, distancia a Educação de Jovens e Adultos de um estatuto próprio, que subsidie a formulação de propostas teórico-metodológicas compatíveis com as vivências e os saberes daqueles aos quais se destina. (p. 7)

157 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6093.htm> Acesso em: 3 mar. 2008. 158 Cabe lembrar, que tendo em vista os baixos salários e a proletarização docente, a bolsa possivelmente significa apenas mais uma possibilidade de pequena ampliação no salário (como ocorre com os contratos temporários e as duplas regências), acrescendo mais uma possibilidade de “bico” ao já acentuado quadro de precarização da categoria docente. 159 O governo federal criou, ainda, “dois selos com o objetivo de estimular os gestores municipais a participar da luta contra o analfabetismo no país: o selo Cidade Livre do Analfabetismo, a ser concedido a toda cidade que alcançar 97% de alfabetização; e o Cidade Alfabetizadora, para o município que, em 2010, tiver reduzido a taxa de analfabetismo em 50%, em comparação com os dados de 2001” (Disponível em: http://portal.mec.gov.br/secad Acesso em: 20 mar. 2008). Segundo pertinente análise de Werneck Vianna (2007), este tipo de estratégia de enfrentamento da questão social coaduna-se com a estratégia do empreendedorismo, particularmente do tipo “empreendedorismo social”. Nessa linha, “além de apresentada de maneira recorrente como a política social destinada a promover a inclusão social de certos grupos, a estratégia do empreendedorismo é vista quase como decorrência natural das transformações em curso na realidade. Com isso se afirmam vitoriosas as teses gêmeas do empirismo e do consenso” (p. 3). 160 Quanto a pesquisas sobre a temática do professor de EJA, ver Machado (2002) e Pereira (2006).

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141

Programa Saberes da Terra. No Ministério da Educação, no âmbito da Secad,

observa-se a tentativa de retomar a condução das políticas em EJA e articular-se com os

outros ministérios nas ações já existentes, ou criar novos projetos e programas como, por

exemplo, o Programa Nacional de Educação de Jovens e Adultos para Agricultores Familiares

integrada com Qualificação Social e Profissional (Saberes da Terra).

Criado em 2005, no âmbito da Coordenação Geral de Educação do Campo,

vinculada a SECAD, o Saberes da Terra, segundo o documento que o apresenta161, tem por

objetivo “desenvolver uma política de Educação do Campo que possibilite a jovens e adultos,

agricultores familiares, excluídos do sistema formal de ensino, a oportunidade de

escolarização na modalidade de Educação de Jovens e Adultos, integrando ensino

fundamental e qualificação social e profissional” (p. 10). O Programa pretende atender

“prioritariamente jovens na faixa etária de 15 a 29 anos que atuam na agricultura familiar,

residentes no campo e que não concluíram o Ensino Fundamental ou que tenham freqüentado

programas de alfabetização” (idem, p. 11). Segundo Munarim (2006), coordenador geral da

Educação do Campo:

Trata-se de um programa interministerial coordenado pelo MEC, juntamente com o MDA e o MTE. Destinado, prioritariamente, a jovens agricultores familiares, integra, numa perspectiva dialética de educação, a formação escolar de nível fundamental com formação profissional. (p. 25)

A gestão do Programa é exercida por coordenações de âmbito nacional e estadual,

constituídas por representantes dos Ministérios da Educação, do Desenvolvimento Agrário e

do Ministério do Trabalho e Emprego, bem como de movimentos sociais e organizações não-

governamentais. Este Programa é executado mediante “convênio com estados ou com

municípios representados pela Undime [União Nacional de Dirigentes Municipais de

Educação] ou associações de municípios juridicamente constituídas em parceria com as

organizações da sociedade civil, sem finalidades lucrativas, com experiência em EJA do

campo”162. O apoio financeiro para a implementação do Programa está condicionado à

aprovação de propostas de projetos pedagógicos, formulados conforme edital do MEC,

elaborados pelos “interessados” em implementar, junto às redes públicas de ensino em suas

regiões, projetos de EJA do Programa Saberes da Terra. Os recursos financeiros podem ser

161 Disponível em: <http://www.lpp-uerj.net/olped/documentos/1370.pdf> Acesso em: 07 jan 2008. 162 Brasil, 2005: 40. Disponível em: < http://www.lpp-uerj.net/olped/documentos/1370.pdf> Acesso em 10 jan. 2008.

Page 142: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

142

utilizados para formação de professores em serviço, contratação de professores por tempo

determinado, produção de material didático e despesas dos alunos com transporte e

alimentação.

Deve-se ressaltar, entre limites e avanços, que o Programa Saberes da Terra

significou um reconhecimento de que quem vive no campo têm direito a uma educação

diferenciada daquela oferecida a quem vive nas cidades. Afirma-se em seus documentos que

“esse reconhecimento extrapola a noção de espaço geográfico e compreende as necessidades

culturais, os direitos sociais e a formação integral desses indivíduos”. É destacado, ainda, que

Organizado nos parâmetros metodológicos da Pedagogia da Alternância, deverá ser desenvolvido nos e pelos sistemas oficiais de ensino estaduais e municipais, em colaboração com os movimentos e organizações sociais do campo com experiência na área, bem como, em colaboração com o sistema federal de escolas agrotécnicas e universidades públicas. (Munarim, 2006: 25)

A proposta do curso é de contextualização do calendário escolar, do currículo e da

metodologia de ensino às características do campo, com previsão de três professores por

turma (sendo dois para o Ensino Fundamental e um para a qualificação profissional). O curso

apresenta carga horária obrigatória de 3.200 horas, das quais 2.400 horas devem corresponder

a atividades pedagógicas presenciais e 800 horas a atividades não-presenciais, distribuídas ao

longo de dois anos. Os concluintes recebem certificação em Ensino Fundamental, com

Qualificação Profissional Inicial em Produção Rural163.

Fazem parte da Coordenação Pedagógica Nacional e da Comissão Executiva do

Programa Saberes da Terra, os Ministérios da Educação (MEC), Desenvolvimento Agrário

(MDA) e Trabalho e Emprego (MTE), particularmente, a Secretaria Nacional de Economia

Solidária (SENAES). Segundo esta secretaria, “A economia solidária insere-se na proposta

pedagógica em articulação com o eixo curricular do programa Agricultura Familiar e

Sustentabilidade.”164

163 A partir de notícias veiculadas pelo próprio MEC, percebemos o quanto a oferta de educação no campo por este ministério apresenta-se extremamente frágil, restrita a um baixo financiamento e com pouca abrangência. Por exemplo, estima-se que a “demanda por estudo nessa faixa etária que vive em municípios rurais é de 800 mil pessoas”, enquanto que o referido Programa “pretende formar cinco mil alunos até o fim de 2006” (Disponível em: http://www.lpp-uerj.net/olped/mob_exibir_noticias.asp?codnoticias=9232 Acesso em: 13 jan. 2008). Destaca-se, ainda, que “Cerca de 32 milhões de brasileiros vivem em áreas rurais”; para atender a este amplo universo, “O programa está investindo R$ 10 milhões” e anuncia-se que “Cada aluno tem custo de R$ 1 mil por ano”. No que se refere aos convênios, “Em 2005, o Saberes da Terra teve mais de 40 projetos inscritos. Foram selecionados 12” (Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=content&task=view&id=5677&FlagNoticias=1&Itemid=5823 Acesso em: 13 jan. 2008). A partir de 2008, o programa passou a se denominar ProJovem Campo; as alterações anunciadas são a pretensão de que se amplie o número de atendidos, que se expanda a todos os estados, e que os alunos recebam um auxílio mensal de cem reais. 164 Disponível em: http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/prog_formacao_eja.asp Acesso em: 26 mar.2008

Page 143: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

143

Ainda no MEC, a Setec desenvolve duas outras iniciativas: o Projeto Escola de

Fábrica e o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação

Básica na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja).

O Projeto Escola de Fábrica165. Criado em dezembro de 2004166, tem como

objetivo ampliar a oferta de formação profissional inicial e continuada para jovens entre 16 e

24 anos167, oriundos de famílias com renda igual ou inferior a um salário mínimo e meio

mensal e que estejam matriculados na educação básica da rede pública, no ensino regular ou

na Educação de Jovens e Adultos, ou ainda, que tenham concluído o Programa Brasil

Alfabetizado.

Integrante da política nacional para a juventude do governo federal, o Projeto foi

concebido como possibilidade de ampliação da formação profissional, mediante parcerias

com o empresariado e indução da elevação de escolaridade desses jovens, uma vez que

condiciona a participação no Projeto à estar cursando a educação básica na rede pública de

ensino. Pretende-se, segundo os documentos do Escola de Fábrica, a “inclusão social” dos

jovens por meio da formação profissional e a “ampliação da responsabilidade social” do

empresariado brasileiro.

A formação profissional se dá mediante cursos com duração mínima de 600 horas,

ministradas no período de seis a doze meses em empresas instaladas em zona urbana ou rural.

Os alunos admitidos no Projeto Escola de Fábrica recebem uma bolsa-auxílio, no valor de até

meio salário mínimo mensal, durante o período do curso, financiada pelo MEC nos dois

primeiros anos de instalação do Projeto, como incentivo oferecido às empresas para seu

desenvolvimento.

A empresa inscrita, denominada Unidade Gestora168, deve montar uma Unidade

165 Análise aprofundada sobre o Projeto Escola de Fábrica pode ser encontrada em Rummert (2005; 2007). 166 Cabe lembrar que o Projeto Escola de Fábrica foi instituído pela Lei nº 11.180, de 23 de setembro de 2005, mas seu lançamento público ocorreu no final do ano anterior. 167 Inicialmente, o Projeto previa a faixa etária de 15 a 21. Sobre esta questão, Jane Bauer, diretora do Escola de Fábrica, esclarece que "Desde quando o projeto foi lançado, em dezembro [2004], estamos fazendo alguns ajustes. Ao pesquisar o universo de beneficiados, as realidades das fábricas, das gestoras, constatou-se que a idade ideal para abarcar todos os possíveis beneficiados do projeto precisava ser mais elástica. Então ampliamos o limite de idade" (Folha OnLine. Educação. 20/04/2005). Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u17378.shtml Acesso em: 4 dez de 2007. 168 De acordo com a legislação, “poderá ser unidade gestora qualquer órgão ou entidade da administração pública direta ou indireta, autárquica ou fundacional, empresa pública ou sociedade de economia mista, de qualquer esfera de governo, inclusive instituição oficial de educação profissional e tecnológica, ou entidade privada sem

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144

Formadora169, com capacidade para vinte alunos por ano. Os cursos oferecidos pelas

Unidades Formadoras devem se enquadrar em uma das áreas profissionais reconhecidas pelo

Conselho Nacional de Educação. A organização curricular dos cursos deve envolver

conhecimentos de formação profissional e conhecimentos de formação cidadã, abrangendo

temas transversais como saúde, meio ambiente etc., bem como conjugando atividades teóricas

e práticas em módulos que contemplem a formação profissional inicial e o apoio à educação

básica.

Destaca-se, na parceria estabelecida no Projeto Escola de Fábrica, a definição do

papel de cada um: ao MEC/Setec compete a seleção e credenciamento das Unidades

Gestoras, a disponibilização de recursos financeiros (repassados pelo FNDE) e a supervisão

do processo. À Unidade Gestora compete a implantação do Projeto nas Unidades Formadoras,

captando empresas e unidades produtivas para coordenar a produção técnico-pedagógica,

formulando o projeto pedagógico, o plano de trabalho, o material didático, e acompanhando o

andamento dos cursos, que envolve formação de instrutores, seleção, avaliação e certificação

de alunos, e a prestação de contas dos recursos recebidos. À Unidade Formadora compete

prover a infra-estrutura física, sala de aula, mobiliário etc., disponibilizar funcionários para

atuarem como instrutores e arcar com os demais custos de implantação do Projeto, como

alimentação, uniforme e transporte dos alunos. O Projeto prevê ainda a possibilidade de

instituições de Educação Profissional e Tecnológica atuarem no Escola de Fábrica como

Unidades Gestoras ou através de contratos de cooperação, prestando serviço às empresas que

atuam como Unidades Gestoras.

PROEJA. Também sob a responsabilidade da Setec/MEC, o PROEJA inicialmente

denominado Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na

Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, desenvolve cursos de formação profissional

associados à escolarização para jovens e adultos. Criado em 2005, por meio do Decreto nº

5.478, referia-se inicialmente à oferta de cursos e programas de formação inicial e continuada

de trabalhadores e educação profissional técnica de nível médio para o público da EJA. Na

primeira versão, induzia-se a oferta de EJA nas instituições da Rede Federal de Educação

fins lucrativos, que possua comprovada experiência em gestão de projetos educacionais ou em gestão de projetos sociais” (art. 6º, da lei nº 11.180/2005). recomenda-se, no último caso (gestão de projetos sociais) que a instituição gestora esteja associada a instituições educativas credenciadas para atuar na educação profissional. 169 São consideradas Unidades Formadoras as unidades de produção, fábricas ou empresas de qualquer porte ou natureza, incluindo-se as prestadoras de serviço e as responsáveis por empreendimentos agro-industriais e rurais.

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145

Profissional e Tecnológica170, sendo estas obrigadas a destinar uma porcentagem inicial de

10% de suas vagas para o Programa171.

Conforme avaliou Rummert (2007), o desenho operacional desta primeira versão

“não concorreu para a ampliação do acesso, mas provocou o deslocamento de vagas já

existentes, em todos os níveis de cada unidade, para o atendimento da nova ação, posto que

sua oferta se dá em detrimento da criação de outras turmas de alunos” (p. 44). Outro aspecto a

ser destacado, ainda nesta primeira versão, é o fato de o Proeja ter sido definido pelo Decreto

nº 5.478/05 com uma carga horária menor do que em relação aos cursos regularmente

oferecidos: 1.600 horas no máximo para os cursos de formação inicial e continuada (Art 3º), e

2.400 horas no máximo para os cursos de educação profissional técnica de nível médio (Art

4º). Conforme assinala Frigotto (apud, ibidem), “Limitar a carga horária dos cursos a um

‘máximo’ é, na verdade, admitir que aos jovens e adultos trabalhadores se pode oferecer uma

formação mínima”.

Em 2006, o Decreto nº 5.840 revoga Decreto nº 5.478/05 e altera as diretrizes do

Proeja, passando a denominar-se Programa Nacional de Integração da Educação Profissional

com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. Dentre as

mudanças destacam-se a que estende o Proeja à Educação Básica (com a possibilidade de

articulação com o Ensino Fundamental, além do Esino Médio); a possibilidade de

participação de estados e municípios, como também de outras parcerias, com ênfase para a

parceria preferencial para o “Sistema S” (SENAI, SENAC, SENAT, SENAR), além das

instituições federais de educação profissional, que “deverão implantar cursos e programas

regulares do Proeja até o ano de 2007” (Art. 2º); e a possibilidade de ampliação da carga

horária, expressa na alteração de uma referência a horas máximas para cargas horárias

mínimas.

Apesar das variadas contradições, o PROEJA foi sendo reformulado e ampliado;

com aspectos que apontam avanços e limites intrínsecos. Os cursos oferecidos a partir do

novo Decreto, podem ser realizados de forma integrada ou concomitante172 por pessoas a

170 Referindo-se aos Centros Federais de Educação Tecnológica, as Escolas Técnicas Federais, as Escolas Agrotécnicas Federais e as Escolas Técnicas vinculadas às Universidades Federais. 171 Por exemplo, a Portaria nº 2.080, de 13 de junho de 2005, previa no Artigo 2º que os cursos seriam ofertados obedecendo às seguintes proporções: “I – em 2006, dez por cento do total de vagas de ingresso; II – em 2007, vinte por cento do total de vagas de ingresso; §1º A referência para as vagas de ingresso é o ano de 2005; §2º Em 2007, as metas fixadas neste artigo serão reavaliadas para o estabelecimento dos percentuais a serem aplicados a partir de 2008.” Disponível: http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf1/proejaportaria2080.pgf Acesso em: 06 jan. 2008. 172 “A forma integrada é aquela em que o estudante tem matrícula única e o curso possui currículo único, ou seja, a formação profissional e a formação geral são unificadas. Na forma concomitante, o curso é oferecido em instituições distintas, isto é, em uma escola o estudante terá aulas dos componentes da educação profissional e

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146

partir de 18 anos173, com um desenho que abrange as seguintes possibilidades:

1- Educação profissional técnica de nível médio com ensino médio, destinado a quem já concluiu o ensino fundamental e ainda não possui o ensino médio e pretende adquirir o título de técnico. 2- Formação inicial e continuada com o ensino médio, destinado a quem já concluiu o ensino fundamental e ainda não possui o ensino médio e pretende adquirir uma formação profissional mais rápida. 3-Formação inicial e continuada com ensino fundamental (5ª a 8ª série ou 6º a 9º ano), para aqueles que já concluíram a primeira fase do ensino fundamental. Dependendo da necessidade regional de formação profissional, são, também, admitidos cursos de formação inicial e continuada com o ensino médio174.

Analisando o movimento de ampliação das instituições que podem ser proponentes

do Proeja, percebemos, apoiados nos estudos de Rummert (2005; 2007), elementos de

contradição entre a fundamentação teórico-política e algumas das ações propostas no seu

Documento Base. A autora analisa, por exemplo, que o documento refere-se às instituições

parceiras:

[...] como “quaisquer organizações da sociedade civil que não visem lucro pecuniário na oferta de curso no âmbito desse Programa”. O documento destaca, entretanto, como “parceiras preferenciais instituições pertencentes ao Sistema S” (Proeja, Documento Base, p. 55. Itálico meu), num claro movimento de oposição em relação aos pressupostos anunciados nas partes introdutórias do mesmo documento e evidenciando a forte capacidade de intervenção do Capital nas propostas de educação da classe trabalhadora apresentadas pelo Governo Federal. Outro aspecto explicita o caráter híbrido da fundamentação teórico-política do Documento Base. Seus autores, ao apresentarem os princípios que devem nortear o PROEJA, afirmam que o “quarto princípio compreende o trabalho como princípio educativo” (Ibidem, p. 35), compreendido não em sua perspectiva de emprego, mas como forma de constituição da própria humanidade. Tal princípio, entretanto, conflitua diretamente com a concepção de trabalho como princípio educativo, tal como o é concebido pelos “parceiros preferenciais” eleitos pelo próprio MEC: os empresários que regulam a formação dos trabalhadores segundo as necessidades imediatas postas pelo mercado. (p. 44)

Em relação a potencialidades, destacam-se as estratégias de formação e pesquisa deste

programa. O processo envolve a oferta de cursos, tanto sob responsabilidade das instituições

assegurando formação continuada em EJA integrada a educação profissional, quanto sob a

responsabilidade do MEC, com a previsão de cursos de extensão, de pós-graduação, além do

fomento a linhas e núcleos de pesquisa em EJA e educação profissional.

em outra do ensino médio ou do ensino fundamental, conforme o caso. As instituições que optarem pela forma concomitante deve celebrar convênios de intercomplementaridade, visando o planejamento e o desenvolvimento de projetos pedagógicos unificados”. Cf. http://portal.mec.gov.br/setec Acesso em: 07 jan. 2007. 173 “A idade mínima para acessar os cursos do Proeja é de 18 anos na data da matrícula e não há limite máximo”. Cf. http://portal.mec.gov.br/setec Acesso em: 07 jan. 2006. 174 Documento disponível disponível em: <http://portal.mec.gov.br/setec/index.php?option=content&task=view&id=695&Itemid=848> Acesso em: 20 jun. 2007.

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147

Plano Nacional de Qualificação. Sob a responsabilidade do MTE, destaca-se o

PNQ, instituído em 2003175 para substituir o Planfor. O PNQ tem por objetivo promover a

qualificação social e profissional, certificação e orientação do trabalhador, com prioridade

para as “pessoas discriminadas no mercado de trabalho por questões de gênero, raça/etnia,

faixa etária e/ou escolaridade. Desse modo, [...] o PNQ busca fortalecer a probabilidade de

acesso do trabalhador ao mundo do trabalho e de sua permanência nele” 176. Além do alcance

e do financiamento bem mais restritos (em relação ao que era o Planfor), este Plano apresenta

modificações elaboradas a partir das críticas dirigidas ao Planfor; a carga horária dos cursos,

por exemplo, passa a ser de 200 horas, em média.

O PNQ foi normatizado pelo Codefat através da Resolução nº 333/2003, e é

operacionalizado de forma descentralizada, por meio dos Planos Territoriais de Qualificação

(Planteqs), em parceria com estados, municípios e consórcios municipais, para execução de

ações na área da qualificação em um dado território, e dos Projetos Especiais de Qualificação

(Proesqs), em parceria com entidades do movimento social e organizações não-

governamentais, se consideradas pelo MTE entidades de comprovada competência técnica e

capacidade de execução para elaboração de estudos, pesquisas, materiais didáticos etc.

Em articulação com o Plano Plurianual 2004-2007, que se articula em torno de três

objetivos – “a) inclusão social e redução das desigualdades sociais; b) crescimento com

geração de trabalho, emprego e renda, ambientalmente sustentável e redutor das

desigualdades regionais; e c) promoção e expansão da cidadania e fortalecimento da

democracia”177 –, o PNQ registra a necessidade de reorientar as diretrizes para ir além das

limitações do extinto Planfor, dentre outras, superando, as seguintes questões:

- desarticulação desta [da qualificação profissional] em relação às Políticas Públicas de Educação; - baixo grau de institucionalidade da rede nacional de qualificação profissional, que reserva ao Estado, por meio do MTE, o papel de apenas definir orientações gerais e de financiamento do Plano Nacional de Qualificação, executado integralmente por meio de convênio com terceiros; - ênfase do PLANFOR nos cursos de curta duração, voltados ao tratamento fundamentalmente das ´habilidades específicas´, comprometendo com isso uma ação

175 O ano de 2003 foi considerado um período de transição, a implementação do PNQ ocorrido a partir de 2004. Nos termos do MTE, “esse grande conjunto de mudanças exige um tempo para implantação, inclusive por limitações orçamentárias, mas, sobretudo pela disseminação de uma nova cultura” (Brasil, 2003: 21) 176 Cf. <http://www.planejamento.gov.br/planejamento_investimento/conteudo/radarsocial/trabalho.htm#6> Acesso em: 08 de janeiro de 2007. 177 Brasil, 2003: 17. Disponível em: < http://www.oei.es/etp/plano_nacional_qualificacao_brasil.pdf> Acesso em: 17 jan 2008.

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148

educativa de caráter mais integral.

O PNQ expressa, ao longo do seu documento base, a preocupação de superar os

limites e distorções apresentados no programa anterior. Nesta direção, apresenta-se

fundamentado em seis dimensões, a saber: a dimensão política (qualificação profissional

como direito e como espaço de negociação coletiva); a dimensão ética (transparência no uso e

gestão dos recursos públicos); a dimensão conceitual (prevalência de noções como educação

integral, efetividade social etc.); a dimensão pedagógica (aumento da carga horária dos

cursos, articulação prioritária com a educação básica etc.); a dimensão institucional

(integração das Políticas de Emprego entre si, e destas em relação às Políticas de Educação);

e, por fim, a dimensão operacional (planejamento territorial na elaboração dos planos e

projetos). A qualificação profissional é vista como uma construção social e, nesse sentido, o

PNQ pretende ser “fator de inclusão social, de desenvolvimento econômico, com geração de

trabalho e distribuição de renda”178. O documento destaca ainda conceitos como educação

integral, formas solidárias de participação social e gestão pública, efetividade social,

qualidade pedagógica, em oposição à visão da construção do conhecimento como processo

estritamente individual e como uma derivação das exigências dos postos de trabalho, que era

uma característica do Planfor.

Ao considerarmos que com o Planfor o MTE visava atender a demandas por

educação da população adulta de baixa escolaridade, através de uma rede específica de cursos

de qualificação e requalificação profissional de curta duração e, completamente dissociados

da educação básica, não se pode deixar de destacar que, do ponto de vista da formulação

teórica, o PNQ sinaliza avanços para a educação dos trabalhadores179.

Todavia, conforme destacado por Cêa (2004), apesar da melhoria nas intenções e

conceitos,

[...] a transição do PLANFOR para o PNQ mantém inalterado o sentido da qualificação profissional como uma política de Estado, vinculada às relações entre capital e trabalho, cuja substantividade diz respeito à sua condição de instrumento de regulação social, orientado para a mercantilização das relações entre o Estado estrito senso e a sociedade civil e para a legitimação do financiamento público da reprodução ampliada do capital. (p. 1-2, grifo nosso)

178 Idem, p. 23. 179 Por exemplo, segundo o documento do Plano Nacional de Qualificação – PNQ 2003-2007, “entende-se a Qualificação Social e Profissional como direito e condição indispensável para a garantia do trabalho decente para homens e mulheres. Define-se Qualificação Social e Profissional como aquela que permite a inserção e atuação cidadã no mundo do trabalho, com efetivo impacto para a vida e o trabalho das pessoas” (p. 24).

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149

Programa Nacional de Estimulo ao Primeiro Emprego. No MTE encontram-se

ainda os projetos vinculados ao PNPE. Instituído em 2003180, o PNPE é um programa do

governo federal voltado para “combater à pobreza e à exclusão social”, aproveitando a

capacidade que as organizações da sociedade civil possuem no sentido de obter resultados

“junto ao público jovem, em situação de vulnerabilidade pessoal e risco social, em especial,

nos locais em que o Estado tradicionalmente não chega”.

Os projetos desenvolvidos no âmbito do PNPE apresentam em comum a meta de

inserir no mercado de trabalho jovens entre 16 a 24 anos181, com renda familiar per capita de

até meio salário mínimo, e jovens com escolaridade média ou fundamental incompleta. O

PNPE articula um conjunto variado de ações, divididos em duas linhas: a primeira,

denominada de “qualificação social e profissional”, composta pelos projetos Consórcio Social

da Juventude, Juventude Cidadã e Empreendedorismo Juvenil; e a segunda, denominada

“inserção imediata no mercado de trabalho”, composta por ações de subvenção econômica e

responsabilidade social. Neste trabalho destacaremos os dois primeiros projetos, por

apresentarem articulação com a educação básica.

O Projeto Juventude Cidadã, implementado a partir de 2003, é a reformulação de

um projeto criado em 1996 – portanto, durante o primeiro governo Fernando Henrique

Cardoso – o Serviço Civil Voluntário, que havia sido instalado no âmbito do Planfor, como já

mencionado, e integrado ao Programa Nacional de Direitos Humanos, com a participação do

MTE e do Ministério da Justiça. O foco do Serviço Civil Voluntário era a qualificação

profissional para jovens a partir de 18 anos, de baixa escolaridade, considerados em situação

de risco e que tivessem sido excluídos do serviço militar obrigatório. No governo Luiz Inácio

Lula da Silva este programa passou a integrar a Secretaria de Políticas Públicas de Emprego

(SPPE), no âmbito do PNPE e passa a chamar-se Juventude Cidadã.

O foco do Juventude Cidadã não difere muito do programa anterior. As principais

alterações foram: faixa etária reduzida para 16 anos (passando a atender dos 16 aos 24 anos);

prioridade de atendimento a jovens oriundos do sistema penal ou de medidas socioeducativas,

mais do que a excedentes do serviço militar; e os convenientes (instituições parceiras) ficam

comprometidos a inserirem no mercado de trabalho 30% dos alunos do Programa – os outros

180 Instituído por meio da Lei 10.748/2003, que cria o PNPE e introduz o artigo 3º a Lei 9.608/1998, que dispõe sobre o trabalho voluntário, com a alteração, abriu-se a possibilidade para o trabalhador voluntário receber uma remuneração denominada de “auxílio financeiro” (anteriormente o trabalho voluntário era considerado atividade não remunerada). No ano seguinte, a Lei 10940/2004, promoveu modificações quanto ao aumento do valor do incentivo pago às empresas participantes do PNPE, além de criar facilidades operacionais. 181 O MTE destaca que o nível de desemprego nesta faixa etária (dos 16 aos 24 anos) é quase o dobro.

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150

pré-requesitos são basicamente mantidos.

De acordo com o Termo de Referência do Projeto182, o Juventude Cidadã pretende

“contribuir para ampliar as oportunidades de qualificação, expandindo as possibilidades de

inserção e permanência dos jovens no mundo do trabalho”. Para tanto, diz privilegiar a

aprendizagem pela experiência, apresentando cinco eixos principais: formação em cidadania e

direitos humanos, prestação de serviços voluntários à comunidade, qualificação social e

profissional, estímulo e apoio efetivo à elevação da escolaridade, inserção no mercado de

trabalho. Os cursos realizados pelos parceiros devem ter 300 horas/aula, sendo que 100

horas/aula devem corresponder a temas relativos aos direitos humanos, e 200 horas/aula à

qualificação profissional. Além disso, os alunos devem atuar durante 125 horas em prestação

de serviços à comunidade.

O Consórcio Social da Juventude, outra ação no âmbito do Pnpe, do MTE, seu

objetivo é possibilitar maiores oportunidades de trabalho, emprego e renda “para jovens em

situação de vulnerabilidade pessoal e risco social, por meio da mobilização e da articulação

dos esforços da sociedade civil organizada”. Constitui assim instrumento para a consolidação

da parceria governo-sociedade e como porta de entrada complementar do Programa, a fim de

atingir parte do público jovem e garantir a integração das Políticas Públicas de Emprego.

Cada Consórcio Social é composto por um grupo (chamado de rede) de no mínimo

10 (dez) entidades e/ou movimentos sociais e/ou organizações da juventude, legalmente

constituídos, com afinidades e interesses comuns. No que se refere ao mecanismo de

financiamento, o MTE firma convênio com uma entidade do Consórcio Social da Juventude,

identificada como entidade "âncora", a qual pode subcontratar outras entidades para a

execução das ações previstas no Plano de Trabalho. Os jovens têm aulas de ética, cidadania e

meio ambiente, inclusão digital, noções de empreendedorismo e apoio à elevação da

escolaridade, além de freqüentarem uma oficina de capacitação profissional. Têm direito ao

recebimento de uma bolsa de R$ 150,00 por mês183 e, em contrapartida, prestam serviços

comunitários. Segundo o Termo de Referência do Consórcio184, o público prioritário que se

pretende alcançar é composto, predominantemente, por jovens com “maior dificuldade de

acesso a oportunidades de trabalho, com destaque para quilombolas e afro-descendentes,

indígenas, egressos de unidades socioeducativas, em conflito com a lei, portadores de

182 Disponível em: <http://www.mte.gov.br/pnpe/termojuventude.pdf> Acesso em: 03/04/2007. 183 Lei n.10.748, 22/10/2003. 184 Disponível em: <http://www.sementes.org.br/csj/files/doc /Termo%20de%20Refer%C3%AAncia.pdf> Acesso em: 3 abr. 2007.

Page 151: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

151

necessidades especiais, trabalhadores rurais e jovens mães”. O formato do Consórcio Social

da Juventude, constiui um dos mais claros exemplos da emergência da atuação das

organizações não-governamentais na execução de políticas públicas sociais, por meio de

convênios, como “prestadores de serviço” para os governos, constituindo-se em um

verdadeiro consórcio de ONGs.

Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – Pronera. Outra ação

desenvolvida fora do âmbito do MEC refere-se à continuidade do Pronera, que, no governo

Luiz Inácio Lula da Silva, encontra-se no âmbito do atualmente denominado Ministério de

Desenvolvimento Agrário e, diferente dos demais programas, conforme será visto, manteve a

mesma denominação e teve seu raio de ação ampliado.

Diante de uma realidade educacional alarmante no meio rural (altos índices de

analfabetismo e baixos níveis de escolaridade), a despeito das dificuldades encontradas

parece-nos que o Pronera foi se constituindo e sendo reconhecido como uma ação que

contribui para ampliar os níveis de escolarização formal da população rural. Conforme

afirmado nas Referências para uma Política Nacional de Educação do Campo (Brasília, 2005:

34).

O objetivo geral do Pronera é fortalecer a educação nos assentamentos estimulando, propondo, criando, desenvolvendo e coordenando projetos educacionais, utilizando metodologias específicas para o campo. O programa tem como essência a preocupação de capacitação de membros das próprias comunidades onde serão desenvolvidos os projetos, na perspectiva de que sua execução seja um elemento estratégico na promoção do Desenvolvimento Rural Sustentável.

Assim, o Pronera propõe e apóia projetos de educação que utilizem metodologias

voltadas para o desenvolvimento das áreas de reforma agrária, na perspectiva da promoção de

um modelo de desenvolvimento do campo de base sustentável. Não obstante, há que se

considerar que na sociedade capitalista inexistem práticas pedagógicas autônomas, mas

somente práticas pedagógicas contraditórias. A participação do MST na proposição do

Pronera e sua influencia nas concepções e práticas educacionais empreendidas em varias

experiências do Pronera é um exemplo dessa complexidade. Dessa forma, uma análise mais

detida das correlações de força e disputas internas pode dar a dimensão das especificidades

das opções políticas nas formas de gestão dos programas/projetos que dimensionem

possibilidades e limites dos mesmos.

Page 152: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

152

O Incra e a ONG Ação Educativa185 firmaram convênio para a realização de uma

avaliação nacional do Pronera. Dentre os resultados, foi destacado que este Programa não se

consolidou como política pública tendo se caracterizado principalmente, pela inconstância

quanto ao número de convênios, de dotações orçamentárias e alunos atendidos. Assim, foi

avaliado que

No período 1998-2002, o Pronera não consolidou uma política pública, operando como um programa governamental que, embora limitado, chegou a 14% dos assentamentos rurais e criou oportunidades educacionais para cerca de 115 mil jovens e adultos que aí vivem, promovendo a alfabetização de adultos e elevando a escolaridade de jovens professores e técnicos que dinamizaram a vida cultural de suas comunidades. (Di Pierro, 2004: 34)

Apesar do pouco avanço na histórica defasagem no atendimento educacional

das populações do campo, convém sublinhar o avanco, mesmo que apenas em termos legais,

que significou a institucionalização das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas

Escolas do Campo. De acordo com seu Art. 2º,

Estas Diretrizes, com base na legislação educacional, constituem um conjunto de princípios e de procedimentos que visam a adequar o projeto institucional das escolas do campo às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e Médio, a Educação de Jovens e Adultos, a Educação Especial, a Educação Indígena, a Educação de Nível Técnico e a Formação de Professores em Nível Médio na modalidade normal186

A partir de 2003, o Pronera iniciou uma nova gestão, ocorrendo uma redefinição das

estratégias de ação, bem como dos rumos financeiros e pedagógicos do Programa. Nesse

mesmo ano ocorreu o I Seminário Nacional do Pronera. Nele, o governo federal, através do

MDA e do Incra, firmou um protocolo de cooperação com a UNESCO, objetivando ampliar a

atuação do Programa. O acordo referendava a produção e publicação de materiais didático-

pedagógicos dirigidos aos assentados, a realização de eventos de formação continuada e a

capacitação com monitores da UNESCO, além da avaliação periódica dos projetos.

Nesta direção, observa-se nessa nova fase a ampliação e diversificação em níveis e

modalidades de ensino. Sendo assim, atualmente, o Programa apóia financeiramente a EJA

(com cursos de alfabetização, ensino fundamental e médio), os cursos de formação

profissional (técnicos) e os cursos superiores de graduação e em nível de especialização. O

Pronera também apresenta intensa atuação na capacitação de educadores para atuação nas

185 A Ação Educativa é “uma instituição civil sem fins lucrativos que desenvolve projetos de intervenção, pesquisa, documentação, comunicação, assessoria e formação de educadores nos campos da educação e cultura com jovens e adultos. A organização foi fundada em 1994 como sucedânea do Programa Educação e Escolarização Popular do Centro Ecumênico de Documentação e Informação – CEDI” (Di Pierro, 2000: 139). 186 Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CEB012000.pdf> Acesso em: 06/04/2008.

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153

escolas dos assentamentos, e coordenadores locais, que agem como multiplicadores e

organizadores de atividades educativas comunitárias.

Profae. Criado em 1999 e iniciado em 2000, pelo Ministério da Saúde (MS), o

Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem justifica-se pela

existência de quantidade expressiva de trabalhadores dessa área sem escolaridade básica. O

Profae desenvolve: (1) Complementação do Ensino Fundamental, para os trabalhadores que

não tiveram a oportunidade de conclui-lo, com duração máxima de 18 meses, oferecido

mediante utilização de cursos supletivos, com avaliação no processo; (2) Curso de

Qualificação Profissional de Auxiliar de Enfermagem, para os trabalhadores que concluíram o

Ensino Fundamental. É um curso de nível técnico com duração de 12 meses e carga horária de

1.100 horas; (3) Curso de Qualificação Profissional do Técnico em Enfermagem, para os

trabalhadores que concluíram o Ensino Médio e já são Auxiliares de Enfermagem. Também é

um curso de nível técnico. Posteriormente, justificado pela necessidade de formar professores

especializados para atuar nesse campo, em particular nos cursos de qualificação profissional

do Profae (o curso de Auxiliar de Enfermagem e o curso de Técnico de Enfermagem), o

Projeto passou também a atuar com (4) Curso de Especialização de Formação Pedagógica em

Educação Profissional na Área da Saúde. É um curso de pós-graduação lato sensu para

profissionais já graduados e/ou licenciados em Enfermagem, para atuarem como docentes da

Educação Profissional, funcionando na modalidade de educação à distância. Vale destacar

ainda, que segundo documentos disponíveis no sítio do Ministério da Saúde, o Profae foi

“repactuado” no primeiro governo Luiz Inácio Lula da Silva e teve em 2004 suas ações

garantidas e ampliadas como, por exemplo, elaboração de livros texto específicos para os seus

alunos, mestrado profissional, realização de pesquisas etc. Por fim, interessante perceber, para

os propósitos do nosso trabalho, que ao atuar com ensino fundamental e médio para

trabalhadores da área da saúde, o Profae também se constitui em um exemplo de iniciativa do

governo federal na área de EJA, concebido e executado fora do Ministério da Educação187.

Soldado Cidadão. Realizado pelo MTE em parceria com o Ministério da Defesa

(MD), este projeto foi criado em 2002 e objetiva fornecer qualificação profissional aos

187 Informações disponíveis em http://portal.saude.gov.br/portal/saude/area.cfm?id_area=1261. Acessado em 12/01/2008.

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154

militares temporários das Forças Armadas, principalmente quando estes estiverem próximos

de seu licenciamento por término do tempo de serviço, visando proporcionar melhores

condições de ingresso no mercado de trabalho quando saírem do exército. Os cursos são

ministrados, em geral, em parceria com o Sistema “S” e CEFETs, apresentam em média uma

carga horária de 160 (cento e sessenta) horas, com a duração de 20 (vinte) dias, e atividades

diárias de oito horas, com uma proposta pedagógica que envolve conteúdo programático

específico de qualificação profissional, noções básicas de empreendedorismo e palestras.

Após o término das aulas, os alunos aprovados fazem jus ao certificado de conclusão emitido

pela respectiva entidade de ensino e foram incluídos no Programa Nacional de Estímulo ao

Primeiro Emprego para os Jovens.

Agente Jovem. O Programa Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano,

executado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), é definido

como uma ação de assistência social voltada para a juventude, visando o desenvolvimento

pessoal, social e comunitário do jovem. Criado em 2001, no segundo governo Fernando

Henrique Cardoso, para atender jovens em situação de vulnerabilidade e risco social,

pertencentes a famílias com renda per capita de até meio salário mínimo que não eram

cobertos pelo programa Bolsa-Escola, foi mantido no governo Luiz Inácio Lula da Silva

praticamente nos mesmos moldes, à exceção de duas pequenas alterações: anteriormente o

programa estava subdividido em dois projetos – o Agente Jovem (atendendo de 15 a 17 anos)

e o Centro da Juventude (que atendia jovens de 15 a 24 anos) – e a partir de 2003 o Centro da

Juventude foi extinto e o Agente Jovem passou a atender os jovens de 15 a 24 anos. Seu

público alvo são os jovens que “estejam fora da escola; que participem ou tenham participado

de outros programas sociais, que estejam em situação de vulnerabilidade e risco pessoal e

social; que saíram ou que ainda estejam sob medida protetiva ou socioeducativa; pessoas

vindas de Programas de Atendimento à Exploração Sexual Comercial de Menores”188.

O Agente Jovem oferece durante um ano capacitação teórica com carga horária

mínima de 300 horas aula, composta de um núcleo básico, de um núcleo específico e de

capacitação prática. Na faixa etária de 15 a 17 anos são priorizadas as trocas culturais e

intergeracionais e o acesso à tecnologia, estabelecendo compromisso do jovem quanto à sua

permanência no sistema de ensino; de 18 a 24 anos, caracterizado pela maioridade civil, além

188 Disponível em: <http://www.mds.gov.br/servicos/fale-conosco/assistencia-social/beneficiario-nao-beneficiario/psb-2013-protecao-social-basica/o-que-e-o-agente-jovem> Acesso em 15 dez. 2007.

Page 155: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

155

de atividades direcionadas ao protagonismo no território, deve-se incluir a educação para o

trabalho.

Os principais objetivos do Agente Jovem são: “criar condições para a inserção,

reinserção e permanência do jovem no sistema de ensino; preparar o jovem para atuar como

agente de transformação e desenvolvimento de sua comunidade; desenvolver ações que

facilitem sua integração e interação, para quando estiver inserido no mercado de trabalho”189.

Durante os 12 meses em que o aluno estiver no Programa e atuando em sua comunidade,

recebe uma bolsa de R$ 65,00 (sessenta e cinco reais)190, desde que participe no mínimo de

75% do total de aulas na escola e das atividades previstas.

O Agente Jovem apresentou muitos impasses e tensões. A idéia de protagonismo

juvenil escondia uma relação precarizada e temporária de trabalho, e um processo de

despolitização dos problemas imediatos da comunidade, ao associar-se à idéia de um

empreendedorismo social, do “faça você mesmo”, desresponsabilizando o Estado na solução

dos problemas da comunidade em que o jovem está inserido. No entanto, apesar das

evidências do baixo impacto do Programa para aqueles que passaram por ele, e de problemas

de estrutura e gestão evidenciadas na avaliação nacional realizada pelo Data-UFF191, o MDS

insiste na sua manutenção (com reformulações). A partir de 2008 o Agente Jovem, passou a

chamar-se ProJovem Adolescente.

ProJovem. A cargo da Secretaria-Geral da Presidência da República, o Programa

Nacional de Inclusão de Jovens: Educação, Qualificação e Ação Comunitária, criado pela

Medida Provisória nº 238, de 2005, que também instituiu o Conselho Nacional de Juventude e

a Secretaria da Juventude. Criado em caráter emergencial e experimental, o ProJovem se

propõe a oferecer, na forma de curso, “elevação da escolaridade, tendo em vista a conclusão

do Ensino Fundamental; qualificação [profissional], com certificação inicial; desenvolvimento

de ações comunitárias de interesse público”192 e é apresentado como “componente estratégico

189 Ibidem. 190 O valor da bolsa do Agente Jovem foi estipulado em 2001 e permaneceu o mesmo ao longo do primeiro governo Lula. 191 Informações disponíveis em: <http://www.mds.gov.br/programas/rede-suas/protecao-social-basica/projeto-agente-jovem-de-desenvolvimento-social-e-humano> Acesso em: 12 de janeiro de 2008. O relatório da avaliação encontra-se disponível em: <http://www.uff.br/obsjovem/mambo/index.php?option=com_content&task=view&id=376&Itemid=9> Acesso em: 12 de janeiro de 2008. 192 Brasil. MTE. ProJovem, 2005: 13. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pceb002_05.pdf> Acesso em: 06 jan 2008.

Page 156: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

156

da Política Nacional de Juventude, no Governo Luiz Inácio Lula da Silva”193, tendo em vista

alcançar a parcela da juventude mais vulnerável e menos contemplada por políticas públicas.

É coordenado pela Secretaria-Geral da Presidência da República, juntamente com os

Ministérios do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, do Trabalho e Emprego e da

Educação, que compõem um Comitê Gestor. A execução do Programa ocorre em regime de

parceria com prefeituras municipais, bem como com outras entidades e organizações da

sociedade civil sem fins lucrativos, após sua adesão ao Programa através de convênio com a

União.

O ProJovem na sua primeira versão destinava-se a pessoas com idade entre 18 e 24

anos, residentes das capitais, que não estejam matriculados em escolas, com Ensino

Fundamental incompleto (tendo concluído a 4ª e não concluído a 8ª série) e que não tenham

vínculo empregatício. Para este “público-alvo” oferta-se uma ação educativa organizada em

turmas (30 alunos), núcleos (5 turmas) e Estações Juventude (8 núcleos). O ProJovem foi

autorizado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) a conferir certificação de estudos,

tendo sido aprovado como projeto experimental pelo Parecer CNE/CEB nº 2/2005194.

O desenho do currículo é organizado em quatro unidades formativas, com duração

de três meses cada uma, “nas quais os diferentes componentes curriculares se integram em

eixos temáticos estruturantes que estabelecem, entre si, a progressão das aprendizagens, de

forma contínua e articulada”195. A carga horária total é de 1.600 horas (sendo 400 não-

presenciais), distribuídas em formação escolar equivalente ao segmento da 5ª à 8ª série do

Ensino Fundamental (800 horas), qualificação profissional inicial (350 horas) e participação

em ações comunitárias de “interesse público” (50 horas). A esta tripla vertente, atribui-se o

caráter de “formação integral”. Com cinco horas diárias de aula ao longo de 12 (doze) meses

ininterruptos de duração do curso, o aluno recebe um auxílio financeiro mensal que desde o

ano de 2005 estava estipulado no valor de R$ 100,00 (cem reais). Trata-se, portanto, de uma

ação que apresenta prévia definição de currículo, material didático e sistema de certificação.

É relevante registrar que o ProJovem constitui uma ação para a juventude já privada

de outros direitos básicos (além da educação), residente nas capitais e regiões metropolitanas

do país, onde a visibilidade da desigualdade social se faz mais evidente. Desta forma, ao

193 idem, 4. 194 Chama a atenção no ProJovem o conjunto de regulamentações que o institucionaliza: depois da Medida Provisória (nº 238, de 1/02/2005) que o instituiu, ocorre a promulgação da Lei nº 11.129, de 30/06/2005, que de fato, cria o Programa, e o Decreto nº 5.557, de 5/10/2005 que o regulamenta. Destaca-se ainda a aprovação de diretrizes e procedimentos técnico-pedagógicos para a implementação do ProJovem pelos Pareceres CNE/CEB nº 2/2005 e CNE/CEB nº 37/2006, e, por fim, a Resolução CNE/CEB nº 3/2006. 195 Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/projovem.pdf.> Acesso em: 10 mai. 2007.

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157

longo do documento, fica perceptível a associação entre juventude, pobreza, droga e

violência. Considerados como um problema para a sociedade, esses jovens, vistos como “em

situação de risco social”, são concebidos como uma ameaça a ser prevenida por meio de

projetos de inclusão social, protagonismo juvenil e/ou capacitação para o trabalho. Exemplo

deste tipo de formulação pode ser depreendido do depoimento do próprio presidente Luiz

Inácio Lula da Silva, quando declarou em entrevista196, que a questão da juventude é uma

questão de segurança pública e citou o ProJovem e o Escola de Fábrica como exemplos de

ações voltadas para inibir a violência e a marginalidade. Apesar de extensa, a citação abaixo é

bastante representativa dessa concepção:

Eu sei que o problema da segurança é delicado, eu sei que o problema da segurança envolve, sobretudo, uma parte da juventude brasileira com a qual nós estamos trabalhando. Não foram poucas as coisas que criamos para a juventude brasileira. Nós criamos a Secretaria Nacional, criamos o Conselho da Juventude, temos programas da juventude atendendo quase 900 mil jovens, pagando auxílio, uma ajuda de custos, seja no ProJovem, seja no Escola de Fábrica, seja no Consórcio da Juventude, seja no Soldado Cidadão, para que esse jovem possa voltar a estudar. [...] E o ministro Tarso Genro [Justiça] vai, até o final do mês, me apresentar as diretrizes para um novo programa de segurança pública, que só pode dar resultado se for feito combinado com os governadores e, portanto, combinado com a nossa Secretaria de Segurança Nacional, com as secretarias de segurança de cada Estado. Eu acho que é um conjunto de coisas que precisamos fazer, e a primeira delas é tentar recuperar a juventude brasileira, recuperar, sobretudo, aquele estoque que está aí e é resultado de toda a política dos anos 80, jovens de 24, 20 anos, que estão sem estudar, que estão desempregados. É um estoque muito grande, nós podemos cuidar com muito mais facilidade das crianças de hoje para quando virarem adolescentes, não caírem na criminalidade ou no banditismo. E nós precisamos trabalhar com todas as forças da sociedade. E eu digo: o Estado não tem competência de resolver esse problema sozinho, é preciso envolver todas as forças da sociedade brasileira, todos os entes federativos, tudo que é órgão da sociedade estar organizado para que a gente dê uma resposta a essa questão da juventude brasileira. E a questão da violência não está só ligada à questão da juventude. É uma questão de tempo você combater o crime organizado, estar melhor preparado, investir mais na inteligência.

O ProJovem, como outros programas citados, associa a “ameaça à ordem”, que a

juventude pobre potencialmente representa, à relevância de se estimular o protagonismo

juvenil, ao exigir do jovem uma atuação em ações comunitárias nas denominadas

“comunidades carentes” da qual fazem parte; desenvolvendo trabalho voluntário, - como, por

exemplo, recreação com as crianças, esclarecimento na questão das drogas ou na questão da

atividade sexual, pintando a escola, fazendo uma calçada etc. -, enfim, preenchendo o

ausência do poder público em troca de um pequeno valor sob a forma de bolsa, mensalmente

recebida. Em síntese, “o ProJovem constitui mais um exemplo de ação política que, sob a

196 Entrevista coletiva concedida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 15 mai. 2007 à jornalista Carla Corrêa, do Jornal do Brasil, publicada no jornal Folha OnLine. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u92429.shtml> Acesso em: 09 jan. 2008.

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158

aparência da inovação, gera a continuidade da submissão ao instituído” (Rummert, 2007: 73).

Finalizando esta revisão das políticas de EJA implementadas pela União entre 1996-

2006, os Quadros 1 e 2 apresentam os títulos das principais ações e órgãos federais nelas

envolvidos.

Quadro 1: Principais ações do governo federal relativas à EJA (1996 a 2002)

SECRETARIA-GERAL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA � Alfabetização Solidária

MEC TEM MEPF MS Sefor Incra

Encceja Planfor

Pronera Profae

*quadro elaborado pela autora.

