Eduardo Viveiros de Castro - Claude Lévi-Strauss, fundador do pós-estruturalismo

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Claude Lvi-Strauss, fundador do ps-estruturalismo

Conferncia ao ColquioLvi-Strauss: un siglo de reflexin,Museo Nacional de Antropologa, Mxico, 19 de novembro de 2008

Eduardo Viveiros de Castro

Museu Nacional, Rio de Janeiro

I

Prezados colegas,

Devo comear dizendo que sou muito sensvel honra que aqui me feita, de abrir com esta alocuo o ColquioLvi-Strauss: un siglo de reflexin.No consigo explicar que me tenham escolhido, dentre tantos colegas aqui reunidos todos mais credenciados que eu para tal distino, seno pela contingncia de ser um etnlogo nascido no Brasil, e que estuda povos indgenas brasileiros. Vejo neste convite, assim, uma sorte de homenagem indireta ao meu pas, onde Lvi-Strauss fez suas armas de etnlogo, mas sobretudo aos povos indgenas brasileiros, povos cujo pensamento, ao contribuir de modo decisivo para formar o de Lvi-Strauss ele prprio, veio em boa hora irrigar a tradio filosfica do Ocidente, aps cinco sculos de olvido ou descaso no momento mesmo em que essa tradio necessita como nunca de toda ajuda externa que puder conseguir. Pois finalmente o Ocidente comea a perceber que no passou de um acidente, um gigantesco acidente antropolgico que poder encerrar a carreira da espcie na Terra.

A segunda razo que me ocorre para receber to distinguido convite seria por assim dizer intrinsecamente lvi-straussiana ou estruturalista, a saber: vejo-me chamado a falar-lhes precisamente porque, como vocs podem perceber,no falosua lngua, mas uma lngua gmea dela. Sabemos como a caracterstica fundamental dos gmeos na mitologia amerndia a de serem ligeiramente, mas crucialmente, desiguais, assimtricos. Tal assimetria palpvel no caso de nossas respectivas lnguas, onde o portugus desempenharia o papel de gmeo lunar, menor, com algo de enganador (de malandro, diramos nessa lngua) em seus ditongos traioeiros, suas sibilantes serpentinas e suas estranhas chiantes, em contraposio ao espanhol solar, cristalino, imperioso e magnificente, que seria como o gmeo maior, o demiurgo da parelha. O que vocs esto a ouvir neste momento, portanto, o enganador outrickstertentando se fazer passar pelo demiurgo, como sucede em tantos mitos do continente. Como sabemos tambm, ele sempre fracassa, de um modo ao mesmo tempo cmico e grotesco.

Seja como for, esta conferncia vai-se colocar por inteiro sob o signo dos gmeos, pois estes so, como diz algo enigmaticamente Lvi-Strauss em seu livro mais profundo refiro-me aHistria de Lince ,a chave de todo o sistema.O mestre francs se refere aqui ao sistema mtico panamericano analisado nas srie dasMitolgicas; mas eu me refiro ao sistema terico do estruturalismo. Se que realmente possvel distinguir os dois sistemas.

II

O ttulo que me ocorreu dar a esta conferncia Claude Lvi-Strauss, fundador do ps-estruturalismo. Temo que seja preciso justific-lo.Para isso, comeo por falar de umoutrottulo. Venho tentando terminar de escrever um livro sobre Lvi-Straussque se chamaIsso no tudo: Lvi-Strauss e a mitologia amerndia.Isso no tudo,ce nest pas tout uma frmula muito frequentemente empregada pelo autor, especialmente nasMitolgicas,a ponto de poder ser considerada um maneirismo diacrtico. A pequena frase de Lvi-Strauss (chamo-a assim em homenagem pequena frase de Vinteuil deEm busca do tempo perdido), marca o surgimento quase prestidigitatrio de sempre mais um eixo, invariavelmente um outro eixo de transformao, disposto de travs, em diagonal aos vrios eixos que vinham at ali guiando a comparao; ela anuncia a presena de uma toro suplementar completamente imprevista, que abre subitamente uma progresso que tudo encaminhava para o fechamento; ela assinala a revelao de um vnculo adicional, implicado, obscuro, compactado no texto sob anlise que subitamente se explica e esclarece, e ao mesmo tempo se multiplica e difrata em perspectivas que, literalmente, perdem-se de vista no horizonte.

O movimento assinalado pela pequena frase ocorre com muito maior frequncia do que ela; ela opcional, mas ele parece-nos necessrio, intrnseco ao procedimento lvi-straussiano, procedimento que jamais termina, ao contrrio do que se costuma preguiosamente ensinar, com o estabelecimento de oposies binrias; na verdade, comea por elas, e comea precisamente por complic-las. Lembremos, entre tantas, da profunda observao do FinaldeO homem nu(L.-S. 1971: 539-40): O problema da gnese do mito se confunde com o do pensamento ele prprio, cuja experincia constitutiva no a de uma oposio entre o eu e o outro, mas do outro apreendido como oposio. Donde se pode concluir, em sintonia com outras passagens do autor, que o eu um caso particular do outro, assim como a oposio, tanto quanto a identidade, apenas um caso particular da diferena.

Para nosso autor, com efeito, uma oposio binria tudo salvo um objeto simples, ou simplesmente duplo, ou sequer simplesmente um objeto; talvez nem mesmo mas aqui possvel que estejamos indo longe demais uma oposio. Leiam-se as pginas luminosas daOrigem dos modos mesaou daOleira ciumentasobre a natureza exata, ou antes, anexata, da relao entre o Sol e a Lua na mitologia amerndia, e se ter uma idia do que estou falando.

A pequena frase cumpre, na verdade, uma funo fundamental dentro da economia terica do estruturalismo. Ele aponta para o inacabamento perptuo da anlise estrutural, e sugere que a razo desse inacabamento a multiplicidade virtual de todo objeto determinado pelo mtodo estrutural, uma vez que o objeto sempre um estado particular de um sistema de transformaes cujos limites so radicalmente contingentes, e, alm disso, definveis apenas de modo relacional. A in-terminabilidade, no duplo sentido (sem fim ou trmino, e sem possibilidade de determinao unvoca do que seja um termo e uma relao) da anlise mtica um princpio fundamental dasMitolgicas, enunciado logo na Abertura deO cru e o cozido: o carter aberto, intensivo, iterativo, em nebulosa, poroso, conexionista dos sistemas mticos que reconstri. Isso no tudo, ento, porquenada tudo, em nenhum momento se alcana uma totalizao.Isto no tudo projeta um conceito de estrutura (e uma concepo de anlise) que no privilegia nenhuma vontade de fechamento, compleo, compacidade. Com o isso no tudo, comea-se a divisar a possibilidade de um Lvi-Strauss ps-estruturalista.

