Educação abandonada: Sapiranga e o pior resultado do Ensino Médiono Vale do Sinos

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Educação abandonada: Sapiranga e o pior desempenho escolar no ensino médio Quase 30% dos estudantes reprovam no ensino médio dentro do município. O número é equivalente a três vezes a média nacional Por Anne Kunzler, Gabriela Passos e Julia Viana Os números são ainda mais alarman- tes se comparados com o desempenho do ensino fundamental. A cidade, que tem cerca de 75 mil habitantes, se orgulha dos índices obtidos pela educação básica, su- periores às médias nacional e estadual. Nos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano) o número de alunos repro- vados é o menor entre todos os municí- pios da região. Porém, quando este estu- dante chega ao ensino médio, o cenário é outro. Em 2013, segundo dados do INEP, dos 3.279 alunos matriculados no ensino médio, 982 reprovaram. Além de ser o tri- plo da média nacional, a taxa de reprova- ção do ensino médio, 29,9 %, é superior a média do Rio Grande do Sul, de 16,5%. Rosângela Fritsch, Doutora em Educação, pesquisa e acompanha de perto a realidade do ensino médio da rede pública, e aponta como possível causa do baixo desempenho de Sapiranga a dificuldade de adaptação destes estudantes. “As dificuldades que os alunos enfrentam são muitas, como infra- estrutura, problemas na relação professor/ aluno, além de metodologias de ensino, aprendizagem e avaliação não atraentes pra estes jovens, pois as práticas metodológicas são muito tradicionais e, consequentemen- te, pouco interessantes”, assinala Rosânge- la. Pesquisadora do Observatório de Edu- cação, ela entende que o modelo curricular do ensino médio, baseado em um núme- ro excessivo de disciplinas, é um fator de desmotivação para o jovem do século XXI. no Vale do Sinos

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O município tem os piores índices quanto ao Ensino Médio, mas o que vem causando tal mal resultado?

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Educação abandonada:

Sapiranga e o pior desempenho escolar no ensino médio

Quase 30% dos estudantes reprovam no ensino médio dentro do município. O número é equivalente a três vezes a média

nacional Por Anne Kunzler, Gabriela Passos e Julia Viana

Os números são ainda mais alarman-tes se comparados com o desempenho do ensino fundamental. A cidade, que tem cerca de 75 mil habitantes, se orgulha dos índices obtidos pela educação básica, su-periores às médias nacional e estadual. Nos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano) o número de alunos repro-vados é o menor entre todos os municí-pios da região. Porém, quando este estu-dante chega ao ensino médio, o cenário é outro. Em 2013, segundo dados do INEP, dos 3.279 alunos matriculados no ensino médio, 982 reprovaram. Além de ser o tri-plo da média nacional, a taxa de reprova-ção do ensino médio, 29,9 %, é superior a média do Rio Grande do Sul, de 16,5%.

Rosângela Fritsch, Doutora em Educação, pesquisa e acompanha de perto a realidade do ensino médio da rede pública, e aponta como possível causa do baixo desempenho de Sapiranga a dificuldade de adaptação destes estudantes. “As dificuldades que os alunos enfrentam são muitas, como infra-estrutura, problemas na relação professor/aluno, além de metodologias de ensino, aprendizagem e avaliação não atraentes pra estes jovens, pois as práticas metodológicas são muito tradicionais e, consequentemen-te, pouco interessantes”, assinala Rosânge-la. Pesquisadora do Observatório de Edu-cação, ela entende que o modelo curricular do ensino médio, baseado em um núme-ro excessivo de disciplinas, é um fator de desmotivação para o jovem do século XXI.

no Vale do Sinos

Ela destaca que apesar da alta reprova-ção, a cidade fica lá atrás em abandono, é o quarto menor índice dentre as 14 cidades do Vale do Sinos, 7%. Segundo a especia-lista, por mais que permaneçam mais anos na escola, os estudantes muitas vezes não conseguem progredir nos estudos, o que acarreta no aumento das taxas de reprova-ção. Isto fica evidente quando analisados os números do 1º ano do ensino médio: quase metade dos alunos, 40,4 %, reprova. Neste caso, a passagem do ensino funda-mental da escola municipal pública para o ensino médio público estadual, ajuda a explicar. Segundo a educadora, nesta tro-ca de instituições faltam políticas de aco-lhimento e fortalecimento de vínculo por parte das escolas, pois o 1º ano é determinante para atrair o in-teresse do aluno e fazer com que ele prossiga e conclua os estudos.