Quadro 2: Principais ações do governo federal relativos à EJA (2003 a 2006)

SECRETARIA-GERAL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA � ProJovem

MEC TEM MDS MD MDA MS SPPE

Secad Setec Inep � � Incra Brasil

Alfabetizado

Proeja

Encceja PNPE PNQ

Agente Jovem

Soldado Cidadão

Pronera

Profae

Saberes da

Terra

Escola de

Fábrica

Consórcio Social da Juventude

Juventude Cidadã

*quadro elaborado pela autora.

Conforme se constata pela leitura dos Quadros 1 e 2, houve uma visível ampliação

do número de programas desenvolvidos de 2003 a 2006, no primeiro governo de Luiz Inácio

Lula da Silva; isto, no entanto, não se fez acompanhar de avanço significativo na construção

da oferta de educação básica no sistema público de ensino. Como Rummert tem demonstrado

em suas análises, o retrospecto da história recente tem indicado que “esse intrincado leque de

ações e siglas, projetos e programas – novos, reformados, desativados –, bem como os

recursos neles alocados, não lograram, até hoje, alterar de forma substantiva sequer os

elevados índices de baixa escolaridade da população” (2007: 7).

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159

Assim, embora o MEC tenha voltado a coordenar políticas próprias para EJA, não se

alterou a concepção hegemônica no governo federal quanto ao modo de formular e

compreender as ações para a EJA; sua realização por meio de políticas focais e dispersas em

vários ministérios e demais órgãos, inclusive com ações fora do alcance do MEC ou que nem

se identificam como pertencentes à modalidade, como foi o caso do ProJovem.

Como já foi dito, a descentralização do financiamento e da execução constituiu a

tônica do quadro de redefinição das políticas de EJA a partir da LDBEN de 1996. A partir de

2003, chama a atenção um discurso governamental que passou a valorizar a EJA, mas que

manteve um sistema de financiamento limitador das ações propaladas. Nesse processo,

constata-se, por exemplo, que, embora pautada no discurso da democratização da educação

para todos os brasileiros, a profusão de projetos e programas não tem democratizado o acesso

ao conhecimento, mas apenas multiplicado mecanismos de certificação, relativos à conclusão

do Ensino Fundamental e à formação profissional; também tem mascarado a opção pela oferta

privada (expressa na opção pela parceria), em detrimento da consolidação de políticas

permanentes para EJA no âmbito da escola pública.

Assim, embora tenha ocorrido a ampliação do acesso, a política educacional para a

EJA tornou-se ainda mais fragmentada e sobreposta. Ela é fruto basicamente, de um processo

de “democratização” que prioriza o alargamento de programas e projetos de baixa

institucionalidade, ofertados para o público da EJA (com particular ênfase, a juventude197) e

vinculados (direta ou indiretamente) à escolarização e/ou a algum tipo de educação

profissional. Este quadro pouco tem contribuído para a construção, no âmbito nacional, de

oferta significativa de educação escolar regular para jovens e adultos198. Como afirma

Rummert (2007), o discurso não se fez acompanhar de “ações concretas para a superação da

matriz construída na década anterior, como expressão cruzada das marcas históricas [...] em

associação ao ideário neoliberal” (p. 5). Assim sendo, a EJA apresenta mudanças e

continuidades, rearranjos da mesma lógica que preside as políticas para a educação de jovens

197 A esse respeito é ilustrativo o que ocorreu durante a solenidade de criação do Conselho Nacional da Juventude, da Secretaria Nacional da Juventude e do Programa Nacional da Juventude (ProJovem). Para demonstrar o empenho com esta parcela da população, o governo federal apresentou uma lista contendo nada menos que 50 (cinqüenta) programas com ações voltadas para a juventude. As ações são as mais variadas, como, por exemplo, o Brasil Alfabetizado e a Educação de Jovens e Adultos, o ProUni e o Financiamento Estudantil, bem como os Pontos de Cultura, o Projeto Segundo Tempo, o Pronaf Jovem, o Projeto Soldado-Cidadão e o Projeto Rondon. Ver lista completa em “Programas do governo federal com ações voltadas para a Juventude”. Cf. Juventude Notícias, de 01.02.2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/SecGeral/juventude/arquivos_projovem/programajuventude.htm acesso em 20 de jan. de 2008. 198 Apesar de prescrito na LDBEN (nº 9.394/96, Título III, Art.4º VI e VII), a perspectiva de educação escolar regular para jovens e adultos adequada às condições do educando, às suas necessidades e disponibilidades, garantindo condições de acesso e permanência na rede pública de ensino, ainda não se fez realidade.

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160

e adultos no Brasil, a qual consiste em atender às necessidades de sociabilidade do próprio

capital.

Em suma, constatamos que a União, ao longo dos três mandatos presidenciais aqui

estudados, empreendeu ações pautadas em elementos comuns, que podem ser assim

sintetizados: 1)focalização quanto ao público a que se destina, ou seja, reduzido alcançe

quantitativo e direcionado a públicos cada vez mais específicos; 2)fragmentação quanto à

forma de oferta, ou seja, ações desarticuladas e dispersas intra órgãos governamentais e entre

ações do governo com a sociedade civil; e 3)minimização da formação, expressa na oferta de

reduzido percurso educativo, tanto quantitativa quanto qualitativamente, ou seja, com

características predominantes de formação para o exercício do trabalho simples199. Esta

perspectiva, adotada desde a segunda metade da década de 1990, tem, a nosso ver, razões,

histórico-culturais mais amplas, confirmando a consolidação de um papel subalterno do nosso

país na divisão internacional do trabalho e a necessidade de algum alívio à pobreza e de

controle social para a manutenção da ordem diante da ampliação da desigualdade.

Tal como sintetizou Frigotto (2007), “a sociedade que se produz na desigualdade e se

alimenta dela não só não precisa da efetiva universalização da educação básica, como a

mantém diferenciada e dual” (p. 1138), ou seja, a não preocupação com a ampliação das bases

da produção científica e do direito de cidadania efetiva se expressa na negação da

universalização dos “fundamentos científicos gerais de todos os processos de produção e das

diferentes dimensões da vida humana” (p. 1139).

Considerando a problemática da EJA como algo complexo, que se relaciona com o

quadro político e econômico mais amplo, nacional e internacionalmente, é possível

compreender que “essa modalidade educativa, com a configuração de complementação de

escolaridade básica e/ou preparação para o exercício do trabalho simples, constitui uma das

mais claras expressões, no campo educacional, do antagonismo estrutural entre capital e

trabalho” (Rummert, 2003: 5). Nessa perspectiva, consideramos ser fundamental desvelar as

contradições e os paradoxos implícitos nas formas de regulação das oportunidades de acesso

da classe trabalhadora jovem e adulta à educação. Para tanto, tratamos a seguir o grau de

contribuição que a produção acadêmica acerca da temática – aqui representada pela ANPEd –

propicia à compreensão da EJA como parte da totalidade sócio-econômica, tal como vimos

199 “Marx divide o trabalho em trabalho simples e trabalho complexo ou qualificado. Segundo ele, o trabalho humano mede-se pelo dispêndio da força de trabalho simples, a qual, em média, todo homem comum, sem educação especial, possui em seu organismo. O trabalho simples médio muda de caráter com os países e estágios de civilização, mas é dado numa determinada sociedade. Trabalho complexo ou qualificado vale como trabalho simples potenciado ou, antes, multiplicado, de modo que uma quantidade de trabalho qualificado é igual a uma quantidade maior de trabalho simples” (Neves, 1997: 18).

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161

explicitando até aqui. A análise é baseada nos trabalhos acadêmicos que abordaram a EJA

apresentados na ANPEd nos GTs Trabalho e Educação, Educação Popular e Educação de

Pessoas Jovens e Adultas e sobre as reuniões anuais dos fóruns de EJA, que discutem e

deliberam sobre formulações de políticas para a área – os Encontros Nacional de Educação de

Jovens e Adultos – ENEJA’s, no período de 1995 a 2006.

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162

CAPÍTULO IV

CONCEPÇÕES E REFERENCIAIS TEÓRICO-METODOLÓGICOS SOBRE A EJA PRESENTES NA PRODUÇÃO DA ANPED E DOS ENEJAS

Nos capítulos anteriores procuramos delinear as relações entre o paradigma da

acumulação flexível, os acordos e declarações das agências multilaterais e as políticas

públicas implementadas nos governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da

Silva; relações essas que repercutem na configuração de uma concepção hegemônica de EJA

materializada em programas fragmentados sob variados apectos: quanto as ações, quanto aos

executores, quanto a distribuição dos conhecimentos historicamente produzidos. Assim,

nossos estudos apontam que o capital flexibilizado fragmenta a EJA por que fragmenta a

própria sociedade, atingindo particularmente, a classe trabalhadora.

No presente capítulo procuraremos delinear as relações entre as determinações mais

gerais do capitalismo contemporâneo, a produção acadêmica apresentada no âmbito da

ANPEd e as discussões empreendidas nos Encontros Nacionais de EJA. Tais relações

repercutem na configuração de uma concepção hegemônica de EJA sustentada em conceitos

como exclusão/inclusão social, participação/parceria, diferenças/diversidades etc. O presente

capítulo se justifica pelo reconhecimento de que os interlocutores envolvidos na política de

EJA atuam em um espaço muito mais amplo de disputa do que aquele circunscrito da gestão

governamental (seja no âmbito federal, estadual ou municipal de EJA). Com frequência, as

mesmas pessoas ocupam seqüencial e/ou concomitantemente variados “postos” que direta ou

indiretamente influenciam sobre as questões relativas à política nacional de educação de

jovens e adultos. Verifica-se que não raro, a mesma pessoa, como por exemplo, um

professor/pesquisador da universidade que apresenta uma produção teórica na ANPEd,

também é convidado para avaliar ou assessorar o desenho de uma política pública, ao mesmo

tempo em que mantém um vínculo direto com organizações não-governamentais que pode ser

beneficiada pela sua proximidade com o governo. Em outras palavras, há um entrelaçar de

interesses e influências pessoais e institucionais que também interferem e disputam

concepções.

Assim, na seqüência da busca por apreender o movimento complexo e contraditório

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163

do real em suas múltiplas relações, este capítulo objetiva explicitar os conceitos e refenciais

teórico-metodológicos presentes em trabalhos sobre a EJA apresentados através da

Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPEd – e dos Encontros

Nacionais de Educação de Jovens e Adultos – ENEJAs – que não só aglutinam participantes

de todo o Brasil, como representam os diversos agentes sociais atuantes na área. Procuramos

evidenciar que a realidade educacional brasileira e, particularmente, as concepções, políticas e

práticas que configuram o campo da EJA, entretecem um conjunto de amplas conexões que

formam não uma simples somatória de acontecimentos, mas um todo estruturado em que as

políticas para o campo de EJA, expressas em programas govenamentais, mantém relações e

mediações com concepções de EJA em disputa na sociedade, na qual se movem

pesquisadores, estudiosos, educadores e militantes; reunidos, por exemplo, em GTs na

ANPEd e/ou nos Fóruns que compõem o ENEJA.

4.1. A EJA na Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação

Esta seção tem por objetivo apresentar a produção acadêmica a respeito da EJA de

três grupos de trabalho da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação

(ANPEd)200: Trabalho e Educação, Educação Popular e Educação de Pessoas Jovens e

Adultas. A escolha dos GTs a serem pesquisados utilizou como critério a busca por grupos

que se debruçassem, de forma mais específica, sobre a educação (básica e profissional) dos

trabalhadores. Desta forma, justifica-se, além do GT Educação de Pessoas Jovens e Adultas –

200 A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) é uma sociedade civil, independente e sem fins lucrativos. Seu objetivo “é a busca do desenvolvimento e da consolidação do ensino de pós-graduação e da pesquisa na área da educação no Brasil”. Fundada em 1976, realiza reuniões anuais desde 1978, quando foi realizada a primeira, na Universidade Federal do Ceará. No ano seguinte, consolida-se sob a organização de admissão de sócios institucionais e sócios individuais. As atividades da ANPEd estruturam-se em dois campos: o fórum de coordenadores dos programas de pós-graduação em educação (EDUFORUM), que representa os programas de pós-graduação em educação, e os grupos de trabalho (GTs), que reúnem pesquisadores interessados na área da educação. Os GTs foram criados em 1983, organizados por temas, e são constituídos por sócios interessados em pesquisar e debater temáticas da educação. Num primeiro momento, foram criados oito grupos de trabalho: educação pré-escolar, educação de 1º grau, educação de 2º grau, educação superior, educação popular, educação e trabalho, educação rural, educação e linguagem. Hoje, são vinte e dois os GTs, cujos os trabalhos são apresentados nas reuniões anuais da ANPEd. Segundo o estatuto da Associação, os grupos de trabalho participam do julgamento do mérito acadêmico dos trabalhos inscritos para serem apresentados no seu âmbito. Para serem criados, os GTs precisam ter funcionado durante dois anos no formato de grupos de estudo, com aprovação prévia da assembléia geral. Ao longo dos anos, a ANPED “tem se projetado no país e fora dele, como um importante fórum de debates das questões científicas e políticas da área, tendo se tornado referência para acompanhamento da produção brasileira no campo educacional”. Disponível em: www.anped.org.br. Acesso em: 28 jan. 2006.

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164

GT 18, a escolha do GT Trabalho e Educação – GT 9. Cabe destacar que historicamente as

áreas de Trabalho e Educação e de Educação de Jovens e Adultos cresceram e consolidaram

suas ações e núcleos de pesquisa a partir de enfoques teórico-metodológicos diferenciados,

observando-se o escasso diálogo que mantinham entre si no período aqui analisado.

Como decorrência empírica e teórica, a primeira delas, grosso modo, tem tratado da

educação profissional, dos processos educativos e do trabalho no mundo da produção; a

segunda, tradicionalmente, tem se debruçado sobre a alfabetização e a ampliação da

escolaridade. Quanto ao outro GT selecionado, o de Educação Popular – GT 6, até

recentemente abordava as questões ligadas à EJA, além de se preocupar com as práticas

educacionais organizadas pelos trabalhadores, denominados nesse GT como classes

populares. Além disso, cabe ainda destacar que os pesquisadores que integram o GT de

Educação de Pessoas Jovens e Adultas, em sua maioria, têm como origem o GT Educação

Popular.

Para realizar esta pesquisa, traçamos uma estratégia metodológica que, em primeiro

lugar, exigiu a busca e seleção das fontes – os Anais (Resumos e Programas) e os CD-ROMs

das reuniões anuais da ANPEd, nos quais estão disponíveis os trabalhos dos GTs.

Em segundo lugar, definimos o recorte cronológico para seleção e organização das

fontes, que delimitamos nas doze últimas reuniões anuais: da 18a (1995) à 29a (2006). Por um

lado, consideramos que o período de doze anos acumula um número considerável de reuniões,

suficientes para apreender o movimento de deslocamento conceitual e temático dos grupos. E,

por outro lado, o recorte justifica-se por ter sido a partir da segunda metade da década de 1990

que se intensificaram o debate em torno do processo de mundialização, a implantação de

políticas neoliberais em nosso país, as discussões em torno da crise da modernidade, e, ao

mesmo tempo, se iniciaram as reformas do Estado e as reformas educacionais que redefiniram

as políticas para educação no Brasil, conforme discutido no primeiro e terceiro capítulo deste

trabalho.

Em terceiro lugar, consultamos os trabalhos que, produzidos por membros dos GTs

acima especificados, fazem um balanço de sua produção e apontam as temáticas emergentes.

Nesse sentido, alguns textos fazem uma avaliação do próprio GT, enquanto outros compilam

os principais aspectos e conteúdos da área201.

201 Nem todos os GTs analisados possuem este tipo de bibliografia. Foram considerados os seguintes textos: GT 9 – Trein e Ciavatta (2003), Kuenzer (1991, 1998), Frigotto (1998, 2001), Shiroma e Campos (1997), Ferreira (2002); GT 6 – Fleuri (1999), Garcia (2001), Gohn (2001) e Azibeiro (2004). Não foram localizados textos desse tipo sobre o GT 18.

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165

Na prática, a estratégia metodológica e suas exigências foram desenvolvidas

obedecendo aos seguintes passos que, basicamente, dizem respeito à organização das fontes:

1) Leitura dos resumos de todos dos trabalhos apresentados nos GTs 6, 9 e 18 no

período de 1995 a 2006, totalizando 381 trabalhos. Os dados referentes aos debates havidos

em cada GT foram sistematizados em quadros-síntese, de modo a facilitar sua visualização e

consulta202.

2) seleção, a partir dos quadros-síntese, dos trabalhos apresentados que abordam

temáticas pertinentes à EJA, buscando-se mapear as abordagens mais recorrentes em cada

reunião anual da ANPEd. Foram relacionados 53 trabalhos: 13 do GT 6, 17 do GT 9 e 23 do

GT 18, constantes do Apêndice desta tese. Deve-se ressaltar que, por motivos óbvios, foram

incluídos nessa seleção todos os trabalhos apresentados pelo GT 18 (Educação de Pessoas

Jovens e Adultas) desde a sua criação, em 1998.

3 – Análise dos trabalhos selecionados, buscando-se explicitar as questões

conceituais, teórico-metodológicas e empíricas.

Cabe destacar, encerrando a apresentação do caminho metodológico por nós traçado,

que não desconsideramos a importância dos trabalhos excedentes (os aprovados e não

apresentados) para a análise203, pois o processo de seleção expressa, entre outros aspectos, as

correlações de força dentro dos GTs. São relevantes, também, os trabalhos encomendados,

por sinalizarem tendências, reafirmarem ou negarem posições teóricas em questões delicadas,

repensarem as necessidades dos grupos etc. Desta forma, estes dois tipos de trabalhos

expressam de antemão os contornos, as margens e os limites em torno dos quais as questões

são abordadas no interior de cada grupo, e o alcance, o fôlego e as possibilidades para as

renovações de temas nos GTs. Portanto, serão considerados, em particular, os momentos de

nebulosidade em torno da relação entre as questões centrais que norteiam cada GT e as

questões que caracterizam a modalidade de EJA.

Compreendemos que a discussão sobre EJA é parte de uma discussão maior no

campo educacional, que passa não apenas pela questão da educação básica, mas também pela

questão da educação profissional, pela luta por acesso à educação superior e, de forma mais

202 Considerado um produto relevante da presente pesquisa, este catálago dos trabalhos apresentados nos GTs 6, 9 e 18 da ANPEd no período de 1995 a 2006, com o tíulo “Produção ANPEd – Trabalhos aprovados e apresentados nos GTs 6, 9 e 18”, integrará o Banco de Dados da pesquisa “Educação básica e profissional de trabalhadores. Políticas públicas e ações do Estado, do Trabalho e do Capital”, disponível em: www.uff.br/ejatrabalhadores. 203 Devido à necessidade de delimitar o campo da pesquisa, Pôsteres e Comunicações sobre EJA que integraram a pauta das reuniões anuais da ANPEd não foram contemplados nas análises empreendidas nesta tese, com exceção das Comunicações apresentadas nos três primeiros anos do período estudado (1995, 1996 e 1997), quando essas tinham, praticamente, o mesmo peso que os trabalhos apresentados.

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166

ampliada, pelas infinitas experiências populares que envolvem as lutas políticas e as

manifestações culturais. Assim, entendemos que esta discussão não pode estar separada da

materialidade histórica na qual se desenrola: os sentidos atribuídos à formação humana que

vêm se consolidando no bojo da dualidade educacional, e os caminhos econômicos, sociais e

políticos que o país vem traçando, particularmente desde a década de 1990, conforme exposto

nos capítulos anteriores. Com o objetivo de explicitar os elementos fundamentais para a

rediscussão/elaboração de um conceito de EJA que não esteja subsumido à lógica do capital,

consideramos fundamental esclarecer sua relação com a perspectiva adotada pelas políticas

educacionais, desvelando os suportes teóricos dessas propostas e explicitando os limites da

EJA orientada pela competitividade.

No âmbito científico e político, as denominações educação popular, educação de

jovens e adultos trabalhadores ou educação de pessoas jovens e adultas como uma educação

voltada para as minorias, para a classe que vive do trabalho ou classe trabalhadora, e para os

diferentes sujeitos e suas diversidades, representam mais do que diferenças semânticas.

Expressam disputa por significados e concepções de EJA filiados a diferentes referenciais

epistemológicos204 e, portanto, de projetos societários e, consequentemente, de formação

humana. O registro deste debate no campo acadêmico, fornecendo um panorama geral a partir

dos trabalhos sobre EJA apresentados nos GTs da ANPEd, pretende contribuir para elucidar

o campo, levantar pressupostos, situar o debate, explicitando lacunas e tensões atualmente

existentes.

Coerentemente com o materialismo histórico dialético que fundamenta esta tese,

consideramos que a primeira questão a ser destacada diz respeito à indissociabilidade entre a

EJA e a temática de classe. De uma maneira geral, podemos dizer que a EJA tem sido

historicamente aquela educação direcionada para a parcela da classe trabalhadora que no

interior das relações capitalistas de produção são as mais expropriadas pelo capital dos meios

de produção tanto materiais quanto simbólicos. Nesta perspectiva, como destaca Frigotto

(1996),

A educação, quando apreendida no plano das determinações e relações sociais e, portanto, ela mesma constituída e constituinte destas relações, apresenta-se historicamente como um campo da disputa hegemônica. Esta disputa dá-se na perspectiva de articular as concepções, a organização dos processos e dos conteúdos educativos na escola e, mais amplamente, nas diferentes esferas da vida social, aos interesses de classe. (p. 25)

204 Tomamos como pressuposto que “Toda teoria do conhecimento se apóia, implícita ou explicitamente, sobre uma determinada teoria da realidade e pressupõe uma determinada concepção da realidade mesma” (Kosik, 1995: 33).

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167

Deste ponto de vista, a prática educativa é concebida como uma prática social

contraditória que se define no interior das relações de produção da existência que se

estabelecem entre as classes sociais, numa determinada formação social; portanto, é alvo de

uma disputa de interesses antagônicos de classe (Frigotto, 1996). Nesse sentido, Kuenzer

(2004) destaca a relevância da categoria contradição:

É possível avançar, mas deve-se considerar que a superação destes limites só é possível através da categoria contradição, que permite compreender que o capitalismo traz inscrito em si, ao mesmo tempo, a semente de seu desenvolvimento e de sua destruição. Ou seja, é atravessado por positividades e negatividades, avanços e retrocessos, que ao mesmo tempo evitam e aceleram a sua superação. É a partir desta compreensão que se deve analisar a unitariedade como possibilidade histórica de superação e fragmentação. (p. 91, grifos nossos)

Conforme assinalamos no Capítulo III, no campo legal, atualmente, vigora a

definição estabelecida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: “A educação de

jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no

ensino fundamental e médio na idade própria” (Art. 37). A Resolução CNE/CEB n.1/2000,

que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para EJA, complementa a definição da

LDBEN com a frase: “e no que couber, da Educação Profissional” (Art. 2º) e acrescenta em

termos legais as funções atribuídas à EJA: reparadora, equalizadora e qualificadora tal como

apreentadas no Parecer CNE/CEB 11/2000. Tomando por base a categoria contradição205,

pretendemos apreender, no campo acadêmico, o processo de disputa e ampliação do conceito

de EJA e as novas questões advindas desse processo, tendo como idéia norteadora a síntese de

Rummert (2003), segundo a qual

[...] a problemática da educação de jovens e adultos trabalhadores é muito mais ampla e complexa do que aquela abrigada pelas questões referentes à alfabetização (embora estas não sejam menos importantes). Mais do que isso, [...] essa modalidade educativa, com a configuração de complementação de escolaridade básica e/ou preparação para o exercício do trabalho simples, constitui uma das mais claras expressões, no campo educacional, do antagonismo estrutural entre capital e trabalho. (p. 5)

Assim, para efeito do levantamento dos trabalhos apresentados nos GTs, foram

considerados os estudos relativos à educação formal ou informal, escolar ou extra-escolar que

tratassem da educação básica (incluídos subtemas ou temas conexos como a alfabetização,

205 Entendemos esta categoria como esclarece Kuenzer (1998): “a pesquisa deverá buscar captar a todo o momento o movimento, a ligação e unidade resultante da relação dos contrários, que ao se oporem dialeticamente, um incluindo-se/ excluindo-se no/do outro, se destroem ou se superam [...] buscando não explicações lineares que ‘resolvam’ as tensões entre os contrários, mas captando a riqueza do movimento e da complexidade do real, com suas múltiplas determinações e manifestações” (p. 65).

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168

ensino noturno206, exame/ensino supletivo, educação/formação de adultos a distância) e da

educação profissional (formação inicial e continuada de trabalhadores e educação profissional

técnica de nível médio, conforme os Decretos 2.208 e 5.154.). Portanto, a “Educação de

Jovens e Adultos” é considerada neste trabalho, como referente à educação básica e

profissional de jovens e adultos trabalhadores, sem que se desconsidere, por isso, a amplitude

da área207; ao contrário, é precisamente em decorrência de tal amplitude que somos obrigados

a delimitar o campo de análise. E foi a partir desse recorte que coletamos, organizamos e

analisamos os dados da sobre a produção acadêmica dos GTs selecionados.

4.1.1. GT 9 – Trabalho e Educação

O GT Trabalho e Educação, um dos primeiros da ANPEd, foi criado em 1981. A

temática comum em torno da qual se organizam suas discussões refere-se às relações que se

estabelecem entre o mundo do trabalho e a educação. Nestas relações, o GT 9 privilegia duas

preocupações centrais, conforme destacado por Trein e Ciavatta, “entender o mundo do

trabalho como processo educativo [...] e identificar os espaços de contradição que engendram

a construção de uma nova pedagogia comprometida com os interesses da classe trabalhadora”

(2003: 143).

A área Trabalho e Educação distingue-se de outras áreas de pesquisa em educação

por tomar a dimensão do trabalho como categoria central para a compreensão do fenômeno

educativo, e preocupar-se com as articulações recíprocas entre as dimensões do trabalho e da

educação. Desta forma, a reflexão sobre a categoria trabalho como atividade de produção da

existência humana e sobre os vínculos entre Trabalho e Educação tem constituído o núcleo

206 Nesta tese o ensino noturno é compreendido enquanto EJA, uma vez que não nos pautamos em referências burocráticas, mas nas características do público a que este ensino se dirige. Assim, compreendemos que não é o turno (diurno ou noturno), nem a duração (semestral ou anual) que designa a EJA, mas as características do público a que se destina. 207 Sobre a amplitude e complexidade da área, cabe destacar o assinalado por Canário (2000): “a emergência histórica da educação de adultos aparece, a partir do século XIX, associada a dois grandes processos sociais: por um lado o deenvolvimento de movimentos sociais de massa (movimento operário) que estão na raiz da vitalidade da educação popular; por outro lado, o processo de formação e consolidação dos sistemas escolares nacionais que conduziu, segundo uma lógica de extensão ao mundo dos adultos, à emergência de modalidades de ensino de segunda oportunidade. (...) A expansão acelerada da educação de adultos, no período subsequente à guerra, não representou apenas um processo de simples crescimento linear, como aquele que ocorreu no caso dos sistemas escolares. A difusão das práticas educativas dirigidas a adultos é acompanhada por um processo de diferenciação interna e de complexificação do próprio campo da educação de adultos, cuja marca mais relevante passa a ser, progressivamente, a da sua heterogeneidade” (p.12-13).

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169

central dos trabalhos discutidos no GT 9 o qual, como afirmam Trein e Ciavatta (2003), vem

construindo sua identidade “menos como um recorte no campo educacional e mais como a

busca da elaboração conceitual que auxilie na compreensão da formação humana” (p. 144), a

partir do referencial teórico-metodológico marxista, com base no materialismo histórico,

marca que constitui, fortemente, a identidade do grupo e que tem balizado a pesquisa na área.

O movimento de legitimação do materialismo histórico como referencial analítico fundamental do campo se fez, particularmente, pelas lideranças incisivas e permanentes de Miguel Arroyo e Gaudêncio Frigotto, desde a criação do GT até meados dos anos de 1990. Complementarmente, atuaram Acácia Kuenzer, na vinculação do campo com o ensino médio e na “pedagogia da fábrica”; Lucília Machado, na discussão do ensino técnico e da politecnia; Paolo Nosela, nos estudos gramscianos; Maria Ciavatta Franco, nos estudos históricos com documentação de época; Ozir Tesser, no referencial lukacsiano; Celso Ferretti, nos estudos sobre tecnologia e reestruturação produtiva. (Trein; Ciavatta, 2003: 142)

A princípio o GT 9 denominava-se Educação e Trabalho, mas após o primeiro

encontro do grupo de pesquisadores da área, em 1986208, optou-se pela inversão, que, como

explica Kuenzer, “reflete, mais do que uma diferença semântica, uma concepção teórica

fundamentada em uma opção política” (1991: 93). Nessa perspectiva, assumir a concepção do

trabalho como princípio educativo pressupõe que o trabalho (enquanto práxis humana,

material e não-material), é o princípio educativo primeiro na sociedade, fundamental para

superar a concepção burguesa da relação entre educação e trabalho. Neste encontro, a partir

da discussão sobre a produção na área, foram propostos cinco temas para investigação e

aprofundamento futuro do GT 9: educação e trabalho – teoria e história; profissionalização e

trabalho; trabalho e educação nos movimentos sociais; educação do trabalhador nas relações

sociais de produção e trabalho e educação básica.

O encontro chegou a um programa de investigação que expressa as necessidades, ao mesmo tempo, dos que produzem o conhecimento, dos que dele se utilizam, quer através da formulação de políticas, quer através da execução de programas de ação, e dos que financiam a investigação. [...] o estabelecimento conjunto de uma pauta de trabalhos que precisam ser desenvolvidos. (Kuenzer, 1991: 91)

Em 1996, Trein então coordenadora do GT 9, ao realizar um balanço da primeira

década (1986-1996), de pesquisas no campo de Trabalho e Educação, destaca que três grandes

temáticas haviam predominado:

[1] As mudanças científico-tecnológicas e suas conseqüências no processo produtivo, demandando um novo perfil do trabalhador, têm sido um tema

208 Kuenzer (1991) ao assumir a Coordenação de Educação e Trabalho no CNPq, organizou esse encontro para, a partir de uma discussão da produção acadêmica, identificar lacunas e propor novos temas para investigação, tendo em vista a criação de um programa de pesquisa para a área. Este Encontro se tornou um marco importante para os pesquisadores da área Trabalho e Educação.

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170

importante. Ele tem sido abordado tanto sob a perspectiva os trabalhadores e suas demandas por mais qualificação, quanto sob a ótica do capital, diante do imperativo da flexibilização que orienta a economia mundializada. [...] [2] a problemática da materialidade histórica no plano das relações sociais de produção e das relações sociais mais amplas. Nele, é abordada a concepção de formação humana politécnica e o trabalho como princípio educativo, em contraposição a abordagens fragmentárias onde o trabalho é visto apenas na sua dimensão mercantil. [...] [3] as questões capilares que emergem da articulação Trabalho e Educação. Nelas vêm sendo tratados temas como: currículo, gestão de formação, impactos da escolaridade no mercado de trabalho, articulação entre formação básica e profissional e, ainda, temas relacionados a grupos sociais específicos, onde são investigados: o trabalho infantil, a inserção da mulher no mercado de trabalho, raça e etnia num contexto de desemprego e exclusão social, dentre outros. (1996: 32, grifos nossos)

O exame da produção do GT 9, com base nos trabalhos aprovados e apresentados na

ANPEd ao longo dos últimos doze anos nos leva a afirmar que a educação básica de jovens e

adultos trabalhadores, apesar de não ser uma temática nova na agenda do GT 9 (nela

constando desde 1986), constitui, ainda hoje, um tema emergente e que continua a desafiar a

área. Nesse sentido, merece registro que, em 2002, em um encontro organizado pelo

NEDDATE209, denominado Intercâmbio Nacional dos Núcleos de Pesquisa em Trabalho e

Educação – Intercrítica, com a participação de vários núcleos de pesquisa da área, destaca-se

entre as propostas aprovadas o reconhecimento por seus participantes da necessidade de

incorporar a EJA à reflexão do campo de Trabalho e Educação210.

Do ponto de vista de nossa pesquisa, cabem aqui algumas questões: Por que não

houve preocupação com EJA? Por que são poucos os trabalhos apresentados no GT 9 sobre a

temática? Seria fruto da distância teórica entre o debate sobre EJA e o debate sobre trabalho e

educação? Seriam poucos os trabalhos encaminhados para avaliação do comitê científico? Os

particpantes do GT não consideravam a EJA uma expressão da dualidade estrutural derivada

do antagonismo capital x trabalho?

4.1.1.1. A produção científica selecionada no GT 9

Entre 1995 e 2005 foram apresentados aproximadamente211 cento e vinte e seis (126)

trabalhos no GT 9, nas Reuniões Anuais da ANPEd. Verificamos que um expressivo número

209 Núcleo de Estudos Documentação e Dados sobre Trabalho e Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense. 210 O Relatório Síntese do I Encontro Nacional encontra-se publicado na revista Trabalho Necessário, ano 1, n.1, 2003. Disponível em: www.uff.br/trabalhonecessario/Intercritica 211 Os dados foram conferidos com os trabalhos mencionados nos Programas e Resumos das Reuniões Anuais da ANPEd, embora, eventualmente, alguns possam não ter sido efetivamente apresentados. Por isso, consideramos os dados aproximativos e sujeitos a revisão, entretanto, suficientes para o movimento de análise que empreendemos neste estudo.

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aborda o sistema capitalista e as alterações no mundo do trabalho, como a reestruturação

produtiva e sua relação com novas exigências de formação do trabalhador, em sentido amplo,

e também o debate conceitual sobre a categoria trabalho. Estas temáticas gerais constituem

em torno de (65) dos trabalhos.212 Um segundo aspecto a ser ressaltado no exame dos

trabalhos apresentados no GT 9 refere-se à produção relativa especificamente à escolarização,

que representa apenas um pouco menos da metade (49) de toda a produção apresentada213

(Gráfico 1).

Gráfico 1 – Temáticas Gerais e Temáticas Relacionadas à Escolarização

0

10

20

30

40

50

60

70

ESCOLARIZAÇÃO(QUALQUER NIVEL OUMODALIDADE)

OUTRAS TEMÁTICAS

Dentre os trabalhos referentes à escolarização – educação formal e análise das

políticas para a educação –, a Educação Profissional, particularmente as escolas técnicas,

constitui o tema mais pesquisado. Foram identificados 30 trabalhos referentes à Educação

Profissional, enquanto somente 19 trabalhos abordam a Educação Básica. Neste universo,

cabe destacar que aparecem discussões sobre o trabalho docente, o conceito de educação

básica de qualidade e o consenso construído na década de 1990 sobre a Educação Básica.

Constata-se, assim, que a educação escolar dos trabalhadores está presente nos

trabalhos apresentados no GT 9; contudo, este tema aparece em um sentido amplo, através de

uma discussão de caráter geral, que muitas vezes não chega à escola de Educação Básica.

Sobre esse aspecto, Arroyo (1998) questiona a influência da reflexão do GT 9 sobre as

propostas escolares: “O conhecimento acumulado tem sido incorporado na teoria da educação

básica, na educação de jovens e adultos, na formação profissional, na formação de

professores, nas reformas curriculares, ou tem alimentado apenas nosso diálogo interno no

GT?” (p. 140).

212 Tal afirmação não significa que as temáticas gerais (análises com categorias econômicas e sociológicas) não tenham articulado o mundo das relações sociais e produtivas ao mundo da educação. 213 O Gráfico 1 também demonstra ser infundada a crítica muitas vezes elaborada por outros campos/grupos de pesquisa, de que o GT Trabalho e Educação não se preocupa com a escolarização.

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Neste sentido, Kuenzer (1998) avalia que, “seduzidos pelo ‘discreto charme’ das

análises globais contemporâneas, [...] acabamos por perder a perspectiva da especificidade do

nosso objeto de análise: a educação, escolar e extra-escolar” e, como conseqüência, “muitos

de nós perderam sua identidade de pesquisadores em educação” (p.71). Por isso, a autora

destaca que um dos principais desafios aos pesquisadores da área Trabalho e Educação é

compreender que, se por um lado é preciso ir ao mundo das relações sociais e produtivas

concretas, por outro é preciso retornar à escola, tendo em vista subsidiar a compreensão dos

processos pedagógicos a que estão submetidos os trabalhadores.

O estudo aqui realizado sugere que, no que diz respeito à temática da Educação

Básica do trabalhador, fica explícito o predomínio de trabalhos sobre o Ensino Médio

articulado, ou não à Educação Profissional de nível técnico e tecnológico, destacando-se as

escolas de formação profissional como as escolas técnicas, por exemplo; por outro lado,

também se percebe o insuficiente número de trabalhos sobre a educação do trabalhador no

nível do Ensino Fundamental.

Em relação à EJA, enquanto modalidade da Educação Básica nos níveis fundamental

e médio, os estudos encontrados incidem sobre o sujeito (como, por exemplo, aluno do

noturno) ou sobre a análise do projeto (como, por exemplo, o Telecurso 2000). Contudo, em

geral, não fazem referência ao fato de aquele estudo referir-se a uma modalidade específica da

educação. Em termos quantitativos, apenas 17 trabalhos apresentam como temática central a

escolarização dos jovens e adultos trabalhadores, representando apenas 1,5 % da produção

total do GT 9.

De uma forma geral, podemos classificar os trabalhos apresentados que abordam a

questão da escolarização do trabalhador jovem ou adulto a partir de dois grandes grupos: 1)

análises de experiências empíricas de práticas educacionais, utilizando como “campo”

escolas/programas educativos de empresas ou escolas da rede pública de ensino, e 2) análises

teóricas de concepções de educação para o trabalhador.

O Grupo 1, composto por Arrais (18ª reunião, 1995), Deluiz (19ª reunião, 1996),

Souza (20ª reunião, 1997), Andrade (22ª reunião, 1999), Maia (23ª reunião, 2000), Cruz;

Bianchetti (24ª reunião, 2001), Bueno (25ª reunião, 2002) e Wendorf (27ª reunião, 2004),

caracteriza-se por trabalhos que refletem sobre: o supletivo/escola noturna, o Telecurso 2000,

o Programa de Complementação da Escolaridade do Trabalhador de uma empresa de

metalurgia, a escola SENAP mantida pela Nestlé, a Escola da Sadia S.A.

O Grupo 2 pode ser dividido em dois subtemas: 2.1) composto por Rummert (21ª

reunião, 1998), Cêa (22 ª reunião, 1999), Souza; Deluiz; Santana (22ª reunião, 1999), Kober

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173

(25ª reunião, 2002), com ênfase em pesquisas teóricas com foco em análise de diferentes

concepções, como: disputa por concepções de políticas de formação profissional,

convergências e divergências sobre o conceito de educação básica de qualidade para a

formação dos trabalhadores, análise do consenso construído em torno da necessidade de

educação básica para o trabalhador e sobre os diferentes entendimentos sobre o papel da

educação para as centrais sindicais; e, 2.2) composto por Cêa (23ª reunião, 2000), Portela (23ª

reunião, 2000), Franzoi (27ª reunião, 2004), Rummert (28ª reunião, 2005) e Market (28ª

reunião, 2005), com ênfase pesquisas teóricas com foco análise de políticas públicas, como o

Planfor (MTE) e o Projeto Escola de Fábrica (MEC).

4.1.1.2. Principais referências teóricas

Entre os principais autores destacados nos 17 trabalhos selecionados no GT Trabalho

e Educação, o autor clássico mais citado foi Antonio Gramsci. Esse autor constitui referência

central em sete trabalhos, seguido de Karl Marx, referido em quatro deles; Karel Kosik e

Pierre Bourdieu aparecem em dois trabalhos (Tabela 1). Assim, dos autores considerados

clássicos, fica clara a predominância do referencial do materialismo histórico, orientado em

sua maioria pelo viés gramsciano. No entanto, P. Bourdieu, declaradamente não marxista,

aparece citado em dois trabalhos nas últimas quatro reuniões anuais da ANPEd, o que pode

significar a abertura de um diálogo crítico do GT 9, no que se refere aos trabalhos

selecionados com outros referenciais teóricos. É importante ressaltar o fato de que os autores

clássicos mais citados não situam a educação e a escola como centro de sua análise teórica,

com exceção exatamente daquele que não segue o referencial teórico hegemônico no campo

Trabalho e Educação.

Tabela 1 – GT 9: Autores clássicos

Autores em destaque nos trabalhos selecionados

1995 (1)*

1996 (1)*

1997 (1)*

1998 (1)*

1999 (3)*

2000 (3)*

2001 (1)*

2002 (2)*

2003 (0)*

2004 (2)*

2005 (2)*

TOTAL (17)

1. GRAMSCI, Antonio I I I I I I I 7

2. MARX, Karl I I I I 4

3. KOSIC, Karel I I 2

4. BOURDIEU, Pierre I I 2

5. Outros Althusser I Lukacs I

Thompson I

*Número de trabalhos selecionados no ano, para esta pesquisa.

Page 174: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

174

No que se refere aos autores contemporâneos, chama a atenção a presença de cinco

autores do próprio GT 9: Acácia Kuenzer, Demerval Saviani e três de seus ex-orientandos no

curso de Doutorado da PUC/SP ao longo dos anos de 1980, Gaudêcio Frigotto, Celso Ferreti e

Lucília Machado, que também foram coordenadores do GT Trabalho e Educação. Isso, de um

lado, pode significar uma unidade entre a atividade intelectual e os caminhos políticos do

grupo; por outro lado, pode demonstrar não só a hegemonia política e intelectual destes

autores, mas também as possíveis dificuldades de renovação. Pode-se destacar o fato de que

os cinco são referências históricas deste grupo de pesquisadores desde a sua criação.

Tabela 2 – GT 9: Autores contemporâneos

Autores em destaque nos trabalhos selecionados

1995 (1)

1996 (1)

1997 (1)

1998 (1)

1999 (3)

2000 (3)

2001 (1)

2002 (2)

2003 (0)

2004 (2)

2005 (2)

TOTAL (17)

1. FRIGOTO, Gaudêncio I I I I 4

2. KUENZER, Acácia Z. I I I I 4

3. FERRETTI, Celso J I I I I 4

4. MACHADO, Lucília R. de S I I I I 4

5. SAVIANI, Demerval I I I 3

6. HIRATA, Helena I I I 3

7. HARVEY, David I I I 3

8. GENTILI, Pablo. I I I 3

9. DELUIZ, Neise I I I 3

10. NEVES, Lúcia I I I 3

Além do conjunto de questões que apenas sinalizamos acima, após o levantamento

das principais referências utilizadas nos trabalhos selecionados no GT 9 outras questões nos

instigam à investigação: 1) a bibliografia utilizada nos trabalhos selecionados, ao percorrer

vários autores, nos pareceu bastante diversificada e extensa, com pouca repetição de autores

no conjunto destes trabalhos, à exceção dos destacados nas tabelas 1 e 2; 2) apesar da vasta

bibliografia utilizada pelo GT 9, chama a atenção sua unidade na base teórica, pois a maioria

anuncia pautar-se na perspectiva marxista, particularmente no materialismo histórico

dialético; 3) verificamos que Paulo Freire não é um autor referendado pelo grupo, aparecendo

citado apenas uma única vez; 4) por fim, identificamos, numa primeira aproximação, que

predominam nos trabalhos selecionados as pesquisas sobre programas governamentais, com

ênfase em estudos de caso, muitas vezes baseadas em análises documentais; há uma

secundarização do debate teórico conceitual sobre a Educação Básica dos trabalhadores e, em

particular, um desinteresse para com a discussão sobre a EJA, não só enquanto parte da

educação brasileira, mas como uma discussão intimamente vinculada às questões que

norteiam este GT, referentes à temáticas capilares que emergem da articulação capital e

Page 175: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

175

educação – conforme Trein, já citada – da qual a EJA é uma clara expressão.

4.1.1.3. As pesquisas sobre a EJA no GT 9

O Grupo 1, constituído por análises de experiências empíricas de práticas

educacionais, utilizou como campo de pesquisa escolas/programas educativos de empresas ou

escolas da rede pública de ensino, como pode ser depreendido das sínteses apresentadas a

seguir. Arrais (18ª Reunião, 1995) questiona: Alunos do noturno: quem são estes

trabalhadores? Segundo a autora, “a verificação da adequação de uma proposta e práticas

educacionais às necessidades concretas classistas da clientela do noturno pressupõe sua

necessária caracterização” (p.1). Nesse sentido, sua pesquisa busca caracterizar o perfil do

fragmento da classe trabalhadora que freqüenta escolas noturnas e discute a adequação de

propostas e práticas educacionais às necessidades dos alunos trabalhadores de uma escola

pública municipal de Ensino Fundamental do Estado de Fortaleza. A conclusão da autora foi

que o perfil genérico da clientela da escola noturna em que realizou a pesquisa é

representativo do público das demais escolas noturnas, com um perfil aproximado “desse

setor da classe trabalhadora que demanda educação formal, freqüentando a escola à noite, em

sua terceira jornada de trabalho num trem para as estrelas” (p.9). Na mesma linha de

investigação que parte da ótica do aluno, Kober (25ª Reunião, 2002) discute a educação

profissional do ponto de vista do trabalhador, com o texto A qualificação profissional do

ponto de vista de trabalhadores da indústria. A autora, com base em pesquisa de campo,

entrevista dois grupos de trabalhadores que buscavam maior qualificação: um grupo formado

por trabalhadores que cursavam o supletivo do Ensino Fundamental em uma escola

municipal, e que trabalhavam em empresas que não haviam passado por nenhuma

reestruturação produtiva, e outro de trabalhadores que cursavam o supletivo de Ensino Médio

dentro da indústria em que trabalhavam, sendo estas reestruturadas. Conclui que é “com base

na relação linear entre educação e emprego que os trabalhadores entrevistados mobilizam

esforços, tempo e recursos financeiros em busca da recuperação de uma escolaridade

atrasada” (p. 12).

Partindo de estudos que constatam a redefinição do perfil exigido do trabalhador a

partir das transformações no mundo da produção, Souza (20ª Reunião, 1997), avalia as

estratégias utilizadas por uma empresa para a educação dos seus trabalhadores, na pesquisa A

complementação da escolaridade do trabalhador na empresa: uma experiência baiana. A

autora discute quais os impactos no cotidiano do trabalhador de um programa educacional

Page 176: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

176

(Programa de Complementação da Escolaridade do Trabalhador) implantado por uma

empresa (ramo de metalurgia do cobre), em parceria com a Secretaria de Educação do Estado

da Bahia, e o que isso significa para os alunos-trabalhadores, dirigentes, educadores e

sindicalistas. A autora destaca que “as empresas, para fazer face aos novos requisitos e para

suprir graves deficiências de escolaridade básica, vêm ampliando os seus investimentos na

formação e requalificação dos seus trabalhadores, diretamente ou por meio de instituições

educativas” (p. 5).

Este debate reaparece em Maia e Machado (23ª Reunião, 2000), na pesquisa O

trabalhador frente ao terceiro milênio, sobre a Escola SENAP (Serviço de Ensino e

Assessoria Profissional) mantida pela empresa Nestlé para seus funcionários. Neste trabalho

as autoras defendem que “há uma modificação total na maneira de organizar o trabalho no

interior da empresa, surgindo novas necessidades e desafios ao domínio do trabalhador” (p.

9). Por isso a empresa flexível e integrada precisaria “insistir no aumento da escolarização dos

trabalhadores, em função da intelectualização do trabalho” (p.11).

Também no que concerne à análise de ações de empresas voltadas para a elevação da

escolaridade dos trabalhadores, temos Bianchetti e Cruz (24ª Reunião, 2001), com o trabalho

A formação do "Total Trabalhador Sadia" - estratégias de qualificação de trabalhadores de

uma empresa agroindustrial, no qual apresentam os resultados da pesquisa realizada na

empresa agroindustrial, analisando o processo de formação/escolarização dos trabalhadores

realizado por três instituições de ensino (duas públicas e uma privada), reunidas na "Escola

Sadia". Os autores também discutem “as estratégias de qualificação da força de trabalho

implantadas por essa empresa, na busca de adequar-se aos novos desafios relacionados às suas

necessidades de manter-se competitiva num mercado crescentemente globalizado” (p.1),

denunciam a privatização do espaço público e, ao final, questionam: “Como formar um

cidadão crítico e participativo nesse contexto?” (p.14).

O debate acerca da preocupação empresarial com o campo da educação também

aparece na análise do Programa Telecurso 2000, fruto da parceria entre a Federação das

Indústrias do Estado de São Paulo e a Fundação Roberto Marinho, temática que aparece duas

vezes. Andrade (22ª Reunião, 1999) realiza uma análise “dos pressupostos e das intenções

contidas no bojo da proposta do Programa Telecurso 2000, bem como dos seus

desdobramentos e implicações potenciais mais amplos” (p.4), com a apresentação do trabalho

Educação sem distância - as demandas da produção e uma proposta formativa empresarial:

o programa Telecurso 2000, destacando o “discurso conformador” como um dos objetivos

principais dessa iniciativa empresarial de formação. Já Wendorf (27ª Reunião, 2004), com a

Page 177: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

177

pesquisa Ensinando a ser trabalhador: um estudo das representações no Telecurso 2000,

buscou “identificar o perfil de trabalhador representado no Telecurso 2000 e apreender de que

modo os adultos trabalhadores participantes desse projeto de educação a distância se viam

representados nas teleaulas” (p. 1), concluindo que os alunos não se viam representados; em

decorrência, questiona a influência dessa formação no processo de educação dos

trabalhadores.

O estudo Letramento e transformações tecnológicas do mundo do trabalho Bueno

(25ª Reunião, 2002), focalizou especificamente a questão da alfabetização de adultos. Nele

são analisadas as concepções de letramento presentes nos discursos dos empresários de cinco

empresas de Florianópolis e as demandas de leitura e escrita que decorrem dessas concepções,

“em virtude das transformações ocorridas no mundo do trabalho pela descentralização do

processo produtivo, das novas formas de gestão e, principalmente, pelo surgimento das novas

tecnologias de informação e comunicação” (p. 2). A pesquisa apontou para “um descompasso

entre os saberes requeridos pelas empresas e os saberes proporcionados aos trabalhadores pela

formação escolar” (p. 11). Chama a atenção neste trabalho o fato de nenhum autor clássico ou

contemporâneo da área de Trabalho e Educação ter sido citado nas referências bibliográficas.

