Educacao como processo_de_desenvolvimento

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CAPÍTULO I EDUCAÇÃO COMO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO A educação, quando discutida, normalmente se restringe ao seu aspecto formal, como se somente acontecesse na circunstância escolar, e a escola fosse a única responsável por suas obrigações na formação do indivíduo e pelas suas limitações em sua estrutura e condução do desenvolvimento humano. Hoje, em uma perspectiva ecológica (Bronfenbrenner, 1996), o desenvolvimento é considerado como um envolvimento dinâmico de interações entre o homem e o ambiente. A ecologia do desenvolvimento humano envolve a acomodação progressiva entre um ser humano ativo, em desenvolvimento, e as propriedades mutantes dos ambientes imediatos em que a pessoa em desenvolvimento vive, conforme esse processo seja afetado pelas relações entre esses ambientes e pelos contextos mais amplos em que os ambientes estão inseridos. Segundo Brandão (1995), a vida está sempre ligada à educação, não havendo uma forma única, nem um modelo de educação; a escola não é o único lugar onde ela acontece e, talvez, nem seja o melhor. A educação existe difusa, em todos os mundos sociais, entre as incontáveis práticas dos mistérios do aprender; primeiro, sem classes de alunos, sem livros e sem professores especializados; mais adiante com escolas, salas, professores e métodos pedagógicos.

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CAPÍTULO I

EDUCAÇÃO COMO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO

A educação, quando discutida, normalmente se restringe ao seu aspecto

formal, como se somente acontecesse na circunstância escolar, e a escola fosse a

única responsável por suas obrigações na formação do indivíduo e pelas suas

limitações em sua estrutura e condução do desenvolvimento humano.

Hoje, em uma perspectiva ecológica (Bronfenbrenner, 1996), o

desenvolvimento é considerado como um envolvimento dinâmico de interações

entre o homem e o ambiente. A ecologia do desenvolvimento humano envolve a

acomodação progressiva entre um ser humano ativo, em desenvolvimento, e as

propriedades mutantes dos ambientes imediatos em que a pessoa em

desenvolvimento vive, conforme esse processo seja afetado pelas relações entre

esses ambientes e pelos contextos mais amplos em que os ambientes estão

inseridos.

Segundo Brandão (1995), a vida está sempre ligada à educação, não

havendo uma forma única, nem um modelo de educação; a escola não é o único

lugar onde ela acontece e, talvez, nem seja o melhor. A educação existe difusa,

em todos os mundos sociais, entre as incontáveis práticas dos mistérios do

aprender; primeiro, sem classes de alunos, sem livros e sem professores

especializados; mais adiante com escolas, salas, professores e métodos

pedagógicos.

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Ao se voltar no tempo, observa-se que o homem primitivo tinha a

impulsão imediata pela descoberta de formas primárias de sobrevivência. A vida

de cada um era a matéria-prima do fazer-se aprendiz. Desta forma, mudar o

ambiente era apenas superar o momento/desafio, o que se dava pela busca de

uma certa forma de transmissão das experiências vividas numa tentativa

embrionária de socializar o conhecimento.

O mais experiente era quem ensinava. A educação, portanto, era,

sobretudo, a prática do cotidiano. Nos seus primórdios, era livre enquanto não

vinculada a um certo domínio espacial. Os indivíduos buscavam transformar a

natureza adversa em parceira para sua sobrevivência. Assim, ela era parte do

próprio trabalho de complementação da natureza, sem qualquer preocupação de

categorização dos educandos (Carneiro, 1988).

Como no período antigo não havia espaço específico para aprender, a

educação era acompanhada pela imitação e assim, hoje, esta educação informal

ainda está presente nos contatos familiares e sociais, possibilitando, no decorrer

dos anos, a transmissão cultural, de geração a geração.

Trilla (1993) argumenta que a educação é uma realidade complexa,

heterogênea e versátil. A multiplicidade de processos, fenômenos, agentes ou

instituições que se tem considerado como “educativo” apresenta tanta

diversidade, que pouco se pode dizer da educação “em geral”. Quando se fala em

educação, faz-se necessário uma distinção, estabelecer classes, diferenciá-las,

ordená-las, e até parcelar o seu universo.

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Esse mesmo autor salienta que a tarefa de discriminar os vários

campos da educação, a pedagogia vem realizando desde antigamente.

Freqüentemente se adicionam adjetivos à palavra educação; às vezes,

distinguem-se tipos de educação, segundo alguma especificidade do sujeito

que se educa; outras vezes referem-se ao aspecto ou dimensão da

personalidade a quem se dirige a ação educadora, ou ao tipo de efeitos que

produz. A educação também se distingue pelo seu conteúdo; em outras

ocasiões, os termos remetem às ideologias, tendências políticas, religiões;

um outro importante grupo de adjetivos denota fundamentalmente aspectos

procedimentais ou metodologias educativas e, finalmente - ainda sem

esgotar as classes possíveis de adjetivos - , há que se levar em

consideração o critério que faz referência àquele que educa, ao agente, à

situação ou instituição que produz - ou na que se produz - o sucesso

educativo em questão. Quando se distingue a educação informal, formal e não-formal, em

princípio, a distinção está fazendo referência àquele que educa, ao agente,

à situação ou instituição, onde se situa o processo educativo. Esta

classificação não se completa, como todas as possibilidades do universo

educativo; é somente uma tentativa de marcar fronteiras, que vêm gerar

outras discussões. Esta distribuição dos setores formal, não-formal e

informal encobre a relação e a hierarquia lógica entre elas. Touriñán (1983)

esclarece que ao ler as definições comumente aceitas de educação formal,

não-formal e informal, dá-se conta de que a formal e a não-formal têm entre

si um atributo comum que não comparte com a educação informal: o da

organização e sistematização e, por conseguinte, deve-se reconhecer que

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há uma relação lógica distinta entre os três tipos. São duas espécies, das

quais, uma está representada, a sua vez, por duas subespécies.

As diferenças da educação informal e as outras duas, formal e

não-formal, são mais substanciais que as existentes entre estas últimas. Os

dois critérios em que mais se tem insistido referem-se à intencionalidade do

agente e ao caráter metódico ou sistemático do processo. Porém,

questiona-se sobre a não-intencionalidade da educação informal e a não-

presença do método e do sistema em muitos processos educativos,

geralmente nela incluídos. Para este autor, a distinção entre educação

formal e não-formal, por um lado e a educação informal, por outro, está no

critério de diferenciação e de especificidade da função ou do processo

educativo. O que ocorre é que não há maneira de separar quando está

havendo um e quando está havendo outro (Trilla, 1993).

A distinção entre a educação formal e a informal, para Fermoso (1994),

consiste nos estímulos com que se atua sobre os seres humanos para ajudá-los a

se desenvolverem melhor. A educação informal é produto, de modo principal,

ainda que não exclusivo, da família e dos meios de comunicação de massas,

verdadeiros agentes socializadores.

