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MARCIA LEONORA DUDEQUE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: ESTUDO HISTÓRICO SOB O REFERENCIAL DE VIOLÊNCIA SIMBÓLICA CURITIBA 2006 MARCIA LEONORA DUDEQUE

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MARCIA LEONORA DUDEQUE

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: ESTUDO HISTÓRICO SOB O REFERENCIAL DE VIOLÊNCIA SIMBÓLICA

CURITIBA

2006

MARCIA LEONORA DUDEQUE

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EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: ESTUDO HISTÓRICO SOB O REFERENCIAL DE VIOLÊNCIA SIMBÓLICA

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná como requisito à obtenção ao título de mestre. Orientadora: Profª.Drª. Rosa Lydia Teixeira Corrêa.

CURITIBA 2006

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Ao meu pai (in memorian) pelos esforços para a

realização de toda a minha educação formal e

pelas palavras de coragem e incentivo para

enfrentar as dificuldades.

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“A todas as pessoas que concluíram o ciclo da

vida e a eles não lhes foi oportunizado o acesso

às letras. Muitos desses nunca puderam escrever

o próprio nome e nem de seus filhos”.

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AGRADECIMENTOS

Aos professores do Curso de Mestrado da PUCPR, que de uma forma ou outra

contribuíram para a realização desse trabalho.

À professora orientadora, pelas contribuições feitas durante as etapas de construção do

trabalho.

Aos queridos amigos e colegas, pelo apoio recebido durante o desenvolvimento da

dissertação, em especial ao Cassiano Ogliari e à Eneida Ribas.

Aos professores que atuam na EJA, em especial aos professores do CEEBJA Maria Deon

de Lira e CEEBJA SESI-CIC, que contribuíram com informações fundamentais para esse

trabalho por meio de pesquisas (questionários).

Aos amigos e colegas do CEEBJA SESI-CIC, meu carinho e consideração por todas as

contribuições, especialmente as Professoras Beatriz das Graças Euflauzino Silva e

Walliana Takazaki Costa pela ajuda técnica quanto à formatação do trabalho.

Ao INSS de Curitiba pela oportunidade de acesso às informações necessárias para a

coleta de dados essenciais ao trabalho. Em especial, agradeço a Cinara Wagner Fredo-

Gerente - Executiva Interina, a Luiza Helena Setti Tigrinho - Chefe da Unidade Técnica

de Reabilitação Profissional e a Angela Maria Marquete - Enfermeira e Orientadora

Profissional da Reabilitação Profissional, os meus mais sinceros agradecimentos.

A minha querida mãe, pessoa lutadora e incentivadora da busca de produção do

conhecimento, que aos 76 anos apresenta-se como uma pesquisadora autodidata

conectada ao mundo virtual. Agradeço também, pela paciência em enfrentar a minha

ausência por tantos finais- de- semana, os quais eu me encontrava isolada na produção

desse trabalho.

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Aos meus irmãos Marcus, Maurício e Mara pela confiança depositada em mim para

atingir o sucesso esperado desse trabalho. Um agradecimento especial ao Marcus, perito

médico previdenciário do INSS, pelos momentos de discussão sobre a problemática

vivida no INSS quanto aos benefícios concedidos aos trabalhadores sem escolarização.

Aos meus amados filhos Igor e Lucas, agradeço pela paciência em enfrentar o meu

isolamento para escrever a dissertação. Deixo a vocês o exemplo de dedicação em

perseverar pela busca de um ideal, independente das dificuldades dessa caminhada e do

esforço exigido.

Em especial, agradeço ao Luiz Renato por sua valiosa contribuição. Agradeço seu

incentivo, seus ensinamentos, sua dedicação constante, não me deixando esmorecer ao

longo desta caminhada. Creia-me eternamente grata.

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LISTA DE SIGLAS CEAA – Campanha de Educação de Adultos e Adolescentes

CEEBJA – Centro Estadual de Educação Básica de Jovens e Adultos

CES – Centros de Estudos Supletivos

CFE – Conselho Federal de Educação

CNBB – Confederação Nacional dos Bispos do Brasil

CNEA – Campanha Nacional de Educação de Analfabetismo

CNER – Campanha Nacional de Educação Rural

CPCs – Centros Populares de Cultura

CPC – Centro Popular de Cultura

CRUB – Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras

Cruzada ABC – Cruzada da Ação Básica Cristã

DEJA – Departamento de Educação de Jovens e Adultos

EJA – Educação de Jovens e Adultos

FNEP – Fundo Nacional do Ensino Primário

FUNDEF – Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do

Magistério.

Fundação EDUCAR – Fundação Nacional para Educação de Jovens e Adultos

GEPRO – Gerência de Profissionalização

JUC - Juventude Universitária Cristã

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INEP – Instituto Nacional de Estudo e Pesquisas Educacionais

INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

LDBEN- Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MCP – Movimento de Cultura Popular

MEB – Movimento de Educação de Base

MEC – Ministério da Educação e Cultura

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MNCA – Mobilização Nacional Contra o Analfabetismo

MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização

MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

ONU – Organizações das Nações Unidas

PAC – Posto Avançado de CEEBJA

PAS – Programa de Alfabetização Solidária

PEI – Programa de Educação Integrada

PIPMO – Programa Intensivo de Preparação de Mão-de-Obra

PLANFOR – Plano Nacional de Formação do Trabalhador

PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra a Domicílio

PNE – Plano Nacional de Educação

PRONERA – Programa Nacional de Educação e Reforma Agrária

SEA - Serviço de Educação de Adultos

SEED – Secretaria Estadual da Educação do Estado do Paraná

SEFOR/MTb – Secretaria de Formação e Desenvolvimento Profissional do Ministério do

Trabalho

SIRENA – Sistema Rádio Educativo Nacional

SMEC – Secretaria Municipal de Ensino do Município de Curitiba

UNE – União Nacional dos Estudantes

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura.

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RESUMO

O presente estudo faz uma reflexão histórica, referente à segunda metade do século XX, sobre os recorrentes déficits educacionais do ensino regular brasileiro. Outrossim, demonstra através de dados estatísticos mais recentes que inquestionáveis avanços educacionais foram alcançados durante o período considerado, especialmente a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 e da aprovação da nova LDB n. 9394/96, principalmente no que tange a universalização do ensino básico. Revela que, uma importante causa dos aludidos déficits encontra-se vinculada à cultura herdada no período colonial que se caracterizava pela pouca importância concedida à escolarização do povo em geral. Este quadro histórico é, então, interpretado sob a ótica de Bourdieu e Passeron (1975) que vinculam o fenômeno da reprodução de classe pela reprodução da cultura por meio do sistema de ensino regular denominado de Violência Simbólica. Discute então, de que maneira esta forma de violência ocorre no âmbito do ensino regular e na Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil. Aponta para a grave conseqüência que a pouca ou nenhuma escolaridade acarreta ao trabalhador jovem ou adulto quando sofre acidente ou doença decorrente do trabalho e é encaminhado ao Centro de Reabilitação Profissional do INSS, mas não é reabilitado profissionalmente e, portanto, aposentado precocemente. A perda de sua aptidão para a reinserção ao mundo do trabalho o qual encontra-se diretamente vinculada à impossibilidade de trabalhar em outra atividade formal que não dependa de uma atividade manual repetitiva, vinculada a pouca ou nenhuma escolarização, conforme Tedesco (1998). Demonstra, também, sob a perspectiva da Violência Simbólica de Bourdieu e Passeron (1975), através de um questionário específico, qual o entendimento que os já referidos trabalhadores possuem da sua condição de aposentados. Por fim, analisa o estado atual da formação de professores para a EJA enquanto modalidade de ensino. Palavras chaves: Educação de Jovens e Adultos, Formação de professores, Violência Simbólica, Aposentadoria Precoce.

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ABSTRACTS

The research is a historical reflection about the Brazilian regular education deficits during the second half of the XX century. The most recently statistics records show that the official education in the country have had substantially progress in this area. It also demonstrates this improvement, especially during the 90 decade, when the Federal Constitution and the new LDB n. 9394/96 was approved. The most important improvement was universalizing the basic education. It also shows that one of the most important factors of the educational deficits is linked to the cultural heritage from the colonial period. Than, this historical scenario is interpreted thru the Bourdieu and Passeron (1975) “symbolic violence” concept. It argues how the “symbolic violence” is linked to the regular education of the juveniles and adults (JAE). It shows the relationship of the drastic consequences to the younger and adult labors and the absent or few education if they suffered an accident or illness’ work. On this situation, this labors goes to INSS Profit ional Rehabilitation Center to get their health rehabilitation. When they don’t achieve the physical and health, they are early retired. When there is impossible to them to return to labor’ word because they can’t work in another formal activity that don’t depends on the repeated movements of their hands this situation is useful linked to absent or few education, Tedesco (1998). It also uses a specific questionnaire to shows from the labors’ view point how they interpreted the early retired of the formal labor’ word. At the end, it discusses the actual EJA teachers former studies. Kie word: Education of the Juveniles and Adults, Teachers Former Studies, symbolic violence, Early Retired.

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SUMÁRIO

1.INTRODUÇÃO ............................................................................................................12

2.HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL E NO

PARANÁ .......................................................................................................................... 21

2.1 História da Educação de Jovens e Adultos no Brasil ................................................. 21

2.2 Educação de Jovens e Adultos no Paraná..................................................................40

2.3 Os Déficits Educacionais e os Dados Oficiais............................................................ 45

3.EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E VIOLÊNCIA SIMBÓLICA ................75

3.1 O Ensino Regular e violência simbólica..................................................................... 75

3.2 A Educação de Jovens e Adultos e a violência simbólica.......................................... 96

3.3 Campanhas e outras iniciativas de alfabetização e violência simbólica......................98

3.4 Negação de Cidadania através da Aposentadoria Precoce pelo Instituto Nacional de

Seguridade Nacional........................................................................................................102

4.FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO DE JOVENS E

ADULTOS ......................................................................................................................107

5.CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................141

REFERÊNCIAS ............................................................................................................144

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1.INTRODUÇÃO

O presente trabalho teve origem a partir de questionamentos oriundos da vivência

da autora como professora na modalidade de ensino para jovens e adultos e também

como Diretora de uma escola estadual na cidade de Curitiba no Paraná, que oferta à

referida modalidade.

No decorrer da atuação profissional, pode perceber que havia gradativo aumento

da demanda de alunos que procuram à escola, o que a fez refletir sobre qual a razão deste

aumento, uma vez que a Educação de Jovens e Adultos (EJA) existe há tanto tempo para

atender a escolarização de pessoas em distorção idade/série, qual seria, portanto, a razão

desta promoção. Da mesma forma, na caminhada profissional, acolhia os diferentes

depoimentos dos educandos em relação à necessidade de iniciarem sua escolarização ou

retornarem a ela. Dentre os motivos, destacava-se, principalmente, o fator trabalho.

Grande parte dos alunos procurava a escola em busca da certificação com o propósito de

conservar a sua vaga no trabalho, ou então tentar galgar uma oportunidade de trabalho.

Aliada a estas informações, havia a situação problema vivida pelo meu irmão na função

de médico perito do Instituto Nacional de Seguridade Nacional (INSS), ao expor a

realidade da Unidade de Reabilitação Profissional para o Programa de Reabilitação

Profissional no âmbito do mesmo instituto ao relatar que milhares de trabalhadores não

são reabilitados profissionalmente porque não possuem escolaridade básica mínima

exigida no mundo do trabalho. Todos estes questionamentos estão presentes e discutidos

nos capítulos desta dissertação.

O relato exposto traduz, em linhas gerais, a gênese das inquietações da autora e

que a motivou a desenvolver a pesquisa e a chegar aos resultados obtidos neste trabalho.

O objetivo deste estudo é realizar uma reflexão histórica sobre os déficits

educacionais1 atinentes à escolarização inicial para então entender e discutir sobre os

possíveis estímulos que esta acarreta para a promoção da Educação de Jovens e Adultos 1 Entende-se por déficit educacional a não escolarização que pode ser resultante da evasão escolar, não acesso à escola e da repetência principalmente nas séries iniciais da escolarização. 2 Inelegível Permanente é termo consagrado pela Unidade de Reabilitação Profissional para o Programa de Reabilitação Profissional no âmbito do INSS para designar a condição de um indivíduo fisicamente incapaz para o trabalho.

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(EJA) no Brasil e no Paraná, na segunda metade do século XX. Dentre outros fatores que

fazem parte dos déficits educacionais a atenção do estudo encontra-se voltada para as

questões referentes às sucessivas repetências dos alunos nas primeiras séries da educação

inicial e por conseqüência a evasão escolar dos mesmos. Da mesma maneira, será

debatido de que forma os déficits educacionais podem ser considerados formas de

Violência Simbólica no entendimento de BOURDIEU e PASSERON (1975) e como

interferem no exercício da cidadania, em seu sentido mais amplo, de um segmento da

população conforme COVRE (1991). Será demonstrada, através de um exemplo, de

como a pouca ou nenhuma escolaridade de milhares de pessoas inseridas no mundo do

trabalho sofrem as diferentes formas de marginalização quando são consideradas

insuscetíveis2 ao trabalho ao receberem precocemente o “benefício” da aposentadoria por

doença incapacitante, incluindo os acidentes de qualquer natureza relativos ou não ao

trabalho. Finalmente, serão, também, amplamente discutidas as prováveis relações entre a

formação dos professores que invariavelmente atuaram na escolarização de adolescentes

e adultos e o parco rendimento resultante das propostas de ensino destinadas à população

alvo.

Os objetivos acima indicados visam responder ao seguinte problema de

pesquisa: Quais as possíveis vinculações entre déficits educacionais existentes na segunda

metade do século XX referentes à escolarização inicial da educação básica e educação de

jovens e adultos?

Embora o Estado tenha ofertado, em diferentes épocas, formas

alternativas de ensino para atender os indivíduos que não foram escolarizados em idade

própria, seus resultados parecem pouco significativos. Dentre outras questões referentes

aos baixos rendimentos das diversas propostas, destaca-se o fato de que não se

dispunham de professores devidamente qualificados, (GUIDELLI 1996. p. 20, 23 e 35),

(PAIVA 1987. s/p), (BEISEIEGEL 1974. p. 84), (HADDAD 1973. p. 210; 1973; s/p e

1987. p. 13). Sobre a questão formação de professores, para PAIVA (1987. s/p) ¨Os

déficits educacionais históricos no Brasil parecem diretamente responsáveis pelos

também históricos e exagerados índices de analfabetismo, analfabetismo funcional e de

evasão escolar que resultam, predominantemente, das primeiras séries do ensino

fundamental. Compreende-se então, de forma inequívoca, que o país, ao longo da sua

história, não tem conduzido objetivamente a educação de seu povo, correspondentemente

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as necessidades sociais. As políticas educacionais, historicamente constituídas, voltadas à

escolarização de jovens e adultos aconteceram, principalmente, por meio de campanhas

de alfabetização, com o propósito de erradicar o analfabetismo no Brasil, intentando

ações predominantes de caráter político partidário. De modo geral, elas têm sido

desprovidas de um rigoroso planejamento que permitisse atender as exigências quanto às

especificidades da demanda de alunos. Outro problema, diz respeito à desqualificação

profissional das pessoas que, de modo geral, atuam como docentes nas campanhas de

alfabetização nas diferentes épocas.

Pretende-se compreender paralelamente, qual o significado que o

histórico déficit educacional representa aos próprios indivíduos que compõem o segmento

populacional que o faz como marca. Constata-se o quanto o sistema educacional

brasileiro tem sido perverso – porque condena aquele que por alguma razão não aprendeu

– na forma de Violência simbólica, (BOURDIEU e PASSERON, 1975. p. 13). Perverso

porque, por ser excludente, condena o indivíduo à marginalidade da sociedade produtiva

e pune-o por algo pelo qual não é responsável. E o que é mais grave: pune-o pela omissão

que não é sua e sim do Estado. É, também, simbolicamente violento. Porque a oferta de

ensino tem sido ao longo da história, invariavelmente, antidemocrática e ineficiente,

penalizando uma significativa parcela da população, o que caracteriza um sistema

educacional injusto, discriminatório e excludente.

Para COVRE (1991), a pouca ou nenhuma escolaridade, também priva o

indivíduo até de seu trabalho e, por conseguinte, de sua cidadania. Um exemplo disso, e

que sem dúvida pode ser considerado como uma forma de violência simbólica ,é o que

ocorre quando um segmento de trabalhadores é precocemente aposentado por doença

incapacitante, incluindo os acidentes de qualquer natureza relativos ou não ao trabalho,

não sendo por isso reabilitado para o mesmo. Mas não é só isso, um fator que aponta

como importante para a não reabilitação para o trabalho é a ausência de escolarização.

Assim o trabalhador é violentado por não poder se educar, por ser proibido de trabalhar e

por não poder exercer a sua cidadania. Ficam excluídos da sociedade produtiva e

definitivamente marginalizados. Destes, uma parcela significativa encontra-se na região

metropolitana de Curitiba e litoral do Estado do Paraná. Esta constatação decorreu de

levantamentos preliminares já realizados nos prontuários destes trabalhadores nos postos

de atendimento do Instituto Nacional de Seguridade Social - INSS – da região citada.

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A historiografia da Educação Brasileira, de modo geral, traz registros

sobre políticas públicas educacionais compensatórias, como a educação de adultos, ora

por meio de referências a elevados números de analfabetos (RIBEIRO, 1981; XAVIER et

al, 1996), ora, quando se pleiteia educação para a população que engrossa os números do

analfabetismo, ou ainda quando as Campanhas de Alfabetização são destacadas como

parte de ação governamental no sentido de combater os males que sofrem aqueles que

não sabem ler e escrever ou, até mesmo, quando se traz à tona alguma discussão sobre o

desenvolvimento econômico e social como vitais para o conseqüente progresso da Nação

Brasileira. Essa historiografia registra, também, que o combate ao analfabetismo foi feito

para servir a interesses políticos em função do voto no início do século XX. Assim, o

analfabetismo ou a pouca escolarização de um segmento populacional não tem sido

entendido por grande parte do poder público historicamente constituído no Brasil, como

uma necessidade de ordem individual e coletiva.

Historicamente, o analfabetismo também tem sido visto, a grosso modo,

como uma questão de adolescentes e adultos que, por alguma razão, não tiveram

oportunidade de acesso à escola de primeiras letras, sendo interpretado,

conseqüentemente, como expressão de um fenômeno social que decorre de uma

organização social desigual e excludente, cujas relações em muito se fazem em bases

escravocratas (XAVIER, 1994). Esta tem sido uma das interpretações mais críticas sobre

essa questão, uma vez que põe no centro do debate um fator importante, a estrutura

social.

Por outro lado, a educação do adulto analfabeto não ganha relevo na

história e historiografia da educação, por outro devido à própria legislação que se

constitui, por muito tempo em fundamentação para a composição dessa historiografia e,

de outro, pelo significado que o analfabeto adquire no interior do sistema produtivo, no

modo de produção capitalista que expressa na legislação, de um modo ou de outro, os

interesses desse mesmo modo de produção.

Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,

em dezembro de 1996, o jovem analfabeto passa a ser objeto de legislação, quando essa

Lei traz uma Seção com dois artigos destinados a Jovens e Adultos, inserindo assim, pela

primeira vez no âmbito legislativo, o que se pode denominar de uma categoria diferente.

Ou outra, mais ampla, em relação à denominação adolescente trazida em legislações

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anteriores. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso

ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria. (Lei nº.

9394/96, Art. 37).

A inclusão daquela categoria que alarga, por assim dizer, a compreensão

sobre um segmento populacional analfabeto ou com escolarização regular incompleta,

manifesta a intenção por parte do poder público de escolarizá-la e, conseqüentemente

inseri-la no universo da concessão ao direito que lhe é justo na sociedade democrática.

Direito esse, pretensamente assegurado pelo Estado na legislação educacional dos anos

70 do século XX, por exemplo.

Em contrapartida, seria ingenuidade imaginar que a inclusão do jovem

analfabeto na atual legislação educacional seria apenas em resposta às exigências de

direito constitucional e de cidadania. Essa inclusão também se faz, porque o sistema

produtivo necessita de uma população jovem que lhe corresponda enquanto mão de obra

minimamente preparada para o cumprimento de tarefas essenciais ao seu funcionamento.

O ideal de redemocratização da sociedade brasileira inevitavelmente tem

como substrato à democratização da educação representada substancialmente pelo acesso

de grande maioria da população à escola de primeiro grau. Isto somente ocorreu em

função da intensificação, já nos anos setenta do mesmo século, do processo de

urbanização e de industrialização que trouxeram para as periferias de grandes centros

urbanos, tais como, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, uma massa populacional

vinda do campo em busca de melhores condições de vida, imaginada através do emprego

na indústria. O processo de democratização do acesso à educação escolar de primeiro

grau se deu então, pelo aumento de vagas e, conseqüentemente, de matrículas na rede

pública de ensino, principalmente a estadual. Entretanto, a expansão ocorreu de modo

massivo na medida em que a grande maioria das escolas, principalmente as de periferia,

passou a funcionar em turnos desdobrados de até quatro, com carga horária de três horas

por turno. Além disso, com turmas de primeiras séries com mais de cinqüenta alunos.

As conseqüências desse processo foram desastrosas. Não pela

democratização propriamente dita, mas pelo modo como ela foi feita. A conseqüência

mais drástica, sem dúvida, foi pedagógica porque um significativo número de alunos

passou a ser reprovado em decorrência de dois fatores mais importantes: de um lado, do

acumulo nas salas de aulas que comprometia a qualidade do trabalho pedagógico; de

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outro, devido à atuação de professores em sua maioria recém-formados, saídos dos

também recém re-denominados enquanto habilitação dos cursos de magistério que não se

achavam preparados para alfabetizar e, conseqüentemente, inserir uma substancial

parcela da população escolar num processo de escolarização formal em longo prazo.

A chamada democratização do acesso de segmentos populares a escola

pública não teve conseqüências desastrosas somente no primeiro ano de matrícula, para

muitos alunos que acederam à escola nos anos imediatamente posteriores à promulgação

da lei 5.692/71 (Brasil, 1971). Muitos deles foram seguidamente retidos na primeira

série, ano após ano, o que se pode denominar de exclusão pela retenção. Por isso, muitos

alunos foram impedidos de prosseguir no decurso da escolarização ao permanecerem

anos consecutivos na mesma série e freqüentando, na maioria das vezes, a mesma escola.

Muitos deles, após várias tentativas, abandonaram-na. Este foi certamente um fenômeno

nada salutar para a história da escola elementar brasileira. Alunos que sabiam escrever,

porém, não decodificavam sua grafia, vindo, a posteriori, caracterizar um tipo de

analfabeto: o funcional. Se esse problema é remanescente aos anos setenta do século XX,

não é menos válido para os dias de hoje. Segundo o IBGE (2004), [...] mais de um terço

da população brasileira é analfabeta funcional e possuem menos de quatro anos de

estudo. E é incapaz de entender um texto. Pressupondo que a população brasileira totaliza

160 milhões de habitantes, aproximadamente 53 milhões estão nessa situação. De modo

bastante genérico, estes podem ser descritos como exemplos de déficit educacional,

preocupação central de estudo e, por assim dizer, nuclear à educação de jovens e adultos.

Como conseqüência do analfabetismo ou do analfabetismo funcional,

muitos desses alunos passaram a engrossar as fileiras de um segmento jovem analfabeto.

Outros, mesmo tendo escolarização inicial, abandonaram a escola ante a necessidade de

trabalhar para ajudar no sustento familiar. O que se consubstancia parte de um fenômeno

tipicamente urbano-industrial que permanece, mas que tem seu ponto nodal na década de

setenta do século XX, como já foi mencionado.

Em contrapartida, outra parcela importante da juventude sequer chegou

a freqüentar a escola em tempo hábil. Neste caso, reafirmando o que asseverou (PAIVA,

1987), devido muitas vezes às precárias condições econômico-financeiras de uma parcela

da população que, em idade escolar, não pôde freqüentar a escola. É sobre esses dois

tipos de sujeitos que serão referidos quando falar de EJA. Sujeitos cuja oportunidade de

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escolarização regular de algum modo lhes foi negada e, de certo modo, continua sendo,

na medida em que a preparação de professores é secundarizada por ser entendida pelo

poder público como uma questão de voluntariado quando trata das Campanhas de

alfabetização ou quando consideram a EJA enquanto modalidade de ensino, como de

segunda categoria. As raízes desse entendimento estão, sem dúvida, nas campanhas de

alfabetização que têm origem no período da Primeira República, e hoje continuam

arregimentar pessoas para atuarem na erradicação do analfabetismo e encabeçadas

principalmente por organizações não governamentais.

É provável que o “peso” da tradição histórica siga influenciando muito

sobre esse assunto, ainda que a atual Lei de Diretrizes e Bases nº. 9394/96 tenha

avançado e contemplado alguns elementos significativos em relação às leis anteriores. O

primeiro deles foi, sem dúvida, ampliação sobre o entendimento de um segmento, a ser

escolarizado, o jovem. “O Brasil tem hoje cerca de 34 milhões de jovens entre 14 e 24

anos, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Destes

aproximadamente 16 milhões estão fora da sala de aula. [...]. (INEP, 2005).

No Art. 24 da Lei 9394/96, quando o legislador define as regras de

organização dessa educação esclarece que os seus níveis são o fundamental e o médio.

Nesse sentido, nos parece que níveis e modalidades são diferentes, uma vez que esta

expressão não se articula à idéia de nível. Segundo Ferreira (1986, p.1195), nível nesta

acepção significa designação comum aos diferentes estágios do ensino: estudante de nível

médio; professor de nível universitário. Neste sentido a compreensão de nível de ensino

parece óbvia.

No que se refere à compreensão de modalidade que mais se aproxima do

interesse do trabalho é a que segundo esse mesmo autor, indica: a tradição aristotélico-

tomista que significa caráter das proposições segundo o qual a relação que elas exprimem

se anuncia como fato, ou é declarada possível ou impossível, necessária ou contingente,

modo. (FERREIRA, 1986, p. 1146). Neste sentido, a condição de jovem ou adulto

analfabeto é um fato. Assim, pode ser necessária ou contingente a denominação

modalidade justamente para designar um segmento social que necessita de escolarização

por razões também contingentes e imperiosas.

Na verdade o Estado oferta três formas diferentes de atendimento para a

demanda da EJA. No entanto não há entre estas ofertas uma complementaridade entre

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elas e sim paralelismo porque a oferta da certificação pela via dos EXAMES

SUPLETIVOS é considerada como suplência, já as Campanhas de Alfabetização não é

nível de ensino, e nem modalidade, e sim, programas emergenciais compensatórios sem a

responsabilidade de certificação e complementação no nível fundamental de ensino

referente à Fase I. Por sua vez, a EJA como modalidade de ensino encontra-se prevista

em Lei e atende o Ensino Fundamental e o Ensino Médio.

Assim, a abordagem sobre a problemática aqui enfocada se dará levando

em conta as influências históricas, sociais, políticas e econômicas do período de estudo.

Trata-se de buscar entender, - Capítulo 1 - através de pesquisa

bibliográfica no campo da história da educação, com especial destaque para a EJA, bem

como sobre a legislação educacional destacadamente dos anos 60, 70 e 96 (5024/61,

5692/71 e 9394/96).

Por sua vez, no Capítulo 2, pretende-se demonstrar e discutir, por meio

de dados estatísticos disponíveis, como os déficits educacionais evoluíram na segunda

metade do Século XX.

Já, o Capítulo 3, abordará especialmente a questão da violência

simbólica de BOURDIEU e PASSERON, 1975 e as deficiências quantitativas e

qualitativas do ensino regular brasileiro, complementando-se com algumas considerações

sobre essa mesma forma de violência e a EJA enquanto modalidade de ensino e como

campanhas de alfabetização de jovens e adultos. Serão analisadas, também, as relações

entre a baixa escolarização como forma de violência simbólica e as aposentadorias

precoces de uma parcela de trabalhadores por doença incapacitante, incluindo os

acidentes de qualquer natureza relativos ou não ao trabalho. Neste particular, o capítulo

estará sendo complementado com o levantamento, seleção, leitura e análise dos

prontuários e fichas de registros dos dados pessoais, em especial da escolaridade de um

grupo de 20 beneficiários aposentados precocemente por doença incapacitante, incluindo

os acidentes de qualquer natureza relativos ou não ao trabalho. Esse levantamento

encontra-se limitado ao ano de 2004 e 2005 (foi utilizado este período para a análise por

ser a disponibilidade de dados pelo INSS no período da pesquisa da autora), dos registros

referentes ao período em questão do posto central do Instituto Nacional de Seguridade

Social (INSS) do município de Curitiba. Foram realizadas, também, entrevistas semi-

estruturadas com seis trabalhadores escolhidos ao acaso dentre aqueles registrados em

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questão. Foi possível, então, estabelecer uma relação de interdependência entre a baixa

ou nenhuma escolaridade destes trabalhadores com a sua aposentadoria precoce e

vinculando-a a violência simbólica proposta por (BOURDIEU e PASSERON, 1975).

Por fim, no Capítulo 4, serão estabelecidas as possíveis vinculações

entre os déficits educacionais existentes na 2ª metade do século XX, referentes à

escolarização inicial da educação básica e da educação de jovens e adultos com a da

formação de professores para atuar nessa modalidade, justamente por que esse tem sido

um assunto que, de modo geral, encontra-se vinculado ou ao voluntariado pelo caráter de

assistência que acompanha esse tipo de educação ou ao indevido aproveitamento dos

professores com formação para o atendimento do ensino regular e, portanto, sem a devida

qualificação para a EJA, ao longo da história educacional do país. Serão ainda, neste

mesmo capítulo, analisadas e discutidas as respostas dos questionários respondidos por

um grupo de 17 professores atuantes na EJA que foram escolhidos intencionalmente, nas

instituições de ensino da Secretaria Estadual da Educação do Estado do Paraná (SEED) e

da Secretaria Municipal de Ensino do Município de Curitiba, (SMEC) que oferta essa

modalidade de ensino.

21

2. HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL E NO

PARANÁ

2.1 História da Educação de Jovens e Adultos no Brasil

A EJA no Brasil tem uma história muito pouco divulgada e

contraditória, (SÁ BARRETO, 1973). A história dessa forma de ensino, hoje considerada

uma modalidade, ainda precisa ser revisada principalmente no que pese à sua narrativa a

partir dos arquivos. Sua tradição tem sido marcada por dados oficiais e pela legislação.

Pouco dela sabemos, por exemplo, em termos de iniciativa dos Estados, quando, por

exemplo, o Ato Adicional de 1834, descentralizou a responsabilidade para com a

educação elementar ao deixá-la sob o encargo das províncias.

Para Paiva (1987, p.62), em todo o período imperial,

É inegavelmente o Ato Adicional, o instrumento legal mais importante para a educação popular no Brasil, com conseqüências que podem ser observadas ainda hoje no país. Ao promover a descentralização do ensino elementar, transformando os Conselhos Provinciais em Assembléias Legislativas Províncias com competência para legislar sobre a instrução pública e estabelecimentos próprios para provê-la, o Ato Adicional eliminou quaisquer pretensões de uniformização do ensino de primeiro grau em todo o país.

Ainda que a primeira Constituição Brasileira, de 1824, no período

imperial, tenha garantido a instrução primária e garantida a todos os cidadãos, entende-se,

nesse universo que, para os adultos também, não passou de uma intenção legal. Por sua

vez, a Constituição de 1891, no período Republicano, deixou o ensino primário sob a

responsabilidade das Províncias e Municípios, deixando para o poder central a

responsabilidade do ensino secundário e superior. Mais tarde, a Constituição de 1934,

trouxe para a União as responsabilidades educacionais e manteve o direito de todos à

educação, estendendo esses direitos aos adultos e reconhecendo, pela primeira vez, a

educação de jovens e adultos atribuindo-a um tratamento singular.

Em 14 de novembro de 1942, o governo federal – através do decreto nº.

4.958 – instituía o Fundo Nacional do Ensino Primário - FNEP - destinado à ampliação e

melhoria do sistema escolar primário em todo o país. Somente três anos após, em 1945,

que o governo regulamentou o Convênio com os Estados e Municípios para a

22

implantação das ações propostas, demonstrando, nitidamente, ineficiência administrativa

e descaso para com a educação de seu povo.

Assim, conforme Paiva (1987, p. 140, 1 e 6)

A falta de pressa com a qual o governo procedeu a esta ajuda demonstra que, apesar de sua intenção de utilizar a educação como veículo de difusão ideológica, a ação pedagógica através do sistema formal de ensino não era vista pelo governo central como um instrumento de ação política muito importante... a insuficiente expansão ou a baixa qualidade do ensino elementar é responsável pelos altos índices de analfabetismo, que motivam a criação de programas para adultos... da situação do ensino elementar comum: das oportunidades que oferece à população escolar (determinando a quantidade de pessoas que permanecem analfabetas por falta de escolas), da qualidade do ensino (responsável pelos índices de semi-analfabetismo) de sua funcionalidade ou disfuncionalidade em relação à vida das pessoas que freqüentam a escola (que se reflete nos índices de analfabetismo por desuso).

Os números disponíveis contradizem estas afirmações. No ano de 1946,

havia 28.300 prédios escolares destinados para o ensino elementar, mas somente cerca de

3.000 foram construídos para fins escolares. Os demais eram alugados, cedidos ou

improvisados. A estimativa para a época era de que havia a necessidade de se construir

cerca de 40.000 novas escolas. Com os recursos do FNEP, uma década mais tarde, foram

construídas somente 15.000 novas unidades escolares. Assim, em 1945, a rede escolar

atendia cerca de 57% da população de 7 a 11 anos, cerca de 12,5% da população geral,

desigualmente distribuída entre as diversas regiões territoriais e representando um déficit

de 43% das necessidades. Cumpre ressaltar que, por exemplo, alguns municípios

apresentavam um déficit de até 90%. No período de 100 anos as matrículas cresceram

aproximadamente 70%, incremento este altamente significativo, ainda que aquém das

necessidades, porém o mais significativo da história da educação brasileira. Por razões

políticas, os cargos de professores criados foram preenchidos no mais das vezes por

professores leigos que, com as mudanças sucessivas dos governantes, eram substituídos

por outros, também leigos, numa demonstração de irresponsabilidade administrativa e

descaso para com o povo, (PAIVA, 1987, p. 146 – 159).

Os números relativos ao ano de 1964, vinte anos depois apresentavam,

44,2% de professores não qualificados no ensino elementar. No estado do Rio Grande do

Norte, este índice alcançava, até 82%. As conseqüências imediatas refletiram-se nos

índices de repetência e evasão escolar, especialmente nos primeiros anos escolares. Dessa

forma, ainda que em um decênio tenha havido um pequeno decréscimo da evasão, os

índices disponíveis indicam cerca de 10%. As reprovações, por sua vez, apresentaram um

pequeno decréscimo, de 59,3% para 41,6%. As causas para tão elevados índices são

23

multifatoriais. Estas se explicam pelas baixas condições sócio-econômicas das famílias

que dificultam o acesso à escola e, quando dentro, a sua permanência, perpassa pelos

problemas intrínsecos da própria estrutura escolar como falta de vagas e distância da

escola e terminando com qualificação docente deficiente, currículos inadequados,

programas excessivos, horários inadequados e instalações precárias. Finalizando, estima-

se que na época somente 20% das crianças adentravam no primeiro ano do ensino

fundamental e desses, somente cerca de 7% concluíam a 4ª série ginasial. Assim, se

houvesse o interesse de compensar tais déficits educacionais, a via apropriada seria sem

dúvida, a educação dos jovens e adultos, apesar da tendência do uso político dessa via

alternativa. (PAIVA 1987 p. 149-152).

Retornando aos anos quarenta, em 1945, com o fim da ditadura do

Presidente Getúlio Vargas, o país atravessava um período de efervescência política para a

redemocratização, inserido em um panorama mundial com uma forte influência das

Organizações das Nações Unidas – ONU – que advogava a necessidade da integração dos

povos, visando à paz e a democracia. Este cenário, acrescido de um déficit educacional

exagerado, contribuiu para que se incluísse a Educação para Adolescentes e Adultos

dentro das proposições gerais para a educação elementar comum. Não se deixava de se

considerar, também, que havia nítidos interesses em se aumentar às bases eleitorais,

assim como se buscava incrementar a mão de obra qualificada para atender ao processo

de industrialização e assistir, de alguma forma, as massas populacionais advindas do

meio rural e concentradas nos grandes centros urbanos (PAIVA 1987, p. 175-186).

Na esteira destas primeiras iniciativas destaca-se, em 1942, a instituição

do Fundo Nacional de Ensino Primário (FNEP) que contemplava, também, através do

Serviço de Educação de Adultos (SEA) – vinculado ao Departamento Nacional de

Educação do Ministério da Educação e Saúde – o Ensino Supletivo, com uma receita

garantida de 25% do montante depositado no fundo e que atenderia a EJA para 56% de

analfabetos com 15 anos ou mais (IBGE, 1940). O movimento que mais prosperou, entre

1954 e 1963, foi a Campanha de Educação de Adultos e Adolescentes (CEAA), tendo

sido responsável, também, pelo desenvolvimento de uma infra-estrutura própria nos

estados e municípios para o atendimento desta modalidade de ensino. Justificava-se à

época, a necessidade da democratização do ensino elementar, mas objetivamente

pretendia-se a capacitação da mão de obra.

24

Embora tenha sido uma iniciativa que perdurou por aproximadamente

dez anos, trata-se de correspondência de caráter emergencial, com a maioria das

iniciativas governamentais até esse período empreendidas. Conforme as palavras do

próprio Ministro da Educação, Lourenço Filho:

[...] devemos educar os adultos, antes de tudo, para que este marginalismo desapareça, e o país possa ser mais coeso e mais solidário. E devemos educá-los porque esta é a obra de defesa nacional, porque concorrerá para que todos melhor saibam defender a saúde, trabalhar mais eficientemente, viver melhor em seu próprio lar e na sociedade em geral pela recuperação da grande massa da população brasileira ainda desprovida de instrução (Apud, PAIVA; 1987 p. 179).

Ao marginalismo, ao qual se referia o ministro, existente no cotidiano da

sociedade brasileira, podemos correlacionar significados mais contundentes e pejorativos,

tais como: adulto analfabeto é um ser marginal; o adulto analfabeto é incapaz; produz

pouco e mal; não possui, sequer, os elementos rudimentares da cultura do nosso tempo; é

uma espécie de zero cujo valor só se revela à direita dos que sabem ler; nenhum grupo

social deseja analfabetos, mas tem que suportá-los se eles existem; a arma de defesa

contra os parias; ele tem que ser posto à margem como elemento sem significação;

frustrados sociais (PAIVA; 1987 p. 184-186).