Pode-se destacar ainda que a singularidade de um trabalho como esse no GT 9, foi apreciado

pelo Comitê Científico como tema irregular:

Embora constate-se uma continuidade e aprofundamento de temáticas recorrentes, neste ano [2002] apresentam-se outros temas não tão regulares nesta subárea [4], por exemplo: formação de professores, supostos das reformas educacionais relacionados ao mundo do trabalho, prática pedagógicas, letramento relacionado à educação de jovens e adultos/trabalhadores, etc. (Programa da 25ª Reunião Anual da ANPEd, 2002: 261, grifo nosso)

Ainda no ano de 2002, ficaram como excedentes dois textos relacionados

diretamente à EJA. Trata-se se dos trabalhos de Marlene Ribeiro e Noela Invernizzi. O

primeiro texto, Trabalho como base da formação: elementos de um currículo para a

educação de jovens e adultos, parte da questão “Como construir um currículo para a

Educação de Jovens e Adultos que tenha o trabalho como base da formação?” Discute a

possibilidade de construção de um currículo para EJA que tenha o trabalho como princípio

educativo como horizonte. Nesse sentido, a pesquisa teve por objetivo propiciar um debate

sobre a relação trabalho e formação tendo em vista fundamentar propostas curriculares de

escolas municipais do Rio Grande do Sul que trabalham com a EJA. O segundo texto, sob o

título Trajetórias ocupacionais de trabalhadores precariamente escolarizados, analisou as

trajetórias ocupacionais de trabalhadores desempregados com escolaridade inferior ao Ensino

Page 178: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

178

Fundamental completo que participaram dos Programas de Educação Profissional com

Certificação Escolar desenvolvidos na UFPR entre 1999 e 2002. Como destaca a autora,

“Sessenta pessoas desempregadas e com escolaridade inferior ao nível fundamental foram

entrevistadas e suas trajetórias no mercado de trabalho reconstruídas” (p. 1). Avalia de que

forma “sua escolaridade precária e a falta de formação profissional têm incidido na qualidade

de suas ocupações e empregos” (p. 2), apontando, ao final, que “as chances de precarização e

exclusão no mercado de trabalho aumentam decididamente para aqueles que foram mais

privados do direito à educação” (p. 15) e têm incidido na qualidade de suas ocupações e

empregos.

No Grupo 2, referente a análises teóricas de concepções de educação do trabalhador,

temos, por um lado, sob o pano de fundo da análise da educação do trabalhador nas relações

sociais de produção, o trabalho de Deluiz (19ª Reunião, 1996), Projetos em disputa:

empresários, trabalhadores e formação profissional, que explicita as propostas de

trabalhadores (CUT, FS) e empresários (CNI) sobre as políticas de formação profissional e

sua atuação na esfera pública, com o trabalho. A autora conclui que a agenda empresarial

“tem a educação como mola mestra da dinâmica de modernização industrial” (p. 13),

requerendo novas competências para a produtividade e eficiência da produção. Já para os

trabalhadores, apesar das divergências entre as duas centrais pesquisadas, constatou que a

agenda comum está na reivindicação pela vinculação da educação profissional com a

educação geral, pela participação dos trabalhadores na sua formação e pela gestão tripartite

das agências de formação profissional. Três anos depois, Deluiz, Souza e Santana (22ª

Reunião, 1999), apresentam um trabalho que tinha por objetivo identificar as concepções de

três centrais sindicais (CUT, CGT e FS) sobre o processo de reestruturação produtiva em

curso e as formas de ação sindical nesse novo cenário. Analisam o entendimento das centrais

acerca dos aspectos: educação e mercado de trabalho, educação e cidadania, educação geral e

formação profissional, EJA, educação sindical, formação de formadores, competências e

certificação ocupacional e sua inserção nas políticas de formação profissional. Constatam que

ocorre um duplo movimento em relação à posição das centrais sindicais: “de um lado, a

separação estrutural e de outro a aproximação conjuntural” (p. 13). Destacam ainda que,

enquanto “a CUT procura combater a visão de uma adequação dos trabalhadores às novas

exigências, [...] as duas outras Centrais, principalmente a FS, indicam a necessidade de o

trabalhador se potencializar para a ocupação de espaços no novo modelo” (p. 2).

Um segundo conjunto de trabalhos a ser ressaltado no Grupo 2 refere-se àqueles que

analisam de forma direta a relação trabalho e Educação Básica. Rummert (21ª Reunião,

Page 179: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

179

1998), com a pesquisa Capital e trabalho: convergências e divergências quanto à educação

básica, por meio de análise de documentos, entrevistas e estudos da área, analisa as

concepções de Educação Básica de qualidade, formuladas por entidades representativas do

capital (CNI, FIRJAN e PNBE) e do trabalho (CUT, CGT e FS) para a formação do

trabalhador. Destaca que “as concepções de educação de qualidade expostas não podem se

cingidas, simplesmente, em blocos antagônicos, cada um deles representando um fechado e

coeso conjunto de interesses, delimitado pela posição de classe” (p. 2), sendo possível

verificar convergências e divergências nas abordagens de cada entidade, dependendo do

projeto político e econômico com que cada uma delas se identifique. Segundo a autora, o

cotejo dos diferentes discursos evidenciou que “duas, das três entidades sindicais

representantes de interesses de trabalhadores abordadas, convergem, de forma bastante

significativa, para a mesma concepção apresentada pelo Capital.” (p. 17). No ano seguinte,

Cêa (22ª Reunião, 1999) discute o suposto consenso na sociedade em torno da centralidade da

Educação Básica do trabalhador nas políticas educacionais atuais. Com o texto A relação

entre o trabalho e a educação básica: elementos de um consenso interessado, a autora

demonstra os elementos contraditórios da suposta centralidade e aponta que a Educação

Básica que tem sido defendida constitui-se, na verdade, de parâmetros mínimos de educação,

ou seja, referentes, principalmente, às séries iniciais de escolarização (primeiro segmento do

Ensino Fundamental). Estes dois trabalhos demonstram o caráter ideológico dos pressupostos

que ressaltam a importância da Educação Básica para os trabalhadores na década de 1990.

Por outro lado, também fazem parte do Grupo 2 as pesquisas teóricas com foco em

análise de políticas públicas. Nesta linha percebe-se, de acordo com o levantamento realizado,

um destaque para o Planfor (MTE), uma vez que três trabalhos abordam este Plano de forma

direta, como objeto específico da pesquisa. Com esta temática, Cêa (23ª Reunião, 2000)

apresenta o trabalho A educação profissional sob a ótica da ruptura: reflexões sobre o

Planfor, e discute a perspectiva da educação do trabalhador que se realiza por este Plano;

demonstrando que ele “opera a ruptura entre qualificação para o trabalho e elevação dos

níveis de escolaridade (via cursos regulares)” (p. 2). Busca explicitar com a pesquisa duas

ordens de questões: “uma referente à relação entre as políticas de qualificação profissional e a

reforma do Estado brasileiro, e uma segunda relativa à cisão entre educação escolar e

formação do trabalhador que se materializa a partir de tais políticas” (p. 1). Sobre a questão da

escolaridade os trabalhadores, a autora aponta que o Planfor significou “uma forma de tornar

eficiente o treinamento sem elevação do nível de escolaridade do trabalhador brasileiro.

Atualmente, tal nível está na faixa de 3,5 anos” (p. 12). No mesmo ano, o Planfor também é

Page 180: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

180

analisado por Portela (23ª Reunião, 2000) que o discute enquanto ação governamental que se

pretende promotora da cidadania, uma vez que “a proposta do Planfor não propõe apenas

qualificação do trabalhador para o mercado de trabalho, mas formação escolar básica voltada

para a construção da cidadania” (p.13). Assim, através do trabalho Relação: educação,

trabalho e cidadania, a autora reconstrói historicamente o conceito de cidadania e questiona a

possibilidade de que o Planfor possa contribuir para a construção de uma cidadania

emancipatória. Por fim, Franzoi (27ª Reunião, 2004), com o trabalho Da profissão como

profissão de fé ao "mercado em constante mutação": trajetórias e profissionalização dos

alunos do Plano Estadual de Qualificação do Rio Grande do Sul (PEQ-RS), discute como o

Planfor/PEQ-RS contribui para as trajetórias de profissionalização dos seus participantes. O

estudo enfoca as análises sobre a política do Planfor com as trajetórias ocupacionais e

formativas dos alunos. Para tanto, foram entrevistados “tanto alunos de cursos isolados,

quanto de projetos de elevação de escolaridade. Para este segundo grupo, foram escolhidos

alunos do Projeto Integrar Metalurgia” (p. 7).

Sobre o ano de 2004, o Comitê Científico avaliou que

De modo geral houve o predomínio de estudos empíricos, mas estudos teóricos sobre temas caros ao GT também se fizeram presentes como politecnia, exploração, alienação, formação do trabalhador as questões e contradições do capitalismo em sua fase contemporânea, entre outros. As temáticas predominantes foram educação profissional (PLANFOR, PNQ, PEQ), ensino técnico, currículo, competências e habilidades. (Programa da 27ª Reunião Anual da ANPEd, 2004: 390-391)

Mais recentemente, em 2005 (28ª Reunião), Rummert questiona a proposta de

formação profissional inicial para os trabalhadores, proposta pelo MEC, através da análise do

Projeto Escola de Fábrica. Com a apresentação do trabalho Projeto Escola de Fábrica –

atendendo a “pobres e desvalidos da sorte” do século XXI, a autora explicita que “as supostas

novas iniciativas voltadas para a educação da classe trabalhadora, [...] devem se

compreendidas como rearranjos da mesma lógica que gera, ao longo da história, um conjunto

de propostas que visam atender, prioritariamente, as necessidades imediatas e mediatas do

capitalismo auto-reformador” (p. 2). Analisa o Programa, demonstrando seu caráter

compensatório e focal e evidenciando sua lógica de política de funcionalização da pobreza.

No mesmo ano, Market (28ª Reunião, 2005) aborda este tema com o texto Trabalho

qualificante e educação profissional: perspectivas para a formação na escola e na fábrica. O

autor também realiza uma reflexão sobre o Projeto Escola de Fábrica; parte, contudo, de uma

possível aproximação entre este programa e o modelo alemão de educação profissional e

busca “analisar as discussões teóricas sobre o conceito de trabalho subjacente às práticas

Page 181: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

181

pedagógicas deste modelo de educação na Alemanha” (p. 2). Conclui que conceitos

inovadores como o de “trabalho qualificante” podem vir a contribuir para a formação do

trabalhador, apto a agir autônoma e participativamente na organização produtiva, sem

desconsiderar que “precisa de suplemento da educação geral do tipo unitária” (p. 12).

Além dos aspectos acima destacados, o Quadro 3 sintetiza os trabalhos estudados e

ajuda a visualizar a incidência de determinados temas referente à EJA que os trabalhos

abordam, bem como os atores sociais envolvidos nesses estudos.

Observando no Quadro 3 os anos de 1999 e 2000, percebe-se uma ampliação no

número de trabalhos apresentados relacionados à EJA. Essa maior incidência poderia ter

alguma relação com o processo de criação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a

EJA214, entretanto, a leitura dos seis trabalhos apresentados na 22ª e na 23ª Reuniões Anuais

da ANPEd não confirma esta hipótese, uma vez que as análises parecem desconhecer ou

desconsiderar a discussão específica da área da EJA enquanto uma modalidade da educação

nacional, com parâmetros e diretrizes curriculares próprias.

Quadro 3 – GT 9: Temas, nível educacional e sujeitos sociais predominantes

ANO AUTOR NIVEL EDUC. ATORES SOCIAIS TEMAS

1995

ARRAIS, Cristiane H.

EJA

Escola- pública / Aluno-trabalhador

Perfil da classe trabalhadora que freqüenta o noturno.

1996 DELUIZ, Neise EP

I, II, III CNI-IHL / CUT-FS

Propostas de trabalhadores e empresários sobre as políticas de formação profissional.

1997 SOUZA, Maria das G. EJA Empresa / SEE-BA

As estratégias utilizadas pela empresa para a educação dos seus trabalhadores.

1998 RUMMERT, Sônia Maria

EB CNI-IHL-FIRJAN-

PNBE/CUT-FS-CGT

Diferentes concepções de educação básica de qualidade formuladas no campo do Capital e do Trabalho para a formação do trabalhador.

1999 ANDRADE, Flávio A. EAD EJA

FIESP/Fundação Roberto Marinho

A iniciativa empresarial de formação da classe trabalhadora a distância – Telecurso 2000.

1999 CÊA, Geórgia S. S. EB Governo / Empresários /

Org internacionais. Relação entre o trabalho e a Educação Básica: elementos de um consenso interessado.

1999 SOUZA D. et al. EB EP

CUT-FS-CGT O entendimento das Centrais Sindicais sobre o processo de reestruturação produtiva e suas implicações para a educação.

2000 CÊA, Geórgia S. S. EP

I –II MTE/ MEC

A educação do trabalhador que se realiza através do Planfor.

2000

MAIA, Graziela; MACHADO, Lourdes

EJA Escola SENAP Empresa Nestlé Aumento da escolarização dos trabalhadores, através de uma escola para os funcionários, mantida pela empresa Nestlé.

2000 PORTELA, Josania

EP TEM Os conceitos de educação, trabalho e cidadania. Discute o Planfor como ação governamental na área de trabalho e educação que visa a promoção da cidadania.

214 Parecer CNE/CEB nº: 11/2000, aprovado em 10/05/2000. Ver o capítulo III desta tese.

Page 182: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

182

2001

CRUZ, Dulcineia; BIANCHETT, Lucídio

EJA

SME-Chapecó / SEE-SC / Fund. Bradesco /

Empresa Sadia

As estratégias de qualificação da força de trabalho implantadas pela Sadia. Aumento da escolarização dos trabalhadores através de convênios.

2002 BUENO, Vilma EJA Alfa

Empresários A relação entre as concepções de letramento e novas tecnologias na visão dos empresários.

2002 KOBER, Cláudia EJA Trabalhadores

Educação / qualificação profissional do ponto de vista do trabalhador.

2004 FRANZOI, Naira EJA EP

PLANFOR (PEQ-RS) / Trabalhadores

Como o Planfor/PEQ-RS contribui com as trajetórias de profissionalização dos indivíduos pesquisados.

2004 WENDORF, Tatiana

EAD EJA

Telecurso / Trabalhadores

As representações no Telecurso 2000.

2005 RUMMERT, Sonia M.

EP I EJA

MEC (SETEC/ PROEP)

A proposta de formação profissional inicial proposta pelo MEC através do Projeto Escola de Fábrica.

2005 MARKET, Werner

EP Teóricos Conceito de “trabalho qualificante” e os conceitos inovadores da educação profissional na Alemanha.

Legenda: EJA: Educação de Jovens e Adultos, EP: Educação Profissional (I – Inicial/Continuada, II – Técnica, III -Tecnológica) EAD:Educação a Distância (EF, EM, EP I, II, III) EJA (Alfa): Alfabetização de Jovens e Adultos

Outro destaque refere-se ao ano de 2005, quando a participação do GT 9 em

seminários organizados pelo MEC e o acompanhamento das ações do governo em relação à

Educação Profissional e Tecnológica motivaram o debate e mobilizaram vários integrantes do

GT em torno da discussão sobre as medidas adotadas. Este debate gerou significativas

avaliações críticas a iniciativas do governo federal, principalmente no que tange

[...] ao processo que envolveu a revogação do Decreto n. 2.208/97, a edição do Decreto 5.154/04 e da Portaria do CNE que regulamenta este Decreto, assuntos que tratam da relação entre a educação profissional e a educação básica e superior, mas, em especial, das formas de relação entre o ensino técnico e ensino médio; à proposta de uma Lei Orgânica para a Educação Profissional e Tecnológica; à discussão de uma política de formação de docentes para a educação profissional; a programas governamentais que relacionam educação profissional, educação básica e educação de jovens e adultos, como os já mencionados Programas Escola de Fábrica e PRÓ- JOVEM e, mais recentemente, o PRÓ-EJA. Destacou-se o caráter fragmentário de tais iniciativas e apontou-se a necessidade de uma discussão ampla que os relacionasse às demais políticas públicas e, em especial, à política macro-econômica. (Relatório de Atividades, 2005: 61-62, grifo nosso)

Verifica-se a ausência de um trabalho que aborde a EJA enquanto uma modalidade

específica da Educação Básica, principalmente no nível fundamental, como uma educação

para os trabalhadores. Observa-se também que o sujeito “aluno trabalhador” em geral é visto

como o estudante da Educação Profissional, e não o estudante da EJA. Praticamente não se

discute a especificidade da Educação Básica dos jovens e adultos trabalhadores, como se o

Page 183: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

183

“aluno trabalhador” citado nos trabalhos do GT 9 não fosse o da modalidade de EJA. Como

destaca Kuenzer (1998: 74),

Há que considerar que, quando interpelados [...] sobre estratégias para o enfrentamento das políticas públicas oficiais ou para questões concretas da educação, tais como as relativas à educação básica de jovens e adultos trabalhadores, ao ensino médio e profissional, [...] temos tido dificuldade em discutir alternativas para o enfrentamento das situações imediatas. (p. 71) Até que ponto a produção do GT tem, de fato, contribuído para o enfrentamento das questões concretas relativas à educação dos trabalhadores, ultrapassando o discurso generalizante, que termina por constituir-se contemplativo?

Apesar de o tema Trabalho e Educação Básica constar da pauta de trabalho do GT 9

desde o final da década de 1980 (Kuenzer, 1991) e a importância da EJA ter sido reafirmada

nos anos iniciais da década de 2000215, ao se analisar a produção na área de Trabalho e

Educação é possível perceber que a análise dessa modalidade de ensino ainda apresenta

muitas lacunas; na pauta do GT 9, aqui examinada, a EJA permanece como uma temática a

ser aprofundada.

Chama a atenção, por exemplo, que várias análises sobre a Educação Básica da

classe trabalhadora apresentem um olhar sobre os alunos demandantes da EJA apenas sob o

viés de característica da instituição pesquisada, mas não como um objeto que em si mereça

uma reflexão mais aprofundada, para além da identificação ou da denúncia dessa realidade.

Neste sentido, assinala-se que:

Ao discutir o tema trabalho e educação básica, mostrou-se que há duas dimensões possíveis de abordagem: a que assume esta relação a partir do trabalhador, no âmbito do trabalho coletivo, como um “aluno” que já ocupa um posto de trabalho e que está na condição de futuro componente da reserva ou da ativa do mercado de trabalho; a que assume esta relação a partir de “agência formadora”, submetendo-se aí o caráter mediador do Estado, que indicará e existência de distintas formas educativas para distintos grupos de trabalhadores, o que revestirá a “educação básica” de distintas concepções. Apontou-se a necessidade de se entender o conteúdo e o processo pedagógico que vão caracterizar a educação básica como objetos de investigação que deverão incorporar as práticas que são reproduzidas no comportamento do trabalhador quando em exercício de sua atividade produtiva. (Kuenzer, 1991: 93-94)

É curioso observar que continua atual o conjunto de questões problematizadoras

acerca da temática Trabalho e Educação Básica, levantadas pelos pesquisadores da área na

década de 1980, conforme sintetiza Kuenzer (1991: 98):

O trabalho e a não-escolarização: Qual deve ser a escolarização básica obrigatória e universal? O trabalhador e a descontinuidade de sua escolarização: o que busca o trabalhador ao voltar para a escola?

215 A esse respeito, ver indicação da nota 209 deste trabalho.

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184

Conteúdos escolares e a ciência, a realidade social e o mundo do trabalho na formação do trabalhador através da escola básica: Qual seria a outra (ou outras) concepção(ões), em sua(s) expressão(ões) prática(s) na escola para formação de um novo tipo de trabalhador? Processo pedagógico e a prática da formação de um dado tipo de trabalhador: é o processo pedagógico um elemento significativo da formação do trabalhador? A iniciação para o trabalho na escola básica: Qual a natureza da iniciação para o trabalho na escola básica?

4.1.2. GT 6 – Educação Popular

O GT Educação Popular também está entre os oito primeiros grupos criados pela

ANPEd. Ao contrário do GT 9, caracteriza-se por afirmar não ter uma perspectiva teórica-

metodológica predominante, sendo possível verificar como essa identidade se forjou.

Segundo Fleuri, ao longo de sua história o GT 6 passou por duas fases distintas. Na

primeira, ao longo da década de 1980, a pesquisa em educação popular caracterizou-se pelo

esforço em sistematizar as experiências passadas no campo da educação popular e, em

seguida, por se dedicar ao estudo das práticas de EJA216. A segunda fase, a partir da década de

1990, foi marcada pela primazia de estudos sobre a questão epistemológica e metodológica

nas pesquisas e práticas em educação popular. Entendemos que isto se relaciona às mudanças

na materialidade histórica, ou seja, relaciona-se à forma como este grupo de pesquisa

respondeu à crise dos anos 1990 e ao embate teórico ocorrido no contexto de crise de

paradigmas, de hegemonia do neoliberalismo e da perspectiva da pós-modernidade.

Nos primeiros anos de sua existência, no contexto político de redemocratização dos

anos 1980,

[...] o GT Educação Popular da ANPEd buscou contribuir para sistematizar a memória dos movimentos de Educação Popular dos anos sessenta. Mas após sua instalação, o GT passou nos anos seguintes por um período de indefinição e indecisão. Em 1984, verificou-se, entre outras, a necessidade de repensar a Educação Popular frente à política do Ministério da Educação e Cultura no novo Governo e a necessidade de ressituar o GT Educação Popular no conjunto dos GTs da ANPEd. Em 1985 o GT Educação Popular não se reuniu, e em 1986 organizou sua retomada. (Fleuri, 1999: 2)

Destaca ainda Fleuri (1999) que, a partir da segunda metade da década de 1980, no

contexto de elaboração da Constituição Federal e do projeto de LDBEN, quando os

pesquisadores reunidos na ANPEd debatiam a política educacional do país, “o GT Educação

216 O primeiro momento, sob a coordenação de Osmar Fávero; o segundo, sob a coordenação, de Sérgio Haddad.

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185

Popular priorizou os estudos e a formulação de propostas no campo da Educação de Jovens e

Adultos” (p. 2), considerando-os sob a ótica de alunos trabalhadores.

Passou-se, deste modo, de uma perspectiva memorialista, que buscava inicialmente reavivar e sistematizar a memória da educação popular dos anos 60 sufocada pelos longos anos de ditadura, a uma perspectiva propositiva no contexto de institucionalização democrática do Estado e da sociedade civil, contribuindo prioritariamente para a discussão das orientações políticas para a educação de jovens e adultos. (ibidem)

A partir de então, as pesquisas passaram a estudar a área da EJA e sua interface com

os movimentos sociais e o Estado. Assim, em um segundo momento, na segunda metade da

década de 1980, emergem de modo significativo temáticas sobre a luta popular pela escola

pública, a relação entre a EJA, movimentos populares e o Estado, e a escolarização do adulto

trabalhador, bem como a discussão e a elaboração de propostas sobre a escolarização de

jovens e adultos na elaboração do projeto de LDBEN. Assim,

Em 1987 [...] o GT reorganizou-se em torno de temas já definidos na reunião anterior: luta popular pela escola pública, escolarização do adulto trabalhador, produção de conhecimento nas práticas de Educação Popular, relação entre movimentos populares e Estado na Nova República. Em 1988 [...] o GT Educação Popular priorizou o tema Escolarização do Adulto Trabalhador. Os trabalhos apresentados nesta perspectiva discutiam a questão da escolarização da juventude trabalhadora em cursos noturnos, a implantação do Ensino Supletivo, experiências de alfabetização de adultos. Em 1989, [...] os trabalhos do GT voltaram-se para a elaboração de propostas específicas para discussão do projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em relação à escolarização de jovens e adultos. O GT dedicou-se também ao planejamento de uma sistemática mais permanente para seu trabalho como grupo. (Fleuri, 1999: 2)

Na década seguinte, focaliza-se com mais ênfase o tema movimentos sociais e

educação, e secundariza-se, gradualmente, o tema da EJA. Simultaneamente, a discussão

sobre o saber popular e o questionamento do estatuto de legitimidade do saber acadêmico

passam a ser temas de constante interesse do grupo. Sobre essa questão, Gohn (2001) destaca

que a década de 1990 foi um tempo de revisão para a educação popular em toda a América

Latina, e ressalta que “houve um redirecionamento dos objetivos da EP (Educação Popular)

que alterou o sentido de suas ações. Antes os objetivos estavam centrados mais no contexto

geral, na política, na estrutura da sociedade. Depois, os objetivos voltaram-se mais para os

indivíduos em si, para sua cultura e representações” (p. 2).

No novo contexto de reestruturação capitalista, da globalização e das mudanças na

base técnica e organizativa do processo produtivo, o embate teórico adquiriu novos contornos.

No contexto de crise dos referenciais teóricos em nível mundial, mediada pela crise do capital

(Harvey, 1999), observa-se claramente neste GT, a influência do pós-modernismo,

Page 186: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

186

principalmente, na fragmentação epistemológica que sucedeu. Entretanto, como destaca Gohn

ao analisar os impactos de um novo paradigma da educação popular a partir da década de

1990,

O que os analistas da EP (Educação Popular) não tratam com profundidade são as mudanças que passaram a ocorrer nas práticas do Estado na América Latina, nos anos 90, como resultado de mudanças na conjuntura econômica globalizada, e as diretrizes das políticas neoliberais impostas pelos pólos hegemônicos de poder econômico internacional. (2001: 5)

Esta segunda fase, ainda atual, caracteriza-se, segundo os autores da área, pela

“amplitude, diversidade e flexibilidade de seu núcleo de interesse temático” (Fleuri, 1999: 8).

Partindo da crise dos paradigmas do conhecimento científico, a identidade deste grupo vem se

constituindo atualmente pela “busca de reelaboração de modelos epistemológicos a partir e

em função da diversidade de perspectivas e de interesses que constituem os saberes das

classes populares” (Fleuri, 1999: 1).

No GT Educação Popular da ANPEd, “o que aparece como crise dos movimentos

sociais passa a ser percebido como crise dos modelos de conhecimento” (1999: 10). Segundo

Azibeiro (2004), o jeito, ou seja, a identidade do grupo aponta para “o diálogo entre

perspectivas que se assumem e se respeitam como diferentes é (esta) a primeira marca desse

caminho que vem sendo construído no GT 6” (p. 1). A autora conclui, a partir da análise dos

textos apresentados no grupo, que “mais do que uma homogeneidade de escala ou

perspectiva, o que converge nas discussões e itinerários do GT 6 é a busca de outros olhares”

(p. 10). Como conseqüência, a questão das “diferenças” aparece de forma predominante nos

textos que realizam “balanços” do percurso e da produção do grupo; como, por exemplo, em

Garcia (2001), ao ressaltar que a “amorosidade é o que caracteriza o GT Educação Popular,

que acolhe amorosamente quem o procura, abrindo espaço para a diferença, sem pedir carteira

de filiação epistemológica que garantiria a pouco estimulante homogeneidade” (p. 53).

Nesse momento, vale trazer a análise de Frigotto, com a qual concordamos:

O abandono de uma visão mais completa e mais complexa da realidade, a quantificação da produção científica conduzem a diferentes expressões do desprestígio do conhecimento científico e à valorização exacerbada do senso comum. Na educação, da nobre convicção do direito à democratização dos meios de vida para todos e à transformação da sociedade desigual, da valorização do saber gerado na vida, dá-se um salto no escuro, de que todos os saberes são iguais. Há quem tenha “raiva da ciência”. Há quem confunda a elitização dos padrões de vida na sociedade excludente que somos, com o saber científico sistematizado. Ou seja, não se pode confundir a “racionalidade científica burguesa” com o papel da razão na produção da ciência histórica. (2001: 11)

Por fim, podemos ainda destacar que o GT 6 privilegiou, em seus primeiros anos, a

Page 187: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

187

educação popular, enquanto uma atuação política com estreita relação com movimentos

sociais (agrários e urbanos) e com segmentos da Igreja Católica, principalmente os grupos

oriundos da Teologia da Libertação (como as Comunidades Eclesiais de Base). Em seguida,

percebe-se que ocorre um deslocamento para as temáticas que discutem modelos teórico-

metodológicos, tendo como pano de fundo a crise do paradigma da modernidade; afastou-se

assim do terreno das ações de educação (alfabetização e/ou escolarização) entrecortada pela

politização, que pressupunha a organização de classe para aproximar-se de identidades

particulares diferenças e suas respectivas lutas e conhecimentos específicos em uma realidade

fluida e incerta217. Cabem alguns questionamentos, como: O que dizer da apologia à

diferença? Que significados recobriram esses dois momentos? Qual a relação desse

deslocamento de interesse do grupo e a criação de um GT específico para EJA, o GT 18,

Educação de Pessoas Jovens e Adultas?

4.1.2.1. A produção científica selecionada no GT 6

Entre 1995 e 2006 foram apresentados e discutidos no GT 6, aproximadamente cento

e trinta e oito (138) trabalhos, dos quais apenas treze abordavam a EJA, evidenciando a perda

de relevância para o GT (ver Apêndice). Dentre eles, percebe-se que a maioria expressiva (11)

aborda questões referentes à escolarização – alfabetização/Ensino Fundamental para jovens e

adultos. Cabe lembrar que o recorte temporal desta pesquisa mapeou o GT 6, em sua segunda

fase, momento em que a Educação Profissional e a EJA deixaram de ser o foco de interesse

do grupo.

A partir do levantamento realizado, pôde-se verificar que a produção acadêmica de

corte teórico e conceitual é pequena nos trabalhos apresentados sobre EJA no GT. Apenas

dois trabalhos demonstram ser desta natureza: os de Moura (21ª Reunião, 1998) e Alvarenga

(23ª Reunião, 2000). A maioria dos trabalhos são estudos de caso, prevalecendo os estudos

qualitativos que abordam experiências recentes, como os de Lima et al. (18ª Reunião, 1995),

Machado (20ª Reunião, 1997), Rodrigues (21ª Reunião, 1998), Azevedo (25ª Reunião, 2002),

Oliveira (29ª Reunião, 2006) e Onofre (29ª Reunião, 2006) ou retomam e analisam

experiências passadas, como os de Soares (18ª Reunião, 1995 e 20ª Reunião, 1997). Podemos

também destacar que há estudos que recorrem a métodos etnográficos, como os de Oliveira

217 A título de iustração destaca-se, por exemplo, o fato de encontrar trabalhos, na década de 1980, no GT Educação Popular utilizando a categoria “adulto trabalhador”, hoje praticamente inexistente neste campo.

Page 188: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

188

(23ª Reunião, 2000) e Feitosa (25ª Reunião, 2002).

É interessante ressaltar que as pesquisas aqui investigadas remetem a algumas ações

realizadas em parceria com as universidades. Em geral, são ações no âmbito da extensão,

relacionadas ou não de forma orgânica ao ensino e à pesquisa na universidade. Consideramos

relevante pensar sobre o papel que as universidades brasileiras têm assumido na área de EJA,

uma vez que nossas primeiras impressões são de uma relação centrada mais na captação de

recursos para execução direta de serviços, do que na construção de núcleos de pesquisa que

produzam conhecimento e reflexão crítica sobre a área.

4.1.2.2. Principais referências teóricas

Entre os principais autores citados nas pesquisas selecionadas no GT Educação

Popular, o autor mais mencionado, considerado um clássico na área, foi Paulo Freire. No total

de 13 trabalhos apresentados nas reuniões anuais consideradas, este autor aparece em dez

deles. Assim, ressalta a predominância do referencial freireano, apesar de o GT 6 definir-se

como heterogêneo quanto a autores e referências. Podemos afirmar que, pelo menos nos

trabalhos que se referem à EJA, há uma clara opção pelo pensamento humanista cristão

freireano.

É importante ressaltar a presença de autores marxistas, citados mais de uma vez,

como Antonio Gramsci e o próprio Karl Marx. Entretanto, esses autores aparecem de forma

secundária e subordinada. Desta forma, a presença de autores marxistas na bibliografia dos

trabalhos não parece significar a predominância do referencial materialista dialético, mas,

provavelmente, é conseqüência da dispersão de autores e da pouca referência a autores

clássicos. Chama atenção ainda, que mesmo Paulo Freire merece pouco destaque , sendo

referido, apenas em oito trabalhos, conforme evidenciado na Tabela 3.

Destaca-se, ainda, nos trabalhos selecionados referentes à EJA, que não há

preocupação em discutir a categoria central que estrutura o GT 6: classes populares. Discute-

se pouco, também, as questões ligadas à cultura popular; por exemplo, Mikhail Bakthin é

apresentado em apenas dois trabalhos. O pensamento pedagógico de Paulo Freire e a leitura

freireana dessas categorias, constitui a única referência mais recorrente, embora em poucos

trabalhos, como já assinalado.

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189

Tabela 3 – GT 6: Autores clássicos

Autores em destaque nos trabalhos selecionados

1995 (2)*

1996 (1)*

1997 (3)*

1998 (1)*

1999 (0)*

2000 (2)*

2001 (0)*

2002 (2)*

2003 (0)*

2004 (0)*

2005 (0)*

2006 (2)*

TOTAL (13)

1. FREIRE, P. I I I I I I I I I I 10

2. GRAMSCI, A. I I I 3

3. MARX, K. I I I 3

4. BAKTHIN, M I I 2

5.FOUCALT, M. I 1

6. DURKHEIM, E I 1

* Número de trabalhos selecionados no ano, para esta pesquisa.

Nas questões relativas aos aportes teóricos dos trabalhos selecionados, percebe-se, no

que tange aos autores contemporâneos, destacados na Tabela 4, uma grande variedade.

Destacam-se nesse universo os nomes de Vanilda Paiva e Sérgio Haddad, como referências

incontestes no grupo218. É digno de nota que referências históricas da EJA e da educação

popular no Brasil, como Moacir Gadotti citado quatro vezes, bem como, Celso Beisegel e

Carlos Brandão, tenham aparecido dispersos entre outros autores, citados três vezes. Muitos

desses autores são do campo da sociologia, como Henry Giroux, José de Souza Martins,

Miriam Limoeiro Cardoso e Otaíza Romanelli. Mas podemos mencionar ainda outros, citados

uma ou duas vezes, como Marilia Spósito, Pierre Furter, Cornelius Castoriadis, Edgar Morin e

René Barbier.

O universo quantitativo de autores contemporâneos é consideravelmente

significativo. Dos autores citados pelo menos uma vez, podemos destacar aqueles do campo

da alfabetização, com referencial construtivista, como Emília Ferreiro, Magda Soares, Ana

Lúcia Smolka e Telma Ferraz; autores do campo da educação popular, como Osmar Fávero,

José Carlos Barreto e José Eustáquio Romão; autores contemporâneos marxistas, como

Gaudêncio Frigotto, Ricardo Antunes, Perry Anderson e Emir Sader; autores do campo da

teoria social que criticam os supostos limites de interpretação da realidade do marxismo,

como os já citados Henry Giroux, Cornelius Castoriadis, Edgar Morin e René Barbier. No

entanto, esta heterogeneidade de autores não parece significar diversidade de referenciais, 218 Atualmente os dois autores compõem a coordenação de Organizações Não-Governamentais na área, Paiva no Instituto de Estudos da Cultura e Educação Continuada, e Haddad na Ação Educativa, sucessora do Programa Educação e Escolarização Popular do Centro Ecumênico de Documentação e Informação – CEDI. Entre as suas obras destacam-se, como referência histórica: de Vanilda Paiva, Educação popular e educação de adultos (São Paulo: Loyola, 1973) e Paulo Freire e o Nacionalismo Desenvolvimentismo (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980); e de Sérgio Haddad, Ensino supletivo no Brasil: o estado da arte (Brasília: INEP, Reduc, 1987) e Educação de jovens e adultos no Brasil (1986-1998) (Brasília: MEC/ INEP/ Comped, 2002).

Page 190: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

190

pois nos pareceu terem sido utilizados de forma fragmentada, em geral em citações que

objetivavam validar o referencial maior, de cunho freireano.

Tabela 4 – GT 6: Autores contemporâneos

Autores em destaque nos trabalhor selecionados

1995 (2)*

1996 (1)*

1997 (3)*

1998 (1)*

1999 (0)*

2000 (2)*

2001 (0)*

2002 (2)*

2003 (0)*

2004 (0)*

2005 (0)*

2006 (2)*

TOTAL (11)

1. PAIVA, Vanilda I I I I I 6

2. HADDAD, Sérgio I I I I I I 6

3. GADOTTI, Moacir I I I I 4

4. BEISIEGEL, Celso I I I 3

5. BRANDÃO, Carlos R. I I I 3

6. GARCIA-HUIDOBRO, J. E. I I I 3

7. MARTINS, José de Souza I I I 3

8. ROMANELLI, Otaíza I I I 3

9. CARDOSO, Miriam Limoeiro I I I 3

10. GIROUX, H. A. I I I 3

* Numero de trabalhos selecionados no ano.

4.1.2.3. As pesquisas sobre a EJA no GT 6

Partindo das fontes consultadas, registra-se que, de uma forma ampla, “em 1995

aprofunda-se o debate sobre as relações de poder inerentes à elaboração e relação entre

saberes” (Fleuri, 1999: 10). Quanto aos trabalhos apresentados na Reunião Anual da ANPEd,

Lima et al. (18ª reunião, 1995), abordando questões referentes à alfabetização, apresentam o

Projeto Ler para Viver – alfabetização de adultos em discussão, resultante de um convênio

entre a UFPi e a Prefeitura Municipal de Teresina. Evidenciando a abordagem construtivista

no processo de alfabetização dos adultos, os autores destacam três objetivos desse Projeto: 1)

capacitação e acompanhamento dos educadores; 2) alfabetização de adultos residentes na

zona urbana e rural de Teresina; 3) elaboração de uma proposta pedagógica para alfabetização

de adultos embasada na abordagem construtivista. No mesmo ano, Soares (18ª reunião,

1995), destacando a questão do acesso ao Ensino Fundamental, apresenta o trabalho O direito

à educação, onde discute a trajetória do Projeto Supletivo do Centro Pedagógico da UFMG,

discutindo a expansão dos serviços educacionais públicos. O autor destaca que, “como não

existe uma larga oferta de ensino voltada para o adulto-trabalhador, a luta deve começar do

lado de fora da escola, reivindicando, por exemplo, a abertura de escolas noturnas. (...)

Page 191: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

191

Quando o trabalhador consegue ingressar em uma dessas escolas, a luta passa a ser do lado de

dentro. Ele tende a se organizar, ser sujeito no cotidiano escolar” (p.4).

Em 1996, de uma forma ampla, “formulam-se teorias capazes de permitir novas

interpretações das relações de saber-poder nas formas emergentes de organização popular

(como a teoria do apoio social), ou na elaboração coletiva do conhecimento (como a

sociopoética)” (Fleuri: 1999: 10). Moura (19ª reunião, 1996) analisa as ações de alfabetização

executadas pelo SESI e pelo MEB no Estado de Alagoas, apresentando o trabalho

Alfabetização de jovens e adultos - relação entre proposta pedagógica e práticas

desenvolvidas pelas entidades não governamentais. Destaca que a pesquisa integra a área de

EJA do Curso de Pedagogia da UFAL, espaço de integração entre a pesquisa, extensão e

ensino, particularmente no que se refere às questões relacionadas à alfabetização de jovens e

adultos. A pesquisa avaliou a relação existente entre as práticas alfabetizadoras desenvolvidas

pelas entidades não-governamentais em dois núcleos de alfabetização de adultos e as

propostas pedagógicas existentes

No ano de 1997, o GT 6 promoveu o Encontro de Intercâmbio de Pesquisadores em

Educação Popular219. Fleuri (1999) destaca que este Encontro

[...] consolidou a crítica aos pressupostos epistemológicos da ciência e da educação popular, e a perspectiva da complexidade veio contribuir para formulação das perspectivas teóricas emergentes nas propostas da teoria do apoio social e da sociopoética. Já na Reunião deste mesmo ano [na ANPEd], o tema da religiosidade popular ampliou os estudos que vinham se fazendo a respeito do apoio social na busca de se entender as formas emergentes de organização popular. Tal linha de pesquisa foi reforçada pela retomada do enfoque das representações sociais e pela discussão dos padrões socioculturais populares. (p. 10)

Nesse quadro, verifica-se que as discussões do GT 6 na 20ª Reunião Anual da

ANPEd abordaram os temas

[...] da construção da identidade, o cotidiano, as representações sociais e [...] sobre o apoio social, buscando na religiosidade popular as novas estratégias de organização e de elaboração de saber das classes populares. Ao mesmo tempo, aprofunda a crítica aos paradigmas, reproblematiza os conceitos de educação popular, apresenta perspectivas de educação intercultural. A atenção para as práticas de educação popular relativas aos movimentos de meninos de rua, de saúde, de educação de adultos, entrando em cena agora a atenção ao movimento de trabalhadores rurais sem terra e à relação entre o tráfico de drogas e a escola. (Fleuri, 1999: 6)

219 Realizado em João Pessoa/PB, com o tema “A Pesquisa em Educação Popular: novos olhares, novas conexões, novas possibilidades de problematização.” Os trabalhos apresentados nesse Encontro foram publicados no livro Educação Popular Hoje: variações sobre o tema (SP: Loyola, 1998). Segundo a organizadora do livro, Marisa Vorraber Costa “os textos não são nem homogêneos nem unívocos. Pelo contrário: cada um traz um olhar singular, uma perspectiva de discussão; eles constituem manifestações sem balizadores paradigmáticos preestabelecidos” (p.7-8).

Page 192: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

192

O tema da educação de adultos aparece em três trabalhos. Machado (20ª reunião,

1997), com o texto Princípios da educação popular numa rede pública de ensino, aborda a

incorporação de princípios da Educação Popular pela Secretaria Municipal de Educação de

Goiânia, através do Projeto AJA (Projeto de 1ª à 4ª série do Ensino Fundamental para

Adolescentes, Jovens e Adultos), discutindo limites e possibilidades de uma proposta de

inspiração “alternativa” assumida pela Rede Municipal de Educação. Soares (20ª reunião,

1997), com o trabalho A educação de adultos na história: a campanha de 1947, reconstitui a

Primeira Campanha de Educação de Adultos no Estado de Minas Gerais. Nesta abordagem

histórica foram privilegiados alguns aspectos: organização e funcionamento, princípios, visão

que se tinha do analfabeto, formação e profissionalização dos docentes e materiais didáticos

utilizados. Soares destaca que diversas concepções a respeito da educação de adultos

conviveram entre o início da Campanha e o golpe de 1964. Essas concepções variaram em

conseqüência de fatores diversos, associados às mudanças sócio-econômicas, políticas e

culturais ocorridas nos diferentes momentos. Por fim, Rodrigues (20ª reunião, 1997) apresenta

o trabalho Escola Quilombo dos Palmares, uma experiência de educação popular: a crise da

crítica aos paradigmas, o texto discute as redefinições político-pedagógicas da Escola de

Formação Quilombo dos Palmares, recuperando alguns conceitos criados em torno da

Educação Popular, como a definição de sujeito e do projeto político da Escola. O autor

destaca que, fundada em 1988, a Escola foi fruto da organização dos movimentos sindical –

CUT – e popular do Nordeste durante as décadas de 1970 e 1980, mas a partir dos anos 1990

empreende-se uma reformulação nas concepções e no desenvolvimento dos seus cursos.

Nesse processo, destaca a crise e o afastamento em relação à Central Única dos Trabalhadores

– CUT e o fato de a Escola assumir-se, gradativamente, enquanto uma organização não-

governamental. Conclui que, como conseqüência, houve a retração do materialismo dialético

e a substituição da estratégia revolucionária por uma nova perspectiva de ação dos

movimentos e de reflexão de seus centros educativos, sob a base da institucionalização das

lutas e organizações populares.

O GT Educação Popular, de uma forma geral, “discutiu a educação popular em

programa de saúde da família, na alfabetização de adultos e na prática educativa de meninos

de rua [e] (...) os movimentos sociais no campo.” (Fleuri, 1999: 6). Todavia, de uma forma

geral, “Em 1998, o aporte da teoria das configurações amplia o enfoque da teoria da

complexidade na busca compreensão da diversidade/unidade de sentidos e dimensões da

educação popular, nos diferentes campos e diferentes movimentos sociais” (1999: 10). Em

relação à EJA, no único trabalho selecionado neste ano, Moura (21ª reunião, 1998) apresenta

Page 193: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

193

Alfabetização de adultos: Freire, Ferreiro e Vygotsky: contribuições teórico-metodológicas à

formação de propostas pedagógicas. Numa leitura crítica dos três referenciais, constata as

respectivas aproximações, distâncias e especificidades dos três autores pesquisados, buscando

oferecer subsídios para a reflexão sobre os limites e possibilidades de cada teoria em relação à

alfabetização de adultos.

Em 2000, encontramos dois trabalhos. Alvarenga (18ª reunião, 2000), com o texto

Da cegueira à orfandade: a questão da cidadania nas políticas de alfabetização de jovens e

adultos, discute como “a categoria cidadania vem sendo construída e incorporada nas

políticas de alfabetização de jovens e adultos, sendo marcada pelas concepções e referenciais

originados do pensamento das classes sociais hegemônicas no Brasil”. Propõe identificar,

nessas concepções, a existência de uma lógica que, ao persistir na afirmação de que a

alfabetização promove os sujeitos à condição de cidadãos, produz a sua própria negação. Dá

especial relevo ao Programa Alfabetização Solidária como política que produz a síntese da

tese da inferioridade dos sujeitos não-alfabetizados no contexto contemporâneo da educação

brasileira. O segundo trabalho selecionado, Máquinas e silêncios: construindo significados no

e para além do supletivo de trabalhadores, de Oliveira (23ª reunião, 2000), aborda o processo

de escolarização do Supletivo de Trabalhadores, desenvolvido em três empresas da Região

Metropolitana de Porto Alegre. Analisa os significados construídos na experiência de ser

professor de trabalhadores, dentro do espaço fabril, através da atuação de professores-

estagiários dos Cursos de Licenciatura da Universidade do Vale do Rio dos Sinos no

Programa de Educação Básica de Jovens e Adultos; analisa, ainda, em que medida esses

significados contribuem para a formação dos alunos dos cursos de licenciatura.

Em Traçando caminhos e descaminhos de um processo de educação no meio rural:

reflexões a partir de uma experiência do Pronera no Rio Grande do Norte, Azevêdo (25ª

reunião, 2002) analisa o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária, através da

UFRN. As principais questões analisadas foram: a influência da educação bancária entre os

trabalhadores e monitores; as distintas visões acerca da formação pedagógica dos monitores

entre a universidade e os movimentos sociais e as expectativas que movem os trabalhadores

rurais no envolvimento em programas dessa natureza. E, Feitosa (25ª reunião, 2002) apresenta

a pesquisa Mulher e escolarização: uma relação de sentidos, onde reflete sobre o processo de

escolarização de mulheres recicladoras em um galpão de separação de resíduos sólidos. O

objetivo central foi compreender “os sentidos existentes e da instituição de outros sentidos

para o ato da escolarização, produzidos a partir dos seus imaginários sociais” (p. 2).

Finalizando, na pesquisa O pluralismo religioso e seus conflitos na educação

Page 194: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

194

popular: o olhar de educadores, Oliveira (29ª reunião, 2006) discute como os educadores

populares estão trabalhando pedagogicamente as manifestações religiosas de seus educandos

nos ambientes alfabetizadores o foco do debate recae na necessidade de se trabalhar a

religiosidade no espaço escolar de uma forma mais ampla do que a do ensino religioso como

matéria de conhecimento. E, Onofre (29ª reunião, 2006) apresenta a pesquisa Escola da

prisão: espaço de construção da identidade do homem aprisionado?, em que se propõe a

repensar “caminhos para as escolas das prisões” (p. 1), neste intuito analisa possibilidades e

limites da educação escolar no sistema prisional, discutindo o que ela pode fazer no interior

das prisões.

O Quadro 4 sintetiza os trabalhos estudados e dá visibilidade ao nível educacional na

modalidade de EJA que os trabalhos abordam, bem como os atores sociais envolvidos nesses

estudos.

Quadro 4 – GT 6: Temas, nível educacional e sujeitos sociais predominantes

ANO AUTOR NIVEL EDUC.

ATORES SOCIAIS TEMAS

1995 LIMA, Maria dos S. M. et. al.

EJA Alfa

Univers. Federal / Governo Munic.

Proposta de capacitação e acompanhamento dos educadores do Projeto de Alfabetização de Jovens e Adultos, resultante do convênio entre a UFPI e a Prefeitura Munic. de Teresina.

1995 SOARES, Leôncio J. G. EJA Alfa

Univers. Federal / Associação dos Serv. da UFMG

Projeto de Extensão do Curso Supletivo de Primeiro Grau do Centro Pedagógico da UFMG.

1996 MOURA, Tânia Maria de M.

EJA Alfa

SESI / MEB

Relação existente entre as práticas alfabetizadoras desenvolvidas pelas entidades não-governamentais e suas propostas pedagógicas.

1997 MACHADO, Maria Margarida.

EJA EF

Gov. Municipal

Proposta de EJA vivenciada pela SME de Goiânia no período de 1993 a 1996, através do Projeto AJA, enquanto uma proposta alternativa assumida por uma rede oficial de ensino.

1997 RODRIGUES, Daniel Álvares.

EJA EF

ONG

Elementos que fundamentaram a definição da Escola de Formação Quilombo dos Palmares, em sua origem, no ano de 1987, enquanto trabalho de Educação Popular, e a crise desses pressupostos político-pedagógicos nos anos 1990.

1997 SOARES, Leôncio J. G. EJA Alfa

MEC Primeira Campanha de Educação de Adultos no Estado de Minas Gerais.

1998 MOURA, Tânia Maria de M.

EJA Alfa

Teóricos / educadores

Analise comparativa das teorias de Paulo Freire, Emília Ferreiro e Lev Vigotsky, tendo em vista buscar na contribuição desses teóricos uma formulação teórico-metodológica que reoriente as práticas de alfabetização de adultos.

2000 ALVARENGA, Márcia S. de

EJA Alfa

PAS

Discute como a categoria cidadania vem sendo construída e incorporada nas políticas de alfabetização de jovens e adultos.

2000 OLIVEIRA, Dulce de EJA EB

Empresas Trabalhadores Universidade

Significados construídos pelos alunos dos Cursos de Licenciatura, da Unisinos, realizando a experiência de ser professor de trabalhadores no Curso Supletivo de Trabalhadores, desenvolvido em empresas de Porto Alegre.

2002 AZEVEDO, Alessandro Augusto de

EJA Alfa

PRONERA/ UFRN / MST / FETARN

Experiência do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA, no Rio Grande do Norte, através da UFRN.

Page 195: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

195

(Federação dos Trabalhadores

Agrícolas do RN)

2002 FEITOSA, Débora Alves

EJA Alfa

Gov Munic-MOVA UFRGS /

Assoc. Ecológica Rubem Berta

Os sentidos atribuídos a escolarização por mulheres trabalhadoras (recicladoras) na Associação Ecológica Rubem Berta, em Porto Alegre.