Segundo Afonso (1992, p.86):

"educação informal abrange todas as possibilidades

educativas, no decurso da vida do indivíduo, construindo um processo

permanente e não organizado".

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No entanto, a mais influente adaptação da educação ocorre a partir do

surgimento da escola formal, que no início era prerrogativa dos ricos e burgueses

e que, aos poucos, estendeu-se a todas as camadas sociais.

Os pais, que antes eram os responsáveis pela maior parte das

informações de seus filhos, vão relegando as responsabilidades para a escola.

Com a Revolução Industrial, então, a indústria exige uma mão-de-obra

especializada e as profissões, por tradição, ensinadas de pai para filho, se tornam

ineficientes e ultrapassadas (Silva, 1999).

A situação se agrava ainda mais, depois das duas Grandes Guerras

com a mudança da indústria para a informática. A criança que, antes, passava a

maior parte do tempo com os pais, agora passa com a TV, com o computador ou

com os jogos de videogames, gerando mudança em seus conceitos de vida e de

prioridades.

Segundo Carneiro (1988), a educação formal surge no momento em que

começam a aparecer expressões sociais de supervisão do ato ensinar/aprender.

Parece estar aqui a gênese da aprendizagem formalizada. Introduzem-se formas

artificiais de condução do exercício da prática de aprender, engendram-se

métodos embutidos em regras, delimita-se o tempo, produz-se o especialista em

ensinar. O resultado de tudo isso, pode ser chamado de escola. A educação

escolar é concebida como forma de preservar os interesses da sociedade que a

mantém e seus programas são avanços repetitivos e evasivos, que traduzem o

nítido interesse de ignorar a pluralidade cultural. Porém, este mesmo autor

acrescenta que, ao longo da evolução da sociedade, surgem conotações também

significativas, como a dupla dimensão social e política da educação: a dimensão

social que diz respeito à inclusão dos aspectos interpessoais e a dimensão

política, que se respalda no compromisso comunitário da gestação de uma cultura

democrática.

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Para Fermoso (1994), a expressão educação formal significa a ação

educativa, que requer tempo e aprendizagem, regulada no sistema geral educativo

pelas normas decorrentes da administração competente, conduzida pela

instituição social chamada escola, dirigida à obtenção de títulos e concedida para

conseguir objetivos e intencionalidades previamente fixados pela autoridade

competente, ou seja, “é o processo de aquisição e o conjunto de competências,

destrezas e atitudes educativas adquiridas com estímulos diretamente educativos

em atividades conformadas pelo sistema escolar” (p.110).

Já, segundo Afonso (1992), por educação formal, entende-se o tipo de

educação organizada com uma determinada seqüência e proporcionada pelas

escolas.

Enquanto, a educação era apenas informal, em casa, de pais para

filhos, havia garantia de que todos tivessem as mesmas oportunidades. A escola é

que vem trazer um saber elitizado, que acaba excluindo aqueles já marginalizados

pela sociedade.

A educação aparece nas sociedades humanas com a função social de

evitar a contradição existente entre os interesses pessoais e os sociais. Uma das

tarefas da educação, nas sociedades, tem sido a de mostrar que os interesses

individuais só se podem realizar plenamente por meio dos interesses sociais, ou

seja, a educação, ao socializar o indivíduo, mostra que, sozinho, o ser humano

não sobrevive. A escola desenvolve a educação formal porque surge a exigência

da formação de um grupo instituído especialmente para exercer determinadas

funções. A escola não existiu sempre, como também, a sua natureza e

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importância variaram no tempo, dependendo das necessidades sócioeconômicas

das sociedades onde esteve inserida (Santiago,1998).

Hoje, apesar da criança ser tratada e vista como criança de fato, pela

própria declaração de seus direitos, que lhe garante o desenvolvimento integral,

não há dúvida de que, a cada milênio, a cada século e, no século passado, a cada

década, as mudanças no aprendizado formal foram grandes. É evidente que a

sociedade está em um processo de adaptação e necessita se redimensionar,

aproveitando e rejeitando valores, para a preservação da justiça e da qualidade de

vida.

Quando se fala em educação, seria muito simplista reduzi-la à educação

escolar, pois se observa somente uma parte da realidade. A escola não é a

reserva natural da formalidade e do rigor pedagógico. As outras educações,

chamadas de educações não-formais ou informais, podem ser tão formais, ou

mais, que a mesma escola. Como dizem Petrus et al (2000), a educação é global,

é social e se dá ao longo de toda a vida. O objetivo da educação é capacitar para

viver em sociedade e comunicar-se, porém, é preciso admitir que, em algumas

ocasiões, a escola adota uma certa atitude de reserva frente aos conflitos e

problemas sociais dos alunos.

Com o desenvolvimento do capitalismo e da invenção da máquina, há

uma transformação na estrutura social, por meio do aparecimento de novas

classes sociais, as quais passam a reivindicar seus direitos. Sendo assim, a

escola redimensiona o seu papel, que passa a dar mais ênfase aos conteúdos

técnicos e científicos, bem como as antigas disciplinas clássicas e literárias

(Aranha, 1996).

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Entretanto, no Século XX, há uma grande mudança: a revolução

tecnológica que atinge a todos, inclusive a educação formal. Deve preparar o

aluno para compreender as transformações geradas pela técnica, bem como atuar

sobre ela. No entanto, a escola ainda não consegue acompanhar a sociedade,

pois utiliza os mesmos atrativos de tempos passados, enquanto a sociedade corre

a passos largos, distanciando-se, assim, cada vez mais do mundo real. Na prática,

o que se vê, é que muitos ingressam na vida escolar, todavia, são poucos os que

a concluem. É o chamado "efeito funil", a cada nível escolar, o número de alunos é

menor. Sendo assim, ou ela muda como a sociedade tem mudado, ou está fadada

à falência (Silva, 1999).

Durkheim (1978), como estudioso do problema social e educativo do

capitalismo, percebeu que a convivência com gerações adultas, já socializadas e

integradas à sociedade, exerce uma ação sobre as gerações mais jovens,

procurando não apenas desenvolver o potencial da criança, mas, sobretudo,

torná-la social por meio da inculcação dos valores sociais estabelecidos na

sociedade. Também analisou a dinâmica da sociedade capitalista, observando

que o Estado poderia aparecer como órgão vital, conferindo a este a coordenação

da sociedade. E, na prática, a vinculação entre Estado e educação se dá por meio

da escola, pois é por meio desta instituição que o Estado consegue exercer

controle efetivo sobre os indivíduos. A tarefa da educação não é a transformação

da sociedade capitalista, mas sua reprodução.

O processo de escolarização é diferente para cada uma das classes

sociais. Para as elites, a escola é o prolongamento da vida cotidiana; para a

classe trabalhadora dá-se o contrário: ao ingressar na escola, a criança pobre se

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depara com uma linguagem que não é a sua. A criança pobre se encontra diante

da maneira de falar ou agir do professor, diante de livros e conteúdos de ensino

que não correspondem à sua vida cotidiana de trabalho, pobreza e sofrimento.