Naturalmente, issode fatono tudo A pequena frase, como uma chave, pode ser usada tanto para abrir o que estava fechado como para fechar o que estava aberto. A demonstrao do fechamento transformacional, da coerncia e homogeneidade dos grupos de mitos em anlise aparece repetidas vezes no correr do texto dasMitolgicas, para atingir uma espcie de apoteose enftica no captulo O mito nico deO homem nu. Lvi-Strauss ir insistir repetidas vezes nasMitolgicassobre o fechamento do sistema que analisa, a redondez da terra da mitologia, a completude do crculo que o leva dos cerrados do Brasil Central s costas brumosas dos estados de Washington e da Columbia Britnica, assim como sobre os vrios fechamentos secundrios dos subgrupos mticos internos a esse priplo. A idia declture,fechamento, clausura, parece por vezes consubstancial anlise estrutural: para Lvi-Strauss, preciso demonstrar que o grupo se fecha, que se voltou ao estado inicial de uma cadeia de mitos por uma ltima transformao; que, na verdade, o grupo se fecha sobre diversos eixos. Essa insistncia est ligada ao tema da necessria redundncia da linguagem mtica, condio do estabelecimento de uma gramtica da mitologia, como s vezes o autor se compraz em conceber sua empresa; e sabe-se a antipatia que ele vota noo de obra aberta.

Acontece, porm, que a multiplicao das demonstraes de fechamento produz a impresso paradoxal de que existe um nmero teoricamente indefinido, isto , aberto, de estruturas fechadas. As estruturas se fecham, mas o nmero de estruturas, e de vias por onde fech-las, aberto no h uma estrutura de estruturas, no sentido de um nvel final de totalizao estrutural, nem uma determinaoa prioridos eixos semnticos (os cdigos) mobilizados em estrutura.[1]Todo grupo de mitos termina por se revelar situado na interseco de um nmero indeterminado de outros grupos; e dentro de cada grupo, cada mito igualmente uma interconexo; e dentro de cada mito Os grupos devem poder se fechar (clore); mas o analista no pode se deixar encerrar (enfermer)dentro deles: o prprio de todo mito ou grupo de mitos de proibir que nos encerremos nele: sempre chega um momento, no decorrer da anlise, em que um problema se coloca cuja resoluo obriga a sair do crculo que a anlise havia traado. (1971: 538).

Ser preciso ento insistirmos, ns, sobre astenses internas ao pensamento de Lvi-Strauss relativo mitologia americana, a saber, sobre uma dialtica da abertura e do fechamento analtico (como o autor falava em uma dialtica da abertura e do fechamento repetidamente tematizada pelos mitos) que cabe explorar, inclusive em suas tentativas, talvez necessariamente incompletas, de auto-mediao. Necessidade ou contingncia, completude ou inacabamento, estrutura ou multiplicidade, transcendncia da regra ou imanncia do sentido : essa qudrupla tenso estrutura o estruturalismo, e traa as linhas de divergncia de sua posteridade. tal tenso que me levou a escolher o ttulo desta conferncia. Pois se Rousseau, no clebre dizer de Lvi-Strauss (1962/1973), deve ser visto como o fundador das cincias humanas, ento de Lvi-Strauss ele mesmo se deveria dizer que no s as refundou, com o estruturalismo, como as infundou virtualmente, ao apontar o caminho para um ps-estruturalismo,em outras palavras, para umaantropologia da imanncia, que ele talvez no tenha chegado, como Moiss conduzindo seu povo a uma terra prometida cujo esplendor ele jamais contemplaria (isto o prprio Lvi-Strauss, falando sobre Mauss), realmente a adentrar.[2]

III

A grande questo que se abre hoje, no processo de reavaliao j ia escrevendo reabilitao da herana intelectual de Lvi-Strauss a de decidir se o estruturalismo uno ou mltiplo, ou, para usarmos uma polaridade lvi-straussiana, se ele contnuo ou descontnuo.Sem deixar de concordar com os intrpretes que concordam com Lvi-Strauss, isto , que vem sua obra como marcada por uma profunda unidade de inspirao e de mtodo (falaremos mais disso adiante), vejo a a personalidade terica do estruturalismo e de seu autor como dividida mas no oposta em dois gmeos eternamente desiguais, um heri cultural e um deceptor, o personagem da mediao (mas que tambm o instaurador do discreto e da ordem) e o contra-personagem da separao (mas que ao mesmo tempo o mestre do cromatismo e da desordem). H simdois estruturalismos, mas, como Lvi-Strauss ele mesmo mostrou, dois sempre mais de dois.

Vejo assim a obra de Lvi-Strauss pelo lado da contingncia, do inacabamento e da multiplicidade: um estruturalismo em desequilbrio perptuo. Tal a mitologia amerndia que ele soube compreender melhor que qualquer outro antroplogo, essa obra complexa, ambgua e plural, e portanto sempre atual. essa atualidade permanente da obra sua capacidade de auto-defasagem que se viu recentemente reconhecida pela canonizao segundo a frmula indgena (quero dizer, francesa) consagrada que a publicao naBibliothque de la Pliade, cujo nome abunda alis em ressonncias lvi-straussianas. Recordemos que a constelao epnima um signo eminente do contnuo no pensamento amerndio; v-se ento a sutileza da dupla toro que faz o grande analista da passagem do contnuo ao discreto ser conduzido de volta ao contnuo mas, na tpica marcha em espiral da transformao mtica, a um contnuo mais profundo, de segunda ordem por assim dizer, sobrenatural mais que natural, um contnuo cuja relativa indiferenciao interna (autores, sculos, gneros se perfilam na srie de volumes encapados de um fino marroquim a pele de alguma sucuri mitolgica? marcado por uma discretssima variao cromtica), s faz destac-lo mais claramente no vasto cu noturno e annimo da histria.

E isso, mais uma vez, no tudo. Honra suprema, essa ascenso ao contnuo se faz em vida, no ano mesmo do centenrio de Lvi-Strauss que ora celebramos. Todos os antroplogos do mundo devemos nos sentir orgulhosos e agradecidos pela homenagem que assim se presta a nossa disciplina na pessoa de seu mais ilustre praticante, o pensador que reinventou a antropologia, ao desmontar os fundamentos metafsicos do colonialismo ocidental, e que ao mesmo tempo revolucionou a filosofia, ao abrir um dos principais caminhos do sculo para que outros pudessem desmontar os fundamentos colonialistas da metafsica ocidental.

IV

Trata-se ento, hoje, de saber se a antropologia estrutural, em flagrante discrepncia com as configuraes simblicas cujos alicerces ela soube to bem expor, realmente o sistema conceitual fechado, unvoco, homogneo e equilibrado que a vulgata antropolgica nos legou.Penso, bem entendido, que no. Comeamos, com efeito, a nos dar conta de que a obra de Lvi-Strauss colabora ativamente, e isso desde seus comeos, com muito do que pareceria ser sua subverso futura, e que o estruturalismo sempre foigmeo de si mesmo, para recordarmosa interpretao da sentena fatdica que o tema de um captulo deHistria de Lince.Se Lvi-Strauss no o ltimo pr-estruturalista (longe disso,hlas), est entretanto muito perto de ter sido o primeiro ps-estruturalista.