2006 OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno de

EJA Alfa

Alfabetizadores e alunos

Como os educadores populares estão trabalhando pedagogicamente as manifestações religiosas de seus educandos nos ambientes alfabetizadores e como repensar a práxis alfabetizadora, a partir da reflexão de saberes e representações sobre religiosidade dos educandos em seu contexto sociocultural, nas populações ribeirinhas do estado do Pará.

2006 ONOFRE, Elenice Maria Cammarosano

Presos

Aprofundamento dos estudos existentes em relação às possibilidades e limites da educação escolar no sistema prisional, discutindo o que ela pode fazer no interior das prisões.

Legenda: EJA Alfa: Alfabetização de Jovens e Adultos EJA EF: Educação de Jovens e Adultos – nível do ensino fundamental EJA EB: Educação de Jovens e Adultos – Educação Básica (ensino fundamental e ensino médio)

Observa-se no Quadro 4 que entre o período de 2003 a 2006, não foi encontrado no

GT 6 nenhum trabalho referente à EJA, fato que nos leva a questionar se não houve interesse

da área em pesquisas sobre a EJA, ou se nenhum trabalho sobre essa temática foi

encaminhado a este grupo. Chamando atenção que somente em 2006 voltamos a localizar dois

trabalhos, todavia ambos utilizam a EJA apenas como campo empírico, para uma discussão

cujo foco maior recai sobre manifestações religiosas e educação escolar em sistemas

prisionais.

Apesar do caráter histórico da realização da educação popular no meio rural, só um

trabalho faz menção à pesquisa de EJA no campo (Azevedo, 25ª reunião, 2002). Outro

aspecto que merece destaque refere-se ao fato de que, apesar de o GT 6 fazer a defesa dos

estudos que tratam da construção de identidades singulares (geracionais, étnicas etc.),

encontramos somente um trabalho que adotou essa perspectiva de forma clara, tratando a

questão de gênero numa experiência de EJA – o de Feitosa (25ª reunião, 2002) –, todas as

outras pesquisas tratam os educandos de forma ampla como “alunos”, acompanhados ou não

da palavra “trabalhadores”. Nesse aspecto, chama atenção o fato de que, no GT 6, o uso do

termo “trabalhadores” parece servir para atribuir uma qualidade, ou seja, para expressar uma

característica dos alunos da EJA, e não uma categoria.

Destaca-se, ainda, a título de ilustração do gradual abandono do conceito de sujeito-

coletivo, alicerçado em uma identidade social comum, ou seja, uma classe, com direitos

universais a serem defendidos, podemos destacar, no âmbito do quadro geral das pesquisas

selecionadas do GT 6, a análise sobre a Escola Quilombo dos Palmares (Rodrigues, 20ª

Page 196: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

196

reunião, 1997) em que o pesquisador conclui: “O novo entendimento da Escola apóia-se nessa

nova perspectiva educativa, fundamentada na disputa de políticas públicas e não mais nos

conflitos de classe como fundamento para a construção de um novo projeto político” (p. 13,

grifo nosso).

Por fim, destacamos a percepção quanto à necessidade de aprofundamento sobre o

sentido que o GT 6 – Educação Popular atribuí a expressão "trabalhadores", bem como, a

investigação quanto a relação estabelecida entre no uso desta expressão no GT 6 e no GT 9 –

Trabalho e Educação. Não podemos deixar de questionar que, se ocorre o abandono da idéia

de sujeito-coletivo, conseqüentemente não deve haver um sentido de classe na utilização da

expressão “trabalhador”, pelo menos no GT 6 – Educação Popular. Entendemos que aspectos

como o desvelamento dos conceitos de trabalho e de trabalhador que guiam a atividade

prática e o debate teórico do GT 6, é de suma importância para nosso estudo, mas também

para a área de Educação de Jovens e Adultos. Neste sentido, consideramos importante

interrogar-mos sobre: Que conceitos de homem, cultura e classe popular norteiam a

concepção de EJA no GT 6? Qual o projeto de formação humana que norteia a atuação do GT

considerando-se o abandono da discussão acerca da temática escola?

4.1.3. GT 18 – Educação de Pessoas Jovens e Adultas

O GT 18, Educação de Pessoas Jovens e Adultas, o mais novo dentre os quatro

Grupos de Trabalho abordados em nosso estudo, foi criado na 23ª reunião anual da ANPEd,

em 2000, aprovado em Assembléia após dois anos de atividade (1998-1999) como Grupo de

Estudos – GE.

Até o momento, o GT 18 teve cinco coordenações: 1) Sérgio Haddad, da PUC/SP e

membro fundador da ONG Ação Educativa (1998-1999); 2) Leôncio Soares, da UFMG (2000

a 2002); 3) Timothy Ireland, da UFPB e ex-diretor de Educação de Jovens e Adultos da

SECAD/MEC (2003-2004); 4) Tânia Maria Melo Moura, da UFAL (2005-2006); Maria

Margarida Machado, da UFG e ex-coordenadora pedagógica do Departamento de EJA da

SECAD/MEC (2007-2008).

Seus membros fundadores são oriundos do GT de Educação Popular e do GT

Movimentos Sociais e Educação; a maioria dos seus pesquisadores seniors vieram desses dois

Page 197: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

197

GTs e com eles mantêm diálogo permanente. Sua filosofia de trabalho é “somar as produções

da Educação Popular e de Movimentos Sociais, contribuindo para que muitos pesquisadores

não-participantes da ANPEd fossem estimulados a fazê-lo, por se sentirem identificados com

essa nova organização temática.”220

A temática comum em torno da qual se organizam suas discussões refere-se a

estudos de experiências, programas e políticas voltadas, principalmente, para a escolarização

de jovens e adultos. Um levantamento da sua produção evidencia que desde a sua criação o

GT 18 parece vir se pautando por duas preocupações centrais: as tradicionais questões

pertinentes à alfabetização e/ou analfabetismo (projetos e programas de alfabetização vistos

sob a ótica do aluno, do docente ou enquanto proposta de EJA) e questões circunscritas ao

âmbito da escolarização (ensino noturno, supletivo, currículo para EJA, formação de

professores, EJA no Ensino Fundamental e Ensino Médio).

De forma geral, quanto às instituições de origem dos pesquisadores com destacada

atuação no GT (por o coordenarem, por realizarem trabalhos encomendados ou ministrarem

minicursos), os principais são provenientes de instituições de São Paulo, com destaque para

USP, PUC/SP e a Ação Educativa; esta última, apesar de não ser uma instituição de ensino

superior, apresenta recorrentemente suas pesquisas no GT 18, confirmando sua importância

no e para o Grupo221. Destaca-se, ainda, que dois dos quatro pesquisadores que compuseram

seu comitê científico são provenientes de instituições do Estado de São Paulo: Celso Beisiegel

– USP (em 2003) e Vera Masagão Ribeiro – Ação Educativa (2006-2007).

Chama a atenção na produção do GT 18, observando-se os minicursos e trabalhos

encomendados, o prestígio conferido às referências externas, ou seja, a predominância, nesses

momentos, de participantes exógenos ao grupo. Uma apreciação dos 16 trabalhos

encomendados entre 1998 e 2006 revela que dez (10) foram realizados por professores que

não participam regularmente do GT 18. Dos nove pesquisadores convidados (N. Alves, M. K.

de Oliveira, M. Arroyo, J. Kalman, A. Melo, M. T. Sirvent, M. N. Ramos, P. Carrano e M.

Sposito), destaca-se a professora Marília Sposito, por ter sido convidada três vezes (1999,

2001 e 2003) (Quadro 5). A mesma tendência é observada nos minicursos: dos sete (7)

propostos, somente dois (2001 e 2005) foram realizados por autores “internos” (Osmar Fávero

e M. C. Fonseca), ou seja, por autores que participam efetivamente do GT 18 (Quadro 6). É

220 Disponível em: http://www.forumeja.org.br/gt18 221 Sobre a Ação Educativa, ver nota 181 deste trabalho. Di Pierro (2000) destaca que “Pesquisadores vinculados à Ação Educativa tiveram participação destacada na constituição do Grupo de Trabalho sobre Educação de Pessoas Jovens e Adultas da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd). Ambas as entidades mantêm parceria no exercício da secretaria da Revista Brasileira de Educação e no concurso de dotações para pesquisas sobre o tema Negro e Educação” (p.140).

Page 198: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

198

possível que esta seja a forma encontrada pelo GT de manter o diálogo com diferentes áreas

de pesquisa, considerando que a EJA relaciona-se a um amplo leque de temáticas de pesquisa.

Quadro 5 – GT 18: Autores dos Minicursos (1998-2006)

Ano Minicursos e autor (participação com outro GT) 1998 o GT não ofereceu.

1999

“Roda de leitura para alunos jovens e adultos em processo de alfabetização” Pedro Benjamin Garcia (UFRJ)

2000

“Metodologias participativas de pesquisa: possibilidades e limites” Maria Malta Campos (PUC/SP e Fundação Carlos Chagas)

2001

“Memória dos anos 60: MCP/ MEB/ CPC/ Paulo Freire” Osmar Fávero (UFF)

2002

“A formação do educador da educação de jovens e adultos” Vera Barreto (ONG Vereda – Centro de Estudos em Educação/SP)

2003

“El estudio de las prácticas de lectura y escritura en el mundo social” Judith Kalman (DIE/ CINVESTAV- México)

2004

“Metodologia de Pesquisa em Educação de Jovens e Adultos” Maria Teresa Sirvent e Profª Sandra Llosa Universidad de Buenos Aires)

2005

“Etnomatemática na Educação de Jovens e Adultos” Maria Conceição Fonseca (UFMG)

2006 o GT não ofereceu.

Quadro 6 – GT 18: Autores dos Trabalhos Encomendados (1998-2006)

Ano Coordenador Trabalhos Encomendados 1998

Sérgio Haddad (PUC/SP – ONG Ação Educativa)

“Currículo em EPJA” Nilda Alves (UERJ)

“Pesquisas em EPJA” Sérgio Haddad

1999

Sérgio Haddad (PUC/SP – ONG Ação Educativa)

“Algumas hipóteses sobre as relações entre movimentos sociais, juventude e educação” Marília Sposito (USP)

“Jovens e adultos como sujeitos de conhecimento e aprendizagem” Marta Kohl de Oliveira

2000

Leôncio Soares (UFMG)

“A relação entre movimentos sociais, a escola e as experiências de educação não formal” Miguel Arroyo (UFMG)

“O estado da arte da educação de jovens e adultos” Sérgio Haddad

2001

Leôncio Soares

(UFMG)

“Estado da arte sobre juventude” Marília Sposito (USP)

2002

Leôncio Soares

(UFMG)

“Análise da produção do GT da Educação de Jovens e Adultos” Timothy Ireland e Leôncio Soares (UFMG)

“Relações sociedade–

“El conocimiento de

“Para uma política

Page 199: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

199

2003 Timothy Ireland (UFPB)

Estado – perspectivas juvenis” Marília Sposito e Paulo Carrano

la lengua escrita de las mujeres de baja e nula escolaridad em uma comunidad de la ciudad de México” Judith Kalman

de educação de jovens e adultos em Portugal” Alberto Melo

2004

Timothy Ireland (UFPB)

“Materiais didáticos empregados na educação de jovens e adultos” Osmar Fávero (UFF)

“La educación de jovenes y adultos frente al desafio de los movimentos sociales emergentes” Maria Teresa Sirvent

2005

Tânia Maria Melo

Moura (UFAL)

“A pesquisa realizada pelo MEC/UNESCO sobre o Programa Brasil Alfabetizado” Eliane Ribeiro Andrade

“O trabalho e suas relações com o adulto trabalhador da educação de jovens e adultos” Marise Nogueira Ramos

2006

Tânia Maria Melo

Moura (UFAL)

“Os processos de formação na educação de jovens e adultos: a “panha” dos girassóis na experiência do Pronera/MST” Edna Castro de Oliveira (UFES)

4.1.3.1. A produção científica selecionada no GT 18

Entre 1998 e 2006 foram apresentados nas reuniões anuais da ANPEd

aproximadamente cento e quatorze (114) trabalhos no GT Educação de Pessoas Jovens e

Adultas. O portal eletrônico do GT 18222 apresenta uma organização desses trabalhos

agrupados em sete temas e, com base nessas informações, pode-se afirmar que os temas mais

recorrentes são: currículo e práticas pedagógicas, com 25 trabalhos apresentados; EJA como

políticas públicas, com 22 trabalhos apresentados; alfabetização, com 19 trabalhos; formação

de professores, com apresentação de 18 trabalhos; escolarização, com 14 trabalhos; mundo do

trabalho, com 12 trabalhos; e sujeitos da EJA, com 11 trabalhos apresentados. Partindo deste

universo total, verifica-se que entre eles há um expressivo número de trabalhos que incidem

sobre uma determinada experiência empírica, principalmente análise de uma prática,

geralmente no campo da alfabetização. Constata-se uma diminuição do número de trabalhos

quanto mais se eleva o nível escolar; sendo incipientes as pesquisas sobre o Ensino Médio,

último nível da Educação Básica. Tal constatação parece indicar que, enquanto objeto de

pesquisa, predomina a identificação da EJA com a oferta educativa alfabetizadora.

Do universo total (114 trabalhos aprovados e apresentados entre 1998 e 2006), foram

222 Disponível em: <http://forumeja.org.br/gt18/> Acesso em fev.2008.

Page 200: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

200

selecionados 23 trabalhos: aqueles que abordavam as políticas223 de Educação Básica e

Educação Profissional dos trabalhadores. Optou-se, assim, por selecionar as pesquisas que

tratassem da EJA sob a perspectiva geral, enquanto análise de política de educação voltada

para jovens e adultos (ver apêndice).

O critério de escolha deste tema, políticas de EJA, do qual emergiram temas

correlatos, como financiamento e parceria na EJA, deve-se ao fato de que nele explicitam-se

as questões centrais que norteiam o conteúdo e a forma que marcam a EJA no final do século

XX e início deste novo milênio. Assim sendo, apesar de relevantes, não foram consideradas,

dada a amplitude e particularidade de cada uma e os objetivos específicos deste trabalho, as

análises sobre temas como metodologias de alfabetização/processos de letramento, formação

inicial/continuada de professores, currículo e propostas didático-metodológicas na EJA, ainda

que, de forma indireta e subordinada, tais temáticas terminem por aparecer nos trabalhos.

Conforme assinalamos, com base no levantamento realizado, foi possível identificar

23 trabalhos referentes às políticas de Educação Básica e/ou Educação Profissional de jovens

e adultos. Classificamos os trabalhos selecionados em dois grandes grupos: 1) análises

históricas ou comparativas das políticas educacionais e 2) análises de experiências empíricas.

O Grupo 1 pode ser dividido em três subgrupos: 1a) referente a ações públicas no

plano municipal; neste subgrupo encontram-se os trabalhos de Vieira (23ª reunião, 2000),

Moll (25ª reunião, 2002), Andrade e Paiva (27ª reunião, 2004), Volpe (27ª reunião, 2004),

Ancassuerd (28ª reunião, 2005), Rodrigues (28ª reunião, 2005), Alvarenga (28ª reunião,

2005), Fávero e Brenner (29ª reunião, 2006); 1b) referente a ações públicas em outros níveis,

como no plano das escolas em Leão (21ª reunião, 1998), no plano estadual em Soares (21ª

reunião, 1998), no plano federal nas pesquisas de Machado (21ª reunião, 1998) e Di Pierro

(23ª reunião, 2000); 1c) referente à análise de concepções das políticas educativas, como

expresso em Carlos (29ª reunião, 2006) e Paiva (29ª reunião, 2006).

O Grupo 2 pode ser dividido em dois subgrupos: 2a) análise de ações a partir da

atuação da esfera federal, encontradas nos trabalhos de pesquisa que refletem sobre o

Programa Alfabetização Solidária, como em Alvarenga (26ª reunião, 2003), Moura (27ª

reunião, 2004), Traversiny (28ª reunião, 2005), Rocha (28ª reunião, 2005) e Barreyro (29ª

reunião, 2006), e nos trabalhos que refletem sobre o Programa de Educação na Reforma

Agrária (Pronera), como em Furtado (24ª reunião, 2001) e Di Pierro (29ª reunião, 2006); 2b)

223 Conforme esclarecido na nota 97 deste trabalho, as políticas de educação básica e edcação profissional de jovens e adultos trabalhadores são políticas sociais; aqui entendidas enquanto modalidade de política pública, como ação de governo com objetivos específicos relacionados à proteção social.

Page 201: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

201

refere-se à análise de ações a partir da atuação de instituições da sociedade civil (em parceria

com o governo, no âmbito municipal, estadual ou federal); fazem parte deste subgrupo os

estudos de Deluiz (25ª reunião, 2002 e 28ª reunião, 2005), o primeiro referente à atuação de

centrais sindicais e o segundo sobre a atuação das ONGs.

Em relação às instituições a que os autores dos textos selecionados se vinculam,

percebe-se o predomínio de instituições públicas de ensino superior, entre federais e

estaduais, tendo sido verificadas duas instituições privadas (Tabela 5). A Região Sudeste é a

que tem mais presença no GT 18 (considerando o universo dos trabalhos selecionados).

Tabela 5 – GT 18: Principais Instituições às quais estão vinculados os autores

Principais Instituições Nº de trabalhos (por ano) UERJ 4 UFMG 3 USP 2 UFG 2

UNESA 2 UFF, UFRGS, UFJF, UFBP, UFAL, UFC, UNB,

UNIRIO, UNISINOS, CUFSA, PUC-SP/Ação Educativa. 1

4.1.3.2. Principais referências teóricas

Entre os autores mais destacados nos 23 trabalhos apresentados de 1998 a 2006 no

GT 18, o mais citado foi Sérgio Haddad, que aparece em doze (12) deles (a maioria com

referência a mais de um artigo deste autor), seguido de Maria Clara Di Pierro (citada em oito)

e de Celso de Rui Beisiegel (citado em sete). A Tabela 6 traz os autores de referência para o

GT 18, ou seja, aqueles que são mais recorrentes nos trabalhos apresentados, e que, de alguma

maneira, influenciam o GT. Importa sublinhar que os três autores mais citados vêm de uma

mesma matriz teórica de formação: Beisiegel (USP) foi o orientador de doutorado de Haddad

(PUC/SP-Ação Educativa), que, por sua vez, orientou Di Pierro no doutoramento na PUC/SP.

Atualmente, Di Pierro é docente na USP, tendo trabalhado anteriormente na ONG Ação

Educativa (Tabela 6).

Page 202: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

202

Tabela 6 – GT 18: Autores contemporâneos

Autores em destaque nos trab. Selecionados 1998 (3) *

1999 (0)*

2000 (2)*

2001 (1)*

2002 (2)*

2003 (1)*

2004 (3)*

2005 (6)*

2006 (5)*

TOTAL (23)

1. HADDAD, Sergio III II II I I II I 12 2. DI PIERRO, Maria Clara I II I I I II 8 3. BEISIEGEL, Celso de Rui II II I I I 7 4. PAIVA, Vanilda I I I I II 6 5. ARROYO, Miguel I I I I I 5 6. FREIRE, Paulo I I I I 4 7. DRAIBE, Sonia II I I 4 8.SINGER, P I I I I 4 9. GENTILLI, Pablo II I 3 10.SADER, Eder I I I 3 11.MARTINS, José de Souza I I I 3

* Número de trabalhos selecionados no ano, para esta pesquisa.

A variedade e a quantidade de autores contemporâneos citados no GT 18 são

significativas224. Aqui, Paulo Freire apesar de ser uma referência importante, não é

predominante como aporte bibliográfico para as análises empreendidas pelos pesquisadores

do grupo.

Quanto aos principais autores clássicos citados nas pesquisas selecionadas no GT 18,

chama a atenção a pouca menção a um referencial teórico específico, bem como, a pouca

menção a autores clássicos. Dentre os citados, destaca-se a presença de autores marxistas

como Antonio Gramsci, Mikhail Bakhthin, Eric Hobsbawm e o próprio Karl Marx, mesmo

que o trabalho não se paute pelo materialismo histórico dialético. Foram destacados também

Michel Foucault, Norberto Bobbio e Jürgen Habermas, o que nos sugere que o grupo não tem

uma tradição teórico-metodológica definida, o que pode em parte ser decorrente do seu pouco

tempo de existência, mas também por uma opção pelo ecletismo teórico (Tabela 7).

Tabela 7 – GT 18: Autores clássicos Autores em destaque nos trabalhos selecionados 1998

(3)* 1999 (0)*

2000 (2)*

2001 (1)*

2002 (2)*

2003 (1)*

2004 (3)*

2005 (6)*

2006 (5)*

TOTAL (23)

1. GRAMSCI, A. I I 2 2. BAKHTHIN, M. I I 2 3. FOUCALT, M. I I 2 2. BOBBIO, N. I I 2 5. MARX, K. I 1 6. HABERMAS, J I 1 7. HOBSBAWM, E I 1 *Número de trabalhos selecionados no ano.

224 Além dos que contam na Tabela 5, cerca de cem (100) autores são citados apenas uma ou duas vezes. Dentre eles, FÁVERO, O.; CURY, C.R.; SOARES, L.; RUA, M.G.; JARA, O; GADOTTI, M., por exemplo.

Page 203: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

203

4.1.3.3. As pesquisas sobre a EJA no GT 18

Conforme já assinalado, do conjunto de trabalhos apresentados nas Reuniões Anuais

da ANPEd no período de 1998 a 2006 foram identificados 23 trabalhos referentes às políticas

de EJA. Optou-se por organizar essa produção em dois grupos: o Grupo 1, com 14 trabalhos,

caracterizado por análises mais amplas, referentes a uma perspectiva histórica ou de análise

comparada das políticas educacionais; o Grupo 2, com 9 trabalhos voltados para a análise de

experiências empíricas. Além disso, optou-se ainda por organizar os trabalhos em subgrupos,

como anteriormente explicitado. Assim, no Grupo 1 estão: 1a) 8 trabalhos que analisam as

ações do poder público no âmbito municipal; 1b) 4 trabalhos que analisam ações a partir de

outros níveis da política educacional; e 1c) 2 trabalhos que analisam concepções relacionadas

às políticas de EJA. No Grupo 2 estão: 2a) 7 trabalhos que analisam ações da esfera federal; e

2b) 2 trabalhos que analisam ações empreendidas por outras instituições da sociedade civil,

desenvolvidas em parceria com o poder público, utilizando recursos públicos. Segue-se um

breve balanço do conteúdo desses textos, em que se buscou evidenciar seus referenciais

teóricos e metodológicos e as principais conclusões a que chegaram.

Em Políticas de educação de jovens e adultos no Brasil: experiências e desafios no

município de Uberlândia – MG (anos 80 e 90), Vieira (23ª Reunião, 2000), analisa

comparativamente a natureza das políticas de EJA implementadas em Urbelândia em

conjunturas político-econômicas diversas: primeiro, no período imediatamente após a

redemocratização, em meados da década de 1980; depois, no contexto das políticas

educacionais neoliberais, em meados da década de 1990. A autora demonstra que com "a

desobrigação do poder público, parte das demandas têm sido transferidas à iniciativa privada”

(p. 13), com significativa redução da matrícula na rede municipal entre 1996 e 1998. E

conclui que a consolidação da EJA como direito público subjetivo “passa pela constituição de

políticas inclusivas, que a insiram organicamente nas redes públicas, garantindo sua oferta e

permanência, bem como sua adequação à realidade dos grupos sociais destinatários deste

ensino” (p. 15).

Na mesma linha de investigação que parte da atuação do poder público municipal, a

análise de Moll (25ª Reunião, 2002) – Políticas municipais de educação fundamental de

jovens e adultos no Rio Grande do Sul: tendências nos anos 90 –, destaca resultados da

“pesquisa realizada em municípios do Rio Grande do Sul acerca das políticas de Educação

Fundamental de jovens e adultos, no período de 1993 a 1999” (p. 1). Tal pesquisa apreendeu

tendências em termos de condições de oferta da EJA implementados naqueles municípios, e o

Page 204: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

204

papel por eles desempenhado na articulação de políticas de educação; recolheu, através de

instrumento de pesquisa enviado aos municípios, informações sobre “origem da demanda por

educação escolar de jovens e adultos e parcerias estabelecidas; proposta pedagógica

desenvolvida e quadro docente; e também informações gerais sobre fontes de financiamento

dos ‘programas’ existentes” (ibidem). A partir do estudo da situação de 116 municípios, a

pesquisa aponta para o processo de “ aprofundamento do papel dos municípios nas

proposições e práticas relativas ao campo da educação de jovens e adultos” (p. 10, grifo do

autor). Além da ausência do governo federal, o governo do Estado “assume papel

coadjuvante, no final dos anos 1990, participando de parcerias que, até então, eram definidas

por ele” (ibidem). Nas suas reflexões conclusivas, a autora destaca que, apesar do esforço dos

municípios, “não é possível deixar de considerar [...] o divórcio histórico entre o proclamado

e o real em termos de legislação de políticas públicas no Brasil” (p. 13).

Andrade e Paiva (28ª Reunião, 2004) apresentam o trabalho Políticas públicas de

direito à educação de jovens e adultos no RJ: estudos da região metropolitana, com a

exposição de dados “referentes ao eixo investigativo ‘novos desenhos da educação de jovens e

adultos na esfera local’, subprojeto articulado a outro mais amplo de pesquisa, realizado

plurinstitucionalmente, agrupado pelo tema das políticas públicas de juventude e da educação

de jovens e adultos” (p. 1). Com o objetivo de compreender concepções e ações na área de

EJA no âmbito municipal, realizaram um levantamento da realidade em 20 municípios da

Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Este trabalho destaca como características das

realidades investigadas a predominância da EJA na esfera municipal de governo e a

diversidade de projetos com características muito distintas. Nas considerações finais, as

autoras ressaltam que a política pública de EJA “é sempre uma política de migalha, uma

espécie de ‘sobra’, para a qual não se prevêem nem metas compatíveis com o dever do Estado

com o direito da cidadania; nem recursos orçamentários dignos; nem espaço próprio nas

escolas” (p. 17).

A discussão sobre o que é anunciado e efetivamente realizado na EJA reaparece na

pesquisa O direito à educação de jovens e adultos em municípios mineiros: entre

proclamações e realizações, onde Volpe (27ª Reunião, 2004) descreve como dois municípios

do Estado de Minas Gerais, que implantaram Sistemas de Ensino no período de 1997 a 2000,

ofertaram a EJA, “tendo em vista que, segundo a Lei 9.424/96, 15% dos impostos ou 60% dos

recursos vinculados à educação estão comprometidos com o Ensino Fundamental regular” (p.

1). Conclui apontando que o proclamado “direito de todos à educação implica

necessariamente no equacionamento das fontes de recursos para o seu financiamento,

Page 205: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

205

fundamental para o escopo das políticas praticadas” (p. 12) e destaca a importância da questão

do financiamento na efetivação do direito à EJA no âmbito dos sistemas públicos municipais,

para que se passe da proclamação à realização.

Ancassuerd (2005), em Educação de Jovens e Adultos no Grande ABC: duas

gerações de políticas públicas – 1987 a 2003, apresenta os programas, projetos e ações

desenvolvidos em municípios do ABC paulista e, num segundo momento, analisa as

diferentes concepções das políticas e sua implementação. Conclui a autora que:

[...] é possível perceber a existência de duas gerações de políticas: as de primeira geração: recortadas pela idéia de direito e do Estado provedor, e as de segunda geração: marcadas pela participação da sociedade civil, mesmo que de forma pontual, e por parcos recursos financeiros. As políticas de primeira geração estão consolidadas e são marcadas pela inserção da estrutura administrativa das prefeituras locais, criando melhores condições para a sua permanência e desenvolvimento do que as de segunda geração. As duas gerações de políticas são a expressão cabal do esforço realizado no âmbito local para garantir o direito à educação a jovens e adultos, em função da ausência das demais esferas de governo, federal e estadual. (p.18)

Em Construção das políticas de educação de jovens e adultos em Goiás, Rodrigues

(28ª Reunião, 2005) analisa o “modo como vem sendo construído o campo de ações públicas

destinadas aos jovens e adultos, sobretudo aqueles de origem popular” (p. 1). A autora

identifica, a partir de dados obtidos no Estado de Goiás, novos desenhos da EJA

implementada pelo poder municipal, particularmente, nos anos 2003-2004225. A pesquisa

aponta em suas conclusões que, apesar de estarem atendendo à modalidade, parece que a

maioria dos municípios

[...] ainda não tomam a EJA como um direito, pouco tem se voltado para um trabalho em que os educandos sejam vistos como jovens e adultos, inseridos ou em vias de sê-lo no mundo do trabalho, mas sim utilizando práticas infantilizadas. Uma das políticas que contribuiriam para uma outra forma de atender estes sujeitos do processo educativo, sejam eles educandos ou educadores, seria através de um processo contínuo de formação, o que em apenas um município se apresentou: Goiânia. Concluímos que nos municípios do entorno goiano há ainda falta de políticas públicas voltadas para a EJA, em geral as ações empreendidas estão muito presas às proposições da Secretaria de Educação do Estado, que ainda vê a EJA apenas como suplência. Além disso, o que observamos foram ações descontínuas e fragmentadas que desconsideram as demandas e ritmos dos jovens e adultos. A exceção a esta prática foi o município de Goiânia [...]. (p.17)

Alvarenga (28ª Reunião, 2005), no trabalho intitulado O Plano Municipal de

Educação e suas repercussões sobre o direito à educação de jovens e adultos: um estudo de

caso, apresenta pesquisa realizada na cidade de São Gonçalo/RJ com o objetivo de

225 Cabe destacar que esta pesquisa também é parte integrante do projeto pluriinstitucional em torno das temáticas: juventude e EJA, de âmbito nacional, como visto anteriormente nesta mesma seção.

Page 206: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

206

“identificar/analisar, à luz de documentos produzidos e que aludem ao processo de

democratização da EJA e da consolidação do direito à educação das pessoas jovens e adultas, as

ações articuladas pelo poder local face às metas estabelecidas” (p. 3). Sua pesquisa empreende

uma análise em torno das políticas públicas para a educação: “no caso especifico, os planos

municipais de educação (PME), estão sendo implementados através da articulação entre o poder

local e instituições e/ou movimentos organizados da sociedade civil. Conclui que o PME deve ser

compreendido não como uma mera formalidade jurídica determinada pelo processo de

descentralização das políticas educacionais, “mas como um instrumento, ou melhor, um campo

de valores onde podemos perscrutar possibilidades fecundas de se garantir o direito à educação de

qualidade dos jovens e adultos gonçalenses” (p. 16).

Fávero e Brenner (29ª Reunião, 2006) apresentam, através de um resgate histórico, a

política municipal para a EJA empreendida pela rede pública municipal do Rio de Janeiro, em

Programa de Educação de Jovens e Adultos (PEJA/RJ). Avaliam limites e possibilidades da

proposta de Ensino Fundamental para jovens e adultos, com destaque para aspectos como, por

exemplo: a “estrutura de programa, na SME/RJ, embora lhe permita relativa flexibilidade e

possibilite agilidade, não lhe dá o respaldo político-administrativo de que precisa” (p.15);

apesar da ampliação da oferta nos últimos anos, a presença do PEJA “na rede municipal de

ensino é ainda limitada e seu atendimento à população necessitada é reduzido” (p.16); o PEJA

sinaliza caminhar na direção de rompimento com o referencial do Ensino Supletivo e

construção da EJA como modalidade de ensino; o PEJA foi se constituindo

“progressivamente [como] uma política municipal para a EJA, embora contido pela

burocracia da SME/RJ” (p. 16).

Na segunda divisão do Grupo 1 (1b) foram reunidos trabalhos de análise da EJA a

partir de outros níveis da política educacional. Assim sendo, Leão (21ª Reunião, 1998),

partindo de uma análise da escola, empreende a pesquisa A gestão da escola noturna: ainda

um desafio político, com o objetivo de analisar as propostas para a gestão escolar elaboradas

no âmbito do Estado de Minas Gerais e do Município de Belo Horizonte, e identificar os

principais impactos de tais políticas na escola. Aponta que o ensino noturno foi usado pelos

gestores como um paliativo para a ampliação da oferta, todavia, sem que se criassem

condições adequadas para o seu funcionamento. Como conseqüência, “o comum tem sido a

transferência do modelo da escola diurna e de sua gestão para a escola no período da noite,

sem que suas particularidades sejam consideradas” (p. 1). Conclui que a superação de uma

estrutura escolar segregadora torna-se um desafio político para os educadores no processo de

contrução de uma escola noturna socialmente qualificada (p. 16).

Page 207: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

207

Soares (21ª Reunião, 1998) apresenta o estudo A Política Educacional para jovens e

adultos em Minas Gerais (1991-1996), cujo objetivo foi verificar o impacto da Resolução nº

386/91 do Conselho Estadual de Educação na ampliação do atendimento à EJA no Estado de

Minas Gerais. O autor ressalta que ocorreu uma expansão do atendimento através dos cursos

supletivos privados, simultaneamente ao contexto de esvaziamento da política do governo

federal e a conseqüente retirada dos governos estaduais.

Machado (21ª Reunião, 1998) no trabalho A trajetória da EJA na década de 90 -

políticas públicas sendo substituídas por ‘solidariadade’, analisa as políticas do governo

federal para EJA na década de 1990; identifica o Programa Alfabetização Solidária como

exemplificador do discurso neoliberal na EJA e, por fim, apresenta ações implementadas pela

SME de Goiânia como sinalizadora de uma perspectiva contra-hegemônica. A respeito do

arcabouço teórico produzido nos anos de 1990 na EJA, diz a autora:

[...] o discurso neoliberal vem reservando a esta modalidade de atendimento escolar objetivos bastante definidos, que são os de qualificar e requalificar mão-de-obra para atender às exigências do mercado capitalista. [...] No caso da EJA, os pronunciamentos oficiais têm se restringido às constatações de alinhamento dos projetos educacionais às exigências do mercado, por isso, os programas de atendimento a jovens e adultos que não demonstrarem esta competência estão simplesmente sendo eliminados. (p. 10-11)

Di Pierro (23ª Reunião, 2000) aborda O financiamento público da educação básica

de jovens e adultos no Brasil no período 1985/1999, objetivando analisar as “repercussões do

reordenamento jurídico e das políticas educacionais sobre o gasto público das três esferas com

essa modalidade educativa” (p. 1) no período de redemocratização brasileira. No que se refere

ao gasto público federal com EJA, a autora assinala que os reduzidos montantes atribuídos no

período 1985-1999 restringiram “a capacidade indutora que a União deteve neste campo

educativo em períodos anteriores” (p. 15). Assim,

[...] só podemos concluir que a escassez dos recursos públicos atribuídos às políticas de educação de jovens e adultos representa um limite objetivo e, por vezes, um obstáculo intransponível ao atendimento das demandas educacionais dessa parcela da população, delineando um território de conflito e mobilização de atores em torno de uma dimensão ainda não realizada da democratização do Estado brasileiro. (ibidem)

Um terceiro conjunto de trabalhos a ser ressaltado no Grupo 1 refere-se ao subgrupo

1c), com análises sobre concepções das políticas de EJA. Carlos (29ª Reunião, 2006) pesquisa

o “aparecimento da educação de adultos enquanto um acontecimento histórico” e “busca,

inspirando-se em Foucault, entender a formação do discurso da educação de adultos no

Brasil” (p. 1) no trabalho intitulado O enunciado da Educação de Adultos no Brasil: da

Page 208: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

208

proclamação da República à década de 1940. Sua pesquisa destaca que, no campo do

discurso, a consolidação de uma modalidade de ensino distinta da infantil, portadora de uma

identidade própria, tem seu início na década de 1940; quando, “a educação de adulto passou a

representar uma espécie de socialização funcional, ou seja, de uma inserção do indivíduo

adulto na sociedade sempre em conformidade com a ordem econômica, ideopolítica e

sociocultural estabelecida ou a ser desenvolvida” (p. 12). Conforme demonstra o autor,

O ajustamento social do adulto imprimiu na concepção de sua atividade educativa uma forte dose de pragmatismo. Daí o caráter instrumental da alfabetização e da própria escolarização primária no sentido de funcional como um requisito para a constituição de certas subjetividades: eleitor, trabalhador e cívico, por exemplo. [...] a educação de adultos funcionava como um mecanismo de posicionamento do educando adulto a certas posições de sujeito. A educação de adultos compartilhava a responsabilidade de formar o tipo de subjetividade necessária à ordem vigente. (p.12-13, grifo nosso)

Em Direito à Educação de Jovens e Adultos: concepções e sentidos, Paiva (29ª

Reunião, 2006) analisa “concepções e sentidos que conformam a educação de jovens e

adultos na contemporaneidade, produzidos no interior dos países, nas tensões sociais em

tentativas de reafirmação de direitos de maiorias vistas, na sociedade desigual, como

minorias” (p.1, grifo do autor). Segundo a autora, a visão da EJA estava relacionada à

recuperação do tempo perdido, depois passou a visão de resgate da dívida social e, por fim, à

concepção de direito à educação para todos e do aprender por toda vida. Destaca que, apesar

de mudarem as enunciações, permanece no imaginário social a idéia comum de retorno à

escola para fazer o que não foi feito na infância (p. 3). A pesquisa também aponta as

principais tendências que a EJA foi assumindo “como campo político em disputa pelo direito,

tensionando a esfera pública estatal a garantir e manter modos de oferta” (p. 15),

considerando que, no “novo desenho”, os fóruns de EJA teriam “efetiva interferência nas

concepções e práticas de EJA” (ibidem).

Conforme anteriormente assinalado, o Grupo 2 é caracterizado por análises voltadas

para uma determinada experiência empírica. O estudo realizado evidenciou a necessidade de

dividir este segundo grupo em duas partes: o subgrupo 2a) agrupou trabalhos que analisaram

uma ação a partir da atuação da esfera federal – no caso, o PAS (M. S. Alvarenga, T. M. de

M. Moura e. al., C. S. Traversini, G. Rocha e G. B. Barreyro) e o Pronera (M. C. Di Pierro e

E. D. Furtado) – e, subgrupo 2b), reuniu ações a partir da atuação de instituições da sociedade

civil, em parceria com o governo federal (dois trabalhos de N. Deluiz).

Alvarenga (26ª Reunião, 2003), no artigo Os sentidos da cidadania: entre vozes,

silenciamentos e resistências no Programa Alfabetização Solidária, buscou “compreender os

Page 209: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

209

sentidos da cidadania na perspectiva dos idealizadores do PAS e dos alfabetizandos” (p. 2). O

trabalho aponta que os diferentes sentidos sobre cidadania reatualizam os conflitos e as lutas

entre projetos de grupos sociais diversos. Na conclusão, indica que o PAS “revigora a ação

pedagógica de negação da cidadania dos sujeitos não alfabetizados” (p.13), pois, ao contrário

do discurso, cidadania não é apenas uma conseqüência da alfabetização e não se limita a ela; a

alfabetização não é suficiente “para transformar as condições sociais dos sujeitos, enquanto

for mantido um modelo político, social e econômico produtor da pobreza, da exclusão e do

aprofundamento das desigualdades sociais” (p. 13-14).

Moura et al. (2004), em ́ Conteúdos’ e ‘competências básicas’ adquiridos e

utilizados por jovens e adultos do Programa Alfabetização Solidária, apresentam pesquisa

sobre habilidades de leitura e escrita e outros conhecimentos apropriados pelos alunos através

da participação no PAS. Sobre este aspecto, as autoras afirmam que

Ficou patente que os alunos que não tiveram experiência escolar anteriormente não conseguiram em um só módulo que cursam desenvolver as “competências”, relacionadas à leitura, a escrita e à resolução de operações matemáticas, o que se aplicou também àqueles que já haviam passado pela escola anterior ao programa. No caso dos alunos que já tiveram passagem pela escola, eles conseguem, no máximo, rememorar alguns conhecimentos anteriores, adquirir e/ou melhorar competências relacionadas à leitura e escrita. (p. 14)

Destacando ainda que os alunos não conseguem fazer uso da leitura e escrita, mesmo

quando a adquirem, pois há poucas oportunidades de utilizá-las em seus contextos sociais

cotidianos, as autoras concluem que “pouco do que o Programa propõe é alcançado, de forma

que os alunos se sustentam muito mais naquilo que aprenderam fora da escola, nas práticas de

letramento sociais, do que o que vivenciaram na prática escolar propiciada pelo Programa” (p.

15).

O PAS também foi analisado por Traversini (28ª Reunião, 2005) no artigo Debite um

analfabeto no seu cartão: a solidariedade como estratégia para alfabetizar a população e

desresponsabilizar o Estado. Através da análise do discurso de uma publicação, o Boletim

Alfabetização Solidária, a autora estudou “a administração do analfabetismo226 com base na

solidariedade” (p. 2), concluindo que “os problemas sociais, como o analfabetismo, estão

sendo empresariados, ou melhor, que o próprio Estado está sendo empresariado” (p. 14).

Na mesma Reunião Anual, Rocha (28ª Reunião, 2005), com o trabalho PAS x

226 A autora utiliza-se do “estudo dos escritos de Michel Foucault, particularmente sobre governamentalidade e governamento. [...] Alfabetizar pode ser considerada uma forma de administrar, de governar cada indivíduo em particular, bem como a população de uma comunidade, cidade, estado e país. [...] Isso quer dizer que, ao alfabetizar, administra-se a parcela da população de um determinado modo, evitando a formação de áreas com concentrado potencial de risco social” (p. 2).

Page 210: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

210

Mobral: convergências e especificidades, apresenta uma análise comparativa entre esses dois

Programas desenvolvidos em contextos históricos distintos (1997 e 1970, respectivamente),

ambos vinculados ao governo federal e voltados para a erradicação do analfabetismo de

jovens e adultos no Brasil. São assinalados vários aspectos de convergência, principalmente

no que tange às concepções de alfabetização e analfabetismo, entre os dois programas. Afirma

a autora que,

[...] passadas várias décadas tanto da instituição quanto da extinção do Movimento Brasileiro de Alfabetização, a visão de analfabetismo como algo que se deve erradicar, de alfabetização como condição para o exercício da cidadania, como um mal que pode e deve ser sanado a partir de campanhas, ganhou novas forças no Programa Alfabetização Solidária – PAS e, a exemplo do que ocorreu com o Mobral, forte inserção nos meios de comunicação de massa. (p. 19)

Por fim, no que se refere aos estudos sobre o PAS, a pesquisa O ‘programa

alfabetização solidária’: terceirização no contexto da reforma do Estado, de Barreyro (29ª

Reunião, 2006), analisa este Programa no contexto da reforma do Estado ocorrida nos anos

1990. Sinalisando para o fato de o PAS ter significado a implementação de um modelo de

tercerização de políticas educacionais, utilizando para esta finalidade as Instituições de Ensino

Superior, em sua conclusão destaca que

Esse Programa priorizou critérios de menor custo, empregabilidade temporária e filantropia. Também induziu subjetividades, diferentes daqueles que definem os analfabetos como sujeitos de direito. Assim, recuperou o discurso assistencialista da ajuda e da tutela por meio da adoção de adultos, definiu os seus alunos como atendidos e banalizou a figura do alfabetizador. (p.13)

No que tange aos trabalhos referentes ao Pronera, a pesquisa de Furtado (24ª

Reunião, 2001), intitulada O desafio de refletir sobre a alfabetização de jovens e adultos no

Pronera, destaca uma experiência de alfabetização de jovens e adultos assentados,

desenvolvida pelo Pronera em parceria com o MST, a Federação dos Trabalhadores Rurais e a

Universidade Federal do Ceará (UFC) nos anos de 1999 e 2000. A experiência estudada diz

respeito à capacitação de monitores para a ação alfabetizadora e a alfabetização. A

pesquisadora considera em suas conclusões que esta “experiência inovadora de construção

coletiva do processo de alfabetização nos assentamentos reforça a idéia de que a educação no

campo deveria ser uma educação específica e diferenciada que ajude na formação humana,

emancipadora e criativa, assumindo de fato a identidade do meio rural” (p. 16). Destaca,

ainda, a esperança de que sua pesquisa contribua

[...] para o desvendamento da realidade da educação de jovens e adultos no campo, seu fortalecimento, e na elaboração de políticas públicas para a expansão da educação fundamental no campo, para que se transforme em meio fundamental para se alcançar uma melhor qualidade de vida, de cidadania plena e uma maior

Page 211: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

211

participação nos processos produtivos, assim como contribuir para o desenvolvimento local e sustentável. Deverá contribuir, também, para a redefinição do conceito de educação de jovens e adultos no sentido de garantir: processos de formação de sujeitos sociais para a construção de uma cultura democrática e de processos de formação ético-política que respondam criticamente às demandas de uma realidade em contínua mudança. (p. 16)

Por fim, também no âmbito do Pronera, o trabalho de Di Pierro (29ª Reunião, 2006)

intitulado Situação educacional dos jovens e adultos assentados no Brasil: uma análise de

dados da Pesquisa Nacional de Educação na Reforma Agrária traça um diagnóstico da

situação educacional dos jovens e adultos assentados. Entre outros aspectos relevantes, chama

a atenção para a “extensa demanda potencial não atendida, e [...] que as oportunidades

existentes são insuficientes [...] e marcadas pela precariedade das instalações físicas e do

preparo dos docentes para a etapa ou nível de ensino em que atuam” (p. 11). Dentre as

necessidades da educação no meio rural, destaca: “ampliação de oportunidades de acesso à

escolarização básica [...] construção ou melhoria dos equipamentos escolares [...] formação

inicial e continuada dos educadores envolvidos” (p. 11).

No que diz respeito ao subgrupo 2b), que analisa a atuação de outras instituições da

sociedade civil em parceria com o governo, Deluiz (25ª Reunião, 2002) apresenta a pesquisa

A atuação das centrais sindicais nas políticas de educação de jovens e adultos, onde analisa a

participação das centrais sindicais – CUT (Projeto Integrar), CGT (Projeto Resgate) e FS

(Projeto Ações-Escolares: educação em parceria) – nos programas de educação de adultos

desenvolvidos no âmbito do Planfor/MTE em meados dos anos 1990. O quadro de

“deslocamento da responsabilidade do Estado pela oferta de educação para jovens e adultos

para os organismos da sociedade civil”, bem como os novos “desafios postos pelo processo de

reestruturação produtiva aos trabalhadores” levaram o movimento sindical a atuar, “de modo

incisivo e pró-ativo, na esfera da Educação Básica e da Formação Profissional” (p. 13). Do

ponto de vista da ação concreta, afirma a autora que a CGT e a FS desenvolveram seus

projetos de Educação Básica e Profissional em uma perspectiva produtivista e instrumental da

educação, enquanto que a CUT parece ter tido seus programas alicerçados em uma

perspectiva civil-democrática de educação (p. 12).

A mesma autora apresenta dois anos depois a pesquisa Sociedade Civil e as políticas

de educação de jovens e adultos: a atuação das ONGs no Rio de Janeiro (Deluiz, 28ª

Reunião, 2005), em que investiga as concepções que orientam as propostas de educação das

ONGs nos programas voltados para EJA, desenvolvidos por elas a partir do Programa

Trabalhar e Aprender: Qualificação para a Cidadania, da Setrab, no âmbito do Planfor/MTE,

nos anos de 2001 e 2002, no Município do Rio de Janeiro. Deluiz analisou sete ONGs e

Page 212: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

212

constatou que “a maioria não tem sua experiência relacionada aos movimentos sociais

tradicionais, que desenvolveram uma prática democrática de educação popular ao longo de

sua existência” (p.1). Quanto aos cursos desenvolvidos, destacou: a focalização dos

programas (jovens em situação de alto risco, populações carentes) e cursos de qualificação

voltados para os serviços pessoais e domésticos (corte e costura, cuidador de idosos, operador

de telemarketing etc.), ou seja, voltados ao mercado informal e pouco qualificado. Em síntese,

a autora conclui que a maioria dos cursos reflete uma visão produtivista de educação, uma

formação “fundada em uma perspectiva instrumentalizante e adequacionista, que subordina e

reduz seus conteúdos às determinações do mercado, sem a perspectiva de ampliação da

escolaridade básica, de reflexão sobre o mundo do trabalho e sobre a sociedade capitalista” (p.

14).

Para facilitar a visualização dos aspectos acima destacados, o Quadro 7 sintetiza os

temas, a forma de EJA que os trabalhos abordam, bem como os atores sociais envolvidos nas

pesquisas aqui abordadas.

Quadro 7 – GT 18: Temas, nível educacional e sujeitos sociais predominantes

ANO AUTOR NIVEL EDUC. ATORES SOCIAIS TEMAS

1998 SOARES, Leôncio J. G.

EJA EB

Conselho Estadual de Educação/ Secretaria

Estadual de Educação

Apresenta alterações/impactos introduzidos pela Resolução 386/91, do Conselho Estadual de Educação, na política educacional para jovens e adultos em Minas Gerais (1991-1996).

1998 MACHADO, Maria Margarida

EJA Alfa

Gov Federal-PAS Gov Munic/Goiânia

A trajetória da EJA na década de 1990 - políticas públicas sendo substituídas por “solidariedade”.

1998 LEÃO, Geraldo M. Pereira

EJA EB

Gov Estad-SEE Gov Munic-SME

A proposta de organização e a gestão das escolas de educação básica noturna em Belo Horizonte/MG.

2000 PIERRO, Mª Clara Di EJA EB

Gov Fed., Gov Est.

Gov. Munic.

Financiamento público da educação básica de jovens e adultos no Brasil no período 1985/1999.

2000 VIEIRA, Maria Clarisse

EJA EF

Gov. Munic. Experiência de EJA empreendida no Município de Uberlândia/MG nos anos de 1980 e 1990.

2001 FURTADO, Eliane Dayse

EJA Alfa.

Gov. Fed.-PRONERA

MST e Universidade

Alfabetização de jovens e adultos do Pronera/UFC/MST.

2002 MOLL, Jaqueline EJA EF

Gov. Munic. As políticas municipais de educação fundamental de jovens e adultos no Rio Grande do Sul nos anos 1990.

2002 DELUIZ, Neise EJA

EB+EP Centrais Sindicais (CUT, CGT e FS)

A atuação das centrais sindicais nas políticas de EJA desenvolvidas no âmbito do Planfor/MTE.

2003 ALVARENGA, Márcia Soares de

EJA Alfab

Gov Fed-PAS / alfabetizandos

Programa Alfabetização Solidária e sua contribuição na promoção dos sujeitos não-escolarizados.

2004 ANDRADE, Eliane Ribeiro PAIVA, Jane

EJA EF

Gov. Munic. As políticas públicas de EJA empreendidas em vinte secretarias municipais de educação da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

2004 VOLPE, Geruza C. EJA Gov. Munic A questão do direito à EJA, tomando dois municípios mineiros como

Page 213: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

213

Meirelles EF objeto de investigação entre proclamações e realizações das políticas municipais para a área.