Assim, para estas crianças, a escola não significa o prolongamento de sua vida,

mas o rompimento; é outra realidade, um mundo difícil de ser codificado.

(Carneiro, 1988).

Para Gomes (1999), entre os alunos e na formação de professores, há

uma displicência quanto aos problemas sociais que afligem o meio em que vivem,

desconsiderando-se questões sobre os direitos e responsabilidades do cidadão.

Também acrescenta que, com a superlotação das salas de aula, há um certo

descaso com o relacionamento individual do professor e aluno, agravando, ainda

mais, a deficiência no campo da afetividade na estrutura educacional.

A educação nas sociedades latino-americanas, segundo Freire (1994),

ainda ocorre em um processo vertical. O professor ainda é um ser superior que

ensina a ignorantes. O educando recebe, passivamente, os conhecimentos,

tornando-se um depósito do educador. Educa-se para arquivar o que se deposita.

Mas o curioso é que o arquivado é o próprio homem, que perde, assim, seu poder

de criar, se faz menos homem, é uma peça. O destino do homem deve ser criar e

transformar o mundo, sendo o sujeito de sua ação.

Na tentativa de mudança desta realidade nasce a educação popular,

pois como esclarece Santiago (1998), o perfil histórico da América Latina leva a

buscar as características culturais, que determinaram as formas de

comportamento e suas reais manifestações e acrescenta que a própria realidade

histórica permite perceber que existem duas vertentes culturais dialeticamente

dispostas: a cultura letrada, marcadamente elitista, com literatura elaborada numa

linguagem elevada, simbólica, especializada, interpretando a produção européia e

dela assimilando o modo de pensar do velho continente; e a cultura popular,

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eminentemente do povo, que expressa, espontaneamente, o seu cotidiano, a sua

luta para superar sua inferioridade econômica, política e social, sem os artifícios

das elites poderosas.

A realidade cultural latino-americana, longe de ser uma só, apresenta

múltiplas expressões e impõe que se indague a respeito de suas raízes históricas.

Esse encontro produziu uma situação de domínio e, ao mesmo tempo, fez

perdurar dentro dela formas culturais e sociais ambivalentes: espanhola e lusitana,

indígena, crioula e mestiça, litorânea e interiorana. Sucessivas relações com a

França e a Inglaterra, a independência das colônias sob o regime espanhol, a

formação de sociedades nacionais e, posteriormente, as relações dependentes

com os Estados Unidos contribuíram para formar a contextura de nossa cultura.

Uma cultura dispersa, além disso, acentuada pela justaposição social, pelo

dualismo de valores e pela dependência de ontem e de hoje. Tudo isso

desagregou o ser latino-americano e encaminhou sua essência por vertentes

diferentes. Por isso, o desafio da América Latina impõe uma dupla condição:

integração e libertação (Caldera, apud Santiago, 1998).

A libertação, no campo da educação, tão bem protagonizada por Freire

(1987), focaliza uma pedagogia em que o esforço totalizador da práxis humana

busca, na sua interioridade, retotalizar-se como “prática da liberdade”. Posiciona o

educando em condições de poder reexistenciar, criticamente, as palavras de seu

mundo para, na oportunidade devida, saber e poder dizer a sua palavra.

Para Fiori (1987), a pedagogia de Paulo Freire é, fundamentalmente, um

método de cultura popular: conscientiza e politiza. Não absorve o político no

pedagógico, mas também não põe inimizade entre educação e política. Não tem a

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ingenuidade de supor que a educação, só ela, decidirá os rumos da história, mas

tem, contudo, a coragem suficiente para afirmar que a educação verdadeira

conscientiza as contradições do mundo humano, sejam estruturais,

superestruturais ou interestruturais, contradições que impelem o homem a ir

adiante.

É um pensador comprometido com a vida, com a preocupação de

mudança da sociedade, através da conscientização, como um papel da educação.

Segundo Gadotti e Torres (1994), Freire combate a concepção ingênua

da pedagogia que se crê motor ou alavanca da transformação social e política,

como também combate, igualmente, a concepção oposta, de que a educação

reproduz, mecanicamente, a sociedade. Quando analisa as possibilidades e

limitações da educação, nasce um pensamento pedagógico que leva o educador e

todo o profissional a se engajar social e politicamente, a perceber as

possibilidades da ação social e cultural na luta pela transformação das estruturas

opressivas da sociedade classista. Enfim, sua obra é um subsídio valioso para a

compreensão da realidade educacional latino-americana, dentro de uma

“sociedade fechada”, a compreensão do papel do trabalhador social, do

profissional engajado, compromissado com um projeto de uma sociedade

diferente, isto é, uma “sociedade aberta”.

Reconhecendo a idéia de que o aluno pode entender, criticamente, o

seu cotidiano quando o relaciona com a política é que a pedagogia libertadora

aparece inicialmente fora da escola: grupos de estudo dos sindicatos, associações

de bairro, Comunidades Eclesiais de Base, etc. Evidentemente, nesse contexto, a

pedagogia libertadora aparece como a pedagogia dos oprimidos, trabalhadores

que foram excluídos prematuramente da escola (Santiago, 1998).

Essa pedagogia não parte dos conteúdos já elaborados, mas aquilo que

deve ser ensinado vai nascendo no decorrer das aulas, a partir da

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problematização da vida dos trabalhadores, ou seja, os conteúdos emergem a

partir dos temas geradores extraídos pelo professor da vida dos trabalhadores.

(Meksenas, 1992). Essa metodologia de educação, também chamada de

Educação Popular, é entendida como produzida pelas classes populares ou

mesmo produzida para elas ou com elas, em função de seus interesses de classe.

É um processo que permite às classes subalternas elaborar e divulgar uma

concepção de mundo organicamente vinculada a seus interesses, ou seja, uma

construção social da realidade educativa. De certo modo, a Educação Popular

emergiu da prática e das manifestações de cristãos comprometidos com

intervenções sociais liberadoras em vários países da América Latina e Caribe.

Amatuzzi (1989), ao descrever a experiência de Paulo Freire, argumenta

que a educação popular não se define apenas pelos sujeitos nela envolvidos, mas

pelo modo como é feita, podendo designar um tipo de presença que ajuda a

emergir a palavra original, seja lá onde for, como resposta do homem em face ao

mundo.

Freire (1996) ainda presenteia a todos, com o que ele denomina

pedagogia da autonomia, num momento de aviamento e de desvalorização do

trabalho do educador em todos os níveis, apresentando elementos constitutivos da

compreensão da prática educativa enquanto dimensão social da formação

humana e adverte para a necessidade de se assumir uma postura vigilante contra

todas as práticas de desumanização.

No Brasil, a educação popular, que ainda sofre muitas resistências

políticas, está tendo ressonância na educação não-formal, a qual, pela sua

abertura à transformação social comunga de suas idéias e pensamentos. No

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entanto, o pensamento de Paulo Freire, segundo Arroyo (2001), tem dificuldade de

ser incorporado na formação de professores, nas pesquisas e nas teorias

pedagógicas.

