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Ora, é mais que sabido que a maio- ria de nossos rios encontra-se com os recursos pesqueiros à beira do colapso. Assim, em que seriam aplica- dos esses fundos e incentivos? Se a quantidade de peixes já não sustenta sequer as famílias que vivem às suas margens, que tipo de milagre seria fei- to com esse dinheiro? A criação do novo ministério já dura uma gestação — o MPA foi instituído há nove meses —, entretanto, as nossas expectativas de pescadores esportivos otimistas sobre o entendimento dessa instituição em criar políticas mais rea- listas para a pesca, seja comercial ou esportiva, já estão se esvaindo. Onde foi parar a possibilidade de o rio Ara- guaia ser transformado em Área de Preservação Permanente — com a par- ticipação do governo? Que fim levaram algumas propostas entusiasmantes, como a regulamentação de medidas mínimas e máximas para o abate de Tucunarés nas represas de Tupacigua- ra-MG e de Serra da Mesa-GO? Infelizmente, o “ensaio sobre a ce- gueira” no segmento pesqueiro não impera apenas em âmbito federal: no Estado do Mato Grosso do Sul está para entrar em prática a Lei de Pes- ca Estadual N o 119/09, que promete ressuscitar de forma regularizada mé- todos de pesca predatória, como a uti- lização de redes, de anzóis-de-galhos e joão-bobo para qualquer pescador munido de carteira profissional. O ob- jetivo é nobre, mas a solução é pirata: como resolver a problemática de mi- lhares de pescadores que sofrem com a redução do pescado para sustento de suas famílias com medidas que só acelerarão o processo de extinção dos peixes? Será que teremos de esperar o milagre de os “pobres pescadores profissionais” descobrirem sozinhos que “a vaca” — a qual lhes provia o lei- te — não terá descendentes? Já na costa carioca, outro alerta: diversas embarcações de pesca pro- fissional dizimam os cardumes de pei- xes de bico e de outras espécies que frequentam o seu litoral. E o pior: para que a matança seja eficaz, pescado- res profissionais utilizam iscas vivas, como a Sardinha. Aqui, cabe a invoca- ção do Ibama. [Acompanhe a matéria de meio ambiente desta edição na página 68] Esse é apenas parte do quadro real. Entretanto, estamos atentos e empenhados em ajudar a mudar o caminho da pesca esportiva, que — a depender das soluções propostas — continuaria a caminhar “contra o ven- to, sem lenço e sem documento”. O Mito da Caverna na pesca esportiva Há 2.500 anos, Platão lançou uma das metáforas mais marcantes imagina- das pela filosofia: o Mito da Caverna — narrativa que descreve a infeliz condi- ção humana como condenada a ver sombras no lugar da realidade. Quando o Governo Federal — por meio do recém-criado MPA (Ministério da Pesca e Aqui- cultura) — decide estabelecer novas áreas e cooperativas para a exploração da pesca comercial em águas interiores, a partir de linhas de créditos a juros reduzidos, entre outros incentivos, sobressai a pergunta milenar: até quando a resolução de graves problemas será executada sob a luz da incompreensão? editorial editorial Os editores editorial.indd 4 28/07/2011 09:32:23

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Editorial publicado na Revista Pescaventura 6, em março de 2010

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Ora, é mais que sabido que a maio-ria de nossos rios encontra-se com os recursos pesqueiros à beira do colapso. Assim, em que seriam aplica-dos esses fundos e incentivos? Se a quantidade de peixes já não sustenta sequer as famílias que vivem às suas margens, que tipo de milagre seria fei-to com esse dinheiro?

A criação do novo ministério já dura uma gestação — o MPA foi instituído há nove meses —, entretanto, as nossas expectativas de pescadores esportivos otimistas sobre o entendimento dessa instituição em criar políticas mais rea-listas para a pesca, seja comercial ou esportiva, já estão se esvaindo. Onde foi parar a possibilidade de o rio Ara-guaia ser transformado em Área de Preservação Permanente — com a par-ticipação do governo? Que fim levaram algumas propostas entusiasmantes, como a regulamentação de medidas mínimas e máximas para o abate de Tucunarés nas represas de Tupacigua-ra-MG e de Serra da Mesa-GO?

Infelizmente, o “ensaio sobre a ce-gueira” no segmento pesqueiro não impera apenas em âmbito federal: no Estado do Mato Grosso do Sul está para entrar em prática a Lei de Pes-ca Estadual No 119/09, que promete ressuscitar de forma regularizada mé-

todos de pesca predatória, como a uti-lização de redes, de anzóis-de-galhos e joão-bobo para qualquer pescador munido de carteira profissional. O ob-jetivo é nobre, mas a solução é pirata: como resolver a problemática de mi-lhares de pescadores que sofrem com a redução do pescado para sustento de suas famílias com medidas que só acelerarão o processo de extinção dos peixes? Será que teremos de esperar o milagre de os “pobres pescadores profissionais” descobrirem sozinhos que “a vaca” — a qual lhes provia o lei-te — não terá descendentes?

Já na costa carioca, outro alerta: diversas embarcações de pesca pro-fissional dizimam os cardumes de pei-xes de bico e de outras espécies que frequentam o seu litoral. E o pior: para que a matança seja eficaz, pescado-res profissionais utilizam iscas vivas, como a Sardinha. Aqui, cabe a invoca-ção do Ibama. [Acompanhe a matéria de meio ambiente desta edição na página 68]

Esse é apenas parte do quadro real. Entretanto, estamos atentos e empenhados em ajudar a mudar o caminho da pesca esportiva, que — a depender das soluções propostas — continuaria a caminhar “contra o ven-to, sem lenço e sem documento”.

O Mito da Caverna na pesca esportiva

Há 2.500 anos, Platão lançou uma das metáforas mais marcantes imagina-das pela filosofia: o Mito da Caverna — narrativa que descreve a infeliz condi-ção humana como condenada a ver sombras no lugar da realidade. Quando o Governo Federal — por meio do recém-criado MPA (Ministério da Pesca e Aqui-cultura) — decide estabelecer novas áreas e cooperativas para a exploração da pesca comercial em águas interiores, a partir de linhas de créditos a juros reduzidos, entre outros incentivos, sobressai a pergunta milenar: até quando a resolução de graves problemas será executada sob a luz da incompreensão?

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Os editores

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