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1educ@r sem fronteiras - Fevereiro 2008
Este Editorial começou a ser redigido no interior daGuiné-Bissau, mais propriamente em Gabú, no leste dopaís. A ESE-IPVC tem mantido com esta região umarelação muito especial nos últimos sete anos,particularmente numa aproximação ao sector de Boé,região histórica ligada à luta pela independência, juntoà fronteira com a Guiné-Conacri, onde temos trabalhadocom professores, técnicos de desenvolvimento rural eagentes de saúde básica, entre outros actores dodesenvolvimento local.
Estavam em Gabú cerca de 40 graus centígradosquando lá deixámos dois estudantes finalistas do cursode educação física, o Paulo e o Luís. Ficamos muitoimpressionados com a sua grande capacidade deadaptação e de integração no contexto local e sobretudodo seu querer viver e estar como os guineenses. OPaulo afirmou durante a primeira reunião de apresentaçãodo projecto de mobilidade: “Estamos simplesmenteaqui...” De facto, fiquei a pensar nestas palavras que meparecem traduzir uma certa forma de estar emcooperação: não impor nada, respeitar os ritmos locaisde implementação, estar atento aos processos demudança locais, sensibilidade cultural, acreditar quepartilhar é possível...Estes têm sido alguns dos princípiosdo Programa “Educar sem Fronteiras”.
O Boletim nº 4 “Educar sem Fronteiras” pretendetambém seguir a evolução deste programa deinternacionalização e cooperação ao longo de 2007,debruçando-se sobre as principais iniciativasimplementadas pelo GEED, em articulação com osnossos parceiros. A rubrica Voluntariado e Cidadaniacontinua a afirmar-se com muita vitalidade no GEED.Desde a preparação dos voluntários à devolução dedados, é referido um percurso coerente que marca deforma profunda a instituição. O trabalho na Guiné-Bissauintegrou-se numa dinâmica já criada na região leste dopais – em Gabú e sector do Boé . Além disso, o percursodos voluntários estendeu-se também a Angola, numtrabalho pioneiro na região de Malange, em articulaçãocom a ong angolana ADRA (Acção para oDesenvolvimento Rural e Ambiente) e nas províncias daHuíla e Huambo, foi desenvolvido o Projecto Sorrir, naárea da educação de infância, em colaboração estreitacom a Christian Children´s Fund (CCF).
Este Boletim apresenta uma grande diversidade detemáticas de interesse para o conhecimento das grandesquestões da educação, cooperação e desenvolvimento. Nas páginas centrais, é-nos apresentada uma reflexãopor dois especialistas africanos sobre a temática daLíngua Portuguesa em Angola e em Cabo Verde. Aentrevista a António Costa, conduzida por Rosa Silva,
é muito esclarecedora sobre a questão da planificaçãolinguística e da situação da língua oficial em Angola ena sua relação com as línguas maternas. O texto deMargarida Santos, professora do Instituto Pedagógicono Mindelo, foi redigido para o lançamento do manualde alfabetização “Aprender o Português” e apresenta-nos as bases científico-pedagógicas para a construçãodeste precioso instrumento de trabalho para alunos eprofessores da 1ª fase do ensino básico que acaba deser lançado em Cabo Verde. Antónia Barreto escrevesobre os grandes desaf ios da educação edesenvolvimento na Guiné-Bissau, revelando umconhecimento profundo deste sistema educativo numcontexto de fragilidade. Catarina Gouveia clarifica, apartir da sua experiência irlandesa, os conceitos deeducação para o desenvolvimento, conceito este que éestruturante para uma parte significativa do trabalho queo GEED desenvolve no distrito.
A variedade temática estende-se também a outraspáginas do Boletim: Rui Silva e Nelson Dias da ESEescrevem sobre “Energia sem Fronteiras”, um modeloinovador que está a ser desenvolvido na ESE parapossíve l t ransferênc ia para contextos emdesenvolvimento; Eduarda Cadeco, em crónicas decooperação, reflecte sobre o seu trajecto de agente dedesenvolvimento na Guiné-Bissau e faz-nos tomarconsciência do “mundo inconsciente” em que vivemos. A rede INEE merece também destaque neste Boletim,preparando-se a ESE para ser focal point para oscontextos lusófonos.