Não se pode deixar de citar, também, a educação comunitária, que com

uma posição pedagógica libertadora, desenvolve seu trabalho por meio da

educação não-formal.

A Educação Comunitária é definida por Carneiro (1988) como a

pedagogia do cotidiano e aponta que o grande problema da educação atual é

voltar a ser uma educação comunitária. Em seus estudos, como educador

comprometido com a educação do povo, busca recuperar, a partir da investigação

do cotidiano concreto e imediato, a pedagogia que liberta os homens, na sua

plenitude.

Segundo esse mesmo autor, diferentemente do domínio que se desloca

da sociedade para governar sobre ela, o poder do saber coletivo nasce no interior

das lutas cotidianas, vinculadas ao patrimônio cultural do povo, recoloca o poder

nas mãos daqueles de quem nunca deveria ter saído e o localiza no espaço onde

as pessoas trabalham e “porque trabalham (...) possuem um certo tipo de saber

que se nutre da informalidade do seu labor”. Este espaço, chamado de

comunidade, a cultura é a forma como as pessoas aprendem a fazer as coisas,

constroem o seu convívio e tecem as suas expressões e a educação se faz na

interpretação da realidade e na tessitura dos seus processos.

“A educação é um processo que se caracteriza por uma

atividade mediadora no seio da prática social. Tem-se, pois, como

premissa básica que a educação está sempre referida a uma sociedade

concreta, historicamente situada” (Saviani,1980).

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Pensa-se, portanto, em um desenvolvimento que educa e em uma

educação que desenvolve. Nesta direção, o ensino deixa de ser monopólio da

escola e o próprio desenvolvimento se torna a grande via da educação como

prática social. A função social da educação reside no fato de que ela, ao lado de

outras variáveis, pode contribuir, positivamente, para a redução das várias formas

de pobreza e limitação material e para a ampliação do processo participativo

(Carneiro, 1988).

Segundo Trilla (1993), a educação formal e a não-formal contam com

objetivos explícitos de aprendizagem ou formação e apresentam-se sempre como

processos educativos diferenciados e específicos. Normalmente, são distinguidas

pelo critério metodológico ou pelo critério estrutural. No critério metodológico, é

bastante usual caracterizar a educação não-formal, como aquela que se realiza

fora do marco institucional da escola ou a que se aparta dos procedimentos

convencionalmente escolares. A educação não-formal seria aquela que tem lugar

mediante procedimentos ou instâncias que rompem com alguma, ou algumas

determinações, que caracterizam a escola. No critério estrutural, a educação

formal e a não-formal se distinguiriam, não exatamente por seu caráter escolar ou

não-escolar, senão por sua inclusão ou exclusão do sistema educativo regular.

Assim, a distinção entre o formal e o não-formal é bastante clara, é uma distinção

administrativa e legal. O formal é o que assim definem, em cada país e em cada

momento, as leis e outras disposições administrativas; a não formal, por sua parte,

é a que fica à margem do organograma do sistema educativo graduado e

hierarquizado resultante. Portanto, os conceitos de educação formal e não-formal

apresentam uma clara relatividade histórica e política: o que antes era não formal

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pode logo passar a ser formal, do mesmo modo que algo pode ser formal em um

país e não- formal em outro.

Esse mesmo autor prefere utilizar o critério estrutural e esclarece que

o fato de se deixar o critério metodológico não significa que se esteja negando a

possibilidade de tratar sobre os métodos na educação não-formal. Só significa

entender que a educação não-formal não é, em sentido estrito, um método ou uma

metodologia. Para ele, a educação não-formal é:

“o conjunto de processos, meios e instituições específicas e

diferenciadamente desenhadas em função de explícitos objetivos de

formação ou de instrução, que não estão diretamente dirigidos à

provisão dos graus próprios do sistema educativo regular” (p. 57).

O mesmo não ocorre com o setor educativo não-formal: seu

limite legal e burocrático é escasso, as inércias são mais reduzidas e,

portanto, maior é também sua capacidade de adaptação à mudança. A

educação não-formal costuma ser mais hábil, flexível, versátil e dinâmica

que a formal. Nasce como uma contribuição ao atendimento daqueles que

se encontram excluídos de qualquer proteção necessária para seu

desenvolvimento. Não é uma solução, mas uma complementação às

demais formas de educação (Trilla, 1993).

A educação não-formal visa contribuir para a formação integral do

indivíduo, envolvendo o crescimento pessoal, a consciência da cidadania e a

possibilidade de sua inserção na sociedade.

Para Chinelli (1993, p. 70), educação não-formal ou não-escolar:

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"trata-se de um projeto pedagógico que pretende ser mais

amplo... o projeto tem um objetivo ainda mais ambicioso: o de contribuir

para a formação de uma nova consciência na comunidade...".

Enfim, esta educação consiste em um modo de educar voltado aos

interesses e necessidades dos educandos num ambiente adaptado ao aluno, à

sua cultura e ao seu meio social.

Sendo assim, um tipo de educação que não era muito privilegiada

começa a despontar como alternativa de transformação e de atuação para uma

parte da sociedade, discriminada e excluída das decisões do poder, da política e

da economia.

O ambiente não-formal e as mensagens veiculadas possibilitam

curiosidade de aprender determinados conteúdos. O ambiente social que é criado

também é outra atração, merecendo destaque a relação educação e educando,

que favorece maior espontaneidade, expressão de sentimentos e emoções.

Para Fermoso (1994), a educação não-formal, tem se definido como:

educação extra-escolar, educação não-regrada, educação em contraposição à

formal, que é a escolar. E educação aberta ou sem paredes.

Recentemente R. Diez Hochleiner (apud Fermoso, 1994), autoridade

espanhola em planejamento educativo, atento ao desenvolvimento e ao futuro

define a educação não formal como:

“... todo processo de aprendizagem que acontece ao largo da

vida para o acesso efetivo a conhecimentos e destrezas, básicos e

avançados, esteja ou não institucionalizado ou se obtenha ou não

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certificados e créditos ao final do mesmo, mas que permita assumir

eficazmente responsabilidades concretas na vida ativa” (p.89).

De acordo com Gohn (1997), outro aspecto importante da educação

não-formal é que possui um conceito de educação "bastante amplo” e associado

ao aspecto cultural, que leva a entender a "educação" como um processo que se

constrói durante toda a vida e não como algo estático, como é apresentado na

maioria das instituições oficiais. Acrescenta que a cultura é concebida como

modos, formas e processos de atuação dos homens na história e apesar de estar

constantemente se modificando é continuamente influenciada por valores que se

sedimentam em tradições e são transmitidos de geração a geração.

É necessário considerar que a educação não-formal (ou não - escolar)

tem vários objetivos no ato de educar, podendo informar, provocar emoções, fazer

os educandos sonharem ou levá-los a criar algo novo em qualquer campo das

ciências, das artes ou do domínio do corpo ou da política (Sinson, O. R. M., et al.