Outras iniciativas neste âmbito do ensino regular foram idealizadas e

algumas efetivamente implementadas em nível nacional, por exemplo, a Campanha

Nacional de Educação Rural (CNER), de 1952 a 1963, de espírito comunitário,

fundamentado no modelo mexicano das “missões” rurais. Criaram-se os Centros de

Treinamento para professores leigos. Manifesta-se aí, de forma oficial, a concepção

distorcida e de menor importância sobre a formação de professores para a EJA que,

historicamente tem sido adotada no país. Por sua vez, o II Congresso Nacional de EJA,

em 1958, trouxe um novo conceito para a educação, qual seja o planejamento.

Na realidade, havia um grande interesse do Estado brasileiro em

satisfazer a necessidade cada vez mais crescente de acomodação social em razão da

migração também cada vez mais intensa do campo para as cidades. Em sentido mais

amplo, isso requereria qualificação mínima da mão de obra e, concomitantemente,

corresponderia aos interesses políticos, leia-se o voto do alfabetizado. Os esforços

empreendidos na década de quarenta e sessenta não foram em vão, visto que os índices de

analfabetismo decaíram no período, de 56,0% em 1940, para 50,0% em 1950 e, para

39,6% em 1960. (IBGE, 1940, 1950 e 1960), respectivamente.

25

A partir de 1962, pela forte mobilização política partidária que envolvia

a Juventude Universitária Cristã – JUC, as escolas radiofônicas foram se transformando

em movimentos de cultura popular, (MOREIRA, 1960 apud PAIVA, 1987).

Paralelamente o governo, pelo decreto nº. 51.222 de 22 de agosto de 1961, criou a

Mobilização Nacional contra o Analfabetismo que, pela renúncia do Presidente da

República, não foi implantada, (PAIVA 1987, p. 225).

O governo parlamentarista de Tancredo Neves que sucedeu à renúncia

do presidente Jânio Quadros, já sob a égide da Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional – LDBEN, lei nº. 4024 de 20 de dezembro de 1961, entendia a educação como

pré-investimento e se preocupava em racionalizar os recursos e encaminhá-la com o

devido planejamento, (PAIVA 1987, p. 225). Propunha expandir a rede elementar

comum e recuperar os analfabetos ou insuficientemente alfabetizados menores de 15 anos

através de uma Campanha extraordinária que superaria as metas fixadas na reunião de

Punta Del Este – eliminar o analfabetismo e ampliar a rede elementar com escolaridade

mínima de seis anos, (PAIVA 1987 p. 225).

Como meta qüinqüenal propunha alfabetizar, através de uma campanha

nacional, os jovens que anualmente alcançassem os 14 e 18 anos de idade, erradicando,

assim o analfabetismo entre os brasileiros com menos de 23 anos (PAIVA 1987 p. 226,

7). O governo propôs também, o Plano Nacional de Educação – PNE que, no geral,

pretendia universalizar o ensino até 1970, e a eliminação do analfabetismo. (PAIVA

1987, p. 226).

O Movimento Nacional Contra o Analfabetismo ressurge agora no

governo João Goulart, através do decreto nº. 51.470 de 22 de maio de 1962, pretendia a

escolarização das crianças de 7 a 11 anos de idade, com a ampliação da rede escolar e a

educação de adultos. A partir da identificação de todos os jovens analfabetos entre 12 e

21 anos, foram ofertados os cursos. Pretendia-se atender, na medida do possível, os

analfabetos com mais de 21 anos, (PAIVA 1987 p. 226). Os recursos viriam do FNEP,

exceção para o aperfeiçoamento do magistério que advinha do INEP. Propunha, também,

os Centros Regionais de Treinamento de Professores do Ensino Primário, a partir da

transformação dos Centros pilotos de erradicação do analfabetismo. Abrangeria

inicialmente 6 estados alastrando-se, posteriormente, a todo o país. (PAIVA1987, p. 226,

7). Quanto aos seus objetivos destaca-se a preocupação em preparar os professores do

26

ensino primário, o Centro de aprimoramento dos professores já Diplomados e os Centros

de Treinamento de professores leigos. Suas metas quantitativas previam atender 700.000

adolescentes e adultos com mais de 12 anos até março de 1963. (PAIVA 1987, p. 227).

Com a aprovação do Plano Nacional de Educação – PNE e pelo

Conselho Federal de Educação – CFE, o planejamento inicial foi reformulado, criando-se

o Programa de Emergência em setembro de 1962, com a finalidade de ampliar e melhorar

o ensino primário e a alfabetização dos adultos, tendo sobrevivido somente 6 meses,

tendo sido extintos todas as campanhas em 26 de março de 1963 pelo decreto 51.867.

(PAIVA 1987, p. 229).

Durante os anos 60 prosperaram, em muito, os movimentos regionais

cujo enfoque era a educação de adultos, atrelados à Cultura Popular. Alguns de cunho

político, outros sob o guarda chuva da igreja católica, mas, em geral, imbuídos de boas

intenções e que, na essência, caracterizava-se pela inquietação político-social

característica daquela década. O fato novo que surgia eram as propostas pedagógicas

próprias para a participação política do povo.

Conforme Paiva (1987 p.231).

Esses métodos combinam a alfabetização e educação de base com diversas formas de atuação sobre a comunidade em geral, considerando como fundamental a preservação e difusão da cultura popular e a conscientização da população em relação às condições sócio-econômicas e políticas do país.

Havia, portanto, forte apelo político engastado nas propostas

pedagógicas e a devida valorização indivíduo e da sua cultura local.

O Centro Popular de Cultura – CPC, fundado em 1961, era ligado à

União Nacional dos Estudantes – UNE a partir de reuniões entre jovens intelectuais e

artistas pertencentes ao Teatro de Arena. Propunham a difusão do teatro de cunho

político, somente no final de 1963, o movimento interessou-se pelo problema da

alfabetização, a partir do Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular,

(COELHO, 1961, apud PAIVA, 1987, p. 236).

Ao mesmo tempo, em Pernambuco, desenvolveu-se o Movimento de

Cultura Popular, com forte influência social cristã, ligado à prefeitura de Recife, por

iniciativa de estudantes universitários, artistas e intelectuais, com intenções de erradicar o

analfabetismo e melhorar o nível cultural do povo. O diferencial apresentado apoiava-se

na concepção de uma solução “doméstica” para a conscientização do povo através da

alfabetização e educação de base.

27

Segundo Paiva (1987 p. 237).

Pretendia-se compreender a cultura popular, ou seja, interpretar adequadamente e sistematizar aquilo que houvesse de mais específico e significativo na cultura do povo, valorizando a produção cultural das massas e criando condições para que o povo pudesse não somente produzir como também usufruir sua própria cultura, orgulhando-se dela e deleitando-se com ela.

Pela primeira vez na história da educação brasileira denotava-se, de

forma explícita, mais que um método pedagógico, mas sim, uma concepção filosófica

voltada para a educação de adultos revestindo-se, dessa forma, de grande valor histórico

para a educação brasileira. Portanto, esta proposta deve ser considerada como o divisor

de águas da alfabetização de adultos por considerar, pela primeira vez, o analfabeto como

o sujeito do processo em troca dos tradicionais métodos anteriormente adotados onde a

alfabetização era para o indivíduo. Ao se considerar o caráter regional da proposta, o

mérito quanto aos seus resultados, obviamente, não seria quantitativo e sim pela proposta

educacional inovadora e inédita, com ampla capacidade irradiadora para todo o território

nacional principalmente a partir do Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura

Popular e da participação, durante os dois primeiros anos de suas atividades, do educador

Paulo Freire, (PAIVA 1987, p. 240).

O Movimento de Educação de Base, proposto também em 1961, esteve

vinculado à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Este movimento de

cultura popular apresentava algumas características próprias além da alfabetização:

promoção do homem rural; desenvolvimento espiritual do povo; ajudá-lo a defender-se

contra ideologias externas; consciência de seus valores físicos, morais, espirituais e

cívicos; promoção humana; preparação para a participação na vida econômica, social e

política do país através da conscientização, (PAIVA, 1987, p. 240 - 2). Inicialmente

tratava-se de uma proposta regional, difundiu-se para todo o país em 1963, terminando

suas atividades em 1965, com o fim do convênio firmado entre a CNBB e a União. Os

resultados quantitativos, resumidamente, são os seguintes: em 1961 foram atendidos

38.734 alunos; no ano seguinte 108.571; em 1963 no apogeu de suas atividades, 111.066

concluintes. A partir do ano seguinte os números decresceram seguidamente até o final

das atividades em 1965, (PAIVA, 1987, p. 243).

Diante da necessidade de proporcionar um maior alcance da CEAA,

implementou-se no território nacional o Sistema Rádio Educativo Nacional (SIRENA),

que foi desenvolvido entre 1957 e 1963, portanto, institui-se uma forma melhor de

28

ensino. Durante o período compreendido entre 1958 e 1961, desenvolveu-se mais uma

campanha contra o analfabetismo. Desta feita, denominada de Campanha Nacional de

Educação de Analfabetismo (CNEA), que apresentava como diferencial, além da

tentativa de erradicar o analfabetismo, a valorização da cultura popular e a aplicação do

planejamento educacional.

A década de sessenta, caracterizou-se pelos movimentos que

valorizavam principalmente a cultura popular como instrumento para motivar e mobilizar

a população marginalizada a se organizar e procurar a sua devida escolarização. Entre

eles: Movimento de Educação de Base (MEB) em 1961, patrocinado pelo governo

federal e pela Conferência dos Bispos do Brasil; Centros Populares de Cultura (CPC),

ligados à União Nacional dos Estudantes (UNE); I Encontro Nacional de Alfabetização e

Cultura Popular; Mobilização Nacional contra o Analfabetismo (MNCA), que

incorporava as campanhas pré-existentes; Movimento de Cultura Popular (MCP);

Cruzada da Ação Básica Cristã (Cruzada ABC) e o Programa Nacional de Alfabetização

do Ministério da Educação e Cultura, em 1964, com a presença de Paulo Freire. (PAIVA,

1987).

Nesse mesmo período, destacam-se as iniciativas de Paulo Freire, com a

ampliação do sistema de alfabetização de adultos no nordeste brasileiro, durante o

governo João Goulart, no contexto da organização dos camponeses por Francisco Julião,

e com apoio de Miguel Arraes em Pernambuco. Paulo Freire havia trabalhado 15 anos

como diretor do serviço de extensão cultural na Universidade do Recife, período em que

acumulou experiências no campo da educação de adultos. Criou um sistema que aliava

intrinsecamente o processo de alfabetização à discussão dos problemas vivenciais do

educando. Em 1963, sua proposta foi adotada em nível nacional, como orientação para a

alfabetização de adultos, o que ficou conhecido como “alfabetização em 40 horas”.

O quadro político-econômico anterior à revolução, caracterizava-se por

uma inflação galopante, taxa de crescimento em declínio, balança de pagamentos

enfrentando dificuldades e com o poder central sendo acusado de promover um programa

de estatização progressiva. Cabia, então ao Estado “revolucionário” da época fazer o

contraponto às ações populistas do governo deposto, restaurar a confiança da população

nas instituições políticas e no desenvolvimento apoiado na livre iniciativa. Na década de

60, o governo militar ao provocar a ruptura política, reprimiu os movimentos então

29

atuantes, extinguindo-os. Havia então a necessidade de criar condições de florescimento

do modelo socioeconômico hegemônico do regime militar.

Após um interstício de aproximadamente 6 anos, o governo militar,

enfim, implantou o Movimento Brasileiro de Alfabetização ou MOBRAL, em setembro

de 1970, criado em dezembro de 1967, sob a égide da Lei nº. 5379. O MOBRAL nasce,

como um programa de alfabetização de adolescentes e adultos em substituição aos pré-

existentes, e como um projeto a ser realizado fora da escola, com instrutores em vez de

professores, com apoio nas prefeituras e com material didático oriundo pelo então

Ministério da Educação e Cultura (MEC). O projeto encontrava-se em consonância com

o projeto político-econômico-social do governo vigente que previa criar condições para

que o homem brasileiro aumentasse sua produtividade e em conseqüência, a sua renda

também seria influenciada pela maior mobilidade ocupacional. O programa atendia ao

Plano Setorial de Educação e Cultura (1972/1974), que previa a eliminação do

analfabetismo, se possível, na década de 70, seus mentores consideravam que os altos

índices de analfabetismo seriam impedimentos ao desenvolvimento sócio-econômico

brasileiro e um fator determinante à democratização. Aquela lei previa que, ao

MOBRAL, caberia não só a alfabetização de adolescentes e adultos, como também, a

educação continuada e integrada de adolescentes e adultos e o desenvolvimento

comunitário. Atenderia assim, a uma demanda de 18.146.977 milhões de analfabetos em

1970, que representavam cerca de 33,6% da população brasileira, segundo o próprio

MOBRAL (MENDONÇA, 1984. p. 3).

Por outro lado, importantes mecanismos de financiamento foram

instituídos, mais como propaganda política do que como investimento educacional,

quando se permitia que se fizesse uma contribuição voluntária de 1% do imposto de

renda devido pelas empresas e com 24% da renda líquida da Loteria Esportiva. Para

(PAIVA, 1982, p. 100), o governo divulgava a idéia de que [...] livraria o país da chaga

do analfabetismo e simultaneamente realizaria uma ação ideológica capaz de assegurar a

estabilidade do “status quo”, permitindo às empresas contar com amplos contingentes de

força de trabalho alfabetizada.

As características organizacionais do MOBRAL destacavam-se por se

tratar de um sistema paralelo ao do ensino regular, cuja organização central concentrava-

se de um lado na Gerência Pedagógica, encarregada da organização, execução e avaliação

30

do programa. De outro lado estavam as ações locais descentralizadas sob a

responsabilidade das Comissões Municipais, independentes dos governos regionais.

Segundo Paiva (1982, p. 101), esta concepção organizacional visava:

[...] criar uma estrutura adequada ao objetivo político de implantação de uma campanha de massa com controle doutrinário: descentralização com uma base conservadora para garantir a amplitude do trabalho; centralização dos objetivos políticos e controle vertical pelos supervisores; paralelismo dos recursos e da estrutura institucional, garantindo mobilidade e autonomia.

Pelo exposto, depreende-se que a concepção do MOBRAL, encontrava-

se alicerçada e alinhada com os preceitos propostos pela UNESCO, no que se refere aos

objetivos de erradicação do analfabetismo, conforme os relatórios dos vários encontros

internacionais promovidos por aquele órgão, desde a I Conferência Internacional de

Elseneur – Dinamarca, em 1949, até a de Tókio, Japão em 1972 (SUCUPIRA, 1979, p.

49).

Conforme o próprio conceito do MOBRAL: [...] aquela que leva

adolescentes e adultos à aplicação prática e imediata das técnicas de ler, escrever e

contar, propiciando-lhes uma progressiva autonomia e uma busca de melhores condições

de vida “.Ressalte-se que engastada a este conceito encontra-se [...] não só a concepção

de transformar o homem em agente do processo de desenvolvimento, mas também a idéia

de transformá-lo em beneficiário do processo [...]. Ou ainda, [...] como um processo

educativo que pretende ser um instrumento de integração do homem ao processo de

desenvolvimento de sua sociedade”.(MOBRAL, 1979, p. 52).

O Documento Básico de Treinamento de 1973 da fundação

preconizava:

A experiência educativa do MOBRAL é uma tentativa de ajustar o ensino às necessidades de uma sociedade que se encaminha para atingir um estágio sócio - cultural e econômico mais avançado, isto é, mais desenvolvido. O caminho que um país, região ou município, tem que percorrer para alcançar o desenvolvimento é realizado gradativamente, em etapas. E o encadeamento destas etapas é o que se chama processo de desenvolvimento. (MOBRAL, 1979. p. 53)

Note-se que o conceito expresso refletia o momento político, econômico

e desenvolvimentista daquela década, pois considerava a educação como uma primeira

resposta ao desenvolvimento global. Ainda, naquele mesmo ano esta idéia evoluiu,

conforme a Metodologia do Programa de Alfabetização Funcional do MOBRAL que

propunha:

[...] a alfabetização funcional defendida pelo MOBRAL, tem como objetivo permitir que adolescentes e adultos carentes de instrução apliquem, de forma prática e imediata, as técnicas que os habilitem a ler, escrever e contar,

31

capacitando-os assim, a melhorar suas condições de existência. [...]. Não está vinculada só com o conceito de transformar o homem em agente do processo de desenvolvimento, mas, especialmente, com a idéia de convertê-lo em beneficiário deste mesmo processo. É funcional porque o induz a descobrir sua função, seu papel no tempo e no espaço. (MOBRAL, 1979. p. 53 e 54)

A idéia de alfabetização funcional coadunava-se, desse modo, com a

visão funcionalista da educação escolar para a promoção da funcionalidade do sistema

produtivo.

O ano de 1973 caracterizou-se pelo aperfeiçoamento das atividades

finais do MOBRAL, principalmente no que diz respeito à definição do Programa de

Alfabetização Funcional não como o objeto único, mas sim, como um primeiro passo de

um processo mais amplo de Educação Permanente.

Com o intuito de aperfeiçoar o seu processo educativo, o MOBRAL

através dos chamamentos “Educação, processo de promoção humana” e “Alfabetização

Funcional na versão do processo educativo”, realimenta a concepção filosófica do

programa ampliando a ênfase inicial do binômio homem-desenvolvimento, para homem-

comunidade.

Nesse sentido, o ideal desse Programa parece indicar para uma

amplitude pretensamente social ao descentrar seus fins da ótica do desenvolvimento

econômico para a do desenvolvimento social.

Assim, entendiam os seus mentores que o objetivo da sociedade seria o

Homem em toda a sua plenitude. A Educação seria o meio mais apropriado para alcançar

aquele objetivo e o MOBRAL, por sua vez, seria o agente do Processo Educativo. Ainda

que deva ser reconhecida a nobreza dos princípios humanísticos sociais da proposta, cabe

aqui a crítica à imposição de decisões superiores, próprias do regime de exceção.

Dessa maneira, entendiam os seus dirigentes que a Alfabetização

Funcional deveria ser um processo mais aberto e, por conseguinte, mais rico, propiciando

ao alfabetizado o domínio das técnicas de leitura, escrita e cálculo visando criar,

comunicar, participar, transformar e realizar.

Ainda que os objetivos referentes à alfabetização tenham sido

relativamente atingidos (cerca de 50%), o desenvolvimento humano também almejado

parece não ter sido devidamente atendido conforme Govoni, em pesquisa realizada em

Salvador e Teresina, quando avaliou as possíveis mudanças sócio-culturais

experimentadas pelos mobralenses, constatou que:

32

[...] a ascensão social conseguida pelos mobralenses é intraclasse, em boa companhia com as dos analfabetos, ficando excluído, portanto, que o MOBRAL seja entendido como canal de ascensão social pela capacitação profissional e intelectual adquirida. Seu valor fica preso ao instrumento legal, que situa o mobralense na classe das pessoas que podem ler e escrever e que competem por um trabalho limpo e não-manual. (GOVONI, 1980).

Essa passagem corrobora o entendimento de que a concepção

funcionalista/positivista da educação escolar propiciaria mais do que status social a

concomitante mobilidade social na sociedade brasileira desigual.

A concretização dos objetivos sociais do MOBRAL encontra-se

explícita não só no realinhamento do programa de Alfabetização Funcional, mas

principalmente nos programas complementares entre outros:

a) Programa de Educação Integrada (PEI): com o propósito de proporcionar a

oportunidade à continuidade dos estudos dos recém alfabetizados em um

programa equivalente ao curso primário do curso regular, em 12, 15, 18 e 24

meses. Este programa foi concebido e colocado em prática de forma convencional

com as secretarias de educação dos estados e municípios. Conforme o Presidente

do MOBRAL na época, Dr. Arlindo Lopes Correa, este programa já teria atendido

cerca de cinco milhões de pessoas. Sua principal característica era a transmissão

radiofônica a partir de 1972. Experimentado de 1973 a 1975, no Rio Grande do

Norte, foi idealizado para atender uma demanda estimada de 40 milhões de

pessoas em todo território nacional. Foi nesse programa que pela primeira vez

deixou-se de se utilizar professores voluntários não-remunerados por professores

voluntários gratificados mensalmente e ajuda para treinamento em certos

municípios. (MOBRAL, 1979. p. 60).

b) Programa MOBRAL CULTURAL: concebido como complementação às ações

pedagógicas, valorizava a cultura oral, envolvia o mobralense com a sua

comunidade preenchendo os horários de lazer com atividades sociais. Agregavam-

se em torno dos postos culturais que serviam de ponto de encontro no clube. O

primeiro foi inaugurado em Salvador/Ba em 1973, totalizando cerca de 3 mil em

todo o Brasil;

33

c) MOBRALTECA: tratava-se de uma biblioteca móvel, um total de seis e outras

tantas mini bibliotecas para o atendimento regionalizado, atendendo as condições

sócio-econômicas-culturais2.

Após dez anos de atividades, observa-se de forma clara e objetiva que o

MOBRAL idealizado e implementado dentro de uma visão unicamente tecnocrata, e

tendo sido conduzido com total apoio político-financeiro do governo central e com a

devida autonomia em suas realizações, ainda que tenha apresentado níveis

organizacionais nas mais diversas instâncias, não conseguiu erradicar o analfabetismo.

Tanto por razões endógenas ao programa (50% de aproveitamento), como,

principalmente, por razões exógenas afeitas ao sistema de ensino regular que, na década

em questão, além de não alcançar a democratização do ensino básico pela sua

universalização, apresentou as mazelas recorrentes da educação brasileira.

No ano de 1970, segundo IBGE, os índices de analfabetismo no Brasil

eram de 33,6% e em 1980, teria sido reduzido para 25,4%. Neste cenário, observa-se que

o maior contingente de analfabetos encontrava-se no Nordeste do país (45%), ainda que

nesta região não se encontrasse o maior contingente populacional. Por mais que a maioria

da população brasileira se encontrasse na zona urbana, o maior contingente de

analfabetos estava nas regiões rurais (2/3 dos analfabetos no Brasil). A Região Norte do

c)2 Além desses, nas Secretarias Municipais de Bem-Estar Social foram criados cerca de 600 balcões, além BALCÃO DE EMPREGOS: visava à colocação de mão-de-obra, de atendimento gratuito a todos da comunidade que atuava em convênio com as de 21 postos de emprego em todos os Estados do país. Atenderam cerca de 185.000 de pessoas encaminhadas a treinamento profissional, tendo sido colocados cerca de 63 mil. Atendia toda a comunidade, mas priorizava o ex-aluno. Na realidade o balcão de empregos era uma das três linhas de atuação da Gerência de Profissionalização – GEPRO, responsável, tanto pelos programas de verificação e orientação profissional. Este último, implantado em 1974, cobria 1.071 municípios, tendo atendido cerca de 40 mil pessoas. No que se refere ao MOBRAL, foram atendidos pelo Programa Intensivo de Preparação de Mão-de-Obra – Pipmo outros 94 mil pelos postos do órgão. b)Programa de Educação Comunitária para a Saúde: procurava associar as ações de saúde comunitária com a leitura e a linguagem oral, a escrita e o cálculo. Implantado em 1976, tendo atendido em seu primeiro ano 290 municípios (58% na zona rural) com quase 200 mil participantes. Até 1978 já tinham sido atendidas 600.000 pessoas em 1.275 municípios; c). Programa de Desenvolvimento Comunitário: através da mobilização da mídia disponível para a época e região, a comunidade é encorajada a participar de atividades escolhidas pelas próprias comunidades. Conhecedoras de seus próprios problemas participavam ativamente em busca de soluções junto ao poder público e as entidades da sociedade civil organizada; d). Programa de Autodidatismo: sua ação preconizava as áreas rurais, envolvendo os seguintes segmentos: alfabetizadores, ex-alunos de alfabetização funcional, professores de educação integrada, alunos de educação integrada e toda a comunidade. Concentrava as suas ações procurando aumentar os conhecimentos gerais, o desenvolvimento individual, acesso à cultura e na compreensão dos problemas da comunidade e aquisição de conhecimentos práticos, sobretudo aqueles vinculados às necessidades básicas do ser humano (PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO, 1979, p. 58 a 61).

34

país era a que apresentava maiores distorções, visto que o analfabetismo na zona rural era

três vezes maior que a urbana.

Estas distorções refletiam negativamente na economia do país levando-

se em conta que, dos 29,5 milhões da população economicamente ativa em 1970, 13,5

milhões atuavam no setor primário (agricultura e pecuária), sendo que dos 29,5 milhões,

10,6 eram analfabetos e, desses 7,7 milhões trabalhavam no setor rural.

O período pós-revolução, em especial pelo processo de

redemocratização do país, demonstra determinadas peculiaridades. Assim, após um

interstício de dois anos, o período em questão se destaca por duas questões emblemáticas,

resultantes do re-ordenamento político do país. A Constituição Federal de 1988, a partir

da Assembléia Nacional Constituinte e, no âmbito específico da educação, a nova Lei de

Diretrizes e Bases da Educação, Lei 9.394, de 1996.

Ainda que avanços tivessem sido alcançados, estes se caracterizaram por

ter ficado aquém das expectativas da sociedade civil, especialmente no que diz respeito a

EJA, conforme Haddad e Di Pierro: a história da Educação de Jovens e Adultos do

período da redemocratização, entretanto, é marcada pela contradição entre a afirmação no

plano jurídico do direito formal da população jovem e adulta à educação básica, de um

lado, e sua negação pelas políticas públicas concretas, de outro.(HADDAD e DI

PIERRO, 2000. p. 119).

Na década de 80, no plano prático o MOBRAL foi sendo substituído

pela Fundação Nacional para Educação de Jovens e Adultos (EDUCAR), em 1985. Para

a consecução dos objetivos da Fundação EDUCAR, foi criada uma comissão especial

que, em 1986, formulou as suas diretrizes político pedagógicas. A Fundação ficou

subordinada à Secretaria de Ensino de 1º e 2º Graus do MEC. Seus objetivos principais

eram articular o sistema de ensino supletivo, a política nacional de educação de jovens e

adultos, ensino de 1º grau, promover a formação e o aperfeiçoamento de educadores,

produção de material didático e a avaliação das atividades. Sua concepção administrativa

era de descentralização e privilegiou as ações de fomento e apoio técnico aos municípios,

estados e sociedade civil organizada.

Estas transformações despertaram novas esperanças na sociedade como

um todo, principalmente para a elite intelectual e, mais ainda, aos educadores de uma

maneira geral, visto que, efetivamente, vislumbravam-se as possibilidades reais de

35

mudanças radicais na educação brasileira. Estas esperanças fundamentavam-se na

conquista do direito universal ao ensino fundamental público e gratuito,

independentemente de idade, consagrado no Art. 208 da Constituição Federal de 1988; do

estabelecimento do prazo de dez anos para a erradicação do analfabetismo, pelas

Disposições Transitórias da Constituição, que estabelecia também que os governos e a

sociedade civil deveriam concentrar esforços não só para a erradicação do analfabetismo,

como também para a universalização do ensino fundamental e, mais importante ainda, a

destinação para estes fins de 50% dos recursos vinculados à educação dos três níveis

governamentais. Paralelamente a estas ações, as Organizações das Nações Unidas

(ONU), declarou o ano de 1990, como o Ano Internacional da Alfabetização. Nesse

mesmo ano foi convocada a Conferência Mundial para a Educação para Todos e, sendo o

Brasil signatário da ONU – ainda que participasse com o vergonhoso índice de um dos

nove países que mais contribuem para o elevado número de analfabetos no planeta –

habilitava-se aos créditos internacionais vinculados aos compromissos assumidos na

referente Conferência. (HADDAD E DI PIERRO, 2000).

Sob a justificativa da necessidade de ajuste das contas governamentais a

Fundação EDUCAR, no início do governo de Fernando Collor de Mello, em 1990, foi

extinta, bem como o mecanismo que facultava o investimento de 2% do valor devido do

Imposto de Renda das empresas para a alfabetização de adultos e instituído desde a época

do MOBRAL. Se de um lado tais ações, infelizmente, representaram um importante

retrocesso nas conquistas já adiantadas, de outro caracterizaram a descentralização das

ações da EJA, passando a responsabilidade para os municípios.

Como geralmente ocorre na história política brasileira, o novo governo

eleito de Fernando Henrique Cardoso, em 1994 e a sua reeleição em 1998, abdicou do

plano decenal inserido na Constituição de 1988, e sob a justificativa de uma reforma

política institucional da educação, foi aprovada a Emenda Constitucional, 14/96, ao

mesmo tempo em que era aprovada a nova LDB, em 1996.

Duas questões altamente relevantes devem ser consideradas neste

momento do trabalho relativas à LDB e ao Plano Nacional de Ensino - PNE. A primeira

relativa à nova LDB a de 1996 que, de forma semelhante à LDB de 1961, apresentam

perfis semelhantes quanto às suas tramitações no Congresso Nacional. A de 1961, após

14 anos tramitando no Congresso perdeu, ao seu final, muito das suas inovações em

36

atenção a interesses conservadores daquela época. Da mesma forma, a nova LDB,

inicialmente considerada, a partir de importantes acordos e consenso já formulados no

âmbito do Congresso Nacional, tramitou durante oito anos para, ao ser relatada pelo

senador Darcy Ribeiro, deixou de lado parte de tais acordos que confeririam modernidade

à sua concepção.

Naquilo que seria de interesse a EJA, a nova LDB contemplou, tão

somente, dois artigos. Neles foram reafirmados os direitos à educação básica aos jovens e

adultos e sua oferta de forma gratuita através de cursos e Exames Supletivos. Na

realidade, a única inovação contida, estabelece que as idades mínimas para realização de

exames supletivos são de 15 anos para o ensino fundamental e 18 anos para o ensino

médio. Se por um lado, estabeleceu um alcance maior no âmbito da oferta a um público

alvo maior, por outro, estabeleceu uma superposição e uma concorrência de oferta com

outra modalidade de ensino como o ensino regular.

A segunda, em 1998, o MEC encaminhou à Câmara dos Deputados o

Projeto do PNE, cujo parecer do relator, segundo Haddad e Di Pierro, (2000. p. 122)

aderia ao “paradigma da educação continuada ao longo da vida, entendida como direito

de cidadania, motor do desenvolvimento econômico e social e instrumento de combate à

pobreza”. A idéia de educação continuada direciona-se também a EJA, na medida em que

ela destina-se a todas as modalidades de ensino e também ao ensino regular em seus

diferentes níveis e a educação superior. Constata-se que as autoridades constituídas,

enquanto Câmara dos Deputados, reconheciam a relação direta e de interdependência

entre a baixa escolaridade e a situação da classe social mais desfavorecida. Diante disso

propunha-se, então, resgatar a dívida social representada pelo analfabetismo através da

erradicação do mesmo, promover treinamento e capacitação ofertando, assim

oportunidades de educação permanente. Consideravam ainda que fosse necessário

melhorar os índices de alfabetização daquela população que já se encontrava há muito

tempo fora da escola. Estancar a “produção” de novos analfabetos e empreender ações

específicas sobre determinados grupos sociais como os afro-descendentes, etnias

indígenas, à região Nordeste e à população feminina. Reconhecia-se também que, para se

alcançar melhor desempenho educacional nesta modalidade de ensino, seria necessário

que seus alunos concluíssem todo o ensino fundamental e não somente os primeiros

37

quatro anos, proposta esta não confirmada pelo executivo, sendo mantida a meta anterior

de quatro primeiros anos.

Se por um lado, conforme já descrito, o período pós-ditadura no que se

refere à Constituição de 1988 e a LDB de 1996, apresentou idéias e concepções

realmente inovadoras, por outro as restrições orçamentárias, novamente justificadas por

necessidades de ajustes de gastos, não permitiam o cumprimento das metas desejadas e

necessárias e que, conforme Haddad e Di Pierro:

[...] essas diretrizes de reforma educacional implicaram que o MEC mantivesse a educação básica de jovens e adultos na posição marginal que ela já ocupava nas políticas públicas de âmbito nacional, reforçando as tendências à descentralização do financiamento e da produção de serviços. (HADDAD e Di PIERRO, 2000. p. 122).

Diante disso percebe-se que o tratamento diferenciado a EJA mantém-se

na mesma razão sob a qual ela tem sido historicamente tratada, ou seja, de forma

desigual. Assim, essa idéia corrobora o entendimento de que a educação como um todo e

especialmente a EJA não tem sido a prioridade das elites políticas brasileiras ao longo da

história.

A situação emblemática que exemplifica a questão ora colocada é a

supressão das Disposições Transitórias da Constituição de 1988 pela Emenda

Constitucional 14/96, do artigo que comprometia a sociedade e os governos a erradicar o

analfabetismo e universalizar o ensino fundamental até 1998 e desobrigando o governo

federal de aplicar para esse fim, 50% dos recursos vinculados à educação. Se não fosse

isso suficiente, a própria Lei 9.424/96 ainda recebeu vetos do presidente da república. O

mais nefasto deles para a EJA foi, sem dúvida, aquele que não permitia a inclusão das

matrículas registradas no ensino presencial fundamental de jovens e adultos, fossem

computados para efeito dos cálculos dos fundos, desestimulando o setor público a

expandir o ensino fundamental de jovens e adultos.

Por outro lado, a nova redação do Artigo 60 das Disposições

Transitórias da Constituição, criou o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental

e Valorização do Magistério (FUNDEF). Sua principal característica, no que diz respeito

à distribuição de seus recursos é que não estabelecia uma quantia mínima a ser distribuída

por aluno/ano que seria de responsabilidade do presidente da república, através de

decreto presidencial, com base na previsão das receitas e da demanda de matrículas.

O aspecto positivo é que se pensou na valorização do magistério de

forma objetiva e concreta e, para tanto, a lei obrigou os Estados e Municípios a

38

implantarem planos de carreira para o magistério, utilizando ao menos 60% dos recursos

do Fundo na remuneração docente. (HADDAD e Di PIERRO, 2000. p. 123.)

Essas medidas reforçavam os municípios quanto à responsabilidade pelo

ensino fundamental, questão já contemplada na Constituição de 1988 e LDB, 9394/96.

Apesar de o FUNDEF, representar um avanço legislativo e a

possibilidade de conseqüente, também avanço operacional, Haddad e Di Pierro, (2000. p.

123.) afirmam que:

Essa redistribuição dos encargos educacionais entre as esferas de governo, realizada sem uma ampliação dos recursos públicos para o setor, deixou larga margem de dúvida sobre as possibilidades de seguir expandindo o sistema público de ensino de modo a atender ao novo perfil demográfico da população e cobrir os elevados déficits de vagas, reduzindo os dramáticos índices de evasão e repetência que caracterizam o sistema educacional, melhorando a qualidade da educação e as condições de trabalho do magistério.

Ao estabelecer o padrão de distribuição dos recursos públicos estaduais

e municipais em favor do ensino fundamental de crianças e adolescentes, o FUNDEF

deixou parcialmente a descoberto o financiamento de três segmentos da educação básica

– a educação infantil, o ensino médio e a educação básica de jovens e adultos. Com a

aprovação da Lei 9.424, o ensino de jovens e adultos passou a concorrer com a educação

infantil no âmbito municipal e com o ensino médio no âmbito estadual pelos recursos

públicos não capturados pelo FUNDEF. Como a cobertura escolar nestes dois níveis de

ensino é deficitária e a demanda social explícita por eles muito maior, a expansão do

financiamento da educação básica para jovens e adultos (condição para a expansão da

matrícula e melhoria de qualidade), experimentou dificuldades ainda maiores que aquelas

já observadas no passado. (HADDAD e Di PIERRO, 2000, p. 123).

As ações compensatórias, com o auxílio da sociedade civil, também

foram concebidas e implantadas sob idéias já experimentadas e com resultados duvidosos

– pela possível descontinuidade da formação do público alvo atendido – como o

Programa de Alfabetização Solidária (PAS), associado ao Conselho da Comunidade

Solidária. Este programa recorre aos equivalentes do passado ao propor a alfabetização

em cinco meses, priorizando o atendimento ao público juvenil das periferias das cidades e

dos municípios com altos índices de analfabetismo. Seus resultados indicam que o

desempenho do programa tem conseguido alfabetizar somente um quinto do público

atendido. Por sua vez, o Programa Nacional de Educação e Reforma Agrária,

(PRONERA), concebido para atuar de forma associada ao Conselho de Reitores das

39

Universidades Brasileiras (CRUB) e com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem

Terra (MST). É coordenado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

(INCRA), foi implementado em 1998, tendo já alfabetizado 55 mil trabalhadores sem

terra.

O Plano Nacional de Formação do Trabalhador (PLANFOR),

coordenado pela Secretaria de Formação e Desenvolvimento Profissional do Ministério

do Trabalho (SEFOR/MTb), propõe a educação básica aos trabalhadores associada à

capacitação para o desenvolvimento de competências técnicas específicas e habilidades

de gestão. Embora sua concepção tenha sido abraçada por diferentes órgãos e

instituições, a mais relevante dificuldade deste programa, ainda que tenha atendido a 60%

dos cinco milhões de trabalhadores que acorreram ao PLANFOR, tem sido a

desarticulação com as secretarias estaduais e municipais de ensino que seriam os agentes

públicos na oferta de oportunidades de educação básica de jovens e adultos (HADDAD e

Di PIERRO, 2000, p. 125).

Mesmo que esse Programa tenha alcançado esse favorável índice, no

entanto.

Pesquisa recente mostrou que são necessários mais de quatro anos de escolarização bem-sucedida para que um cidadão adquira as habilidades e competências cognitivas que caracterizam um sujeito plenamente alfabetizado diante das exigências da sociedade contemporânea, o que coloca na categoria de analfabetos funcionais aproximadamente a metade da população jovem e adulta brasileira. (HADDAD, 1977) e (RIBEIRO, 1999) apud (HADDAD E Di PIERRO, 2000. p. 126).

Esse Programa se assemelha às Campanhas de Alfabetização que tem

sido consubstanciada por propostas equivocadas, político-eleitoreiras, com índices muitos

baixos de aproveitamento e formadoras de analfabetos funcionais.