2004 MOURA, Tânia Mª de Melo

EJA Alfa

Gov. Fed –PAS / alunos

Conteúdos e competências adquiridas no Programa Alfabetização Solidária.

2005 ALVARENGA, Márcia S de

UERJ Gov. Mun. O Plano Municipal de Educação no Município de São Gonçalo e suas repercussões sobre o direito à educação de jovens e adultos.

2005 ANCASSUERD, Marli P.

EJA EF

Gov. Mun. EJA no Grande ABC: duas gerações de políticas públicas – 1987 a 2003.

2005 DELUIZ, Neise EJA EP

ONGs / PLANFOR-MTE / SET-RJ

A atuação de sete ONGs no Estado do Rio de Janeiro na implementação de EJA através do Programa Trabalhar e Aprender (Planfor/MTE).

2005 TRAVERSINI, Clarice S.

EJA Alfa.

Gov. Fed - PAS O Programa Alfabetização Solidária e a desresponsabilização do Estado com a EJA.

2005 ROCHA, Gladys EJA Alfa.

Gov. Fed. / AS e MOBRAL

Programas do governo federal de erradicação do analfabetismo: convergências e especificidades entre o PAS e o Mobral.

2005 RODRIGUES, Maria E. de C.

EJA EF

Gov. Munic. Políticas públicas municipais de EJA em Goiás.

2006 CARLOS, Erenildo João

EJA Alfa.

Estado

O sentido do enunciado da educação de adultos no Brasil durante o período da proclamação da República à década de 1940.

2006 BARREYRO,Gladys Beatriz

EJA Alfa.

Gov. Fed - PAS Programa Alfabetização Solidária e a terceirização da educação no contexto da reforma do Estado.

2006 PAIVA, Jane EJA EB

- Concepções e sentidos sobre o direito à Educação de Jovens e Adultos.

2006 FÁVERO, Osmar EJA EF

Gov. Munic-SME/RJ Programa de Educação de Jovens e Adultos da rede pública municipal do Rio de Janeiro (PEJA/RJ).

2006 PIERRO, M. Clara Di EJA EB

Gov Fed-PRONERA Situação educacional dos jovens e adultos assentados no Brasil: uma análise de dados da Pesquisa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera).

Legenda: EJA Alfa: Alfabetização de Jovens e Adultos EJA EF: Educação de Jovens e Adultos - nível Ensino Fundamental EJA EB: Educação de Jovens e Adultos - Educação Básica EJA EB + EP: Educação de Jovens e Adultos - Educação Básica + Educação Profissional

Observando-se o Quadro 7, pode-se afirmar que a maioria dos estudos indica

iniciativas de EJA empreendidas a partir da segunda metade da década de 1990, referentes, no

que diz respeito aos temas, à alfabetização e ao Ensino Fundamental – por exemplo, a EJA

nas redes públicas municipais, e programas do governo federal como o PAS, o Pronera e o

Planfor. É interessante observar a inexistência de investigações sobre os programas

desenvolvidos no primeiro mandato do governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006),

apresentados na seção 3.2.2 desta tese.

Sobre metodologias e procedimentos das pesquisas, a maioria dos trabalhos

analisados se caracteriza por serem pesquisas empíricas, com ênfase em estudos de caso,

análise do discurso ou pesquisa participante. Dentre os procedimentos, o levantamento de

estatísticas oficiais, a aplicação de questionários e entrevistas semi-abertas a alunos,

professores e autoridades administrativas (prefeito ou secretario de educação ou

Page 214: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

214

coordenador/diretor de ensino/EJA) foram os mais comuns.

As conclusões ou resultados das pesquisas, em geral, fazem menção à ausência de

políticas públicas nacionais de escolarização de jovens e adultos; sendo unânime entre os

autores a “denúncia” quanto à desresponsabilização do Estado pela EJA, no bojo das reformas

neoliberais, e a demonstração das fragilidades das iniciativas concretizadas no período

analisado, seja pelas prefeituras, seja por meio de parcerias do governo federal com a

sociedade civil.

4.2. A EJA nos Encontros Nacionais de Educação de Jovens e Adultos

O objetivo desta seção, de uma maneira geral, é contextualizar e analisar os

Encontros Nacionais de Educação de Jovens e Adultos – ENEJAs, procurando-se reconstituir

as discussões havidas no interior desses encontros nacionais. Para tanto, primeiro

apresentamos, brevemente, o que é o ENEJA, sua origem e relação com os Fóruns estaduais e

regionais de EJA; depois, procuramos identificar quais os temas centrais e como foram

abordados em cada reunião anual; em um terceiro momento, buscamos apreender as temáticas

e conceitos recorrentes, bem como aqueles que foram secundarizados.

4.2.1. Breve histórico dos ENEJAs

O Encontro Nacional de Educação de Jovens e Adultos, realizado anualmente desde

1999, é uma reunião dos fóruns estaduais de EJA227 é sediado e coordenado, a cada ano, pelo

Fórum de um dos estados brasileiros. No primeiro encontro, em 1999, eram cinco os Fóruns

existentes nos quatro estados da região Sudeste – Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito

Santo, São Paulo – e no Estado do Rio Grande do Sul, na Região Sul. Em 2007, o ENEJA

227 Dado os objetivos deste trabalho, não nos debruçaremos sobre a história específica de cada Fórum Estadual de EJA. Todavia, por ter sido o primeiro, é importante contextualizar que o Fórum de EJA do RJ, “surgiu quando aconteceu a convocação do MEC, em parceria com a Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro, em junho de 1996, para o Encontro Estadual de Jovens e Adultos. Esse Encontro foi convocado como uma das etapas preparatórias à V Conferência Mundial de Educação de Adultos a realizar-se em julho de 1997 em Hamburgo, na Alemanha. Em nível estadual, e depois regional, visava apontar delegados, representando organismos governamentais, não-governamentais e da sociedade civil diretamente envolvidos com a área, para elaborar um documento que subsidiasse, a partir das diferentes realidades e experiências, uma política nacional para a área.” (Paiva, s/d: 02)

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215

sediado no Estado do Paraná registrou a existência de Fóruns de EJA em todo o território

nacional, sendo contabilizados 26 Fóruns estaduais e um no Distrito Federal, além de 52

Fóruns regionais228.

Participam do ENEJA representantes dos diversos segmentos que compõem os

Fóruns: (1) professores de universidades, públicas ou privadas, que atuem com ensino,

pesquisa ou extensão em EJA; (2) governo, nos níveis municipal e estadual; (3) organizações

não-governamentais (ONGs) envolvidas em assessorias, projetos e/ou ações de EJA; (4)

movimentos sociais/populares/sindicais que atuam de alguma forma, com EJA; (5) Sistema S,

predominantemente representado pelos serviços sociais com ações em EJA; (6)

professores/educadores que estejam atuando em sala de aula com EJA na Educação Básica;

(7) estudantes, geralmente aqueles que de alguma forma estejam envolvidos com EJA, ensino,

projetos de extensão ou pesquisa (universitários); e (8) alunos da EJA na educação básica.

Representantes dos oito segmentos, escolhidos pelos Fóruns, constituem a delegação estadual

participante do Encontro Nacional (ENEJA). Cada delegado é representante das deliberações

dos seus Fóruns e dos seus respectivos segmentos. Cabe destacar que cada Fórum tem uma

dinâmica própria; dessa forma, os critérios para a constituição da delegação variam em função

da característica de cada um, não havendo um estatuto ou regimento único para tal escolha.

Da mesma maneira como cada Fórum é autônomo quanto à forma de composição

da sua delegação, cada Fórum é autônomo na sua estrutura, organização e periodicidade dos

encontros, compondo um quadro bastante variado. Os Fóruns de EJA

caracterizam-se pela diversidade na forma como vêm se constituindo e pela capacidade de mobilização com que se têm instalado [...] com motivações diferentes na origem e no percurso de cada movimento local, os Fóruns compartilham dificuldades comuns e têm instituído táticas de mobilização no enfrentamento dessas

228 A expansão dos Fóruns de EJA pelo Brasil, pode ser comprovada ao se considerar que, segundo o último ENEJA, a dimensão dos Fóruns por região abrange: “Região Norte — Rondônia (RO) e Regional RO (Ji-Paraná), Roraima (RR), Amazonas (AM), Tocantins (TO), Pará (PA), Acre (AC) e Amapá (AP); Região Sul — Rio Grande do Sul (RS), Fórum RS e Fóruns Regionais RS (Porto Alegre e Região Metropolitana, Santa Cruz, Ijuí e Bagé), Santa Catarina (SC) e Fóruns Regionais SC (Itajaí, Chapecó, Ibirama, Ituporanga, Canoinhas, Concórdia, Brusque, Maravilha, Criciúma, Mafra, Araranguá, São Bento do Sul, Rio do Sul, Grande Florianópolis, São Miguel do Oeste, Tubarão, Caçador, Videira, Campos Novos, Xanxerê, Palmitos, Joinville E De Blumenau), Paraná (PR); Região Sudeste — Espírito Santo (ES), Minas Gerais (MG) e Fóruns Regionais MG (Vale das Vertentes, Norte, Sudeste, Leste, Centro-Oeste, Inconfidentes, Zona da Mata e Metropolitano-BH), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP) e Fóruns Regionais SP (Nordeste e Oeste); Região Centro-Oeste — Mato Grosso (MT) e Fórum Regional MT (Norte do Mato Grosso); Mato Grosso do Sul (MS), Distrito Federal (DF), Goiás (GO) e Fórum Regional GO (Entorno Sul de Goiás); Região Nordeste — Bahia (BA), Fórum Regional BA (Extremo Sul); Maranhão (MA); Piauí (PI) e Fóruns Regionais PI (Picos e Parnaíba), Alagoas (AL), Sergipe (SE); Rio Grande do Norte (RN), Paraíba (PB) e Fórum Regional PB (Sertão Paraibano), Pernambuco (PE) e Fóruns Regionais PE (Metropolitano, Litoral Sul, Mata Sul, Mata Centro, Vale do Capibaribe, Agreste Meridional, Sertão do Moxotó-Ipanema, Submédio São Francisco, Sertão do Araripe, Sertão Central, Vale do São Francisco e Sertão do Médio São Francisco); Ceará (CE) e Fóruns Regionais CE Quixeramobim (do Sertão Central) e Iguatu (Centro Sul)” (ENEJA, 9. Relatório Síntese, 2007).

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216

dificuldades, produzindo novas formas de ação, traduzidas em proposições de políticas públicas, em nível local, na articulação com estados e municípios. (ENEJA, 2004: 4-5, grifo nosso)

O ENEJA surgiu como parte do “processo de mobilização de um conjunto de agentes

das esferas governamental e não-governamental. [...] engajados em atividades de

acompanhamento dos compromissos assumidos pelo governo brasileiro em diversas reuniões

internacionais realizadas a partir de 1990” (ENEJA, 2000). Ao longo desse período,

destacam-se, por exemplo, o Encontro Latino-Americano sobre Educação de Jovens e Adultos

Trabalhadores, realizado em Olinda/PE, em 1993; o Encontro Nacional de Educação de

Jovens e Adultos, em Natal/RN, em 1996; e um seminário nacional realizado em Curitiba, em

1998, preparatório à reunião sub-regional dos países do Mercosul e Chile, que ocorreu, no

mesmo ano, em Montevidéu.

Na América Latina, o Brasil não somente sediou, como foi protagonista da reunião preparatória regional, realizada em Brasília, em janeiro de 1997. Essa primeira fase de mobilizações culmina com a participação de uma delegação nacional, de um grupo de representantes de ONGs e de 22 educadores na V CONFITEA. (ENEJA, 1999: 1)

No contexto da década de 1990, mais especificamente a partir de 1996, com o

movimento preparatório à V CONFITEA, foram realizados encontros e seminários

preparatórios a essa Conferência internacional, convocados pelo MEC, objetivando mapear

ações e instituições envolvidas com a EJA e produzir documentos que retratassem a situação

nacional. Em setembro de 1996, no Seminário Nacional de Educação de Jovens e Adultos

(Natal/RN), foi elaborado um relatório intitulado Documento Final do Seminário Nacional de

Educação de Jovens e Adultos: “uma espécie de balanço nacional e ‘estado da arte’ do que

significava a EJA naquele contexto histórico brasileiro” (Paiva; Machado; Ireland, 2004: 11).

Pelo caráter de denúncia e por explicitar a fragilidade da situação da EJA, o relatório

não foi reconhecido pelo governo de Fernando Henrique Cardoso e, sendo assim, não foi

apresentado na Reunião Regional Latino-americana preparatória para a V CONFITEA, para a

qual havia sido preparado. Porém, o processo de mobilização nacional desencadeado por estes

encontros é avaliado pelos sujeitos que vivenciaram aquele momento como fundamental para

o surgimento dos Fóruns e dos ENEJAs. Desse modo, avaliam Paiva, Machado e Ireland

(2004) que “a chegada de representantes em Natal era fruto de uma mobilização parceira do

Estado e da sociedade civil, que desde aí resultou em um movimento até hoje presente no país

– o surgimento de Fóruns de EJA” (p. 12, grifo nosso). Assim sendo, verificamos que a

perspectiva adotada pelos Fóruns e pelo ENEJA baseia-se centralmente na adoção da

concepção da parceria Estado e sociedade civil. Não é demais destacar, conforme abordado

Page 217: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

217

anteriormente, o quanto a defesa das parcerias foi funcional, no contexto pós 1990, para a

reforma do Estado e a ampliação das políticas de corte neoliberal. Portanto, para a

compreensão da natureza dos ENEJAs, é preciso observar que a sua origem não esteve

associada a uma demanda de articulação nacional de movimentos surgidos a nível local ou

regional. Ao contrário, surge de uma demanda do poder público em articulação com a

UNESCO e traz, portanto, sua marca e influência desde a origem. Por um lado, o Encontro

Nacional foi que estimulou e desencadeou a organização de Fóruns estaduais; por outro, os

Fóruns e o próprio ENEJA se tornaram possíveis pela estratégia de parceria entre Estado,

sociedade civil e organismos internacionais, tornando-se um espaço de interesses ambíguos,

contraditórios e de difícil conciliação.

Essa constatação é visível quando se toma, por exemplo, a lista de instituições que

contribuem para a realização dos ENEJAs, vendo-se entre os apoiadores representantes dos

interesses do capital e do trabalho229. Dessa forma, o desenho do conjunto de instituições que

contribuem para a realização desses encontros forma uma composição que abriga propostas e

ações no campo da EJA, tanto provenientes do empresariado quanto dos trabalhadores. Nessa

composição, cuja complexidade não podemos ignorar, cremos ser importante destacar, sem

negar a importância da contradição, que há entre elas muitas divergências na forma de

conceber o ser humano e a educação, em alguns casos potencialmente antagônicas. Essas

divergências ou convergências nas concepções de educação formuladas por entidades

representativas do capital e do trabalho, conforme chama atenção Rummert (2000), “não se

circunscrevem, estritamente, ao âmbito dos antagonismos estruturais das sociedades fundadas

no modo de produção capitalista” (p. 185), mas, ao contrário, circunscrevem-se no processo

de construção das concepções de educação. Conforme essa autora demonstrou em seu estudo

com centrais sindicais, “representantes de interesses de trabalhadores convergem, de forma

bastante significativa, para a mesma concepção apresentada pelo capital” (ibidem).

Desta forma, desde os primeiros encontros, os Fóruns Estaduais de Educação de

Jovens e Adultos surgem da continuidade da articulação de segmentos governamentais e não-

229 Para exemplificar, o VI ENEJA, realizado em Porto Alegre, “foi uma realização: Fórum Estadual de Educação de Jovens e Adultos do Estado do Rio Grande do Sul, União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação do RS / UNDIME-RS; Universidade de Cruz Alta / UNICRUZ; Federação de Atendimento Sócio educativo do RS / FASE-RS; EJA Universitário; Objetivo; Diálogo Pesquisa e Assessoria em Educação Popular; PUC/RS; SESI/FIERGS; Governo do Estado do Rio Grande do Sul / Secretaria de Educação; Prefeitura de Porto Alegre / Secretaria Municipal de Educação. Tendo como apoios: o Centro de Integração Empresa-Escola / CIEE; Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados; Fóruns de EJA; Fundação Bradesco; Ministério do Trabalho e Emprego / MTE; Rede de Apoio à Ação Alfabetizadora do Brasil / RAAAB; Serviço Social do Comércio / SESC Nacional; Serviço Social da Indústria / SESI Nacional; UNESCO; Universidade Luterana do Brasil / ULBRA/RS.” (ENEJA, 2004: 1)

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218

governamentais, com diferentes trajetórias e interesses, desencadeados pelos encontros

preparatórios a nível estadual e regional para o Seminário Nacional em Natal. Inclusive,

segundo Di Pierro (2005),

Os fóruns tomaram para si os compromissos firmados pelo país na V CONFITEA e, nos anos que a ela se seguiram, utilizaram uma estratégia de articulação em rede para organizar anualmente, em colaboração com instâncias dos três níveis de governo, Encontros Nacionais de Educação de Jovens e Adultos (ENEJAs), quando o movimento tenta influir nas políticas públicas em âmbito nacional. (p. 1131)

Como expressão da sua origem, os Fóruns se definem como espaços abertos, que

reúnem organismos governamentais e não-governamentais atuando com atividades de

informação e formação e tendo variados níveis de mobilização e intervenção. Nas palavras de

alguns dos seus representantes,

Embora cada fórum tenha as suas particularidades, todos baseiam-se em uma articulação entre os diversos segmentos que atuam no campo da EJA: o poder público, as universidades, o Sistema S, os movimentos sociais e sindicais e as ONGs, que constituem um espaço democrático, crítico e plural de articulação em que se busca discutir a construção de políticas locais e nacionais de EJA bem como intercambiar experiências nos campos da formação e da concepção metodológica. (Ireland; Ireland; Machado, 2005: 94-95).

A partir da articulação de vários interlocutores envolvidos nas políticas de EJA, os

ENEJAs se constituíram como um espaço de caráter propositivo, como um lugar de avaliação

e proposição das políticas, bem como de discussão sobre as demandas e as formas de oferta e

atendimento da EJA. Os Encontros, portanto, objetivam tanto criar condições para a

articulação nacional dos Fóruns estaduais e regionais, quanto acompanhar e influenciar as

políticas de EJA:

Os Encontros Nacionais também têm reservado significativo espaço para a reunião e troca de experiências dos fazeres dos Fóruns, possibilitando reconhecer diferentes concepções, metodologias e estratégias de atuação, em direção ao sentido democrático da luta pelo direito de todos à educação, reforçando o conjunto de ações nacionais, mediante a representação de pessoas de todos os Fóruns do país na área. Como espaço político sintonizado com os momentos históricos, afirmando e consolidando estratégias, posições e compreensões acerca das políticas públicas nacionais e dos movimentos internacionais que se fazem na área, os Encontros têm a finalidade última de interferir nessas políticas, em defesa do direito de todos à educação. (Paiva, 2007: 12)

Nos ENEJAs são produzidos relatórios230, além de moções e encaminhamentos.

Tomando esses relatórios como referência, temos ao longo do período de 1999 a 2007 a

230 Em cada ENEJA é produzido um Relatório-Síntese, composto em linhas gerais da seguinte estrutura: contexto geral em que o Encontro se realizou, conceitos/temáticas discutidas naquele Encontro e encaminhamentos e moções da plenária. Os relatórios de todos os ENEJAs encontram-se disponíveis em: http://www.forumeja.org.br/?q=node/771

Page 219: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

219

possibilidade de reconstituir as discussões que vêm sendo empreendidas e as principais

questões e aspectos conceituais privilegiados nesses Encontros. É o que faremos a partir de

agora.

4.2.2. Levantamento das discussões ocorridas nos ENEJAs

Tomando os Encontros Nacionais de Educação de Jovens e Adultos como referência

dos debates contemporâneos na área de EJA no Brasil, pretende-se, nesta seção, recuperar as

discussões e temáticas neles desenvolvidas, bem como refletir sobre a concepção de EJA

presente nos ENEJAs ao longo de sua história. Para tanto, empreendemos a leitura dos nove

Relatórios-Síntese produzidos nesses Encontros anuais, realizados desde o ano de 1999

(apesar de a presente pesquisa delimitar-se ao período 1995-2006, consideramos pertinente

estender nosso olhar ao último Relatório-Síntese até agora produzido, referente ao ENEJA

realizado em 2007).

O primeiro ENEJA, conforme já dito, ocorreu em 1999, no Estado do Rio de

Janeiro231, tendo como questão central a necessidade de construção de uma política nacional

integrada de EJA, articulando atores e definindo responsabilidades:

O ENEJA/RIO buscou contribuir para a ampliação e a melhoria da qualidade da educação de pessoas jovens e adultas no Brasil, mediante o estabelecimento de políticas articuladas de cooperação entre as esferas de governo e os segmentos governamental e não-governamental. Ao renovar o interesse pela temática da alfabetização, da educação para a cidadania e a formação para o trabalho, o Encontro pretendeu colaborar para a revisão e o alargamento do conceito de EJA. (ENEJA, 1999: 1)

Como discutido no capítulo III, no quadro da reforma do Estado e da educação

optou-se, nos anos 1990, por um modelo focalizado na área social. No caso específico da

educação, observou-se que a descentralização provocou mudanças nas formas de

financiamento das ações. Nessa lógica, as diretrizes do MEC para a EJA caracterizavam-se

por incentivar outros setores do governo e a sociedade civil a assumirem ações nessa área;

como conseqüência, dentre outros problemas, as fontes de financiamento governamentais se

dispersaram, desequilibrando ainda mais a distribuição de recursos. Sobre esse fato, o I

ENEJA ressaltou:

A inexistência de uma política nacional de EDJA, coerente e articulada, contribui para fragmentar e dispersar a alocação de recursos para a área. Conseqüentemente, registra-se no âmbito da EDJA, uma distribuição desigual de recursos entre entidades públicas e privadas acarretando a existência de programas, projetos e

231 Realizado no SESC Copacabana, no período de 8 a 10 de setembro de 1999. Contou com 298 participantes.

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220

outras ações que dispõem de significativo montante de verbas e de outros que se realizam com absoluta precariedade de recursos. Um exemplo dessa desigual distribuição de recursos está nas verbas alocadas pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT – ao MTb, para a execução de programas de qualificação profissional, em contraste com os recursos alocados para a EDJA pelo MEC. (ENEJA, 1999: 2)

O surgimento do ENEJA e a idéia do seu seguimento anual nasce da convocatória da

Oficina Regional da UNESCO – OREALC, no Chile, em 1998, para um balanço após um ano

de Hamburgo. Quanto ao debate teórico conceitual, o processo de discussão do I ENEJA foi

pautado pela referência à ampliação do conceito de EJA. O consultor da Unesco e

conferencista deste Encontro, José Rivero, deu evidência à Declaração de Hamburgo e ao

Relatório Delors232, como base para se pautar um conceito ampliado de EJA, destacando

também a questão de “pensar a cultura como uma ‘forma de viver junto’ a educação para a

convivência com as diversidades” (ibidem). Nesse sentido, dentre as propostas deliberadas

destaca-se, em relação ao plano conceitual, “trabalhar para a ampliação do conceito de EJA

assumido na V CONFITEA, no âmbito das culturas brasileira e latino-americana, que propõe

a EJA na perspectiva da educação continuada e do direito, que tem toda a pessoa, de aprender

ao longo da vida” (idem, p. 4).

O II ENEJA ocorreu em 2000, no Estado da Paraíba233, e se propôs a “colocar em

discussão os conceitos de alfabetização e parceria que informam diferentes projetos de

educação de pessoas jovens e adultas em curso no país, além de articular os diversos Fóruns

estaduais e regionais dedicados ao tema” (ENEJA, 2000: 1). Dessa forma discutiu, por um

lado, o conceito de alfabetização (abordado em três aspectos: político, prático e de pesquisa)

e, por outro, a questão da utilização de parcerias na execução de políticas na EJA. Sobre este

último aspecto, o Relatório-Síntese destaca que

Utilizou-se das seguintes categorias para analisar os modelos existentes de intervenção em políticas públicas: campanhas, programas e projetos. As campanhas caracterizam-se por ser uma intervenção massiva, intensa, de curta duração, com metas estabelecidas e fortes componentes de mobilização; os programas são intervenções mais institucionalizadas, de longo prazo; e os projetos, uma atuação mais pontual, voltada a atender um grupo social específico. Considerando a historia da educação de jovens e adultos no Brasil e seus resultados, qualquer política pública para este segmento deve realizar-se por meio de programas sistêmicos que tendam à educação continuada. (ENEJA, 2000: 2)

Ao tratar do tema “parcerias e estratégias de articulação”, o II ENEJA tomou por

referência o Marco de Ação de Dakar (UNESCO, 2000). José Rivero, conferencista também

232 Documentos internacionais discutidos no capítulo II deste trabalho. 233 Realizado no Centro de Tecnologia Educacional, em Campina Grande, no período de 7 a 9 de setembro de 2000. Contou com 109 participantes.

Page 221: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

221

neste segundo Encontro, destacou estratégias de mobilização e articulação para as políticas

públicas e, neste sentido, rassaltou aspectos como delimitação de tempo e espaço para a

participação de âmbito local, novas estratégias que permitam a articulação de diferentes

instâncias, sensibilização da sociedade civil para a importância do atendimento educativo aos

jovens e adultos, a importância de redes de articulação de práticas etc. Não obstante, o mesmo

Relatório-Síntese critica o caráter fragmentado da EJA afirmando que o conjunto de ações

apresenta-se “disperso em órgãos como o Ministério do Trabalho, o Ministério da Reforma

Agrária e o Incra, o Ministério da Educação, e se realiza em programas de cunho

compensatório e projetos com caráter de campanha – a exemplo da Alfabetização Solidária e

do Pronera” (ENEJA, 2000: 4).

Encontra-se nesse documento um outro aspecto relacionado aos conceitos de

alfabetização e de parceria que subsidiam as políticas para a EJA, e que consideramos

importante destacar. Trata-se do seguinte questionamento: “como explicar o fato de que o

avanço na produção do conhecimento ao longo destas últimas décadas não repercuta nas

políticas públicas, modificando estruturas arcaicas e viciadas de organização do ensino com

jovens e adultos no sistema educacional? Essa é ainda uma questão sem resposta” ( idem, p. 2,

grifo nosso). Tal questão é indicativa de que o não enfrentamento dos problemas educacionais

em sua gênese e estrutura estava ocorrendo no ENEJA e a discussão que prevalecia voltava-

se, predominantemente, para aspectos pedagógicos sobre a alfabetização. Cabe sublinhar,

portanto, que no interior de relações sociais marcadas por diferentes formas de expropriação,

a manutenção de políticas arcaicas (compensatórias e reparadoras) é apenas mais uma

expressão no quadro de desigualdade socioeconômica brasileira.

Como pode ser depreendido dos relatórios, tanto o primeiro como o segundo

ENEJAs estimularam a criação de mais Fóruns no país, tendo o II ENEJA definido, entre seus

encaminhamentos e moções, de maneira enfática, propostas relativas ao fomento de Fóruns,

bem como a ênfase na abordagem da diversidade; temática que ganhará significativo relevo

nas reuniões seguintes. Assim, destaca-se:

– Participar dos espaços de articulação, organização e formulação de políticas de educação de jovens e adultos, tais como Fóruns, comissões estaduais e municipais; – Dar providências imediatas para a implantação de novos Fóruns; – Sistematizar e circular as informações entre os Fóruns, publicando um documento sobre sua história e funcionamento; – Estabelecer uma rede de articulação para realização de pesquisas que resgatem a história e ações de educação de jovens e adultos nos estados onde já existem Fóruns; – Investir no campo da pesquisa e diagnóstico tendo em vista a organização de um “banco de dados”, observando as questões relativas a gênero, raça e etnia, na perspectiva de qualificar as intervenções no campo das políticas públicas em educação de jovens e adultos;

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222

– Dar atenção à diversidade étnica e de gênero na educação de jovens e adultos, nas discussões dos Fóruns e outras instâncias; – Incluir na discussão de políticas públicas as demandas do portador de necessidades especiais nos programas de atendimento da educação de jovens e adultos. (ENEJA, 2000: 3-4)

Em 2001, o III ENEJA, ocorrido em São Paulo234, teve como tema “Plano Nacional

de Educação: a quem cabe cumprir?” Discutiu-se principalmente “a divisão de

responsabilidades entre os organismos governamentais das três esferas administrativas e as

organizações da sociedade civil para a consecução das metas relativas à educação de pessoas

jovens e adultas do Plano Nacional de Educação” (ENEJA, 2001: 1). Foi apresentada uma

análise de que a EJA, na maioria dos países latino-americanos, ocupa uma “posição marginal

no conjunto do sistema educativo e tem um caráter compensatório, vinculando-se às

populações pobres com pouca escolaridade” (ibidem), destacando-se ainda, que “a maioria

dos usuários dos programas de educação para adultos é composta de jovens, e que as reformas

educativas produziram uma falsa dicotomia entre investir na infância ou nos adultos,

privilegiando a primeira” (ibidem). Posicionando-se contrário a esta perspectiva, o Relatório-

Síntese reafirma a defesa de que “a educação é um direito das pessoas em qualquer idade,

entendida como processo que se estende ao largo de toda vida, e que tem nas escolas um

espaço privilegiado, mas não único” (idem, p. 2).

Outro aspecto a ser destacado é o fato de que, a partir da terceira versão do ENEJA, a

temática “diversidade dos sujeitos da EJA” passa a estar presente na pauta de discussão e irá

tornar-se, a partir de então, uma das temáticas de maior visibilidade nos encontros posteriores.

Pode-se afirmar que a atenção às peculiaridades culturais dos grupos juvenis, das populações

rurais e indígenas abrigadas sob a perspectiva da diversidade de sujeitos e enfoques passa a

pautar a referência quanto à especificidade da EJA.

No ano seguinte, 2002, o IV ENEJA, em Minas Gerais235, teve por temática “EJA:

cenários em mudança”. Dentre os temas debatidos, destacam-se: “a década da alfabetização, a

construção de diretrizes e bases, a articulação dos Fóruns estaduais e regionais da EJA e a

inserção da EJA nos planos estaduais e municipais de educação e no debate eleitoral”

234 Realizado no Centro de Convenções do Anhembi, São Paulo, nos dias 5 e 6 de setembro de 2001. Quanto ao número de participantes, “O III ENEJA se realiza com a participação de cerca de 1.300 pessoas, das quais 240 delegados provenientes de 19 Unidades da Federação; mais de 700 professores, diretores e estudantes de escolas municipais paulistanas; e os demais 340 participantes, outros interessados, em sua maioria professores da rede estadual de ensino paulista” (ENEJA, 2000: 1). 235 Realizado no SESC Venda Nova, em Belo Horizonte, no período de 21 a 24 de agosto de 2002. Contou com 400 participantes. Participaram deste Encontro, segundo o Relatório-Síntese, “12 Fóruns estaduais (RJ, MG, SP, AL, PB, GO, PR, RS, RN, MT, TO, ES), 3 Fóruns em processo de formação (CE, PE e BA) e 3 regionais (Divinópolis, Leste de Minas e Nordeste Paulista). [...] compunham-se dos seguintes segmentos: administração pública, Sistema S, Universidade, movimentos populares e ONGs, professores e alunos” (ENEJA, 2002)

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223

(ENEJA, 2002: 1). Em uma seção sobre questões conceituais e práticas da EJA, o Relatório-

Síntese apresenta que “Tem-se um novo olhar sobre esses sujeitos. A preocupação não é

apenas com a trajetória escolar, mas principalmente com as trajetórias pessoais e humanas,

como homens, mulheres, indígenas, negros e negras, do trabalho, da construção social” (idem,

p. 2). A partir do tema geral sobre os cenários em mudança, foi elencado um conjunto de

perspectivas ou desafios para EJA, com relevo para:

Centralidade do conhecimento neste novo século e a urgência de se implantar uma política de educação continuada; substituição do sentido de suplência atribuído à EJA [...]; permanência da baixa escolaridade da grande maioria da população adulta brasileira apesar dos esforços empreendidos; crescente demanda, pressionada pelo mercado de trabalho, para a escolarização e certificação do jovem e adulto trabalhador; incorporação de novas tecnologias nas práticas educativas na EJA; necessidade de acompanhar de perto as negociações em torno da inclusão da educação de adultos na pauta dos serviços a serem regulamentados pelos GATS; ampliação da pressão para derrubar os nove vetos presidenciais em relação ao PNE, bem como manter a luta pela derrubada do veto do presidente à EJA na Lei do FUNDEF. (idem, p. 4)

Em 2003, o V ENEJA realizado em Mato Grosso236, discutiu como tema central

“Educação de Jovens e Adultos: comprometimento e continuidade”. O Relatório-Síntese do

Encontro destacou a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, avaliando que “pela primeira vez,

depois de muitos anos, uma das prioridades do governo federal volta a ser a alfabetização, ao

lado do Programa Fome Zero” (ENEJA, 2003: 1). Assim sendo, a delegação do Encontro

entendeu que aquele ENEJA ocorria em uma conjuntura favorável, destacando-se no relatório

que:

O V ENEJA trouxe a marca das inaugurações: a de um favorável contexto político à EJA e a da participação técnica efetiva de autoridades políticas do MEC, do MTE e do Pronera como parceiros de fato, e não como financiadores eventuais, tornando real a perspectiva de interlocução e diálogo entre os atores da EJA, formais e informais, assinalando o reencontro Estado-sociedade, indispensável na formulação de políticas públicas. (idem, p.2)

Vale ressaltar que o documento assevera ter o Estado brasileiro assumido o dever de

garantir a educação para todos, faz a ressalva de ser “necessário, ainda, desconstruir outra

forte marca, a que associa a EJA à ‘empregabilidade’” ( ibidem) e recomenda algumas

diretrizes para políticas na educação de jovens e adultos, como:

a) diversificação de programas; b) especialização da formação dos professores para atuar na EJA; c) integração de programas de EJA com o mundo do trabalho, sustentação e renda, bem como políticas específicas direcionadas às populações do campo; d) revisão dos modos como se têm produzido materiais didáticos. (idem, p. 3)

236 Realizado no SESC de Cuiabá, no período de 3 a 5 de setembro de 2003. Contou com 18 Fóruns estaduais, 2 Fóruns em processo de formação e 5 Fóruns regionais.

Page 224: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

224

Por fim, dentre as deliberações, destaca-se o “estímulo à maior participação de

alunos e educadores nos ENEJA” e a “manutenção do tema políticas públicas para EJA na

pauta de todos os ENEJAs” (idem, p. 10). Vale ressaltar que somente nesta quinta versão do

Encontro é que formalmente foram criados os segmentos de professores e de alunos da EJA.

O VI ENEJA, realizado no Rio Grande do Sul237 em 2004, teve por título “Políticas

públicas atuais para educação de jovens e adultos: financiamento, alfabetização e

continuidade”. O Relatório-Síntese destaca questões relativas aos desafios da EJA, às políticas

de alfabetização e continuidade, ao financiamento, à diversidade e ao papel político dos

Fóruns e dos segmentos que os compõem. Salientou-se, como desafio desse momento, a

construção de uma EJA pautada na dimensão humana e a configuração da EJA como um

campo próprio com especificidades nas políticas públicas, no sentido de que os participantes

deste ENEJA “afrontam a globalização, estimuladora de processos educacionais que

inviabilizam o diálogo, o olhar para o diferente, para as questões de diversidade – gênero,

raça, etnia, intergeracional, interculturalismo etc. – e para o desconhecimento da história da

humanidade” (ENEJA, 2004).

Cabe enfatizar que, apesar do desprestígio das políticas para a EJA –

responsabilidade do MEC – ser uma temática corrente nos Encontros nacionais238, o Relatório

de 2004, ao contrário, avalia que

O ENEJA se realiza, pelo segundo ano consecutivo, em conjuntura nacional favorável à educação de jovens e adultos, do ponto de vista político. Desde 2003 a inflexão causada nas políticas públicas no sentido de assumir o direito de todos à educação, especialmente em relação a jovens e adultos, produziu efeitos significativos no cenário nacional da área. Observa-se, com certo regozijo, que muitas demandas dos Fóruns organizados vieram sendo incorporadas nas agendas políticas. (ENEJA, 2004: 1, grifo nosso)

Todavia, o mesmo documento também pondera, ao avaliar o Plano Nacional, que

“não se verifica, ainda, expressivo financiamento que faça jus à prioridade estabelecida pelo

governo federal” (idem, p. 6). Em outras palavras, apesar do discurso favorável, não foram

destinados recursos públicos que sinalizassem uma mudança concreta nas políticas

educacionais.

No que tange ao plano internacional, o Relatório-Síntese avalia positivamente o

estabelecimento de parceria com organismos multilaterais, especialmente entre a UNESCO e

o governo brasileiro, destacando que

237 Realizado no Hotel Ritter, em Porto Alegre, no período de 8 a 11 de setembro de 2004, com 24 Fóruns Estaduais e 19 Fóruns regionais participantes. 238 Ver, particularmente, os Relatórios-Síntese do I e do II ENEJAs (1999; 2000).

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225

No plano internacional os acordos referentes à Década da Alfabetização, proposta em Assembléia Geral da ONU, e as novas repactuações da Conferência CONFITEA + 6, em Bangcoc, Tailândia, põem a UNESCO em diálogo e convocação constante do governo brasileiro, seja para o desenvolvimento de agendas específicas que cumprem determinadas metas, seja para a realização de programas e projetos. A parceria repercute em inúmeras ações, alinhando-se a UNESCO na luta dos Fóruns pelo direito à EJA. (ENEJA, 2004: 1, grifo nosso)

Observa-se assim que, até aquele momento, não existia qualquer questionamento

sobre a influência desses organismos na política educacional encaminhada no Brasil.

Sobre o papel político dos Fóruns, foi ressaltado no Relatório-Síntese que “Os

Fóruns de EJA, como movimento social, caracterizam-se pela diversidade na forma como

vêm se constituindo e pela capacidade de mobilização com que se têm instalado, alcançando,

atualmente, quase todo o território nacional” (idem, p. 5). Definindo-se em alguns relatórios

como novo movimento social (posição não consensual nos ENEJAs), alguns Fóruns se

classificam como produtores de “novas formas de ação, traduzidas em proposições de

políticas públicas, em nível local, na articulação com estados e municípios. Em nível nacional,

[avalia-se que] em interlocução com a Secad/MEC, algumas proposições têm sido

reconhecidas e legitimadas” (ibidem). Em síntese, os Fóruns se auto-identificam como uma

nova forma de fazer política, a partir do envolvimento de interesses e atores diversos de forma

propositiva em torno de um objeto comum, em diálogo/parceria com os governos.

No ano de 2005, em Brasília e em Luziânia, o VII ENEJA239 discutiu, a partir do

tema central – “Diversidade na EJA: papel do Estado e dos movimentos sociais nas políticas

públicas” –, questões como a ação do Estado e da sociedade civil organizada, as tendências da

área segundo os diversos segmentos que integram os Fóruns, e seu papel político diante das

políticas propostas para a EJA. Este Encontro240 considerou sete temáticas relevantes para

pautar as discussões: a configuração do campo da EJA; o papel do Estado e dos movimentos

sociais e entidades da sociedade civil organizada na construção das políticas públicas de EJA; 239 Realizado com a abertura no Centro de Convenções - Eixo Monumental, em Brasília, e o desenvolvimento do Encontro no Centro de Treinamento Educacional da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria, em Luziânia, Goiás, no período compreendido entre 31 de agosto e 3 de setembro de 2005. Participaram deste ENEJA 473 delegados. 240 O VII ENEJA foi o único construído a partir da realização de encontros estaduais, com discussões pautadas em um roteiro, que sugeria a realização de um diagnóstico da situação de cada Estado e um levantamento prévio das tendências e propostas em relação às temáticas centrais do ENEJA, para, dessa forma, a partir de uma discussão prévia dos dados, potencialmente possibilitar que o Encontro avançasse no aprofundamento das discussões em âmbito nacional. Desta forma, vários estados enviaram seus relatórios (o relatório do Estado do Rio de Janeiro está disponível em http://forumeja.org.br/files/Rio%20de%20Janeiro.doc) e, a partir do que foi entregue, foi elaborado um texto-síntese (disponível em www.gtpaforumejadf.unb.br) para ser um dos documentos que subsidiariam os delegados estaduais. Todavia, é importante ressaltar que esta metodologia de construção da programação e das temáticas dos grupos de trabalho não foi incorporada nos encontros seguintes, o que, a nosso ver, parece indicar que a experiência de construção do ENEJA de Brasília não expressa o movimento nacional.

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226

novas tecnologias e educação a distância – EAD; educação do campo: enfrentando as

questões do meio rural; educação indígena; economia solidária e formação de professores.

Verifica-se com grande destaque, nesse Encontro, o debate sobre a insuficiência e a

dispersão dos recursos públicos como principais limitadores da oferta pública de EJA. Apesar

da variedade de propostas, inclusive com origem fora do Ministério da Educação, observa-se

que, “no que diz respeito ao financiamento da alfabetização e da EJA, o que nem sempre

expande a oferta, mas acumula várias fontes de recursos que, mesmo se somados, com

finalidades diversas, não asseguram, necessariamente, maior qualidade à ação” (ENEJA,

2005: 3). Ou seja, as ações acabam por se caracterizar como intervenções pontuais e

desarticuladas entre si.

Nesse VII Encontro, o papel político dos Fóruns foi novamente evidenciado e, no

que tange às discussões sobre o acelerado crescimento do número de Fóruns, foi avaliado que

esta ampliação “produziu uma ramificação política que requer atenção e acompanhamento,

pela variedade de formas como organizam a luta política pela educação de jovens e adultos”

(idem, p. 5). Destaca-se, no que se refere à função dos Fóruns e dos ENEJAs, que:

O crescimento dos Fóruns, abrangendo praticamente todo o país, conseqüentemente, exige também repensar sua identidade, objetivos e concepções, para que continue a marcar o lugar político a que se propôs, mas adequado ao tamanho que passou a assumir. O ENEJA, por sua vez, não é um espaço de formação restrito, como o de congressos, seminários e conferências. Concretiza uma rede de sujeitos e instituições interessados na área (educandos, educadores, entidades governamentais e não-governamentais, movimentos sociais, entre outros), composta por uma rica diversidade, que se articula para ampliar o campo da EJA, suas concepções, práticas e políticas. [...] A participação no ENEJA tem como objetivo central discutir e fomentar as discussões nos estados, municípios, instituições. (ibidem, grifo nosso)

Outro aspecto em evidência neste VII ENEJA refere-se à proposta elaborada na

reunião do segmento Universidade (composto por representantes das Instituições de Ensino

Superior – públicas e privadas) e encaminhada ao MEC, sobre a necessidade de realização de

um seminário para aprofundar questões pertinentes à formação do educador de jovens e

adultos, uma vez que apenas as reuniões nos ENEJAs revelavam-se insuficientes diante da

abrangência e centralidade do tema para as universidades. Como desdobramentos, foram

realizados na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 2006, e na Universidade

Federal de Goiás (UFG), em 2007, dois seminários nacionais específicos, efetivados com

apoio financeiro do MEC e da UNESCO.

No primeiro Seminário, organizado em torno do eixo ensino, pesquisa e extensão, as

apresentações e debates foram pautados nos temas: configuração do campo da EJA, formação

inicial e formação continuada em EJA, a realização de pesquisas sobre formação em EJA e,

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227

por fim, a extensão universitária como espaço de formação. Destacou-se nas discussões a

questão da configuração e identidade da EJA e suas implicações para a formação. Assim, foi

enfatizado que:

A identidade da EJA está ainda em definição. Se essa definição se restringir a classificá-la como uma modalidade da educação escolar, permaneceremos apenas no campo da regulação e haverá pouco espaço para considerar sua especificidade na formação dos educadores. Entretanto, se ela se definir como um campo plural de práticas educativas que não se esgota na escola, e que se alimentam de um impulso emancipador; então a questão da especificidade se coloca de maneira decisiva para a formação dos educadores. (Soares, 2006: 282)

O primeiro Seminário evidenciou o reconhecimento da importância da escolarização

de jovens e adultos, mas também avaliou e apontou o “risco de que o desenvolvimento dos

processos educativos no âmbito do sistema escolar tenda mais à regulação que à

emancipação” (Soares, 2006: 281); e, nesse ponto, evidencia-se a responsabilidade do próprio

segmento, uma vez que são as universidades as instâncias privilegiadas para a formação de

professores (em cursos de Pedagogia e licenciaturas), em particular dos que atuam nas redes

públicas de ensino.

O segundo Seminário teve por objetivo “refletir e apontar diretrizes acerca da

formação de educadores de jovens e adultos no Brasil que vem sendo realizada pelas

universidades, pelos movimentos sociais e pelo sistema público de ensino” (Machado, 2007:

1). Organizado pelo Fórum goiano de EJA, discutiu diretrizes norteadoras da formação e

proposições na perspectiva de cada um dos segmentos envolvidos (ou seja, da universidade,

dos gestores públicos, dos educadores de jovens e adultos e dos movimentos sociais e

populares), debatendo ainda sobre a necessidade de reconfigurar o currículo da EJA a partir

dos desafios apontados em relação à formação dos educadores de jovens e adultos.

De modo geral, é possível identificar acerca dos dois Seminários nacionais a

contribuição para a ampliação do debate sobre formação, bem como para a ampliação do

aporte teórico a fim de pensar e propor políticas públicas de formação de educadores de

jovens e adultos. Todavia, também se observa que, se por um lado foi importante ampliar o

debate sobre a formação de professores para além da universidade, envolvendo uma maior

representação dos demais segmentos dos Fóruns estaduais (conforme proposto no VIII

ENEJA), por outro, do nosso ponto de vista, é preciso estar atento ao risco da dispersão em

relação ao objetivo e papel do seminário, assim como para a possibilidade de excesso e

sobreposição de eventos, uma vez que os Seminários parecem tender ao crescimento e

institucionalização com características (tamanho, financiamento etc.) semelhantes ao ENEJA.

Page 228: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

228

O VIII ENEJA ocorreu no ano de 2006, em Pernambuco241, com o título de “EJA –

uma política de Estado: avaliação e perspectivas”, o Relatório-Síntese do Encontro destaca a

“consciência clara de que a educação como direito, para todos, não está assegurada, o que

implica reafirmar que a lógica da desigualdade não se rompeu no campo educacional”

(ENEJA, 2006: 1). Por um lado, faz referência à luta pela institucionalização da EJA nos

sistemas, atestando que ainda são baixos os números de matrícula nas redes públicas de

ensino; por outro lado, os programas e projetos na EJA são entendidos como “tênues

formulações políticas para consolidar um direito fragilmente conquistado” (idem, p.2); nesse

sentido, o documento reconhece a predominância da visão compensatória em grande parte das

políticas de EJA. Em relação ao público ou sujeitos a que a EJA se destina, o Relatório-

Síntese considera que:

Se o último ENEJA conseguiu trazer para a mesa de discussões movimentos representativos dessa diversidade, rompendo o silêncio entre as especificidades e abrindo espaço ao diálogo, essa construção não se alargou na realidade do fazer político, e as questões inerentes aos grupos da diversidade mantiveram-se endogenamente pensadas, sem estendê-las como preocupação de averiguar de que forma o recorte etário – jovens e adultos – e o nível de escolaridade impunham pensar jovens negros, jovens indígenas, trabalhadores adultos do campo, pescadores artesanais jovens e adultos, desempregados jovens desescolarizados, adultos sem emprego formal porque desescolarizados etc. Apesar das conquistas de formas de pensar a diversidade, atravessando grupos sociais específicos, estes não conseguem impregnar e reorientar o fazer pedagógico das escolas, mantendo-se isolados, uns e outras. (idem, p. 1)

Outro aspecto que merece destaque refere-se à discussão sobre a identidade, o papel

e a atuação dos Fóruns estaduais de EJA como sujeitos coletivos. Nos Relatórios do VII e do

VIII ENEJAs, este é um tema em destaque, tendo sido pautado nos debates qual o sentido dos

Fóruns e o tipo de relação construído com o governo, principalmente, no âmbito federal, com

a Secad/MEC, vale ressaltar que o documento do VIII ENEJA registra a cobertura total de

todo o território nacional, com a existência de Fóruns de EJA em todos os estados brasileiros.

Diante do seu crescimento e capilaridade nos estados e municípios; cresce também, nos

últimos anos, um questionamento e auto-avaliação sobre a real identidade dos Fóruns. Por

exemplo, o Relatório-Síntese de 2006 assinala que:

[...] as diferentes leituras sobre a questão apontam para o reconhecimento de que se está em movimento, participa-se do movimento em defesa da escola pública, mas é preciso aprofundar a questão: somos ou queremos ser um movimento social? Para alguns fóruns locais não constituímos movimento social, necessitando aprofundar a discussão em nível local. No atual contexto, o movimento que se realiza difere politicamente da marca dos movimentos sociais constituídos em oposição ao regime

241 Realizado na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no período de 30 de agosto a 2 de setembro de 2006. Contou com a participação de 598 delegados.

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229

militar. Dentre outras características, o movimento vem-se definindo no processo de construção coletiva pela singularidade – síntese entre ação individual e coletiva, como movimento de natureza política. O resgate do percurso das ações do movimento aponta para características que o aproximam dos movimentos sociais organizados no que tange às demandas, às práticas de pressão que se exercitam. Como conseqüência, coloca-se a tarefa de construção da autonomia nos diferentes níveis, com vista à sustentabilidade. A memória da construção coletiva da identidade dos Fóruns permite compartilhar várias intervenções efetivas produzidas nos últimos cinco anos na esfera pública, na perspectiva de proposição e formulação de políticas de afirmação do direito à educação, atribuindo novos sentidos e concepções à educação de jovens e adultos, que expressam elementos de reafirmação da identidade do movimento. (ENEJA, 2006: 3, grifo nosso)

A discussão sobre a identidade dos Fóruns deflagra a tensão quanto à sustentação do

ENEJA e a sua relação com o governo federal; principalmente no que tange à questão da sua

autonomia e capacidade crítica, considerando principalmente sua dependência de

financiamentos, especialmente dos advindos do MEC, que, por sua vez, firma convênio com a

UNESCO, que, conforme assinalado no capítulo II, está inevitavelmente relacionada ao

Banco Mundial, servindo por vezes apenas de intermediária dos empréstimos do MEC com o

Banco.