(2001).

Trilla (1993) complementa, que em relação aos educandos, a educação

não-formal não está exclusivamente dirigida a determinados setores da

população, em função da idade, sexo, classe social, etc. Supõe, de certo modo, a

intenção de estender a ação pedagógica para a população, que se encontra

menos atendida pelo sistema escolar convencional. A idade é menos homogênea

e a inserção nestes programas é na maioria das vezes, voluntária, o que

pressupõe uma motivação intrínseca nos educandos1.

Como explica Brofenbrenner (1996, p.54):

“... para demonstrar que está ocorrendo desenvolvimento

humano, é necessário estabelecer que uma mudança produzida nas

1 Outras características desta educação são apontadas por este autor em Fermoso, P. (1994)

Pedagogía Social: fundamentación científica, Barcelona: Herder, p. 114.

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concepções e/ou atividades da pessoa se estende também a outros

ambientes e a outros momentos”.

A educação não-formal reconhece a pessoa como um ser que pensa,

age, sente e que traz consigo uma cultura que precisa ser respeitada para que ele

possa crescer e se desenvolver, pois a cultura faz parte da identidade do ser

humano e os valores são imprescindíveis em sua formação. Esta educação

acontece pelas iniciativas de movimentos populares, associações democráticas,

organizações, que visam à mudança social, dentre outras. Tem um caráter

transformador, pois possibilita que os atendidos sejam conscientizados do seu

valor e da importância de serem cidadãos conscientes ao atuarem em sua

realidade, viabilizando o resgate de sua própria dignidade e a de outros.

Além do bem-estar que as atividades da educação não-formal

proporcionam aos seus educandos, têm como objetivo chegar a toda a família,

além de contribuir para a formação do indivíduo e oferecer condições de se inserir

no mercado de trabalho. A educação não-formal forma o indivíduo para a vida,

retirando-os das ruas, das drogas, dos furtos e roubos, da prostituição e do próprio

ócio e, ainda, resgata a auto-estima, munindo-o de condições para desenvolver

sentimentos de auto-valorização.

Os indivíduos que fazem parte deste processo conseguem ter uma

educação mais significativa, pois, está voltada para o conhecimento da sua própria

prática, levando o educando a ler o seu cotidiano de maneira crítica e

possibilitando um observar diferente quanto ao mundo que o cerca (Silva, 1999).

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O conceito de educação não-formal tem crescido e evoluído de forma

bastante notável. A etiqueta “educação não-formal” aparece já nos planos de

estudo dirigidos à formação de distintos profissionais da educação, e com ela se

identificam numerosas realizações que não param de estender e diversificar o de

por si heterogêneo setor não-formal.

O setor educativo não-formal é disperso e heterogêneo, mas

enorme quanto à sua realidade atual e potencialidade futura. Entretanto, até

não muito tempo, tinha-se polarizado a pedagogia sobre a instituição

escolar. Como se qualquer possibilidade de intervenção sistêmica de

caráter educativo tivesse que se materializar em e por meio da escola, a

pedagogia marginalizou outras formas de intervenção possíveis e reais.

(Possíveis e reais, visto que, efetivamente, tais formas já existiam e

exerciam uma considerável influência). E não era só a pedagogia, que

marginalizava a educação não-formal, havia também as instâncias que

teoricamente deviam questionar a educação (ministérios, etc.). Atualmente

não é possível uma política educativa que não leve em consideração a série

de realizações não-formais que, em muitos casos, não tem nascido para

outra coisa senão precisamente para completar, reforçar, continuar ou, em

seu caso, suprir certos cometidos escolares (Trilla, 1993).

Segundo Fermoso (1994), se o passado e o presente já estão

carregados de realidades, o futuro se apresenta promissor, porque a cada

dia está enraizada a convicção de que a escola e o sistema geral educativo

Page 20: Educacao como processo_de_desenvolvimento

de um país não são suficientes para dar respostas a todos os desafios e as

demandas previstas. A escola pode, no máximo, responsabilizar-se pela

formação inicial dos trabalhadores e dos profissionais, mas se sente

impotente ante a formação permanente e ante as variadas formas de

ocupar o ócio e o tempo livre, que, em princípio, deverão ser cada dia

maiores. Poucos são, se é que resta algum, os que suspiram por uma

supressão da escola, mas são legiões os que buscam complementá-la.

O processo que ocorre na educação não-formal, normalmente vem

embasado no que se chama “Educação Social”, que por referência é

conteúdo e objeto da pedagogia social. Para um entendimento melhor desta

educação, faz-se necessário retomar o histórico da pedagogia social.

Segundo Fermoso (1994), este termo é de origem alemã, citada em maio de

1844, na Pädagogische Revue, por Karl F. Mager. Na Alemanha era

freqüente referir-se a esta ciência com a expressão “Jugendhilfe” (ajuda à

juventude), com três sentidos diferentes: ajuda educativa, profissional e

cultural à juventude.

Femorso (1994) descreve, como se pode observar a seguir, o

histórico da pedagogia social, até chegar ao seu desenvolvimento na

Espanha, sendo, hoje, o país que mais tem apresentado propostas e

estudos sobre esta área de conhecimento.

Na Alemanha, a pedagogia social ocupa um lugar privilegiado,

pois lá, desenvolveu-se grande parte do plano teórico, ainda que seja justo

reconhecer a influência do modelo anglo-saxão na realização do trabalho

social, ou seja, na práxis da educação social. Na França, o enfoque maior

centralizou-se na animação sócio-cultural e na Itália, nos meios de

comunicação.

Page 21: Educacao como processo_de_desenvolvimento

Os precedentes remotos da pedagogia social alemã estão no

cristianismo, em Pestalozzi, a quem se tem apelidado “padre espiritual da

pedagogia social”, e em Froebel.

As bruscas mudanças, produzidas pela industrialização em torno da

metade do Século XIX, propiciaram o nascimento de uma nova ciência social

aplicada: a pedagogia social. A situação sócio-econômica e sócio-política, em que

se encontrava a Alemanha, por volta de 1850, foi o determinante último da

aparição de uma nova maneira de solucionar as necessidades sociais e de

encomendar aos pedagogos a lenta elaboração de um corpus doutrinal

fundamental e justificativo. Mas sem uma mudança de mentalidade não se

concebeu o início desta nova ciência social. A mudança de mentalidade,

favorecida por vários canais, supunha substituir o velho conceito de caridade pelo

de justiça.

O pedagogo a quem resta atribuir a paternidade da expressão

“pedagogia social” é Adolf Diesterweg. Entretanto há quem distingue entre o

“conceito” e a denominação; esta se atribui a Karl Friedrich Magers (1844); foi, em

troca, Adolf Diesterweg o primeiro a precisar seu conceito, na obra e ano já

indicados: 1849-1850.