No plano internacional é igualmente referido o trabalhodo GEED na província do Zaire, em Angola, assim comoas lições aprendidas no quadro da parceria integrada nainiciativa “Global Challenge-Rewrite the Future”, umprograma educativo promovido pela Save the ChildrenAlliance para crianças em situação de pós-conflito. AESE tem participado através do trabalho de formaçãode formadores em Língua Portuguesa, tendo este trabalhono norte de Angola sido liderado pela técnica do GEED,Rosa Silva.
Estando a aproximar-se do fim a primeira fase doPrograma, resta-nos agora verificar e medir os impactosque o Programa gerou nos diversos contextos da suaimplementação. Resta-nos também reflectir, juntamentecom os parceiros, sobre a riqueza, diversidade ecomplexidade desta área da cooperação, onde aeducação teve um papel crucial. O próximo Boletim faráeco destas preocupações e apontará, certamente, linhaspara o futuro.
Júlio Santos – GEED
Editorial
Fevereiro 2008 - educ@r sem fronteiras2
O PERCURSO DOSPROJECTOS DEVOLUNTARIADO PARA ACOOPERAÇÃO DESDE AFORMAÇÃO À DEVOLUÇÃODE RESULTADOS,o testemunho do ISU-Viana
À semelhança de anos anteriores, em 2007 o
núcleo de Viana do Castelo do Instituto de Solidariedade
e Cooperação Universitária promoveu o curso de formação
de voluntariado para a cooperação: “Nô Djunta Mon”(NDM)
que consiste na preparação dos formandos que podem
vir a integrar as equipas de implementação dos projectos
do ISU-Viana/GEED.
Todo este processo começou com a divulgação
desta iniciativa junto da lista de contactos, dos média e
sítios da internet das duas instituições: ISU e ESE-IPVC.
Estes são, por norma, os canais de divulgação de todas
as actividades realizadas. A multiplicação da informação
permitiu-nos chegar além do distrito de Viana do Castelo,
cuja população é o nosso público-alvo de eleição,
directamente relacionado com o facto de estarmos
sedeados na Escola Superior de Educação do Instituto
Politécnico de Viana do Castelo.
Mas, importa reforçar novamente que todas as
iniciativas de formação e voluntariado são abertas a toda
a comunidade nacional e internacional que possa ter
interesse na área e esteja disposto a aprender com o
processo.
Assim, no mês de Março decorreu o período de inscrições,
durante o qual nos chegaram inscrições de Braga,
Coimbra, Porto e Viana do Castelo. Embora o perfil de
voluntários pedido privilegiasse as áreas de formação
de ensino desde o pré-escolar ao secundário e saúde
(enfermagem em particular), também o perfil de formandos
inscritos foi muito diversificado, desde Turismo,
Comunicação Social, Serviço Social, Direito e, finalmente,
Ensino e Enfermagem. A primeira sessão aconteceu já
em Abril, com um grupo de dezasseis voluntários que
permaneceria connosco até ao final do mês de Maio,
sendo que todo o grupo completou o processo de
formação. A equipa de formadores que acompanhou este
grupo teve a possibilidade de atestar novamente a
potencialidade pedagógica e social da diversidade. Isto
porque, o facto do grupo ter características tão distintas,
desde experiência de vida, formação e aspirações,
proporcionou uma partilha de ideias e despoletou uma
amizade baseada no respeito e cumplicidade. Todo este
ambiente permitiu um à vontade que enriqueceu em
muito os conteúdos de formação propostos pela equipa.
Todo o grupo se dedicou com muito afinco a
ultrapassar uma das maiores ameaças a este tipo de
projectos, a ausência de financiamento. De facto, foi
determinante o envolvimento destes voluntários na
realização de inúmeras actividades de angariação de
fundos (bancas de vendas, festas, rifas, peditórios e
apelos para a responsabilidade social de empresas locais
e regionais.) Com estes momentos e com o apoio das
organizações parceiras foi possível reunir o valor
necessário para a realização dos projectos. Importa
sublinhar a dificuldade deste processo pois, a falta de
informação ou detenção de informação errada junto
daqueles que os voluntários interpelam é muitas vezes
fonte de desinteresse e falta de envolvimento.