Este breve relato histórico, corroborado não só pelas estatísticas

educacionais (presentes no subcapítulo 1.3) através dos anos – números relativos de

crianças fora da escola, números das matrículas disponibilizadas em relação à demanda,

taxa de repetência escolar, índices de evasão escolar, desempenho escolar, deficiências

quantitativas e qualitativas da rede escolar oficial – demonstra que, especialmente pelas

ações de governo mais recentes, a exemplo, na década de 70, o ensino secundário foi

transformado, de forma indiscriminada em profissionalizante, perfil este que se mantém

até os dias de hoje. Considerem-se aqui, também, as relações entre os gastos do governo

em relação ao número de alunos matriculados nos diferentes níveis de ensino regular.

40

2.2 Educação de Jovens e Adultos no Paraná

Foi significativa a melhora alcançada na educação de jovens e adultos

nestes últimos anos no Estado do Paraná, especialmente a partir das reformulações

introduzidas nesta modalidade de ensino, com o intuito de melhor atender o seu alunado -

constituído por um importante segmento da sociedade inserido ou não no mercado de

trabalho - e que procura formalizar seus estudos através da Educação Básica ofertada pela

Rede Pública de Ensino nesse Estado. Apesar dos avanços alcançados, o ensino para

jovens e adultos precisa ser mais profundamente discutido e, muito provavelmente,

reformulado.

No Paraná, o atendimento a escolarização de Adolescentes e Adultos

ofertados pela rede Estadual de Ensino, foi institucionalizada em 1972, com a criação do

Departamento de Educação Complementar, que mais tarde transformou-se no

Departamento de Ensino Supletivo, vinculado a Secretaria Estadual da Educação do

Paraná.

Apoiado em modelos tecnicista, típicos da época, percebia-se que a

escolarização de adultos estava concebida como Suplência, visando à preparação de mão-

de-obra e sua inserção no mundo do trabalho.

Na década de 1980, foram criados os primeiros Centros de Estudos

Supletivos (CES), nas principais cidades do Paraná: Curitiba, Cascavel, Ponta Grossa,

Londrina e Maringá, ampliando, portanto, a rede estadual de ensino público, conforme

estabelece a Constituição Federal de 1988. Estes propunham o ensino asseriado, as

matrículas eram realizadas por disciplina, atendimento individualizado, flexibilidade nos

horários para os alunos, mas requeriam uma prática quase autodidata, ainda que tenham

sido oferecidos monitoramento e acompanhamento pedagógico aos alunos. Depreende-se

que a prática autodidata, por si só anunciava que esse atendimento de escolarização

prescindia da atuação direta do professor.

Em 1990, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a

partir da Pesquisa Nacional por Amostra a Domicílio (PNAD), levantou dados

estatísticos que justificou uma proposta de educação formal que procurasse atender ao

trabalhador que vive numa sociedade, sem condições de participar ativamente, exercendo

atividades instáveis de subempregos. Este levantamento apontou haver no Brasil, uma

41

população de 17.732.629 pessoas analfabetas, sendo 37% com idade entre 15 e 39 anos.

No Paraná, este índice subia para 42% de analfabetos, sendo que em Curitiba a proporção

era de 28%, na Rede Municipal de Ensino, no ano de 1991. A partir de tal constatação, o

Departamento de Educação de Jovens e Adultos (DEEJA) da SEED, iniciou programas

de alfabetização que atendessem a classe trabalhadora e os jovens com o perfil

apropriado. Este fato continua a se repetir na realidade atual. Diante de um quadro com

índices excessivamente altos de analfabetismo completo e/ou analfabetos funcionais -

aqueles que fazem o uso precário e emergencial dos códigos da língua escrita para as

necessidades mais simples e imediatas - e constatada a inexistência de uma proposta

pedagógica adequada às necessidades dos alunos jovens e adultos de Curitiba, em sua

maioria residindo na periferia da cidade elaborou-se então, um programa de atendimento

a esse segmento da população curitibana.

Em 1991, o Governo Estadual, aprovou Proposta Preliminar de

Educação Básica de Jovens e Adultos pelo Conselho Estadual de Educação/PR, através

do Parecer 01/91 e da Deliberação 5/91, autorizando o experimento pedagógico por dois

anos e no ano seguinte, o Conselho Estadual de Educação, integrou esta mesma proposta

no âmbito da Prefeitura Municipal de Curitiba.

Com a implantação da LDB 9394/96, a educação de jovens e adultos

apareceu com mais vigor no cenário educacional, exigindo regulamentações específicas.

Houve uma evolução do sistema educativo e impulsionou a modernização da escola. A

importância dessas ações, agora acopladas a outros meios mais modernos de interação

entre educador e educando, justificava a necessidade da criação dos Centros Estaduais de

Educação Básica para Jovens e Adultos – CEEBJAs - e determinada pela Resolução n.º

2611/01, o artigo 1º, inciso 1º permitiu a continuidade do funcionamento de CEEBJA e o

artigo 2º, inciso 1º desta mesma Resolução regulamentou a implementação de Postos

Avançados de CEEBJA – PACs. Estes em parcerias com as prefeituras ocuparam os

espaços escolares ociosos e atenderam as demandas regionais de milhares de pessoas

carentes de escolaridade básica.

Assim, esta modalidade de ensino foi potencializada pela oferta de

educação semipresencial para as populações de alguma forma desassistidas residentes em

regiões geograficamente mais distantes dos CEEBJAs, que permaneciam, até aquele

momento, alheios às oportunidades de educação.

42

Segundo o Relatório de Contagem da População e Dados Educacionais

de 1996 do IBGE, mostravam que no Paraná, 11,1 % da população com 15 anos ou mais,

encontrava-se ainda sem instrução ou não havia estudado por apenas um ano ou menos.

Em 1999, o PNAD no Paraná, indicou que o índice da população paranaense com mais

de 15 anos, sem instrução ou com menos de um ano de escolarização, era de 10,2 %.

Índice que justificava a preocupação com relação à tarefa a ser cumprida quanto à

educação de jovens e adultos no estado do Paraná. Desta maneira, estaria atendendo o

que preconiza as Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA, do Conselho Nacional de

Educação, Parecer Nº. 11/00. É dever do Estado em reparar a divida social junto à

população brasileira, que não teve acesso ou permanência na escola [...]. (MEC, 2000).

Neste sentido, Carlos Roberto Jamil Cury, relator das Diretrizes

Curriculares Nacionais de Educação de Jovens e Adultos afirma que, na prática, as

principais características do aluno de EJA são: aprender conteúdos significativos segundo

a vivência e interesse; muitos iniciam os cursos apresentando auto-estima bastante

reduzida; vivência pessoal e profissional é heterogênea; interesses são muito variados;

superam as dificuldades pessoais quando alcançam o resultado esperado.

Ao se trabalhar com a EJA, é de esperar que o docente considere as

heterogeneidades indicadas por Cury e utilize em sua prática uma abordagem pedagógica

que permita atender as especificidades do alunado. Assim, a pedagogia de Paulo Freire,

fundamentada em uma concepção de educação como "prática da liberdade", educação

para a conscientização e o diálogo como método, situa os educadores e educandos como

sujeitos da reflexão e ação, constituindo-se numa proposta cujo processo ensino-

aprendizagem acontece pelo respeito ao saber vivido pelo aluno, conscientiza sem

violentar a consciência do aluno, relaciona o conhecimento com a realidade social

privilegiando o contexto do mesmo.

A modalidade de ensino para jovens e adultos, ainda que seja

considerada uma forma de ensino a princípio provisória, percebe - se que há uma

demanda cada vez maior de indivíduos nas instituições que ofertam esta modalidade de

ensino. Isto ocorre, entre outros motivos, porque houve significativa mudança na faixa

etária dos alunos, propiciada pela nova LDB 9394/96, e pelas lacunas que o sistema de

ensino regular ora apresenta que mostram índices exagerados de alunos das escolas

regulares que migram para as instituições que ofertam esta modalidade de ensino. Ao se

43

considerar este aumento significativo de alunos que migram das escolas regulares para a

EJA, há a necessidade de identificar quais são os fatores que levam a referida migração.

Quais são os déficits, portanto, presentes no ensino regular e, historicamente constituídos,

que promovem a evasão dos alunos do ensino regular para a EJA? Depreende-se,

portanto, que a modalidade de educação de jovens e adultos exercerá ainda, e por muito

tempo, além de sua função primeira que é atender as pessoas adultas que em idade

própria não puderam freqüentar ou concluir os seus estudos no ensino regular, deva

atender também a uma demanda de alunos jovens, resultado dos déficits do ensino

regular.

Esta modalidade de ensino se torna mais relevante ainda no contexto

educacional ao se considerar todas as dificuldades enfrentadas rotineiramente pelos

trabalhadores brasileiros, especialmente aqueles que se apresentam com baixa

escolaridade ou analfabetos funcionais ou mesmo analfabetos. Estes últimos, por si só,

representam um percentual bastante significativo da população, 15,8 milhões de

brasileiros e destes, 900 mil se encontram no Paraná, segundo o Relatório de Contagem

da População e Dados Educacionais de 1996 do IBGE. Diante desta questão, Di Pierro

(1992 p. 22) afirma: não tornar a educação de Jovens e Adultos como uma das

prioridades é um genocídio educacional ou suicídio econômico, pois significa relegar à

ignorância parcela tão grande da força de trabalho do país ou ainda amargar décadas de

atraso até que se formem novas gerações.

Dessa forma, a oportunização democrática do conhecimento para

os jovens e adultos que de alguma forma não tiveram acesso à escolarização básica ou

que não a tenham concluído, deveria apoiar-se no princípio proposto por Ferretti (1999 In

CAMPOS, p. 159, 2000.).

[...] porque a educação é boa em si mesma, porque a educação é um bem social em si mesmo, e as pessoas devem ser educadas porque é bom, não porque precisam se educar para obter emprego, [...] alcançará o seu objetivo social mais amplo que é o resgate e o direito ao exercício da cidadania da população alvo.

Por outro lado, há que se considerar também, os rendimentos da

apropriação dos conhecimentos advindos das formas de ensino formal e não formal que

possibilitam ao jovem e ao adulto agir com segurança diante de situações problema

vivenciadas no seu dia a dia, seja no trabalho ou na comunidade em que vive.

44

A partir desta necessidade, uma vez mais, indagações a respeito das

atuais campanhas relâmpagos para alfabetização de adultos tais como a “Campanha das

Letras” de responsabilidade da Prefeitura de Curitiba ou a Campanha "Por um Brasil

Alfabetizado" do Governo Federal, devem ser feitas, especialmente no que se refere à

capacidade destas pessoas em fazer uso apropriado das letras que venha a atender as suas

necessidades, quando precisar interpretar as tecnologias que cercam a vida

contemporânea. Dessa forma, não seria pertinente sugerir que estas campanhas não

estariam contribuindo para aumentar os índices de analfabetos funcionais? Os grupo de

"voluntários" selecionados para alfabetizar estas pessoas, em tão curto espaço de tempo,

estariam suficientemente qualificados e aptos a esta tão difícil tarefa? Por ventura, estes

mesmos "voluntários" teriam condições de mostrar ao adulto aprendiz que a escrita

poderá vir a ser um importante instrumento para reivindicar o que lhe é de direito?

Haveria o devido planejamento para dar continuidade a escolaridade destas pessoas?

Assim, se atualmente ainda há 19 milhões de brasileiros analfabetos,

sendo 900 mil no estado do Paraná, (IBGE 1999) e se, historicamente, a alfabetização no

Brasil tem sido proposta por meio da EJA e mais, desprovidas de um acompanhamento

de longo prazo poderá, provavelmente e na melhor das hipóteses, transformar analfabetos

em analfabetos funcionais.

Da mesma forma, uma vez mais, quer parecer que “campanhas

relâmpago” que ora estão sendo propostas pela Prefeitura de Curitiba e pelo Governo

Estadual, constituídas de um corpo docente voluntário, a maior parte deles alheio ao meio

e sem a devida vocação e competência para atender as especificidades que apresentam os

alunos de educação de jovens e adultos também resultarão em fracasso.

Em contrapartida e considerando os rendimentos dos alunos de educação

de jovens e adultos, agora sob o ponto de vista dos CEEBJAs, a sua proposta curricular

atende amplamente as diferentes necessidades do trabalhador? O papel da escola, dentro

de seu significado mais amplo, contempla todos os seus objetivos? Há qualificação

mínima dos professores para trabalhar com o adulto aprendiz atendendo as suas

especificidades? Há uma responsabilidade política do Estado voltada para a qualidade da

EJA?

Ficam os questionamentos porque tratam-se de questões que ainda

necessitam de muita reflexão e discussão.

45

2.3. Os Déficits Educacionais e os Dados Oficiais

O Senso Demográfico do ano de 2000 apresentou uma população total

de 34 milhões de jovens entre 15 e 24 anos (IBGE, 2000). Quem são estes brasileiros?

Quais as oportunidades de escolarização a eles disponibilizadas?

Há indicações de que uma parcela importante dos jovens brasileiros está atualmente, experimentando uma série de fragilidades e vulnerabilidades, o que leva a que se fale em uma “crise dos jovens”. Indicações dessa crise podem ser dadas pelo fato de que enquanto os jovens representavam 19,5% da população brasileira em 2002, eles eram responsáveis por 47,7% do total de desempregados do país, bem como por 19,6% dos pobres. Em 2000, do total de óbitos por homicídios, 40% ocorreram entre a população de 15 a 24 anos. Isso levou a que, aproximadamente, 4% dos jovens do sexo masculino não completassem o seu 25° aniversário devido a esse tipo de causa de morte, segundo o Ministério da Saúde.(CAMARANO, et al. 2004. p. 1).

Conforme os mesmos autores, o processo tradicional de transposição da

adolescência, tradicionalmente realizava-se em três fases distintas: a primeira, dedicada

exclusivamente aos estudos; a segunda, após a conclusão dos estudos, a entrada no

mercado de trabalho; a terceira, a constituição da família. Parece que, cada vez mais, este

processo tradicional não tem sido acompanhado especialmente pelas dificuldades

econômicas das classes sociais mais baixas que, por sobrevivência, interrompem seus

estudos mais precocemente para adentrar ao mercado de trabalho para compor a renda

familiar.

Ainda que inquestionáveis avanços quantitativos e qualitativos tenham

sido alcançados pela educação formal brasileira durante o período de interesse desse

estudo, são alarmantes os dados a seguir apresentados relativos à escolaridade desses

jovens.

46

Tabela 1

Brasil: Distribuição Proporcional Dos Jovens Brasileiros Por Atividade E Freqüência À Escola,

Segundo Grupos De Idade — 1982 E 2002 [em %]

Estuda e é ocupado É só ocupado Só estuda Nem estuda nem é ocupado Idade 1982 2002 1982 2002 1982 2002 1982 2002

Homens

15-17 anos 20,6 26,1 41,0 10,8 29,5 55,2 8,9 7,9

18-19 15,2 25,3 59,8 34,7 14,2 25,4 10,8 14,6

20-24 10,1 16,3 76,0 60,3 5,2 9,6 8,7 13,9

15-24 14,7 21,2 60,8 39,6 15,2 27,0 9,3 12,2

Mulheres

15-17 anos 11,1 15,7 22,7 5,4 40,5 66,0 25,7 13,0

18-19 11,8 17,6 30,6 20,2 21,0 34,0 36,6 28,2

20-24 8,4 13,7 35,3 35,9 7,6 13,9 48,6 36,4

15-24 10,0 15,1 30,2 23,4 21,3 34,0 38,5 27,5

Fonte: IBGE/PNADs de 1982 e 2002

A Tabela 1 demonstra de forma inequívoca que, cada vez mais, os

jovens enquanto adolescentes, não mais tem transposto esta importante fase da vida

seguindo o modelo tradicional. Assim, no ano 2002, somente 55,2% dos homens e 66,0%

das mulheres, na faixa etária de 15 – 17 anos só estudam; 26,1% dos homens e 15,7% das

mulheres estudam e são ocupados; 10,8% e 5,4% dos homens e das mulheres,

respectivamente só trabalham; e 7,9% dos homens e 13,0% das mulheres não estudam e

não se encontram ocupados. Quanto à faixa etária de 18 –19 anos, 25,4% dos homens e

34,0% das mulheres só estudam 25,3% dos homens e 17,6% das mulheres estudam e

trabalham 34,7% dos homens e 20,2% das mulheres só trabalham e 14,6% dos homens e

28,2% das mulheres não estudam e não trabalham. Por sua vez, o grupo etário

compreendido entre as idades de 20 e 24 anos, apresenta o seguinte perfil: somente 9,6%

dos homens, e13, 9% das mulheres só estudam 16,3% dos homens e 13,7% das mulheres

estudam e se encontram ocupados; 60,3% dos homens e 35,9% das mulheres só

trabalham e 13,9% dos homens e 36,4% das mulheres não estudam e não trabalham.

Ao se considerar os jovens como um grupo só, 15 a 24 anos, constata-se

que cerca de 50% dos jovens do gênero feminino e masculino não mais freqüentam a

escola. Após cinqüenta anos de políticas educacionais, trata-se de um índice deplorável!

47

Estes índices explicam a concepção de RUA (1988, p. 3 apud CAMARANO et al 2004,

p. 3) que, no Brasil:

[...] as demandas por políticas públicas de juventude permanecem como estado

de coisas, precariamente resolvidos no âmbito de políticas destinadas a um

público mais amplo – com o qual os jovens têm que competir pelo espaço de

entendimento - sem chegar a se apresentar especificamente como problemas

políticos.

O que preocupa é a recorrente omissão do Estado em implantar políticas

públicas efetivas e eficientes para estes 34 milhões de jovens, mantendo-os no limbo

social através de um sistema regular de ensino ineficiente e excludente.

Por outro lado, não há dúvida que a universalização do ensino

fundamental já foi praticamente alcançada fruto das políticas educacionais mais

recentemente adotadas. Não há dúvida também que o grande desafio que se apresenta é

manter a população em idade escolar no mínimo durante oito anos sem que,

independentemente do motivo, se evadam e, concomitantemente, recebam ensino de

qualidade para que os índices de defasagem idade/série sejam aceitáveis.

Da mesma forma, não há dúvida que outro grande desafio para a

educação brasileira é o tão propalado resgate da dívida social para com os milhões de

indivíduos que não tiveram a oportunidade de ter a sua escolaridade em idade própria,

através de uma modalidade de ensino apropriada ao seu perfil de jovem e, principalmente

de aluno trabalhador. Os dados estatísticos ora apresentados indicam que há muito por

fazer para milhões de cidadãos brasileiros e que as Leis e as políticas públicas adotadas

durante a segunda metade do século passado e já discorridas no capítulo 1, não foram

suficientemente abrangentes e profundas para resolver tão grave e vergonhoso perfil

educacional como o brasileiro. Conforme o Relatório da Situação da Educação Básica do

Brasil – 1999,

[...] a legislação por si, todavia, não assegura que tais modificações venham a ser incorporadas ao sistema educacional. Para que isto aconteça é necessário que o país seja capaz de forjar um novo pacto em defesa da educação, investindo e aplicando de forma eficaz, maiores recursos em educação, bem como exercendo o regime de colaboração em sua plenitude. Somente um esforço coordenado e articulado das diferentes instâncias do Poder Público, associado a um novo papel da sociedade em relação à educação, há de tornar possível à concretização daquele que é o primeiro – e por isso mesmo o mais importante – princípio apresentado pelas leis maiores da educação a “igualdade de condições para acesso e permanência na escola” (cf.art. 206, I e LDB, Art. 3º, I) (Relatório da Situação da Educação Básica do Brasil, 1999).

48

Se o próprio Relatório da Situação da Educação Básica no Brasil 1999,

afirma que há a necessidade de tomadas de decisões conjuntas de toda a sociedade ao

constatar que somente as leis não são suficientes para o desencadeamento das decisões e

conseqüentes ações em favor da mudança do perfil educacional destes cinqüenta anos

passados e considerados neste trabalho, permite, então, que se afirme que ainda não há a

vontade política das classes hegemônicas em reverter tal situação. Os fatos históricos já

descritos e a realidade estatística da situação educacional brasileira no final do século

XX, ora enfocada demonstram, de forma inequívoca, como a violência simbólica

segundo a concepção de (BOURDIEU e PASSERON 1975, p. 13), permeiam a educação

brasileira na instalação e manutenção desta grave forma de violência.

O que parece ocorrer é que os representantes das classes dominantes, a

classe política, se efetivamente querem reverter tão grave situação, devem tomar para si à

responsabilidade de mobilizar a sociedade como um todo através de um amplo e maciço

programa de comunicação social em favor da escola, abrindo espaço para a sociedade

organizada – educadores de uma maneira geral – para que assumam a liderança e a

execução de tal empreitada, de forma realista, a partir de um projeto factível, sem

personalismos e populismos demagogos e visando, unicamente, o bem comum.

Por sua vez, no que tange aos educadores parece que há,

reiteradamente, um discurso reticente, tímido, até acomodado e que aponta para

ineficiências de outros, muitos deles se perdem nas discussões acadêmicas e nas

prateleiras das bibliotecas. Quando, e se algum dia transforma-se em ações, essas são

engolidas por decretos legislativos ou presidenciais, baixados sob pretensos argumentos

econômicos, mas que visam, tão somente, a manutenção do status quo. Há a necessidade

de espírito coletivo, de civismo, de agregação, de cooperação, de desprendimento, de

tomada de posições, de pressões políticas a exemplo dos Pioneiros de 1932, para

proporcionar, até, a quebra do paradigma educacional vigente a exemplo do ocorrido com

a Coréia do Sul na década de 60, quando esse país se encontrava com patamares

educacionais semelhantes ao brasileiro.

Os dados estatísticos disponíveis ao final do século XX são

inquestionáveis ao denunciar que se encontram fora da escola, 41,7% tem menos de

cinco anos de estudo e somente 23,2% concluíram a oitava série. Ainda que as regiões

49

Sudeste e Sul apresentem percentuais duas vezes maiores que as regiões Norte e

Nordeste, o percentual de concluintes de aproximadamente 30% é assaz modesto, Tabela

2.

Tabela 2

Distribuição dos jovens de 15 a 19 anos que não freqüentavam escola, por nível de escolaridade adquirida.

Brasil - 1996 Última série concluída

Regiões % fora da escola

Menos de 5 5 a 7 8 ou mais

Brasil 41,7 46,3 30,5 23,2

Norte 42,0 59,2 26,7 14,1

Nordeste 40,5 65,4 21,9 12,6

Sudeste 40,6 36,0 33,9 30,1

Sul 47,6 33,6 36,5 29,9

Centro-Oeste 41,6 41,4 36,4 22,2

Fonte: IBGE. Contagem Populacional 1996.

Da mesma forma, a situação dos jovens com 20 a 24 anos não é muito

diferente. Cerca de 80% já se encontram fora da escola. Ainda que a média daqueles que

já concluíram as oito séries do ensino fundamental seja de aproximadamente 40%, contra

os 23,2% dos jovens com 15 a 19 anos, 34,2% têm menos de que cinco anos de estudo,

demonstrando que, conforme a Tabela 3, do total de 2.629.541 com 20 a 24 anos, cerca

de 35% encontra-se em situação de risco em se transformar em analfabetos funcionais.

50

Tabela 3

Estudantes de 20 a 24 anos, por nível de ensino freqüentado, segundo modalidade de ensino.

Brasil e regiões - 1996

Tomando por base (BOURDIEU e PASSERON, 1975. p. 162), pode-se

dizer que este fenômeno encontra-se indissociavelmente ligado à relação entre as

desigualdades sociais com as chamadas probabilidades de passagem. Conforme os

autores, os países que apresentam maiores desníveis sociais - o Brasil deve ser incluído

Nível de ensino

Fundamental Região

e modalidade Total Alfabetização

1ª a 4ª 5ª a 8ª

Médio ou

Superior

Brasil 0,5 7,1 23,1 69,3

Total 2.629.541

13.248 186.12

3 606.961 1.823.209

Regular 2.515.90

9 0,0 90,1 90,6 98,6

Supletivo 113.632 100,0 9,9 9,4 1,4

Norte 0,5 10,6 29,8 59,1 Total 213.078 1.033 22.585 63.484 125.976

Regular 198.446 0,0 83,8 86,8 98,8 Supletivo 14,632 100,0 16,2 13,2 1,2

Nordeste 0,8 13,5 31,2 54,6

Total 736.017 5.539 99.066 229.588 401.824 Regular 717.997 0,0 96,9 96,9 99,4 Supletivo 18.020 100,0 3,1 3,1 0,6

Sudeste 0,4 4,0 18,7 76,9 Total 1.150.06

8 4.577 46.077 215.230 884.184

Regular 1.099.664

0,0 82,6 87,5 98,8

Supletivo 50.404 100,0 17,4 12,5 1,2

Sul 0,4 2,6 15,0 82,0 Total 332.541 1.409 8.536 49.899 272.697

Regular 312.463 0,0 76,0 80,9 97,4 Supletivo 20.078 100,0 24,0 19,1 2,6

Centro-Oeste 0,3 5,0 24,6 70,0 Total 197.837 690 9.859 48.760 138.528

Regular 187.339 0,0 83,7 89,9 97,6 Supletivo 10.498 100,0 16,3 10,1 2,4

Fonte: Cálculos efetuados pelo Inep/Seec a partir da Contagem Populacional do IBGE DE 1996. Nota: Não inclui as pessoas sem declaração, as pessoas que freqüentamSupletivo não-seriado e as pessoas que freqüentavam curso de pré-vestibular.

51

nesta categoria - são aqueles que apresentam maiores índices de alunos que em cada

classe social, ascende a um determinado nível de ensino, a partir do sucesso anterior

equivalente. Em outras palavras, o que efetivamente ocorre na prática é que a tão sonhada

democratização das oportunidades não ocorre. O que há, efetivamente, são alunos

oriundos de classes mais baixas dos estratos sociais que trazem consigo oportunidades

maiores de se auto-eliminarem – os desistentes – do que serem eventualmente eliminados

quando alcançam um nível acima de ensino. A fundamentação para tal relação se apóia

na possibilidade em optar por alternativas imediatas outras de ensino ou de trabalho,

ainda que em ambas as opções devam ser classificadas de segunda classe.

Este perverso sistema esconde uma dura violência simbólica, conforme

Bourdieu e Passeron (1975 p. 164).

Há, com efeito, várias maneiras de não perceber a significação sociológica da mortalidade escolar diferencial das diferentes classes sociais: as pesquisas de inspiração tecnocrática, que não se interessam pelo sistema a não ser na medida em que o abandono antes do prazo de uma parte dos alunos admitidos num ciclo tenha um gasto econômico manifesto, reduzindo-o imediatamente ao falso problema da exploração das “reservas de inteligência em abandono”; pode-se mesmo perceber a relação numérica entre os que saem de algum dos ciclos e os que entram no ciclo seguinte e notar o peso e o alcance da auto-eliminação das classes desfavorecidas sem ir além da explicação negativa pela “falta de motivação”. Por não se analisar o que a desistência resignada dos membros das classes populares diante a Escola deve ao funcionamento e às funções do sistema de ensino como instâncias de seleção, de eliminação e de dissimulação da eliminação sob a seleção, fica-se inclinado a ver na estatística das oportunidades escolares que torna evidente a representação desigual das diferentes classes sociais nos diferentes graus e nos diferentes tipos de ensino apenas a manifestação de uma relação isolada entre a performance escolar, considerada em seu valor facial, e a série de vantagens ou desvantagens que se prendem à origem social.

Por outro lado, a interpretação para este fenômeno social diretamente

ligado às classes sociais e aos sistemas de ensino, mesmo quando as aparências sugerem

que se trata de uma questão vocacional ou de inaptidão, entende-se que se manifesta nas

expectativas de futuro que determinada classe social entremostra, a partir de seus

simbolismos, para os seus indivíduos. Trata-se de um fenômeno intraclasse, desenvolvido

pelas oportunidades históricas de estudo e trabalho disponibilizado para esta determinada

classe social e cujos horizontes de ascensão social encontram-se delimitados pelas

imposições dos arbitrários culturais legítimos que será oportunamente discutido. Destarte,

as oportunidades de ascensão social encontram-se indissociavelmente ligadas à escola,

visto que o acesso a ela, a obediência às suas regras, nela permanecer por um maior

período de tempo possível e, ao final, lograr êxito, determinarão suas oportunidades de

52

ascensão social. Este mesmo preceito pode ser aplicado para explicar as probabilidades

maiores de sucesso dos sobreviventes ao sistema escolar originados das classes sociais

mais baixas, suas atitudes e relações mais positivas e/ou submissas para com a própria

escola.

Sobre outra perspectiva, a realidade da situação escolar dos jovens de

18 a 25 anos – grupo etário que deveria se encontrar ao final da escolarização regular - ao

final do século XX, resumidamente é a que segue: apenas 22% terminaram o segundo

grau, 46% evadiram da escola sem esse nível de educação completo e 32% ainda se

encontram na escola e desses, 21% encontram-se cursando o segundo grau e 11% ainda

no primeiro grau, mas com defasagem idade-série, indo de quatro a sete anos. (SOARES,

S., CARVALHO, L., KIPNIS, 2003).

Pela análise dos indicadores de permanência e progressão, constata-se

que a repetência e a evasão escolar ainda é um problema que se repete a despeito dos

esforços envidados pelos diversos governos no período considerado neste estudo.

Na realidade, conforme (BOURDIEU e PASSERON 1975. p. 163), o

que estaria sendo legitimado seria então, a “...reprodução das hierarquias sociais em

hierarquias escolares” ou:

[...] a maioria daqueles que, em diferentes fases do curso escolar, são excluídos dos estudos se eliminam antes mesmo de serem examinados e que a proporção daqueles cuja eliminação é mascarada pela seleção abertamente operada difere segundo as classes sociais. As desigualdades entre as classes são incomparavelmente mais fortes, em todos os países, quando as medimos pelas probabilidades de passagem (calculadas a partir da proporção dos alunos que, em cada classe social, ascendem a um nível dado do ensino, com êxito anterior equivalente) do que quando as medimos pelas probabilidades de êxito. Assim, com êxito igual, os alunos originários das classes populares têm mais oportunidades de “eliminar-se” do ensino secundário renunciando a entrar nele do que eliminar-se uma vez tenham entrado e, a fortiori, do que serem eliminados pela sanção expressa de um revés no exame.

Os dados da Tabela 4 e 5, por si só, explicam os pensamentos dos

autores. A Tabela 4 demonstra que, no ano de 2000, cerca de um quinto (21,7%) dos

alunos do ensino fundamental, encontrava-se matriculados na mesma série cursada no

ano anterior e 4,9% já não mais se encontrava na escola.

53

Tabela 4

Taxas de transição de fluxo escolar por nível de ensino Brasil – 1991-2000

Assim, de acordo com a Tabela 5, neste mesmo ano, para cada 100

alunos matriculados no ensino fundamental, cerca de 41,7% não apresentavam idade

adequada à série que cursavam. Enquanto para o ensino médio este índice sobe para

54,9%, Tabela 5.

Tabela 5

Taxa de distorção idade-série e porcentual de alunos do ensino fundamental de 1ª a 4ª Série – Brasil

1991-2000

Os indicadores demográficos e econômicos disponíveis demonstram

que em 1950 havia 50% de analfabetos no Brasil, para uma população de cerca de 52

milhões de brasileiros, a densidade demográfica era de 6,1%, um PIB anual de

aproximadamente 85 milhões, PIB anual per capita em R$ de 2000 de 1625 e uma

população urbana de 36,2%. Em contrapartida, em 1999, havia 15% de analfabetos, (25

milhões) para uma população de aproximadamente 168 milhões, densidade demográfica

Nível de ensino/Taxas de transição 1991 2000

Ensino Fundamental Promoção 60,4 73,4 Repetência 33,7 21,7

Evasão 6,4 4,9 Ensino Médio

Promoção 63,1 73,4 Repetência 30,7 18,5

Evasão 6,7 8,0 Fonte: MEC/Inep Nota: As taxas de 1991 foram calculadas por Ruben Klein – INCC/CNPq

Indicadores 1991 2000

Taxa de distorção idade-série Ensino fundamental 64,1 41,7

Ensino médio 72,4 54,9 % de alunos do ensino fundamental de 1ª a 4ª

série 65,1 56,6

Fonte: MEC/Inep

54

de 19, 86% PIB anual de cerca 1 bilhão, PIB per capita de 6.197 e uma concentração

populacional urbana de 81%. (IBGE, 2001)

Os dados acima demonstram que, a despeito dos índices de

analfabetismo ter decaído significativamente, o PIB per capita cresceu aproximadamente

somente seis vezes, índices modestos que se tornam obstáculos para resultados sócio-

econômicos mais relevantes que, por sua vez, refletem diretamente nos resultados

educacionais brasileiros ao longo desses cinqüenta anos ora considerados.

O Relatório de Desenvolvimento Humano de 2000 demonstra que o

Brasil se encontra com índice classificado de médio (0,747), em um mesmo patamar que

o México, enquanto seria desejável para o país índices semelhantes àqueles que se

encontram classificados com desenvolvimento alto, acima de 0,800 (Estados Unidos,

0,929, Espanha, 0,899 e Coréia do Sul, 0,854 por exemplo), o que demonstra a

ineficiência das políticas públicas ao longo do período em análise. Assim, os indicadores

econômicos e sociais dos 32 países participantes do Programa Internacional de Avaliação

de Estudantes (PISA) 2000, demonstram que o Brasil encontra-se com o terceiro pior

Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), 0.747, à frente somente de Letônia e

Liechtenstein e atrás da Federação Russa, México e Grécia entre outros. (PISA, 2000).

Os dados mostram, portanto, que as oportunidades educacionais no

Brasil são efetivamente entraves importante para o devido desenvolvimento humano e

social. Por outro lado, verifica-se também que, embora o índice de analfabetismo entre os

jovens de 14 e 24 anos tenha sido reduzido de 15,7% para 5,8% entre 1980 e 2000,

predominam ainda, na faixa entre 20 e 24 anos, 54,8% de jovens sem escolarização

fundamental. Deste universo, conforme a TABELA 6, 1/3 ainda se encontra estudando,

mas 68% dos jovens já estão fora da escola.

55

Tabela 6

Distribuição dos Jovens de 18 a 25 Anos com Relação à Escolarização Básica — 1999

Daqueles que ainda se mantêm estudando, 11% do total ainda

permanecem no ensino fundamental, portanto com defasagem de três ou mais anos, isto

é, são aqueles que já deveriam estar cursando o ensino médio, mas ainda não

completaram o ensino fundamental.

Mais grave ainda é a constatação que 46% dos indivíduos se achavam

fora da escola sem ter completado o ensino médio e sem a possibilidade concreta da

obtenção de um diploma de ensino médio. Que isto representa para esta imensa

população de jovens?

Apesar dos avanços na escolaridade da população brasileira, em apenas

9 anos, entre 1991 e 1999, houve um aumento de 6 milhões e 500 mil alunos ou 22,3% na

matrícula. A taxa de escolarização líquida da população de 7 a 14 anos passou de 86%

para 95%, Tabela 7, ainda que o nível de proficiência na 4ª série do ensino fundamental,

no ano de 1997, tenha sido de 41,6% em Português, 10,6% em Matemática e 51,6%, em

Ciências. Isto demonstra que um desempenho extremamente baixo e, por conseguinte,

preocupante quanto à manutenção desses alunos nas séries subseqüentes o que propicia,

também, a auto-exclusão escolar.

Tabela 7

Nível de proficiência na 4ª série do ensino fundamental – Brasil - 1997

Porcentagem de alunos com nível esperado de proficiência* Brasil

Português (%) Matemática (%) Ciências (%)

Total 41,6 10,6 51,6

Fonte: MEC/INEP/DAEB – SAEB/97 Nota: * Nível Esperado de Proficiência para Português e Ciências: 175. Nível Esperado de Proficiência para Matemática: 250

Situação Percentagem de jovens Freqüentando escola 32 No primeiro grau 11 No segundo grau 21 Fora da escola 68 Sem segundo grau 46 Com o segundo grau 22 Total 100 Fonte: PNAD, microdados.

56

Em contrapartida torna-se relevante também considerar que parte da

diminuição dos índices de analfabetismo encontra-se relacionado também com a

significativa queda da taxa média anual de crescimento da população de 3,04% na década

de cinqüenta, para 1,38% entre 1991-96, conforme Tabela 8.

Tabela 8

Taxa média anual de crescimento da população, Brasil e Regiões – 1950 – 2010

Taxa média anual de crescimento da população (%) Regiões

1950-60 1960-70 1970-80 1980-91 1991-96 2005-10(*)

Brasil 3,04 2,89 2,48 1,93 1,38 1,24

Norte 3,40 3,47 4,86 3,85 2,44 2,23

Nordeste 2,12 2,40 2,16 1,83 1,06 1,08

Sudeste 3,11 2,67 2,64 1,77 1,35 1,16

Sul 4,14 3,45 1,44 1,38 1,24 0,99

Centro-Oeste 5,45 5,60 4,09 3,01 2,22 1,75 Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 1940 a 1991 e Contagem Populacional de 1996 – IBFE/DPE/DEPIS, 1998. (*) Estimativa

Por outro lado, observa-se que os esforços estatais são prioritariamente

direcionados para a população matriculada e/ou em idade escolar compulsória e, dentre

essas, aquelas que se destinam ao ensino fundamental. A população evadida, sem a

escolarização fundamental ou média, mesmo que se encontre ainda na faixa da

escolarização compulsória, se depara abandonada pelo Estado e não tem sido mobilizada

de forma preferencial por meio de esforços de re-inclusão na vida escolar, enfim através

de alternativas escolares mais apropriadas para este segmento. Assim, para Soares, S.,

Carvalho, L., Kipnis, (2003).

A maioria dos jovens brasileiros, na faixa etária entre 15 e 24 anos, experimenta hoje o pior dos mundos: nem se escolarizou de forma satisfatória para atender aos requisitos das inovações aceleradas, nem conta com possibilidades compensatórias de emprego no mercado de trabalho para suprir suas necessidades de expansão de conhecimentos e de preparação para o mundo do trabalho. Entretanto, os que são hoje jovens possivelmente carregarão por toda a vida, como traço geracional, esse drama pessoal.

A questão do abandono da escolarização formal em diversas fases da

vida educacional dos alunos não é recente, ao contrário, é recorrente e constitui um

problema social cujas propostas de soluções não são suficientemente abrangentes e

duradouras, mantendo-se à mercê da agenda política da classe hegemônica e sem que, no

57

entanto, ainda tenha sido modificada substantivamente essa situação problemática. A

prioridade do investimento econômico no atendimento das crianças na faixa dos 7 aos 14

anos, priorizando o ensino fundamental, tem relegado à marginalidade aqueles milhões

que por alguma razão não puderam acompanhar o ensino regular com implicações sérias

de ordem pessoal, profissional, para a sua cidadania e para o próprio desenvolvimento

social.