Nos crepúsculos do Século XVIII e na primeira metade do Século

XIX, quando estava presente como modelo o liberalismo capitalista, o

individualismo foi expressamente exagerado, com detrimento da vertente

social da vida humana. Pela metade do Século XIX, entretanto, foram

detectadas reações importantes como: Manifesto Comunista (1848);

socialismo utópico; fundação de partidos socialistas e social-democráticos;

início da pedagogia social; sociologia científica de A. Comte; criação de

Page 22: Educacao como processo_de_desenvolvimento

sindicatos, etc. Este contexto cultural era apropriado para que, na segunda

metade do Século XIX, se iniciasse o movimento da Escola Nova e da

Pedagogia Socialista, que propiciaram a eclosão dos estudos acerca da

educação social.

Paul Natorp (1854-1920) foi o pedagogo social mais genuíno do

que poderia ser qualificado de “pedagogia social da restauração da unidade

nacional alemã”. Publicou, no ano de 1989, sua célebre obra de pedagogia

social. Argumentava que a pedagogia de quem o precedeu foi, em quase

sua totalidade, uma pedagogia individual, frente a qual propunha uma

pedagogia social, que segundo ele, era a única possível, pela natureza do

homem. Considerava que a origem das tensões sócio-políticas era o

individualismo, que levou o povo alemão à perda de sua grandeza.

Sua pedagogia tinha dois conceitos-chaves: o conceito de comunidade,

no qual toda a atividade educativa se realiza sobre a base da comunidade e o

conceito de que o homem chega a ser homem só através da comunidade humana.

Em Natorp, a comunidade foi um ideal e um objetivo a conseguir, porque só existe

quando “cada um é para todos e todos para cada um”. É uma unidade orgânica e

vital, que emana da mesma vida, presidida pela harmonia e a concórdia: os

membros da comunidade têm consciência de sua semelhança e se sentem

responsáveis ante os demais. O outro conceito diz respeito à vontade. Partindo do

conceito de que a linguagem humana é o vínculo para transmitir o rico tesouro do

conhecimento primitivo ao povo e à humanidade e o meio para relacionar-se com

os outros conclui que toda consciência própria se desenvolve só em oposição e,

ao mesmo tempo, em relação positiva com outra consciência.

A pedagogia anterior a Natorp foi, em quase todas as suas

manifestações, individualista; Natorp mudou de referência e vinculou a educação à

Page 23: Educacao como processo_de_desenvolvimento

comunidade. Dizia que toda a educação se efetua, de fato, na comunidade,

dentro de três grandes círculos: família, escola e sociedade. E o conteúdo da

formação é um bem comum a todos os indivíduos, ainda que cada um a realize

mediante sua própria consciência. E acrescenta que a comunidade só subsiste

pela educação, porque só a participação de todos os membros nos bens

espirituais da comunidade – educação, arte e ciência – pode manter sua unidade.

Entre todos os bens, a educação é a força mais importante, porque ajuda aos

homens a acercar-se do ideal da comunidade.

Natorp foi o primeiro alemão que tentou elaborar uma teoria sobre a

educação social, de tal maneira que a pedagogia foi concebida, desde o princípio,

como saber prático e como saber teórico. Possivelmente esta é a principal

diferença histórica entre a Alemanha, o âmbito anglo-saxão e a Europa meridional.

Outra questão fundamental deste pedagogo é a localização da pedagogia social

no campo das ciências pedagógicas. A maior parte dos pedagogos alemães que o

precederam foram partidários de uma pedagogia individualista, com as exceções

já indicadas de Pestalozzi, Fröbel, Diesterweg, etc. Para Natorp, a pedagogia

social não é uma parcela ou ramo da pedagogia, e não se pensa em outra

pedagogia que não seja a pedagogia social.

A experiência da Primeira Guerra Mundial modificou o pensamento

de Natorp, tal e como se refletiu em uma de suas mais importantes obras. A

conseqüência foi que se acentuou ainda mais o caráter crítico social de sua

pedagogia e se voltou totalmente à formação da nova comunidade, sem

contradições classistas, motivo pelo qual aumentou seu prestígio e

popularidade.

Page 24: Educacao como processo_de_desenvolvimento

Após a Primeira Guerra Mundial, também houve o aumento das

carências e necessidades que motivaram a pedagogia social de Hermann Nohl

(1879-1960) - nascido em Berlim, dedicou-se à juventude em Jena, onde fundou

uma escola superior popular; mais tarde ocupou a cadeira de Filosofia / Pedagogia

em Gotinga, universidade em que professou até 1947 e na qual lutou pela criação

de uma Escola Superior de Pedagogia.

Já para K. Marx e F. Engels, a forma organizativa da educação no

Estado comunista não é outra senão a dada pela sociedade em suas

instituições, principalmente “instituições de educação social”, isto é, nos

centros escolares. A pedagogia social, na mente dos pedagogos marxistas,

é a antítese da pedagogia individual. A educação social se contrapõe à

“educação doméstica” (Fermoso, 1994).

No primeiro terço do Século XX, etapa em que se consolidou o status

científico da pedagogia social, a evolução histórica da educação social se

identificou com este novo saber pedagógico.

Os acontecimentos da Primeira Guerra Mundial induziram H. Nohl a

dedicar-se ainda com maior fervor para a solução de sérios problemas sociais.

Este pedagogo tem sido um dos principais teóricos nesta segunda etapa e,

possivelmente, o mais representativo em toda a evolução histórica desta ciência

na Alemanha. Para ele, a pedagogia social é a ciência da educação, que não se

realiza nem em família, nem na escola. Por esta razão, resta falar da pedagogia

social como da pedagogia do “terceiro espaço” – o primeiro é a família e o

segundo, a escola. Seu trabalho sócio-pedagógico dirigiu-se aos trabalhadores

carregados de necessidades sociais e, em segundo lugar, os jovens, não só

sujeitos de leis senão pessoas com direitos inalienáveis, que estão por cima da

Page 25: Educacao como processo_de_desenvolvimento

simples “proteção de menores”. Todo o jovem é um ser, com quem o educador

tem de estabelecer relação, para poder contribuir para a sua educação e se

chegar ao ser ideal.

Sua pedagogia social é uma autêntica “pedagogia da necessidade”, que

buscava revitalizar a Alemanha, tão cheia de necessitados: jovens, presos,

trabalhadores, mulheres, crianças e marginalizados de todos os tipos. Deu,

também, razão a Natorp em assinalar decisiva importância à educação social.

H. Nohl co-editor de um Handbuck der Pädagogik (Manual de

Pedagogia), em cinco volumes, dedicou o quinto e último à Pedagogia social.

Desde H. Nohl, a Pedagogia social é uma parte e um espaço ou campo da

pedagogia geral.