A assessora pedagógica da 2ª CRE, Andreia Prestes, admite que

os índices do ensino médio são baixos e preocupantes, mas afirma que com a im-plantação do ensino politécnico em 2010, tornando maior o desafio dos alunos, os números melhoraram. “Os alunos, ao mesmo tempo em que estão sendo mais cobrados, passaram a ter mais vontade de aprender”, aponta. Andreia também ressalta que esse novo método de apren-dizagem foi e ainda é um grande desafio. “A avaliação agora é diária, exigindo total empenho das partes e muita maturida-de dos alunos, principalmente quando se trata do seminário integrado, que abran-ge todas as disciplinas. A metodologia pe-gou de surpresa até mesmo os professo-res, que precisaram se readequar sem ter um modelo a seguir”, finaliza a assessora.

O processo de universalização do ensino chegou muito próximo da meta no ensino fundamental. Hoje, no Brasil, 97% dos alunos em idade escolar estão matricu-lados nesta etapa. “No ensino fundamen-tal há maior acompanhamento familiar e também do Conselho Tutelar, pois se a criança não comparece na escola os pais são chamados para esclarecimentos. Há também, em alguns casos, uma obrigato-riedade de permanência na escola para se manterem inseridos em programas sociais, como o Bolsa Família. Já em relação ao en-sino médio, o Plano Nacional de Educação (PNE) tem a mesma meta, mas estamos muito longe disso”, afirma a pesquisadora. Uma pesquisa em relação às expectativas de estudantes do 1º ao 3º ano do ensino médio constatou que um número signifi-cativo de alunos ingressa nesta etapa com a intenção de seguir estudando e chegar à faculdade, fato que até mesmo gestores e

professores desconhecem. De acordo com Rosângela, existe certo consenso entre a família e a escola que só a conclusão do ensino médio já é fator de sucesso escolar. “Não existe uma aposta da família, nem dos professores de que eles vão avançar, não é esperado. Ao longo do percurso as dificul-dades são tantas que o jovem acaba aban-donando este sonho. Falta a escola, profes-sores e gestores acreditarem nestes jovens, e estimularem um bom desempenho no ensino médio, para que consigam chegar ao ensino superior”, conclui a educadora Já a 2ª Coordenadoria Regional de Educa-ção (CRE), de São Leopoldo, cuja coorde-nadora é Helenise Juchem, alega que o prin-cipal fator agravante do baixo desempenho

foi a inclusão do ensino politécnico no ensino médio, que exige mais do aluno, propondo uma avaliação em conjunto das disciplinas e um aproveitamento medido em con-ceito, e não em nota, o que requer um maior envolvimento tanto do educando quanto dos professores.

“Os alunos, ao mesmo tempo em que estão sendo mais cobrados, passaram a ter

mais vontade de aprender”

Um fator a ser considerado para me-lhorar os índices é a implantação do Pac-to Nacional Pelo Fortalecimento do Ensi-no Médio no município de Sapiranga, que tem como principal objetivo aumentar a aprovação dos alunos através de ativida-des e cursos de formação para professores e reformulação no método de trabalho.

O que dizem os alunos e educadores

O Instituto Estadual de Educação Sa-piranga atende cerca de 1.200 alunos, a grande maioria estudantes do Ensino Mé-dio. Márcia Reniza Peglow, diretora da instituição há 13 anos, aponta a desmo-tivação de alunos, professores e pais, má administração e a falta de repasses vindos dos governos como os principais fatores que causam resultados tão alarmantes em relação ao ensino médio no município.

Quanto aos educadores, Márcia destaca que muitos chegam despreparados à sala de aula. “Os professores recém formados não estão prontos para enfrentar uma sala de aula, eles aprendem a lecionar traba-lhando”, ressalta a diretora, lembrando que alguns dos professores não sabiam nem ao menos planejar uma aula. “Alguns iam para a sala apenas com um livro didático embaixo do bra-ço, dessa maneira eles não vão con-seguir ensinar”, ressalta. Segundo Márcia, a falta da capacitação continuada também contribui para o despreparo de professores que já lecionam há mais tempo. Muitos se desmotivam e deixam de procurar manei-ras de atualizar métodos de ensino e con-teúdos, afim de torná-los mais atrativos aos estudantes. Há, ainda, professores que, de acordo com a diretora, já não têm mais condições de dar aulas ou não têm um de-sempenho que favoreça o ensino, mas que pelo plano de carreira ao qual têm direi-to, não podem ser substituídos por novos

educadores que poderiam trazer uma mudança positiva à educação na escola.

Uma das razões da desmotivação dos educadores é a falta de interesse dos pró-prios alunos, algo que é ressaltado pela professora de Física da instituição, San-dra Regina Botezini. Ela leciona desde 2008, e lembra que uma das causas do desânimo nos professores são comen-tários vindos de alunos. “Às vezes nós (professores) chegamos na sala de aula com um conteúdo que achamos que os alunos vão gostar, mas quando eles nos veem eles dizem ‘ você poderia ter falta-do, professora’. Isso tira a vontade de qual-quer professor”, conta Sandra. Márcia, a diretora, conta ainda que muitos ado-lescentes saem do ensino fundamental e deixam de dar tanta importância à escola.