Neste contexto, as limitações profissionais que a pouca ou nenhuma

escolaridade impõe traz, forçosamente, implicações diretas para o estabelecimento do

nível sócio econômico do cidadão. Destarte, para Tedesco (1998), a estrutura ocupacional

encontra-se dividida em três níveis: serviços rotineiros, pessoais e simbólicos. Os dois

primeiros implicam em tarefas repetitivas que não necessitam muita escolaridade. Já o

último nível, dos serviços simbólicos, exige do profissional altos níveis de escolaridade,

visto que são requeridas quatro capacitações básicas: a abstração, o pensamento

sistêmico, a experimentação e a capacidade de trabalhar em equipe.

Depreende-se, portanto, que a imensa maioria dos alunos de EJA, além

de já não ter recebido a educação no tempo devido, ainda hoje não recebe a devida

atenção para a sua formação pessoal, crescimento econômico-social e profissional,

portanto, não tendo ainda adquirido a devida escolaridade que o qualifique para o último

nível.

Da mesma forma a empregabilidade se encontra diretamente

relacionada aos níveis de escolaridade. O estudo comparativo, conforme a Tabela 9, entre

grupos de indivíduos separados por sexo e por faixa etária em períodos distintos da

história recente do país, década de oitenta e noventa respectivamente, demonstra que os

indivíduos com níveis mais baixos de escolaridade apresentaram menor capacidade de se

manter empregados nos dois períodos e grupos considerados. Ex: os indivíduos com 18 a

25 anos de idade do sexo masculino, em 1981 apresentaram uma taxa de empregabilidade

de 83%, enquanto as mulheres, 35%. No período de 1999, esta taxa se apresentou com

índices de 72% para os homens e 37% para as mulheres. Portanto, ainda que para as

mulheres tenha sido possível manter a empregabilidade com os mesmos índices, para os

homens os efeitos são dramáticos.

58

Tabela 9

Taxa de Participação por Sexo e Faixa Etária, segundo Grau de Instrução e Ano. (%)

Fonte: PNAD, microdados.

Conforme a mesma Tabela 9, a taxa relativa à faixa etária entre 26 e 35 anos,

comportou-se de maneira semelhante para os homens e, da mesma forma, foram

altamente nocivas para as mulheres. Em contrapartida, para os grupos de indivíduos com

nível de escolaridade maior que segundo grau, tanto para o sexo masculino como para o

feminino, em ambos os grupos etários, a empregabilidade se manteve durante os dois

períodos considerados. Portanto, quanto mais baixa a escolaridade do indivíduo mais

vulnerável ele se encontra no mercado de trabalho e menor expectativa ele possui, não só

de manter o seu emprego, como também de recuperá-lo caso o perca. Por sua vez, ao se

analisar a questão da formalização do trabalho, Tabela 10, verifica-se que os indivíduos

com mais baixa escolarização, independentemente do sexo e grupo etário, apresentam

menor taxa de empregabilidade formal.

18 a 25 anos 26 a 35 anos Homens Mulheres Homens Mulheres

1981 Menos que segundo grau 83 35 94 32

Segundo grau 76 58 95 60

Mais que o segundo grau 62 58 94 77

1999

Menos que segundo grau 72 37 88 44

Segundo grau 72 56 90 65

Mais que o segundo grau 64 59 93 82

59

Tabela 10

Taxa de Formalização por Sexo e Faixa Etária, segundo Grau de Instrução e Ano. [%]

Fonte: PNAD, microdados.

Por sua vez, conforme a Tabela 11, em 1999, os rendimentos dos

indivíduos com menores índices de escolaridade, independentemente do grupo etário e do

sexo são, em valores absolutos (em Reais), menores que aqueles com maiores níveis de

escolaridade.

Tabela 11

Rendimentos por Sexo e Nível de Instrução Formal

[em reais de 1999]

Fonte: PNAD, microdados.

Proporcionalmente também os seus ganhos não evoluíram

positivamente com a mesma intensidade quando comparados com o grupo com maior

grau de escolaridade. A questão do rendimento se torna mais importante e dramática

quando se analisa com mais atenção e profundidade os dados expostos. Assim, observa-

se que os indivíduos no grupo etário de 18 a 25 anos com o ensino secundário completo,

18 a 25 anos 26 a 35 anos Homens Mulheres Homens Mulheres

1981

Menos que segundo grau 50 50 48 45

Segundo grau 82 88 75 87

Mais que o segundo grau 78 84 76 88

1999

Menos que segundo grau 39 36 42 37

Segundo grau 68 65 61 64

Mais que o segundo grau 58 66 59 72

Média P(90) P(10) De 18 a 25 anos Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres Menos que o secundário 244 184 460 320 48 50

Secundário 433 313 800 544 136 136

Superior 775 589 1600 1100 148 150

De 26 a 35 anos

Menos que secundário 384 225 700 400 110 20

Secundário 773 451 1500 900 240 136

Superior 1,577 1,034 3100 2000 400 266

60

como para aqueles com ensino superior, auferiam 1,7 vezes a mais que aqueles com

mesma faixa etária, mas sem o segundo grau. Para o grupo com 26 a 35 anos, a relação é

de 2,1. Em contrapartida, para os mais pobres – os de percentil 10 – a importância do

ensino médio se torna mais relevante, conforme demonstra o estudo em questão. Assim,

os indivíduos mais mal remunerados dentro de cada categoria educacional, da faixa de 18

a 25 anos e com ensino superior, apresentam rendimentos apenas 10% maiores do que

aqueles da mesma faixa etária com ensino médio. Por sua vez, a diferença de rendimento

entre os do décimo percentil que têm menos que ensino médio e daqueles com ensino

médio é bem mais marcante do que a diferença observada nos outros casos de nível maior

de rendimento.

O exemplo que segue foi retirado da Tabela 11 e demonstra, de forma

cabal, que a baixa escolaridade é um fator decisivo para a baixa remuneração e para a

retenção do indivíduo nas mais baixas classes sociais. Assim, os dados da tabela em

estudo demonstram que os rendimentos dos indivíduos com ensino médio, no décimo

percentil, eram de R$ 136,00 – mesmos valores do salário mínimo da época (1999). Ao

passo que os rendimentos daqueles que não tinham tido o acesso ao ensino médio eram

dramaticamente mais baixos, R$ 48,00. Conforme Soares, Carvalho e Kipnis, (2003. p.

12), “...talvez a importância do ensino médio não resida apenas em aumentar o

rendimento médio das pessoas que o detêm, mas principalmente como uma garantia

contra privações salariais extremas.”

Por sua vez, o relatório-síntese do Inep/MEC, intitulado “O desafio de

uma educação de qualidade para todos: educação no Brasil – 1990-2000”, em sua página

28 é taxativo:

[...] o fator mais discriminatório da escolaridade encontra-se associado à pobreza, indicando que a baixa renda familiar é quase incompatível com a educação formal. Ao se associar o rendimento médio da população com a raça, evidencia-se ainda mais esta questão. Entre a população ocupada, a escolaridade média entre pretos e pardos não alcança seis anos de estudo e possibilita um rendimento médio mensal em torno de dois salários mínimos. Vale ressaltar que essa é uma parcela privilegiada de uma sociedade com elevados índices de desemprego. Entre a população branca ocupada, o índice médio de escolaridade é de oito anos (que equivale à escolaridade mínima obrigatória) e o rendimento médio mensal de 4,5 salários mínimos.

Afinal, qual o universo de indivíduos atendidos pela EJA no Brasil?

Havia em 1998 no país, cerca de 3 milhões de alunos matriculados nos cursos presenciais

com avaliação no processo, o que demonstra que há muito por fazer na modalidade da

EJA tanto quantitativamente quanto qualitativamente. Desses, cerca de 150 mil

61

encontram-se nas classes de Alfabetização, aproximadamente 2 milhões no Ensino

Fundamental (800 mil nas quatro primeiras séries e 1 milhão e 300 mil na 5ª a 8ª série),

500 mil no Ensino Médio, cerca de 90 mil na Suplência Profissionalizante e 40 mil em

Curso de Aprendizagem, Tabela 12.

Tabela 12

Número de alunos matriculados nos cursos presenciais com avaliação no processo, por nível de ensino/ curso.

Brasil e Regiões - 1998

Fundamental Brasil e Regiões T

otal

Ger

al

Alfa

betiz

ação

Total 1ª a 4ª

Série

5ª a 8ª

Série

Méd

io

Sup

lênc

ia

Pro

fissi

onal

iza

nte

Cur

so d

e

Apr

endi

zage

m

Brasil

N° 2.881.23

1 147.006

2.081.71

0

783.59

1

1.298.11

9 519.965 93.778 41.772

% 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Norte

N° 364.606 61.114 314.089 120.40

5 193.684 25.450 1.826 1.050

% 12,6 41,6 15,1 15,3 14,9 4,9 1,9 2,5

Nordeste

N° 598.354 22.191 468.416 279.76

8 188.648 44.492 21.948 2.384

% 20,7 15,1 22,5 35,7 14,5 8,5 23,4 5,7

Sudeste

N° 1.150.71

9 29.127 792.693

199.53

7 593.156 260.716 40.741 27.442

% 39,9 19,8 38,1 25,4 45,6 50,1 43,4 65,7

Sul

N° 515.254 26.168 334.030 115.33

9 218.671 131.903 14.877 8.276

% 17,9 17,8 16,1 14,7 16,8 25,3 15,8 19,8

Centro-Oeste

N° 252.298 8.406 172.482 68.522 103.960 54.404 14.386 2.620

% 8,7 5,7 8,2 8,7 8,1 10,4 15,3 6,2 Fonte:MEC/INEP/SEEC

62

Por sua vez, o número de alunos matriculados por faixa etária nos cursos

presenciais apresenta o seguinte perfil: 134.088 na faixa de 7 a 14 anos, 818.188, de 15 a

18 anos e 1.928.955 com mais de 18 anos. São números extremamente modestos e que

revela altos índices de exclusão na modalidade.

O exame dos índices de escolaridade no ano de 1996, conforme a

Tabela 13, indica que o grupo de indivíduos com 10 a 14 anos, 53,1% possui menos de

quatro anos de escolarização, índice que deve ser considerado alarmante e que demonstra

que ainda há significativa discrepância entre idade/série e que mais da metade da

população na faixa etária considerada se encontra no grupo de risco que apresentam

probabilidades concretas de se transformarem em analfabetos funcionais.

Tabela 13

Distribuição da população por anos de estudo concluídos, segundo grupos de idade. Brasil – 1996

Classes de anos de estudo (%) Grupos de idade Menos de 4 4 5 a 7 8 a mais S/ inform.

10 a 14 53,1 18,7 26,4 0,9 1,0 15 a 19 21,7 12,8 32,2 32,4 1,0 20 a 24 20,1 13,1 22,7 43,3 0,8 25 a 29 21,9 14,8 19,9 42,7 0,7 30 a 39 25,7 17,6 15,4 40,2 1,1 40 a 49 36,1 19,9 11,2 32,3 0,6 50 a 59 49,7 20,6 8,0 21,2 0,5

60 ou mais 53,0 17,8 5,8 12,9 0,5

Fonte: IBGE. Contagem Populacional 1996.

Para as faixas etárias com 15 a 19, 20 a 24, 25 a 29 e 30 a 39, cerca de

20 a 30% destas populações ainda não haviam completado as quatro primeiras séries do

ensino fundamental. Esses percentuais devem ser considerados altamente expressivos

para a idade limite de 39 anos – a princípio, indivíduos economicamente ativos - todos

prováveis analfabetos funcionais, Tabela 13.

Os grupos etários que possuíam 8 ou mais anos de escolarização,

Tabela 13, a minoria da população economicamente ativa, abaixo de 43,3% do total dos

indivíduos, serem aqueles que, segundo TEDESCO (1998), possuíam escolarização

suficiente para desempenhar no mercado de trabalho serviços simbólicos. Assim, grosso

modo, a despeito de se alardear a universalização do ensino fundamental, em 1996, 60%

63

ou mais da população nas faixas etárias consideradas possuíam escolaridade suficiente

para tão somente desempenhar no mercado de trabalho ocupações rotineiras e pessoais

que permitem tão somente a execução de tarefas manuais e repetitivas.

Os dados apresentados permitem que se infira também que indivíduos

com os mais baixos índices de escolaridade encontram-se nos estratos sociais mais

inferiores e aí permanecerão pela pouca ou nenhuma escolaridade.

Conforme já foi tratado em capítulo anterior, o analfabetismo no Brasil

possui raízes históricas. Os índices a seguir analisados, ainda que significativos avanços

tenham ocorrido, vem corroborar as afirmações já anteriormente apresentadas.

Segundo Pinto et al, (2000. p. 512), [..] em sua interessante obra

História da instrução pública no Brasil (1500-1889), escrita em 1889, José Ricardo Pires

de Almeida (2000), comenta o fato de que no Brasil Colônia, havia um grande número de

negociantes ricos que não sabiam ler (Idem, p.37). Assim, no Império era admitido o voto

do analfabeto, desde que possuísse bens e títulos. Outra constatação importante refere-se

aos baixos salários dos professores que impedia a contratação de pessoas qualificadas e,

portanto, induzia o afastamento natural das pessoas inteligentes de uma função mal

remunerada e que não encontra na opinião pública a consideração a que tem direito

(Idem, p.65). Da mesma maneira, em 1886, a população escolarizada era de 1,8% no

Brasil e 6% na Argentina, (PINTO et al, 2000 p. 512). Por sua vez, em 2000, o Brasil

ocupava o 73º lugar (IDH) e a Argentina 34º, Colômbia 68º, Trinidad Tobago, 50º,

Tabela 15.

64

Tabela 14

Índice de desenvolvimento humano e taxa de analfabetismo da população de 15 anos ou mais 2000.

Ao se considerar a taxa de analfabetismo ao longo do século XX,

Tabela 15, constata-se que ela caiu ininterruptamente de 65,3% em 1900 para 13% em

2000 e que na década de 70, foi reduzida para 50% em relação a 1900.

Tabela 15

Analfabetismo na faixa de 15 anos e mais Brasil – 1900-2000.

Não obstante, entende-se que há a necessidade da queda dos números absolutos

de analfabetos. Por outro lado, de positivo, deve se observar que na década de 90 foi,

País IDH POSIÇÃO Taxa de

analfabetismo (%) Noruega 0,942 1° 0,0 Austrália 0,939 5° 0,0 Áustria 0,926 15° 0,0 Espanha 0,913 21° 0,0 Portugal 0,880 28° 7,8

Argentina 0,044 34° 3,2 Chile 0,831 38° 4,2

Costa Rica 0,820 43° 4,4 Trindade e Tobago 0,805 50° 1,7

México 0,796 64° 8,8 Colômbia 0,772 68° 8,4

Brasil 0,757 73° 13,6 Peru 0,747 82° 10,1

Equador 0,732 93° 8,4 Cabo Verde 0,715 100° 26,2

Fonte: PNAD e Unesco

População de 15 anos de idade e mais Ano

Total Analfabeta Taxa de

analfabetismo 1900 9.728 6.348 65,3 1920 17.564 11.408 65,0 1940 23.648 13.269 56,1 1950 30.188 15.272 50,6 1960 40.233 15.964 39,7 1970 53.633 18.100 33,7 1980 74.600 19.356 25,9 1991 94.891 18.682 19,7 2000 19.533 16.295 13,6

Fonte: IBGE – Censo Demográfico

65

enfim, revertido o crescimento constante do número de analfabetos em relação à década

de 60 e em duas vezes e meia o que havia no início do século XX, Tabela 16.

Tabela 16

Pessoas analfabetas na população de 15 anos de idade ou mais

Números absolutos e distribuição percentual Brasil – 1920 – 1996.

Mesmo assim, em 2000, há cerca de 16 milhões de analfabetos quando

considerado o conceito do IBGE – pessoa capaz de ler e escrever pelo menos um bilhete

simples no idioma que conhece - e passa para cerca de 30 milhões se utilizado o conceito

de analfabetismo funcional – aquele como menos de 4 séries do ensino fundamental.

Assim, Pinto (et al, 2000 p. 5140), demonstra que o melhor antídoto para o analfabetismo

é assegurar escola para todos na idade correta, desde que se trate de escola com qualidade

para que não se forme analfabetos funcionais.

O que se questiona é se há recursos econômicos e humanos para

alfabetizar 16 ou 30 milhões de indivíduos, dependendo do conceito de analfabetismo

considerado.

Por outro lado, conforme Pinto (et al, 2000 p. 522), no ano de 2000,

havia no Brasil 49 mil professores, atendendo o 1º ciclo do ensino fundamental da EJA,

800 mil no 1º ciclo do ensino fundamental regular e 700 mil no 2º ciclo do mesmo ensino

regular. Se houvesse, efetivamente, a vontade política em se erradicar o analfabetismo em

um curto espaço de tempo – seis meses - seria necessário, no mínimo, quatro vezes o

número de professores atuando na EJA, cerca de 200 mil – supondo-se que a sua grande

Ano Contingente (em milhões)

%

1920 11,4 64,9

1940 13,3 56,0

1950 15,3 50,5

1960 15,9 39,6

1970 18,1 33,6

1980 18,6 25,4

1991 19,2 20,1

1996(1) 15,1 14,1 Fonte: IBGE. Censo Demográfico 1920, 1940, 1950, 1960, 1970, 1980,1991 e Contagem Populacional 1996. (1) 1996: Percentual da população sem instrução ou com menos de um ano de estudo

66

maioria se encontrasse devidamente capacitada para tal tarefa e, desconsiderando-se a

necessidade imediata e ulterior de se dar prosseguimento aos estudos desta população

para não se correr o risco de transformá-la em analfabetos funcionais e repetindo-se os

recorrentes e peremptórios fracassos apontados pela história da educação brasileira.

Portanto, a educação de jovens e adultos jamais pode ser considerada como uma tarefa

simples, de resultados imediatos e de baixo custo, mas sim, dentro de uma política

pública que envolva toda a sociedade organizada, até com quebra de paradigmas, visto

que a história da educação brasileira tem reiteradamente provado que todas as propostas

experimentadas não produziram os resultados desejados.

Por sua vez, a Tabela 17, ao demonstrar que 7,4% da população entre

10 e 19 anos são analfabetos, sugere que o sistema de ensino regular fracassou.

Tabela 17

Taxa de analfabetismo por faixa etária Brasil – 1996/2001.

Da mesma forma deve ser considerado preocupante, conforme a Tabela

18, o baixo desempenho dos sistemas de ensino demonstrado pela baixa taxa de sucesso

escolar especialmente nos primeiros anos do ensino fundamental.

Ano Faixa Etária

1996 1998 2001

10 a14 8,3 6,9 4,2 15 a19 6,0 4,8 3,2 20 a29 7,6 6,9 6,0 30 a 44 11,1 10,8 9,5 45 a 59 21,9 20,1 17,6

60 ou mais 37,4 35,9 34, Fonte: IBGE - PNADs: 1996,1998 E 2001 Nota: Exclusive a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.

67

Tabela 18

Indicadores de desempenho no ensino fundamental Brasil – 2001. (%)

Assim, ainda que a taxa média de permanência na escola seja de 8,5

anos, o número médio de séries concluídas é de 6,8 e o que é pior, o percentual esperado

de concluintes é tão somente, 62,4%.

Outra importante constatação que revela o perverso perfil social da

condição do analfabeto, conforme a Tabela 19, no ano de 2001, há forte correlação

negativa entre o rendimento médio salarial e analfabetismo.

Tabela 19

Taxa de analfabetismo da população de 15 anos e mais – Brasil – 1996-2001(%)

Assim, para o estrato social que percebia em 1996 até um salário

mínimo eram cerca de 35% contra 28,8% de analfabetos no ano de 2001. Enquanto, para

grupos sociais que percebiam mais de 10 salários mínimos no ano de 1996, a taxa de

analfabetismo era de 2,4% e 1,4% no ano de 2001. Assim, enquanto as taxas de

analfabetismo permaneceram praticamente inalteradas para a faixa de indivíduos que

recebiam um salário mínimo, para aqueles que percebiam mais de 10 salários, mesmo

Unidade Geográfica Tempo médio esperado

de permanência

Número médio esperado de séries

Concluídas

Porcentual esperado de concluintes

Brasil 8,5 6,8 62,4 Norte 8,4 6,0 42,3

Nordeste 8,8 6,2 50,0 Sudeste 8,1 7,3 73,5

Sul 8,4 7,1 69,2 Centro-Oeste 8,4 6,6 55,0

Fonte: MEC/INEP

Ano Rendimento

1996 2001

Até 1 salário mínimo 34,9 28,8 Mais de 1 salário mínimo até 3 26,6 19,7

Mais de 3 salários mínimos até 5 14,8 9,7 Mais de 5 salários mínimos até 10 7,4 4,7

Mais de 10 salários mínimos 2,4 1,4 Fonte: IBGE – PNAD 1996 E 2001

Nota: Exclusive a população rural de Rondônia, Acre, Roraima, Pará e Amapá.

68

que os índices de analfabetismos fossem significativamente baixos, 2,4%, ainda assim

houve um significativo crescimento aproximado de 50%.

Da mesma forma, os dados estatísticos recentes, Tabela 20,

corroboram as raízes histórico-culturais dos recorrentes déficits educacionais associados

aos estratos sociais e ao trato diferenciado do Estado para com a cor ou raça do indivíduo.

Neste particular, em 1992 somente cerca de 10% dos indivíduos com cor/raça branca

eram analfabetos e em 2001, 8,3% em 1992, os indivíduos da cor/raça preta, cerca de

30% eram analfabetos e em 2001, 21,0% continuavam analfabetos; da mesma forma, o

grupo representado pela cor/raça parda, em 1992, 25,23% era analfabeto e em 2001,

cerca de 20%. Depreende-se, portanto, que os afro-descendentes não têm recebido as

mesmas oportunidades de escolarização básica dos indivíduos portadores de cor/raça

branca.

Tabela 20

Anos médios de estudo da população de 10 anos ou mais de idade, por cor ou raça – Brasil-

1992-2001

A Constituição Federal de 1988 exige que a União destine 18%

do total de suas receitas para a Educação, os Estados 25%, e os Municípios 25%.

BRASIL, 1988. Pode parecer percentual significativo e, de fato é. Porém, durante o

período em que a inflação encontrava-se alta, os valores nominais das receitas para a

educação eram constantemente corroídas. Da mesma forma, a sonegação fiscal e a

corrupção endêmica no Brasil, segundo Davies (2004, p. 15) “não seria exagerado dizer

que retiram da educação estatal bilhões de reais todo ano”. O mesmo autor afirma que:

O governo federal, por exemplo, vem diminuindo a proporção da receita total destinada à educação mediante artifícios como a criação ou ampliação de contribuições que, por não serem definidas juridicamente como impostos, não entram no cômputo dos recursos vinculados à Manutenção do Desenvolvimento do Ensino (MDE).

Média de anos de estudo Cor ou raça Ano

total Branca Preta Parda

1992 4,9 5,8 3,4 3,7 1999 5,8 6,7 4,5 4,6 2001 6,1 7,0 5,0 5,0

Fonte: IBGE-PNAD 1992,1999 E 2001 Nota: Exclusive a população rural de Rondônia, Acre, Roraima, Pará e Amapá.

69

Um exemplo significativo é a Contribuição Provisória sobre

Movimentação Financeira (CPMF), incidente sobre todas as movimentações nas contas

correntes. Da mesma forma, segundo o mesmo autor, o Fundo Social de Emergência

criado a partir da Emenda Constitucional de Revisão em 1994, e posteriormente

transformado em Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), retirou da educação bilhões de

reais pela desvinculação de 20% da receita de determinados impostos. Da mesma forma,

a Lei Complementar nº 87/96 por suas características próprias reduziu a receita da MDE.

Por outro lado, conforme Davies, (2004, p. 17 a 20), denuncia que os órgãos

fiscalizadores como os Tribunais de Contas não são confiáveis porque são auxiliares do

Poder Legislativo e são nomeados por conselheiros nomeados segundo critérios políticos.

Portanto, Davies (2004, p.31) afirma:

O que importa não é tanto a letra e o espírito da lei em si, mas sim à vontade dos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo e, sobretudo, a mobilização da sociedade e, em particular, dos educadores para fazer a lei ser cumprida. O Brasil é pródigo em leis (algumas boas) que, mesmo coerentes e avançadas, não são cumpridas, sobretudo quando beneficiam a imensa maioria da população e/ou não interessam às classes dominantes, aos governantes e a outras instâncias do Poder Público (Legislativo, Judiciário). Assim, o problema maior não está na letra e/ou no espírito da lei em si (seja progressista ou conservadora), mas sim na existência de forças sociais, fora e dentro dos aparelhos de Estado dispostas a cumpri-la.

Por sua vez, os dados disponíveis em 1999, demonstram que os gastos

públicos com ensino, após os cinqüenta anos considerados neste trabalho continuam

extremamente modestos, ainda que, em relação ao seu Produto Interno Bruto (PIB), 4,3,

encontrem-se próximos da média da Organização para Cooperação e Desenvolvimento

Econômico (OCDE), 5,2.

Neste ano, então, o Brasil gastou somente R$ 691,00 por aluno no

ensino fundamental, cerca da metade do que a Argentina e Chile gastaram e cerca de

cinco vezes menos que a média da OCDE. Em contrapartida, para o ensino superior

foram gastos, no mesmo ano, cerca de 14 vezes mais com o ensino superior,

demonstrando o caráter recorrente e persistentemente elitista da cultura brasileira,

conforme o conceito de cultura adotado neste trabalho, em relação à universalização do

ensino. Ao se confrontar estes dados com Argentina e Chile, países sul americanos que se

encontram também abaixo da média OCDE, constata-se que esses países apresentam uma

distribuição mais equilibrada, cerca de 3,5:1 e 4,1 para a Argentina e Chile,

respectivamente. Enquanto, para o OCDE a razão é de 2,7:1 em favor do ensino superior.

70

TABELA 21

Gasto público com educação - 1999

Por sua vez, no extremo superior da Tabela 21, verifica-se que a

Austrália e Japão apresentam uma proporção de gastos entre o ensino fundamental e

superior de 2,4:1 e 1,9:1, respectivamente. O comparativo dos gastos brasileiros com

ensino fundamental e superior com os da Austrália e Japão demonstra uma vez mais o

perfil perverso dos gastos para com a educação fundamental no país. Entretanto, para o

ensino superior o Brasil gasta 9.756, aproximadamente a mesma quantia que Austrália e

Japão, 10 084 e 8 839 por aluno, respectivamente, enquanto, para aqueles que se

encontram no ensino fundamental, o gasto brasileiro é aproximadamente 6,5 vezes menor

que os dispêndios de Austrália e Japão, TABELA 21. O próprio relatório aqui

comentado, de Pinto et al, (2000).Afirma:

Muito embora os gastos do Brasil com educação em relação ao PIB não destoem daqueles praticados pelos demais países listados, tendo em vista o baixo valor do seu PIB per capita, os gastos /aluno no ensino fundamental são os menores da tabela. Já no ensino superior os valores de gastos/aluno são maiores porque o sistema público de educação superior embora consuma apenas 21% do total de recursos gastos com educação, atende uma clientela bem menor do que aquela que freqüenta a educação básica. Esse fato garante uma qualidade diferenciada e explica porque se concentram nas universidades públicas a maior parte da produção científica do País e dos cursos de mestrado e doutorado, ou ainda porque a relação candidatos/vaga nos cursos de graduação, em 1999, foi de 8,3 na rede pública de ensino superior contra uma razão de 2,3 no setor privado.

Os dados disponíveis e em seguida analisados são inquestionáveis.

Gasto público 1998/1999 Gasto/Aluno

Ajustado para R$ pela PPP

(%) do PIB Fundamental Superior

Austrália 5,0 4.178 10.084 Japão 3,5 4.506 8.839

México 4,4 943 4.119 Coréia do Sul 4,1 2.441 4.606

Portugal 5,7 2.991 4.130 Estados Unidos 5,2 5.661 16.529 Média OCDE 5,2 3.637 9.823

Argentina 4,5 1.401 4.821 Brasil 4,3 691 9.756 Chile 4,2 1.463 5.943

Paraguai 4,8 754 4.700 Fonte: Education at a Glance 2002, OECD. Dados de gasto foram ajustados ao Real de 1999, pelo índice de paridade do

poder de compra (PPP), no caso 1US$ - R$ 0,86, cálculo pelo banco Mundial.

71

Tabela 22

Pessoas analfabetas na população de 15 anos de idade ou mais.

Números absolutos e distribuição percentual, Brasil – 1920 – 1996.

A Tabela 22 demonstra que historicamente os índices de analfabetismo

vêm declinando em média, aproximadamente, 7,2% por década na população com 15 ou

mais anos – 1940, 5,5%; 1950 10,9%; 1960 6,0%; 1970 8,2%; 1980 5,3% e 1990 até

1996, 6% - mas até 1996 com números absolutos de analfabetos sempre crescentes, de

11,4 milhões em 1940 para 19,2 milhões em 1991. Isto demonstra que o declínio do

analfabetismo tem mantido um comportamento regular, cujos menores índices ocorreram

nas décadas de 40 e 80 com 5,5% e 5,3%, respectivamente e as mais altas nas décadas de

50 e 70 com 10,9% e 8,2%, respectivamente. Isto evidencia também que, ao se confrontar

estes dados com as políticas públicas – campanhas para a erradicação do analfabetismo -

adotadas pelos governos nas mais diferentes épocas enfocadas no presente trabalho,

reiteradamente, produziram resultados semelhantes e cuja maior ou menor eficiência

poderia ser explicada por um maior ou menor envolvimento da sociedade como um todo

naquele momento histórico. Destaque-se ainda que no período de interesse deste estudo

alternaram-se no poder, governos ditatoriais ou democráticos; de cunho conservador ou

populista; de esquerda, ou de centro esquerda, de centro direito, ou de direita ou de

qualquer outro rótulo que se queira dar, o que demonstra que não se trata de um

fenômeno ligado a uma determinada época do desenvolvimento sócio econômico ou

político do país, mas parece se tratar de um fenômeno cultural, visto que todos os

Ano Contingente (em milhões)

%

1920 11,4 64,9

1940 13,3 56,0

1950 15,3 50,5

1960 15,9 39,6

1970 18,1 33,6

1980 18,6 25,4

1991 19,2 20,1

1996(1) 15,1 14,1 Fonte: IBGE. Censo Demográfico 1920,1940,1950,1960,1970,1980,1991 e Contagem Populacional 1996.

(1) 1996: Percentual da população sem instrução ou com menos de um estudo

72

governos, nos mais diversos momentos históricos do período ora tratado, quando

enfrentaram o analfabetismo o fizeram sempre da mesma forma, pelas campanhas para a

erradicação do analfabetismo.

A análise do comportamento dos índices de analfabetismo em

diferentes faixas etárias observa-se que as taxas de analfabetismo são significativamente

menores nos grupos de indivíduos com 15 a 19 anos, 5,4% em 1996, contra 33,8% para o

grupo de indivíduos com 50 anos ou mais, no mesmo ano considerado. A explicação para

tal discrepância encontra-se, provavelmente, no fato de que somente a população com 15

a 19 anos beneficiou-se da universalização do ensino fundamental regular, TABELA 23.

Tabela 23

Taxa de analfabetismo na faixa etária de 15 anos ou mais por grupo de idade Brasil – 1970 –1996.

Taxa de analfabetismo por faixa etária (%)

Ano 15 anos ou mais

15 a 19 anos

20 a 24 anos

25 a 29 anos

30 a 39 anos

40 a 49 anos

50 ou

mais anos

1970 33,6 24.3 26,5 29,9 32,9 38,5 48,4

1980 25,4 16,5 15,6 18,0 24,0 30,8 43,9

1991 20,1 12,1 12,2 12,7 15,3 23,8 38,3

1996 (1) 14,1 5,4 5,8 7,0 9,1 15,5 33,8

Taxa de Crescimento 1991-1996

-29,6 -55,7 -52,8 -44,7 -40,5 -35,0 -11,7

Fonte: IBGE. Censo Demográfico1970, 1980, 1991 e Contagem Populacional 1996.

(1) 1996: percentual da população sem instrução ou com menos de um ano de estudo

Outra grave distorção educacional brasileira encontra-se relacionada às

diferentes regiões geográficas. Assim, as desigualdades educacionais de uma maneira

geral vêm tradicionalmente se mantendo ao longo dos cinqüenta anos aqui considerados,

refletindo, reproduzindo e, sobretudo, perpetuando as desigualdades socioeconômicas e

inter-regionais no Brasil. Ao se confrontar os dados relativos às três regiões que

apresentaram taxas de analfabetismo, em 1970, acima da taxa média nacional, 33,7%,

Norte, 36,0%, Nordeste, 54,2% e Centro Oeste, 35,5%. Os dados encontrados em 1996

demonstram que, enquanto a taxa média brasileira sofreu um crescimento de 44,3% e, das

três regiões com taxas acima da média nacional em 1970, - Norte, Nordeste e Centro

73

Oeste – somente a Região Centro Oeste, experimentou um crescimento de 53,2%, acima

da média nacional de 44,3%. As demais apresentaram taxas de crescimento abaixo da

média nacional no mesmo período em questão. Assim, a Região Norte, experimentou um

crescimento modesto de 4,18% e a Região Nordeste revelou um crescimento bem mais

significativo, contudo, como já foi dito, abaixo da média nacional, de 42,7%. Ainda que

se considere altamente relevante os esforços empreendidos para se alcançar esse

resultado, a constatação de que tanto em 1970, como em 1996, essa região ainda é a

detentora do maior índice regional de analfabetos, 54,2% e 26,0% respectivamente,

Tabela 24.

TABELA 24

Taxa de analfabetismo na faixa etária de 15 anos ou mais

Brasil e regiões – 1970-1996

Taxa de analfabetismo (%)

Regiões 1970 1980 1991 1996(1)

Crescimento 1980/1996

Brasil 33,6 25,4 20,1 14,1 -44,3 Norte 36,0 29,2 24,6 17,0 -4,18 Nordeste 54,2 45,4 37,6 26,0 -42,7 Sudeste 23,6 16,3 12,3 9,0 -46,4 Sul 24,7 16,3 11,8 8,2 -49,5 Centro-Oeste 35,5 25,2 16,7 11,8 -53,2

Fonte: IBGE. Censo Demográfico 1970, 1980,1991 e Contagem Populacional 1996. (1) 1996: percentual da população sem instrução ou com menos de um ano de estudo

Na apreciação dos dados inter-regionais destaca-se o desempenho do

Estado do Tocantins em relação aos demais da Região Norte. Este Estado experimentou

um decréscimo do número de seus analfabetos na faixa etária de 15 a 19 anos, no período

compreendido entre 1991 e 1996, equivalente a um crescimento de 63,8% e, para a faixa

etária de 20 a 24 anos, desempenho equivalente para o mesmo período enfocado, de

18,2% para 6,0%. Estes índices demonstram que o desempenho foi significativamente

melhor que os demais estados da Região Norte, Tabela 25,

74

Tabela 25

Taxa de analfabetismo nas faixas etárias de 15 a 19 anos e 20 a 24 anos Região Norte.

Taxa de analfabetismo (%) 15 a 19 anos 20 a 24 anos

Unidade da

Federação 1991 1996

Crescimento 1991/1996

1991 1996 Crescimento 1991/1996

Brasil 12,1 5,4 -55,7 12,2 5,8 -52,8 Norte 15,0 7,4 -50,5 16,0 7,9 -50,4

Rondônia 7,2 3,5 -51,8 9,9 4,3 -56,6 Acre 26,1 14,1 -46,1 27,9 16,6 -40,6

Amazonas 16,6 9,3 -43,8 16,4 9,5 -41,9 Roraima 9,7 6,5 -33,1 10,8 7,3 -32,6

Pará 15,5 7,4 -52,1 16,4 7,8 -52,6 Amapá 9,7 4,8 -50,5 10,8 5,3 -51,2

Tocantins 15,1 5,5 -63,8 18,2 6,5 -64,1 Fonte: IBGE. Censo Demográfico 1991 e Contagem Populacional 1996. Nota: 1996: percentual da população sem instrução ou com menos de um ano de estudo

e equivalente aos estados da Região Centro Oeste, Tabela 26.

Tabela 26

Taxa de analfabetismo nas faixas etárias de 15 a 19 anos e 20 a 24 anos Região Centro-Oeste.

Taxa de analfabetismo (%)

15 a 19 anos 20 a 24 anos Unidade da Federação

1991 1996 Crescimento 1991/1996 1991 1996 Crescimento

1991/1996 Brasil 12,1 5,4 -55,7 12,2 5,8 -52,8

Centro-Oeste 6,5 2,8 -56,3 8,0 3,5 -56,3 M. G. do Sul 6,6 3,4 -48,2 8,5 4,4 -48,6 Mato Grosso 8,0 3,3 -59,0 10,2 4,1 -59,3

Goiás 6,8 2,8 -58,8 8,0 3,4 -58,1 Distrito Federal 3,7 1,9 -49,9 4,9 2,3 -52,7 Fonte: IBGE. Censo Demográfico 1991 e Contagem Populacional 1996. Nota: 1996: percentual da população sem instrução ou com menos de um ano de estudo

perspectiva. A necessidade de se oportunizar no mínimo 8 anos de

estudo à população em Ainda que não seja o objetivo deste trabalho, pergunta-se, então,

como se explica tal comportamento tão diferenciado em relação aos demais estados da

mesma região geográfica? Talvez o fluxo migratório de populações vindas da Região Sul

do país propiciou um desenvolvimento sócio econômico e cultural diferenciados.