Segundo este mesmo autor, a denominação Pedagogia social

apresenta uma dificuldade, que emana da impressão e polêmica dos dois

vocábulos usados: pedagogia e social. No contexto alemão, pode-se

constatar que, na atualidade, a palavra “pedagoiga” se reserva estritamente

para referir-se à praxis educativa, já que se está impondo o uso da

expressão Erziehungswissenschaft (ciência da educação), quando se fala

com intencionalidade científica. E quando se quer aludir ao conjunto de

conhecimentos sobre educação, procedentes de níveis epistemológicos

diversos, refere-se à expressão global de Erziehungslebre (saber ou

doutrina sobre a educação). Na Espanha, tampouco existe unanimidade

para designar o saber científico sobre a educação; fala-se de “pedagogia”,

de “ciência de educação”, de “teoria da educação, etc. Mais polêmico ainda

é o adjetivo “social”, que acompanha o substantivo “pedagogia”. O

qualificativo “social” surgiu em meio de mistificações utópicas na segunda

metade do Século XIX e seu significado continua sendo plural na concepção

do Estado do bem-estar, tão utópico como as ilusões que o rodearam. Não

Page 26: Educacao como processo_de_desenvolvimento

se pode esquecer que a pedagogia social nasceu e está intimamente unida

com a ajuda prestada à juventude.

Há, também, quem reserve a expressão “pedagogia social” para

referir-se aos movimentos alemães em torno da década de 1920, nos quais

a ajuda à vida se produziu em meio a uma situação histórica determinada,

que vinculava esta ajuda aos desvalidos, necessitados e abandonados.

Dos aspectos atendidos pelos pedagogos alemães – inteligência e

caráter -, a pedagogia social tem de cuidar sobre tudo da formação do caráter,

pois ele sintetiza “a organização de uma vida sadia física e mentalmente para

cada indivíduo e para cada povo”.

Em um terceiro momento, na dominação de Hitler, a pedagogia social

se estancou e foi limitada por decisões fascistas destruidoras de iniciativas.

Ainda que anterior a 1949, mas posterior ao final da Segunda Guerra

Mundial, o período compreendido entre 1945 e 1949 regressou de novo ao espírito

da pedagogia da reforma e a denominada “pedagogia da cultura”, com nomes tão

gloriosos como E. Sprenger, Th. Litt, Kerschensteiner... O mesmo H. Nohl retomou

seu pensamento anterior ao nacionalismo e o aprimorou:

“Pouco nos resta de nosso passado e pouca luz se projeta até o futuro, as nossas crianças e jovens estão aí... Apesar de tudo, a pedagogia há de inventar novas formas de educação social... Temos de refazer todo nosso pensamento pedagógico e empregar todas nossas forças na juventude...”.

Depois da Segunda Guerra Mundial, o Estado do bem-estar social

esteve em destaque, para tentar curar ou suavizar as feridas abertas durante o

conflito, profissionalizando-se muitos dos especialistas participantes do trabalho

Page 27: Educacao como processo_de_desenvolvimento

social, entre os quais começaram a ser chamados de educadores/pedagogos

sociais.

Não existe um estudo monográfico sobre a evolução histórica da

pedagogia social em todo o Ocidente, à exceção da Alemanha.

As quatro áreas organizadas na França, no final da Segunda Guerra

Mundial, para a solução das necessidades sociais, foram: animação sociocultural,

inadaptação, educação de adultos e formação na empresa.

Na Itália, a pedagogia social, não é uma das especialidades mais

cultivadas, por outro lado, entende-se como a ciência da educação social,

produzida pelos meios de comunicação e extra-escolares; ou seja, é uma

concepção mais próxima à educação informal que a não-formal. Não obstante, é

difícil classificar a maioria dos pedagogos italianos, ocupados em educação social,

em um só modelo ou tendência.

Principais formas italianas de entender a pedagogia social:

• como a ciência pedagógica da inadaptação social;

• como a ciência pedagógica que luta por uma escola europeísta;

• como a ciência pedagógica que investiga e estuda a educação para

a paz, temas de seminários e jornadas;

• como a ciência pedagógica da educação cívica e política;

• como a ciência pedagógica sobre a ação educativa nos serviços

sociais, tal e como se reflete na especialidade existente na

Faculdade de Ciências da Educação, da Pontifícia Universidade

Salesiana de Roma;

• como a ciência pedagógica da marginalização social, sobre a qual a

mesma faculdade oferece outra especialidade;

• e como a ciência pedagógica dos meios de comunicação social.

Page 28: Educacao como processo_de_desenvolvimento

Deduz-se que a tendência em pedagogia social mais dominante na

Itália é a qualificada de società educante, mescla de pedagogia e sociologia,

empenhada em coordenar e integrar os três agentes fundamentais de

socialização: a família, a escola e o extra-escolar. Não explicita a educação para a

democracia, para a liberdade e para a igualdade, em consonância com uma

política educativa respeitosa com estes princípios.

Nos países anglo-saxões, a social education é bem diferente da

Sozialpädagogik alemã. Nos Estados Unidos, por exemplo, pede-se à educação

social e ao trabalho social que proporcionem às pessoas ajuda material, social e

cultural e que contribuam para a integração. Tanto nos Estados Unidos como no

Reino Unido, o trabalho social se concebe ligado à social education. No Reino

Unido tem-se fundamentado na política social do Estado do Bem-Estar. Os

objetivos perseguidos têm sido semelhantes aos dos outros países ocidentais:

análises e ação contra a pobreza, contra o alcoolismo, contra a criminalidade

juvenil, a saúde e a velhice.

Na verdade são escassas as referências à pedagogia social e se há

algumas, devem-se a professores ou a investigadores alemães. Dificilmente

podem-se estabelecer limites entre o social work e a social education.

Quanto à Espanha, antes de 1944 não se cursou esta formação na

Universidade espanhola, pois não foi incluída nos currículos das escolas de

magistério, nem no da Escola Superior do Magistério, nem na seção de

Pedagogia, criada em 1932, na Universidade de Madrid. Os vestígios, poucos e

escassamente significativos, se devem a dois pedagogos inquietos de sua época

e conhecedores da cultura alemã. São eles: Ramón Ruiz Amado e Lorenzo

Page 29: Educacao como processo_de_desenvolvimento

Luzuriaga. O primeiro, jesuíta, autodidata em Pedagogia, foi seduzido pela

pedagogia social, porque suas convicções cristãs o advertiram para a

transcendência que podia ter seu estudo. Foi autor da primeira obra espanhola

sobre educação social.

O segundo, Lorenzo Luzuriaga, representa a pedagogia liberal e os

movimentos políticos de esquerda, onde militou e ocupou cargos públicos

importantes em educação. Teve de se exilar na Argentina, onde, entre outros

mestres, fundou a editora Losada, na qual se publicaram obras clássicas

interessantes. Não visualizou a pedagogia social separada da política.

A história espanhola da pedagogia social começou academicamente em

1944, ano em que foi incluída no plano de estudos da seção de Pedagogia da

Universidade de Madrid 2.

Os âmbitos de aplicação têm sido os mais clássicos e repetidos em todo

o Ocidente. Vem-se aceitando que podem reduzir-se a quatro:

• animação sociocultural

• educação de adultos

• pedagogia laboral

• educação especializada (com todos os capítulos da

marginalização).