É interessante observar que, de acordo com o Relatório-Síntese,

As demandas internas provenientes da necessidade de sustentação do movimento apontam para a tarefa de pensar o sentido da autonomia em relação ao Estado, como um dos potentes parceiros que financiam o encontro nacional de EJA, bem como a forma como vêm sendo utilizados os recursos durante a realização desses encontros. (ENEJA, 2006: 3)

E, por fim, apesar de nossa pesquisa delimitar-se ao período compreendido entre os

dois governos de Fernando Henrique Cardoso e o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da

Silva, consideramos pertinente242 tecer breves comentários quanto a IX ENEJA, realizado em

2007 no Estado do Paraná243, com o tema “A atualidade do pensamento de Paulo Freire e as

políticas de EJA”. O Encontro teve como pano de fundo – especificamente abordado na

palestra de abertura – a defesa do resgate do pensamento freireano como base para as políticas

de EJA. Sob este tema geral, três subtemas foram discutidos em mesas-redondas, seguidas de

debates: as políticas inter-setoriais do Governo Federal, o financiamento das políticas e o

currículo na EJA.

Na mesa-redonda sobre “Políticas Inter-setoriais do Governo Federal” foi ressaltado

que a “importância das políticas de EJA perpassa por uma compreensão de que seus diversos

242 A inclusão do IX ENEJA ocorrido em 2007, portanto posteriormente ao limite temporal por nós estabelecido, visou propiciar ao leitor uma visão completa dos temas debatidos ao longo de todos os encontros, uma vez que nesse foram discutidas as ações para EJA empreendidas no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva. 243 Realizado com abertura em Curitiba e reunião no Centro de Capacitação de Faxinal do Céu, em Pinhão, no período de 18 a 22 de setembro de 2007. Contou com 634 participantes, dos quais 540 eram delegados.

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envolvidos possam dialogar acerca das políticas inter-setoriais do MEC e também de outros

ministérios” (ENEJA, 2007: 4), destacando-se como positivo o fato de outros órgãos, além do

MEC, estarem presentes no Encontro, aproximando-se das discussões e demandas da EJA.

Foi especialmente sinalizada a presença de representantes das Secretarias de Educação

Profissional, da Educação no Campo e do Ministério do Trabalho, focando a Economia

Solidária.

A mesa-redonda sobre “Políticas e Financiamento na EJA” abordou as perspectivas

de mudança no financiamento da educação e os possíveis efeitos dessas mudanças na EJA,

com o início do Fundeb. Também enfatizou a necessidade de se localizar os atuais “´nós` da

política no financiamento, na formação de educadores e na persistência da concepção

compensatória [...]. Apontou como principais mudanças [positivas] [...] a inclusão orgânica da

EJA no sistema de Educação Básica, no Fundeb e Livro Didático” (ENEJA, 2007: 7), pois

tendem a ser mais duradouras e impactar a médio e longo prazos.

Quanto à terceira mesa-redonda, referente ao currículo na EJA, a abordagem foi, a

nosso ver, próxima àquilo que Silva (2003) classifica como a matriz referencial das Teorias

Pós-críticas do currículo244. Segundo registra o Relatório-Síntese:

A primeira [conferencista] nos disse que “superar o entendimento formalista e cientificista do currículo, buscando entendê-lo como produzido por múltiplos e singulares processos locais de tessitura e de criação curricular, requer o estudo e o interesse em fazer aparecer as alternativas curriculares efetivas tecidas cotidianamente pelos sujeitos das práticas pedagógicas.” E a segunda [conferencista] nos disse que “um projeto político-pedagógico centrado na especificidade dos jovens da EJA é marcado pelo diálogo, pois objetiva incentivar o ‘protagonismo’, a tomada de consciência, a construção do pensamento abstrato, das utopias, de conceitos e dos significados que esses jovens atribuem às práticas pedagógicas inovadoras que aprovam e demandam vivenciar nas práticas educativas”. (ENEJA, 2007: 10)

Outro aspecto que foi destaque no IX ENEJA referiu-se à proximidade da VI

CONFITEA e o fato de sua realização ser no Brasil. Duas questões nortearam o debate sobre

este assunto. Primeiro, os Fóruns Estaduais de EJA solicitaram estar presentes na organização

e na delegação que participará da Conferência, principalmente no que se refere aos Encontros

regionais e estaduais; segundo, destacaram o pequeno impacto prático das políticas para EJA

implementadas no Brasil após a última CONFITEA, como se observa no Relatório-Síntese:

Nesses dez anos pós V CONFITEA a avaliação regional sobre a situação da EJA nos

244 Segundo a classificação elaborada por Silva (2003), às teorias do currículo são divididas em teorias Tradicionais, teorias Críticas e teorias Pós-Criticas. Segundo este autor, “a aparente disjunção entre uma teoria crítica e uma teoria pós-crítica do currículo tem sido descrita como uma disjunção entre uma análise fundamentada numa economia política do poder e uma teorização que se baseia em formas textuais e discursivas de análise. Ou ainda, entre uma análise materialista no sentido marxista, e uma análise textualista” (p.145).

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países da América Latina e Caribe – ALC demonstra reduzida evolução em relação ao diagnóstico realizado na década anterior. Se por um lado a oportunidade de acesso cresceu significativamente, por outro a destinação de recursos ainda está insuficiente para o atendimento das demandas que se ampliam diante das várias funções da EJA que surgem para acolher os diferentes grupos de sujeitos de direitos adolescentes, jovens, adultos e idosos. Embora reconhecida como um direito, a EJA continua a ser regida pelo paradigma compensatório, enfatizando programas de alfabetização e de correção do atraso de escolaridade. (ENEJA, 2007: 11)

Pode-se observar que os Relatórios-Síntese dos ENEJAs revelam tensões e

contradições provenientes de um espaço que tenta conciliar interesses e objetivos

inconciliáveis, conforme já havia sido aludido no início desta seção e como se depreende do

documento do IX ENEJA:

A luta histórica dos Fóruns tem sido para que o poder público assuma sua responsabilidade na oferta da educação básica de jovens e adultos; que universidades e sistemas públicos de ensino assumam a formação inicial e continuada de professores e educadores; que a sociedade civil, organizada nos seus movimentos e no setor empresarial, seja demandante desta oferta de escolarização para jovens e adultos; que educadores se identifiquem de fato com a modalidade de ensino fundamental e médio em sua especificidade. Todas essas ações são como que fios diferentes que tecem uma só rede: a da educação como direito. (ENEJA, 2007: 13)

Consideramos ingênuo esperar, numa perspectiva de reforma do capitalismo, que o

conjunto da sociedade, independente dos antagonismos estruturais que abriga possuir o

mesmo interesse em lutar pela educação como direito e as mesmas expectativas quanto ao

conteúdo dessa educação (Conforme Rummert, 2000). Observamos então que, ao se apoiarem

em uma concepção baseada na colaboração de classes (Neves, 2005), concepções

hegemônicas no ENEJA sobre como deve ser a educação dos trabalhadores brasileiros

terminam por aproximá-la do projeto social da Terceira Via245.

4.2.3. Temáticas e conceitos presentes nos ENEJAs

Esta última seção procura apreender e explicitar temáticas e conceitos predominantes

e recorrentes, bem como àqueles ausentes e/ou secundarizadas ao longo dos nove anos de

245 A referência desta crítica, além das considerações já realizadas neste trabalho, encontram-se em Neves (2005: 15), quando, por exemplo, afirma que “ a constatação de que o neoliberalismo vem-se desenvolvendo no Brasil das últimas duas décadas por meio de um programa político específico – o programa da Terceira Via – é ponto de partida para a análise sobre a difusão, na sociedade brasileira, dos novos ideais, idéias e práticas voltadas para o consenso sobre os sentidos de democracia, cidadania, ética e participação adequados aos interesses privados do grande capital nacional e internacional”.

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232

existência dos ENEJAs.

No que tange às temáticas recorrentes, destacamos que, na maior parte dos

Encontros, essas referiram-se a aspectos como políticas públicas, financiamento, parcerias,

alfabetização, identidade dos Fóruns, formação docente, diversidade dos sujeitos da EJA e a

educação de jovens e adultos na perspectiva da educação ao longo da vida.

A análise dos relatórios dos ENEJAs evidencia o fato de que o tema política pública

esteve presente, direta ou indiretamente, em todos os Encontros, podendo-se sublinhar que,

em 2003, no V ENEJA, uma das deliberações da plenária foi a “manutenção do tema políticas

públicas para a EJA na pauta de todos os ENEJAS”. (Relatório-Síntese do V ENEJA, 2003).

Em decorrência, observa-se que além do primeiro, nos últimos quatro Encontros o termo

política, além de tratado na programação, aparece também no próprio título que dá nome ao

Encontro Nacional; encontramos assim: em 1999, “Em busca de uma política integrada de

educação de jovens e adultos, articulando atores e definindo responsabilidades”; em 2004,

“Políticas Públicas atuais para educação de jovens e adultos: financiamento, alfabetização e

continuidade”; em 2005, “Diversidade na EJA: papel do Estado e dos movimentos sociais nas

políticas pública”; em 2006, EJA – uma política de Estado: avaliação e perspectivas” e, por

fim, em 2007, “A atualidade do pensamento de Paulo Freire e as políticas de EJA” (Grifo

nosso). Por um lado, não se pode afirmar que a seqüência de ENEJAs priorizando questões

referentes à temática política pública tenha significado uma unidade de luta na prática dos

Fóruns regionais e estaduais. Por outro, pode-se destacar a afirmação de Timothy Ireland,

atuante desde o primeiro ENEJA, para quem “o movimento dos Fóruns e a tentativa de

constituição da EJA enquanto política pública representam as principais expressões da

educação de jovens e adultos em movimento na atualidade” (Ireland et. al, 2005: 95).

Ainda no que diz respeito aos temas freqüentemente destacados, a análise dos

relatórios indica que dentro da temática geral sobre política pública, financiamento e parceria,

aparecem relacionadas de forma predominante. A necessidade de financiamento e de parceria

é relacionada tanto a segmentos governamentais quanto a não-governamentais, como, pode

ser verificado em: “Entende-se que qualquer continuidade está vinculada a recursos que

precisam ser melhor distribuídos no âmbito das esferas governamentais e não

governamentais” (Relatório-Síntese VI ENEJA, 2004, p. 3).

Nossos estudos apontam que a EJA tem sido abordada nos Fóruns

predominantemente sob a perspectiva da defesa do financiamento público, porém com

execução por entes privados, como por exemplo, empresas e ONGs. São ainda recentes e

tímidas análises quanto à restrição de financiamento público para organizações privadas. Por

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233

exemplo, aparece proposto no VIII ENEJA, que exista a “articulação das ONGs com

movimentos sociais, assumindo o papel de formuladoras propositoras e fiscalizadoras de

políticas públicas”, destacando que, “Os movimentos sociais reconhecem que não são os

responsáveis pela efetividade das políticas públicas de educação, porém possuem um

importante papel no processo de mobilização, fiscalização e proposição de políticas públicas”

(Relatório-Síntese VIII ENEJA, 2006, p. 5). O caráter dúbio das parcerias entre órgãos

governamentais e não-governamentais e o conceito fluido da relação público/privado,

trouxeram profundas conseqüências nas práticas da área de EJA, conforme discutido

anteriormente, e, apesar de pautado nos ENEJAs como um aspecto relevante para a

construção de políticas públicas, não são abordados sob o aspecto de seus determinantes

estruturais.

Cabe assinalar que o primeiro ENEJA ocorre em um contexto caracterizado pelo

reordenamento do Estado e retração dos direitos sociais, em que, como assinalado em outros

capítulos, a política social do Estado foi sendo reconfigurada tendo na focalização uma das

marcas centrais. A abordagem restritiva do campo social e o caráter focal, apresentaram como

conseqüência, uma estratificação sucessiva, em parcelas e sub-parcelas, cada vez mais

específicas dos segmentos populacionais mais expropriados da classe trabalhadora246. Pelo

que podemos perceber, do ponto de vista da educação, os novos padrões de regulação

decorrentes da nova relação entre Estado, capital e trabalho, conforme afirma Kuenzer (2007,

p. 24), “apontam para duas direções que se interam: a crescente privatização mediante a

concepção da educação como função pública não-estatal e a fragmentação de ações através de

programas fragmentados em substituição à formulação de políticas públicas”. Ou seja, as

relações entre Estado e sociedade civil transformam-se em financiamento, por meio de

parcerias, da esfera pública para a esfera privada.

O mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, reconfigurou a relação dos ENEJAs com o

governo. Cabe lembrar que a realização do primeiro ENEJA ocorreu no segundo mandato de

Fernando Henrique Cardoso e, ao longo desse período, os ENEJAs ocorreram com pouca

participação de órgãos governamentais, evidenciado como apenas “financiadores eventuais” e

não como “parceiros de fato”(Relatório- Síntese V ENEJA, 2003, p. 1). A partir de 2003,

instaura-se, conforme destacado no Relatório do Encontro, um espaço de reconhecimento dos

Fóruns e de participação através da presença de representantes com “apoio político e

246 Dentre os exemplos, realizados em meados da década de 1990 circunscrita a esta lógica, podemos destacar o Programa Comunidade Solidária (bem como os correlatos do mesmo período: Alfabetização e Capacitação Solidária), vinculados ao governo federal, mas, organizados sob a forma de organização não-governamental, com estímulo as parcerias com empresas e apelo ao voluntariado da sociedade civil.

Page 234: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

234

financeiro do MEC à realização dos ENEJAs, avançando na interlocução e a reafirmação de

compromissos” (ibid., p. 8). Assim, é avaliado que

Em nível nacional, em interlocução com a SECAD/MEC, algumas proposições têm sido reconhecidas e legitimadas. Ao tematizar a alfabetização, financiamento e continuidade no VI ENEJA, os Fóruns, como movimento social, chamam para si a assunção da tarefa política de pressão junto ao Governo Federal, no sentido de assegurar recursos necessários para efetivar as ações do Programa Brasil Alfabetizado e da EJA, do PRONERA e do MOVA-Brasil, na perspectiva da educação continuada ao longo da vida. (ibid., p. 5)

Soma-se a esses aspectos, no quadro do novo contexto, o fato de pessoas com

trajetórias oriundas dos Fóruns passarem a ocupar postos ou trabalhar como consultores no

governo federal (particularmente no MEC). Outro aspecto é a existência de pessoas, e/ou

instituições, que compõem os Fóruns e ENEJAs disputarem financiamento como executores

de ações financiadas pelos governos e/ou que prestam assessorias a Secretarias e Ministérios

ou à agências internacionais, como a Unesco. Embora isso amplie a possibilidade de

influência destes sobre a política pública implementada, por outro lado, também pode

restringir a potencialidade de crítica ao modelo de política educacional para jovens e adultos

vigente.

No que tange a temáticas consideradas secundárias – seja em termos de sua presença

nas discussões, seja na falta de um tratamento teórico adequado –, apreendemos da leitura dos

documentos, três aspectos: questões referentes à forma de abordagem do conceito de trabalho,

o tratamento de questões teórico-conceituais sem o necessário aprofundamento, baseado em

certo senso comum247 e a ausência da temática classe social. Alguns conceitos, do nosso

ponto de vista, revelam-se escorregadios e superficiais nos ENEJAS. Aqui buscamos

organizar os elementos que fundamentam esta afirmação.

Inicialmente, destacamos a forma como, nos documentos, é tratado o conceito de

trabalho. Nesse aspecto, observa-se que, enquanto temática, o conceito aparece colocado em

segundo plano e, quando abordado, apresenta-se relacionado estreitamente ao mercado de

trabalho e às dificuldades de incluir-se ou manter-se nele. Nesse sentido, entende-se trabalho

como emprego, ocupação e, desta forma, a relação trabalho e EJA fica, em geral, restrita à

247 Para Gramsci (1991) no senso comum predominam as características difusas e dispersas de um pensamento genérico de uma certa época em um certo ambiente popular” (p.18). Assim, o senso comum (como a religião) “não podem constituir uma ordem intelectual porque não podem reduzir-se à unidade e à coerência nem mesmo na consciência individual” (p. 14). Portanto, o traço fundamental e mais característico do senso comum é o de ser uma concepção desagregada, “adequada à posição social e cultural das multidões, das quais ele é a filosofia.” (p. 143). Todavia, destaca ainda este autor, o senso comum é o ponto de partida sobre o qual deve ser elaborada a nova concepção de mundo, uma vez que ele contém um núcleo de bom senso, ou seja, um núcleo sadio do senso comum, merecendo ser desenvolvido e superado (p. 160).

Page 235: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

235

preparação de mão-de-obra; sendo esta mão-de-obra a ser qualificada, o aluno da EJA,

abandonando-se, assim, uma longa tradição nas ciências sociais de discussão e debate em

torno do caráter ontológico do trabalho248.

Cabe destacar que o caráter ambíguo das análises sobre a questão do trabalho e da

relação entre trabalho e educação não é um fenômeno recente. Frigotto, na segunda metade da

década de 1980, sinalizava para o que denominou de “crise do aprofundamento teórico na

análise e nas propostas de trabalho e educação”, destacando que:

A concepção burguesa de trabalho vai-se construindo, historicamente, mediante um processo que o reduz a uma coisa, a um objeto, a uma mercadoria que aparece como trabalho abstrato em geral, força de trabalho. Essa interiorização vai estruturando uma percepção ou representação de trabalho que se iguala à ocupação, emprego, função, tarefa, dentro de um mercado (de trabalho). Dessa forma, perde-se a compreensão, de um lado, de que o trabalho é uma relação de força, de poder e de violência; e, de outro, de que o trabalho é uma relação social fundamental que define o modo humano de existência, e que, enquanto tal, não se reduz à atividade de produção material para responder à reprodução físico-biológica (mundo da necessidade), mas envolve as dimensões sociais, estéticas, culturais, artísticas, de lazer etc (mundo da liberdade). (Frigotto, 2004: 14)

Dessa forma, considerando os argumentos supracitados, a relação entre Trabalho e

Educação, na Educação de Jovens e Adultos, vem sendo abordada tomando

predominantemente a sua forma atual, ou seja, sob a forma de alienação e subordinação;

subsumido ao capital, no limite da forma histórica atual capitalista. A análise dos Relatórios

dos ENEJAs revela que o trabalho humano em si, ou seja, a centralidade do trabalho enquanto

aspecto que funda o homem como ser social (Lukács, 1978), como produção e reprodução da

vida, é ausente.

Convém destacar a importância de ir além, considerando as dimensões histórica e

ontológica do trabalho. Desse modo, na dimensão histórica constata-se o caráter limitador da

forma atual, mas simultaneamente percebe-se que sua forma atual foi historicamente

construída, portanto, sendo passível também de transformação pelos homens. E, considerando

a dimensão do trabalho como categoria ontológica da práxis humana, por meio do qual os

seres humanos transformam a natureza e se relacionam com outros homens para a produção

da sua existência. É importante salientar que as duas dimensões do trabalho, a ontológica e a

histórica não são antagônicas. A dimensão ontológica pressupõe a histórica, ou seja, uma dada

formação em sua historicidade.

248 A ontologia do trabalho é anterior ao marxismo. Adam Smith e David Ricardo, representantes da escola liberal clássica (denominada por Marx também de economia burguesa) já discutiam o trabalho como elemento central na construção do ser humano. Sob o referencial materialista histórico-dialético, o elemento ontológico é construído histórica e socialmente, não se tratando de um elemento de natureza metafísica ou da essência humana e, por isso, distingue o ser humano do animal.

Page 236: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

236

Compreendemos que para que a relação entre trabalho e EJA seja profícua é preciso

resgatar que é através do trabalho que o ser humano constrói sua própria história, acumulando

conhecimentos e transformando a natureza e a sociedade. Sendo assim é incipiente e vaga

uma proposta de “Inserção do conteúdo mundo do trabalho na alfabetização e na educação

básica” (Relatório-Síntese VIII ENEJA, 2006, p. 6). Sobre este aspecto, Rummert (2007: 91)

assinala que, recorrentemente, tem havido uma ausência de reflexão sobre o amplo

significado do conceito de trabalho; como conseqüência, o trabalho tem sido abordado apenas

como sinônimo de emprego ou ocupação, o que tem concorrido, também de forma recorrente,

para a manutenção da dualidade estrutural da educação.

Um outro ponto, que em certo sentido é conseqüência do anterior, refere-se a quando

se discute a questão da desigualdade social. Sobre esse aspecto é realçada a idéia de que o

debate sobre esse tema não pode reduzir-se apenas à questão de classe. Mesmo tendo

discordâncias teóricas com esta afirmação, não vamos tencioná-la neste momento. Nos

limitaremos, aqui, a compreender que concepção de classe está sendo considerada na

perspectiva dos documentos aqui analisados. Pode-se apreender dos Relatórios, quanto ao

tratamento da questão de classe, que: a) pressupõe-se a compreensão do conceito, portanto ele

não é discutido; b) utilizam-se várias terminologias, classes baixas, jovens em situação de

risco social, camadas populares, classes populares, excluídos, oprimidos etc.; c) todos

remetem a uma leitura de classe, simplista, vinculada à classificação de acordo com a renda

per capta ou familiar (portanto, uma visão harmoniosa e nos limites da ordem social

burguesa), desconsiderando a concepção de uma sociedade marcada pelo conflito social e pela

exploração do trabalho249.

Observa-se assim, o uso de pressupostos da economia clássica e da lógica liberal,

sobretudo, aqueles que transmitem a idéia de que os conflitos e problemas sociais estão

associados aos desequilíbrios, disfunções e mau funcionamento da ordem social burguesa, e

não de uma contradição estrutural da sociedade capitalista. Tal perspectiva coaduna-se com as

bases teórico-políticas, já anunciadas, por exemplo, por Adam Smith, em 1776, na obra A

Riqueza das Nações, onde defendia “o livre mercado” e que “a mão invisível do mercado”

harmonizaria os interesses individuais e promoveria o bem estar de toda a sociedade, sendo,

portanto, considerado que a disputa na economia de mercado é um estado natural de equilíbrio

249 A partir da formulação realizada por Marx e Engels (1988), o capital possui em si uma contradição: uma vez que gera simultaneamente ampliação potencializada das forças produtivas (com criação de avanços tecnológicos e riquezas), por outro lado e simultaneamente, a apropriação privada do resultado do trabalho humano, cria relações sociais de extrema desigualdade. Tal contradição (tensão capital x trabalho) se expressa na luta de classes como motor da história, ou seja, para esses autores, a história da humanidade é a história da luta de classes.

Page 237: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

237

social. Nessa visão, as crises econômicas e as desigualdades extremas seriam apenas

disfunções acidentais e conjunturais, como por exemplo, a identificação da identidade dos

sujeitos da EJA, calcada em sujeitos ou pessoas jovens e adultos alunos.

Importa destacar que as diferentes interpretações de conceitos híbridos ou ambíguos

como “cidadania”, “participação”, “parceria” etc., sem uma explicitação clara dos conteúdos

teóricos e políticos de cada um desses conceitos, tem por conseqüência, como já assinalamos,

a reprodução de um “senso comum” que as forças dominantes procuram construir no âmbito

da sociedade, com vistas à manutenção da hegemonia. Desta forma, a adoção de conceitos,

nos encontros e documentos, pressupondo a sua compreensão, sem que o mesmo tenha sido

discutido e/ou tencionado, parece contribuir para ratificação de determinadas concepções

teóricas como verdades intocadas, por representar, de fato, a visão e os interesses da maioria

que os compõem, ou seja, dos formuladores hegemônicos no ENEJA. A análise do conjunto de documentos arrolada neste capítulo evidencia a

preponderância do caráter pluralista e relativista da abordagem da EJA predominante desde o

início da década de 1990. Tal característica cresce no interior de um movimento mais amplo,

situado, por exemplo, na crise dos referenciais teóricos, no esgotamento do socialismo no

Leste Europeu e no refluxo do movimento operário em todo mundo. Daí deriva a

fragmentação dos chamados sujeitos da EJA e da própria área, mediada por relações

históricas e sociais concretas. Em relação a esse aspecto, tal como abordado no segundo

capítulo, a fragmentação da classe trabalhadora de hoje não exclui sua existência. Sendo esta,

na contemporaneidade, um "conjunto heterogêneo e complexificado do trabalho,

incorporando tanto os segmentos minoritários e mais qualificados, como também os

segmentos assalariados, os trabalhadores temporários, os terceirizados, os subcontratados, etc.

que compõem a totalidade do trabalho social" (Antunes, 1999: 183). Necessário esclarecer,

conforme já assinalamos que a forma de ser do trabalho e da classe trabalhadora em nossos

dias precisa ser pensada a partir de uma concepção alargada (Antunes, 2003); desta forma,

pensar a educação de jovens e adultos a partir da questão de classe não significa ignorar a

diversidades decorrentes de gênero, geração, raça e etnia, mas perceber que ao lado das

explorações e expropriações pelo lugar que ocupam na sociedade, os alunos da educação de

jovens e adultos são atingidos por opressões e discriminações derivadas.

Em suma, os ENEJAs se inscrevem por um lado nas demandas da EJA em nível

nacional e buscam intervir na política proposta para essa modalidade de educação; por outro,

os trabalhos acadêmicos que discutem concepções e práticas das políticas de EJA,

apresentados na ANPEd nos GTs Trabalho e Educação, Educação Popular e Educação de

Page 238: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

238

Pessoas Jovens e Adultas.

De modo geral, a análise das fontes indica que uma visão culturalista influenciou

profundamente os trabalhos de pesquisa apresentados no GT 06, chamando atenção a grande

dispersão temática e metodológica do grupo. No GT 09 predomina a defesa da

universalização da educação integra. Todavia, o GT dialoga muito pouco com a escola de

ensino fundamental, o que nos parece uma contradição. Quanto ao GT 18, percebe-se uma

estreita interface com a visão dos organismos internacionais, sendo a reflexão de seus

pesquisadores muito influenciada pelos conceitos e deliberações das conferências

internacionais.

Do mesmo modo, os ENEJAs também demonstram (não sem controvérsias e

embates internos) assimilar hegemonicamente o pensamento dos organismos internacionais,

especificamente, a partir da V CONFITEA, ou seja, observou-se que os marcos conceituais

adotados pela UNESCO (cada vez mais influenciada pelo Banco Mundial) passaram a ser

incorporados pelas lideranças dos Fóruns e defendidos nos Encontros Nacionais, como

bandeira de luta. O estudo em torno da concepções em disputa revelou uma proximidade entre

a visão do GT 18 da ANPEd, os ENEJAs e a política para a EJA do governo Luiz Inácio Lula

da Silva. Observa-se nos três a assunção (mesmo considerando que sempre há contradições e

disputas teórico-políticas) da concepção dos organismos internacionais que enfatiza, entre

outros aspectos, que a educação de adultos proposta para os países periféricos deve voltar-se

para a melhoria das condições de vida da população pobre, proposta que se tem materializado

na prática, por um processo de “distribuição desigual e diferenciada de educação” (Kuenzer,

2007: 495) e não na universalização da oferta de educação de qualidade em todos os níveis

para todos.

Cabe destacar que a produção dos três GTs apresenta em comum a ausência de

análises críticas sobre a atuação das ONGs na EJA no período pós-regime autoritário civil-

militar; a ausência de estudos sobre as influências dos organismos internacionais e a

repercussão desta influência nas estratégias do MEC para o atendimento da demanda por EJA;

bem como, a ausência de trabalhos históricos que sistematizem modelos ou tipologias da

educação de adultos no Brasil e seus pressupostos teórico-filosóficos.

Observou-se, neste estudo, que as alterações na tradicional distância entre os GTs

Trabalho e Educação e Educação de Pessoas Jovens e Adultas está sendo concretizada pela

seqüência de sessões especiais e mesas conjuntas entre os GTs; diálogo que, apesar de ser

uma tendência recente, nos parece bastante necessário e positivo, com potencialidade de

enriquecimento para os dois GTs e para a área. Processo que aproxima dois núcleos de

Page 239: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

239

pesquisa que historicamente cresceram e se consolidaram a partir de ações e de enfoques

diferenciados – grosso modo, o primeiro, tem abordado predominantemente a educação

profissional e os processos educativos no mundo da produção, e o segundo, tem enfocado a

alfabetização e a escolarização, temas com escasso diálogo entre si.

Page 240: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

240

CAPÍTULO V

CONCLUSÃO – TENSÕES, CONTRADIÇÕES E DESAFIOS DA EJA NA

CONTEMPORANEIDADE: DISPUTAS ENTRE AS LÓGICAS DE

MANUTENÇÃO E DE SUPERAÇÃO DA ORDEM SOCIAL

No presente trabalho abordamos as dimensões que dão unidade à nova identidade da

EJA, que na superficialidade se apresenta plural e diversa, mas que reelabora, sob um verniz

do novo, as velhas propostas e ações derivadas de concepções que almejam a conciliação

entre a filantropia e o direito a educação daqueles que vivem do seu prório trabalho.

A natureza desta EJA rejuvenecida é recompor o processo de formação para o

trabalho simples, em resposta às novas exigências econômicas, sociais e políticas do

capitalismo brasileiro associado e subalterno ao internacional; manifestando-se na oferta

educacional a disposição dos jovens e adultos trabalhadores, circunscrita aos saberes mínimos

necessários para a execução de tarefas simples e de baixíssima complexidade na nova divisão

do processo de trabalho capitalista, ao mesmo tempo aliviando-os da situação de extrema

pobreza. Processo que corrobora e aprofunda as desigualdades de acesso aos saberes

sistematizados e científicos exigidos para o trabalho complexo, que são fundamentais na

formação do sujeito crítico, capaz de atuar em funções dirigentes.

A especificidade desta “nova” EJA se materializa nas ações fragmentadas, dispersas

e focalizadas em grupos sociais específicos, secundarizando e/ou desviando a atenção da

educação básica como direito; põe em prática os referenciais e as matrizes teóricas advindas

de organismos internacionais, representantes dos interesses do capital transnacionalizado; e se

realiza a partir das parcerias Estado-sociedade, que criam um verdadeiro mercado para a

atuação de ONGs de toda espécie, além de dar vida a noções vagas e ideológicas –

responsabilidade social, empreendedorismo, protagonismo social, empregabilidade etc.

O objetivo fundamental deste trabalho foi o de desvelar as contradições entre as

concepções predominantes na EJA e a defesa da educação como direito; e, ao mesmo tempo,

explicitar que esta nova identidade responde à configuração político-econômica recente do

capitalismo internacional.

Page 241: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

241

O método de exposição adotado neste trabalho pretendeu problematizar o recente

consenso no campo teórico que avança em relação à concepção anacrônica de EJA, vinculada

à mera reposição de escolaridade, mas que calcado na perspectiva da diversidade, que nega a

perspectiva de classe, abandona a crítica à estrutura social capitalista e, concomitantemente,

adota sem questionamentos o referencial da educação ao longo da vida, intimamente

associado à UNESCO, ao Banco Mundial e aos interesses das grandes corporações

capitalistas.

Os dois primeiros capítulos situaram o processo de reconfiguração do capitalismo, as

novas funções que os organismos internacionais desempenham nos debates educacionais e as

complexas relações de ambos com as reformas do Estado e da educação nos países

semiperiféricos, como é o caso do Brasil. Os dois capítulos seguintes objetivaram –

mapeando, descrevendo e esmiuçando – caracterizar a identidade da EJA nas ações políticas

da União nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso e no primeiro governo de Luiz

Inácio Lula da Silva; na produção acadêmica, por meio dos conceitos e categorias básicas que

nortearam os trabalhos científicos apresentados na ANPEd no período 1995-2006; e nas

propostas e reivindicações dos diversos agentes políticos, econômicos, culturais,

governamentais, religiosos, empresariais, sociais etc. aglutinados nos ENEJAs, através dos

seus relatórios-síntese.

Nossa pesquisa apontou para a subordinação da identidade da EJA, hoje hegemônica,

ao processo de reprodução do consenso internacional do capitalismo liberal – gerenciamento

das insatisfações das pessoas prometendo mudanças individuais condicionadas à competição

no mercado e à livre iniciativa, somadas a um humanismo de novo tipo, estimulado e

propagado por algumas instituições internacionais (entre elas, UNESCO e Banco Mundial),

que defendem um atendimento específico a grupos étnicos-culturais-geográficos-

marginalizados como a principal resposta à complexidade dos problemas da sociedade

contemporânea. Nesse sentido, o consenso teórico-político do campo progressista da EJA,

identificado com a perspectiva da diversidade cultural, cai em uma armadilha, em virtude de

uma zona nebulosa, mas de muita proximidade, criada entre os interesses do capital e seus

conceitos e suas propostas políticas.

Em síntese, concretiza-se a hegemonia do capital, em sua fase atual de consolidação

e ampliação nos marcos da acumulação flexível e da especificidade do país que na condição

de semiperiferia, articula-se no quadro hegemônico internacional segundo os padrões do

desenvolvimento desigual e combinado. A identificação de tal quadro não quer dizer que não

tenha havido um esforço, para a construção de uma concepção contra-hegemônica de EJA,

Page 242: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

242

que a perceba não de forma pontual e/ou escolarizante, mas em uma perspectiva de

continuidade, envolvendo a formação continuada/ampliação de conhecimentos etc.

Destacamos, por exemplo, os movimentos de educação e cultura popular do início dos anos

1960, interrompidos pelo regime civil-militar; bem como, aquelas ações empreendidas

posteriormente ao período de redemocratização, que buscaram superar a lógica de elevação da

escolaridade tardia (para compensar e repor), herdada dos longos anos do Mobral e do Ensino

Supletivo implementados no período da ditadura; bem como; aquelas experiências pioneiras

que resistiram às políticas de descaso do final dos anos 1980 e início dos anos 1990,

superando concepções e práticas uniformizadoras, centralizadoras e/ou calcadas na

perspectiva de formação instrumental de recursos humanos.

Todavia, a despeito do reconhecimento e do valor desse processo histórico,

chegamos ao final dos anos 1990 aderidos (de forma rápida e pouco crítica) à proposta

educacional formulada e disseminada pelas agências internacionais, que privilegia a

importância estratégica – para a competitividade do país – da educação ao longo da vida (e

seus corolários implicitamente associados: empregabilidade, competências, certificações etc.),

nos conformando ao consenso implementado globalmente de que esta seria a melhor (e única)

alternativa para as nações semiperiféricas e a mais emancipadora para o aluno da EJA.

A noção político-ideológica de educação ao longo de toda vida, norteadora da

educação para o século XXI (Relatório Delors e Declaração de Hamburgo, anteriormente

analisados), não é neutra, nem desprovida de intencionalidades. Pelo contrário, é uma

contribuição fundamental para tecer e manter a hegemonia250 através do controle ou

amenização das insatisfações, ao prometer e proclamar a educação como única via possível

para mudanças sociais, percebidas exclusivamente como ascensão individual nos limites do

sistema; e, ao mesmo tempo, ocultar e/ou negar as possibilidades de transformações

estruturais da sociedade capitalista, as contradições e os conflitos de classes e a exploração da

força de trabalho, ao adotar a renda e o consumo como os fundamentos da hierarquização

social. Conseqüentemente, a idéia de educação ao longo da vida coaduna-se ao “tom”

internacional de garantir a governabilidade, isto é, a coesão e controle social, e de aliviar a

pobreza no mundo ao ampliar a empregabilidade individual e estimular o empreendedorismo

250 Sobre a necessária construção do consenso para obtenção da hegemonia, é importante destacar que “O fato da hegemonia pressupõe indubitavelmente que se leve em conta interesses e grupos sobre os quais a hegemonia se exerce, que se forma certo equilíbrio de compromisso, isto é, que o grupo dirigente faça sacrifícios de ordem econômica corporativista; mas é evidente que tais sacrifícios e tal compromisso não podem dizer respeito ao essencial. Porque se a hegemonia é ético-política, ela não pode deixar de ser econômica, ela não pode deixar de ter seu fundamento na função decisiva que o grupo dirigente exerce nos setores decisivos da produção” (Gramsci apud Buci-Glucksmann, 1990: 100, grifo do autor).

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243

em pequenos grupos. Como afirma Canário (2000: 91),

A insistência, atual, por parte das instâncias do poder político e econômico, na “educação e formação ao longo da vida” exprime uma visão redutora e funcionalista que, como procuraremos demonstrar, não é nem pertinente, nem realista. [...] Esta perspectiva que adjetivamos como funcionalista [...] afirma que “a educação e a formação contribuem incontestavelmente para relançar o crescimento, restaurar a competividade e restabelecer um elevado nível de emprego”. (grifos do autor)

Enfim, a aprendizagem ao longo da vida funciona simultaneamente como um dos

mecanismos de resposta aos desafios econômicos contemporâneos, como um dos principais

instrumentos de moderação dos efeitos mais extremos da mundialização 251 e como artefato de

hegemonia.

Esta influência redefiniu a área da EJA nos anos 2000, observável na rapidez com

que a perspectiva da diversidade, sob a forma de uma apologia das identidades sociais

singulares, passou a ser a referência central nas discussões nacionais: nos ENEJAs, nos

encontros e seminários, nas propostas e ações políticas enunciadas em vários trabalhos

científicos do GT 18 da ANPEd. Não é secundária a luta pelos direitos específicos, nem

menos importantes as políticas públicas que atendam às suas demandas. Entretanto, a garantia

de direitos específicos em uma sociedade que não atingiu a garantia dos direitos fundamentais

para o bem-estar de todos, ao invés de funcionar como mecanismo de igualar os que ainda

são, por questões específicas, desiguais, se torna um instrumento para privilegiar alguns, que

seriam “sacados” de um mar de desiguais e miseráveis destituídos de todos os direitos. Nesse

sentido, uma EJA preocupada apenas com as especificidades e grupos particularizados, em

uma sociedade destituída de todos os direitos básicos de bem-estar, reafirma os privilégios de

poucos ao acesso a algum tipo de formação. Sem direitos universais, a garantia de direitos

específicos adquiri o caráter de iniqüidade social, pois se fundamenta em mecanismos de

seleção com critérios diversos, nem por isso menos seletivos.

Vislumbramos ao longo deste trabalho que o contexto das mudanças mais gerais de

reestruturação do capital repercute na educação. Conseqüentemente, e pelo caráter particular

da sua clientela, os aspectos econômicos e políticos influenciam, direta, indireta e

imediatamente, a EJA, e contribuem para a sua (con)formação no Brasil do século XXI. Nesse

sentido, como assinala Rummert (2007), as políticas recentes para esta modalidade adotadas

251 Como assinala Chesnais (2001: 23-24), sobre a relação mundialização e acumulação com predomínio financeiro, sob a dominância de um capitalismo regido por instituições que vivem de rendimentos, a sorte reservada aos países em desenvolvimento tem sido: “Durante vinte anos, assistimos à reaparição, nos países pobres, das piores calamidades de desnutrição, isto é fome, doenças e pandemias devastadoras. [...] Elas atingem populações que são marginalizadas e excluídas do círculo da satisfação das necessidades básicas, portanto bases da civilização, em razão da sua incapacidade de transformar essas necessidades imediatas em demanda solvente, em demanda monetária. Logo, essa exclusão é de natureza econômica”.

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244

pelo governo federal são balizadas por duas ordens de questões socioeconômicas

complementares:

A primeira constitui expressão histórica do quadro de distribuição profundamente desigual dos bens materiais e simbólicos, bem como da negação dos direitos fundamentais – entre os quais se destaca o direito pleno à educação – para a maioria da classe trabalhadora. A segunda, de origem recente, resulta das repercussões internas da reestruturação produtiva, do aprofundamento do processo de internacionalização do capital e da redefinição das condições de inserção dependente e subordinada do país no capitalismo internacional, a partir do final dos anos de 1980. (p. 57)

O exame de programas e projetos do governo federal a partir da segunda metade dos

anos 1990, além de revelar os aspectos principais da concepção de EJA que os fundamenta,

expõe a noção de Estado, de sociedade civil, das relações entre ambos – que se materializa na

defesa de um determinado tipo de participação e de uma determinada constituição do espaço

público – e o quadro conceitual que orienta e limita as decisões governamentais. Em síntese, a

configuração da oferta de EJA no Brasil, a partir da década de 1990, está inscrita em um

processo mais amplo de reordenamento do papel do Estado na semiperiferia do capitalismo

(Arrighi, 1997).

Assim sendo, o emaranhado de programas e projetos voltados para o público da EJA

(especialmente no período entre 1996 e 2006) sinaliza-nos para a fragmentação das ações do

Estado, estabelecendo uma aparente complexificação desse campo; que, em essência, é parte

de um tortuoso processo de adequação das políticas educacionais e da sociedade ao modelo

econômico, político e cultural produzido após as políticas de reforma e de estabilização

macroeconômica, justificadas sob o argumento da sua necessidade para a retomada do

crescimento econômico. Uma resposta que confirma a negação do direito pleno dos

trabalhadores à educação e procura adaptar a EJA às novas necessidades do capitalismo

internacional. Observando-se uma intrincada relação entre o Estado, os movimentos sociais e

entidades do Terceiro Setor252, principalmente, as Organizações Não Governamentais (ONGs)

e, mais recentemente, as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs).

Um dos elementos da gênese desse processo de reforma do Estado e das políticas

educacionais, conforme demonstrado por Leher (2003), foi a operação ideológica

desenvolvida na teorização do período conhecido por “transição democrática”, que teve como

uma de suas conseqüências o fato de que: 252 De acordo com esta perspectiva, o Terceiro Setor é o “lugar da solidariedade”, formado por entidades da sociedade civil, comporia uma área intermediária entre o Estado, que seria o Primeiro Setor e o mercado que seria o Segundo Setor. Montaño (2002) desenvolve importante análise com a qual concordamos demonstrando tanto a falta de rigor teórico e distância ideológica da realidade social, quanto o sentido de integração a ordem capitalista das análises que trabalham a problemática do terceiro setor.

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245

Possibilitou a grande operação ideológica de centralização do campo teórico na polarização estatal/privado, deslocando o público. Desse modo, os termos em antípoda passaram a ser Estatal-autoritário x Privado-democrático. A democracia deveria ser buscada na sociedade civil. [...] uma oposição que permitiu que a direção da transição contasse com a participação dos principais apoiadores da ditadura, convertidos em anti-autoritários e membros da sociedade civil democrática. Com o êxito dessa formulação, o discurso anti-estatal foi largamente utilizado para esconder objetivos não-públicos das políticas neoliberais. (p. 224)

Ao final da década de 1990, diante das evidências de um quadro de estagnação

econômica e de ampliação das desigualdades sociais após as reformas neoliberais, as

instituições internacionais incentivaram a articulação entre as políticas de mercado e as

políticas sociais; estas últimas empreendidas com a participação da sociedade, tendo em vista

um capitalismo mais humanizado. Este novo acerto, que ficou conhecido como “pós-consenso

de Washington”253, foi o cenário em que as relações entre Estado e sociedade civil

gradualmente foram transformadas em relações entre o Estado e as ONGs – inclusive com

forte influência nas experiências e ações políticas da EJA, que possuem uma longa tradição de

relacionamento com os movimentos sociais.

Segundo Dagnino (2004), tal fato, que tem sido chamado de “onguização” dos

movimentos sociais, é uma tendência mundial e vários estudos apontam para o papel

preponderante das agências internacionais na raiz desse deslocamento. Para a autora, o

predomínio das ONGs e o crescente abandono dos vínculos orgânicos destas com os

movimentos sociais, que as caracterizavam inicialmente, gerou uma pseudo-autonomia

política, que

[...] cria uma situação peculiar onde essas organizações são responsáveis perante as agências internacionais que financiam e o Estado que as contrata como prestadoras de serviço, mas não perante a sociedade civil, da qual se intitulam representantes, nem tampouco perante os setores sociais de cujos interesses são portadoras, ou perante qualquer outra instância de caráter propriamente público. (p. 101)

Nesse sentido, a partir da década de 1990, a expressão “sociedade civil organizada”

passa no Brasil a ser identificada, grosso modo, como sinônimo de Organização Não-

253 A expressão “Consenso de Washington” foi cunhada em 1990, referindo-se a um conjunto de “condicionalidades” que os organismos internacionais impuseram à América Latina como condição para a renegociação das dívidas externas e a readmissão desses países no sistema financeiro internacional. Esta nova estratégia de desenvolvimento para a periferia do capital induzia a realização de um conjunto de reformas, justificadas sob o argumento da sua necessidade para a retomada do crescimento econômico. Ao final da década, em 1998, diante das evidências de um quadro de estagnação econômica e de ampliação das desigualdades sociais após as reformas neoliberais realizadas, o Banco Mundial sugere um “pós-consenso de Washington”, chamando a atenção para o potencial das instituições e propondo, para o desenvolvimento econômico, uma articulação entre as políticas centradas no mercado e a participação ativa da população. Este “pós-consenso” faz críticas aos “excessos” do neoliberalismo e, sem romper com os objetivos gerais do “Consenso”, apresenta um capitalismo mais humanizado e uma harmonização social, estimulando a participação cívica e ativa da população.

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246

Governamental. Observa-se que, “entre os vários possíveis interlocutores na sociedade civil,

as ONGs são frequentemente vistas como parceiras ideais pelos setores do Estado

empenhados na transferência de suas responsabilidades para o âmbito da sociedade civil”

(Dagnino, 2004: 101). Como decorrência, ocorre um significativo repasse de recursos

públicos, através das parcerias, para estas organizações, justificado nos documentos tanto pela

“competência técnica e inserção social” das ONGs quanto pela suposta “impossibilidade do

Estado” de atender à demanda. São vários os exemplos na EJA que seguem a lógica da

“parceria” com a sociedade civil, como o Programa Alfabetização Solidária, o Planfor, o

Programa Brasil Alfabetizado ou o Projovem.

Com efeito, o discurso emanado dos documentos internacionais, a partir da metade

da década de 1990 influenciou a configuração atual da política educacional da EJA. O

Relatório do Banco Mundial de 1997, por exemplo, ao abordar como os países em

desenvolvimento poderiam melhorar seu desempenho no que tange à distribuição de bens e

serviços públicos, afirma:

[...] a utilização habilidosa dos mercados privados competitivos e da atividade voluntária pode apoiar o desenvolvimento e, ao mesmo tempo, reduzir o ônus que recai sobre Estados com escassa capacidade institucional. O crescimento impulsionado pelo mercado, num contexto de incentivos adequados, é fundamental. Além disso, os mercados podem prover vários bens e serviços privados que em muitos países, por alguma razão, acabam caindo nas mãos do setor público, como o ensino superior, a atenção a saúde curativa e as pensões e outras formas de seguro. Em diversas outras áreas – o uso de fundos sociais para reduzir a pobreza, a melhoria da qualidade do ensino primário, o incentivo à participação das ONG e da comunidade –, a reforma pode melhorar a prestação de serviços. (Banco Mundial, 1997: 63, grifo nosso)

Estão aí explícitas várias teses que orientaram as políticas de EJA implantadas desde

a segunda metade da década de 1990, bases da lógica de fetichização da sociedade civil.

Nessa linha, a “cidadania ativa” e o protagonismo social são categorias ideológicas que

articulam grupos e pessoas, por intermédio de “parcerias” com a aparelhagem estatal e/ou

outros organismos da sociedade civil, na busca de soluções para problemas imediatos que

afligem grupos específicos no interior da sociedade, estimulando-se, assim, um novo tipo de

associativismo que substitui a mobilização social por conciliação nacional.

O caráter associativo, voluntarista, harmônico e funcionalista do fetiche da sociedade

civil opõe-se à teorização de Gramsci sobre essa categoria, que a vincula ao Conceito de

Estado Ampliado254. Por esse viés analítico o Estado é composto tanto pelo aparelho

governamental quanto pelo aparelho privado de hegemonia ou sociedade civil. Segundo

254 Para uma análise pormenorizada, ver Buci-Glucksmann (1990).

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247

Gramsci (2000: 244), “na noção geral de Estado entram elementos que devem ser remetidos à

noção de sociedade civil” e, enquanto relação social, ambos são atravessados por relações de

classe. Em outras palavras, “Não pode haver sociedade civil sem determinação daquilo que

constitui seu fundamento: as relações de produção” (Buci-Glucksmann, 1990: 100). Sendo a

sociedade civil entendida como parte integrante do Estado e espaço da luta entre e intra

classes, palco de contradições e de interesses divergentes e antagônicos, “Digamos que a

problemática da ampliação do Estado será envolvida na correlação de forças, e a sociedade

civil será atravessada, do econômico ao ideológico, pela luta de classes” (idem, 101); decorre

daí que a adesão dos aparelhos privados de hegemonia ao consenso sobre como deve ser

tratada a questão social supõe também, necessariamente, uma adesão, parcial ou completa, à

concepção de mundo que orienta tal consenso.

Especificamente nas duas últimas décadas, o processo de conformação dos

movimentos sociais contra-hegemônicos à lógica do mercado e à concepção da democracia

liberal, aceitando-os como os únicos mecanismos sociais de regulação – se não no discurso,

mas na prática, incorporando a tese de Fukuyama do “fim da história” –, significa a vitória, na

“batalha das idéias” (Konder, 1994), da concepção de mundo burguesa forjada em torno do

consenso neoliberal. Consenso que, conforme evidenciado por Montaño (2005), expressa uma

profunda transformação no padrão de intervenção social, apontando para a mercantilização da

questão social, encarada como mais um setor do campo econômico – o terceiro setor –,

construído, dentre outros processos, na transformação de movimentos sociais e políticos

contra o Estado liberal-burguês em instituições sociais “parceiras” do Estado. Oposta a

abordagem gramsciana, observa-se nos defensores da prática política do Terceiro Setor um

distanciamento do Estado e uma aproximação da concepção de sociedade civil na perspectiva

de comunicação ou interação social255. Assim, se estabelece o processo de articulação e/ou

cooptação, daqueles grupos, classes e frações de classes contra-hegemônicos. Exemplos desta

natureza não faltam no campo da educação, mas apresenta uma visibilidade ainda maior nas

ONGs que, em todo Brasil, desenvolvem ações voltadas para projetos de EJA.

Essa concepção de uma sociedade civil interessada no bem comum, sem

contradições de classe, onde todos são chamados a exercer sua responsabilidade social, vai ao

255 É importante assinalar que os fundamentos teóricos dessa concepção de sociedade civil encontram-se principalmente na obra Teoria da ação comunicativa (Habermas, 1987). Fugiria aos objetivos deste trabalho reconstituir a concepção habermasiana segundo a qual a centralidade tansferiu-se da esfera do trabalho para a esfera da ação comunicativa, esfera na qual se realiza a pacificação dos conflitos sociais. Conforme analisado por Frigotto (1998) “tanto na avaliação de Anderson [1985] como na de Francisco de Oliveira (1993), Habermas abre mão da questão da centralidade do trabalho, porque, em sua perspectiva, necessita ‘abrir mão’ da categoria de classe social e da categoria conflito social” (p. 31).

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encontro da hegemonia do capital, visto que consegue direcionar grande parte das

insatisfações da classe trabalhadora para o trabalho voluntário e paliativo. Como

demonstramos na análise do conjunto das fontes consultadas – tanto nos programas federais

voltados para o público da EJA, quanto nos ENEJAs, e em variadas pesquisas apresentadas na

Anped (principalmente nos GTs 6 e 18), – que conceitos como cidadania, participação,

direito, representação, entre outros, foram ressignificados de forma a distanciá-los de uma

interpretação conflituosa das relações sociais.