Pelo exposto, depreende-se que, ainda que os números indiquem que a

universalização da escolarização básica tenha sido alcançada, a realidade qualitativa do

sistema educacional brasileiro é altamente deficiente quando analisado sob qualquer

idade escolar, com os níveis qualitativos mínimos aceitáveis, na realidade, encontra-se

75

longe de ser alcançado especialmente ao se considerar que se mudam os governantes,

mas as políticas públicas na sua essência continuam as mesmas. As disparidades

regionais, de gênero, de raça ou cor já demonstrada no presente capítulo indicam que há

muito por se fazer pela educação regular no Brasil. Ainda que investimentos pessoais e

financeiros maciços sejam destinados à educação, para que o perfil da pirâmide social

seja significativamente alterado em favor das classes sociais mais baixas, entende-se que

parece ser necessária a quebra do paradigma vigente para que efetivamente a educação

cumpra com os seus objetivos sociais e que se leve a efeito aquilo que nos dias atuais,

ainda que no plano teórico, é consenso, conforme o próprio Diagnóstico da Situação

Educacional de Jovens e Adultos – MEC – INEP, 2000:

O consenso quanto ao papel fundamental da educação e à necessidade de distribuir eqüitativamente o conhecimento e o domínio dos códigos, pelos quais circula a informação necessária à participação cidadã, fundamenta a prioridade a ser dada em estratégias que eliminem este déficit social. (INEP, 2000).

Portanto, entende-se que parece haver razões mais fortes que recursos financeiros

limitados para se por em prática propostas alternativas e realistas para que,

definitivamente, reveja-se o estado de coisas em que se encontram os jovens brasileiros e

reverta-se o perfil educacional excludente do país.

76

3. EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E VIOLÊNCIA SIMBÓLI CA

3.1 O Ensino Regular e a Violência Simbólica.

Os recorrentes déficits educacionais brasileiros advindos das políticas

públicas no campo da educação entre 1950 e 2000, sugerem que se encontram vinculados

ao fenômeno da reprodução das classes sociais pela reprodução da cultura, conforme o

entendimento de Bourdieu e Passeron (1995).

Ao se reportar aos períodos iniciais da história da cultura brasileira

constata-se, conforme bem descreve AZEVEDO, em todo o capítulo III, de A

Transmissão da Cultura, a vigorosa influência da educação jesuítica no Brasil enquanto

Colônia de Portugal, voltada para as elites e associada ao total desprezo do governo

português para com a educação dos cidadãos da colônia.

Ainda, conforme Azevedo, o resultado de tal perfil educacional,

alicerçado em um verdadeiro monopólio do ensino voltado para a educação das elites,

classes dirigentes e aristocráticas, criaram uma cultura de elite, a burguesia urbana que

influenciou indelevelmente as gerações futuras em transmitir o patrimônio de uma cultura

homogênea alicerçada nas atividades literárias e acadêmicas que correspondiam aos

ideais de cultura ao mesmo tempo em que desprezavam totalmente as atividades técnicas,

artísticas, à pesquisa e a experimentação e complementa:

Essa cultura que ficou sempre a de uma elite; que o povo não assimilou nem podia assimilar e pela qual o Brasil se tornou por muito tempo, na América, “um país da Europa”, teve, no entanto, efeitos da maior importância, na criação de tendências e características das classes dirigentes, na formação da burguesia e no estabelecimento de uma tradição e continuidade nacionais.(AZEVEDO, 1958. p. 308).

Conforme o mesmo autor, este perfil educacional estendeu-se durante todo o

período imperial, segundo AZEVEDO (1958, p. 331), “Nenhum esforço real para a

criação de uma universidade; nenhuma instituição de cultura e de formação geral”.Ainda

que algumas iniciativas em favor da educação tenham sido tomadas e as foram, mas

sempre em benefício de uma minoria e, portanto, com intenso perfil excludente, nas

palavras de Azevedo:

77

[...] os estadistas do Império, imbuídos de fórmulas jurídicas e penetrados de cultura européia, montaram um instituto de ensino secundário de primeira ordem, mas aristocrático, que tendia a separar o menino de seu meio,afastar o homem das funções úteis, técnicas e econômicas, e a influir poderosamente, em colaboração com os colégios e seminários, como um instrumento de seleção e de classificação social. (AZEVEDO, 1958. p. 336).

Por sua vez, os governos republicanos subseqüentes à Independência não

conseguiram se desvencilhar da herança educacional colonial e imperial e mantiveram o

descaso para com a educação do povo de uma maneira geral e privilegiaram os interesses

das elites minoritárias dominantes, nas palavras do mesmo historiador:

Do ponto de vista cultural e pedagógico, a República foi uma revolução que abortou e que, contentando-se com a mudança de regime, não teve o pensamento ou a decisão de realizar uma transformação radical no sistema de ensino, para provocar uma renovação intelectual das elites culturais e políticas, necessárias às novas instituições democráticas.

E complementa:

O ideal de “homem culto” permanecia, ao menos até à guerra mundial de 1914, o mesmo que predominava no Império; e as escolas superiores, destinadas às carreiras liberais, satisfaziam a essas aspirações dominantes, no meio social em geral e, especialmente, nas famílias dos senhores de engenho, fazendeiros e estancieiros, como da burguesia urbana, que continuavam a ver nas profissões de advogado, médico e engenheiro as ocupações mais pobres e, nas escolas superiores de formação profissional, uma escala de ascensão social e política de seus filhos. Num meio em que o título de doutor ainda era um ornamento para os ricos uma recomendação a mais para a política e a alta administração pública, e um instrumento de ascensão, para as famílias que se aspiravam elevar-se na hierarquia social, nem a pesquisa científica desinteressada nem a cultura técnica podiam passar facilmente ao primeiro plano das cogitações dos candidatos às escolas superiores.

O período republicano, com a Constituição de 1891, reservou para o

governo central, as atribuições relativas ao ensino secundário e superior, deixando para as

Províncias e Municípios o ensino básico conforme Haddad e Di Pierro (2000. p. 109)

Mais uma vez garantiu-se a formação das elites em detrimento de uma educação para as amplas camadas sociais marginalizadas, quando novamente as decisões relativas à oferta de ensino elementar ficaram dependentes da fragilidade financeira das Províncias e dos interesses das oligarquias regionais que as controlavam politicamente.

Este perfil educacional estabeleceu forte influência nos primeiros

governos republicanos e as primeiras iniciativas mais concretas na tentativa de modificar

o perfil excludente da educação brasileira da época ocorreram somente nos anos 30 e 40,

com a promulgação das constituições de 1934 e 1937.

Este pequeno intróito tem como objetivo único de demonstrar através

de alguns posicionamentos a herança cultural do Brasil que estabeleceu marcante

influência durante toda a história da educação brasileira até os dias de hoje e estabelecer

os subsídios indispensáveis para que seja possível interpretar de forma adequada o

78

fenômeno da reprodução social pela reprodução da cultura através da escola, advogada

por Bourdieu e Passeron, (1975).

Diante disso, percebe-se que as formas alienígenas de cultura –

européia - caracterizaram sempre a herança das escolas brasileiras que seguidamente

importaram modelos externos à cultura nacional, (Romanelli, 2003 p. 23 e 24).

Embora o conceito de cultura se aproxime mais do campo da

sociologia, como indicariam alguns educadores, o presente estudo aborda o tema por se

tratar de uma necessidade explicativa às formas de violência simbólica sob a perspectiva

de Bourdieu e Passeron, (1975).

As transformações econômicas ocorridas no Brasil de extrativista para

agrícola e desta para industrial, ao mesmo tempo em que o perfil demográfico se

modificou de rural para urbano poder-se-ia esperar, então, que a industrialização do país

e a crescente aglomeração em torno dos principais centros urbanos seriam agentes

transformadores da educação, enquanto educação para o desenvolvimento.

O que efetivamente ocorreu foi à materialização de uma maciça

importação de tecnologias, nas mais diferentes épocas do desenvolvimento industrial do

país, exigindo, tão somente, instrução mínima de uma pequena parcela da população,

parcela essa suficiente para a formação de mão-de-obra com características específicas

para a operação dos processos produtivos importados. Não houve, portanto, o interesse na

formação de mão de obra qualificada para atender às exigências do desenvolvimento

tecnológico que deveriam ter sido criadas e utilizadas no próprio país.

Assim, este modelo contribuiu, uma vez mais, para perpetuar o caráter

conservador e excludente do modelo educacional brasileiro herdado dos períodos

anteriores.

Se antes do início do processo de industrialização do Brasil, celebrava-

se o binômio – elite minoritária ilustrada/plebe analfabeta – após a industrialização não

houve a substituição da plebe analfabeta pela maioria do povo minimamente letrado.

Estabeleceu-se sim, até um contingente suficiente e adequado de uma parcela da

população minimamente escolarizada, formando agora o trinômio – elite minoritária

ilustrada/mão de obra industrial minimamente escolarizada/plebe analfabeta.

79

A sociedade brasileira assim culturalmente estruturada, em estratos

culturais devidamente definidos, cada qual com características próprias e inculcados por

um sistema educacional e pelas ações pedagógicas deste mesmo sistema, conforme

sugerem Passeron e Bourdieu (1975. p. 25):

[...] tendem sempre a reproduzir a estrutura da distribuição do capital cultural entre esses grupos ou classes, contribuindo do mesmo modo para a reprodução da estrutura social: com efeito, as leis do mercado em que forma o valor econômico ou simbólico, isto é, o valor enquanto capital cultural dos arbitrários culturais reproduzidos pelas diferentes AP e, por esse meio, dos produtos dessas AP (indivíduos educados), constituem um dos mecanismos, mais ou menos determinantes segundo os tipos de formações sociais, pelos quais se encontra assegurada a reprodução social, definida como reprodução da estrutura das relações de força entre as classes.

Os dados históricos descritos demonstram, de forma inequívoca, como

a “violência simbólica” segundo a concepção de Bourdieu e Passeron (1975 p. 13),

permeia a educação brasileira.

Na sociedade brasileira, a classe hegemônica tem tomado o devido

cuidado, ao defender seus interesses, de conceder oportunidades a algumas parcelas da

população em galgar níveis mais graduados de escolarização e, para aqueles que vão “se

perdendo pelo caminho”, oferecem modalidades educativas alternativas – ensino

profissionalizante e EJA - como prêmio de consolação, satisfazendo parte de seus

anseios, mas sem que estes se dêem conta do ocorrido.

A Constituição de 1937, em seu artigo 129, (BRASIL, Constituição

Federal, 1937 art. 129) encarregou-se de chancelar a concepção da sociedade brasileira

dividida em estratos, a partir dos níveis educacionais que oferta aos seus cidadãos,

conforme o seu texto: “O ensino vocacional e profissional destinado às camadas menos

favorecidas é, em matéria de educação, o primeiro dever do Estado” ou conforme o

Ministro Capanema em 1942, ao se referir ao ensino propedêutico de tipo acadêmico [...]

as individualidades condutoras [...] que deverão assumir as responsabilidades maiores

dentro da sociedade e da nação, homens portadores das concepções e atitudes espirituais

que é preciso infundir nas massas, que é preciso tornar habituais entre o povo. (Capanema

em Mello 1999. p. 92).

Ao se considerar que na organização social como a brasileira, cabe à

sociedade política – que representa a essência da classe hegemônica - o direito, a

80

obrigação e a fiscalização da legislação educacional, é de se supor que este segmento

social represente e defenda os interesses maiores da classe dominante.

No campo educacional, se avanços foram constatados, e os foram,

especialmente na tentativa da universalização da educação básica, ainda que alardeados

como conquista da sociedade como um todo, mas com os disfarçados interesses da classe

hegemônica aí engastados.

Por outro lado, é consenso que a cultura adquirida através da educação

é um bem de direito de todos especialmente por se tratar de um bem infinitamente

divisível - no sentido de que pode ser distribuído a todos os indivíduos sem se tornar

fracionado - e, portanto, mantendo o seu patrimônio original íntegro em sua origem e

distribuição, cujas novas infinitas partes além de não comprometerem suas características

originais, possuem o atributo ímpar de se comportar como um moto contínuo quando

seus múltiplos e submúltiplos são os próprios indutores e re-alimentadores do processo

cultural da sociedade.

Para que se possa compreender com mais clareza quais os verdadeiros

significados da cultura brasileira desta época sobre a realidade do sistema educacional

brasileiro atual, das próprias características da sociedade brasileira e das relações e

interdependências entre estas duas instâncias é imperativo que sejam realizadas algumas

considerações sobre o conceito de cultura.

Inicialmente, deve-se considerar que a cultura é algo inerente ao

homem, a partir do seu crescente e cada vez mais complexo relacionamento e trato para

com a natureza, indispensável a sua sobrevivência e que, necessariamente, implica no

envolvimento e cumplicidade dos demais seres humanos. Colocado dessa forma, percebe-

se que a cultura é, também, intrínseca ao meio social.

Portanto, da mesma forma que não se trata de um conceito nato da

natureza biológica do homem porque se manifesta a partir de uma necessidade posterior à

sua biologia, a sua interação com o meio em que vive exprime-se também a partir da

relação e interdependência entre os homens e que por este motivo é um fenômeno social,

conforme Pinto (1985. p. 123).

A cultura é, pois, o processo pelo qual o homem acumula as experiências que vai sendo capaz de realizar, discerne entre elas, fixa as de efeito favorável e, como resultado da ação exercida, converte em idéias as imagens e lembranças,

81

a princípio coladas às realidades sensíveis e depois generalizadas, desse contato inventivo com o mundo natural.

A cultura assim considerada deve ser interpretada em um duplo sentido.

Como um bem de consumo – bem, porque se trata de uma qualidade atribuída a ações e a

obras humanas – quando o homem se utiliza o meio em que vive, transforma-o em

instrumento, artefato ou produto, subjetivá-los em idéias e, como um bem de produção,

se considerada a capacidade crescente do homem em desenvolver novas técnicas para

criar novas idéias que se convertem no propósito para a realização de novas ações.

Romanelli (2003. p. 20) conceitua:

Cultura se define como algo muito mais abrangente do que o simples resultado da ação intelectual do homem; ela é o próprio modo de ser humano, “o mundo próprio do homem”. Distingue-se por seu duplo aspecto de processo e de produto, o primeiro definindo a ação contínua e recíproca do homem e do meio e o segundo, resultado dessa ação, definindo o conteúdo dos bens culturais conquistados, os quais, por sua vez, condicionam novos desafios à capacidade perceptiva, à sensibilidade, à inteligência e à imaginação humana.

Depreende-se, portanto, que a cultura é algo intrínseco ao homem

enquanto processo pela interação entre o homem e o meio e, como produto, caracterizado

pelo resultado desta mesma interação e qualificado pelos bens culturais obtidos que, por

sua vez, são retroalimentadores do mesmo processo e, segundo Romanelli (2003 p. 20)

“condicionam novos desafios à capacidade perceptiva, à sensibilidade, à inteligência e à

imaginação humanas”.

A cultura, então, deve ser entendida como um processo dinâmico e

ininterrupto que irá se converter em um bem duradouro desde que devida e

constantemente realimentado ou efêmero se descontínuo e que, por este mesmo motivo,

só sobrevive no meio social. Assim, a sua transmissão, realimentação e perpetuação

dependem da sua constante comunicação temporal, adquirida das gerações passadas,

irradiadas no meio social presente e perpetuada às gerações futuras.

Assim, a cultura presente em um determinado momento histórico ou

conforme Bourdieu e Passeron (1975, p. 13), o “arbitrário cultural” se é absorvido pelos

indivíduos de um determinado - no sentido de arbitrário – meio ou grupo social, se

assinalado como elemento ou instrumento facilitador para o indivíduo enfrentar as suas

necessidades trata-se de um bem de consumo. Por outro lado, o arbitrário cultural é um

bem de produção se caracterizado como um bem ou capital cultural, quando

disponibilizado pelo grupo social como instrumento para a exploração coletiva deste

mesmo grupo social.

82

A cultura, portanto, é um bem indivisível enquanto consumo ou

produção e, conforme a sua abrangência, é um bem de todo o grupo social, de uma nação

ou de toda a humanidade e o processo educativo é o seu principal instrumento de

comunicação social.

O desenvolvimento cultural do homem, conforme o entendimento de

Pinto (1985. p. 127), ao provir do acúmulo crescente, gradativo e cada vez mais

complexo dos saberes que se transformam em bens culturais, a partir de um processo

natural - no sentido de lógico, espontâneo, presumível – e não discriminatório, - no

sentido de não diferençar ou separar intencionalmente - proporciona a distribuição dos

bens culturais a determinados grupos sociais ou indivíduos, conforme as suas próprias

aptidões. Nos grupos sociais heterogêneos, isto é, naqueles em que o capital cultural não

é distribuído de forma homogênea e eqüitativa, quando há divisão do grupo social em

classes sociais, a classe minoritária dominante ou elite dominante, cujos indivíduos são

denominados de “cultos” é a detentora da cultura como bem de produção, porque detém o

privilégio de conceber as finalidades sociais. Os demais, as massas, que só manuseiam os

bens de produção, mas sem ou parcialmente os possuir, adquirem a enganosa aparência

de parte “inculta” da sociedade. (PINTO, 1985. p. 124).

O entendimento adotado neste trabalho para “classe social”, apóia-se na

concepção de Bourdieu, (2003, p. 136.): Conjuntos de agentes que ocupam posições

semelhantes e sujeitos a condicionamentos semelhantes, têm, com toda a probabilidade,

atitudes e interesses semelhantes, logo, práticas e tomadas de posições semelhantes.

Destarte, a educação é o instrumento que a sociedade se utiliza para a

distribuição do capital cultural para as diversas classes sociais. Para Bourdieu e Passeron,

(1975. p. 21), educação é a “instauração de uma relação de comunicação pedagógica” ou

“o modo arbitrário de imposição e inculcação”. Ou ainda, “como instrumento

fundamental da continuidade histórica” deve ser interpretada como “processo através do

qual se opera no tempo a reprodução do arbitrário cultural, pela mediação da produção do

hábito produtor de práticas de acordo com o arbitrário cultural”. (BOURDIEU e

PASSERON, 1975. p. 44). As sociedades modernas, então, segundo os mesmos autores,

lançam mão do Sistema Educacional (SE) definido como “o conjunto de mecanismos

institucionais que visa assegurar a transmissão entre as gerações da cultura herdada do

passado”. (BOURDIEU e PASSERON, 1975. p. 25). Enquanto para Durkheim em

83

Bourdieu e Passeron, (1975, p.25), a Ação Pedagógica (AP) “colabora harmoniosamente

para a reprodução do capital cultural como uma propriedade indivisa de toda a

sociedade” para Bourdieu e Passeron, diferentemente de Durkheim, a AP “tende a

reproduzir a estrutura do capital cultural entre grupos ou classes contribuindo para a

reprodução da estrutura social”.

Será nesta mesma linha de pensamento, que este trabalho procura

mostrar como o sistema educacional brasileiro, da mesma forma que as demais

sociedades capitalistas têm, historicamente, reproduzido o seu capital cultural entre as

classes sociais e, de forma sistemática a sua estrutura social. O que é mais grave, de que

forma conduz a outras formas de violência simbólica social, quando o indivíduo é

privado de sua cidadania pela perda do direito de trabalhar quando precocemente

aposentado por doença ou acidente decorrente do trabalho.

Por outro lado, torna-se importante explicitar que se reconhece que a

literatura brasileira neste campo de estudo tem se interessado e interpretado de forma

ampla as relações entre o sistema educacional brasileiro, com todas as suas mazelas, sob

a luz das propostas de Bourdieu e Passeron em A Reprodução (1975). Entende-se,

também, que muitas das vezes as relações estabelecidas podem ser consideradas

superficiais não levando em conta o grau de complexidade que as propostas dos autores

encerram em si, seus efeitos sobre a reprodução das classes sociais, que se configuram

em violência simbólica, outras decorrentes daquelas próprias do sistema de ensino e as

dificuldades quase intransponíveis para a ruptura do paradigma vigente quando

considerada a inércia que o sistema gera em seus indivíduos. A produção e a reprodução

do pensamento vigente se tornam então, pelas características intrínsecas ao processo,

refratárias a pensamentos e propostas alternativas. Daí a necessidade de, uma vez mais,

retomar este tema, tão relevante e sempre atual.

Antes, pois, por se tratar de um trabalho eminentemente acadêmico,

torna-se necessário que se discorra e, por conseguinte, se demonstre como este processo

efetivamente ocorre, segundo os entendimentos de Bourdieu e Passeron.

Se os sistemas sociais divididos em classes, como o brasileiro apresenta

uma classe minoritária dominante, seus pensamentos, ideais e ações serão sempre

dominadores, próprios de seu perfil social e tentarão sempre inculcar arbitrários culturais

de seus interesses às classes dominadas que, por sua vez, estarão sempre receptivas ao

84

pensamento hegemônico da classe dominante, visto que seus indivíduos encontram-se

condicionados a tal atitude e, provavelmente, suas posições e práticas corresponderão a

este mesmo perfil. Por sua vez, este processo não ocorre de forma automática. Há a

necessidade de que determinados agentes indutores incutam estas concepções nos demais

e deflagrem as ações pedagógicas eleitas pela classe dominante. Para tanto, pressupõe-se

que a classe dominante exerça o seu poder de imposição do arbitrário cultural escolhido.

Em uma sociedade democrática o poder da classe dominante, tanto para a sua própria

corte, como para a dos dominados, não é exercido de forma clara, demonstrando a

verdade objetiva, muito menos com característica coercitiva e de imposição explícita.

Assume, sim, a forma dissimulada de poder, definido por Bourdieu (2003. p. 15) como

“poder simbólico”:

O poder simbólico, poder subordinado, é uma forma transformada, quer dizer, irreconhecível, transfigurada e legitimada, das outras formas de poder: só se pode passar além da alternativa dos modelos energéticos que descrevem as relações sociais como relações de força e dos modelos cibernéticos que fazem delas relações de comunicação, na condição de se descreverem as leis de transformação que regem a transmutação das diferentes espécies de capital em capital simbólico e, em especial, o trabalho de dissimulação e de transfiguração (numa palavra, de eufemização) que garante uma verdadeira transubstanciação das relações de força fazendo ignorar-reconhecer* a violência que elas encerram objectivamente e transformando-as assim em poder simbólico, capaz de produzir efeitos reais sem dispêndio aparente de energia.

Se o poder exercido pela classe dominante é simbólico com todas as

características intrínsecas a esta forma de poder, se a educação é o modo de transmissão

da cultura arbitrada por este poder e, se o SE é a ferramenta de comunicação social para a

imposição da ação pedagógica (AP) dos arbitrários culturais designados pelo poder

simbólico emanado pela elite dominante, estes arbitrários culturais deverão ser

inculcados também de forma dissimulada, ausente de qualquer forma de coerção, como

forma de violência simbólica assim conceituada por Bourdieu e Passeron (1975. p. 13).

Compreende-se que o termo de violência simbólica, que diz expressamente a ruptura com todas as representações espontaneístas da ação pedagógica como ação-não violenta, seja imposto para significar a unidade teórica de todas as ações caracterizadas pelo duplo arbitrário da imposição simbólica.

Se o poder simbólico tem a habilidade de impor uma violência

simbólica, visto que neste ato encontra-se contido o próprio arbitrário da imposição em si

como o arbitrário do conteúdo imposto, estes mesmos autores reconhecem, da mesma

forma, que há a necessidade de se admitir que o “poder de violência simbólica” legitima

o seguinte axioma, para Bourdieu e Passeron (1975. p.19).

85

Todo o poder de violência simbólica, isto é, todo poder que chega a impor significações e a impô-las como legítimas, dissimulando as relações de força que estão na base de sua força, acrescenta sua própria força, isto é, propriamente simbólica, a essas relações de força.

Assim, ainda conforme Bourdieu e Passeron (1975. p. 20), a própria AP

é uma violência simbólica porque visa reproduzir, no sentido de produzir e produzir uma

vez mais, de forma arbitrária – porque não há autor, está ligada às culturas passadas e

presentes, são opções de uma cultura, não se originam de nenhum princípio universal,

biológico, físico, espiritual, etc - pela imposição e pela inculcação do arbitrário cultural

da classe dominante e/ou das dominadas e o seu simbolismo expressa-se pela

concordância de toda formação social. Por outro lado, a AP em um determinado grupo

social manifesta-se de acordo com os diferentes graus de organização social deste grupo,

do capital social que representa e em conformidade com o nível de organização do

sistema de comunicação social adotado. Numa forma mais primitiva, como Educação

Difusa, quando permeia o ambiente social; como Educação Familiar, quando restrito ao

ambiente familiar; pela Educação Institucional, quando em um determinado grupamento

social há agentes explicitamente convocados para tal fim; na Instituição Escolar (IE),

quando exercida no âmbito da instituição de ensino, assumida pelo poder simbólico,

longe do meio familiar, cuja característica precípua é a reprodução da cultura dominante

que, por sua vez, contribui para a reprodução das relações de força do meio social. Em

outras palavras, “o sistema de ensino dominante tende a assegurar o monopólio da

violência simbólica legítima”. (BOURDIEU e PASSERON, 1975. p. 21).

Para que a AP produza os efeitos simbólicos a que se propõe é

imperativo que haja a comunicação entre os atores em um ambiente cujas condições

sociais são receptivas. Isto significa dizer que as formações sociais não estão

explicitamente envolvidas no processo de comunicação visto que, no bojo das ações

pedagógicas objetivas – conteúdos naturais, técnicos ou científicos – engastam-se, de

maneira subliminar, as formas de violência simbólica legítimas. Por outro lado, a escolha

das significações não intencionais, isto é, “o arbitrário cultural dominante, é sempre o

mais adequado aos interesses do grupo dominante”, (BOURDIEU e PASSERON 1975. p.

24).

No âmbito da IE, para que a AP produza os efeitos desejados no

processo de comunicação, apresenta-se a figura da Autoridade Pedagógica (AuP),

detentora de autonomia relativa, manifesta a condição imprescindível de não ter a

86

consciência da violência simbólica que a AP encerra em si, caso contrário seria auto

destrutiva, e é devidamente reconhecida como tal por todos os agentes envolvidos . Dessa

forma, a violência simbólica que manifesta é legítima porque detém o direito de

imposição legítima o que reforça o poder arbitrário estabelecido e dissimulado. Por sua

vez, para que a AuP obtenha o maior sucesso possível na comunicação da AP, além da

presença obrigatória do inconsciente de todos os agentes envolvidos no processo de

comunicação e imposição, é necessário que a violência simbólica seja exercida sobre um

grupo social mais afastado possível do arbitrário cultural incutido. (BOURDIEU e

PASSERON, 1975. p. 26 - 29).

Sob as condições explicitadas acima, a comunicação pedagógica, no

sentido de imposição e inculcação, não pode ser considerada uma simples relação de

comunicação, no sentido de informação. Se efetivamente há, de forma dissimulada, a

imposição e a inculcação de um arbitrário cultural, na forma de violência simbólica, com

todas as características já descritas segundo Bourdieu e Passeron (1975. p. 32 e 33) ,

verifica-se a ação transformadora da informação em formação:

Contra o senso comum e numerosas teorias eruditas que do fazer ouvir (no sentido de compreender) a condição de escutar (no sentido de prestar atenção e conceder crédito), nas situações reais de aprendizagem (compreendida aqui a da língua), o reconhecimento da legitimidade da emissão, isto é, da AuP do emissor, condiciona a recepção da informação e, mais ainda, o cumprimento da ação transformadora essa informação em formação.

Por seu lado, a relação entre as partes numa comunicação pedagógica

implica em uma relação de cumplicidade no sentido de que a AuP ensina para alguém

que quer aprender e, o receptor, por sua vez, ali se encontra porque há alguém disposto a

ensiná-lo. Nesta relação de trocas de interesses, a presença de sinergismo entre os agentes

envolvidos, no sentido de que há a predisposição e desprendimento da AuP na

comunicação pedagógica e a aceitação do conteúdo comunicado como conteúdo legítimo

por parte do receptor é condição sine qua non. Portanto, para Bourdieu e Passeron (1975.

p. 35), os receptores da AP transmitida pela AuP, estão sempre dispostos a reconhecer a

legitimidade da informação transmitida, a autoridade dos emissores em receber e

interiorizar a mensagem transmitida. Da mesma maneira, quanto maior a disposição em

aceitar a AuP tanto maior a força simbólica (positiva ou negativa) jurisdicionalmente

garantida ou não, que assegura, reforça e ratifica de forma duradoura o efeito da AP.

A conseqüência imediata deste processo é o Trabalho Pedagógico (TP),

definido segundo Bourdieu e Passeron (1975. p. 43), como “trabalho de inculcação que

87

deve durar o bastante para produzir uma formação durável (hábitus)”, e este interpretado

como “[...] produto da interiorização dos princípios de um arbitrário cultural capaz de

perpetuar-se após a cessação da AP.” Assim, estes autores consideram que o TP

confirma e consagra de forma irreversível a AuP e, por conseguinte, a legitimidade da AP

do arbitrário cultural inculcado. De fato, a partir da constatação que o TP é realizado de

forma dissimulada, não intencional e sem uso da força ou da coerção, ou melhor,

dizendo, em substituição a elas, entende-se o seu poder reprodutor do sistema social. Da

mesma forma, se o TP reproduz o sistema social, o TP tem a capacidade intrínseca e

conseqüente da reprodução e manutenção do status quo da ordem social.

O entendimento da necessidade da manutenção de uma determinada

ordem social para impor a legitimidade da cultura dominante pressupõe, por conseguinte,

que ela seja realizada para o grupo social dominado através da inculcação. A

possibilidade de um determinado indivíduo ou um grupo de indivíduos comuns a um

arbitrário cultural não se encontrar em sintonia com os as normas propostas pelo SE,

quando não reconhecem como legítima a AuP e a própria AP, pela própria inculcação, o

próprio SE institui a sua exclusão que não deixa de ser uma forma de reconhecimento de

seu arbitrário cultural. Para Bourdieu e Passeron (1975. p. 52), este processo ocorre pela

interiorização nos excluídos à legitimidade da exclusão; impondo o reconhecimento

daqueles que são relegados a ensino de 2ª ordem da inferioridade desses ensinos e

daqueles que o recebem; inculcando, pelas disciplinas escolares e da adesão às

hierarquias culturais das disciplinas e hierarquias sociais. O sistema educacional

brasileiro, historicamente, tem se mostrado pródigo na produção de excluídos e na

produção de sistemas simbólicos compensadores a estes excluídos, quando propõe

formas alternativas e compensatórias de educação, sob as mais variadas denominações,

quer sejam elas Campanhas de Alfabetização, Ensino Supletivo, Profissionalizante,

Mobral ou Educação de Jovens e Adultos.

Destarte, a exclusão, analisada sob este ponto de vista, torna-se a

principal força de imposição do reconhecimento da cultura dominante e legítima e o

reconhecimento como ilegítimo o arbitrário cultural do grupo dominado, especialmente

na forma mais violenta quando a exclusão não é imposta, mas sim, quando se manifesta

na forma de auto-exclusão. Para Bourdieu e Passeron, ao analisar a exclusão e a auto-

88

exclusão expõe à vista toda a força que estes processos encerram quando ocorrem em um

determinado SE obrigatório:

[...] um dos efeitos menos percebidos da escolaridade obrigatória consiste no fato de que ela consegue obter das classes dominadas um reconhecimento do saber e do saber-fazer legítimos..., levando consigo a desvalorização do saber e do saber-fazer que elas efetivamente dominam..., e estabelecendo assim um mercado para as produções materiais e sobretudo simbólica cujos meios de produção (a começar pelos estudos superiores) são quase-monopólio das classes dominantes (por exemplo, diagnóstico médico, conselho jurídico, indústria cultural, etc.). (BOURDIEU e PASSERON, 1975. p. 53).

O sistema oficial de ensino brasileiro, gratuito e obrigatório, assim

definido na Constituição Federal desde 1934 e devidamente regulamentado em diversas

épocas pelo Estado Brasileiro e, em especial, na LDB de 1996, tem consagrado a sua

organização em níveis de ensino. Modernamente, a título de exemplo, encontra-se assim

dividido: Ensino Fundamental, com 8 séries (atualmente 9) – antigamente dividido em

Ensino Primário e Ginasial – Ensino Médio e/ou Profissional, com 3 anos, - no passado

Propedêutico e/ou Profissionalizante – e Ensino Superior, com um total de anos variáveis,

de acordo com um determinado Curso Superior.

A organização e o funcionamento de um SE assim estruturado, de

concepção centralizadora na União visa, segundo se depreende a partir do pensamento de

Bourdieu e Passeron, instâncias devidamente definidas para a aquisição do arbitrário

cultural pré-estabelecido e infundido na sociedade brasileira.

No bojo de suas atribuições encontram-se as provas, exames, avaliações

ou qualquer designação que se queira utilizar que constituem [...] a expressão mais

legível dos valores escolares e das escolhas explícitas da estrutura de ensino [...],

(BOURDIEU e PASSERON, 1975 p. 153), quando se considera a ratificação da

reprovação como uma medida – no sentido de meio de comparação, julgamento ou

padrão – de estratificação do bem cultural, ou [...] a aquisição da cultura legítima e da

relação legítima com a cultura é regulada pelo direito consuetudinário que se constituí na

jurisprudência dos exames e que deve o essencial de suas características à seleção no qual

ele se formula. (BOURDIEU e PASSERON, 1975. p. 154). E complementam: [...] é

verdadeiro [...] que o exame exprime, inculca, sanciona e consagra os valores solidários

com uma certa organização do sistema escolar, com certa estrutura do campo intelectual

e, através dessas mediações, com a cultura dominante [...] (BOURDIEU e PASSERON,

1975. p. 155).

89

É bem verdade que a aquisição dos bens culturais é cada vez mais

complexa na medida em que as sociedades evoluem e propiciam o surgimento de

indivíduos ou grupo de indivíduos mais aptos para apropriá-los. É bem verdade que o SE

organizado na sociedade brasileira vem de encontro às necessidades de escolher, no

sentido de separar, aqueles indivíduos mais aptos a dominar determinados capitais

culturais legítimos. É bem verdade, também, que o sistema de ensino encerra interesses

dissimulados quando escolhe, no sentido de excluir, através do exame anual terminal

aqueles indivíduos que dominarão a fatia menor do arbitrário cultural legítimo.

Se estas constatações respondem suficientemente as necessidades das

sociedades modernas como a brasileira, seria então, suficiente afiançar como verdadeiro,

[...] que um sistema de exames que assegura a todos a igualdade formal diante de provas idênticas [...] e que garante aos indivíduos dotados de títulos idênticos a igualdade de oportunidades de acesso à profissão satisfaz o ideal pequeno-burguês de eqüidade formal, então parece bem fundamentado perceber apenas como uma manifestação particular de uma tendência das sociedades modernas à multiplicação dos exames, a extensão de sua importância social e o acréscimo de seu peso funcional no seio do sistema de ensino. (BOURDIEU e PASSERON, 1975. p. 156).

De fato, a passagem acima explica de forma suficiente às propostas

educacionais dentro de uma concepção geral e de uma análise objetiva da história escolar,

mostrando que, através deste tipo de proposta educacional, a ascensão social pela

escolaridade é perfeitamente viável frente, por exemplo, a igualdade de oportunidades a

todos os indivíduos quando se submetem a provas com iguais conteúdos e quando os

indivíduos detentores de certificados de um mesmo nível de escolaridade têm

oportunidades iguais de acesso ao trabalho.

Entretanto, a análise superficial induz às interpretações equivocadas

quando não observa que os exames têm como função simbólica à lógica própria do SE

como propõe Bourdieu e Passeron (1975. p.156)

[...] em razão da inércia particular que a caracteriza, sobretudo quando está investida da função tradicional de conservar e de transmitir uma cultura herdada do passado e dispõe de meios específicos de perpetuação, a Escola está em condições de impor às exigências externas uma retradução sistemática porque conforme aos princípios que a definem enquanto sistema.

A questão que se levanta, então, é a suspeita que por trás da suposta

independência do SE, se encontra dissimulada uma relação direta com determinadas

classes sociais, prestando serviços a estas, enquanto estampam uma fachada de seleção

técnica e de conteúdos.

90

Na realidade, conforme Bourdieu e Passeron (1975. p. 163), o que

estaria sendo legitimado seria, então, a [...] reprodução das hierarquias sociais em

hierarquias escolares ou:

[...] a maioria daqueles que, em diferentes fases do curso escolar, são excluídos dos estudos se eliminam antes mesmo de serem examinados e que a proporção daqueles cuja eliminação é mascarada pela seleção abertamente operada difere segundo as classes sociais. As desigualdades entre as classes são incomparavelmente mais fortes, em todos os países, quando as medimos pelas probabilidades de passagem (calculadas a partir da proporção dos alunos que, em cada classe social, ascendem a um nível dado do ensino, com êxito anterior equivalente) do que quando as medimos pelas probabilidades de êxito. Assim, com êxito igual, os alunos originários das classes populares têm mais oportunidades de “eliminar-se” do ensino secundário renunciando a entrar nele do que eliminar-se uma vez tenham entrado e, a fortiori, do que serem eliminados pela sanção expressa de um revés no exame. (BOURDIEU e PASSERON, 1975. p. 163).

As características intrínsecas a qualquer SE, especialmente aqueles

devidamente institucionalizados à semelhança do sistema de ensino brasileiro,

apropriadamente denominado de oficial, visto que representa o pensamento hegemônico

da sociedade brasileira, tem como finalidade precípua, conforme já estudado no presente

capítulo, a produção e a reprodução, através da imposição às classes dominadas o

arbitrário cultural eleito e a reprodução das classes sociais. Descrito desta forma, um

pensamento ingênuo e desavisado conduziria a uma interpretação equivocada em se

acreditar que a intenção maior das autoridades competentes é ofertar a toda a população

um ensino de qualidade, democrático em sua abrangência e em oportunidades e quanto

aos seus objetivos os conteúdos explícitos como os prováveis melhores para o povo

brasileiro.

Por outro lado, este mesmo SE ao ser analisado sob a luz dos

pensamentos de Bourdieu e Passeron (1975. p. 65 a 68) obtém-se uma leitura assaz

distinta, preocupante, que contradiz a leitura inicial e demonstram, de forma clara, as

intenções de produzir e reproduzir o duplo arbitrário cultural aqui já enfocado, a partir da

definição que segue:

Todo sistema de ensino institucionalizado (SE) deve as características de sua estrutura e de seu funcionamento ao fato de que lhe é preciso produzir e reproduzir, pelos meios próprios da instituição, as condições institucionais cuja existência e persistência (auto–reprodução da instituição) são necessários tanto ao exercício de sua função própria de inculcação quanto à realização de sua função de reprodução de um arbitrário cultural do qual ele não é o produtor da reprodução cultural cuja reprodução contribui à reprodução das relações entre os grupos ou classes (reprodução social). (BOURDIEU e PASSERON, 1975. p. 65).