Tomemos por exemplo a idia-mestra, afirmada na Aula Inaugural ao Collge de France, segundo a qual a antropologia estrutural utiliza um mtodo mais de transformaes que de fluxes, com o que o autor marcava sua preferncia por uma concepo combinatria antes que diferencial de estrutura (L.-S. 1960/1973: 28) . Essa idia foi-se tornando, ao longo da obra de Lvi-Strauss, uma verdade bastante aproximativa, visto que a noo-chave de transformao foi-se transformando ela prpria. Primeiro, ela foi ganhando precedncia semntica sobre a noo de estrutura. Segundo, foi assumindo uma roupagem cada vez mais analgica, cada vez mais prxima das fluxes dinmicas que das permutaes algbricas. O ponto de inflexo dessa curva situa-se, ao que tudo indica, em algum momento da redao dasMitolgicas.Uma nota emDo mel s cinzas talvez o primeiro registro explcito da mudana:

Leach nos censurou por recorrermos exclusivamente a esquemas binrios. Como se a noo mesma de transformao, de que fazemos um uso to constante depois de t-la tomado de dArcy Wentworth Thompson, no pertencesse inteiramente ao comnio da analogia (L.-S. 1966: 74 n. 1)

Duas dcadas mais tarde, o ponto reafirmado pelo autor: a noo de transformao no lhe veio nem da lgica nem da lingustica (nem, fica-se com a impresso, do estruturalismo matemtico de Bourbaki), mas do naturalista DArcy Thompson, e por ele, de Goethe e de Drer (L.-S & Eribon 1988: 158-59). A transformao agora uma operao esttica e dinmica, no mais lgica e algbrica. Com isso, a oposio entre certos paradigmas conceituais centrais da fase clssica do estruturalismo, como {totemismo, mito, descontinuidade}versus{sacrifcio, rito, continuidade}, torna-se bem mais fluida e instvel do que o autor continuar, no obstante, afirmando em algumas passagens da fase posterior da obra, como no clebre contraste entre mito e rito do Final deO homem nu.

A linha de corte passa claramente entre a lgebra finitria adequada aoscontedosdo parentesco e aformaintensiva do mito:

O problema colocado emAs estruturas elementares do parentescoremetia diretamente lgebra e teoria dos grupos de substituio. os problemas colocados pela mitologia parecem indissociveis das formas estticas que os objetivam. Ora, estas formas pertencem ao mesmo tempo ao contnuo e ao descontnuo (L.-S. & Eribon 1988: 192)

Lvi-Strauss menciona ento a teoria das catstrofes de Ren Thom, que foi posta em comunicao com o estruturalismo antropolgico por Jean Petitot, um filsofo de formao matemtica.A teoria de Thom, continua Lvi-Strauss na passagem acima, permitiria superar a antinomia entre o contnuo e o descontnuo, oferecendo-se portanto como a matemtica adequada ao mito.

No tenho competncia para julgar essa adequao ou inadequao. Mas a concluso geral que se pode tirar que a noo estruturalista de transformao sofreu de fato uma dupla transformao, histrica e estrutural na verdade, uma nica transformao complexa, que a transformou em uma operao simultaneamente histrica e estrutural; como argumenta meu colega Mauro Almeida em um notvel artigo recente (Almeida 2008), o que a a frmula cannica descreve precisamente a transformao de histria em estrutura e vice-versa (mas o caminho no o mesmo nos dois sentidos). Essa mudana se deve em parte influncia, sobre Lvi-Strauss, das novas interpretaes matemticas disponveis; mas sobretudo, penso eu, mudana do tipo de objeto privilegiado por sua antropologia. Com o mito, as fronteiras entre permutao sinttica e inovao semntica, deslocamento lgico e condensao morfogentica, tornaram-se mais tortuosas, contestadas, complicadas mais fractais. A oposio entre a forma e a fora (as transformaes e as fluxes) perdeu seus contornos, e de certa maneira se enfraqueceu.

Isso no significa que Lvi-Strauss d grande relevo a tal mudana, nem que se demore nela, para alm da reflexo supracitada a respeito dos diferentes problemas tratados pelo mtodo estrutural. Ao contrrio, sua tendncia sempre foi a de sublinhar, a continuidade do programa que seguimos metodicamente desdeAs estruturas elementares do parentesco (a advertncia est na Abertura deO cru e o cozido). Continuidade eis a uma noo ambivalente como poucas, no vocabulrio estruturalista

claro que Lvi-Strauss tem razo; seria um pouco ridculo querer corrigi-lo a respeito de si mesmo, como parecem fazer alguns de seus comentadores mais fundamentalistas (pois existe um estrutural-fundamentalismo!). Mas a insistncia do mestre francs na unidade de inspirao de sua obra no nos dispensa de propor, como bons estruturalistas, uma leitura descontinusta dessa obra; menos para insistir sobre rupturas unvocas que para sugerir uma coexistncia complexa ou uma superposio intensiva de estados do discurso estrutural.

As descontinuidades do projeto estruturalista podem ser distribudas dentro das duas dimenses clssicas: no eixo das sucesses, com a idia de que a obra lvi-straussiana conhece fases; e no eixo das coexistncias, com a idia de que ela enuncia um discurso duplo, descreve um duplo movimento. As duas descontinuidades coexistem na medida em que osmomentosda obra se distinguem pela importncia concedida a cada um dos doismovimentos, opostos contrapontisticamente ao longo de toda ela.

V

Comecemos pela diacronia, dizendo que o estruturalismo como o totemismo: ele nunca existiu.Ou mais precisamente, como o totemismo, seu modo de existncia no o das substncias mas o das diferenas. No caso, a diferena, vrias vezes notada pelos comentadores, entre a primeira fase da obra de Lvi-Strauss, representada porAs estruturas elementares do parentesco, e que se poderia dizer pr-estruturalista, e a segunda fase, ps-estruturalista, povoada pelasMitolgicase as trs monografias subsequentes.