Matheus Martins, 15 anos, é aluno do 1º ano do ensino médio no Instituto Estadu-al Mathilde Zatar, em que o índice de re-provação chega a 34,3 %, o mais alto entre todas as escolas de Sapiranga. O estudan-te indica que esse tipo de comportamento dos alunos se repete e é prejudicial. “Mui-

tos dos meus colegas já não se in-teressam. Muitas vezes são muito agitados e dispersos, não se impor-tam com a aula”, lembra. Além dis-so, a cobrança dos pais já é menor,

segundo conta Márcia. “Infelizmente os pais deixam também de participar quando os filhos chegam ao ensino médio”, desta-ca a educadora. Ela ainda ressalta que a escola convoca os pais para reuniões fre-quentemente, mas que, muitas vezes, me-nos da metade comparece aos encontros e só nota o andamento do aluno na esco-la quando precisa buscar seus boletins.

“Muitos dos meus colegas já não se interes-

sam”

Outro fator lembrado por Márcia é o sucateamento de algumas escolas. “Nós te-mos salas de informática, mas nossos com-putadores são muito antigos e a tecnologia já provou ser um atrativo para os estudan-tes”, alega. Essa não é uma exclusividade do Instituto Sapiranga, o qual Márcia é dire-tora. Matheus, aluno do Instituto Mathilde Zatar, ressalta como o mau estado da es-cola prejudica o desempenho dos alunos. “Não dá para se concentrar em uma sala de aula ruim, onde as classes estão tortas e nós não conseguimos nem escrever e prestar atenção no que escrevemos”, conta o aluno.

Uma solução para os péssimos índices, segundo a diretora do Instituto Estadual de Sapiranga, seria um maior investimen-to na infraestrutura escolar que tornas-se a educação mais interessante para os alunos, assim como a disponibilidade de mais funcionários de apoio, como profes-sores substitutos, monitores e merendeiras. “Quando algum professor precisa faltar, por exemplo, os alunos ficam ociosos, é um tempo perdido e que afeta o desem-penho deles. Por isso a presença de um professor substituto faria muita diferen-ça”, aponta. Outra medida que auxiliaria seria a maior participação dos pais, o que faria com que os alunos se focassem mais nos estudos, assim como ocorre no ensi-no fundamental. Segundo Márcia, traba-lhar a motivação dos professores também geraria resultados positivos na solução do problema no ensino médio em Sapiranga.

“Os conteúdos ministrados respondem pouco às suas

urgências e impasses”, afir-ma Marcelo Ricardo Pereira,

professor da UFMG.Professor da Universidade Federal de Mi-

nas Gerais, Marcelo Pereira, tem estudado a autuação docente na educação básica, tema de seus livros Acabou a autoridade? Profes-sor, subjetividade e sintoma (Fino Traço) e A Impostura do Mestre (Fino Traço). O pesquisador concedeu a seguinte entrevista, em que fala sobre os problemas da educação básica, a desvalorização da profissão docen-te e a desmotivação de alunos e professores.Quais as dificuldades em se fazer educação para jovens?

“Vivemos hoje, desde as revoluções sexu-ais, comportamentais e contraculturais das décadas de 1960–70, uma mudança subs-tancial do sujeito e das relações sociais. Es-tamos numa sociedade do excesso pouco regrado de satisfação pulsional, que é pró-prio dos adolescentes e jovens. O Ociden-te juvenilizou-se: crianças de 8 anos que-rem se parecer com quem tem 18, adultos de 48, também. Logo, fica difícil fazer uma educação para aqueles que se tornaram au-torreferentes e que tendem, por isso, a des-considerar as tradições e os pensamentos antigos que fundam o presente. É difícil educar em tempos de amplitude virtual e de um presente tão alargado que demonstra desprezar o passado e não pensar no futuro.

Professor da Universi-dade Federal de Minas Gerais, Marcelo Pe-reira, tem estudado a autuação docente na educação básica, tema de seus livros Acabou a autoridade? Professor, subjetividade e sinto-ma (Fino Traço) e A Impostura do Mestre (Fino Traço).

Por que o desempenho escolar dos estudantes cai consideravelmente do ensino fundamental para o mé-dio?

Talvez porque os jovens entendam que os conteúdos ministrados respondem pou-co às suas urgências e impasses. Entendem inclusive que tais conteúdos podem sequer servir para os adultos que os professam. Portanto, é possível que, uma vez desinte-ressados e desidentificados, o desempenho venha a cair neste momento crucial da vida.Quais os principais problemas na relação professor/aluno?