91

A presente definição encerra em seu conteúdo, efetivamente, todas

as características necessárias para produzir um hábitus tão homogêneo e duradouro

quanto possível sem que as condições impostas para tal fim sejam percebidas pelo meio

social. Uma das primeiras condições, se não a primeira, para que haja a possibilidade do

surgimento de um SE é a presença de um aglomerado social – concentração populacional

urbana – com propósitos culturais definidos, suficientemente estruturado tanto quanto às

diferentes classes sociais, como pelos interesses distintos na produção de bens materiais e

culturais e com um senso mínimo de organização. Estas características iniciais do

arbitrário cultural predispõem às necessidades da proposta de um sistema mais

abrangente para alcançar um número maior de indivíduos simultaneamente e que por esse

motivo, se apresenta mais racional e eficiente. Para tanto, há a necessidade da

organização de um ambiente físico apropriado, em separado do meio familiar, delegado

pela elite dominante e constituído a partir do agrupamento de indivíduos reconhecidos

pelo meio social como especialistas – os educadores – em número suficiente e

continuamente recrutados, dotados de formação homogênea, de instrumentos

homogeneizados e com métodos homogeneizadores que desempenharão atividades

próprias a inculcação do arbitrário cultural eleito, escolhidos por critérios estabelecidos

pela elite dominante, de forma duradoura e com a pretensão de monopolizar a fixação

legítima, - própria do SE de ensino oficial, obrigatório, gratuito e universal da cultura

legítima - isto é, aquela aceita por todos os agentes envolvidos. Pelo exposto, depreende-

se que a própria concepção ortodoxa do SE idealizado, proposto e adotado impede

qualquer proposta alternativa heterodoxa de um ou parte de seus educadores, não

permitindo qualquer prática incompatível com as funções de reprodução do arbitrário

cultural determinado. Como reforço, o próprio SE lança mão, de um lado, de

instrumentos complementares homogeneizadores como o os manuais e livros dos

professores e de outro, práticas pedagógicas codificadas para que a mensagem escolar

seja devidamente sistematizada, ou conforme Bourdieu e Passeron (1975. p. 68):

Qualquer que seja o hábitus a inculcar, conformista ou inovador, conservador ou revolucionário, e isso na ordem religiosa quanto na ordem artística, política ou científica, todo Trabalho Escolar (TE) gera um discurso que tende a explicitar e a sistematizar os princípios desses hábitus segundo uma lógica que obedece primordialmente às exigências da institucionalização da aprendizagem.

92

A lógica do pensamento proposto explicita a tendência a rotinização,

pela facilidade em repetir e reproduzir a cultura legítima em oposição a um trabalho

inovador e alheio ao meio cultural hegemônico, ou na concepção de Bourdieu e Passeron:

[...] todo SE detém necessariamente o monopólio dos agentes encarregados de reproduzi-los, isto é, dos agentes dotados da formação durável que lhes permite exercer um TE que tende a reproduzir essa mesma formação entre novos reprodutores, e envolve por isso uma tendência à auto-reprodução perfeita (inércia), exercida nos limites de sua autonomia relativa. (BOURDIEU e PASSERON, 1975. p.69).

Se a discussão até o presente momento tem demonstrado de forma

inequívoca, em todos os seus detalhes, os problemas crônicos do sistema educacional

brasileiro e explicados sob a perspectiva da violência simbólica de Bourdieu e Passeron, a

questão ora levantada, a inércia, segundo a visão dos autores, expõe à vista, talvez, a

questão mais emblemática das mazelas da educação brasileira. Não aparece de forma

explícita, não tem a visibilidade de outras questões mais esmiuçadas, não tem sido

considerada pela literatura pertinente como a/uma das principais causas das deficiências

do sistema de ensino nacional e, principalmente, não tem sido considerada com a devida

responsabilidade pelas autoridades constituídas como necessária e indispensável para a

reversão dos déficits educacionais quantitativos e qualitativos. O entendimento para tal

comportamento da sociedade organizada, sob a ótica de Bourdieu e Passeron, encontra-se

nas dissimulações que o poder simbólico utiliza-se do SE supostamente autônomo para,

através das formas de violência simbólica aí contidas e camufladas, enredar a questão ora

levantada, qual seja, o fenômeno da inércia, enquanto corpo docente independente,

indevidamente qualificado e/ou quando se encontra dissimulado em conservantismo

pedagógico e procura manter e reproduzir os seus próprios valores e assegurar a

reprodução do mercado sobre o qual o seu valor é reconhecido, ou conforme Bourdieu e

Passeron (1975. p. 74):

A ilusão da autonomia absoluta do SE não é jamais tão forte do que com a funcionarização completa do corpo docente na medida em que, com os honorários pagos pelo Estado ou pela instituição universitária o professor não é mais retribuído pelo cliente, como outros vendedores de bens simbólicos (por exemplo, profissionais liberais), nem mesmo em relação aos serviços prestados ao cliente, e encontra-se, pois nas condições as mais favoráveis para desconhecer a verdade objetiva de sua tarefa (ideologia do desinteresse).

Da mesma forma, torna-se relevante neste momento do trabalho chamar

a atenção segundo Bourdieu e Passeron, (1975. p. 162), para a relação entre as

desigualdades sociais com as chamadas probabilidades de passagem. Conforme os

autores, os países que apresentam maiores desníveis sociais - o Brasil deve ser incluído

93

nesta categoria - são aqueles que apresentam maiores índices de alunos que em cada

classe social, ascende a um determinado nível de ensino, a partir do sucesso anterior

equivalente. Em outras palavras, o que efetivamente ocorre na prática é que a tão sonhada

democratização das oportunidades não ocorre. O que há, efetivamente, alunos oriundos

de classes mais baixas dos estratos sociais que trazem consigo oportunidades maiores de

se auto-eliminarem – os desistentes – do que serem eventualmente eliminados quando

alcançam um nível acima de ensino. A fundamentação para tal relação se apóia na

possibilidade em optar por alternativas imediatas outras de ensino – segunda classe – ou

de trabalho.

Este perverso sistema esconde uma dura violência simbólica, conforme

Bourdieu e Passeron (1975. p. 164)

Há, com efeito, várias maneiras de não perceber a significação sociológica da mortalidade escolar diferencial das diferentes classes sociais: as pesquisas de inspiração tecnocrática, que não se interessam pelo sistema a não ser na medida em que o abandono antes do prazo de uma parte dos alunos admitidos num ciclo tenha um gasto econômico manifesto, reduzindo-o imediatamente ao falso problema da exploração das “reservas de inteligência em abandono”; pode-se mesmo perceber a relação numérica entre os que saem de algum dos ciclos e os que entram no ciclo seguinte e notar o peso e o alcance da auto-eliminação das classes desfavorecidas sem ir além da explicação negativa pela “falta de motivação”. Por não se analisar o que a desistência resignada dos membros das classes populares diante a Escola deve ao funcionamento e às funções do sistema de ensino como instâncias de seleção, de eliminação e de dissimulação da eliminação sob a seleção, fica-se inclinado a ver na estatística das oportunidades escolares que torna evidente a representação desigual das diferentes classes sociais nos diferentes graus e nos diferentes tipos de ensino apenas a manifestação de uma relação isolada entre a performance escolar, considerada em seu valor facial, e a série de vantagens ou desvantagens que se prendem à origem social.

Por outro lado, a interpretação para este fenômeno social diretamente

ligado as classes sociais e aos sistemas de ensino, mesmo quando as aparências sugerem

que se trata de uma questão vocacional ou de inaptidão, entende-se que se manifesta nas

expectativas de futuro que determinada classe social entremostra, a partir de seus

simbolismos, para os seus indivíduos. Trata-se de um fenômeno intraclasse, desenvolvida

pelas oportunidades históricas de estudo e trabalho disponibilizado para esta determinada

classe social e cujos horizontes de ascensão social encontram-se delimitados pelas

imposições dos arbitrários culturais legítimos. Destarte, as oportunidades de ascensão

social encontram-se indissociavelmente ligadas à escola, visto que o acesso a ela, a

obediência às suas regras, nela permanecer por um maior período de tempo possível e, ao

final, lograr êxito, determinarão suas oportunidades de ascensão social. Este mesmo

94

preceito pode ser aplicado para explicar as probabilidades maiores de sucesso dos

sobreviventes ao sistema escolar originados das classes sociais mais baixas, suas atitudes

e relações mais positivas e/ou submissas para com a própria escola.

Outrossim, podem ser explicadas as probabilidades de sucesso dos

alunos quando analisadas as diferenças regionais, de gênero e ainda as de cor ou raça dos

desempenhos quantitativos e qualitativos dos índices educacionais brasileiros, cujos

indivíduos oriundos das regiões com pior desempenho possuem menores oportunidades

de ascensão social ou quando se consideram os agrupamentos sociais heterogêneos

próprios das periferias das grandes cidades que, pelas oportunidades de convivências com

demais indivíduos advindos de outras localidades e usufruindo, mesmo que parcialmente,

das oportunidades de comunicação e convivência do ambiente cosmopolita, tem maiores

oportunidades de ascensão escolar e, por conseqüência, ascensão social.

A essência do sistema escolar, de fato, esconde uma verdade perversa

que é a perpetuação da classe social pela desigualdade das oportunidades, quando se vale

do sistema espontâneo da auto-eliminação ou das eliminações nos diferentes níveis como

simples diferentes níveis de escolaridade dissimulados por níveis diferentes de aquisição

de conhecimentos objetivos que capacitam os alunos para determinadas profissões.

Assim também se explica a relação direta entre a pirâmide educacional e a pirâmide

social.

A realidade do SE brasileiro encerra, a despeito de todas as

inquestionáveis melhoras quantitativas e qualitativas, uma verdade que, dificilmente pode

ser contestado, conforme Bourdieu e Passeron (1975. p. 175 e 176):

Delegando cada vez mais completamente o poder de seleção à instituição escolar, as classes privilegiadas podem parecer abdicar em proveito de uma instância perfeitamente neutra, do poder de transmitir o poder de uma geração à outra e renunciar assim ao privilégio arbitrário da transmissão hereditária dos privilégios. Mas, por suas sentenças formalmente irrepreensíveis que servem sempre objetivamente as classes dominantes, pois não sacrificam jamais os interesses técnicos dessas classes a não ser em proveito de seus interesses sociais, a Escola pode melhor do que nunca e, em todo caso, pela única maneira concebível numa sociedade que proclama ideologias democráticas, contribuir para a reprodução da ordem estabelecida, já que ela consegue melhor do que nunca dissimular a função que desempenha. Longe de ser incompatível com a reprodução da estrutura das relações de classe, a mobilidade dos indivíduos pode concorrer para a conservação dessas relações, garantindo a estabilidade social pela seleção controlada de um número limitado de indivíduos, ademais modificados por e pela ascensão individual, e dando assim sua credibilidade à ideologia da mobilidade social que encontra sua forma realizada na ideologia escolar da Escola libertadora.

95

Por outro lado, cabe neste momento do trabalho esclarecer que o

cuidado em se detalhar o processo de instalação das formas de violência simbólica pela

educação regular conforme o entendimento de Bourdieu e Passeron, (1975), justifica-se

para melhor entendimento do surgimento de violência simbólica, outras como aquelas

constatadas em outras modalidades alternativas de ensino como a EJA e na mais grave

delas, qual seja, a perda da cidadania pela aposentadoria precoce por doença ou acidente

decorrente ou não do trabalho especialmente os indivíduos com pouca ou nenhuma

escolaridade.

3.2 A Educação de Jovens e Adultos e a Violência Simbólica

A breve retomada histórica sobre alguns aspectos da EJA no Brasil

proporciona não só a oportunidade de referenciar que sua centralidade histórica está

vinculada às Campanhas, permitindo, ao mesmo tempo, compor uma espécie de quadro

que orienta a refletir sobre esse tipo de educação articulada à compreensão de violência

simbólica.

Esse termo é abordado com bastante propriedade por Bourdieu e

Passeron (1975) quando tratam do sistema de ensino e seu caráter reprodutor das

relações, basicamente desiguais, existentes no interior do modo de produção capitalista.

Serve-se deste para refletir sobre a EJA, naquilo que ela tem se manifestado como

conseqüência tanto para aqueles que de algum modo foram expulsos do sistema regular

de ensino, como para aqueles que não tiveram acesso em tempo e idade regular.

Em “A Reprodução” (1975) Bourdieu e Passeron entendem a violência

simbólica, em outras palavras, como diferentes modos de imposição de exercício de

poder transmitidos por diferentes formas de comunicação explícitas e implícitas.

A partir desse entendimento, pode-se dizer então que a EJA se constitui

historicamente como uma violência simbólica tanto explicita, como inexplicitamente.

Explicitamente, quando a adultos e jovens não foi dada à oportunidade de escolarização

em tempo hábil, ou quando não puderam seguir freqüentando-a. Inexplicitamente

quando, no interior dessa modalidade de educação são deixados de ser atendidos direitos

mínimos, por exemplo, quanto à formação de professores adequadamente formados para

96

esse tipo de educação, bem como por meio do tratamento que lhe tem sido dado, grosso

modo falando, em termos de tempo, conteúdos e até de espaço destinado para

funcionamento de escolas.

Em se tratando da EJA, considera-se importante salientar dois âmbitos

que, originados do Estado se constituem em fundamentais para uma reflexão sobre essa

modalidade do ponto de vista histórico para a compreensão da violência simbólica. São

eles: as Campanhas de Alfabetização de Adultos e o Sistema de Ensino. Estes embora

diferentes quanto à natureza, comportam finalidade idêntica. As Campanhas pelo caráter

imediato e assistencial visam pretensamente promover a erradicação do analfabetismo. O

sistema de ensino, por outro lado, busca inserir e permitir o acesso e permanência dos

indivíduos no processo de escolarização regular e, neste sentido, promover ações que

concorram para o sucesso escolar, entre este o que pode ser obtido por meio do

letramento3. Assim estes dois âmbitos são nucleares para esta reflexão.

Sem sombra de dúvida a violência simbólica, além de ter modos

diferenciados de manifestação e por isso de expressão, mantém relação estreita com o

exercício de um poder Simbólico. Para Bourdieu (1989), o poder simbólico é uma forma

transformada, quer dizer, irreconhecível, transfigurada e legitimada, das outras formas de

poder (p. 15). Justamente por que é tácito se diferencia do exercício do poder que é

exercido explicitamente no campo político, no administrativo, por exemplo. Ele é

silencioso por que subentendido. Está nas entrelinhas das ações. No caso das políticas

educacionais, também a exemplo, pode estar na entrelinhas de ações demandadas de tais

políticas. É neste sentido que se vincula às ações governamentais historicamente

emanadas do Estado para a EJA no Brasil.

Bourdieu entende ainda o poder simbólico como o:

[...] poder de constituir o dado pela enunciação. De fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao esforço específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário. Isto significa que o poder simbólico não reside nos “sistemas simbólicos” em forma de uma “illocutionary force” mas que se define numa relação determinada – e por meio desta – entre os que exercem o poder e os que lhe estão sujeitos, quer dizer, isto é, na própria estrutura de campo em que se produz e se reproduz a crença.

3 O letramento está sendo entendido como o domínio da leitura e da escrita pelo sujeito que permitem a este interpretar e, por assim dizer, decodificar códigos escritos, no processo de inter-relação social.

97

Nesse sentido aquelas ações são reconhecidas porque legitimadas por

meio de medidas principalmente legais das que ocorrem inegavelmente oriundas da

esfera governamental. No caso da EJA o poder simbólico se difunde também na relação

que se estabelece entre o sistema de ensino e o segmento social que participa dessa

modalidade educativa.

É na perspectiva acima indicada que serão abordados diferentes modos

por meio dos quais a violência simbólica tem se constituído ao longo do tempo em

relação à EJA. Importa dizer que não é pretensão tomar dados pari passus e, por assim

dizer, pormenorizados sobre o que se poderia caracterizar como exemplos de violência

simbólica ao longo da História da Educação na qual se inclui a EJA. Por isso serão

tomadas informações chamadas de esparsas, por que não seguem um critério lógico,

inclusive cronológico, por entender-se que são exemplos que elucidam a compreensão

que se pretende dar à relação entre a idéia de violência simbólica e a Educação de Jovens

e Adultos. Para tanto, será trabalhado com o que se está denominando de dois âmbitos a

partir dos quais se originam iniciativas direcionadas a EJA. São eles. As Campanhas4 de

Alfabetização e outras iniciativas de caráter similar e o próprio Estado. Esta separação se

deve ao fato de que embora as Campanhas tenham origem no Estado, se está tomando

em separado deste pelo caráter que possuem, justamente pelo fato de não estarem

vinculadas ao sistema de ensino e pelo caráter emergencial que possuem e ao Estado será

considerado desde ações oriundas do interior do sistema de ensino do qual faz parte a

Modalidade de Educação de Jovens e Adultos.

3.3 Campanhas e outras iniciativas de alfabetização e Violência Simbólica

Do ponto de vista das Campanhas, ainda que tenham sido ensejadas, em

grande medida, em períodos históricos diferentes, elas se constituem em violência

simbólica em primeiro lugar pelo fato de serem Campanhas e, em segundo lugar pelos

seus efeitos.

Não seria demais dizer que o termo campanha é definido por Ferreira

(1986) como: “um conjunto de esforços para se atingir um fim”. A definição do termo

por ser genérica é vazia de sentido. Por outro lado indica ação visando resolver de 4 Embora as Campanhas de modo geral não tratem exclusivamente da Educação de Adolescentes e adultos, elas quando destinadas á educação primária, contemplam essa a EJA.

98

imediato um problema. Neste aspecto, aponta para um imediatismo pragmático. Em se

tratando então das Campanhas de combate ao analfabetismo, mesmo que elas tenham um

propósito até certo ponto humanitário, na medida em que objetivam propiciar ao

analfabeto em curto prazo, condições mínimas de leitura e escrita não deixam de

incorporar um caráter imediatista. Some-se a isso a idéia de utilitarismo, quando se pensa

no uso imediato que tem sido feito da maioria delas, como é o caso, por exemplo, das

Campanhas de Alfabetização voltadas exclusivamente para o combate ao analfabetismo

com fins eleitoreiros. Neste sentido, assim se manifesta Nagle ao referir-se sobre às sobre

a Liga Nacionalista de São Paulo de 19175, que se propõe a.

[...] combater a abstenção eleitoral bem como todas as fraudes que corrompem e viciam e o exercício do voto. Da luta contra a “aristocracia dos que sabem ler e escrever” passa a batalha contra o analfabetismo, pois É de todos sabido que o analfabetismo no Brasil oferece condições desoladoras, que a vontade nacional se substitui pela vontade de uma minoria insignificante que fala, vota e determina. Alfabetizar significa a aquisição de direitos políticos, pois de acordo com o Art. 70, § 2º da Constituição, o analfabeto não, pode manifestar sua vontade política. (Nagle, 1985, p. 263).

Nesse sentido a violência simbólica está na finalidade alfabetizadora

vinculada ao voto. Ainda que se diga ser este um direito político a finalidade da mesma é

obter votos e não alfabetizar para o exercício de cidadania e participação social mais

inclusiva para usar um termo atual.

Outra iniciativa de caráter similar às Campanhas foi realizada no ano de

1958. Trata-se do II Congresso Nacional de Educação de Jovens e Adultos6. Sua

finalidade residiu em vincular a solução do analfabetismo ao desenvolvimento

econômico. Neste sentido assim diz Paiva (1987, p. 207) referindo-se ao discurso

governamental (Governo Juscelino Kubitschek): diante das atuais condições sociais,

econômicas e culturais do país, rever os objetivos da educação dos adultos e fixar suas

novas diretrizes, tendo em vista o empenho do atual governo no sentido de orientar a

educação em todos os níveis e graus para o desenvolvimento.

Prossegue a autora dizendo que:

[...] a importância que a educação de adultos assumia no governo Kubitschek, parecia assim, ligar-se ás idéias desenvolvimentistas então difundidas. Afirmava o Ministro da Educação que o que se esperava do II Congresso era que os responsáveis pela educação popular oferecessem rumos seguros para a “integração do homem brasileiro no ritmo desta hora dinâmica. O próprio presidente da república, em discurso curso perante o Congresso reunido,

5 Embora não se trate de uma Campanha de fins exclusivamente de combate ao analfabetismo, essa Liga como a de Defesa Nacional de 1916, tinham preocupações também educativas. 6 O primeiro foi realizado no ano de 1947.

99

ressaltou um importante papel da educação dos adultos na solução dos problemas criados pelo desenvolvimento econômico. (NAGLE, 1985, p. 263).

Constata-se, que a idéia de violência simbólica se refere implicitamente

à vinculação da solução do analfabetismo ao desenvolvimento econômico. Desse modo a

escolarização representada pelo acesso à leitura e a escrita tornam-se muito mais uma

questão econômica do que social. Assim pode-se dizer que o direito é econômico e não,

mais uma vez social, por estar direcionado para a produção capitalista primeiramente.

Palhares de Sá (1982), em seu estudo sobre política educacional e

populismo no Brasil, traz os seguintes dados dos quais nos valemos para demonstrar

expressões numéricas de violência simbólica por meio da distribuição da população

analfabeta por Região no período de 1900 a 1960, conforme Tabela 27 a seguir:

Tabela 27

ANALFABETISMO NO BRASIL, POPULAÇÃO DE 15 ANOS OU MA IS, 1900 A 1970, POR REGIÃO (%) 7

Região/Ano Norte Nordeste Leste Sul Centro -

Oeste Total

1900 69. 2 79. 7 72. 7 73. 0 - 74. 5

(12.989.753)

1920 71. 4 83. 7 75. 8 88. 0 80. 2 65. 0

(11. 401. 15).

1940 59. 8 76. 3 62. 8 44. 5 70. 9 56. 0

(13. 269. 81).

1950 60. 1 76. 2 58. 0 43. 8 64. 5 50. 5

(15.272.632)

1960 - 66. 0 47. 5 32. 2 - 39. 5

(15.815.903)

1970 44. 2 60. 9 38. 2 25. 0 41. 2 33. 0

(17.936.887)

Fonte: Censos demográficos e anuários estatísticos (*) Amostragem probabilística. In Palhares de Sá, 1982, p. 86.

Diante disso, é possível constatar que não faz muito tempo que os

índices de analfabetismo eram, de modo geral, elevados. Símbolos de sujeitos que

7 Dados obtidos do estudo publicado no livro Política Educacional e Populismo no Brasil de Nicanor Palhares de Sá, editado pela Cortez?Autores Associados no ano de 1982.

100

deixaram de ser atendidos pelo Estado em termos de um direito essencial, qual seja, a

educação escolar.

3.4 Negação de Cidadania através da Aposentadoria Precoce pelo Instituto Nacional

de Seguridade Social

A negação de cidadania, através da aposentadoria precoce de milhões

de indivíduos com pouca ou nenhuma escolaridade se traduz como forma de

marginalização pelo descuido do Estado em não universalizar a educação a estes

trabalhadores.

Torna-se pertinente, então, abordar como interagem estes dois

processos – pouca ou nenhuma escolaridade versus aposentadoria precoce por invalidez

ou doença incapacitante, incluindo os acidentes de qualquer natureza relativos ou não ao

trabalho.

As aposentadorias precoces referidas sugerem, numa análise

superficial e simplista, ainda que verdadeira, se tratar de questões pertinentes ao binômio

- saúde e trabalho - com todas as implicações relativas a esse campo de estudo.

Contudo, é extremamente relevante que se atente para o vínculo entre a

baixa ou nenhuma escolaridade resultante do modelo educacional tradicionalmente

adotado e a drástica redução das oportunidades e possibilidades para estes trabalhadores

exercerem outras atividades produtivas que não dependam de suas incapacidades físicas.

Sobre as ações chamadas de reabilitação para o trabalho que podem

inserir novamente o trabalhador no universo do trabalho formal ou afastá-lo para sempre,

decorrem de avaliações sobre as condições produtivas do trabalhador, fazendo parte

dessas condições e, ao mesmo tempo, tornando-se uma exigência para a sua reabilitação,

a escolarização.

Desse modo, depreende-se que esses trabalhadores têm sido, ao longo

da história dessa seguridade social, por falta de políticas pertinentes advindas de âmbito

Federal, excluídos do processo produtivo e, mais do que isso, das condições que

permitiam produzir sua própria existência material e cultural, por não terem freqüentado

101

a escola ou dela terem saído por insucesso. Ao se constatar este fato, o Estado os está

penalizando duplamente: pela não escolarização e pela supressão do trabalho.

Neste sentido, o Instituto Nacional de Serviço Social (INSS), nos seus

80 anos de história experimentou diferentes e importantes encaminhamentos e

reformulações administrativas para melhor atender ao trabalhador, especialmente, no que

se refere ao amparo quando este se defronta com acidentes decorrentes ou não de trabalho

que o impede de retorno imediato às suas atividades profissionais regulares.

Dentre esses encaminhamentos, destaca-se, atualmente, a Unidade de

Reabilitação Profissional, com o propósito de reabilitar os trabalhadores que sofreram

algum tipo de doença incapacitante, incluindo os acidentes de qualquer natureza relativos

ou não ao trabalho. No entanto, a re-inserção desses indivíduos ao trabalho formal, pouco

acontece e um dos principais fatores para a não reabilitação desses trabalhadores é a

baixa ou ausência de escolaridade necessárias às exigências de qualificação para o mundo

do trabalho. Dessa forma, esta realidade implica, também, em fatores que põem em

discussão o conceito de cidadania quando da impossibilidade de acesso do trabalhador ao

mundo do trabalho. Entende-se, aqui, o conceito de cidadania na concepção de Covre,

como sendo:

[...] o próprio direito à vida no sentido pleno. Trata-se de um direito que precisa ser construído coletivamente, não só em termos de atendimento às necessidades básicas, mas de acesso a todos os níveis de existência, incluindo o mais abrangente, o papel do(s) homem(s) no Universo. (COVRE, 1991).

Dessa forma, então, pode-se dizer que só existe de fato cidadania, se o

homem puder permanecer num espaço onde possa exercer o seu direito de cidadão. O

trabalho é para o trabalhador um direito a uma condição plena de vida, ao lado da

educação escolar, uma vez que, de posse dela poderá ele auferir a melhores condições de

trabalho, bem como a participação condigna da vida cultural de sua sociedade.

Assim, ao se referir a esses trabalhadores e sua condição quanto à

baixa escolaridade, são considerados inelegíveis à citada reabilitação profissional

conseqüentemente lhes estará sendo negado o direito a reivindicar os seus direitos.

Sendo a escolaridade um fator importante para se ter acesso ao mundo

de trabalho, mesmo para o trabalhador considerado fisicamente apto, o que dizer, então,

das dificuldades de um trabalhador que, tendo sofrido algum grau de comprometimento

físico, ao tentar ser reabilitado para o trabalho? E o que dizer então, de grande parcela

desses mesmos trabalhadores que não possuem escolaridade alguma?

102

Entende-se, portanto, que mecanismos discriminatórios como esses, ao

se manifestarem como modos de exclusão são, antes de tudo e também, modos de

exercício de violência simbólica. A idéia de violência simbólica está aqui sendo

entendida no sentido que lhe é atribuído por Bourdieu quando a caracteriza como sendo:

[...] instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de conhecimento que os “sistemas simbólicos” cumprem a sua função política de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre outra (violência simbólica) dando o reforço de sua própria força às relações de força que as fundamentam e contribuindo assim, segundo a expressão de Weber, para a “domesticação dos dominados.” (BOURDIEU, 1989, p.11).

O simbolismo está no fato de ser um tipo de violência que não é física e

que, por assim dizer, não mutila, não fere, não sendo visível, portanto. Tem sua força e

poder político e, ao mesmo tempo é uma forma coercitiva que pode ser feita pela via

educacional em não existindo, por exemplo, a escolarização.

Quando se instituem nas sociedades capitalistas formas simbólicas de

dominação, mecanismos de alienação são impostos, enfraquecendo, sobremaneira,

segmentos de classe, como a trabalhadora e induzindo-a a um falso entendimento do seu

contexto. Ao se remeter os trabalhadores à condição de “beneficiário” por incapacidade

ao trabalho, sugere ser esta condição uma forma de violência simbólica, levando-o a

pensar que é de fato um benefício que recebeu, sem ao menos ter podido refletir sobre as

razões que o levaram a esta marginal situação.

De fato, as afirmações até esse momento feitas neste subcapítulo na

prática se confirmam. No depoimento de seis indivíduos escolhidos aleatoriamente a

partir de uma relação prévia de 30, independentemente da escolaridade de cada um deles,

foram unânimes em afirmar que entendem como natural – no sentido de destino – a

situação de pensionistas8 do INSS, demonstrando um sentimento de conformismo quanto

ao fato. Diante de tão caracterizado conformismo, resultante da violência simbólica aí

contida, cabe aqui considerar duas situações problema que ocorrem em cadeia.

Inicialmente, dependendo da situação salarial/idade/escolaridade em

que se encontra o trabalhador, enquanto está no processo de reabilitação física, não lhe é

dada à oportunidade de buscar a sua reabilitação pela educação e ao aposentá-lo

precocemente, suprime o seu direito inalienável de trabalhar.

8 Os pensionistas apresentaram desde ausência de escolaridade até o ensino fundamental completo.

103

A agravante desse processo é que o Estado, de maneira velada,

aproveitando-se do desconhecimento dos seus direitos relativos à educação enquanto

cidadãos e persuadem-los a aceitar tacitamente como um bem, a condição assistencialista

do “benefício”. Neste sentido, se refere Freire, de forma clara, contundente e inequívoca:

Na medida em que o homem perde a capacidade de optar e vai sendo submetido a prescrições alheias que o minimizam e as suas decisões já não são suas, porque resultadas de comandos estranhos, já não se integra. Acomoda-se. Ajusta-se. O homem integrado é o Sujeito. A adaptação é assim um conceito passivo – a de que não seria o homem capaz de alterar a realidade, pelo contrário, altera-se a si para adaptar-se. A adaptação daria margem apenas a uma débil ação defensiva. Para defender-se, o máximo que faz é adaptar-se. (FREIRE, 2002. p. 50).

E complementa, a respeito do significado e do perigo do assistencialismo:

O grande perigo do assistencialismo está na violência do seu antidiálogo, que, impondo ao homem mutismo e passividade, não lhe oferece condições especiais para o desenvolvimento ou a “abertura” de sua consciência... O que importa, realmente, ao ajudar-se o homem é ajudá-lo a ajudar-se... É fazê-lo agente de sua própria recuperação. É, repitamos, pô-lo numa postura conscientemente crítica diante de seus problemas... O assistencialismo, ao contrário, é uma forma de ação que rouba ao homem condições à consecução de uma das necessidades fundamentais de sua alma – a responsabilidade... No assistencialismo não há responsabilidade. Não há decisão. Só há gestos que revelam passividade e “domesticação” do homem... É esta falta de oportunidade para a decisão e para a responsabilidade participante do homem, característica do assistencialismo, que leva suas soluções a contradizer a vocação da pessoa em ser sujeito. (FREIRE, 2002. p. 65 e 66).

As falas de Paulo Freire, ainda que se referisse às questões político-

sociais que envolvem os analfabetos, se aplicam no problema ora abordado. Assim, o

mais alto grau de violência simbólica é duplamente aplicado e transformado em prêmio

quando incute no indivíduo, subliminarmente, que ele não precisa mais trabalhar. Será

aposentado precocemente e como “prêmio”, receberá um “benefício” concedido pelo

Estado.

Por sua vez, a espoliação à educação é aplicada, pela segunda vez, em

um mesmo indivíduo. É inadmissível tamanha violência. É inaceitável a passividade. É

imperdoável a indiferença. É obrigação da sociedade organizada reverter este processo.

Este trabalhador necessita ser despertado para o direito e a necessidade imperiosa de

aproveitar esta nova oportunidade em educar-se. Não a educação tradicionalmente

proposta, alienadora e excludente. Mas sim, com o espírito libertador, conforme preceitua

Freire:

[...] ajudá-lo a inserir-se no processo, criticamente. E esta passagem, absolutamente indispensável à humanização do homem brasileiro, não poderia ser feita nem pelo engodo, nem pelo medo, nem pela força. Mas, por uma educação que, por ser educação, haveria de ser corajosa, propondo ao povo a reflexão sobre si mesmo, sobre o seu tempo, sobre as suas responsabilidades

104

[...] Uma educação que lhe propiciasse a reflexão sobre o seu próprio poder de refletir e que tivesse sua instrumentalidade, por isso mesmo, no desenvolvimento desse poder, na explicitação de suas potencialidades de que decorreria sua capacidade de opção. Educação que levasse em consideração os vários graus de poder de captação do homem brasileiro da mais alta importância no sentido de sua humanização. (FREIRE, 2002. p. 66,7).

Depreende-se então que, na realidade, há a necessidade de se pactuar

mais que a mudança de um comportamento ou atitude, mais que a reformulação de

normas, regimentos, leis ou quaisquer que sejam os encaminhamentos e sim, uma nova

ordem social e, até, a quebra de um paradigma.

Neste sentido, o que se pode dizer sobre a condição dos trabalhadores

que se encontram na situação de beneficiários ao ser incapacitado para o trabalho? Em

que nível de existência eles se encontram? Qual o seu papel no Universo? Assim, a

constatação de que, esses trabalhadores, pela sua baixa escolaridade, são considerados

inelegíveis à citada reabilitação profissional, conseqüentemente estão sendo negados os

seus direitos. Por exemplo, um jovem trabalhador casado e com baixa escolaridade, que

necessite de seus dois membros superiores para exercer sua atividade profissional, caso

perca um de seus braços em acidente, pelo seu perfil, será aposentado precocemente por

invalidez. Ressalte-se que essa situação, além de toda sorte de prejuízos pessoais que

acarreta ao indivíduo, implicará em o Estado sustentá-lo e, após a sua morte conceder

pensão à sua família. A interrupção da sua atuação no mercado produtivo em decorrência

de sua limitação física, quando da falta de escolarização se corroboradas pelo sistema de

reabilitação profissional no âmbito do INSS revela que, muito embora seja esta uma

instância por excelência de seguridade social, tratar-se-á também de um sistema

marginalizador próprio de uma sociedade excludente, como a deste país. Assim, a

exclusão sofrida priva-o do seu direito mais significativo, que é o de exercer a cidadania

pelo trabalho e a plena participação na vida social. Dessa forma, Lukács (1978) e

SAVIANI (s/d) comentam sobre a contraditória condição de beneficiário do INSS que se

encontra por um lado passa a receber um precário amparo financeiro, por outro, ao

impedi-lo, por força da lei, de trabalhar, perde o seu maior patrimônio e,

conseqüentemente, a própria existência. Sendo a baixa escolaridade um fator negativo

importante para se ter acesso ao mundo de trabalho, mesmo para o trabalhador

considerado fisicamente apto, o que dizer, então, das dificuldades de um trabalhador que,

tendo sofrido algum grau de comprometimento físico, ao tentar ser reabilitado para o

trabalho? E o que dizer então, de grande parcela desses mesmos trabalhadores que não

105

possuem escolaridade alguma? As dificuldades enfrentadas rotineiramente pelos

trabalhadores brasileiros revestem-se de um significado especial quando se constata que,

aqueles com baixa ou nenhuma escolaridade, isto é, os analfabetos, representam uma

significativa parcela de trabalhadores. Entende-se, portanto, que mecanismos

discriminatórios como esses, ao se manifestarem como modos de exclusão são, antes de

tudo e também, modos de exercício de violência simbólica.

Por ouro lado, entende-se que é dever de toda a sociedade organizada

mobilizar-se para, de alguma forma, resgatar estes milhões de brasileiros violentados em

sua cidadania e alijados de seus mais fundamentais direitos. Compreende-se, também,

que o meio para se alcançar tão nobre objetivo é a efetiva vontade política dos

governantes em estancar o déficit educacional vigente, substituindo o modelo educacional

capitalista, universalizando o ensino regular fundamental e gerindo de forma responsável

o sistema como um todo. Paralelamente, resgatar a população adulta colocada à margem

da educação e do trabalho pela aposentadoria precoce através de um programa contínuo e

independente de educação para adultos, de cunho libertador, atendidos por docentes

devidamente formados e qualificados para tão especializada função, com currículos

específicos e dentro de um sistema que atenda as necessidades próprias do aluno

trabalhador adulto.

106

4. FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO DE JOVENS E

ADULTOS

Este capítulo discute a formação de professores para a EJA. A

discussão se fará apoiada na bibliografia pertinente e valorizando, sobremaneira, às

respostas das pesquisas realizadas com professores que atuam na referida modalidade de

ensino.

Inicialmente, será apresentado um breve histórico da formação de

professores para o ensino regular brasileiro com o intuito de demonstrar as imensas

dificuldades que a sociedade organizada enfrentará para conceber e implantar um ensino

de qualidade para a EJA, a partir de docentes qualificados, competentes e engajados nas

especificidades na EJA, como Modalidade de Ensino.

Com a promulgação da Nova LDB, Lei 9.394 de 1996, enfim, ao menos

no papel, a formação de professores foi elevada ao status de Ensino Superior. Não deixa

de ser um acontecimento alvissareiro. Por outro lado, pergunta-se então: se a mesma

LDB graduou a EJA como Modalidade de Ensino, com todas as peculiaridades que a

caracterizam especialmente no que diz respeito ao seu alunado, os jovens e adultos

trabalhadores brasileiros, qual a formação mínima que o professor da EJA deve deter para

bem exercer o seu trabalho?

Uma vez mais, aqui, propõe-se a necessidade de se reportar aos

aspectos culturais atrelados à história da educação brasileira, neste momento sob o

enfoque da formação de professores.

Ao se verificar que a primeira iniciativa em regulamentar a formação de

professores em Portugal e em todas as Capitanias de Ultramar ocorreu, conforme Tanuri,

(2000 p. 62) em 1772 e a Lei de 1827 mandava “criar escolas de primeiras letras em

todas as cidades, vilas e lugares mais populosos do império” que detinham a

característica de ensino mútuo – ensino das primeiras letras e a formação do próprio

professor – conforme o seu Art. 5º, que “os professores que não tiverem a necessária

instrução deste ensino irão instruir-se em curto prazo e à custa de seus ordenados nas

escolas da Capital”.

107

Efetivamente, o que de fato ocorreu, foi que as primeiras escolas

específicas para a formação dos professores – denominadas de normais – somente se

institucionalizaram em 1834, por iniciativa das Assembléias Legislativas Provinciais,

verificando-se então, uma vez mais, o total desprezo do Poder Central pelo ensino

popular, primário e normal, (TANURI, 2000 p. 63).