Digo que a segunda fase ps-estruturalista porque antes dela se inscreve o breve momento indiscutivelmente estruturalista, representado pelos dois estudos sobre o problema totmico, que o autor descreve como assinalando uma pausa entreAs estruturas elementarese asMitolgicas. nos livros de 1962 (O totemismo hojeeO pensamento selvagem), com efeito, que Lvi-Strauss identifica o pensamento selvagem, isto , as condies concretas da semiose humana, a uma gigantesca e sistemtica empresa de ordenamento do mundo, e promove o totemismo, antigo emblema antropolgico da irracionalidade primitiva, a modelo mesmo de toda atividade racional. a este momento da obra que um juzo malicioso de Deleuze e Guattari (1981: 289) parece se aplicar melhor: O estruturalismo uma grande revoluo, o mundo inteiro se torna [devient] mais razovel. Um esprito conciliador poderia ponderar que, com o estruturalismo, o mundo no se torna mais razovel sem que a razo no se torne outra coisa maismundanatalvez, no sentido de mais secular, mais popular; mas tambm mais artista, mais bomia mais surrealista , menosrentvel.[3]

A noo de queAs estruturas elementares do parentescoso um livro pr-estruturalista deve ser tomada, bem entendido, com uma boa pitada de sal. De qualquer modo, penso que antroplogos como David Schneider ou Louis Dumont tm razo em classificar assim a obra de 1949, organizada como se acha em torno das duas dicotomias fundacionais das cincias humanas: Indivduo e Sociedade, de um lado o problema da integrao e totalizao sociais , e Natureza e Cultura, do outro o problema do instinto e da instituio humanos. As Luzes e o Romantismo: Hobbes e Herder, digamos. Ou, se quisermos epnimos mais recentes: Durkheim e Boas. (Mediando essas polaridades, naturalmente, est Rousseau, essetricksterfilosfico que Lvi-Strauss, no por acaso, erigiu como seu santo padroeiro.)

O problema deAs estruturas elementares o problema antropolgico por excelncia da hominizao: a emerg_ncia da sntese da cultura como transcendncia da natureza. O grupo, isto , a Sociedade, mantm-se como sujeito transcendental e causa final de todos os fenmenos analisados. Isso, entretanto, at o ltimo captulo do livro, quando, como sublinhou Patrice Maniglier (um dos mais originais comentadores de Lvi-Strauss que conheo), tudo parece subitamente se dissolver na contingncia:

as mltiplas regras que interditam ou prescrevem certos tipos de cnjuges, e a proibio do incesto que as resume todas, se esclarecem a partir do momento em que se postula que necessrio que a sociedade exista [seja,soit]. Mas a sociedade teria podido no existir. (L.-S. 1949/1967: 561)

E segue-se o grandioso desenvolvimento conclusivo, onde se estabelece ao mesmo tempo que a sociedade coextensiva ao pensamento simblico e no sua causa antecedente ou sua razo de ser, que a sociologia do parentesco um ramo da semiologia (toda troca troca de signos, isto , de perspectivas), e que toda ordem humana traz dentro de si um permanente impulso de contra-ordem. Esses acordes derradeiros marcam a entrada, ainda abafada, do que se poderia chamar desegunda vozdo discurso antropolgico de Lvi-Strauss, quando a sociologia do parentesco comea a abrir espao para uma anti-sociologia,[4]ou seja, para uma economia cosmopoltica em outras palavras, para o regime do plano de imanncia amerndio que ser traado nasMitolgicas.

Pois com asMitolgicasque a inverso na ordem das vozes se completa ou melhor, quase se completa; no teria sido mesmo preciso ir mais longe: como Moiss e a Terra Prometida NasMitolgicas, a noo de sociedade desinvestida analiticamente, em favor de um foco sistemtico nas transformaes narrativas inter-societrias; a oposio Natureza/Cultura deixa de ser uma condio antropolgica universal (objetiva ou subjetiva) para se transformar em um tema mtico, interno ao pensamento indgena tema cuja ambivalncia dentro desse pensamento, alis, s far crescer a cada volume da srie ; e os objetos algebriformes chamados estruturas ganham contornos mais fluidos, derivando, como mencionamos, para uma noo analgica de transformao. As relaes que constituem as narrativas amerndias, mais que formando totalidades combinatrias em distribuio discreta, em variao concomitante e tenso representacional com osrealiascio-etnogrficos, instanciam a um ponto que se poderia dizer de verdadeira exemplaridade os princpios de conexo e heterogeneidade, multiplicidade, ruptura assignificante e cartografia que Deleuze e Guattari iro contrapor aos modelos estruturais em nome do clebre conceito de rizoma rizoma, o conceito mesmo da anti-estrutura, o emblema do ps-estruturalismo.

O movimento da demonstrao dasMitolgicas,com efeito, o de uma conectividade heterogentica generalizada, onde um mito de um povo transforma um ritual de um segundo povo e uma tcnica de um terceiro povo; onde a organizao social de uns a pintura corporal dos outros (ou: como ir da cosmologia cosmtica sem deixar a poltica); e onde a redondez geomtrica da terra da mitologia constantemente curto-circuitada por sua radical porosidade geolgica, graas qual as transformaes parecem saltar entre pontos extremos do continente americano, surdindo aqui e ali como afloramentos vulcnicos de um oceano subterrneo de magma. Ao distncia.

Pierre Clastres disse que o estruturalismo era uma sociologia sem sociedade; se isso verdade Clastres o dizia para critic-lo , ento com asMitolgicastemos um estruturalismo sem estrutura e o digo para louv-lo. Todo aquele que se dispuser a fazer a travessia completa dasMitolgicasconstatar que a mitologia amerndia cartografada pela srie no pertence famlia das estruturas arborescentes, mas das redes rizomticas: ela uma gigantesca teia sem centro nem origem, um mega-agenciamento coletivo e imemorial de enunciao disposto em um hiper-espao (L.-S. 1967: 84) incessantemente atravessado por fluxos semiticos, fluxos materiais e fluxos sociais (Deleuze & Guattari 1981: 33-34); uma teia ou rizoma percorrido por diversas linhas de estruturao, mas que , em sua multiplicidade interminvel e sua radical contingncia histrica, irredutvel a uma lei unificadora e irrepresentvel por uma meta-estrutura. Existem inmeras estruturasnosmitos amerndios, mas no h uma estruturadomito amerndio no h, note-se em particular, estruturas elementares da mitologia.

A mitologia amerndia, enfim, uma multiplicidade aberta, uma multiplicidade an1, para usarmos o conceito de Deleuze e Guattari, ou diramos melhor a M-1, em homenagem ao mito de referncia, M1, o mito bororo que, como logo se constatava, era apenas uma versoinvertidaeenfraquecidados mitos j que o seguiam (M712). O mito dereferncia um mito qualquer, um mito sem referncias, umm-1 como todo mito. Pois todo mito uma verso de umoutromito, todo outro mito abre para um terceiro e um quarto mitos, e osn-1 mitos da Amrica indgena no exprimem uma origem nem apontam um destino: no tm referncia. (Discurso sobre as origens, o mito precisamente o que se furta a uma origem.) O mito darefernciacede lugar ao sentido do mito, ao mito como mquina de sentido: um instrumento para converter um cdigo em outro, projetar um problema sobre um problema anlogo, fazer circular a referncia (como diria Bruno Latour), contra-efetuar anagramaticamente o sentido. Recorde-se a passagem deO homem nuonde o autor generaliza as observaes de Saussure sobre o anagrama, sugerindo que ali nos aproximamos da matriz de todo sentido, e que o mecanismo do trocadilho (calembour) constitui o fundamento de toda semiologia (L.-S. 1971: 581). Eis a uma tese que leva a noo de jogo de linguagemrealmentes ltimas consequncias.