Escrevi certa vez em A Impostura do Mestre (Fino Traço) que o professor pa-rece se deter entre, no mínimo, duas for-ças fundamentais: de um lado, tem de ser aquele que recupera através de sua pessoa as tradições e os valores estabelecidos me-tafisicamente ao longo do tempo - e que sempre devem ser evocados aos jovens -; do outro, ele também tem de ser aque-le que vai se despir dos ideais da tradição, desses ideais metafísicos, e se nivelar às massas, a fim de educá-las para uma so-ciedade que supostamente nos nivela, a

todos, como iguais, livres e fraternos. Po-rém, como ser mestres da tradição e, ao mesmo tempo, se espelhar nos jovens e ser uma pessoa comum? Ou seja, como ser deus e mortal ao mesmo tempo? É nessa corda bamba que se encontra essa relação que tem ficado cada vez mais conflituosa.Por que o ensino médio pode ser considerado desmotivador para o professor?

Justamente por isso. Ele não conse-gue fazer o que foi bem ou mal prepara-do para fazê-lo: educar. Uma das maiores queixas que o professor nos apresenta é a de que ‘os alunos não querem saber nada’. Na verdade, eles querem saber, mas não o que a tradição da profissão tem a ensinar.A desmotivação e também a desau-torização do professor podem ser fatores que contribuem para os al-tos índices de reprovação do ensino médio?

Não tenho esse dado do ponto de vis-ta quantitativo, mas é bem provável que sim. Isso deve ser somado a uma mo-dalidade de ensino que tem se tornado apenas um preparador para o ingresso

na universidade. Há muitas escolas do ensino médio que se tornaram especia-listas em resolução de questões de pro-vas de seleção do ensino superior, o que contribui para não se criar uma identida-de mais substancial para o ensino médio.Por que a carreira docente está en-tre as menos atrativas?

Porque a remuneramos mal, porque não damos atenção às condições do trabalho docente, nem promovemos uma melhor articulação coletiva de seu ofício, tampou-co cuidamos de sua relação com o saber e com a formação. Mas, sobremaneira, auxi-liamos muito pouco o professor a recuperar sua coragem moral para atuar em situações de incerteza e descontinuidades, para dar respostas mais ou menos rápidas mediante tais situações, para lidar com a apatia do alunado sem se tornar também apático e para entender as formas de ‘mal-estar na civilização’ que Freud anteviu em 1930 e que continuam a assolar o mundo de ma-neira geral, inclusive o mundo pedagógico.É possível ser otimista em relação à condição docente?

Tendo a ser sempre pessimista no que se refere ao diagnóstico e otimista no que se refere às proposições. Acho que se ata-carmos a baixa remuneração, a melhoria na formação e do trabalho coletivo do docente teremos alguma perspectiva. No entanto, defendo também que os forma-dores e os gestores de professores devam instituir fóruns ou espaços de fala indi-viduais e coletivos nos quais os docentes possam expor livremente seus impasses, obstáculos e pessoalidades. O professor é mal escutado no interior das escolas, há pouco espaço para que ele exponha o que faz e pensa, justamente sobre esta profis-são que é essencialmente relacional. Ele

não ministra apenas conteúdos, ele se re-laciona. E isso não é sem consequência.Qual a importância do educador para mudar o quadro atual de bai-xo desempenho escolar no ensino médio?

Ora, o que se espera de um professor na condição de mestre? Que ele seja um guia, que abra a picada, mostre caminhos, que dê o primeiro passo para que o jovem pos-sa dar o seguinte. Isso não quer dizer que o professor tenha que saber tudo, que tenha que saber o caminho certo, mas ele precisa achar que sabe. Ele precisa servir de refe-rência para que seu seguidor faça suas esco-lhas, mesmo que sejam contrárias àquelas que o mestre determina. Escrevi certa vez que aquele que ensina deve salvaguardar nossa capacidade humana de pensar, de produzir saberes, não tanto com base nas boas técnicas pedagógicas, que inflacionam mais frustrações do que conquistas, mas muito mais com base na sua experiência e arte de viver. Logaritmo, ótica, sintaxe? Sim, mas também tecnologia, cultura pop, manipulação da mídia, família, luto da in-fância, amizades… e tudo que for necessá-rio aos jovens para que passem esta tempo-ralidade da vida com curiosidade e sabor.

REPÓRTERES: Por Anne Kunzler, Ga-briela Passos e Julia Viana

PROFESSORA ORIENTADORA: Lucia-na Kraemer

DIAGRAMAÇÃO: Julia Viana