A primeira escola normal brasileira foi criada pela Lei n.º10, de 1835, o

seu currículo considerava a leitura e a escrita pelo método lancasteriano; as quatro

operações e proporções; a língua nacional; elementos de geografia; princípios de moral

cristã e os únicos pré-requisitos para o seu ingresso restringiam-se à necessidade de ser

cidadão brasileiro, maior de 18 anos de idade, ter bons costumes e saber ler e escrever.

Conforme a mesma autora, “o modelo que se implantou foi o europeu,

mais especificamente o francês, resultante de nossa tradição colonial e do fato de que o

projeto nacional era emprestado às elites, de formação cultural européia”. De fato, o

perfil da escola normal brasileira só poderia ser conservador, visto que coincidia com o

domínio político do grupo conservador que pretendia consolidar a sua supremacia e o seu

projeto político ou de conformidade com as palavras de Villela (1992, p. 28):

Somente pela compreensão desse projeto político mais amplo, de direção da sociedade, é que foi possível entender que a criação da Escola Normal da Província do Rio de Janeiro não representou apenas a transplantação de um modelo europeu, mas, que pelo seu potencial organizativo e civilizatório, ela se transformava numa das principais instituições destinadas a consolidar e expandir a supremacia daquele segmento da classe senhorial que se encontrava no poder.( In TANURI, 2000 p. 63 e 64).

A partir dessa primeira iniciativa, cerca de duas dezenas outras foram

implementadas nas demais províncias com o mesmo perfil e que, da mesma forma,

tiveram duração efêmera, tendo formado poucos professores, provavelmente pelos baixos

rendimentos que a profissão de docente oferecia, Tanuri, (2000 p. 65). Observava-se,

também, uma forte tendência à utilização da mão de obra das mulheres para o

preenchimento dos cargos de professores que, segundo Tambara, (1998 Apud TANURI,

2000 p. 67), a tendência à “feminilização precoce do magistério tem sido

responsabilizada pelo desprestígio social e pelos baixos salários da profissão”.

Assim, no final do Império a maioria das províncias não tinha mais do

que uma escola normal pública, geralmente com três anos de curso.

A Proclamação da República parecia ser um indicativo, quando o país

ao se desvencilhar da herança retrograda da corte portuguesa, de que marcantes

108

transformações pudessem ocorrer na educação formal brasileira e em especial na

formação de professores, contudo o novo regime lamentavelmente não alterou o status

quo. E não poderia ser diferente quando se constata que a Constituição Republicana de

1891 não promoveu qualquer alteração na legislação do ensino normal, provavelmente

porque a elite dominante da época já teria assimilado e sedimentado o modus vivendi da

Corte Imperial. A Constituição de 1891, então, delegava a instrução primária e a

profissional, inclusive o ensino normal, aos estados e municípios e à União, conforme o

art. 35, n. º 2, “animar no país o desenvolvimento das letras, artes e ciências”. Ou,

conforme Tanuri (2000 p. 68)

A República democrático-representativa e federativa, segundo o modelo constitucional, acabou por assumir a forma de um Estado Oligárquico, subordinado aos interesses políticos e econômicos dos grupos dominantes das regiões produtoras e exportadoras de café.

Vê-se, portanto, pelo conteúdo do artigo constitucional em questão, o

sentido romântico-elitista da classe política republicana.

Na década de 20, houve a proposta da centralização de todo o sistema

de formação de professores ou a criação de escolas normais-modelo nos Estados. Estas

teses foram defendidas na Conferência Interestadual de Ensino Primário, promovida pelo

Governo Federal, em 1921 e nas Conferências Nacionais de Educação, mas não se

concretizaram.

Ainda que houvesse a omissão do Governo Central, avanços foram

conquistados, a partir dos estados mais progressistas, como São Paulo. Esses avanços

evidenciaram-se sob a ascendência das filosofias cientificistas que priorizavam as

ciências nos currículos; a renovação pedagógica no ensino público que valorizava a

experiência sensorial, da educação dos sentidos, do método intuitivo de Pestalozzi. Nesta

concepção, a Escola Normal foi implementada em todo o ensino público pela Lei nº. 88,

de 1892 e, alterada em 1893, apresentava um importante diferencial, qual seja, a criação

de um curso superior, anexo à Escola Normal, destinado a formar professores para as

escolas normais e os ginásios, ainda que não tivesse sido implementado. Da mesma

forma, os cursos complementares não se instalaram, ainda que tivessem a finalidade

precípua de preparar professores para as escolas preliminares, Lei nº. 374, e 1895.

Segundo TANURI, (2000 p. 69), a dualidade de escolas de formação de professores... foi

de fundamental importância para que se pudesse expandir o sistema de formação de

109

docentes em proporções significativas para a época e prover o ensino primário de pessoal

habilitado.Assim, em 1911, as escolas complementares foram transformadas em escolas

normais primárias e as de padrão mais elevado de normais secundárias e posteriormente

unificadas, pelo nível mais elevado e difundida para os demais estados. O

desenvolvimento de tais idéias propiciou a divisão dos estudos em propedêuticos e

profissionais bem como a divisão do curso normal em dois ciclos: um geral ou

propedêutico e outro especial ou profissional. A exemplo, merece destaque a reforma

realizada em 1923 no estado do Paraná, que se distinguia por separar o plano de estudo

da Escola Normal em dois cursos: o fundamental ou geral, com três anos, e o profissional

ou especial, com três semestres. Segundo Wachowicz (1984 p. 319 apud TANURI, (2000 p.

70).), tal medida visava:

[...] a formação técnico-profissional pela diferenciação da disciplina Metodologia de Ensino que se distribuía pelas várias especialidades: metodologia de leitura e da escrita, do vernáculo, da aritmética, do ensino intuitivo, das ciências naturais, do desenho, da geografia, da música, dos exercícios físicos, dos trabalhos manuais.

Destaque-se, também, a reforma implantada no estado de Minas Gerais

que previa as Escolas Normais de Segundo Grau; Escolas Normais de Primeiro Grau;

Cursos Normais Rurais; uma Escola de Aperfeiçoamento Pedagógico e, segundo Tanuri

(2000 p. 71):

Essa diferenciação de cursos acabaria por consagrar a dualidade de escolas de formação na maior parte dos estados brasileiros, possibilitando, por um lado, uma certa expansão de escolas normais de nível menos elevado mas compatível com as possibilidades da época e as peculiaridades regionais e, por outro, a consolidação das escolas normais como responsáveis pela preparação do pessoal docente para o ensino primário.

Entende-se, neste momento do trabalho, que a alegação de que a

instalação da dualidade do ensino normal, fundamentalmente pelo descaso e mais ainda,

pela omissão do Governo Central, teria possibilitado a expansão de escolas normais de

nível menos elevado, mas compatível com as possibilidades da época e as peculiaridades

regionais, denuncia, na realidade, uma irresponsabilidade do Estado para com o sistema

federativo vigente, legando a própria sorte os estados mais pobres, aprofundando as

diferenças regionais e, sobretudo, estabelecendo os princípios educacionais que se

manteriam na segunda metade do século XX que, por sua vez, consolidariam os desníveis

educacionais brasileiros a partir da formação precária e desnivelada dos professores.

110

A primeira tentativa da quebra do paradigma vigente ocorreu na

reforma promovida por Anísio Teixeira no Distrito Federal, pelo Decreto 3.810, de 1932,

que denunciava a concepção viciada das escolas normais, com perfil dual, isto é, escolas

de cultura geral e de cultura profissional e que não atendiam nem uma coisa nem outra,

(TANURI, 2000 p. 73).

Por sua vez, as tentativas do Distrito Federal, em 1935 e do estado de

São Paulo, em 1933, em elevar a Escola de Professores ao ensino superior, à época

integrada aos chamados Institutos de Educação, não lograram êxito.

Somente com a criação do INEP em 1938, as necessidades de

qualificação de pessoal capacitado para a administração escolar começaram a ser

atendidas. Na esteira desta primeira iniciativa, conforme Silva, (1999 Apud TANURI

2000 p. 74), em 1939 foi implantado o curso de Pedagogia, na Faculdade Nacional de

Filosofia da Universidade do Brasil, através do Decreto 1.190, de 1939. O curso visava a

formação de bacharéis para atuar como técnicos de educação e, licenciados, destinados à

docência nos cursos normais.

No que diz respeito aos aspectos legais, o ensino normal foi

regulamentado pela primeira vez, na Constituição Federal de 1937 que reconhecia a

competência da União em “fixar as bases e determinar os quadros da educação nacional,

traçando as diretrizes a que deve obedecer a formação física, intelectual e moral da

infância e da juventude”, (art. 15, inciso IX, BRASIL, 1937). Estas diretrizes

constitucionais foram detalhadas nas chamadas Leis Orgânicas do Ensino, promulgadas

em 1942 e 1946 e na Lei Orgânica do Ensino Normal, através do Decreto-Lei nº. 8.530,

de 1946, mas que não introduziu inovações significativas. Logo após foi promulgada a

Constituição Federal de 1946, devolvendo aos estados as atribuições de organizar o seu

sistema de ensino e, por conseguinte, também o ensino normal. (TANURI, 2000 p. 75).

Os dados apresentados pelo INEP em 1951 apresentavam 546 escolas

normais no país, cerca de 50% delas concentradas em São Paulo e Minas Gerais e, por

sua vez, Maranhão, Sergipe e Rio Grande do Norte possuíam somente duas em cada

estado. Do total geral, 168 eram públicas estaduais e 378 particulares ou municipais,

BRASIL, (1951). Por sua vez, o Censo Escolar de 1964 mostrava que havia 289.865

professores primários em regência de classe naquele ano e desses, cerca de 50% eram

111

possuidores de curso de formação profissional. 44% dos professores eram leigos e desses

71,60% possuíam somente o curso primário, 13,7% o ginásio e 14,6% o curso colegial,

Brasil, (1967).

Ainda que tenha havido um aumento substantivo do número de

docentes por conta da demanda necessária e pela abertura de inúmeros cursos novos, o

salto qualitativo necessário não ocorreu e de fato não poderia ocorrer, por tudo que já foi

discutido neste trabalho, ou como se refere Tanuri (2000 p. 85).Às décadas de 70 e 80:

Apesar de todas as iniciativas registradas nas duas últimas décadas, o esforço ainda se configurava bastante pequeno no sentido de investir de modo consistente e efetivo na qualidade da formação docente. O mais grave é que as falhas na política de formação se faziam acompanhar de ausência de ações governamentais adequadas pertinentes à carreira e à remuneração do professor, o que acabava por se refletir na desvalorização social da profissão docente, com conseqüências drásticas para a qualidade do ensino em todos os níveis.

A década de noventa sugere, então, que não tenha sido muito diferente

das anteriores, visto que o imobilismo parece imperar no meio acadêmico enquanto as

instituições de ensino e as matrículas nos cursos de nível médio e/ou superior se

multiplicaram. Conforme a mesma autora, em 1996, havia 5.276 Habilitações Magistério

nos estabelecimentos de ensino médio. Quanto aos cursos de Pedagogia havia, em 1994,

somente 337 em todo o país, cuja imensa maioria (239) eram particulares,

geograficamente mal distribuídos, pois, (197) se concentravam na região sudeste e desses

(165) pertencentes à iniciativa privada. Novamente, e de forma repetitiva, verifica-se que

o perfil do Estado brasileiro em manter o total desprezo pela educação, agora evidenciada

pelo desleixo com que ainda considera a formação de seus docentes (TANURI, 2000 p.

85)

As discrepâncias anteriormente exemplificadas demonstram, de forma

inequívoca, que é uma questão atinente ao Estado, a responsabilidade federativa em

atender a todos, sem discriminação, através de critérios apropriados para democratizar as

oportunidades. Assim, os avanços e retrocessos experimentados pela formação de

professores para o ensino regular oficial brasileiro decorrem de concepções díspares,

dependentes da classe hegemônica dominante em um arbitrário cultural, por descasos

recorrentes do Estado, pela falta de união federativa como, também, por indecisão,

indiferença ou mesmo acomodação da classe docente.

112

A pergunta que se faz neste momento do trabalho é: Quem são os

professores que se encontram em atividade no ensino regular e, por conseguinte, atuando

na EJA? PEREIRA, (2000, p. 77 a 114), responde.

O autor estabelece o perfil do aluno que opta por um curso com

modalidade Licenciatura, a partir dos dados socioeconômicos e culturais aplicados no

vestibular da UFMG, no ano de 1995, sob o enfoque da “teoria das estratégias de

reprodução”, de Bourdieu, já tratada neste estudo. Seu estudo tomou como base os dados

da “relação candidato” / “vaga” nos vestibulares dos últimos anos da UFMG, cuja

comissão de vestibular listou os cursos com maior e menor prestígio, em ordem

alfabética, nessa Universidade. Assim, os de maior prestígio são: Administração;

Arquitetura; Ciências da Computação; Ciências Econômicas; Comunicação Social;

Direito; Engenharia Civil; Engenharia Mecânica; Engenharia Química e Medicina.

Aqueles classificados como de menor prestígio, por apresentar as menores relações

candidato/vaga, em ordem alfabética, foram: Biblioteconomia; Ciências Sociais;

Filosofia; Geografia; História; Matemática; Pedagogia. Observa-se, então, que nove dos

dez cursos considerados de menor prestígio, porque permanecem entre aqueles com

menor relação candidato/vaga na UFMG, oferecem a modalidade Licenciatura e que

nenhum daqueles que oferecem licenciatura encontra-se classificado no grupo com maior

prestígio. O trabalho aponta, também, para o fato de que, “para se conquistar uma vaga

nos cursos com modalidade Licenciatura, geralmente não ultrapassa os 80 pontos. Esse

número é bem inferior ao necessário para se ingressar nos cursos mais disputados, como

Medicina, cuja pontuação mínima é 120”. (PEREIRA, 2000 p. 82).

Por outro lado o mesmo estudo afirma que no 1º semestre de 1995,

havia 3.616 alunos matriculados nos cursos nas licenciaturas e que este número

representava somente 20,20% do total da UFMG e que o número de graduados por

semestre, considerando o total de graduados da UFMG é inexpressivo, visto que, por

semestre, graduam-se menos de 30 alunos por curso. As menores médias de alunos

graduados são encontradas nos cursos de Química- diurno, 6,64 graduados por semestre.

Por outro lado, o curso de Letras apresenta a maior média entre aqueles com opção para

Licenciatura: 96,91 graduados por semestre.

E, complementa: os alunos dos cursos que oferecem Licenciatura são,

na maioria, oriundos de escolas públicas enquanto os de maior prestígio procedem de

113

escolas particulares; quanto à renda familiar, os de maior prestígio a renda se situa entre

11 a 60 salários mínimos em contraste com aqueles que procuram os cursos de menor

prestígio, entre estes, as licenciaturas, com 3 a 10 salários mínimos mensais. Quanto à

participação do aluno na renda familiar, nos cursos de maior prestígio, 80% dos alunos

que procuram os cursos de maior prestígio não trabalham. Por sua vez, os alunos que

procuram as Licenciaturas, ou não trabalham ou auxiliam a família na renda mensal.

Entre aqueles que trabalham e auxiliam na renda familiar, o percentual é de cerca de

20%. Outro referencial importante é o nível de escolaridade dos pais. Assim, aqueles que

procuram os cursos mais importantes, a escolaridade do pai é, na maioria, de nível

superior completo. Por sua vez, aqueles que procuram os cursos com menor prestígio,

50% dos “pais” possuem ensino superior completo.

Parece, então, pelos dados recém apresentados que o ciclo da violência

simbólica se fecha neste trabalho. Demonstrando, de forma inequívoca que, se a violência

simbólica não é a única responsável pelas mazelas da educação brasileira, ao menos

parece que contribuí em muito para que a reprodução das classes sociais brasileiras

ocorra pela reprodução da cultura através do sistema de ensino regular oficial.

Este breve histórico sobre a formação de professores para o ensino

regular brasileiro, e os capítulos anteriores deste trabalho exemplificam de forma clara a

problemática da formação de professores no Brasil.

Por conseguinte, entende-se a formação de professores para atuar na

modalidade de Educação de Jovens e Adultos como uma questão ainda em aberto no

âmbito da educação brasileira.

Com efeito, a Lei %. 5.692/71 no que pese à formação de professores

para a então denominada educação de jovens e adultos foi bastante vaga ao indicar no

artigo 32: “o pessoal docente do ensino supletivo terá preparo adequado às características

especiais desse tipo ensino, de acordo com as normas estabelecidas pelos Conselhos de

Educação” (grifo da autora).

Não seria demais dizer que a ideologia da incapacidade de aprender em

tempo hábil, de uma parcela de jovens e adultos, os coloca a desvantagem a posteriori,

por estarem em situação de suplência escolar. Esta compreensão, sem dúvida, se estende

também à formação de profissionais para atuarem naquela modalidade de educação,

especialmente no que refere a formação de professores. Parece que, nessa perspectiva há

114

uma reiterada compreensão de violência simbólica, BOURDIEU (1975. p. 11), ainda que

não claramente explicitada como acontece nas reprovações sucessivas na etapa inicial de

escolarização e no impedimento de acesso a esta ou por falta de vagas em escolas ou

mesmo por situação sócio-econômica deficiente.

A história recente da EJA mostra que, em se tratando de exigências de

formação de professores, a atual Lei da Educação deu um passo à frente ao entender que

as características de cada fase do desenvolvimento do educando [...] devem ser

consideradas na formação do profissional que irá atuar nessa modalidade de educação.

Esta parece ser exigência que há muito se fazia em relação à escolarização de adultos

que, muitas vezes tendem a serem alfabetizados segundo princípios da alfabetização

infantil. A LDB 9394/96, tendo contemplado tal questão, explicita que existem, em

primeiro lugar, substanciais diferenças entre a educação de jovens e de adultos e, entre

estas e a educação infantil, principalmente em tratando de escolarização inicial no

processo de alfabetização.

Outro aspecto diz respeito aos próprios pressupostos indicadores dos

fundamentos a associação entre teorias e práticas inclusive mediante a capacitação em

serviço e o aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de

ensino e outras atividades que, enquanto requisito para formação de profissionais para

atuarem no âmbito da EJA, se igualam aos de níveis de ensino fundamental e médio e,

em termos de exigência de formação parecem ser fundamentais.

Entretanto, articular teoria à prática e estas significando experiências

anteriores não se constitui tarefa fácil do ponto de vista da formação de professores,

principalmente quando a experiência anterior pode ser caracterizada como uma cultura da

prática docente que, por assim dizer, resiste a mudanças.

A exemplo pode-se referir o estudo feito por Costa (2004), com

professores de EJA do sistema de ensino municipal de Maceió que, após cinco anos de

um processo denominado por essa autora de formação continuada, não apresentavam

mudança na prática pedagógica. Tal mudança implicaria numa proposta diferenciada de

ensino. A partir de perguntas vinculadas ao desenvolvimento do trabalho pedagógico em

sala de aula ela obteve dos professores algumas razões que, segundo estes, os levam a

não mudar sua atuação em sala de aula: a resistência dos alunos de EJA e o conflito de

gerações. Aparentemente inter-relacionados esses dados da pesquisa mostram

115

justificativas que indicam os alunos (jovem e adulto), como os culpados pela não

mudança/renovação da prática do professor em sala de aula. Diante disso e, levando em

conta que jovens alunos e adultos, se constituíram em alunos de EJA, por terem sofrido

sucessivos processos de repetência e por isso deixaram a escola regular, eles estariam,

nesse sentido, sendo culpados mais uma vez, pela inexistência de qualidade do ensino

que lhes é destinado e, certamente pelo insucesso escolar futuro. Segundo a autora, dois

aspectos simbolizam formas de resistência dos alunos:

[...] O aluno adulto entra, freqüentemente, em choque com a postura e posicionamento dos alunos adolescentes. Os adolescentes têm se constituído na maioria dos alunos da EJA. Esses alunos são oriundos do ensino fundamental que, em conseqüência da multi-repetência, são incorporados às turmas de EJA, sem qualquer critério ou processo de discussão. O conflito se agrava, pois esses alunos adolescentes vivem um período de transição na vida e a maioria ainda não trabalha. Os adultos, por sua vez, idealizam um modelo de escola tradicional, tendo os conteúdos e o volume de informações como principais elementos desse modelo de escola (COSTA, 2004. p.152).

Parece, então, que duas compreensões de natureza bastante diferentes

justificam o conflito. Uma de natureza bio-psico-social, vinculada a uma etapa de

desenvolvimento de um grupo, a adolescência e a outra, de natureza pedagógica

relacionada a uma concepção de ensino/aprendizagem, a chamada pedagogia tradicional.

Assim sendo, tudo leva a crer que os professores não estão preparados, profissionalmente

e pedagogicamente, para trabalhar com dois grupos diferentes, ainda que a palavra

diferença faça parte do extenso vocabulário pedagógico contemporâneo.

Entre as análises que aquela autora faz sobre o conflito de gerações, ela

parece indicar ser favorável à organização de turmas de jovens separadas das de adultos:

Esses fatos deixam evidente uma série de fatores que precisam ser discutidos e enfrentados por todos os envolvidos com o sistema de ensino público municipal. O primeiro deles diz respeito aos diversos alunos que são colocados nas turmas de EJA sem qualquer critério. Mesmo já existindo diversas discussões com professores, diretores e coordenações, no sentido de os responsáveis por esses alunos assumirem a encarnarem a múltiplas repetências, a situação persiste (COSTA, 2OO4 p. 152).

Por outro lado, a múltipla repetência também parece ser um critério a

ser adotado para separar jovens de adultos ao mesmo tempo em que indica constituir-se

em rótulo, uma marca para jovens que participam da EJA.

A resistência também é entendida pela forma como a escola é vista

pelos alunos e pela sociedade. Ora, quem é afinal a escola? Não são os professores? Os

educadores? Não são eles que a representam substancialmente? A autora citando

WEBER, diz:

116

[...] a escola constitui a instância social que apresenta, de forma sistematizada, o conhecimento produzido ao longo da história da humanidade. [...] o espaço escolar tem uma tarefa a cumprir na organização do pensamento das novas gerações, constituindo um dos fundamentos do exercício da cidadania e da participação consciente na consecução de projetos da sociedade.¨ (WEBER 1996, p. 11 Apud COSTA 2004).

A idéia de veiculação de conhecimentos produzidos e sistematizados ao

longo da história pela humanidade se articula a chamada pedagogia dos conteúdos que

diz ser esta uma tarefa essencial da escola. Naquele sentido, a questão-problema não seria

os conteúdos, mas o modo como o professor os desenvolve em sala de aula. Além disso,

chama atenção no trecho acima o fato de que é o inanimado espaço escolar quem tem a

tarefa de organizar o pensamento das novas gerações. Sobre este sentido cabe, indagar:

Quem é o espaço escolar? Os adultos, onde ficam? Não têm o direito de serem orientados

com vistas a organizar o pensamento?

A autora admite (p. 155), que os professores carecem de um sólido

referencial teórico para que possam melhor entender e organizar o trabalho pedagógico,

levando em conta a realidade de alunos diferenciados que possuem. Por outro lado, deixa

subjacente o entendimento de que os adultos, por terem experiências das quais os jovens

não compartilham, não devem participar de um mesmo grupo de formação escolar.

Diante disso, onde ficam as possibilidades de trocas de experiências e de vivências de

gerações diferentes? Parece que esta se constitui numa faceta da história recente da EJA,

que desloca substancialmente a questão da formação do professor para atuar nessa

Modalidade de educação, para o aluno. Neste sentido, tende a reforçar o que grande parte

da literatura sobre fracasso escolar, PATO (1985); MOYSES e COLARES (1992);

SAVIANI (1991) tem demonstrado.

Será apresentada a seguir uma resenha das experiências de um grupo de

professores paranaenses que atua na EJA, a partir de um mesmo questionário

previamente distribuído e respondido por escrito pelos professores, que se encontram

vinculados à Secretaria de Educação de Estado do Paraná e/ou à Secretaria Municipal de

Educação de Curitiba, cujo perfil é o que segue.

117

1.DADOS GERAIS DO GRUPO DE PROFESSORES

Trata-se de um grupo de professores com a faixa etária de 30 a 70 anos,

portanto, com uma experiência de vida profissional considerável. A faixa etária com

maior número de indivíduos concentra-se entre 40 e 49 anos, Gráfico 01. A formação

docente enquanto graduação é bastante distribuída, com professores das áreas de Letras

Português – Literatura (01), Letras Português – Inglês (02), Letras Anglo Portuguesas e

Pedagogia (Supervisão) (01), Filosofia – História (02), Geografia e História (01), História

(01), Licenciatura em Educação Física (01), Ciências Físicas e Biológicas Matemática –

Pedagogia (01), Educação Artística – Habilitação Artes Plásticas (01), História Natural

(01), Ciências com Habilitação em Química (01), Ciências Biológicas com Habilitação

em Biologia (01), Magistério de 1ª a 4ª série (EM) / Psicologia e (02) não responderam.

Como se observa a faixa etária é bem abrangente, com todos os

professores acima de 30 anos, o que faz supor um certo grau de amadurecimento e

experiência na docência, com formação bem diversificada, abrangendo quase todas as

áreas.

GRÁFICO

01

118

2. FORMAÇÃO EM EJA - NÍVEL DE GRADUAÇÃO

Quando perguntados sobre a formação específica em EJA durante a

graduação 16 dos 17 docentes informaram que não tiveram nenhum contato com a EJA.

Daqueles que tiveram alguma experiência, um revelou que teria sido de maneira

superficial, relacionado com a História da Educação no Brasil: Alfabetização / Mobral.

Como não foi o intuito deste trabalho pesquisar s instituições de origem

dos cursos de graduação dos professores, assim não foi possível avaliar o número de

instituições de ensino formadoras desses professores. Mesmo assim, considerando que, 16

dos 17 docentes, não tiveram contato algum com a EJA na graduação pode-se inferir que,

via de regra, a EJA não é abordada na graduação por grande maioria dos cursos de

graduação.

3. FORMAÇÃO CONTINUADA

3.1 Que tipo de capacitação em EJA, você realizou após a graduação?

A formação continuada, de uma maneira geral, restringe-se a cursos de

capacitação promovidos pelas próprias secretarias de educação, com carga horária variável,

com 40 horas (maioria) e alguns com 80 e até 120 horas. 02 professores relataram somente

ter participado de seminários e/ou grupos de estudos. Merece destaque o relato daqueles

que informaram participar, semanalmente, às sextas feiras, de grupos de estudo na própria

escola – CEEBJA SESI/CIC – de 1993 a 2003, inclusive com certificação. Dois

professores relataram ter realizado curso de extensão em EJA – Alfabetização e outro em

História da EJA. Por sua vez, 04 professores informaram ter cursado Especialização na

área: 01 em Andragogia; 01 em Ensino Médio com ênfase em EJA e 02 em EJA.

A formação continuada dos professores deve ser considerada muito

aquém do desejável, visto que somente 04 docentes possuem pós-graduação em nível lato

sensu. Os demais têm restringido a formação continuada através de cursos de capacitação,

extensão, participação em simpósios e seminários. Parece que seria interessante na medida

119

do possível, a prática rotineira de grupos de estudo no próprio ambiente escolar para a

troca de experiências dos docentes, relacionamento interpessoal e melhora do nível dos

professores.

3.2 Quando você tinha e tem oportunidade de se capacitar em Educação de Jovens e

Adultos, que área (s) prioriza?

As respostas, invariavelmente restringiram-se às disciplinas em que cada

professor atua. Aqueles que especificaram, referiram-se a Metodologia para jovens e

adultos, demonstrando que apresentam dificuldades na prática diária com o perfil do aluno

em foco.

4. FORMAÇÃO NA ÁREA DA EJA

4.1 Há quanto tempo trabalha (ou) com Educação de Jovens e Adultos?

O perfil do grupo de professores, conforme o Gráfico 02 indica que 13

deles possuem entre 6 a 20 anos de atividade na modalidade de ensino. O maior número

(08) concentrou-se na faixa de 11 a 15 anos. Isto demonstra que se trata de um grupo com

significativa vivência na área e que, mesmo que tenham demonstrado dificuldades no trato

da metodologia do ensino para a EJA quiçá, pelas características da formação já discutida

em item anterior. Isto sugere, então, que a despeito das dificuldades que enfrentam,

encontram-se satisfeitos com a atividade que abraçaram.

GRÁFICO 02

120

4.2 A sua experiência em EJA é na rede municipal ou estadual de ensino?

Todos os professores responderam que tiveram ou têm experiência na

rede estadual de ensino e 02 deles na rede municipal, Gráfico 03.

GRÁFICO 03

121

4.3 Qual a sua Função na EJA?

Conforme o Gráfico 04, 12 dos 17 professores informaram que são

somente professores, 03 participam da Equipe técnico-pedagógica e 02 desempenham a

função de professor e da Equipe técnico-pedagógica.

GRÁFICO 04

122

4.4 Como você avalia a EJA atualmente?

Atualmente a EJA passa por um período de transição quanto a Proposta

Pedagógica única a ser utilizada por todas as escolas que ofertam esta modalidade de

ensino no Estado do Paraná, a partir do ano de 2006.

Conforme os dados apresentados pelos professores entrevistados, os

mesmos sugerem que ocorreram ganhos com a atual reformulação da Proposta Pedagógica,

no entanto, apontam que os encaminhamentos foram apresentados na forma de uma

imposta e que não foram devidamente consultados a respeito.

Uma das questões levantadas como inadequadas ao perfil do aluno da

EJA é a característica do curso como exclusivamente presencial em 100% do total da carga

horária. Para o aluno trabalhador isto representa permanecer na escola, conforme suas

possibilidades de freqüência, durante um período de 3 a 4 anos ou até mais. O que supera e

muito o tempo que possui reservado à sua escolarização. Em cinco meses do início da

implantação da proposta até a data que a pesquisa foi realizada, constatou-se grande evasão

escolar, pelo exagerado período de tempo de permanência na escola para concluir o nível

necessário de ensino.

No momento em que a atual Proposta Pedagógica em suas inadequadas

alterações faz com que o aluno evada por si só da escola, por entender que o tempo exigido

para a escolarização não é compatível com a sua realidade, uma vez mais, o sistema de

ensino, como já visto nos capítulos anteriores, torna-se excludente. Assim sendo, os alunos

são atingidos uma vez mais, pela auto-exclusão da então já discorrida violência simbólica

na perspectiva de BOURDIEU e PASSERON, (1975).

Paralelamente e, de forma paradoxal, o Estado oferta para a mesma

demanda da EJA, conforme determina a LDB 9394/96, os Exames Supletivos. Os

candidatos para Exame podem inscrever-se para esta prova nas disciplinas necessárias para

sua conclusão de ensino. Este Exame é ofertado no Estado do Paraná em duas etapas ao

ano.

Aproveitando esta via de acesso para a certificação e ao compará-la com

a atual forma de ensino presencial, grande parte dos alunos já inseridos na EJA

inscreveram-se na primeira etapa dos referidos Exames Supletivos de 2006, apostando em

obter sucesso e assim, rapidamente, concluir a disciplina a que prestou o Exame.

Assim, o Exame Supletivo enquanto ação amparada em Lei Nacional

mantém a sua oferta. O que não pode acontecer, ainda que não se encontre sugerida de

123

forma explícita e intencional, nessa nova Proposta Pedagógica da EJA no Estado do

Paraná, é abrir uma porta facilitadora para os alunos que intencionalmente se evadem do

sistema regular de ensino para se tornarem candidatos aos Exames ora enfocados. Para que

se entenda melhor, convém explicitar que a opção do aluno para os Exames está

fundamentada em um único motivo: o tempo de permanência agora exigido na escola

conforme prevê a Proposta Pedagógica. Já, no Exame, o candidato é avaliado por meio de

uma única prova por disciplina onde a nota mínima para obter êxito é seis (6,0).

Por outro lado, a nova Proposta permite, de forma não declarada, que as

escolas particulares de ensino ofertem cursos preparatórios para os Exames Supletivos,

vislumbrando atingir uma grande demanda de alunos que se encontram por concluir o

Ensino Fundamental Fase II ou Ensino Médio. Da mesma forma sugere ao aluno que

procure escolas particulares que ofertam a EJA em que o aluno poderá concluir o nível de

ensino em, por exemplo, quatro meses. Dessa forma, os alunos, ao se sentirem

pressionados pela exagerada carga horária exclusivamente presencial, afugentam-se do

ensino presencial e refugiam-se nos cursos preparatórios porque percebem que há uma

chance maior de concluir a sua escolarização em tempo menor em relação à ofertada do

ensino oficial. Sujeitam-se, assim, a pagar um valor pelo curso particular valor nem sempre

disponível em seu orçamento e, muitas das vezes, abrem mão até de suas necessidades

básicas ou de sua família visto que, para muitos deles, a certificação é a garantia de

permanência ou o almejo de um novo emprego. Além dessas questões, o aluno ao procurar

as escolas particulares, dentro da formatação exposta, estão deixando de ter acesso aos

conhecimentos científicos universais que lhe são de direito constitucional.

Neste contexto, há outra questão relevante a ser considerada. Trata-se na

qualidade assaz duvidosa no que diz respeito à qualidade dos cursos preparatórios, haja

vista que não se encontra explicitada em Lei a responsabilidade por parte destes cursos em

avaliar o aluno no processo e tão pouco verificar a evolução individual do mesmo quanto a

sua aprendizagem. Em contrapartida, esta é uma das obrigações do Sistema Estadual

Ensino para a EJA.

Destarte, ao mesmo tempo em que o Estado, em sua proposta única,

oferta o ensino público formal a milhares de indivíduos que não concluíram a educação

básica, abre lacunas claras e evidentes para que o Paraná permaneça ainda por mais tempo

a apresentar altos índices de indivíduos que permanecerão sem conseguir a sua

escolaridade básica concluída, conforme as tabelas apresentadas em capítulos anteriores.

124

Por sua vez, alguns professores destacaram que a nova Proposta

Pedagógica contempla pontos importantes quando enfatiza a necessidade de se trabalhar a

prática docente levando em conta a experiência do aluno adulto, partindo deste

conhecimento para se trabalhar os conhecimentos universais pertinentes às disciplinas do

currículo básico.

Esta visão de se trabalhar o processo ensino/aprendizagem a partir do

conhecimento do aluno adquirido ao longo da vida, quando bem trabalhado, pode

representar o fim das ações pedagógicas infantilizadoras comumente empregadas pelos

professores advindos do ensino regular que trabalhavam com crianças. Muitos desses

docentes consideravam o aluno da EJA como se fosse uma criança grande e não como um

indivíduo jovem ou adulto que, pela sua experiência de vida, já é detentor de

conhecimentos acumulados e uma visão própria do mundo que o cerca e que estes serão

buscados em seu subconsciente, interpretados e re-elaborados conforme as novas

informações técnico-científicas advindas do professor.

4.5 Estabeleça algumas semelhanças e diferenças entre a EJA dos anos 70 e a atual.

O contraponto sobre as semelhanças e diferenças entre a EJA da década

de 70 em relação à proposta atual, considerada pelos professores que já vivenciaram ambas

estas realidades, reveste-se de grande importância para se poder avaliar à trajetória da

política educacional no Estado do Paraná, especificamente em Curitiba, nestes 36 anos de

EJA para atender os jovens e adultos com pouca ou nenhuma escolarização.

Neste sentido, a grande maioria dos professores se referiu ao período da

década de 70 quanto às ações voltadas para atender a demanda do MOBRAL. Indicaram

também como principal diferença entre as épocas consideradas o caráter de suplência

oferecido pelo extinto MOBRAL, diferentemente da proposta atual, prevista na nova LDB,

que considera a EJA como uma modalidade de ensino. Além disso, o MOBRAL atendia

apenas a alfabetização e, mais tarde, procurava atender as solicitações de empresas quanto

à escolarização de seus trabalhadores com o intuito de conseguirem mão de obra mais

especializada. Observa-se aí que a continuidade dos estudos dos trabalhadores recém-

alfabetizados se encontrava na dependência do maior ou menor interesse das empresas em

disponibilizá-los. Em contrapartida, a EJA atual ampliou o seu atendimento posterior a

125

alfabetização pela oferta do ensino formal da rede estadual a todos os níveis de ensino. O

que ainda se ressente é, não só de uma divulgação destas oportunidades de ensino ao jovem

e ao adulto, mas e, principalmente, de uma mobilização de toda a sociedade, liderada pelo

Estado, para que a inclusão educacional verdadeiramente se efetive.

Destaque-se, também, como elogiável a real ampliação da oferta de

ensino para esta demanda e a atual busca de um ensino de melhor qualidade que por si só

já sugere um avanço significativo especialmente quando comparado com a década de 70.

Por outro lado, há ainda obstáculos importantes quanto às estruturas físicas onde

funcionam algumas escolas, a ainda insuficiente capacitação de professores, as

dificuldades em atender todas as necessidades dos alunos com tão peculiar perfil e o que é

mais crítico, os financiamentos insuficientes destinados a esta modalidade de ensino que

garantiria uma verdadeira, eficiente e duradoura política pública em prol de uma EJA de

qualidade, entre outros.

Alguns professores se referiram as Campanhas de Alfabetização

considerando-as semelhantes entre os períodos em questão. Conforme as palavras de

alguns, “recorrer às Campanhas é contribuir em favor do aumento de analfabetos

funcionais existentes no Estado”, já discutido em capítulos anteriores. Este tipo de ações

compensatórias, que não reduzem de forma significativa e efetiva os déficits educacionais

brasileiros, mas que, de forma indistinta, fazem parte das ações determinadas por todos os

Governos Federais, indistintamente, e que continuam ainda sendo estendidas aos Estados,

municípios, ONGS e demais órgãos competentes interessados nestas ações.

Vale lembrar que estas políticas educacionais voltadas às Campanhas de

Erradicação do Analfabetismo acontecem paralelamente às políticas educacionais voltadas

ao sistema de ensino formal, revelando-se aí um paradoxo, uma vez que há espaço escolar

para atender esta demanda de indivíduos com pouca ou nenhuma escolaridade e

professores qualificados para esta função. Da mesma forma, não se entende como ainda se

propõe campanhas de alfabetização à custa de voluntários, isto é, de mão de obra não

qualificada para tão espinhosa e importante tarefa enquanto, para a mesma tarefa no ensino

regular procura-se profissionais cada vez mais qualificados. Parece, então, que esta

modalidade de ensino continua sendo considerada como de segunda categoria e o que é

pior, em pleno início de século XXI, os alfabetizandos jovens e adultos continuam

classificados como indivíduos de segunda categoria. Realmente, os governos se sucedem,

mas não se emendam!