A primeira aproximao ao conceito de mito ensaiada por Lvi-Strauss destacava sua tradutibilidade integral: Poderamos definir o mito como aquele modo do discurso em que o valor da frmulatraduttore, traditoretende praticamente a zero (L.-S. 1955/1958: 232). EmO homem nu,a definio estendida do plano semntico ao plano pragmtico; aprendemos ento que mais que simplesmentetraduzvel, o mito eminentementetraduo:

Todo mito por natureza uma traduo () ele se situa, nodentrode uma lngua edentrode uma cultura ou sub-cultura, mas no ponto de articulao destas com outras lnguas e outras culturas. O mito no jamaisde sua prpria lngua, ele uma perspectiva sobre umalngua outra (id. 1971: 576-77)

Essa definio perspectivista do mito proposta emO homem nutorna-o contguo antropologia ela prpria, saber que se constitui, em uma definio crucial que Lvi-Strauss avanava j em 1954, como acincia social do observado (1954/1958: 397). Ora, se a antropologia a cincia social do observado, asMitolgicas,como sabemos, so o mito da mitologia (L.-S. 1964: 20). Essas duas definies so convergentes. O discurso da mitologia estrutural estabelece as condies de toda antropologia possvel. Toda antropologia uma transformao das antropologias que so seu objeto (o objeto de toda antropologia s pode ser uma outra antropologia, a antropologia do outro), situadastodas, desde sempre, no ponto de articulao de uma cultura com outras culturas. O que permite passar de um mito a outro, e de uma cultura a outra, de mesma natureza que o que permite passar dos mitos cincia dos mitos, e da cultura cincia da cultura. Transversalidade e simetria. Abre-se assim uma conexo inesperada entre o projeto dasMitolgicase o princpio (ps-estruturalista) de simetria generalizada de Bruno Latour e Isabelle Stengers: a mitologia estrutural uma experincia de simetrizao antropolgica, uma operao dedesenglobamento hierrquicodas diferenasentre todos os termos analticos. (O chamado ps-estruturalismo essencialmente a afirmao de uma ontologia das multiplicidades planas,onde as noes de continuidade e de homogeneidade nada mais tm em comum. Uma ontologia da transversalidade, isto , da continuidade entre heterogneos.) Desenglobamento hierrquico, ou seja: a diferena entre a cultura (ou teoria) do antroplogo e a cultura (ou prtica) do nativo no considerada como possuindo nenhum privilgio ontolgico ou epistemolgico sobre as diferenas internas a cada uma dessas culturas; ela no mais nem menos condicionante que as diferenas de ambos os lados da fronteira discursiva.

E se o mito traduo, ento eleno , sobretudo, representao, pois uma traduo no uma representao mas umatransformao. Uma mscara no aquilo que ela representa, mas sobretudo aquilo que ela transforma, isto , que ela escolheunorepresentar (L.-S. 1979: 144). O que d ao meta-objeto multidimensional que so asMitolgicasum carter propriamente hologrfico, justo como o rizoma mtico com o qual ele faz rizoma, e que contm em cada mito uma imagem reduzida do sistema mtico panamericano (o mito nico). justamente porque a estrutura rigorosamente definida como um sistema de transformaes, que ela no pode ser representada sem fazer de sua representao uma parte de si mesma (Maniglier 2000: sem paginao definida). Isso nos encaminha para uma reconcepo de estrutura como transformalista, ou melhor,transformacionalista em outras palavras, nem formalista, no sentido proppiano, nem transformacional, no sentido chomskyano:

Uma estrutura est sempre entre dois: entre duas variantes, entre duas sequncias de um mesmo mito A unidade da estrutura no a de uma forma que se repetiria identicamente em uma e outra variante, mas a de uma matriz que permite mostrar em que uma variante uma transformao real da outra A estrutura rigorosamente coextensiva a suas atualizaes. Eis porque Lvi-Strauss insiste na diferenca entre o estruturalismo e o formalismo, que se tende obstinadamente a negligenciar (Maniglier op.cit)[5]

VI

Se no sem estrutura, ento, pelo menos um estruturalismo com uma outra noo de estrutura que a deAs estruturas elementares.Ou talvez se deva dizer que h dois usos diferentes do conceito de estrutura na obra de Lvi-Strauss: como princpio transcendental de unificao, lei formal de invarincia, e como operador de divergncia, modulador de variao contnua (variao de variao). A estrutura como combinatria gramatical fechada e como multiplicidade diferencial aberta.Na verdade, ambas sempre estiveram esteve presentes na obra de Lvi-Strauss, mas seu peso relativo muda ao longo do tempo.

Voltemos ento um passo atrs, ou antes, combinemos esse passo diacrnico com a descontinuidade sincrnica a que aludimos mais acima. A obra de Lvi-Strauss, desde muito cedo, contm um subtexto ou contratexto ps-estruturalista. A suposta parcialidade do estruturalismo por oposies simtricas, equipolentes, duais, discretas e reversveis (como as do esquema totmico clssico), desmentida no s pela ainda hoje surpreendente crtica ao conceito de organizao dualista do artigo de 1956 (As organizaes dualistas existem?, L.-S. 1956/1958) que postula o ternarismo, a assimetria e a continuidade como anteriores ao binarismo, simetria e descontinuidade como, mais ainda, pela igualmente antiga e ainda mais surpreendente frmula cannica do mito (L.S-S. 1955/1958), que pode ser tudo, menos simtrica e reversvel. Alm disso, muito digno de nota que Lvi-Strauss encerre as duas fases dasMitolgicas(o Final doHomem nue aHistria de Lince) com advertncias sobre os limites do vocabulrio da lgica extensional para dar conta das transformaes que ocorrem em/entre os mitos.

Sobretudo, decerto no por acaso que os dois ltimos livros mitolgicos de Lvi-Strauss sejam construdos como desenvolvimentos precisamente dessas duas figuras do dualismo instvel.A oleira ciumenta(1985) uma ilustrao sistemtica da frmula cannica, ao passo que aHistria de Linceconcentra-se na instabilidade dinmica o desequilbrio perptuo[6] das dualidades cosmo-sociolgicas amerndias. Isso me faz supor que estamos diante de uma mesma estrutura virtual, da qual a frmula cannica, que pr-desconstri o analogismo totmico do tipo A : B :: C : D, e o dualismo dinmico, que corri a paridade esttica das oposies binrias, seriam apenas duas atualizaes privilegiadas; haveria talvez outras.