Quando se busca pela sistematização da educação social, nos

continentes em desenvolvimento, muito pouco se encontra, apesar de sua ampla

2 sobre datas relevantes da pedagogia social espanhola, ver Fermoso, P. (1994) Pedagogía Social:

fundamentación científica, Barcelona: Herder, p.67.

Page 30: Educacao como processo_de_desenvolvimento

presença, em iniciativas com as mais diversificadas finalidades. Fermoso (1994)

adverte que a educação social serve somente para um modelo concreto de

sociedade, porque nela se produz o processo de socialização e porque os

costumes e estilo de vida são peculiares a cada uma delas. A aprendizagem social

se efetua em um meio determinado e a sua meta é assimilar as regras típicas

daquela cultura. Este mesmo autor apresenta a seguinte definição:

“A educação social é o resultado ou produto do processo

de socialização, equivalente ou traduzível em um conjunto de

habilidades desenvolvidas pela aprendizagem, que capacitam o homem

para conviver com os demais e adaptar-se ao estilo de dominante na

sociedade e cultura a qual pertence, aceitando e cumprindo, ao menos,

suas (da sociedade e cultura) exigências mínimas” (p.134).

E propõe como características da educação social, os seguintes

aspectos:

• Conjunto de habilidades desenvolvidas pela aprendizagem graças à

eficiência e eficácia dos agentes socializadores.

• Convivência com os demais. Prepara para formar parte de grupos

primários e secundários, nos quais se socializa e coopera na

consecução dos objetivos comuns e nos quais respeita as pessoas e

seus direitos.

• Adaptação à sociedade e à cultura.

• Manutenção da identidade pessoal.

• Otimização da conduta social, porque esta é aceitável só se

realmente se tem acertado a responder às estimulações exteriores e

Page 31: Educacao como processo_de_desenvolvimento

se tem modificado o comportamento. A educação social que não

produz este efeito é deficiente e criticável.

Ao se utilizar o termo “educação social”, observa-se que, muitas vezes,

o profissional que trabalha com os dois elementos não tem consciência do que

realiza e da amplitude de seu objetivo.

Entende-se que todo o trabalho de ação social, desde seu idealizador

até o executor, implica em um processo de educação social. Ao se pesquisar a

utilização da terminologia “social”, observa-se uma notável predileção para o

desenvolvimento da sociabilidade daquele com quem se trabalha. Interessa-se,

sobremaneira, por tudo o que se refere às competências para um bom

relacionamento com os outros sujeitos e com a sociedade em que se vive.

Petrus, Romans & Trilla (2000) argumentam: para que as intervenções

sobre os indivíduos sejam eficazes devem estar sempre fortemente

contextualizadas, a partir das realidades concretas em que vivem. A educação

social trata de que os sujeitos experimentem alguma mudança, algum tipo de

desenvolvimento pessoal. Entretanto, para que isso ocorra, de verdade, também

há que se mudar o seu meio. Segundo os mesmos autores, as pessoas se

desenvolvem na medida e no tempo em que se desenvolve a comunidade da qual

fazem parte.

Quando se sai do mundo “assistencialista” e entra-se no mundo dos

“direitos”, a relação com o outro envolve ainda compromissos muito mais amplos e

de maiores responsabilidades. Por este motivo é que a competência desse

profissional está em discussão, pois é imprescindível que apresente interesses,

habilidades e características pessoais que garantam a eficácia de sua ação.

Page 32: Educacao como processo_de_desenvolvimento

Quando se trata de focalizar a Educação Social como um campo de

estudo, ela se posiciona como parte da pedagogia e esta, por sua vez, da ampla

família chamada de Ciências humanas e sociais (Petrus et al., 2000). Entretanto, a

educação social traz diversas implicações, que devem ser cuidadosamente

estudadas para se entender sua posição no contexto científico e popular.

Em cada uma de suas ramificações, tem sido uma família

acostumada não só a trabalhar em contextos pobres, mas também com pobres

recursos. Então, a precariedade de meios materiais acaba sendo suprida com

doses notáveis de esforço voluntário. Embora este seja o lado positivo, em alguns

casos, chega-se a fazer da necessidade, virtude. Por se trabalhar com os

socialmente desfavorecidos, haverá de se chegar, fatalmente, à necessidade de

se desenvolver com precariedade de meios.

Até há pouco tempo, também a Educação Social tinha compartilhado

uma certa situação de marginalidade dentro da classe da Pedagogia. Era comum

que quem trabalhasse com os marginalizados fosse, por sua vez, marginalizado

pela pedagogia oficial e acadêmica. Mas continuam sendo os “parentes” pobres

da pedagogia, pela sua forma “artesanal” de atuar e de produzir conhecimento.

Parte de seu discurso provém da elaboração experiencial do conhecimento, isto é,

de um conhecimento, surgido da própria prática dos agentes, generalizado por

ensaio e erro e propagado mediante a transmissão e intercâmbio direto das

experiências.

Entretanto esta área começa a lutar para se estabelecer por sua

conta e afiançar sua posição. Aqui, no Brasil, muito pouco se tem de material

sistematizado, frente ao que já é realizado na educação social. Quanto à formação

Page 33: Educacao como processo_de_desenvolvimento

profissional, encontram-se, muitas vezes, somente cursos de capacitação, que se

preocupam com a informação, talvez com a conscientização, mas dificilmente com

a formação pessoal do educador.

Hoje, busca-se conjugar o conhecimento experiencial ou artesanal

com o conhecimento acadêmico muito mais abstrato e que aspira um maior rigor

científico. As posturas educacionais devem estar cada vez mais se mesclando e

unindo forças para seus objetivos comuns.

As investigações, publicações, participações em congressos,

manifestações verbais de toda a índole e das lutas detectadas nos novos planos

de estudo permitem arriscar que os cultivadores da pedagogia social, também

estão encorajados pelas ideologias e pelas convicções pessoais, tanto políticas,

como filosóficas e/ou religiosas.

Nas jornadas e congressos ainda não se tem configurado um corpo

científico que possa aflorar abertamente tendências diferentes, que não sejam as

ideológicas e políticas; ou se tem limitado a repetir o recebido de países

estrangeiros ou se tem confessado imaturo ainda para localizar, nem sequer em

concepções metodológicas heurísticas. Durante os últimos anos tem-se notado

um crescente interesse pela definição: mas se distanciam muito dos

posicionamentos que outros países têm adquirido em uma história muito mais

ampla de seus serviços sociais e de suas investigações sócio-pedagógicas.

Embora se tenha que conceder um tempo para que se sedimentem os

conceitos e as metodologias, a preocupação com a formação e definição de quem

trabalha nesta área é de grande relevância. Este profissional necessita, com

Page 34: Educacao como processo_de_desenvolvimento

rapidez, de uma definição de suas funções e um direcionamento de suas ações,

como será descrito no próximo capítulo.