Assim sendo, a noção de cidadania associa-se à nova forma de gestão da questão

social, que apela para a solidariedade aos pobres, a participação em trabalhos voluntários,

filantrópicos ou comunitários, estimulando o exercício do “protagonismo” denominado social

ou juvenil (quando direcionado especificamente a esse segmento da classe trabalhadora).

Desse modo, seja aproximando-a de caridade e filantropia, seja tratando-a sob o prisma da

gestão técnica, a cidadania é retirada do campo da política – portanto, do campo do público

(do debate sobre igualdade e direitos universais) – e reposta na arena dos “em situação de

risco social”, dos “carentes”, daqueles a quem devem ser direcionadas, emergencialmente,

políticas formuladas e executadas pela solidariedade/caridade pública ou privada, e para as

quais a sociedade civil é convocada a participar de forma ativa e propositiva, em nome da

cidadania, distribuindo serviços e benefícios, ao invés de direitos.

Tal ressignificação encontra-se em sintonia com a concepção de sociedade civil

apresentada pelo projeto político da terceira via256 (Giddens, 1996; 2001), concebida como o

locus privilegiado para corrigir tanto o suposto gigantismo e a ineficiência do Estado, quanto

capaz de exercer a função de controle da avidez do mercado. Ou seja, a sociedade civil como

um espaço asséptico, fora da sujeição do Estado e do mercado, identificada como terceiro

setor, passando a ser a esfera responsável pelas ações que não pertencem ao núcleo estratégico

do Estado, torna-se uma esfera privada dedicada ao interesse público, que constitui o universo

denominado de público não-estatal. As organizações pertencentes a este universo são

acompanhadas pelo discurso de que, ao contrário do Estado, elas seriam rápidas, flexíveis e

inovadoras; além de, supostamente estarem mais próximas e sensíveis à realidade das

comunidades, atendendo-as com mais economia e eficiência. Portanto, forja-se uma “nova

hegemonia”, que não altera as relações de produção capitalistas (Neves, 2005), retrai os

256 O mercado é tido como o espaço da livre concorrência e da livre iniciativa, o Estado é o responsável pelo contrato social, e a sociedade civil é tida como espaço de ajuda mútua e da responsabilidade social, composto por um somatório de indivíduos e grupos diversos. Ou seja, a sociedade civil apresentada pela “Terceira Via” é tida como esfera não estatal, situada entre o Estado e o mercado, com ações direcionadas para o “interesse público”.

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direitos sociais e estimula que as questões sociais, antes a cargo do Estado, passem a ficar sob

a égide das associações localizadas na sociedade civil.

Outra ressignificação importante é quanto ao conceito de participação. A ênfase

posta na questão da participação limita-se à perspectiva individual. Assim, no quadro de

retração dos direitos dos anos 1990, o Governo Federal conclamou a participação da

sociedade civil – a soma de indivíduos protagonistas –, mas não dos movimentos sociais, para

a ordenação de políticas sociais. No campo da EJA este processo se materializou nos

Programas Comunidade Solidária e Alfabetização Solidária, que seguiram uma linha de ação

de caráter pontual e caritativo no combate à pobreza, cujo sentido mobilizador envolvia a

participação em parcerias com empresas e trabalho voluntário. Uma participação calcada em

uma “solidariedade” de perspectiva privatista e assistencialista, que enfatiza formas

particularistas e individualizadas de tratamento da desigualdade social, incapaz de questionar

a realidade que a produz.

Outro aspecto profundamente ressignificado foi o conceito de direito social, que rege

a prestação universalizada de um serviço. A política social é reformada no sentido de

substituir os direitos universais por uma focalização das ações no campo social, afiançados

nos critérios de “elegibilidade” do público que será atendido e no tipo e no conteúdo do

serviço. Entre as iniciativas que exemplificam a substituição do direito pela focalização, o

ProJovem é, ultimamente, um dos melhores exemplos, vejamos:

Art. 1º O ProJovem é um programa emergencial, concebido como de Educação Integral [...], destinado a executar ações educacionais articuladas, que propiciem aos jovens brasileiros, tanto a elevação de seu nível de escolaridade, objetivando a conclusão do Ensino Fundamental, quanto sua Qualificação Profissional inicial para o trabalho, com vistas a estimular sua inserção produtiva e cidadã, bem como o desenvolvimento de ações comunitárias de exercício da cidadania, com práticas de solidariedade e de intervenção na realidade local. Art. 2º O ProJovem destina-se a jovens com idade entre dezoito e vinte e quatro anos, que atendam, cumulativamente, aos seguintes requisitos: I – tenham cursado, no mínimo, a 4ª série do Ensino Fundamental ou realizado estudos equivalentes, mas ainda não tenham concluído seus estudos no nível do Ensino Fundamental; e II – não tenham vínculo empregatício formal257.

Em moldes semelhantes, percebemos também a alteração no sentido do termo

representatividade. Em seu sentido clássico, a representação referia-se à capacidade de

mobilização/participação expressa em iniciativas organizadas, como: manifestação, marcha,

protesto, ocupação etc. Atualmente, a representatividade tem sido vista pela competência

técnica e reconhecimento público que as instituições possuem. Assim, a sociedade civil passa

257 Resolução CNE/CEB nº 3/2006. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rceb03_06.pdf> Acesso em: 10 jan. 2008.

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250

a ser vista como um conjunto de interlocutores representativos tão somente na medida em que

detenham um conhecimento específico que provém da experiência ou do vínculo com

determinados segmentos sociais – negros, indígenas, jovens infratores, mães adolescentes etc.

Portadoras de um know how específico, ONGs, empresas e outras organizações sociais

passam a se ver como “representantes” da sociedade civil, num entendimento que despolitiza

a representatividade e coloca no seu lugar referenciais como eficácia e eficiência junto ao

“seu” público-alvo. Um exemplo recente foi o critério estabelecido para ser uma Unidade

Gestora do Projeto Escola de Fábrica e receber recursos financeiros, segundo o Art. 6º da Lei

n. 11.180/2005:

Poderá ser unidade gestora qualquer órgão ou entidade da administração pública direta ou indireta, autárquica ou fundacional, empresa pública ou sociedade de economia mista, de qualquer esfera de governo, inclusive instituição oficial de educação profissional e tecnológica, ou entidade privada sem fins lucrativos, que possua comprovada experiência em gestão de projetos educacionais ou em gestão de projetos sociais. (grifo nosso)

Uma das conseqüências é a redefinição da participação e da cidadania, conforme já

sinalizado, para um conteúdo individualista e despolitizado. No que se refere à participação,

destaca-se que grande parte das parcerias tem constituído, sobretudo, mais uma forma de

transferência de responsabilidade do Estado para a sociedade civil. Nessa concepção de

parceria, as organizações da sociedade civil não passam de meras executoras de serviços

públicos. Assim, por exemplo, quando abertos espaços à participação da sociedade civil nas

políticas educacionais, essas se revelam, na verdade, abertas à execução e gestão de tais

políticas, ou seja, a sociedade civil passa a assumir a prestação de serviços à população258. De

fato, cria-se um mercado competitivo dos serviços sociais; uma mercantilização da questão

social.

Conforme assinalado por Kuenzer (2006), no caso da educação profissional as

instituições públicas e privadas transformaram-se, a partir do Decreto 2.208/97, em um

verdadeiro “balcão de negócios” onde se estimulava a disputa de recursos públicos, em

especial do FAT, a serem repassados para a execução, por parte de entidades da sociedade

civil, do “produto” formação profissional. Merece destaque, como expressão desta lógica, o

desenvolvimento do Planfor no Governo Fernando Henrique Cardoso. Sua principal

conseqüência foi a desintegração da formação profissional e a desvinculação entre formação

para o trabalho e elevação dos níveis formais de escolaridade.

Neste gelatinoso, escorregadio e fragmentado terreno são concebidas as políticas de

258 Sobre esta questão ver as análises empreendidas por Rummert (2005, 2007a e 2007b).

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251

educação básica e profissional de jovens e adultos trabalhadores; executadas,

majoritariamente, por organizações do terceiro setor, que atenuam e/ou negam os conflitos de

classes e alimentam uma prática integradora e conciliadora das relações sociais. Nessa

perspectiva, “a educação precisa ser redefinida de forma a se concentrar nas capacidades que

os indivíduos poderão desenvolver ao longo da vida” (Giddens, 2001: 78).

Nas palavras de Montaño (2005), sob a lógica do terceiro setor os movimentos e

organizações “desenvolveriam uma prática ‘não-política’ [...], mas harmônica, integradora, de

parceria, visando ao bem comum, e não aos interesses de classe – assim, as ONGs ‘cidadãs’,

as empresas ‘cidadãs’ ou ‘participativas’, os indivíduos (cidadãos) solidários, o Estado

‘parceiro’”(p. 149).

Mesmo que não negue as questões de classe, o terceiro setor (e suas organizações)

dilui o conflito de classe, vendo-o como um entre tantos outros que permeiam a vida social,

fruto dos interesses divergentes dos diferentes grupos sociais – negros, mulheres, jovens,

classe, homossexuais etc. Em última análise, a questão de classe é entendida dentro dos

limites da concepção de mundo liberal-burguesa, que reduz classe a camada/estrato social ou

a pobres e ricos; em conseqüência, nega o antagonismo de classes como estruturante das

relações sociais nas sociedades capitalistas, naturaliza as desigualdades sociais e subestima a

possibilidade de uma outra sociedade para além do capitalismo.

Como contraponto à perspectiva acima, destacamos o ponto de vista de Hobsbawm

(2000: 37), com o qual concordamos, quando ressalta que classe é uma realidade histórica

vivida diretamente no capitalismo, embora possa ser percebida em outras realidades históricas

(sociedades pré-capitalistas), combinada com outras estratificações sociais como, por

exemplo, as relações de parentesco; também não deve ser apreendida como um dado fixo no

tempo e no espaço da produção capitalista, mas como uma relação social. Neste sentido, a

compreensão da questão de classe no processo histórico significa reconhecer as experiências

humanas como elementos fundamentais do processo de formação da classe social. Assim

sendo, podemos afirmar que classe é uma realidade dinâmica. Seguindo a mesma linha, para

Thompson (2004) a questão da experiência é central para a compreensão da classe a partir da

dinâmica das relações sociais como um fenômeno histórico. Assinala este autor: “a classe é

uma relação, e não uma coisa” (p.11), e “a relação precisa estar sempre encarnada em pessoas

e contextos reais” (p.10); portanto, “a classe é definida pelos homens enquanto vivem sua

própria história e, ao final, esta é sua única definição.” (p.12).

Como ficou demonstrado ao longo deste trabalho, ao fazermos referência à classe

trabalhadora e à educação de jovens e adultos trabalhadores, no que tange à vertente de

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252

escolarização, a uma educação da classe trabalhadora, ao contrário de qualquer “reducionismo

economicista” estávamos nos referindo, conforme em diferentes passagens procuramos deixar

claro, à expressiva parcela da população que, mesmo possuindo as mais diversas e diferentes

experiências de vida (mulheres, negros, homossexuais, jovens etc.), tem a existência marcada

por situações adversas, por vezes aviltantes, de produção da própria sobrevivência,

sujeitando-se à venda (ou pior, à agonia da procura por um trabalho que não existe259), em

condições cada vez mais precárias (dissimuladas ou não), de sua força de trabalho. Portanto,

para além das fragmentações e diferenças de toda espécie, reais ou imaginárias, existe uma

realidade dinâmica e contraditória que perpassa dialeticamente esses grupos sociais e tem a

potencialidade de uni-los: a condição de ter que produzir a sua própria existência, ou seja,

viver do seu próprio trabalho (Antunes, 2000).

Defendemos que resgatar a perspectiva de classe trabalhadora à Educação de Jovens

e Adultos não significa ser anacrônico ou uniformizador, mas aprimorar o foco da crítica,

reconhecendo que, mais a fundo da crítica ao neoliberalismo, há uma posição contrária ao

capitalismo – “núcleo duro” das relações sociais vigentes. E, conforme já assinalado, apesar

do desinteresse do capitalismo pelas identidades das pessoas que explora, ele tem a

capacidade de usar as identidades extra-econômicas em beneficio próprio, tanto criando

nichos de mercado por subclasses, quanto mascarando sua tendência estruturante de

expropriações diversas. Conforme explicitado por Wood (2003),

[...] a indiferença estrutural do capitalismo pelas identidades sociais das pessoas que explora torna-o capaz de prescindir das desigualdades e opressões extra-econômicas. Isso quer dizer que, embora o capitalismo não seja capaz de garantir a emancipação da opressão de gênero ou raça, a conquista dessa emancipação também não garante a erradicação do capitalismo. Ao mesmo tempo, essa mesma indiferença pelas identidades extra-econômicas torna particularmente eficaz e flexível o seu uso como cobertura ideológica pelo capitalismo. Enquanto nas sociedades pré-capitalistas as identidades extra-econômicas acentuavam as relações de exploração, no capitalismo elas geralmente servem para obscurecer o principal modo de opressão que lhe é específico. (p. 241)

Cabe ainda assinalar que a realidade dinâmica e contraditória que expressa a

condição de classe daqueles que vivem do seu próprio trabalho é o elemento estruturante de

todo o processo educativo nas sociedades capitalistas. O processo torna-se mais dramático

quando se fala em Educação de Jovens e Adultos nos países periféricos (Arrighi, 1997).

Basicamente, a EJA tem sido uma educação limitada a suprir um déficit escolar acentuado de

uma massa de mulheres, homens, negros etc. que sobrevivem do seu próprio trabalho;

portanto, é a classe trabalhadora, com as suas mais diversas identidades, o grande público da

259 Ver Forrester (1997).

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253

EJA. Desse modo, apesar do corte geracional, a EJA nesses países refere-se, mais do que à

faixa etária (jovens e adultos, ou seja, "não-crianças"), a uma luta, daqueles que vivem do

trabalho, pelo direito à educação. Nesse sentido, não se refere a qualquer jovem ou adulto,

mas delimita um determinado grupo de pessoas, relativamente homogêneo, que vivenciam

variadas situações de produção da existência na sociedade contemporânea, mas todas elas

ligadas, no mundo do trabalho, à execução de trabalho simples.

À luz da materialidade histórica do capitalismo atual, retomaremos a análise de

questões específicas sobre as concepções de EJA na contemporaneidade, envolvendo os

elementos ideológicos e os referenciais teóricos que sustentam as reivindicações sociais e

políticas dos encontros nacionais dos Fóruns de EJA, os ENEJAs; alguns aspectos das

concepções de mundo, revelados nos objetos de estudo e nas matrizes teórico-metodológicas

que perpassam os trabalhos científicos sobre EJA apresentados na ANPEd; algumas

influências dos organismos internacionais, dos movimentos sociais e das diretrizes teórico-

práticas nas políticas de educação básica e profissional dos trabalhadores implantadas pelo

governo federal.

Aqui o método de exposição segue a ordem de apresentação das questões no

parágrafo anterior, invertendo o caminho expositivo até então norteador da tese. O objetivo

perseguido é explicitar que as ações governamentais fazem eco às alternativas forjadas no

embate teórico-ideológico desenrolado no interior da sociedade civil entre os intelectuais

orgânicos do capital e do trabalho, mantendo as bases do modelo socioeconômico, tal como se

materializam, atualmente, na relação entre a crise da educação e as profundas transformações

do capitalismo no final do século XX. As reformas educacionais consolidaram a fórmula

elaborada pelo capital, que estabeleceu e tornou legítimo o conteúdo dos problemas

educacionais e a forma que as respostas a tais problemas deveriam ter. Nosso método de

exposição respeita a história desse processo, ao demonstrar que o conteúdo e a forma eram,

antes de se tornar lei, consenso em diversas instâncias da sociedade civil: a hegemonia nada

mais é do que legitimar socialmente soluções com pressupostos semelhantes para problemas

diversos, buscando universalizar a concepção dominante como expressão universal das

aspirações da totalidade social.

A formação, a organização interna e a atuação política do ENEJA são crivadas de

contradições. Formado pelas mais diversas instituições, que envolvem desde representações

empresariais a entidades governamentais das mais diferentes esferas, construiu uma

identidade própria muito particular, situada entre o público e o privado, entre o Estado e a

sociedade, entre a crítica e a colaboração, entre a conciliação e o enfrentamento etc., o que

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254

limita a sua unidade de ação; por exemplo, ao mesmo tempo que é espaço de reflexão e de

crítica às ações governamentais, exerce um papel que funde o diálogo às funções de

conselheiro e assessor do governo federal.

Mas sua natureza nebulosa não nos impede de reconhecer os avanços. Por exemplo,

ao assumir o papel de resistência, desempenhado fundamentalmente pelos Fóruns estaduais,

diante do esvaziamento e do refluxo da EJA no final da década de 1990 – particularmente

pela ausência do MEC na condução de uma política de âmbito nacional. E, conseqüência

disso, tornando-se na atualidade um locus permanente e importante de reflexão, de articulação

e de defesa da EJA no Brasil.

A particular identidade forjada pelos ENEJAs e a ambigüidade da sua atuação

política estão intimamente associadas aos seus referenciais teórico, ideológico, social e

político. A adoção do referencial do terceiro setor, da identificação político-ideológico com os

novos movimentos sociais e, conseqüentemente, da priorização do respeito à

diversidade/pluralidade em detrimento da universalidade/unidade nas propostas políticas e nas

ações práticas, expressam os limites da atuação política dos ENEJAs. Isso se evidencia, por

exemplo, pelo fato de que ao abandonarem ou desconsiderarem o referencial teórico-prático

de luta de classes, pouco avançam na defesa da possibilidade de que sejam abolidas (apesar de

as reconhecerem) as desigualdades sociais. Grosso modo, confundem classe social com

camada social ao justaporem, sem críticas, as questões ligadas ao respeito à diversidade e à

defesa dos direitos das minorias e a teorização da hierarquia social elaborada pelo pensamento

liberal-burguês, que enquadra o indivíduo em uma determinada posição na pirâmide social

com base nos critérios de renda e consumo. Sendo assim, ao se voltarem sobretudo para a

aceitação, em nível individual (sujeitos) ou grupal (minorias), da pluralidade e da diversidade

(gêneros, culturas etc.), estão, se não colaborando, pelo menos não questionando, em última

instância, a hegemonia capitalista.

A partir do estudo das fontes relativas aos ENEJAs (os relatórios) bem como do

acompanhamento dos Encontros, constatamos que a ação política de viés participativo do

ENEJA, característico dos novos movimentos sociais, busca soluções para os problemas

estruturais da EJA por meio de uma atuação conjunta dos diversos setores e segmentos da

sociedade brasileira. Estratégia que, ao negar o caráter estruturante da luta de classes nas

sociedades capitalistas contemporâneas, contribui, no mínimo pela omissão, para a hegemonia

do capital no quadro específico da EJA e no quadro geral da educação brasileira.

No caso da EJA, a ação política de viés participativo, típica dos novos movimentos

sociais, permite a utilização do espaço dos Fóruns e dos ENEJAs para a divulgação e a

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255

abertura de canais de influência (mecanismos de convencimento) para as noções, conceitos e

soluções educacionais elaboradas pelo capital e vinculadas aos seus interesses – “educação ao

longo da vida”, “competências”, “polivalência”, “habilidades” etc. –, representados por

instituições que possuem forte poder no quadro da correlação de forças, seja porque financiam

os eventos e/ou porque possuem um corpo burocrático altamente organizado e orgânico, e

tecnicamente preparado para divulgar os conceitos e categorias que atendam aos seus desejos

econômico-culturais. O Sistema S é um exemplo clássico.

A ação política de viés participativo está na própria gênese do ENEJA e é uma das

marcas da sua identidade, confirmada conscientemente por seus membros. De acordo com

seus documentos, ele se constitui como um espaço de avaliação e proposição de políticas para

EJA. Neste sentido, afirma-se que o ENEJA “não é um espaço de formação restrito [...].

Concretiza uma rede de sujeitos e instituições interessados na área [...] que se articula para

ampliar o campo da EJA, suas concepções, práticas e políticas” (ENEJA, 2005: 2).

O viés participativo é responsável também, em grande parte, pelo ponto de maior

tensão presente nos documentos e nos debates em relação à identidade do ENEJA: sua

definição como movimento social. Questão tão significativa que foi discutida no sétimo e no

oitavo Encontros, como atesta o Relatório-Síntese do VIII ENEJA:

O documento do VII ENEJA, ao pautar o sentido dos fóruns retoma a idéia de que ‘os fóruns de EJA, como movimento social, caracterizam-se pela diversidade na forma como vêm se constituindo e pela capacidade de mobilização com que se têm instalado, alcançando, atualmente, todo o território nacional’. No entanto, as diferentes leituras sobre a questão apontam para o reconhecimento de que se está em movimento, participa-se do movimento em defesa da escola pública, mas é preciso aprofundar a questão: somos ou queremos ser um movimento social? Para alguns fóruns locais não constituímos movimento social, necessitando aprofundar a discussão em nível local. (ENEJA, 2006: 3, grifo do autor)

Em outras palavras, o próprio ENEJA não tem clareza sobre o que ele é enquanto

instituição social, inclusive porque definir-se enquanto movimento social impõe riscos, como

o de ter que delimitar os objetivos do movimento. Por exemplo, em um “movimento de defesa

da escola pública” como se colocam as ONGs, as instituições privadas, as empresas e os

representantes do interesses do capital? Como se posicionam os representantes dos setores

públicos, já que são eles, teoricamente, os responsáveis diretos pela garantia da educação

pública de qualidade?

Em síntese, ao acreditar na boa vontade e no diálogo com todos e qualquer um,

independente da filiação e dos interesses de classes, a estratégia de ação participativa dos

ENEJAs (marca fundamental da sua identidade) aceita, sem ressalvas, as parcerias com

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256

organismos internacionais, empresas multinacionais, instituições empresariais nacionais de

caráter educacional, particularmente no que se refere ao financiamento dos eventos. As

estreitas vinculações dessas instituições e organismos com os interesses imediatos e mediatos

do capital permitem, pelo seu poder econômico, técnico-organizacional e intelectual,

influenciar as decisões e os rumos dos ENEJAs; se não no sentido de associar-se intimamente

aos interesses do capital, pelo menos ao tornar-se um instrumento de ressonância de

conceitos, noções e políticas que, estruturalmente, contribuem para legitimar e naturalizar o

quadro educacional que melhor responde ao lugar dependente e subordinado que o país ocupa

no quadro mundial.

Concomitante à questão da identidade do ENEJA está a discussão sobre a identidade

dos próprios Fóruns. É justamente este aspecto que é avaliado por Machado (2007) na palestra

de abertura do último Encontro realizado até o momento (IX ENEJA), ao problematizar as

fragilidades dos Fóruns e os atuais desafios a serem enfrentados:

Qual papel de cada instituição/entidade/movimento na EJA, mais especificamente, por exemplo, quem deve ser efetivamente o principal executor da oferta de escolaridade para jovens e adultos, num contexto em que temos, por exemplo, uma super oferta de ações de alfabetização feitas por estados, municípios, ONGs, movimentos sindicais. Movimentos populares, empresas [...] todos com possibilidade de financiamento do governo federal, pelo menos nos últimos cinco anos, via Programa Brasil Alfabetizado, todavia não ampliamos a matrícula no primeiro segmento da EJA, como comprovam os dados do Censo Escolar do INEP 2003-2006. (p. 8, grifo nosso)

Sob o princípio aglutinador de “uma rede de sujeitos e instituições interessados na área”, a

autora chama a atenção para a dispersão das ações associadas a interesses financeiros e

políticos de diferentes setores que atuam na EJA, membros efetivos ou potenciais dos Fóruns,

enfatizando a necessidade de definição do papel das entidades. Nesse sentido, o viés

participativo pode ser usado para dissimular interesses privados em detrimento do interesse

público.

Concordamos também com Machado (2007) quando assinala a necessidade de se

questionar “em que medida ainda mantemos Fóruns tutelados a um segmento específico ou,

ainda pior, a pessoas? [...] O que temos feito para democratizar o acesso, em especial de

educadores e educandos, sujeitos fundamentais da EJA, a esta forma de construção coletiva?”

(p. 8). Assim, alerta para a possibilidade de alguns Fóruns (conseqüentemente, o próprio

ENEJA), potencialmente, significarem para alguns um espaço para a realização de interesses

individuais, como a disputa por legitimidade social e/ou monopólio do protagonismo no

cenário político estadual e nacional, facilitando, por exemplo, o acesso a financiamentos para

a área. O até aqui exposto permite que nossa análise evidencie um certo tipo particular de

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257

patrimonialismo260, bem como a tutela exercida por alguns segmentos. Tais aspectos

constituem problemas reais que exigem um aprofundamento maior visando a introduzir um

necessário tensionamento nas discussões acerca da identidade dos Fóruns e do próprio

ENEJA.

De forma correlata, a temática da diversidade na EJA ocupa um espaço dominante

nos ENEJAs, indicando que esta é uma das temáticas principais para a maioria dos Fóruns. A

perspectiva que norteia a visão dos ENEJAs sobre a questão é a de que se deve considerar, de

forma prioritária, a diversidade étnico-racial, regional, de gênero, geracional etc. Essa

perspectiva quanto à identidade dos alunos da EJA se expressa em afirmações como:

[...] de que forma o recorte etário – jovens e adultos – e o nível de escolaridade impunham pensar jovens negros, jovens indígenas, trabalhadores adultos do campo, pescadores artesanais jovens e adultos, desempregados jovens desescolarizados, adultos sem emprego formal porque desescolarizados etc. Apesar das conquistas de formas de pensar a diversidade, atravessando grupos sociais específicos, estes não conseguem impregnar e reorientar o fazer pedagógico das escolas, mantendo-se isolados, uns e outras. (ENEJA, 2006: 1, grifo nosso)

Nesta perspectiva, a questão de classe desaparece ou é estilhaçada em sujeitos

abstratos. No debate sobre os sujeitos da EJA, apesar de reconhecerem as condições às quais

estão submetidos (expressas na ampliação da jornada de trabalho, na precarização e na

terceirização), docentes e discentes são identificados de forma vaga, sujeitos ou pessoas

jovens e adultos professores e sujeitos ou pessoas jovens e adultos alunos, sem nenhum

vínculo material que os identifique e nenhuma concepção cultural-ideológica que os una. Em

outras palavras, é privilegiado o que distingue e individualiza, obscurecendo-se assim a

gênese da negação do direito: a origem de classe.

Um exemplo importante no âmbito do debate acerca da fragmentação da discussão

sobre a identidade dos sujeitos da EJA é um trecho do Relatório-Síntese do VII ENEJA, que

aborda a formação e valorização profissional. Ele destaca que a formação docente

Inicial e continuada, requer agências formadoras qualificadas, que contemplem concepções de formação educativa para sujeitos professores, também jovens e adultos, cuja prática profissional volta-se para o trabalho com outros sujeitos jovens e adultos, idosos, empregados, desempregados, trabalhadores informais, homens, mulheres, adolescentes, não-alfabetizados, não-escolarizados, pessoas com necessidades educativas especiais. A pergunta fundamental ainda permanece: quem é o educador de jovens e adultos? [...] Ao lado da formação, persiste o desafio da valorização profissional de educadores de EJA, não contemplados por concursos públicos específicos, e freqüentemente submetidos a contratos precários, salários e

260 O termo patrimonialismo tem sua matriz teórica nos trabalhos de Max Weber e foi utilizado para caracterizar uma forma específica de política em que a administração pública é exercida como patrimônio privado. A idéia principal é a utilização de espaços coletivos para interesses particulares. Sobre o patrimonialismo “brasileiro” destacam-se as análises de Raymundo Faoro (1987) e Sérgio Buarque de Holanda (2002).

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258

condições de trabalho inadequados. Ainda mais vulneráveis encontram-se os educadores engajados em programas socioeducativos de curta duração, sem vínculo empregatício, que percebem tão somente ajuda de custo. (ENEJA, 2006, grifo nosso)

Portanto, depreende-se da análise do conjunto dos relatórios dos ENEJAs que a

adoção do referencial do terceiro setor, a orientação político-ideológica dos “novos” novos

movimentos sociais, a priorização do respeito à diversidade, filiadas ao ponto de vista da

terceira via, contribuem para uma adesão naturalizada e a-histórica de termos e noções

advindas dos organismos internacionais (UNESCO e Banco Mundial): sociedade do

conhecimento, eqüidade, inclusão, empreendedorismo. Termos que, ao serem incorporados

sem a problematização de sua lógica, ocultam, sob um aparente consenso, perspectivas

específicas sobre o papel da escola e a função da educação, em cada nação, para a

construção/manutenção da hegemonia do capital em nível mundial. Nesse sentido, tais noções

e conceitos fazem parte da receita das instituições bilaterais para solucionar a crise social e

econômica vividas pelos países da semiperiferia do capitalismo.

Quanto à produção acadêmica referente à EJA no período de 1995 a 2006,

apresentada nos três grupos de trabalho da ANPEd – Trabalho e Educação (GT 9), Educação

Popular (GT 6) e Educação de Pessoas Jovens e Adultas (GT 18) –, consideramos pertinente

iniciar nossa análise a partir de algumas características já apontadas em estudos anteriores e

que percebemos permanecerem atuais261. Assim, continuam presentes as seguintes

características: 1) a maioria das pesquisas desenvolve estudos de caso e sistematizações de

experiências de abrangência reduzida; 2) poucos são os estudos sobre financiamento; e 3) são

poucos os estudos sobre a EJA tal como ocorre nas redes públicas de ensino.

Além disso, as pesquisas reafirmam um dilema que a EJA não consegue superar:

[...] o de pretender dar garantias de um direito que foi negado a estes alunos, que é a escolarização básica, mas, ao mesmo tempo, levantar uma grande expectativa nos alunos que freqüentam os cursos quanto às mudanças que eles esperam no seu cotidiano, principalmente na sua realidade profissional, quando isto não depende apenas da escola. Há ganhos para quem está vivenciando a experiência de voltar para a escola depois de adulto, mas há também decepções, por esta escola não corresponder a tudo o que se espera dela. Por outro lado, há na trajetória histórica da EJA um desvio nos seus objetivos maiores, quando esta passa a ser uma simples repassadora de certificados de conclusão de níveis de ensino. (Machado, 2002: 51)

261 A EJA foi objeto de dois estudos do tipo estado da arte: O Ensino supletivo no Brasil: o estado da arte (1971-1985). Brasília: INEP/REDUC, 1987 e Educação de Jovens e Adultos no Brasil (1986-1998). Brasília: MEC/INEP/Comped, 2002, ambos organizados por Sérgio Haddad. Estas publicações apresentam o resultado do levantamento das pesquisas sobre a EJA na “produção acadêmica discente dos programas nacionais de pós-graduação stricto sensu em educação, expressa em teses de doutoramento e dissertações de mestrado” (Haddad, 2002: 9). Verifica-se que algumas das conclusões levantadas nesses estudos, particularmente no último, permanecem atuais.

Page 259: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

259

Quanto à pesquisa em EJA, chama a atenção que:

O conjunto das pesquisas [...] que concentram suas discussões na relação escola/trabalho sob a ótica dos alunos – revela muitas contradições. Este fato nos parece indicar uma necessidade de aprofundamento maior dos princípios que norteiam ambas as práticas sociais, a educação e o trabalho, a fim de compreender a interseção necessária de ambas nesta modalidade de ensino. Isto nos remete a uma aproximação maior entre EJA e as pesquisas sobre o ensino médio e profissionalizante que vêm sendo realizadas no Brasil. (idem, p.54)

A atuação dos três GTs apresenta, ao mesmo tempo, pontos fortes e pontos fracos ao

estudarem a EJA. De uma forma geral, no que tange a lacunas, observamos a ausência: 1) de

análises críticas sobre a atuação das ONGs na EJA pós-regime autoritário civil-militar; 2) de

estudos relativos às influências dos organismos internacionais e à repercussão desta influência

nas estratégias do MEC para o atendimento da demanda por EJA; e 3) de trabalhos históricos

que sistematizem modelos ou tipologias da educação de adultos no Brasil e seus pressupostos

teórico-filosóficos.

No GT 9, os trabalhadores pouco escolarizados – a ampla maioria dos trabalhadores

brasileiros –, enquanto público potencial e/ou real da EJA e portador do direito à educação,

raramente são temas de estudo. Mas, ao se metamorfosearem em clientela das ações do

governo (principalmente do Planfor) voltadas para a educação profissional de nível básico,

formação inicial e continuada de trabalhadores destinada àqueles sem escolaridade prévia,

esta fração da classe trabalhadora brasileira, sob outro viés – crítica às políticas do Estado –,

toma visibilidade, aparecendo em diversos trabalhos de pesquisa apresentados no GT.

Conforme demonstramos no quarto capítulo, o GT 9 dialoga pouco com a educação

básica262, exclui as pesquisas sobre o Ensino Fundamental e, de um modo geral, discute o

Ensino Médio predominantemente associado à educação de nível técnico e/ou às escolas

técnicas – os dois temas privilegiados quando é focalizada a escolarização.

Como corolário desta afirmação, esta tendência se mantém na EJA enquanto

modalidade de ensino dos níveis fundamental e médio, mas não enquanto ação e processo

educativo direcionado aos jovens e adultos trabalhadores. Pois a maioria dos trabalhos

pertencentes ao GT 9 estuda a educação profissional de nível básico, mas sem caracterizá-la

como um mecanismo de substituição do direito à escolarização formal, ao instrumentalizar os

262 É preciso considerar o que assinala Maia (2006): “[...] para os ‘educadores críticos’ tratar das Escolas Técnicas não significa distanciamento da Educação Básica, do Ensino Médio, por exemplo, mesmo porque um princípio teórico-político muito presente é a luta pela Escola Integral, pelo Ensino Médio Integrado (cf. Frigotto; Ciavatta; Ramos, 2005). Não obstante, chama a atenção na leitura do texto do GTTE que haja tão poucos trabalhos que tratem das demandas, especificidades da Educação Básica, ou das influências do mundo do trabalho sobre ela” (p.123).

Page 260: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

260

saberes da escola para atender aos pré-requisitos do adestramento do trabalhador e/ou por se

reduzir a um precário sistema de certificação para funções de baixíssima complexidade; de

qualquer forma, sem respeitar as especificidades dessa modalidade de ensino.

O GT 9 entende a EJA como modalidade de ensino, mas não identifica a educação

profissional de nível básico como um processo educacional também relacionado à EJA e,

como decorrência desta apreensão, possivelmente acaba submetido ao senso comum do

governo, que em 1996 com a promulgação da atual LDBEN, estabeleceu duas modalidades

distintas: a Educação Profissional e a EJA. Todavia, caberia questionar: por que o GT 9, ao

longo de sua história, preteriu/secundarizou a EJA?

Esta não é uma resposta de fácil apreensão, e tentaremos nos aproximar de uma

possível resposta apontando duas reflexões. A nosso ver, primeiramente é importante salientar

que determinadas temáticas estão tradicionalmente associadas a determinados referenciais

teóricos; por isso, muitos dos pesquisadores que não comungam dos mesmos referenciais

acabam também relegando o tema a segundo plano. Neste sentido, pode-se considerar o fato

de que o GT 9 preteriu a EJA por associar o tema a outros referenciais teóricos que não o

marxista. Outro aspecto a destacar, complementar ao anterior, refere-se à concepção de EJA

que este GT naturalizou, muito próxima da noção de suplência. Ao negar esta concepção de

educação (suplência/reposição), afasta-se da EJA. Talvez este seja um dos motivos que levam

o GT Trabalho e Educação, conforme demonstramos no capítulo anterior, a não discutir a

especificidade da EJA, nem enquanto educação básica, nem enquanto modalidade de ensino

específico. Por fim, convém relembrar e ressaltar a crítica de Kuenzer (1998): “Até que ponto

a produção do GT tem, de fato, contribuído para o enfrentamento das questões concretas

relativas à educação dos trabalhadores, ultrapassando o discurso generalizante, que termina

por constituir-se contemplativo?” (p.71).

Em relação ao Grupo de Trabalho Educação Popular, o GT 6, conforme

demonstramos anteriormente, a escolarização não é um tema sobre o qual se debruça.

Conseqüentemente, o acesso de todos à escola pública como a materialização do direito à

educação não parece ser considerado uma questão à qual o GT se dedica; os trabalhos que têm

a EJA como tema, abordam majoritariamente espaços não-escolares como objeto de análise.

Devido ao caráter originalmente militante e engajado sob forte influência da obra de Paulo

Freire (que não assumiu como prioritária a defesa da escola pública), a EJA que interessa ao

GT Educação Popular é aquela realizada fora da escola, pois há o entendimento de que esta é

uma instituição que regula e limita a ação de professores e alunos. Nesse sentido, a educação

popular não vê problemas, ou, pelo menos, não denuncia nem formula críticas à

Page 261: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

261

fragmentação, à dispersão e à baixa institucionalidade das ações de EJA ao serem executadas

por diferentes atores sociais.

Não por acaso o tema da escola pública parece ficar afastado da reflexão do GT 6.

Um argumento exemplar que representa seu tipo de pensamento sobre a escola pública é “se

queremos uma EJA emancipatória, dos jovens e adultos trabalhadores, populares, excluídos e

oprimidos, será a melhor alternativa enquadrá-la no sistema educacional que tende a ser mais

regulador?” (Arroyo, 2006: 21).

Com efeito, ao compararmos as análises realizadas pelo GT 6 na década de 1980

àquelas da década de 1990, apresentadas no capítulo anterior, percebemos uma progressiva

mudança de rumos: o surgimento de novos interesses, de novas abordagens metodológicas e

de novos temas de pesquisa. A direção tomada por este novo perfil alimentou um contínuo

abandono das análises sobre a EJA e um aprofundamento ainda maior da secundarização da

defesa da escolarização das classes populares, definidas como segmentos populacionais

marcados por discriminações, por diferentes formas de exclusão e marginalidade social.

Apesar da alegada negação de uma base teórica comum entre seus pesquisadores, nos

parece evidente que, num primeiro momento, a abordagem teórica era fortemente influenciada

por uma concepção de educação de vertente libertadora, crítica da educação bancária e

inspirada na “pedagogia do oprimido” de Paulo Freire, que defendia o locus privilegiado da

educação popular no âmbito dos movimentos sociais populares. Já num segundo momento, as

análises são marcadas por uma concepção de educação de respeito à diversidade, às

diferenças culturais, à pluralidade; o locus da educação popular é uma multiplicidade de

projetos culturais (diferencialismos) associados aos novos movimentos sociais.

Portanto, à medida que as análises sobre EJA caminhavam no sentido da

institucionalização – estreitamente vinculada à escolarização das classes populares –,

aumentava a distância temática e ideológica com a educação popular, que desde sempre

privilegiou em suas análises as experiências empreendidas no início da década de 1960

(perspectiva memorialista) e as experiências desenvolvidas nos espaços não-escolares

(perspectiva propositiva)263. O processo consolida-se com a criação de um Grupo de Estudos,

que logo depois se tornou GT de Educação de Pessoas Jovens e Adultas, institucionalizando o

afastamento no final da década de 1990.

O GT Educação de Pessoas Jovens e Adultas – GT 18 – focaliza exclusivamente o

tema da EJA; suas pesquisas preocupam-se em contribuir para a construção da EJA como

263 Conforme assinala Fleuri (1999: 2), citado no capítulo IV deste trabalho.

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262

política pública. No entanto, matrizes conceituais oriundas das agências internacionais –

dúbias em relação à defesa da escola pública e à EJA enquanto política pública – influenciam

os pesquisadores, e o referencial teórico deste GT adota conceitos e noções assentados em

acordos e declarações internacionais.

Tais conceitos imprimem, em vários trabalhos apresentados no GT 18, um discurso

de caráter híbrido, explicitado na proximidade, mesmo que não intencional, entre as ações

políticas de apologia à diversidade e à pluralidade, freqüentemente reivindicadas também nos

ENEJAs, e as ações e intencionalidades advindas da concepção de amenização da pobreza

absoluta para a segurança do mundo do capital – que, muitas vezes, se confundem e se

complementam. Nesse sentido, brechas são criadas no intuito de possibilitar a negociação

entre os grupos sociais antagônicos, sob a égide da diversidade e da pluralidade, permitindo

que se fortaleçam os mecanismos de convencimento e de legitimidade do capital, além de

esmaecer a luta pela transformação social (uma vez que a natureza do capital não pode

produzir igualdade) através da celebração de acordos (nacionais e internacionais) que

potencialmente proporcionariam melhorias nas condições de vida da população mais pobre e

da nossa economia, adequando-a aos interesses externos do capital dominante.

Chama a atenção que, apesar de suscetível à influência das proposições da educação

ao longo da vida e da diversidade dos sujeitos, estas questões não aparecem de forma direta e

explícita como temática de pesquisa, mas aparecem implicitamente como compreensão de

fundo e como pressuposto.

O GT 18 atribui ao conceito de eqüidade força teórica para explicar o lugar ocupado

pelos “diferentes”, pelas minorias na sociedade, ou seja, pela base da pirâmide social. Este

conceito, ao reafirmar as diferenças sociais, termina por justificar os distintos status sociais

como conseqüência dos méritos e singularidades pessoais; assim sendo, no fundo vigora a

competição entre indivíduos, que assegura o quanto cada um deve ter. Em outras palavras,

resolve-se parte dos problemas gerados pelas desigualdades sociais, se a estes grupos se

permitir o acesso diferenciado aos níveis mais elevados do sistema de ensino e estratégias

educativas específicas de respeito às suas diferenças: as oportunidades devem ser

democratizadas.

No que tange aos dois governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o estudo

desenvolvido nos permite afirmar que a política educacional voltada para a EJA, nos seus oito

anos de gestão, respondia aos preceitos dos organismos internacionais, especialmente do

Banco Mundial. A política para EJA neste período, coadunada com tais preceitos e

orientações, apoiou-se no tripé:

Page 263: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

263

1) desestímulo à implantação da EJA no sistema regular de ensino;

2) ação de combate à erradicação do analfabetismo, sob uma perspectiva pontual e

assistencialista; e

3) oferta de cursos de educação profissional de nível básico (independentes de

escolaridade prévia), sob a perspectiva de atender ao mercado de trabalho.

A análise do conjunto das fontes apresentadas no Capítulo III nos permitiu perceber

que a referência central de ação desse governo pautou-se na institucionalização da

participação da sociedade como parte do processo de reforma do Estado, o que é indicado, por

exemplo, em documentos do Banco Mundial, principalmente nos relatórios sobre o

desenvolvimento mundial O trabalhador e o processo de integração mundial (1995) e

reafirmado no O Estado num mundo em transformação (1997). Condução política sugerida

pelo Banco de “um Estado mais próximo do povo”, tendo em vista o ajustamento entre a

capacidade institucional do Estado e as suas ações. Nessa perspectiva, o Comunidade

Solidária foi uma importante referência, como apontado no documento apresentado em 1996,

Comunidade Solidária – Todos por Todos

A Comunidade Solidária é um novo modo de enfrentar pobreza e a exclusão social no Brasil buscando a participação de todos. O seu objetivo é mobilizar os esforços disponíveis no governo e na sociedade para melhorar a qualidade de vida dos segmentos mais pobres da população264. (grifo nosso)

Como conseqüência, a concepção de alfabetização se expressa em um programa de

curta duração, pautado na solidariedade de parceiros, indo ao encontro das orientações

estabelecidas pelos organismos internacionais quanto à descentralização das políticas de

Estado na prestação dos serviços sociais. Trata-se de uma instrumentalização das políticas

públicas para a EJA que busca suavizar os efeitos da pobreza sobre a ordem social,

alcançáveis através de intervenções focalizadas e compensatórias, destinadas a atender as

regiões mais pobres do país.

Sob a justificativa de que se estava ampliando os espaços de negociação e de

participação com vistas ao desenvolvimento social, as parcerias entre Estado e sociedade civil

foram disseminadas. É ilustrativo que das quatro áreas principais da política social do governo

FHC, conforme expresso no documento Por um Brasil mais Justo. Ação social do Governo,

duas se referissem às “ações focalizadas para combater a fome e os bolsões de pobreza; e

264 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/publi_04/colecao/comuni.htm> Acesso em: 4 fev. 2008.

Page 264: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

264

parceria com a sociedade civil”265. Não por acaso, o Programa Comunidade Solidária foi

fortalecido com muitos recursos nacionais e internacionais:

O Governo tem valorizado a parceria por meio do fortalecimento dos Conselhos e Grupos de Trabalho de composição mista Governo-sociedade civil. O Conselho do Programa Comunidade Solidária é um exemplo dessa parceria. O Governo está negociando com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) uma linha de crédito de US$ 150 milhões para financiar as ações de organizações sem fins lucrativos que desenvolvam programas de combate à miséria, em favor de crianças, de combate ao analfabetismo e de ajuda para aquisição e construção de moradias populares266.

Outro aspecto que merece destaque refere-se ao distanciamento do MEC na definição

e na implantação de políticas que garantissem a EJA nas redes públicas de ensino,

coadunando-se com as orientações dos organismos internacionais de se focalizar o acesso à

educação básica nas crianças. Considerando que o financiamento é imprescindível a qualquer

política, ao impedir o uso dos recursos do Fundef na EJA o Governo Federal, na prática,

desestimulou sua oferta nas escolas públicas, dificultando a elevação dos níveis de

escolaridade, via cursos regulares, ao longo dos dois governos Fernando Henrique Cardoso.

Portanto, através de uma perspectiva economicista e de um discurso que enfatizava a

necessidade de educar os trabalhadores para a construção de um país competitivo, foram

disseminadas, sob o viés neoliberal, as parcerias Estado-sociedade, que no âmbito da EJA

significaram a fragmentação e a dispersão das ações, e a ênfase em cursos profissionalizantes

de curta duração direcionados para a requalificação.

Tal processo conduziu ao protagonismo do MTE na oferta de uma formação

profissional inicial para atividades de baixíssima complexidade, executada por entidades da

sociedade civil financiadas pelo Estado (parceria Estado-sociedade) – ações de caráter

paliativo vinculadas aos preceitos de salvaguarda da paz social. As características dos cursos

– estanques, de curta duração, desarticulados com a educação básica, direcionados

preferencialmente aos setores da população em desvantagem social, visando a qualificação

para a competitividade do mercado de trabalho –, associadas ao baixo nível de escolarização

da população economicamente ativa no Brasil, expressam a dupla função dessas políticas

públicas: além de buscar aliviar os riscos sociais da extrema pobreza, pretendiam treinar os

trabalhadores para as mudanças no mercado de trabalho, sob o discurso de atuar também

como política de emprego, sem necessariamente elevar a escolaridade.

A estratégia de mobilização da sociedade e a materialização da sua participação

265 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/JUSTO.HTM> 266 Ibidem.

Page 265: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

265

através da parceria Estado-sociedade, significativamente disseminadas a partir de 1995, não

alteram a configuração de classes; interpretam problemas sociais, que são manifestações das

contradições entre capital e trabalho, como mau funcionamento da sociedade, resolvidos com

a participação de todos, não como sujeitos políticos, mas como agentes despolitizados que

desejam restabelecer a coesão social e garantir o bem comum.

No primeiro governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006), as políticas de EJA

implantadas pela União continuam a responder aos preceitos dos organismos internacionais,

muito embora sob outra perspectiva (passando de uma perspectiva economicista para um

discurso culturalista) e com alguns avanços pontuais importantes (maior visibilidade e

valorização da EJA no MEC e na política do governo federal como um todo), o que não

modificou substantivamente a lógica compensatória herdada dos governos anteriores.

O exame do conjunto das fontes apresentadas no Capítulo III nos permite afirmar que

a referência central da ação social deste governo, com ênfase na “inclusão social”267,

materializa-se nos mesmos mecanismos utilizados no governo anterior, uma vez que a

estratégia de viabilizar a “inclusão” se fundamenta em políticas sociais implantadas através de

parcerias com diversas entidades e movimentos sociais. “Inclusão social”, para este governo,

tem constituído sinônimo de ampliação do acesso à educação através da participação da

sociedade (entendida no mesmo sentido dos governos Fernando Henrique Cardoso) em

parceria com o Estado, concretizada pelo trabalho voluntário e pelas ações das associações e

organizações diversas a partir de uma representação plural da sociedade civil.

O que está em pauta no “novo modelo de desenvolvimento” é a “concertação”

nacional a partir de uma intensa “mobilização cívica”268, ou seja, a participação de todos os

indivíduos e grupos sociais na construção de um capitalismo humanizado. No governo Luiz

Inácio Lula da Silva, sob o discurso de um país competitivo, porém justo e sustentável – como

expresso no documento dirigido ao governo brasileiro pelo Banco Mundial, intitulado, Brasil:

justo, competitivo, sustentável, contribuições para debate (Banco Mundial, 2002) –,

continuam mantidas as estratégias de parceria entre Estado e sociedade na execução das

267 Conforme vimos anteriormente, autores como Frigotto (1996) e Gentili (1998), esclarecem que se trata de uma atualização da teoria do capital humano. A idéia de inclusão ou integração social toma a educação do indivíduo como fator econômico, ou seja, como fator de integração ao mercado de trabalho e, como conseqüência, a uma mobilidade social. Todavia atualmente, dada a diminuição dos postos de trabalho formais, o capital passa a buscar a integração para além do mercado de trabalho através das teses do empreendedorismo. Neste novo quadro, estimula-se o trabalho por conta própria, o trabalho voluntário, terceirizado, subsumido etc; no entanto, conforme alerta Fontes (2005), o capitalismo não comporta exterioridade, pois, as diferentes formas de mercantilização das relações sociais levam a uma inclusão forçada. 268 Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/principais_programas/modelo_desenvolvimento/> Acesso em: 10 mar 2008.

Page 266: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

266

políticas sociais, recorrendo à tática de pulverizá-las e fragmentá-las em projetos e programas

temporários, dispersos nos ministérios e nas secretarias, que distribuem suas fatias

(mercadorias) no mercado das “questões sociais”, dominado pelo Terceiro Setor, em

particular pelas ONGs.