Com a frmula cannica, em lugar de uma oposio simples entre metfora totmica e metonmia sacrificial, instalamo-nos imediatamente na equivalncia entre uma relao metafrica e uma relao metonmica, a toro que faz passar de uma metfora a uma metonmia ou vice-versa (L.-S. 1966: 211): a famosa dupla toro, a toro supranumerria que na verdade a transformao estrutural pura e simples (ou antes, hbrida e complexa): a relao desequilibrada . [que ] uma propriedade inerente s transformaes mticas (L.S. 1984: 13). A converso asimtrica entre o sentido literal e o figurado, o termo e a funo, o continente e o contedo, o contnuo e o descontnuo, o sistema e seu exterior estes so osverdadeirostemas estruturalistas, que atravessam todas as anlises lvi-straussianas da mitologia amerndia.

Com aHistria de Lince, o desequilbrio ou a abertura intensiva que uma propriedade constitutiva da estrutura dessa segunda noo de estrutura atinge o que se poderia chamar de maneira jocosamente hegeliana de conscincia de si. J observamos que asMitolgicasconcedem muita importncia, retrica inclusive, ao imperativo de fechamento. Mas esta import_ncia drasticamente relativizada por diversas passagens da obra que, em sentido inverso, sublinham a interminabilidade da anlise, a marcha em espiral (antes que em crculo) das transformaes, a assimetria das oposies, a pluralidade dos nveis, as dimenses suplementares, a multiplicidade e diversidade dos eixos necessrios para se ordenar os mitosA palavra-chave aqui desequilbrio,obsessivamente repetida nasMitolgicas. Alguns poucos exemplos: o desequilbrio sempre dado (L.-S. 1966: 222); longe de estar isolada das outras, cada estrutura contm um desequilbrio que no pode ser compensado sem apelar para um termo tomado de emprstimo de uma estrutura adjacente (id.1967: 294); mesmo quando a estrutura muda ou se enriquece para superar um desequilbrio, sempre ao preo de um novo desequilbrio que se revela em outro plano [...] a estrutura deve a uma inelutvel disssimetria seu poder de engendrar o mito, o qual no nada mais que um esforo para corrigir ou dissimular essa dissimetria constitutiva (id.: 406)

Esse desequilbrio no uma simples propriedade formal da mitologia, que responde pela transformabilidade e tradutibilidade dos mitos, mas um elemento fundamental de seu contedo. Os mitos pensamatravsdesse desequilbrio eo queeles pensam esse desequilbrio ele prprio, a disparidade em que consiste o ser do mundo (id.1971: 539). Os mitos contm sua prpria mitologia, ou teoria imanente (id.1964: 20), a teoria que afirma, segundo uma clebre passagem deO homem nu, uma

assimetria primeira, que se manifesta diversamente segundo a perspectiva em que nos colocamos para apreend-la: entre o alto e o baixo, o cu e a terra, a terra firme e a gua, o prximo e o distante, a esquerda e a direira, o macho e a fmea etc. Inerente ao real, essa disparidade pe a especulao mtica em movimento; mas isso assim porque ela condiciona, antes mesmo do pensamento, a existncia de todo objeto de pensamento (i.d 1971: 539).

Mas apenas vinte anos depois, comHistria de Lince,que o mito aceder ao que se poderia chamar seu momento propriamente especulativo, quando ele transforma o desequilbrio perptuo decondioemtema:

Qual , efetivamente, a inspirao profunda desses mitos? [] Eles representam a organizao progressiva do mundo sob a forma de uma srie de biparties; mas sem que entre as partes resultantes em cada etapa aparea jamais uma verdadeira igualdade [] Deste desequilbrio dinmico depende o bom funcionamento do sistema que, sem isso, estaria perpetuamente ameaado de cair em um estado de inrcia. O que proclamam implicitamente esses mitos que os plos entre os quais se odernam os fenmenos naturais e a vida social: cu e terra, alto e baixo, perto e longe, ndios e no-ndios, concidado e estrangeiros etc. jamais podero ser gmeos. O espirito se esfora por emparelh-los sem entretanto conseguir estabelecer entre eles uma paridade. Pois so estes afastamentos diferenciais em cascata, tais como os concebe o pensamento mtico, que pem em marcha a mquina do mundo. (1991: 90-91).[7]

Os mitos, enfim,pensando-se entre si,se pensamenquanto tais,em um movimento especulativo que, se ele reflete isto , se auto-transforma corretamente, no poder escapar ao desequilbrio sobre o qual reflete. A dualidade imperfeita em torno da qual gira a ltima grande anlise mitolgica de Lvi-Strauss, a gemelaridade que a chave de todo o sistema, a expresso acabada dessa assimetria auto-propulsiva. A verdadeira dualidade que interessa o estruturalismo no o combate dialtico entre Natureza e Cultura, mas a diferena intensiva e interminvel entre os gmeos desiguais deHistria de Lince,queso a cifra do pensamento mtico. Acifra,em todos os sentidos da palavra: a chave, o nmero e a senha. A cifra: a disparidade fundamental da dade, a oposio como limite inferior da diferena, o dois como caso particular do mltiplo.

VII

Aproximemo-nos de nossa concluso.Patrice Maniglier observava, a respeito da diferena entre as duas fases maiores do projeto estruturalista, que

Se o primeiro momento da obra de Lvi-Strauss parece se caracterizar por uma intensa interrogao sobre o problema da passagem da natureza cultura, e sobre a descontinuidade entre essas duas ordens, o segundo momento no menos intensamente caracterizado por uma denncia obstinada, por parte de Lvi-Strauss, da [tentativa de] constituio da humanidade como uma ordem parte. (Maniglier 2000: sem pg. def.).

Com efeito, considere-se o ltimo pargrafo deAs estruturas,onde o autor observa que, em seus mitos sobre a Idade de Outro e o Alm, a humanidade sonha em capturar e fixar aquele instante fugidio em que lhe foi permitido crer que podia trapacear com a lei da troca, ganhando sem perder, desfrutando sem partilhar, e que assim para ela a felicidade completa, eternamente negada ao homem social, aquela que consiste em viverentre si. Compare-se essa constatao, finalmente to freudiana, com um passo bem mais tardio da obra de Lvi-Strauss, onde o antroplogo define o mito como sendo uma histria do tempo em que os humanos e os animais no se distinguiam entre si (L.S. & Eribon 1988: 193), acrescentando que a humanidade jamais conseguiu se resignar diante da falta de acesso comunicativo s outras espcies do planeta. Reflitamos: a nostalgia de uma comunicao originria entre todas as espcies (a continuidade interespecfica) no exatamente a mesma coisa que aquela nostalgia da vida entre si responsvel pela fantasia do incesto pstumo (a descontinuidade intra-especfica). Muito ao contrrio, diramos: mudou a nfase, e o sentido, daquilo que o estruturalismo toma como sendo o contra-discurso antropolgico, isto ,humano. Em outras palavras, a segunda voz do discurso antropolgicodo estruturalismocomea a soar mais forte.