126

Merece destaque, também, o comparativo referente ao tempo que os

alfabetizandos permanecem na escola para a sua alfabetização através das campanhas e na

EJA do ensino oficial. Se a alfabetização ocorrer pelas Campanhas, esta será realizada no

máximo em seis meses, independentemente do rendimento individual. Se inseridos no

sistema formal, terão os respectivos avanços nos diversos níveis conforme o seu

desenvolvimento e sucesso nas etapas anteriores. Conforme depoimentos de alguns

professores que já participaram de Campanhas, poucos destes alunos procuram a

formalização de ensino para dar continuidade em seus estudos. Assim sendo, pode-se

inferir que os resultados das ações de Campanhas representam a promoção dos altos

índices de indivíduos com baixa escolaridade reiteradamente enfatizada neste trabalho e

por conseqüência as implicações que isto representa para estes indivíduos enquanto

cidadãos.

4.6 Quais foram as maiores dificuldades com as quais você se deparou no exercício do

magistério em EJA?

Os docentes entrevistados relatam que em seu exercício do magistério na

EJA, se depararam com algumas dificuldades que se transformaram em grandes desafios a

serem ultrapassados ao longo de sua carreira. Gráfico 5.

A maior parte dos professores aponta para a falta de formação específica

para atuar em uma modalidade de ensino tão especializada como a EJA e com

individualidades tão heterogêneas. Além disso, aqueles que por ventura tiveram a

oportunidade de realizar algum tipo de capacitação, a fizeram de forma superficial, com

um número de horas reduzidas e insuficientes para que efetivamente pudesse auxiliá-los na

prática com os alunos.

Iniciar as práticas pedagógicas com alunos jovens e adultos exige do

docente muito além do domínio de sua área do conhecimento a que é licenciado visto que

uma das características apresentadas pela grande maioria dos alunos da EJA é a baixa auto-

estima, motivo esse que tem feito com que os docentes repensem a metodologia

inicialmente adotada. Constataram também que, além de trabalhar os conteúdos formais,

eles precisavam principalmente trabalhar a auto-estima dos discentes.

Além da característica dos alunos acima levantada, os professores

indicaram também como fator importante na atuação como profissionais na EJA os

127

diferentes níveis de conhecimento não só de informação como também no domínio da

escrita, da interpretação e, em muitos casos, nas dificuldades específicas de aprendizagem.

Este quadro se apresenta inclusive nos alunos que apresentam algum nível de escolaridade

anteriormente já concluída.

O material didático disponibilizado e/ou utilizado mereceu destaque nos

depoimentos dos professores, uma vez que se caracteriza como um importante recurso

metodológico para atender as formas de escolarização no sistema de ensino da rede

estadual. Este recurso vinha sendo referência para os conteúdos exigidos em avaliações

finais de conclusão das diferentes disciplinas e pertenciam à Proposta Pedagógica do

ensino semipresencial anterior a 2006.

Assim, o material didático nesta forma de escolarização era ofertado pela

SEED aos alunos de forma gratuita. No entanto, a manutenção e reposição deste material

praticamente não aconteciam. Sendo assim, os professores precisavam encontrar formas

alternativas de trabalhar os conteúdos e atender a já referida avaliação final da disciplina

encaminhada pela SEED. A proposta inicial desta avaliação final era formar um banco de

questões que seria alimentado pelos próprios professores que atuavam nos

estabelecimentos de ensino semipresencial. O que os professores constatavam se em

muitas das vezes era que muitas das questões encontravam-se desconectadas da proposta

pedagógica e do material didático proposto.

Alguns professores colocaram como outra importante dificuldade as

imposições de normas pelas instâncias superiores sem que tivessem sido inicialmente

discutidas com as bases, no caso os professores. Este tipo de imposição invariavelmente

interfere no rendimento do binômio ensino/aprendizagem porque as propostas impostas de

cima para baixo, na maioria das vezes, não consideram a realidade vivida no cotidiano

escolar.

Por sua vez, a falta de adequada formação dos professores para atuar na

EJA se constitui em um importante obstáculo em se alcançar os objetivos do processo

ensino/ aprendizagem que conduz as sucessivas repetências, a evasão escolar pela auto-

exclusão, e o que é mais grave, contribuí de forma insofismável à baixa da auto-estima do

aluno e sua desvalorização enquanto sujeito do processo.

128

GR

ÁF

ICO

5

Variáveis no que se refere a EJA

0 2 4 6 8 10 12 14 16

Localização da escola

Sala de Aula

Ins talações

Equipamentos

Horário das aulas

Número de alunos porturma

Adolescentes e adultosem uma mesma turma

Prática pedagógica

Material didático

Interesse de alunos

Evasão

Sis tema de avaliação

variáveis

f reqüência

bom

ruim

sofrível

129

4.7 Quais foram as maiores dificuldades que os alunos da EJA

manifestaram em relação ao aprendizado?

Como já foi discutida em capítulos anteriores, a demanda de alunos para

a EJA apresenta algumas especificidades que podem interferir de forma decisiva no

processo de aprendizagem e confirmada pelos relatos dos professores entrevistados.

A questão mais relevante apontada pela maioria dos docentes refere-se

aos alunos em nível de escolarização Fundamental Fase II e Ensino Médio da EJA. Estes

alunos apresentam dificuldades/deficiências significativas especialmente no campo da

leitura, interpretação e produção de texto. Conforme os mesmos professores, a falta de

hábito da leitura parece ser o fator que interfere significativamente nesta área do

conhecimento. Sabe-se que os domínios da leitura, da interpretação e da produção de texto

são os quesitos necessários e indispensáveis para que o aluno se desenvolva de forma

completa e interferem no aprendizado de outras áreas do saber como: Matemática,

História, Química e outras.

Outro ponto levantado pelos professores como fator de dificuldade para a

aprendizagem encontra-se no feito do aluno iniciar ou recomeçar a escolarização na fase

adulta. Grande parte dos alunos sente vergonha de voltar aos bancos escolares depois de

adulto porque possuí a visão distorcida que a escola é o espaço de aprendizagem para

crianças. Muitos destes alunos desconhecem o direito constitucional quanto ao acesso à

escolarização formal e gratuita para todo e qualquer cidadão em idade escolar e também

àqueles em distorção idade série. Caso venham a vencer esta dificuldade inicial muito

provavelmente aumentarão as chances para que o processo de aprendizagem efetivamente

aconteça.

Para o aluno da EJA o tempo de permanência na escola constituí um

importante fator para o seu desenvolvimento e a sua manutenção no ambiente escolar.

Muitos deles trabalham fora e estudam, outros tantos são responsáveis pela organização da

casa e cuidar da família. Sendo assim, os discentes necessitam que os encaminhamentos do

sistema de ensino sejam organizados conforme a realidade temporal destes sujeitos.

Neste sentido, questiona-se uma vez mais a mudança radical ocorrida na

Proposta Pedagógica do Estado do Paraná, 2006, ao passar do ensino semipresencial para o

ensino 100% presencial, interferindo de forma decisiva e negativa na presença prolongada

130

do aluno da EJA no ambiente escolar para completar toda a sua formação básica e média.

Uma proposta pedagógica específica para a demanda ora discutida, que não leva em conta

o longo período de tempo de permanência do aluno no ambiente escola, contribuí, mesmo

que de forma não intencional, para que a evasão escolar ocorra de forma constante, o que

parece não haver sentido. Para os alunos trabalhadores adultos que somente iniciaram ou

retomaram os seus estudos neste momento de suas vidas, a saída da escola, caso suas

expectativas se frustrem, será a concretização definitiva e irrevogável de permanecer sem a

escolarização que lhes é de direito.

Os docentes apontam, também, para as dificuldades que os alunos

apresentam em reter os conteúdos ministrados e a eventual resistência de muitos quanto à

aceitação de determinados conteúdos científicos.

A retenção dos conteúdos pelo processo cognitivo ocorre

individualmente, de acordo com as peculiaridades de cada aluno trabalhador jovem ou

adulto e por meio de estímulos específicos. Portanto, é imprescindível perceber quem é o

sujeito com o qual o professor da EJA trabalha para que os conteúdos a serem abordados

tenham algum sentido, sejam de fato elementos concretos na sua formação, munindo-os

para uma intervenção significativa em torno de seu contexto.

Por sua vez, o aluno da EJA muitas das vezes oferece resistência ao

conhecimento cientifico, por ser este um campo desprovido de questões que envolvem a fé,

o mito e a crença e até a sua realidade de vida. Estes elementos, para muitos se

caracterizam em barreiras a serem transportadas para atingir o mundo do conhecimento

científico.

Para muitos dos alunos da EJA, reconhecer o campo do conhecimento

científico como verdade, significa romper com o modelo de mundo/vida até então

considerado verdadeiro. Este rompimento se torna extremamente difícil àqueles que fazem

à leitura de mundo a partir do campo espiritual. É fundamental que o professor encaminhe

a questão indicando que se trata de caminhos que correm paralelamente e que a tentativa

de estabelecer a intercessão entre eles certamente fundirá em conflitos importantes para o

sucesso da aprendizagem deste aluno.

Depreende-se, portanto, que os professores de uma maneira geral

experimentam na rotina de seu trabalho as dificuldades inerentes do estágio atual que a

EJA se encontra no Brasil enquanto Modalidade de Ensino. Assim, promulgar leis e

aguardar que elas por si só produzam os seus efeitos de nada adiantará. Há sim a

131

necessidade de um investimento político intenso, do começo ao fim do processo e

devidamente acompanhado pela sociedade organizada.

Com efeito, é possível repetir uma idéia, que parece geral do ponto de

vista histórico no âmbito educacional escolar no Brasil, que é a de que nem sempre os

ideais propostos na Lei se coadunam com as necessidades e expectativas da sociedade.

Esta compreensão é oportunamente reiterada pela notícia extraída do site do INEP

(11/03/2005):

Representantes de 24 fóruns estaduais de educação de jovens e adultos (EJA) reunidos hoje, 11, em Brasília, aprovaram uma moção pedindo que a proposta de MEC que cria o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), trate a educação de jovens a adultos da mesma forma que cuida dos outros níveis de ensino. [...].

A reivindicação acima é testemunho de necessidades manifestas no

domínio das condições objetivas de educadores que trabalham com a EJA. Na nova LDB,

não ficam claras as exigências de formação para esse tipo de educador, elas estão

entrelaçadas em meio às de formação para a educação básica (Art. 62). Por outro lado,

articular teoria a pratica, não basta se o professor não vivenciar ou não tiver experimentado

um processo de escolarização sólido do ponto de vista teórico/prático. Este é sem dúvida

um desafio a enfrentar, levando em conta a quase inexistência de produção de

conhecimento e de formação específica para educadores de jovens e adultos. Isto é: há um

imenso abismo entre as necessidades do aluno adulto inserido nos bancos escolares

universitários e o aluno adulto inserido nos bancos escolares da educação básica!

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA consideram essa

modalidade de ensino como “uma categoria organizacional constante da estrutura da

educação nacional, com peculiaridades e funções específicas”. Exige que a formação de

um docente detentor de um conjunto de práticas e saberes devidamente articulados em

torno de princípios e objetivos próprios. Nesse particular, para Fàfero, Rummert e De

Vargas (1979) “não deve ser uma ação de caráter voluntário, marcado por um cunho de

doação, favor, missão, e movida pela solidariedade tal como concebida na perspectiva

liberal de ajuda aos mais pobres, de caridade para com os desfavorecidos”. Portanto, não se

considere, então, como ações filantrópicas, assistencialistas, compensatórias e muitas das

vezes, até, infantilizadoras. Esta compreensão assinala para possibilidades de mudanças

futuras.

Por sua vez, a sociedade civil organizada tem se dedicado, de uma

maneira geral, incansavelmente, na oferta de um ensino digno e qualificado formando

132

educadores éticos e comprometidos com o fim social da educação. Entretanto, a formação

de educadores para a modalidade de EJA, apesar de formalmente incluída nas Diretrizes

Curriculares Nacionais para a EJA, aprovada em 10/05/2000 e contemplada nas Diretrizes

Curriculares para a formação de professores não tem sido considerada com a devida

importância e seriedade no âmbito dos cursos de educação no nível da graduação. A

própria demanda educacional para essa modalidade de ensino justifica tal preocupação.

Assim, grosso modo, esta demanda perfaz um total aproximado de 70 milhões de

brasileiros com mais de 14 anos que, de alguma forma, não completaram o ensino

fundamental RIBEIRO (1999). Esta contingência, por si só, justificaria a preocupação

efetiva em formar docentes para essa modalidade de ensino. Para JÓIA (1999), há três

campos de trabalho para que esta modalidade educativa obtenha identidade própria:

[...] reconhecer nos jovens e adultos como membros das classes populares, excluídos do sistema educacional regular e de outras instâncias do exercício de poder e acumulação de recursos [...] necessidades de aprendizagem do jovem e adulto para o mercado de trabalho, a cidadania e a promoção da qualidade de vida [...] especificidades do modo de aprender enquanto jovem e, principalmente, já adultos com percepções próprias do ambiente em que vivem. (Jóia 1999, Apud Ribeiro p. 189, 1999).

Há, portanto, a necessidade da quebra de um paradigma, para Ribeiro

(1999) “romper o modelo de instrução tradicional implica um alto grau de competência

pedagógica”, que perpassa, pela profunda reflexão filosófica, ampla discussão acadêmica,

formação de grupos de pesquisa específicos na área, produção de conhecimento e

desenvolvimentos de práticas pedagógicas que contemplem a devida e indispensável

articulação entre a extensão, ensino e pesquisa, depois de ouvidos e entendidos os sujeitos

envolvidos, principalmente o aluno trabalhador enquanto jovem ou adulto. Este é excluído

não só da escola como também socialmente excluído. A maioria oriunda de bolsões de

pobreza, desempregada ou não e, se trabalhador no geral desempenha no mercado de

trabalho formal ou não, atividades atreladas a pouca ou nenhuma escolaridade. Esse

mesmo trabalhador, ainda assim, tem o direito ao exercício da cidadania, ao trabalho, a

melhora de sua qualidade de vida e do convívio com a sua família em uma comunidade

digna.

Parece, então, que se efetivamente se deseja que mudanças substanciais

ocorram, haverá a necessidade de se resolver à questão da falta de tradição da

Universidade brasileira em produzir conhecimentos. A falta do hábito da pesquisa como

rotina do trabalho acadêmico, paralelo às atividades de ensino e disseminado por todo meio

acadêmico efetivamente impedem que brote desse próprio meio as soluções alternativas

133

que deverão ser encaminhadas à classe política para a devida transformação dos novos

conteúdos técnico-científicos em leis adequadas para as demandas educacionais brasileiras.

As considerações que se seguem em forma de crítica visam, tão somente,

chamar uma vez mais a atenção para o perfil conservador elitista da cultura e da educação

brasileira. Assim, a insistência da comunidade acadêmica atual na manutenção de seus

privilégios corporativos, de sua atitude refratária ao novo e conseqüente isolacionismo

antidemocrático, depreende-se que os desafios são quase intransponíveis para que a

produção do conhecimento se incorpore ao cotidiano universitário e, por conseguinte, seja

meio e fim na rotina do processo ensino-aprendizagem. O que se verifica é que se as

recomendações dos organismos internacionais em geral, a comunicação globalizada, as

graves e crônicas diferenças sociais do país e mesmo a força de lei da nova LDB de 1966,

não são apelos suficientes, ainda que pareça um paradoxo, para que as transformações

definitivamente ocorram de forma eficiente no meio universitário brasileiro. Dessa

maneira, acredita-se que somente através de processos epistemológicos corretamente

idealizados pelo Estado, insistentemente perseguidos em seus objetivos pelos governos

subseqüentes e permanentemente monitorados em sua execução sirvam de elementos

indutores eficientes para que a própria comunidade acadêmica promova, por si mesma, as

transformações radicais necessárias em todos os níveis e rompa, definitivamente, com o

seu passado corporativista-conservador.

Dessa forma, se os balizamentos expressos na Conferência Mundial

sobre Educação Superior promovida pela UNESCO em 1998 são interpretados, por

parcelas significativas das elites intelectuais, políticas e acadêmicas, como interesses

subliminares e escusos de potências imperialistas estrangeiras quando promovem

sistemáticas e inconseqüentes defesas radicais de cunho direitista, xenofóbicas

nacionalistas ou extremadas esquerdistas, mas sempre com forte ranço conservador, nota-

se que há, no mais das vezes, desculpas para não reconhecer suas próprias mazelas e para

que as transformações da universidade brasileira efetivamente não ocorram. Assim, no

momento em que esse documento de caráter universal afirma que:

A educação superior tem dado ampla prova de sua viabilidade no decorrer dos séculos e de sua habilidade para se transformar e induzir mudanças e progressos na sociedade. Devido ao escopo e ritmo destas transformações, a sociedade tende paulatinamente a transformar-se em uma sociedade do conhecimento, de modo que a educação superior e a pesquisa atuam agora como componentes essenciais do desenvolvimento cultural e socioeconômico de indivíduos, comunidades e nações. A própria educação superior é confrontada, portanto, com desafios consideráveis e tem de proceder a mais radical mudança e renovação que porventura lhe tenha sido exigido empreender,para que nossa sociedade, atualmente vivendo uma profunda crise de valores, possa transcender

134

as meras considerações econômicas e incorporar as dimensões fundamentais da moralidade e da espiritualidade. (UNESCO, 1998).

Permite ao leitor, dependendo da elite a que pertença, encontrar e

interpretar ao seu bel prazer, nas entrelinhas, conotações direitistas, ameaças à soberania

nacional ou ideologia esquerdista. Dessa forma, as intermináveis discussões de caráter

ideológico escondem os verdadeiros interesses corporativistas dos conservadores-

tradicionalistas ou conservadores-revolucionários, conforme BUARQUE, enquanto o

primeiro grupo acredita que a universidade não precisa de mudanças, que não há a

necessidade de sintonizar a universidade com necessidades e interesses da sociedade, que

se preocupa apenas com o seu trabalho, como se os limites do mundo e do país não fossem

além das fronteiras do campus universitário, defendam que a comunidade universitária se

mantenha uma elite isolada e sem compromisso com as necessidades sociais, se

consideram o alto-clero, únicos donos da competência e defendam o trabalho acadêmico

voltado para eles mesmos, em nome de uma qualidade mal-definida, ao menos no nível

que apregoam. Por sua vez, o grupo conservador-revolucionário considera que as

mudanças necessárias já se realizaram, que a universidade se encontra devidamente em

sintonia com a sociedade, preocupam-se basicamente com o nível salarial e a falta de

verbas, como se tudo o mais na universidade estivesse bem, praticam a negação do

necessário elitismo intelectual, com a conseqüente perda de qualidade e desprezo pela

sociedade que deveria receber o serviço de seu trabalho, consideram-se a vanguarda e os

donos da verdade, acusam os demais de alienados, defendem a democracia para si mesmos

e desde que não ameace seus privilégios.

Passada quase uma década a partir da promulgação da LDB em 1966

constata-se, que já houve algumas mudanças importantes, ainda que tardias e resultantes de

um processo que se arrasta de maneira desordenada e disforme, dependendo da boa

vontade e disposição das direções e comunidades acadêmicas das mais variadas

instituições de ensino, quer sejam públicas, confessionais ou privadas.

Assim, ao se fazer uma análise mais cuidadosa e profunda das mudanças

já efetivadas em muitas das universidades brasileiras, reconhece-se que importantes

avanços na implementação das finalidades clássicas (ensino, pesquisa, extensão) das

universidades, conforme explicitado o Art.43 da LDB e em muitos outros certamente

ocorreram. Da mesma forma o Art. 44, que prevê a abrangência dos cursos e programas e

processo de ingresso, contemplando o fim do monopólio do vestibular classificatório e a

inclusão da graduação e da pós-graduação, de “cursos seqüenciais por campo de saber, de

diferentes níveis de abrangência”, algumas iniciativas são verificadas. Por outro lado, o

135

Art. 46, a despeito de considerar o ensino como sendo um “serviço público”, a “concessão”

aos empresários do setor privado permanece, mesmo que por prazos limitados, renovações

periódicas desde que cumpridas exigências mínimas em processos periódicos de avaliação

e, se não cumpridas após sucessivas reavaliações, até o descredenciamento encontra-se

previsto. Os artigos 47, 48-50, 51 e 53, ainda que contemplem modificações importantes

para o ensino superior, não interferem significativamente no cotidiano da elite acadêmica.

Por sua vez, o Art. 51, ainda que exija 1/3 terço de docentes com qualificação stricto sensu

e 1/3 em regime de tempo integral, requer, no mais das vezes, ajustes e/ou contratações

novas para o preenchimento de eventuais lacunas, para o cumprimento da lei. No que diz

respeito ao Art. 54, este confere um estatuto jurídico especial, na forma da lei, para as

universidades públicas, ainda que o Art. 55 se refira aos recursos financeiros como

obrigação do Estado. Os artigos 56 e 57 reportam-se à gestão democrática para as

universidades e instituições públicas e a obrigatoriedade para o docente de instituição

pública de lecionar, no mínimo, 8 horas/aula semanais. Dessa forma, acaba-se com a figura

do docente com carga horária exclusiva destinada à pós-graduação. Depreende-se daí que,

embora novas exigências tenham sido feitas aos administradores e docentes, estas não são

suficientes, e nem se poderia imaginar que pudessem ser, pois, acredita-se que não seria

por “decreto” que os comportamentos e atitudes da elite universitária conservadora do país

iriam, da noite para o dia, se modificar, especialmente no que concerne aos novos desafios

na produção do conhecimento.

Para que isto ocorra, há a necessidade, primeiramente, da elite docente

compreender e incorporar em suas idéias e atitudes a convicção plena de que a

metodologia científica, segundo DEMO, 1966, resgata, ao mesmo tempo, o papel

insubstituível da universidade e da escola, como lugares privilegiados da construção do

conhecimento e da formação de competência inovadora. Portanto, as atividades

acadêmicas relativas ao ensino e a pesquisa não podem ser confundidas como um mero

emprego indissociavelmente atrelado a um salário, satisfatório ou não. Significa, também,

o abandono dos métodos pedagógicos viciados e repetitivos, embasados em mera

transmissão do conhecimento, das aulas copiadas, na transmissão decorada e desprovida de

criatividade e exercício do questionamento e da dúvida, reduzindo o aluno a um mero

objeto de aprendizagem. Assim, ainda conforme DEMO, 1996, “a vida acadêmica

autêntica é um processo permanente de construção científica, com vistas a formas mais

competentes de intervenção na realidade, unindo teoria e prática”.

136

O grande desafio, portanto, é encontrar algum caminho para se

desvencilhar desta postura reprodutiva viciada, quer seja no âmbito de seu próprio

comportamento enquanto docente/pesquisador, por vontade própria, ainda que exija uma

grande dose de humildade, autocrítica e independência intelectual em relação aos seus

pares, independentemente dos estímulos corporativistas negativos e arraigados que

invariavelmente permeiam os corredores do ambiente acadêmico e mesmo que Wachowicz

(1982.) tenha constatado que:

O empecilho mais drástico para introduzir a pesquisa como atitude cotidiana é a estrutura curricular extensiva, baseada na aula, na prova e na reprodução, mantida por professores que apenas ensinam. Muitos alunos vão preferir a mediocridade, já que a elaboração própria supõe grande esforço, ao contrário da aula. A avaliação, por sua vez, além de mais complexa, é bem mais exigente, levando a choro e ranger de dentes.

Admite-se, assim e com justiça que, além da vontade política de cada

docente em mudar de atitude, há a necessidade de que a maioria da comunidade acadêmica

envolvida tenha a devida formação e, especialmente o mesmo entendimento da

necessidade imperiosa das transformações que a Universidade atual precisa para a sua

própria sobrevivência, através da incorporação da rotina da construção do conhecimento,

que aja como formadora de opinião e que tome para si a responsabilidade da irradiação

dessas novas idéias.

Neste mesmo contexto, no que dizem respeito às instituições oficiais,

essas esbarram em dificuldades adicionais explicitadas por gargalos corporativistas,

direitos trabalhistas adquiridos, processos de ensino-aprendizagem apoiados no princípio,

finja que me ensinas que eu finjo que aprendo, e administrações ineficientes e até

irresponsáveis, fruto de interpretações distorcidas de democracia, onde as plataformas

políticas das mais variadas vertentes políticas do meio acadêmico identificam-se com os

interesses corporativos dominantes, permitindo a perpetuação do status quo.

Quanto às instituições confessionais, salvo juízo equivocado, parece que

as dificuldades em se montar uma equipe acadêmico-administrativa com competências

bem definidas, cada cargo ocupado por auxiliares com competência reconhecida e

pinçados do seu quadro interno ou até, e se necessário, por outros do mercado externo, mas

que não possuem o perfil, formação, comprometimento, profissionalismo e, especialmente,

a necessária independência de seus subalternos, atributos considerados imprescindíveis

para levar adiante e a bom termo os planejamentos estratégicos e as reformulações dos

projetos pedagógicos de todos os seus cursos.

137

Por sua vez, as instituições particulares, além de explicitarem as

dificuldades anteriormente citadas, apresentam também e invariavelmente, quer por

incompetência administrativa, quer por ganância, profundas dificuldades em administrar o

lucro visto que os investimentos imobilizados em capital intelectual - corpo docente e

infraestrutura técnico-científica, bibliotecas, laboratórios e equipamentos - visam, tão

somente, promover um marketing institucional interno e externo e, principalmente,

cumprir com as exigências mínimas da nova LDB. Por outro lado, deve-se considerar

também que, tanto as instituições confessionais como as particulares, quando não realizam

concursos públicos amplamente divulgados para a admissão de novos docentes com as

competências e perfil adequado para as possíveis vagas, acabam por transformar a

admissão de novos docentes numa ação entre amigos, confundindo corpo docente com um

amontoado de professores. Comprometem, também, muitas das vezes e de forma

irremediável o compromisso com a construção sistematizada do conhecimento ao

desconsiderar as reais competências individuais de seus docentes e, sobremaneira, quando

não valoriza a complementaridade das abrangências das respectivas áreas de conhecimento

de cada um de seus docentes, imprescindível para a implantação e a manutenção de uma

proposta pedagógica consistente com a devida trans e interdisciplinaridade.

Retomando, nesse momento, a questão da EJA enquanto modalidade de

ensino, e considerando as dificuldades que o ensino regular ainda experimenta, depreende-

se que, se há carências importantes na produção de conhecimento para a educação de uma

maneira geral, para a EJA, então, tudo está por fazer.

A exemplo, considere-se o trabalho de Haddad et al, 2002 – Educação de

Jovens e Adultos no Brasil (1986 – 1998), que compilou a produção científica discente no

período compreendido entre 1986 e 1998. A produção científica discente constitui, por si

só, um parâmetro adequado para se inferir o estado da arte na área da EJA, visto que estes

mesmos discentes, na maioria das vezes, orbitam em torno dos pesquisadores mais

produtivos no meio acadêmico. Foram produzidas então no período considerado, 6.449

dissertações e 1.119 teses e quatro teses de livre-docência. Estes números podem parecer

expressivos, mas, ao compará-los com o total da produção discente nacional, representa tão

somente 3%, 1,8% das teses de doutoramento e 3,1% das dissertações de mestrado. Muito

pouco para a produção científica em uma área tão importante da educação.

Por outro lado, como historicamente acontece com toda a educação

brasileira, conforme já demonstrado, a produção científica discente é marcadamente

regionalizada, e não poderia ser diferente. Como os demais dados educacionais brasileiros,

138

conforme o mesmo relatório, a produção científica discente está concentrada na região

centro-sul do País, em particular na Região Sudeste, com 59% do total nacional

concentrado nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Por sua vez, São Paulo responde

por 41,44% de toda a produção acadêmica nacional e a USP e PUC-SP produziram 58,57%

desse total e Unicamp, UFSCar, Unimep e Unesp, 41,43%. O relatório aponta, também,

que os seus dados quando comparados com toda a produção nacional apresenta ligeira

modificação porque na produção nacional a Região Nordeste apresenta resultados pouco

mais relevantes, devido a contribuição do Estado da Paraíba.

O trabalho indica que 34 instituições universitárias produziram na área da

Educação, sendo 79,4% públicas e 20,6% privadas. O relatório alerta para que não se

comparem estes dados porque os números de instituições públicas e privadas não são

proporcionais. Indica, também, que da totalidade das 222 teses aprovadas, considerando as

instituições de origem, a PUC-SP, a USP, a Unicamp, a UFRJ e a PUC-RJ, como aquelas

que já detém larga experiência científica nos diversos campos de conhecimento e UFPB, o

lesae/FGV, a PUC-RS e a UFCE em uma segunda categoria porque possuem área de

concentração, linhas de pesquisa ou cursos de especialização no campo da Educação de

Jovens e Adultos e temas correlatos. Por sua vez, a UFRGS, a UFMG e a UFSCar são

detentoras de centros com tradição em pesquisa educacional e mantém linhas de pesquisa e

projetos de extensão universitária com temáticas relacionadas a EJA.

Quanto às temáticas abordadas na produção científica geral no período

em questão, destacam-se: O Professor, com 28 dissertações que abordaram os seguintes

sub-temas: relações professor/aluno e visões sobre EJA; professor, sua prática e sua

formação. O Aluno, com 45 dissertações, com os seguintes sub-temas: perfil do aluno e

visão do aluno. Concepções e Práticas Pedagógicas, com 35 dissertações, com os sub-

temas: fundamentos teóricos, propostas e práticas pedagógicas, processos de ensino-

aprendizagem dos conteúdos curriculares, leitura e escrita, matemática. Políticas públicas

de EJA, com 35 dissertações e os sub-temas: História da EJA, políticas públicas recentes

de EJA, alfabetização, centros de estudos supletivos (CES), ensino regular noturno e

políticas municipais e educação popular. Educação Popular, com 23 dissertações,

distribuídas nos seguintes sub-temas: participação dos movimentos sociais em EJA,

educação para a cidadania e educação popular na Primeira República.

Destacam-se, também, algumas conclusões apresentadas pelo relatório.

Dentre outras, sobressaem-se: a) que no período estudado, 12 anos, formam produzidos

somente três estudos de natureza teórico-filosófico que abordaram a EJA, (andragogia,

139

educação popular e análise crítica da educação permanente). b) As abordagens teóricas

dominantes situam-se nos campos da Sociologia, da Política e da Filosofia da Educação. c)

Os trabalhos, na maioria, são estudos de caso, relatos analíticos ou sistematizações de

experiências/práticas/projetos de escopo reduzido. d) a produção é marcadamente

regionalizada. Assim, as pesquisas que abordam a realidade nacional não representam

sequer 10% do total. e) A ampla maioria dos estudos refere-se a práticas de alfabetização e

escolarização de jovens e adultos. f) Quando abordada a concepção da EJA, o pensamento

freireano continua a ser a referência para os pesquisadores. g) Os temas evasão e

repetência são fenômenos generalizados, explicados, segundo os autores, pela inadequação

das condições de estudo e modelos pedagógicos às necessidades educativas dos

trabalhadores. h) ninguém estudou o tema do financiamento da EJA. i) As pesquisas sobre

a temática do professor de EJA reafirmam a existência ainda hoje de um preconceito sobre

esse campo de trabalho, considerando de segunda linha. j) Recomenda-se a formação

continuada de professores e realizada numa estreita relação com a prática cotidiana. k) As

conclusões apresentadas nas pesquisas relativas ao aluno reafirmam um dilema que a EJA

carrega consigo: o de pretender dar garantias de um direito que foi negado a seus alunos –

a escolarização básica -, mas, ao mesmo tempo, levantar neles uma grande expectativa

quanto às mudanças que esperam no seu cotidiano, principalmente na sua realidade

profissional.

Como se observa, ainda que a produção científica na área de

conhecimento encontre-se engatinhando, pelas conclusões anteriormente elencadas já é

possível, a partir do aprofundamento dos estudos das áreas de conhecimentos destacadas, a

sociedade organizada determinar prioridades e indicar os caminhos para políticas públicas

consistentes e duradouras para a EJA.

De qualquer forma, algumas considerações sobre as práticas pedagógicas

merecem destaque neste momento do trabalho. Considerem-se, inicialmente, as

especificidades da prática pedagógica. Estas devem ser altamente diferenciadas,

respeitando o amplo universo de conhecimentos práticos e concepções da realidade social e

natural já profundamente incorporadas pelo aluno trabalhador adulto, a contextualização

deve ser considerada como eixo central e relevando as características cognitivas próprias.

Portanto, as práxis pedagógicas propostas devem fundamentar-se na ampla capacidade do

educador em ouvir sempre, dialogar exaustivamente, compartilhar objetivos e, acima de

tudo, procurar compreender, na medida do possível, considerando-se a quase inexistência

140

de conhecimentos amplos e profundos da psicologia dos adultos no campo cognitivo e

motivacional, o “eu-aluno adulto”.

A exemplo das dificuldades quanto à práxis pedagógica desta modalidade

de ensino e a imensa demanda do alunado, tome-se o Estado do Paraná e a sua Capital.

Inicialmente, cabe aqui explicitar que historicamente poucas tem sido as instituições de

ensino superior preocupadas com esse tipo de formação no Estado. Assim, a formação de

professores para atender esta modalidade de ensino tem sido objeto de ações

governamentais em nível da esfera municipal muito mais em termos de formação

continuada do que da formação inicial. Por outro lado, mais recentemente e já na década de

90, pelas exigências de escolarização e de melhor qualificação da mão-de-obra dos

trabalhadores, houve um significativo crescimento dos CES, dos cursos de pedagogia e

educação e do aumento do número de professores na graduação sem que tivesse havido

uma preocupação e interesse maior de formar professores com a qualificação e capacitação

necessárias para a escolarização de jovens e adultos.

A magnitude do problema em questão - descompasso entre a escassa

formação de professores devidamente qualificados e capacitados para a EJA e a crescente

expansão do alunado - se mostra claro diante da expansão experimentada por esta

modalidade na rede de ensino municipal e estadual do Estado do Paraná.

141

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento deste trabalho possibilitou reflexões como também indicou

caminhos que confirmam a trajetória, ao longo da História, da educação de jovens e

adultos no Brasil e no Paraná. Historicamente, a EJA se manteve ora por ações

assistencialistas, como as Campanhas de Alfabetização de Adultos, muitas vezes com

intenções eleitoreiras, ora pelo seu caráter de suplência.

Com a implantação da Lei 9394/96 a EJA ganha seu destaque como modalidade

deixando a sua característica de suplência. Esta medida representou um avanço para a

educação no Brasil, pois, oferecer aos milhares de brasileiros adultos, que ainda não foram

escolarizados, o simples acesso às formas de certificação para obter a conclusão dos níveis

de escolaridade da educação básica, representa uma forma de Violência Simbólica sob a

ótica de BOURDIEU e PASSERON, 1975. Este segmento por direito constitucional deve

ter acesso aos conhecimentos universais assim como é ofertado às crianças e jovens sem

distorção idade/série.

O levantamento histórico presente no trabalho sobre a educação no Brasil, com

foco na EJA, a partir da segunda metade do século XX, foi fundamental para a

compreensão das medidas apresentadas pelo Estado destinadas a esta modalidade de

ensino e como campanha de alfabetização de jovens e adultos sob a perspectiva de

BOURDIEU E PASSERON (1975) no que se refere às formas de Violência Simbólica. Da

mesma forma, verificaram-se os déficits educacionais presentes nas séries iniciais de

ordem quantitativa e qualitativa do ensino regular brasileiro e que estão relacionados com a

promoção da EJA.

As formas de Violência Simbólica se estendem no exemplo apresentado neste

trabalho ao se analisar por meio de levantamento e pesquisa com trabalhadores que

receberam a aposentadoria, pelo Programa de Reabilitação Profissional de âmbito do

INSS, por acidente ou doença decorrente ou não do trabalho e o seu vínculo direto com a

falta de escolaridade básica exigida no mundo do trabalho. A marginalização sofrida por

estas pessoas é reflexo dos déficits educacionais ao longo da história ao não reconhecer a

sua demanda. Medidas precisam ser criadas e vinculadas aos diferentes órgãos oficiais

juntamente com as empresas que possuem em seu quadro de funcionários, trabalhadores

que ainda não possuem integralmente a escolarização básica, na tentativa de minimizar os

efeitos das formas de Violência Simbólica vividas pelos beneficiários.

142

A partir do levantamento histórico e com base em BOURDIEU E PASSERON

(1875), pode-se perceber as raízes culturais presentes na educação brasileira e que

proporciona movimento a ela, como também, reproduz a mesma cultura por meio dos

sistemas de ensino, através do Poder Simbólico representada pelo Estado (BOURDIEU,

1989), embora hajam alguns movimentos isolados na tentativa de não permitir as

reproduções culturais vividas pela educação brasileira, em especial a EJA.

A historiografia demonstrada no presente trabalho, indica que a falta de propostas

adequadas pelo sistema de ensino, bem como a qualificação dos professores que atuaram

nas séries iniciais da educação básica, e na escolarização de jovens e adultos, representa

um importante fator que corrobora com os déficits educacionais brasileiros.

No que se refere à formação de professores, sugere-se às Instituições Superiores

que ofertam os diferentes cursos de licenciaturas repensar e reformular seus currículos,

para que possa ser abordada com a devida seriedade e amplitude a modalidade de educação

de jovens e adultos com suas especificidades e características próprias. Além disso,

estabelecer relações mais diretas com a educação básica oficial, em especial às escolas que

ofertam a EJA e dessa forma poder contribuir com idéias e sugestões que possam reverter

numa maior qualidade de ensino. Este vínculo propiciará às Instituições conhecer in lócus

como as escolas oficiais da educação básica – EJA - trabalham com o conhecimento

científico, bem como, avaliar a importância de se ter atuando um profissional qualificado

para esta função.

A demanda de alunos atendidos pelas escolas que ofertam a EJA em todo o Brasil,

dados presentes e discutidos no trabalho, reflete a emergencial necessidade de formar-se

professores nas diferentes disciplinas os quais estejam munidos de informações e

conhecimentos pertinentes a sua área do saber como também sobre a modalidade em

questão e que efetivamente exerçam a sua atividade docente na EJA com qualificação para

tal. Mas, para isto é necessário, talvez, descer dos pedestais presentes nas Instituições

Superiores e reconhecer a EJA como uma importante via para o desenvolvimento do país,

pois, um país se faz com a capacidade intelectual de sua nação.

143

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