Nesse sentido, na EJA merece destaque o Programa Brasil Alfabetizado, um dos

principais programas do governo voltados para cidadania e inclusão social269, que foi pensado

e está sendo executado segundo os parâmetros e padrões do “novo modelo de

desenvolvimento”. Lima (2005), em detido estudo sobre as diretrizes deste modelo e

desenvolvimento, demonstra sua afinidade com os pressupostos teóricos e de ação política da

Terceira Via, e destaca como principais características:

1) a crítica ao socialismo e ao neoliberalismo e a proposta de viabilizar uma “agenda possível”, ou seja, a reforma ou humanização do capitalismo; 2) a concepção de que a classe trabalhadora não pode mais ser identificada como o sujeito político capaz de construir um projeto de sociabilidade que objetive a ruptura com a ordem burguesa. [...]; 3) a defesa do diálogo, do pacto social (aliança entre trabalho e capital) [...]; 4) o aprofundamento da agenda neoliberal para a periferia do capitalismo (conforme as diretrizes dos organismos internacionais do capital), através do ajuste fiscal e da estabilidade econômica [...] articulado com a justiça social, concebida como igualdade de oportunidades; 5) a elaboração de políticas de “inclusão social” focalizadas nos segmentos populacionais mais pobres (o “alívio à pobreza”, lema histórico do Banco Mundial), tendo a educação como estratégia de coesão, ou harmonização social; 6) [...] a necessidade de um Estado regulador que estimule as ações do voluntariado e grupos de auto-ajuda, dos movimentos sociais com suas demandas específicas, da responsabilidade social dos empresários e das ações dos sindicatos colaboracionistas; 7) o estabelecimento de parcerias entre o setor público e o setor privado e a constituição do “setor público não-estatal” apresentados como estratégias de “democratização” do acesso aos serviços públicos. (p. 257-258)

A análise sobre as diretrizes do governo Luiz Inácio Lula da Silva demonstra que o

sentido e a direção política da noção de “inclusão social”, presente em seus projetos e

programas, se alimenta da perspectiva de amenização, aparecendo “ora como resultado da

completa inadaptação de indivíduos e grupos sociais, ora como ausência de capacidades e

habilidades para estar inserido no conjunto das relações de produção e reprodução social.”

(Lima, 2005: 284). Assim, neste contexto, a educação é defendida como estratégia de

“coesão” e “inclusão social” dos mais pobres. A noção de inclusão aparece, por um lado,

através da ampliação do acesso à educação, e, por outro, via ampliação da participação

política alicerçada no trabalho em espaços/associações aparentemente afastados da esfera da

produção.

269 Além do Brasil Alfabetizado, estão entre os principais programas: o Bolsa Família, o Fome Zero, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), o Programa Universidade para Todos (ProUni), o Brasil Sorridente, o Farmácia Popular e o Qualisus. Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/principais_programas/cidadania/ Acesso em: 10 mar 2008.

Page 267: educação de jovens e adultos ou educação da classe trabalhadora?

267

Consideramos pertinente chamar a atenção para as diversas formas que as soluções

de caráter neoliberal são tomadas. Por exemplo, a perspectiva supracitada vincula-se ao viés

liberal, mas nem por isso trata as questões da mesma forma como eram tratadas no governo

anterior. Como demonstramos nesse trabalho, na segunda metade da década de 1990 era

visível o processo de desqualificação da EJA e o vazio de políticas nacionais voltadas para

esta modalidade; já na primeira metade da década de 2000, com a alteração de grupos

políticos no poder, atribuiu-se à EJA um papel relevante e foram significativamente ampliadas

as ações no âmbito do governo federal para a área. Todavia, embora guardem particularidades

entre si, os dois governos convergem para ações de caráter neoliberal, entre outras coisas por

deixarem a execução direta das ações para as organizações da sociedade civil, por

mercantilizarem a questão social, por não garantirem a educação como direito social etc. Tal

corolário pode ser comprovado ao observarmos a inexpressiva ampliação de matrículas na

EJA no período do primeiro governo Luiz Inácio Lula da Silva, apesar da anunciada

valorização e da variedade de iniciativas em andamento vinculadas à EJA. O que pode ser

comprovado ao considerarmos que em 2006 o Brasil apresentava um percentual em torno de

54% de pessoas com 25 anos ou mais de idade com menos de oito anos de estudo, o que

significava uma demanda potencial por EJA da ordem de 103.872 milhões de pessoas; a taxa

de analfabetismo absoluto entre pessoas a partir de 15 anos diminuiu apenas de 14.788

milhões em 2003, para 14.391 milhões em 2006, segundo o IBGE; e, o número total de

matrícula na EJA (ensino fundamental e ensino médio), em cursos presenciais com avaliação

no processo, passou de 4.403.436 em 2003, para apenas 4.861.390 em 2006, num crescimento

ínfimo segundo dados oriundos do Censo Escolar/INEP (2006). Dados que expressam, a

nosso ver, o pouco avanço na assunção pelo poder público da responsabilidade pela educação

básica de jovens e adultos, apesar da maior valorização da EJA no âmbito do governo federal

nos últimos anos.

Ainda considerando a questão da valorização da EJA em um novo contexto político,

cabe destacar que a modalidade ganhou força redimensionada sob a noção da diversidade.

Esta noção justifica uma concepção de política social não mais de natureza coletiva e

universal, mas focada em ações específicas para grupos pobres (segmentos da população

vítimas da pobreza, discriminação e/ou violência), que devem ser tratados de modo diverso

em respeito às diferenças que guardam entre si. Desta forma, a EJA, apesar de ser uma

modalidade de educação básica nos níveis fundamental e médio, sob a influência da noção de

respeito à diversidade não se encontra na Secretaria de Educação Básica, nem em uma

Secretaria específica de EJA, mas na Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e

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Diversidade (SECAD)270, que reúne alfabetização e educação de jovens e adultos, educação

do campo, educação ambiental, educação escolar indígena e diversidade étnico-racial.

A ênfase na natureza fragmentada do mundo e do conhecimento, e a insistência na

“diferença” desdobram-se em um encaminhamento que polariza unidade e diversidade,

abordando-as não de forma complementar, mas como oposições. Dessa forma, o

encaminhamento dado às “políticas de identidades” aposta em resistências separadas e

estanques, sem buscar compreender a complexidade e diversificação inerentes à “classe que

vive do trabalho” – diferentes frações da classe trabalhadora, com diversas formas de inserção

laboral/social/cultural e com graus diferentes de precariedade. Um das conseqüências desta

forma de interpretar a desigualdade social é a aceitação da fragmentação nas políticas sociais,

tendo em vista a prática usual da parceria Estado-sociedade, expressa na atuação desses

“novos” formatos conciliatórios de participação social.

Atualmente, em relação à EJA, mais do que negar o acesso à educação, o que

prevalece são formas diferenciadas de acesso. Como procuramos deixar claro ao longo do

presente trabalho, com o discurso da primazia da diversidade, termina-se por justificar a

enorme fragmentação da oferta da EJA na atualidade. Em outras palavras, ao defender-se a

necessidade de variados projetos para os variados públicos que compõem a clientela desta

modalidade de educação, mantém-se, sob uma perspectiva culturalista, a fragmentação das

ações governamentais e a manutenção da distribuição diferenciada dos conhecimentos na

sociedade brasileira.

É relevante, por fim, assinalar que o ponto de convergência e tensão que envolve a

escolarização no sentido lato, as políticas públicas federais e as estratégias de ação no âmbito

da EJA, entre as inúmeras possibilidades de estudo que a modalidade permite, é o lugar onde

repousou o recorte desta pesquisa. Interessou-nos a natureza e o conteúdo que dão vida e que

fincam os marcos teóricos desta modalidade de educação na contemporaneidade brasileira,

apreendidos ao explicitarmos algumas das mediações (educação ao longo da vida, relativismo

e políticas específicas) que conduzem a uma concepção de EJA adaptada às demandas do

capitalismo mundializado.

Pretendeu-se com este estudo, compreender os processos que tornaram possível a

concretização da identidade atual da EJA, e em conseqüência, pretendeu-se, também,

explicitar os contornos do reordenamento da Educação de Jovens e Adultos ao longo da

270 Segundo o sitio do MEC “A criação da SECAD marca uma nova fase no enfrentamento das injustiças existentes nos sistemas de educação do País, valorizando a diversidade da população brasileira, trabalhando para garantir a formulação de políticas públicas e sociais como instrumento de cidadania”. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/secad/>

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última década. Esta tese analisou as concepções de EJA em disputa no Brasil no período

compreendido entre 1995 e 2006, buscando explicitar as múltiplas relações que compõem e

determinam a forma histórica da EJA na especificidade da sociedade brasileira e identificando

alguns dos principais agentes hegemônicos envolvidos nessa construção.

O estudo evidenciou, ainda, o imperativo de superar concepções e práticas

conformadoras à ordem observadas nas ações derivadas de perspectivas pautadas pela

minimização das conseqüências das desigualdades sociais e, sinalizo para a necessidade e

atualidade de articular a EJA à luta por transformações estruturais na sociedade brasileira.

Enfim, neste trabalho produzimos algumas respostas e outras muitas perguntas que

ficaram para pesquisas futuras. Afinal, mais do que eleger entre “Educação de Jovens e

Adultos ou Educação da Classe Trabalhadora”, elaboramos um conjunto de reflexões que se

debruçou sobre as principais “Concepções [de EJA] em Disputa na contemporaneidade

brasileira”, apoiando-se na compreensão da classe trabalhadora como processo e não como

uma coisa. Nas palavras de Thompson (2004) “a classe é uma formação tanto cultural como

econômica” (p. 13), nesse horizonte, é dinâmica e está em permanente “autofazer-se” (p. 9).

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B – Legislações BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Texto promulgado em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/con1988/CON1988_05.10.1988/CON1988.htm> Acesso em: 04/04/2008. ______. Emenda Constitucional nº. 14, de 12 de setembro de 1996. Modifica os artigos 34, 208, 211 e 212 da Constituição Federal e dá nova redação ao artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Disponível em: <http://www.tc.df.gov.br/silegisdocs/federal/constitucionais/emendasconstitucionais/ec-1996-00014-320.html> Acesso em: 05/04/2008. ______. Medida Provisória nº 238, de 1º de fevereiro de 2005. Institui, no âmbito da Secretaria-Geral da Presidência da República, o Programa Nacional de Inclusão de Jovens - ProJovem, cria o Conselho Nacional de Juventude – CNJ. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/266881.pdf> Acesso em: 01/03/2007. ______. Lei nº 11.180, de 23 de setembro de 2005. Institui o Projeto Escola de Fábrica entre outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11180.htm> Acesso em: 04/04/2008. ______. Lei nº 11.129, de 30 de julho de 2005. Institui o Programa Nacional de Inclusão de Jovens – Projovem; cria o Conselho Nacional da Juventude – CNJ e a Secretaria Nacional de Juventude; altera as Leis nºs 10.683, de 28 de maio de 2003, e 10.429, de 24 de abril de 2002; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11129.htm> Acesso em: 03/04/2008. ______. Lei nº 10.172, de 09 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/LEIS_2001/L10172.htm> Acesso em: 04/04/2008. ______. Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996. Dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Leis/L9424.htm> Acesso em: 04/04/2008. ______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L9394.htm> Acesso em: 4 mar. 2008. ______. Decreto nº 6.093, de 24 de abril de 2007. Dispõe sobre a reorganização do Programa Brasil Alfabetizado, visando a universalização da alfabetização de jovens e adultos de quinze anos ou mais, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6093.htm> Acesso em: 3 mar. 2008. ______. Decreto nº 5.478, de 24 de junho de 2005. Institui, no âmbito das instituições federais de educação tecnológica, o Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino

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Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. (Revogado pelo Decreto 5.840/06). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5478.htm> Acesso em: 06/04/2008. ______. Decreto nº 5.840, de 13 de julho de 2006. Institui, no âmbito federal, o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5840.htm#art11> Acesso em: 03/04/2008. ______. Decreto nº 5.557, de 5 de outubro de 2005. Regulamenta o Programa Nacional de Inclusão de Jovens - ProJovem instituído pela Lei 11.129, de 30/06/2005. Disponível em:<http://www.legjur.com.br/legislacao/htm/2005/dec_00055572005.php>Acesso em: 04/04/2008. ______. Decreto nº 5.154, de 23 de julho de 2004. Regulamenta o § 2º do art. 36 e os arts. 39 a 41 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e dá outras providências. Disponível em: <www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5154.htm> Acesso em: 03/04/2008. ______. Decreto nº 2.208, de 17 de abril de 1997. Regulamenta o parágrafo 2º do art. 36 e os artigos 39 e 42 da Lei n. 9394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/decreto/D2208.htm> Acesso em: 03/04/2008. ______. Ministério da Educação. SECAD/SETEC. Saberes da Terra. Programa Nacional de educação de jovens e adultos integrada com qualificação social e profissional para agricultores(as) familiares. Brasília, out., 2005. Disponível em: <http://www.lpp-uerj.net/olped/documentos/1370.pdf> Acesso em: 10 jan. 2008 ______. Ministério da Educação. SETEC. Portaria nº 2.080, de 13 de junho de 2005. Estabelece, no âmbito dos Centros Federais de Educação Tecnológica, Escolas Técnicas Federais, Escolas Agrotécnicas Federais e Escolas Técnicas Vinculas às Universidades Federais, as diretrizes para a oferta de cursos de educação profisional de forma integrada aos cursos de ensino médio, na modalidade de educação de jovens e adultos – EJA. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf/legisla04.pdf> Acesso em: 05/04/2008. ______. Ministério da Educação. SETEC. Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – Proeja. Documento Base. Brasília, 2003. ______. Ministério da Educação. SETEC. Portaria MEC, nº 1005, de 10 de setembro de 1997. Institui, no âmbito da Secretaria de Educação Média e Tecnológica - SEMTEC, a Unidade de Coordenação do Programa - UCP, incumbida de adotar as providências necessárias à implementação do PROEP. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf/legisla04.pdf> Acesso em: 04/04/2008.

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______. Ministério da Educação. SETEC. Portaria MEC, nº 646, de 14 de março de 1997. Regulamenta a implantação do disposto nos artigos 39 a 42 da Lei Federal nº 9.394/96 e no Decreto Federal nº 2.208/97 e dá outras providências. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf/PMEC646_97.pdf> Acesso em: 04/04/2008. ______. Ministério da Educação. INEP. Portaria nº 111, de 04 de dezembro de 2002. Regulamenta a realização do Exame Nacional de Certificação de Competências de Jovens e Adultos - Encceja/2003. Disponível em: <http://encceja.inep.gov.br/images/pdfs/portaria111.pdf> Acesso em: 06/04/2008. ______. Ministério da Educação. PNE (Plano Nacional de Educação). Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/pne.pdf> Acesso em: 06/04/2008. ______. Ministério da Educação. Plano Decenal de Educação para Todos, 1993. ______. Ministério da Educação. CNE. Parecer CNE/CEB nº 37, aprovado em 07 de julho de 2006. Aprovação de diretrizes e procedimentos técnico-pedagógicos para a implementação do ProJovem - Programa Nacional de Inclusão de Jovens: Educação, Qualificação e Ação Comunitária. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pceb037_06.pdf> Acesso em: 06/04/2008. ______. Ministério da Educação. CNE. Resolução CNE/CEB nº 3, de 15 de agosto de 2006. Aprova as Diretrizes e procedimentos técnico-pedagógicos para a implementação do ProJovem – Programa Nacional de Inclusão de Jovens, criado pela Lei nº 11.129, de 30/7/2005, aprovado como “Projeto Experimental”, nos termos do art. 81 da LDB, pelo Parecer CNE/CEB nº 2/2005. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rceb03_06.pdf> Acesso em: 03/04/2008. ______. Ministério da Educação. CNE. Parecer CNE/CEB nº 2, aprovado em 16 de março de 2005. ProJovem - Programa Nacional de Inclusão de Jovens: Educação, Qualificação e Ação Comunitária. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pceb002_05.pdf> Acesso em: 06/01/2008. ______. Ministério da Educação. CNE. Parecer CNE/CEB nº 11, aprovado em 10 de maio de 2000. Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/PCB11_2000.pdf> Acesso em: 05/04/2008. ______. Ministério da Educação. CNE. Resolução CNE/CEB nº 1, de 05 de julho de 2000. Estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CEB012000.pdf> Acesso em: 06/04/2008 ______. Ministério da Educação. CNE. Resolução CNE/CEB 4, de 08 de novembro de 1999. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rceb04_99.pdf> Acesso em: 06/04/2008. ______. Ministério da Educação. CNE. Parecer CNE/CEB nº 16, aprovado em 5 de Outubro de 1999. Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de

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Nível Técnico. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/PCB16_1999.pdf> Acesso em: 06/04/2008. ______. Ministério da Educação.CNE. Parecer CNE/CEB nº 5, aprovado em 07 de maio de 1997. Proposta de regulamentação da Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/PCB0597.pdf> Acesso em: 6 mar. 2008. ______. Ministério da Educação. FNDE. Resolução/CD/FNDE nº 022, de 20 de abril de 2006. Estabelece os critérios e os procedimentos para transferência automática dos recursos financeiros do Programa Brasil Alfabetizado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/web/resolucoes_2006/res022_20042006.pdf> Acesso em: 05/04/2008. ______. Ministério da Educação. FNDE. Resolução/CD/FNDE nº 031, de 10 de agosto de 2006. Estabelece orientações e diretrizes para a assistência financeira suplementar a projetos educacionais, no âmbito do Programa Brasil Alfabetizado, para entidades privadas, sem fins lucrativos, e instituições federais, estaduais, municipais e privadas (sem fins lucrativos) de Ensino Superior (IES), no exercício de 2006. Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/web/resolucoes_2006/res031_10082006.pdf> Acesso em: 05/04/2008. ______. Ministério da Educação. FNDE. Resolução/CD/FNDE nº 23, de 08 de junho de 2005. Retificada em 13 de outubro de 2005. Estabelece os critérios e os procedimentos para transferência automática dos recursos financeiros do Programa Brasil Alfabetizado aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios. Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/web/resolucoes_2005/res023_08062005_retificada_13102005.pdf> Acesso em: 06/04/2008. ______. Ministério da Educação. FNDE. Resolução/CD/FNDE nº 25, de 16 de junho de 2005. Estabelece os critérios e as normas de transferência de recursos financeiros ao Programa de Apoio aos Sistemas de Ensino para Atendimento à Educação de Jovens e Adultos – Fazendo Escola. Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/web/resolucoes_2005/res025_16062005.pdf> Acesso em: 05/04/2008. ______. Ministério da Educação. FNDE. Resolução/CD/FNDE nº 28, de 14 de julho de 2005. Estabelece orientações e diretrizes para a assistência financeira suplementar a projetos educacionais, no âmbito do Programa Brasil Alfabetizado, para entidades privadas, sem fins lucrativos, e instituições federais, estaduais, municipais e privadas (sem fins lucrativos) de Ensino Superior (IES), que comprovem experiência em projetos de alfabetização e de educação de jovens e adultos, para o ano de 2005. Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/web/resolucoes_2005/res028_14072005.pdf> Acesso em: 05/04/2008. ______. Ministério da Educação. FNDE. Resolução/CD/FNDE nº 12, de 26 de abril de 2001. Estabelece as orientações e diretrizes para a assistência financeira suplementar a projetos educacionais, no âmbito da Educação de Jovens e Adultos para o ano de 2001.

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______. Ministério da Educação. Referências para uma Política Nacional de Educação do Campo: Caderno de Subsídios. Brasília: MEC/ Grupo Permanente de Trabalho de Educação do Campo, 2005. 48p. 2ª ed. ______. Ministério do Trabalho e Emprego. Plano Nacional de Qualificação – PNQ 2003-2007. Brasília: MTE/SPPE, 2003. 56p ______. Ministério do Trabalho e Emprego. CODEFAT. Resolução nº 333, de 10 de julho de 2003. Institui o Plano Nacional de Qualificação – PNQ e estabelece critérios para transferência de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT ao PNQ. Disponível em:<http://www.mte.gov.br/Legislacao/Resolucoes/2003/r_20030710_333a.pdf> Acesso em: 06/04/2008. ______. Ministério do Trabalho e Emprego. CODEFAT. Resolução nº 126, de 23 de outubro de 1996. Aprova critérios para a utilização de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT, pela Secretaria de Formação e Desenvolvimento Profissional - SEFOR, com vistas à execução de ações de qualificação e requalificação profissional, no âmbito do Programa do Seguro-Desemprego, no período de 1997/1999. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/legislacao/resolucoes/1996/r_19961023_126.asp> Acesso em: 06/04/2008. ______. Ministério do Trabalho e Emprego. Resolução Nº 194, de 23 de setembro de 1998. Estabelece critérios para transferência de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT, ao Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador – PLANFOR. Disponível em: <http://www.mtb.gov.br/Legislacao/Resolucoes/1998/r_19980923_194.asp> Acesso em: 04/04/2008. ______. Ministério do Trabalho e Emprego. PNPE. Consórcio Social da Juventude. Termo de Referência. Disponível em: <http://www.sementes.org.br/csj/files/doc /Termo%20de%20Refer%C3%AAncia.pdf> Acesso em: 03/04/2007. ______. Ministério do Trabalho. PNPE. Projeto Juventude Cidadã. Termo de Referência. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/pnpe/termojuventude.pdf> Acesso em: 03/04/2007. ______. Ministério do Trabalho e Emprego. PNPE. Projeto Juventude Cidadã. Manual de execução. Brasília, 2006. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/pnpe/manualexecucaopnpe.pdf> Acesso em: 06/04/2008. ______. SPPE. PLANFOR 1999-2002: orientações para revisão dos PEQ’s. Brasília: SEFOR/FAT, 1999a. ______. MTb/SEFOR.. Educação profissional: um projeto para o desenvolvimento sustentado. Brasília: SEFOR/FAT, 1999b. ______. Mtb/SEFOR. PLANFOR. Educação e Trabalho: um projeto para jovens e adultos de baixa escolaridade. Série Cadernos Temáticos. Brasília, 1999c.

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APÊNDICES

TRABALHOS SOBRE EJA APRESENTADOS PELOS GTS 9, 6 E 18

NAS REUNIÕES ANUAIS DA ANPED (1995 – 2006)

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TRABALHOS SELECIONADOS DO GT 9 – TRABALHO E EDUCAÇÃO

Nº ANO AUTOR INSTIT. TITULO TIPO DE ESQUISA RESUMO

1. 1995 ARRAIS, Cristiane Holanda

UEVA Alunos do noturno: quem são

estes trabalhadores? Estudo de

caso

Busca caracterizar a adequação de propostas e práticas educacionais às "necessidades concretas" classistas da clientela do noturno. Verifica até que ponto o trabalho educativo desenvolvido em uma experiência singular leva a consciência-em-si ou a consciência-de-si, em termos do nível de superação da ideologia dominante e constituição de uma nova práxis por parte dos alunos.

2. 1996 DELUIZ, Neise

UFRJ Projetos em disputa:

empresários, trabalhadores e formação profissional

Estudo baseado em

análise documental

Objetiva explicitar as propostas de trabalhadores e empresários sobre as políticas de formação profissional; compreender a materialidade das relações sociais capitalistas que as geram, o processo de construção de atores sociais que se reconhecem como interlocutores legítimos, assim como sua atuação na esfera pública.

3. 1997

SOUZA, Maria das Graças Galvão de

UFBA

A complementação da escolaridade do trabalhador na

empresa: uma experiência baiana.

Estudo de caso

Aborda os novos paradigmas que se projetam no cenário industrial e a redefinição do perfil do trabalhador, enfatizando a escolaridade e analisando estratégias adotadas por uma empresa para complementar a escolaridade de seus trabalhadores, além de verificar quais os impactos de um programa educacional implantado por uma empresa no cotidiano do trabalhador e o que isso significa para os alunos-trabalhadores, dirigentes, educadores e sindicalistas.

4. 1998 RUMMERT, Sonia Maria

UFF Capital e trabalho:

convergências e divergências quanto à educação básica.

Etudo baseado em

análise documental

Analisa as concepções de educação básica de qualidade, formuladas por entidades representativas do capital e por entidades representativas do trabalho. Identifica os principais elementos constitutivos das concepções de educação daqueles que integram blocos antagônicos na estrutura social.

5. 1999 ANDRADE, Flávio Anício

USP

Educação sem distância - as demandas da produção e uma

proposta formativa empresarial: o programa Telecurso 2000.

Estudo baseado em

análise documental

Análise do programa de ensino à distância Telecurso 2000, elaborado pela FIESP e fundação Roberto Marinho. Apresenta as motivações que levaram ao estabelecimento do programa, as intencionalidades contidas em suas orientações curriculares e as implicações potenciais mais amplas para o âmbito da sociedade.

6. 1999

CÉA, Georgia Sobreira dos Santos

UNIOESTE A relação entre o trabalho e a educação básica: elementos de

um consenso interessado.

Estudo baseado em

análise documental

Pesquisa a pseudocentralidade da educação básica nas políticas educacionais atuais. Discute A formação de um consenso sobre a defesa da educação básica para a formação dos trabalhadores.

7. 1999

SOUZA, Donaldo; SANTANA, Marco Aurelio; DELUIZ, Neise

UNIRIO UFRJ UERJ

O entendimento da CUT, CGT e FS sobre o papel da educação

face às transformações do mundo do trabalho: tensões e

dinâmicas estruturais e conjunturais.

Estudo baseado em

análise documental e

estudo comparativo

Busca identificar as concepções de três centrais sindicais (CUT, CGT e FS) sobre o processo de reestruturação produtiva em curso e as formas de ação sindical neste novo cenário. Analisa o entendimento das centrais acerca de temáticas como: Educação e Mercado de Trabalho, Educação e Cidadania, Educação Geral e Formação Profissional, Educação de Jovens e Adultos, Educação Sindical, Formação de Formadores, Competências e Certificação Ocupacional e sua inserção nas Políticas Públicas de Formação Profissional.

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8. 2000

CÊA, Georgia Sobreira dos Santos

UNIOESTE A educação profissional sob a

ótica da ruptura: reflexões sobre o PLANFOR.

Estudo baseado em

análise documental

Analisa as políticas públicas de emprego, especialmente, o PLANFOR e conclui que este Plano é a expressão do Estado liberal, além de se apresentar como campo principal de execução da educação profissional, operando a ruptura entre a qualificação para o trabalho e elevação dos níveis de escolaridade.(via cursos regulares).

9. 2000

MAIA, Graziela Z. A.; MACHADO, Lourdes M.

UNESP O trabalhador frente ao terceiro

milênio. Estudo de

caso

Discute o papel da gestão escolar na qualidade de ensino de uma das escolas mantidas pela empresa Nestlé (em Marília). Destinada aos funcionários que não tiveram a oportunidade de iniciar ou concluir os estudos referentes ao 1º grau. Aborda a evolução histórica do trabalho e da educação. Evidencia as principais exigências feitas ao trabalhador ao longo das transformações sociais, tendo como meta inserir o trabalhador da escola pesquisada no contexto do terceiro milênio.

10. 2000 PORTELA, Josania L.

UFC Relação: educação, trabalho e

cidadania.

Estudo baseado em

análise documental

Aborda a relação educação, trabalho e cidadania na contemporaneidade. Enumera características básicas da cidadania e sua construção histórica inserindo nessa análise o trabalho e a educação como seus pilares fundamentais.

11. 2001

CRUZ, Dulcinéia; BIANCHETTI, Lucídio

UNOESC

A formação do "Total Trabalhador Sadia" - estratégias

de qualificação de trabalhadores de uma empresa

agroindustrial.

Estudo de caso

Analisa o processo de formação/escolarização dos trabalhadores da Sadia. Esta formação é realizada por três instituições de ensino, duas públicas e uma privada, reunidas na "Escola Sadia", formando um trabalhador totalmente devotado à empresa. Conclui que esse processo evidencia uma flagrante apropriação de recursos públicos, direcionados à formação de um trabalhador, mas que responde a necessidades específicas da empresa.

12. 2002 BUENO, Vilma F.

UFSC Letramento e transformações

tecnológicas do mundo do trabalho

Estudoetnográfico

Analisa as concepções de letramento presentes nos discursos dos empresários e as demandas de leitura e escrita que decorrem dessas concepções, em razão do advento das novas tecnologias de informação e de comunicação. Os dados foram obtidos a partir de uma pesquisa etnográfica, por meio de entrevistas com oito empresários da Grande Florianópolis. Os dados demonstram a existência de proximidade entre escola e empresa em relação à concepção de letramento centrado nos aspectos normativos e gramaticais de uma escrita destituída da sua dimensão humana e separada do contexto social mais amplo.

13. 2002 KOBER, Cláudia Mattos

UNCAMP A qualificação profissional do ponto de vista de trabalhadores

da indústria.

Estudo baseado em

dados qualitativos e

estudo comparativo

Através de entrevistas com trabalhadores estudantes de cursos supletivos e inseridos tanto em uma indústria reestruturada, quanto fordista. O trabalho busca verificar como se constitui a qualificação profissional do ponto de vista do trabalhador e como ele articula sua trajetória de vida, educacional e profissional nas decisões quanto à qualificação. Na análise das entrevistas fez-se uso do conceito de habitus de Bourdieu.

14. 2004 FRANZOI, Naira LIsboa

UFRGS

Da profissão como profissão de fé ao "mercado em constante

mutação": trajetórias e profissionalização dos alunos

do Plano Estadual de Qualificação do Rio Grande do

Sul (PEQ-RS).

Estudo baseado em

dados qualitativos e

estudo comparativo

Estuda o papel do Plano Estadual de Qualificação do Estado do Rio Grande do Sul (PEQ-RS), na profissionalização de seus usuários. O estudo toma como ângulo de análise trajetórias ocupacionais e formativas dos alunos desse Plano e tem por base o conceito de profissionalização como resultante da articulação entre conhecimento adquirido e inserção no mercado de trabalho.

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15. 2004 WENDORFF, Tatiana da Silva

UNISINOS Ensinando a ser trabalhador: um estudo das representações

no Telecurso 2000.

Estudo baseado em

dados qualitativos

Objetiva identificar o perfil de trabalhador representado no Telecurso 2000 e configurar se os trabalhadores participantes do Telecurso se vêem representados nas teleaulas. Aponta a pretensão do Programa de formar um trabalhador “adequado” ao modelo Toyotista; quanto aos alunos, estes não se viam representados e não percebiam o referido Programa como voltado para o mundo do trabalho.

16. 2005 MARKET, Werner Ludwig

UFC

Trabalho qualificante e educação profissional:

perspectivas para a formação na escola e na fábrica.

Análise teórica

Analisa o conceito de "trabalho qualificante" e os conceitos inovadores de educação profissional na Alemanha, que visam a formação do trabalhador e servidor qualificado-competente, que estejam aptos para agir autonomamente e participativamente na organização produtiva.

17. 2005 RUMMERT, Sonia. M.

UFF

Projeto Escola de Fábrica – atendendo a “pobres e

desvalidos da sorte” do século XXI.

Estudo baseado em

análise documental

Analisa o Projeto Escola de Fábrica, do Ministério da Educação, evidenciando o fato de que as iniciativas supostamente novas voltadas para a educação da classe trabalhadora constituem rearranjos da mesma lógica que gera um conjunto de propostas educativas que visam atender às necessidades imediatas e mediatas do processo de acumulação capitalista.

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TRABALHOS SELECIONADOS DO GT 6 – EDUCAÇÃO POPULAR Nº ANO AUTOR INSTIT. TITULO

TIPO DE PESQUISA

RESUMO

1. 1995 LIMA, Maria do S. M. et. al

UFPI

Comunicação Projeto Ler para Viver – alfabetização de adultos em discussão.

Análise documental

Analisa sobre o Projeto de Alfabetização de Jovens e Adultos, resultante de um convênio entre a UFPi e a Prefeitura Municipal de Teresina. Os objetivos deste projeto são: 1) capacitação e acompanhamento de serviços de educadores; 2) alfabetização de adultos residentes na zona urbana e rural de Teresina; 3) elaboração de uma proposta pedagógica para alfabetização de adultos embasada na abordagem construtivista de autores como Emília Ferreiro, Lúcia Rego, Terezinha Nunes, Ana Luiza Smolka, Paulo Freire, entre outros. Fala sobre a experiência do projeto e suas fases.

2. 1995 SOARES, Leôncio José Gomes

UFMG Comunicação O Direito à educação.

Estudo de caso

Mostra a trajetória de uma experiência de educação de adultos, onde trabalhadores, sem a escolarização básica, se organizam para conquistá-la. Nesse trabalho, procurou-se, através da trajetória do Projeto Supletivo do Centro Pedagógico da UFMG, refletir sobre as reivindicações populares acontecidas do lado de fora e do lado de dentro da escola no sentido da expansão dos serviços educacionais públicos. Defende que, como não existe uma larga oferta de ensino voltada para o adulto-trabalhador, a luta deve começar do lado de fora da escola, reivindicando, por exemplo, a abertura de escolas noturnas. Quando o trabalhador consegue ingressar em uma dessas escolas, a luta passa a ser do lado de dentro. Ele tende a se organizar, ser sujeito no cotidiano escolar.

3. 1996

MOURA, Tânia Maria de M.

UFAL

Alfabetização de jovens e adultos - relação entre proposta pedagógica e práticas desenvolvidas pelas entidades não governamentais.

Estudo de caso

Objetiva avaliar a relação existente entre as práticas alfabetizadoras desenvolvidas pelas entidades não governamentais e as propostas pedagógicas existentes. O campo empírico selecionado para o estudo foram duas turmas de alfabetização de adultos: o núcleo de alfabetização dos operários do Moinho Motrisa, coordenado pelo SESI e o núcleo da Igreja São Judas Tadeu, orientada pelo MEB, ambas as turmas em Maceió/AL.

4. 1997 MACHA- DO, Maria Margarida

UFMG Princípios da educação popular numa rede pública de ensino.

Estudo de caso

Analisa a retomada de princípios da Educação Popular pela Secretaria Municipal de Educação de Goiânia, através do projeto AJA. O objetivo é discutir os limites e as possibilidades de uma proposta alternativa, assumida por uma rede oficial de ensino, e que busca retomar o tema da Educação de Jovens e Adultos no âmbito do Direito.

5 1997 RODRIGUES, Daniel Álvares

UFPE

Escola Quilombo dos Palmares, uma experiência de educação popular: a crise a crítica aos paradigmas.

Estudo de caso

Discute as definições político-pedagógicas da Escola de Formação Quilombo dos Palmares, recuperando alguns conceitos criados em torno da Educação Popular, em sua origem, no ano de 1987, como a definição do sujeito e do projeto político. Posteriormente, com a crise dos anos 90, há uma reformulação nas suas concepções e no desenvolvimento dos cursos da Escola, principalmente nos conceitos que se aproximavam do conceito de materialismo dialético. Neste processo há uma substituição da estratégia revolucionária por uma nova perspectiva de ação dos movimentos e de reflexão de seus centros educativos, sob a base da institucionalização das lutas e organizações populares.

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6 1997 SOARES, Leôncio José Gomes

UFMG A educação de adultos na história: a campanha de 1947.

Estudo baseado em

análise documental

Reconstitui a Primeira Campanha de Educação de Adultos em Minas Gerais. Nesta reconstrução foram privilegiados alguns aspectos: organização e funcionamento, princípios, visão que se tinha do analfabeto, formação e profissionalização dos docentes e materiais didáticos utilizados. Diversas concepções a respeito da educação de adultos conviveram entre o início da Campanha e o golpe de 64. Essas concepções variaram em conseqüência de fatores diversos, associados às mudanças sócio-econômicas, políticas e culturais ocorridas nos diferentes momentos.

7. 1998

MOURA, Tânia Maria de Melo

UFAL

Alfabetização de adultos: Freire, Ferreiro e Vygotsky: contribuições teórico-metodológicas à formação de propostas pedagógicas.

Estudo comparativo

Examina as idéias de Paulo Freire, Emília Ferreiro e Vigotsky, de forma a oferecer aos educadores contribuições para avaliar as propostas e práticas em andamento e formular novas propostas pedagógicas para a alfabetização de adultos. Realizou-se uma leitura crítica dos três referenciais, constatando as respectivas aproximações, distâncias e especificidades, destacando em cada um deles, e nos três em conjunto, os diversos elementos contributivos capazes de conferir a consistência epistemológica, pedagógica e política necessárias às atuais e futuras propostas e práticas.

8. 2000 ALVARENGA, Márcia S. de

UERJ

Da cegueira à orfandade: a questão da cidadania nas políticas de alfabetização de jovens e adultos.

Estudo baseado em

análise documental

Discute como a categoria cidadania vem sendo construída e incorporada nas políticas de alfabetização de jovens e adultos sendo marcada pelas concepções e referenciais originados do pensamento das classes sociais hegemônicas no Brasil. Propões identificar, nessas concepções, a existência de uma lógica que, ao persistir na afirmação de que a alfabetização promove os sujeitos à condição de cidadão, produz a sua própria negação. Dá especial relevo ao Programa Alfabetização Solidária como política que produz a síntese da tese da inferioridade dos sujeitos não alfabetizados no contexto contemporâneo da educação brasileira.

9. 2000 OLIVEIRA, Dulce de

UNISINOS

Máquinas e silêncios: construindo significados no e para além do supletivo de trabalhadores.

Estudo de tipo

etnográfico

Analisa o cotidiano da sala de aula do Supletivo de Trabalhadores, no Programa de Educação Básica de Jovens e Adultos, desenvolvido em três empresas da Região Metropolitana de Porto Alegre. Discute os significados construídos na experiência de ser professor de trabalhadores, dentro do espaço fabril, e em que medida esses significados contribuem para a formação dos alunos dos Cursos de Licenciatura da Universidade do Vale do Rio dos Sinos que atuam como professores-estagiários no Curso Supletivo.

10. 2002 AZEVEDO, Alessandro Augusto de

UFRN

Trançando caminhos e descaminhos de um processo de educação no meio rural: reflexões a partir de uma experiência do PRONERA no rio Grande do Norte.

Estudo de caso

Analisa aspectos da experiência de execução do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária no Rio Grande do Norte, através da UFRN. Entre as questões analisadas estão: a influência da "educação bancária" entre os trabalhadores e alguns monitores; as distintas visões acerca da formação pedagógica dos monitores entre a universidade e movimentos sociais; a necessidade de se fazer uma cartografia das expectativas que movem os trabalhadores rurais ao envolvimento em programas dessa natureza.

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11. 2002 FEITOSA, Débora Alves

UFGRS Mulher e escolarização: uma relação de sentidos.

Estudo etnometodológ

ico

Reflete sobre o processo de escolarização de mulheres recicladoras no interior de um galpão de separação de resíduos sólidos. O estudo se deu na perspectiva Etnometodológica com a preocupação de compreender as formulações imaginárias dos sujeitos. O referencial teórico está fundado principalmente em Castoriadis, Edgar Morin e Calandier.

12 2006

OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno de

UEPA O pluralismo religioso e seus conflitos na educação popular: o olhar de educadores.

Pesquisa de campo

Neste estudo, apresenta-se a pesquisa de campo, concluída em 2005, realizada em turmas de jovens, adultos e idosos, em comunidades periféricas, hospitalares e rurais-ribeirinhas do Estado do Pará. O objetivo é verificar como os educadores populares estão trabalhando pedagogicamente as manifestações religiosas de seus educandos nos ambientes alfabetizadores e repesar a práxis alfabetizadora, a partir da reflexão de saberes e representações sobre religiosidade dos educandos em seu contexto sociocultural.

13 2006

ONOFRE, Elenice Maria Cammarosano

UFScar Escola da prisão: espaço de construção da identidade do homem aprisionado?

Estudo de caso

Busca um aprofundamento dos estudos existentes em relação às possibilidades e limites da educação escolar no sistema prisional, discutindo o que ela pode fazer no interior das prisões. A investigação caminha no sentido de coletar dados que subsidiem a análise do papel que a escola pode desempenhar dentro das prisões, na ótica de seus alunos. Embora inseridas em um contexto repressivo, elas desempenham a essência de sua função: mediadoras entre saberes, culturas e a realidade, oferecendo possibilidades que, ao mesmo tempo, libertem e unam os excluídos que vivem no interior das unidades prisionais.

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TRABALHOS SELECIONADOS DO GT 18 – EDUCAÇÃO DE PESSOAS JOVENS E ADULTAS

Nº ANO AUTOR INSTIT TITULO

TIPO DE PESQUISA RESUMO

1 1998 SOARES, Leôncio J. Gomes

UFMG A Política Educacional para jovens e adultos em Minas Gerais (1991-1996)

Estudo Baseado em

dados quantitativos

Busca identificar o impacto da Resolução 386/91 na ampliação do atendimento à educação de jovens e adultos em MG. Trabalha estatisticamente dados coletados para conhecer a realidade da EJA no estado, verificando a relação entre a demanda e o atendimento público e privado. Por fim, pretendeu contribuir para a formulação de políticas públicas para a EJA.

2 1998 MACHA- DO, Maria Margarida

UFG A trajetória da EJA na década de 90 - políticas públicas sendo substituídas por “solidariadade”

Estudo Baseado em

Analise Documental

Analisa as políticas publicas para EJA principalmente a partir da década de 90, tendo por base o acompanhamento a projetos, programas e iniciativas diversas do Governo Federal, entre o proposto e o realizado. Destacando, particularmente, o PAS e sua relação com as reflexões sobre EJA.

3 1998

LEÃO, Geraldo Magela Pereira

UFMG

A gestão da escola noturna: ainda um desafio político

Análise documental

Apresenta tendências das políticas educacionais, faz uma breve caracterização da escola noturna e de sua evolução histórica. Posteriormente, analisa propostas para a organização do ensino noturno implementadas pela SME de BH e pela SEE de MG.

4 2000 PIERRO, Maria Clara Di

PUC-SP / Ação

Educativa

O financiamento público da educação básica de jovens e adultos no Brasil no período 1985/1999

Análise documental

Aborda o financiamento das políticas publicas de educação básica de jovens e adultos de 1985 a 1999. Conclui que o financiamento manteve-se em patamares inferiores a 1% da despesa total com educação ao longo do período.

5 2000 VIEIRA, Maria Clarisse

UNB

Políticas de educação de jovens e adultos no Brasil: experiências e desafios no município de Uberlândia – MG (anos 80 e 90)

Utiliza analise

documental e de caso

Aborda as políticas de EJA no contexto de desenvolvimentos capitalista brasileiro, focalizando as experiências ocorridas em um município mineiro. Teve por objetivos analisar: a) a EJA no contexto de globalização; b) as atuais políticas públicas, buscando compreender seu significado nos anos 90; c) o percurso histórico das ações empreendidas na cidade de Uberlândia.

6 2001 FURTADO, Eliane Dayse

UFC O desafio de refletir sobre alfabetização de jovens e adultos no PRONERA

Pesquisa-ação

Reflete sobre a construção de uma proposta pedagógica gestada entre os movimentos sociais e a Universidade, calcada na realidade dos assentamentos rurais. Organiza um esquema metodológico centrado na pesquisa-ação, incluindo um estudo do cotidiano observacional e etnográfico, visando o desvendamento da realidade da educação de jovens e adultos no campo, seu fortalecimento e na elaboração de políticas públicas.

7 2002 MOLL, Jaqueline

UFRGS

Políticas municipais de educação fundamental de jovens e adultos no Rio Grande do Sul: tendências nos anos 90

Pesquisa quantitativa e

qualitativa

Apresenta resultado de pesquisa realizada em 116 municípios do RS acerca de políticas publicas de educação fundamental de jovens e adultos no período de 1993 a 1999. Teve por objetivo a construção de uma “leitura de tendências” em termos de oferta de EJA ao longo da década de 1990.

8 2002 DELUIZ, Neise

UNESA/UFRJ

A atuação das centrais sindicais nas políticas de educação de jovens e adultos

Estudo de caso

Objetiva analisar a participação das Centrais Sindicais nos programas de educação de adultos, desenvolvidos no âmbito do PLANFOR/MTE. Conclui-se que suas propostas educacionais oscilam entre a perspectiva produtivista e instrumental da educação e a civil-democrática (formação técnico-politica) dos trabalhadores.

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9 2003

ALVARENGA, Márcia Soares de

UERJ

Os sentidos da cidadania: entre vozes. Silenciamentos e resistências no Programa Alfabetização Solidária

Analise documental e entrevistas

Investiga as possibilidades do PAS e sua contribuição na promoção da cidadania dos sujeitos não escolarizados. Conclui que o PAS contribui para o silenciamento de sentidos sobre cidadania, legitimando a ação pedagógica de negação dos direitos às classes populares.

10 2004

ANDRA- DE, Eliane Ribeiro PAIVA, Jane

UNIRIO UERJ

Políticas públicas de direito à educação de jovens e adultos no RJ: estudos da região metropolitana

Questionário e entrevistas

Apresenta as primeiras análises de dados referentes à pesquisa nacional com eixo investigativo “novos desenhos da educação de jovens e adultos na esfera local”. No RJ a investigação cobriu 20 municípios, com o objetivo de descrever e conhecer ações desenvolvidas pelo executivo municipal para escolarização de jovens e adultos.

11 2004 VOLPE, Geruza C. Meirelles

UFJF

O direito à educação de jovens e adultos em municípios mineiros: entre proclamações e realizações

Estudo empírico (Analise

documental e entrevistas)

Busca compreender como os sistemas municipais de ensino vêm enfrentando a oferta de Educação de Jovens e Adultos. Toma dois municípios mineiros como representativos.

12 2004

MOURA, Tânia Maria de Melo

UFAL

“Conteúdos” e “competências básicas” adquiridos e utilizados por jovens e adultos do Programa Alfabetização Solidária

Pesquisa qualitativa (estudo de

caso)

Apresenta resultados da pesquisa realizada com alunos do PAS. Mostra que os conteúdos e competências que os alunos adquiriram e utilizam no cotidiano são resultantes do que aprenderam nas praticas sociais de letramento que vivenciam do que na pratica escolar possibilitada pelo PAS.

13 2005

ALVA- RENGA, Márcia S. de

UERJ

O Plano Municipal de Educação e suas repercussões sobre o direito à educação de jovens e adultos: um estudo de caso

Estudo de caso

Analisa os efeitos das políticas educacionais desenvolvidas pelos sistemas públicos municipais, tendo como objeto de estudo o PME do município de São Gonçalo/RJ e suas repercussões no direito à educação de jovens e adultos.

14 2005 ANCAS- SUERD, Marli P.

CUFSA

Educação de Jovens e Adultos no Grande ABC: duas gerações de políticas públicas – 1987 a 2003

Estudo de caso

Pesquisa sobre políticas públicas de educação de jovens e adultos, no âmbito municipal no período selecionado (1987 a 2003). Aponta para a existência de duas gerações de políticas: as de primeira geração são recortadas pela idéia do direito e do estado provedor e as de segunda geração são marcadas pela participação da sociedade civil e parcos recursos financeiros.

15 2005 DELUIZ, Neise

UNESA

Sociedade Civil e as políticas de educação de jovens e adultos: a atuação das ONGs no Rio de Janeiro

Estudo qualitativo

Investiga a atuação das ONGs no espaço publico não-estatal quanto as concepções que orientam suas propostas de EJA. Trata-se de pesquisa qualitativa sobre o Programa Trabalhar e Aprender: Qualificação para a Cidadania, da Secretaria de Estado do Trabalho do RJ, ao operacionalizar o Planfor/MTE, nos anos de 2001 e 2002.

16 2005 TRAVERSINI, Clarice S.

UNISINOS – UFRGS

Debite um analfabeto no seu cartão: a solidariedade como estratégia para alfabetizar a população e desresponsabilizar o Estado

Análise de discursos

Estuda os discursos do PAS. A pesquisa contou com os estudos de governabilidade inspirados em M. Foucault e Nikolas Rose e com a analise de publicações do PAS. Conclui que o programa contribui para potencializar a desresponsabilizacão do Estado e o empresariamento da erradicação do analfabetismo.

17 2005 ROCHA, Gladys

UFMG PAS x MOBRAL: convergências e especificidades

Análise comparativa

Apresenta uma análise comparativa entre dois programas de alfabetização voltados para jovens e adultos de iniciativa do governo federal: o PAS (1997) e o MOBRAL (1970).

18 2005

RODRI- GUES, Maria E. de C.

UFG Construção das políticas de Educação de jovens e adultos em Goiás

Análise documental

Analisa como vem sendo construído o campo de ações públicas destinadas a jovens e adultos, identificando os novos desenhos da educação voltada a este segmento nos últimos anos (2003-2004) pelo poder municipal na esfera local. Aponta para a falta generalizada de políticas públicas municipais na EJA, à exceção de

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Goiânia.

19 2006 CARLOS, Erenildo João

UFPB

O enunciado da educação de adultos no Brasil: da proclamação da República à década de 1940

Análise de discursos e

estudo historiografic

o

Discute a formação do discurso da educação de adultos no Brasil. Parte da tese de que a consolidação do processo constitutivo do enunciado sobre a educação de adultos aconteceu entre os anos de 1889 e fins dos anos 40. A fim de demonstrá-la, o estudo recorreu às ferramentas foucaultianas da análise arqueológica do discurso. O estudo conclui afirmando que nos fins da década de 1940, a educação de adultos alcançou o estatuto de prática educativa distinta da infantil.

20 2006

BARREYRO, Gladys Beatriz

USP O “programa alfabetização solidária”: terceirização no contexto da reforma do Estado

Análise documental

Analisa o Programa Alfabetização Solidária (PAS) como um produto do modelo de Estado proposto no governo de Fernando. O trabalho se propõe a explicar o PAS analisando conceitos como terceirização, filantropia, empregabilidade temporária, participação social e direito à educação.

21 2006 PAIVA, Jane

UERJ Direito à Educação de Jovens e Adultos: concepções e sentidos

Estudo quantitativo e qualitativo

Aborda os modos como propostas de atendimento de seis entidades — públicas, não-governamentais, de movimento social e do Sistema S — têm enunciado as formulações na área e realizado práticas visando a compreendê-las na história política nacional e internacional da educação de jovens e adultos, e as conexões, sentidos, nexos, articulações e imbricamentos que se produzem entre elas, para além dos limites das entidades — no complexo tecido social.

22 2006 FÁVERO, Osmar

UFF Programa de Educação de Jovens e Adultos (PEJA/RJ)

Analise Documental. Entrevistas

Apresenta a historia do Programa de Educação Juvenil (PEJ), criado em 1985 e reformulado em 1996. Nessa reformulação, ampliou o atendimento para os adultos, passando a denominar-se Programa de Educação de Jovens e Adultos (PEJA). Analisa seu funcionamento atual, com base em pesquisa realizada em dois Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) Conclui apresentando considerações sobre a experiência pesquisada.

23 2006 PIERRO Maria Clara Di

USP

Situação educacional dos jovens e adultos assentados no Brasil: uma análise de dados da Pesquisa Nacional de Educação na Reforma Agrária

Análise de dados

Analisa alguns dos dados da Pesquisa Nacional da Educação na Reforma Agrária (PNERA) sobre a situação educacional da população residente nos assentamentos do país e, em especial, discute o desenvolvimento e abrangência do Pronera. Conclui que há uma extensa demanda potencial não atendida e que as oportunidades de escolarização são insuficientes e marcadas pela precariedade das instalações físicas e despreparo dos docentes.