A discordncia ou tenso criativa entre os dois estruturalismos contidos na obra de Lvi-Strauss internalizada de modo especialmente complexo nasMitolgicas. Vimos acima que Lvi-Strauss contrastava a lgebra do parentesco deAs estruturas elementares, que estaria inteiramente do lado do discreto, com a dialtica mtica entre contnuo e descontnuo. Essa diferena no puramente formal. Pois no apenas a forma esttica da mitologia amerndia que se mostra um misto de contnuo e descontnuo, mas seu contedo filosfico igualmente e de resto, como poderia um verdadeiro estruturalista separar forma de contedo?

Assim, preciso concluir que asMitolgicasso um pouco mais que uma empresa centrada no estudo das representaes mticas da passagem da natureza cultura, que como o autor descreve modestamente sua empresa emParoles Donnes(L.-S. 1984). Pois medida em que elas vo sendo escritas que seu autor comea, por seu lado, a contestar a pertinncia de um contraste radical entre Natureza e Cultura, como observa Maniglier. Seria ento um pouco absurdo imaginar que Lvi-Strauss transferisse para os ndios a insensatez que ia diagnosticando como a tara fatal do Ocidente.E com efeito, asMitolgicas, longe de descreverem uma passagem clara e unvoca entre Natureza e Cultura, obrigaram seu autor a cartografar um labirinto de caminhos tortuosos e equvocos, vias transversas, becos estreitos, impasses obscuros, rios que correm nos dois sentidos ao mesmo tempo, como aqueles evocados emA origem dos modos mesa A passagem de mo nica ente Natureza e Cultura no passa, em certo sentido, da primeira metade do primeiro livro da tetralogia. Dali para frente, os setes livros da srie completa mostram-se fascinados pelas mitologias da ambiguidade (Do mel s cinzas), pelas mitologias das fluxes (A origem dos modos mesa), pelos percursos regressivos e as marchas retrgradas da Cultura Natureza, as zonas de compenetrao entre essas duas ordens, os pequenos intervalos, as periodicidades curtas, as repeties rapsdicas, os modelos analgicos, as deformaes contnuas, os desequilbrios perptuos, os dualismos que se desdobram em semi-triadismos e explodem inesperadamente em uma multiplicidade de eixos transversais de transformao O mel e a seduo sexual, o cromatismo e o veneno, a lua e a androginia, a algazarra e o fedor, os eclipses e a garrafa de Klein, os tri_ngulos culinrios que vistos de perto se transformam em curvas de Koch, isto , fractais infinitamente complexas Dir-se-ia que o contedo da mitologia amerndia consiste em uma negao do prprio impulso gerador do mito, na medida em que essa mitologia pensa ativamente, e contempla nostalgicamente, um contnuo cuja negao , no entender de Lvi-Strauss, a condio fundamental do pensamento. Se a mitologia amerndia possui, como afirma vrias vezes Lvi-Strauss, um direito e um avesso, um sentido progressivo e outro regressivo, tambm porque estes so os dois sentidos ou direes do discurso estruturalista ele prprio (ou vice-versa). A polmica distino entre mito e ritual do Final deO homem nurevela-se, no final das contas, como tendo sido recursivamente interiorizada: o grande mito tupi deHistria de Lincedescreve um movimento idntico ao que define a essncia de todo rito (rito, no mito, note-se bem), o cascatear de oposies de escopo decrescente, sua convergncia assinttica em um esforo desesperado para captar a assimetria ltima do real. Como se o nico mito que funcionasse realmente como um mito lvi-straussiano fosse o mito da mitologia, isto , asMitolgicaselas mesmas. Ou no; ele tampouco. Esse certamente um problema a ser retomado.

Chamo vossa ateno, aqui, para um pargrafo situado j no apagar das luzes deO homem nu, na pgina 448 do original. A propsito de um mito norte-americano sobre a conquista do fogo celeste, que envolve o uso de uma escada de flechas que se parte e rompe a comunicao entre o cu e a terra, o autor observa o mesmo autor, recordemos, que comeavaO cru e o cozidocom um elogio do discreto, do enriquecimento lgico efetuado pela reduo dos contnuos primordiais agora, repito, ele conclui:

No se deve esquecer que esses atos no-reversveis de mediao acarretam pesadas contrapartidas: empobrecimento quantitativo da ordem natural na durao, pelo termo exguo atribudo vida humana; no espao, pela diminuio do nmero de espcies animais aps sua desastrosa incurso celeste e tambm empobrecimento qualitativo, visto que, por ter conquistado o fogo, o Picapau perde a maior parte de sua veste de plumas rubras (M729), e que se, em troca, o Melro adquire um peitoral vermelho, sob a forma de uma leso anatmica subsequente ao seu fracasso no decorrer da mesma misso. Seja por destruio de uma harmonia primitiva, seja pela introduo de afastamentos diferenciais que a alteram, o acesso da humanidade cultura se acompanha, no plano da natureza, de uma espcie de degradao que a faz passar do contnuo ao discreto.

Esse um daqueles trechos meio perdidos na selva dasMitolgicasque percebemos subitamente cruciais, quando a ambiguidade entre os dois discursos do estruturalismo, aquele da hominizao triunfante deAs estruturas elementarese aquele da denncia da auto-separao da humanidade interiorizada analiticamente e posta na conta de uma reflexo imanente ao mito: so os mitos que contam as duas histrias, e a marcha regressiva no to negativa assim, ou pelo menos no mais apenas negativa: a gnese da cultura degenerativa? E nesse caso, a marcha regressiva regenerativa? Impossvel, entretanto? Imaginria, simplesmente? Ou pior? Pois h momentos em que a nostalgia do contnuo aparece para Lvi-Strauss como sintoma de uma doena real provocada pela proliferao descontrolada do descontnuo, dir-se-ia, e no apenas como mera fantasia ou liberdade imaginria. O aquecimento global da histria, o fim das histrias frias, o fim da Natureza.[8]

VIII

A distncia real que separa as duas grandes fases da obra de Lvi-Strauss um movimento crucial realizado nasMitolgicas: a amerindianizao do estruturalismo.AsMitolgicasso um real tratado de sociologiaindgena, no sentido autoral da palavra. Sociologiadosndios, feitapelosndios: a cincia social do observado.E neste sentido que elas completam o trabalho de dissoluo da sociologia cujos primeiros sinais P. Maniglier via emAs estruturas elementares. claro, asMitolgicasso antes de mais nada uma anlise de mitos feita por Lvi-Strauss, com uma pretenso de tipo psicolgico-cognitivo. A proposta do autor examinar o funcionamento da imaginao mtica enquanto uma faculdade do esprito humano. No obstante, alm disso ou, talvez, em lugar disso, asMitolgicasconstituem tambm um estudo de etno-sociologia, isto , de anti-sociologia. Existe ali uma imagem dosociusinscrita nesse discurso mitolgico; essa imagem tem pouco em comum com nossas prprias imagens, as metforas milenares de nossa prpria tradio. interessante notar que nos mitos analisados na srie, fala-se muito pouco naquilo que a antropologia clssica entende por sociologia. Os mitos pouco dizem sobre cls, direitos, poder poltico, estruturas de autoridade Eles falam de sangue, mel, tabaco, podrido, fantasma, porcos, canibalismo, cores dos pssaros, pnis removveis, nus personificados Em suma, os mitos falam de um universo essencialmente material, corporal, sensvel e sensorial, e muito pouco de um universo jurdico e normativo, que como ns estamos acostumados a conceber o discurso sociolgico. AsMitolgicasdemonstram que a sociologia indgena uma sociologia dos corpos e dos fluxos materiais. Na verdade, esses livros so como uma luta cerrada entre a unidade do esprito humano e a multiplicidade do corpo indgena. O esprito comea com ntida vantagem, na Abertura deO cru e o cozido; mas o corpo vai progressivamente dominando a luta, at ganh-la inequivocamente, ainda que por pontos por um pequenoclinamenque se acentua nitidamente nos rounds finais, comHistria de Lince.

A idia de uma amerindianizao do estruturalismo , a meu ver, essencial para que a retomada da herana intelectual de Lvi-Strauss se faa sob o modo de um avano epistemolgico, isto , poltico, no de um retorno nostlgico a um pretenso rigor cientifico que teria sido abandonado pela antropologia ps-moderna. Devemos poder ser capazes de tirar todas as consequncias da idia de que o estruturalismo lvi-straussiano, pensamento autenticamente especulativo ou auto-temtico, uma transformao estrutural do pensamento amerndio; ele a resultante da inflexo que este ltimo pensamento recebe ao ser filtrado por problemas e conceitos caractersticos dalogopoiesisocidental (o mesmo e o outro, o contnuo e o discreto, o sensvel e o inteligvel, a natureza e a cultura), segundo um movimento de equivocao controlada, em equilbrio instvel, sempre ameaado fecundamente pela traio e pela corrupo. Entendo que to pouco avisado separar a antropologia de Lvi-Strauss de suas condies de constituio no contato com a lingustica de Saussure, ou com a morfologia de DArcy Thompson, quanto o seria separ-la da experincia formativa do autor, no campo e nas bibliotecas, junto aos povos amerndios. Os alicerces amerndios do estruturalismo, para falarmos como A.-C. Taylor (2004: 97), no podem ser ignorados sem que percamos com isso uma dimenso vital de compreenso da obra inteira de Lvi-Strauss.Isso no significa de modo algum que a validade dos problemas e conceitos propostos por esse antroplogo se restrinja a uma rea cultural, por vasta que seja, mas justo o contrrio: a obra de Lvi-Strauss o momento em que o pensamento amerndio faz seu lance de dados,met son coup de ds, ultrapassando seu prprio contexto e se mostrando capaz dedar a pensar a outrem, isto , a todo aquele que, persa ou francs, se disponha a pensar sem mais.

Esta a lio maior do mestre: tornarmo-nos capazes de ouvir outras lies, as lies do outro, praticar aquela abertura ao Outro que, por uma surpreendente reviravolta, a antropologia descobre ser a atitude que caracteriza esses outros que ela estuda muito mais que ns mesmos, esses outros que antes ela se comprazia em imaginar encerrados em seu intemporal casulo etnocntrico. A mensagem final deHistria de Lince assim aquela, perturbadora, de que o outro dos outrostambm outro. E a concluso mais geral a tirar que a antropologia no dispe de outra posio possvel que a do estabelecimento de uma coplanaridade de princpio com o pensamento selvagem, o traar de um plano de imanncia comum a seu objeto. Ao definir asMitolgicascomo o mito da mitologia e o conhecimento antropolgico como uma transformao da praxis indgena, a antropologia lvi-straussiana projeta uma filosofia por vir marcada positivamente pelo selo da interminabilidade e da virtualidade: oAnti-Narciso.

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[1]A inexistncia de uma meta-estrutura assinalada desde a Introduo obra de Marcel Mauss (1950) e de A noo de estrutura em etnologia (1958). Sobre a indeterminao de princpio dos eixos semnticos de um sistema mtico, cf. a mxima deO pensamento selvagemde que o princpio de uma classificao jamais se postula.

[2]Deve haver em algum lugar uma passagem decisiva que Mauss no franqueou (L.-S. 1950: xxxvii).

[3]Recordemos que o contrrio do pensamento selvagem o pensamento domesticado em vista de obter um rendimento (L.-S. 1962: 289).

[4]A expresso foi aplicada por Jacques Donzelot (1977) aoO Anti-dipo(Deleuze & Guattari 1972), esse manifesto ps-estruturalista.

[5]Eis porque tambm a busca de uma estrutura do mito enquanto objeto sintagmtico fechado um perfeito contra-senso. Como ressalta dessa observao de Maniglier, e ainda mais enfaticamente da demonstrao de Mauro Almeida em artigo j citado, a transformao estrutural por excelncia, a frmula cannica do mito, no permite definir a estrutura interna de um mito pois no existe tal coisa. Um mito no se distingue de suas verses, a composio interna de uma narrativa de mesma natureza que suas transformaes externas. O que se passa dentro de um mito o que permite passar de um mito a um outro.Todo mito em [forma de] garrafa de Klein (L.-S. 1985: 209-ss).

[6]A expresso desequilbrio perptuo faz sua primeira apario emAs estruturas elementares, para descrever o casamento avuncular dos Tupi, povo cuja mitologia , talvez no por acaso, a referncia principal para o tema do desequilibrio perptuo emHistria de Lince.

[7]A palavra final deste trecho, no original, univers mas mundo vai aqui como homenagem ao mximo poema de Carlos Drummond de Andrade.

[8]Esta passagem ecoa a moral dos mitos do final deA origem dos modos mesa, que ecoa tantas outras passagens, como a do artigo em homenagem a Rousseau. Cito aquiA origem, p. 422 do original::

Neste sculo em que o homem teima em destruir inumerveis formas de vida, depois de tantas sociedades cuja riqueza e diversidade constituam desde tempos imemoriais seu maior patrimnio, nunca, com certeza, foi mais necessrio dizer, como o fazem os mitos, que um humanismo bem ordenado no comea por si mesmo. Coloca o mundo antes da vida, a vida antes do homem, o respeito pelos outros seres antes do amor-prprio. E que mesmo uma estadia de um ou dois milhes de anos nesta terra j que de todo modo h um dia de acabar no pode servir de desculpa para uma espcie qualquer, mesmo a nossa, dela se apropriar como coisa e se comportar sem pudor ou moderao.

Fonte:

http://canibaisavulsas.wordpress.com/2010/05/13/levi-strauss-fundador-do-pos-estruturalismo/