Voluntariado e Cidadania
3educ@r sem fronteiras - Fevereiro 2008
Modelo de formação NDM
Pegando no modelo de Formação concebido
pelo ISU: “Nô Djunta Mon” foram abordados os temas:
Pilares NDM, Voluntariado para a Cooperação,
Interculturalidade, Metodologia de Projecto e Educação
para o Desenvolvimento ao longo de trinta e cinco horas.
As metodologias de educação não formal
assumem uma especial relevância nas sessões de
formação que decorreram semanalmente com uma carga
horária diferente de acordo com a complexidade e a
pertinência dos conteúdos. Assim, os formandos
ocuparam sempre um papel de protagonismo no que se
refere à produção de conhecimento e processo de
aprendizagem.
Sempre nesta lógica o grupo fez uma caminhada
de formação até ao final de Maio, altura em que foram
entrevistados os formandos que considerassem ter perfil
para integrar um projecto de voluntariado para a
cooperação.
Com base no caminho percorrido pelo voluntário,
o perfil demonstrado, as características individuais e
sobretudo as características de grupo que se pretende
criar, a equipa de formação e preparação do projecto
seleccionou os voluntários e constituiu as equipas de
intervenção.
Ao contrário do que se possa pensar não há um
perfil ideal para projectos desta natureza. Qualquer
voluntário pode participar num projecto de cooperação.
Mas, numa dinâmica em que desenvolvimento pessoal
dos voluntários assenta no grupo e nas relações
interpessoais, quer com os restantes elementos da equipa,
quer com a comunidade, é fundamental constituir equipas
e não apenas grupos de trabalho.
Assim, constituídas as equipas, entre Junho e
Julho, os dez voluntários seleccionados divididos em três
equipas de cinco, três e dois elementos, preparam-se a
nível pessoal, de equipa e profissional para darem o seu
melhor junto das comunidades onde o projecto seria
implementado.
Das seis semanas passadas no interior da Guiné-Bissau, as maioressaudades que nos ficam são as do desenrolar do quotidiano dapopulação, que sempre nos acolheu e nos integrou no seu dia-a-dia,como se filhos da terra - e seus - fôssemos. Quando chegámos, íamosà procura de África. Descobrimo-la em tudo o que ela tem de maisencantador. Ressoam-nos agora na memória, indistintamente, osaromas, as cores, os risos, as mãos em que entrelaçámos as nossasmãos enquanto percorremos esse trilho de cooperação entre povos.Até um dia!
Grupo de voluntários do projecto Nô Djunta Mon, Guiné-Bissau (no folheto de Apresentação da Exposição: “Sorrisos Connosco, Cá e Lá”)
Depois de uma longa viagem até Luanda, onde os odores se misturam,as cores que rodeiam são quentes, onde a vida é diferente, chegámosaos destinos tão desejados: o Lubango e o Huambo. Este projecto émuito interessante,pois visa assegurar às crianças o direito à educaçãodesde cedo, uma educação que lhes propicie segurança emocional,competência social e capacidade de aprender. Assim, foi-nos dada aoportunidade de dar formação a Vigilantes e Educadoras de Infância,tendo sempre como base o “aprender a fazer”. Com as pessoas com
que nos cruzámos em Angola aprendemos a viver com esperança,esperança de um futuro melhor. Estas fotografias são fragmentos dessepercurso maravilhoso e único, das pessoas que conhecemos e dos locaisque visitámos.
Voluntárias do projecto Sorrir, Angola(no folheto de Apresentação da Exposição: “Sorrisos Connosco, Cá e Lá”)
Estas fotografias foram tiradas pelos voluntários do ISU Viana durantea sua estadia de dois meses em Malange, Angola. Queremos transmitiratravés delas um pouco das nossas vivências e recordações de umpovo que nos acolheu com intenso afecto. Pretendemos tambémdespertar a consciência e os sentidos dos visitantes para uma realidadesocial diferente e desconhecida para a maioria, mas ao alcance daquelesque sentem o voluntariado como um desafio do coração. Vão ver, ecompreender, como se abrem horizontes apenas com o esboçar deum sorriso…
Voluntários do projecto de voluntariado para a cooperação, Malange, Angola(no folheto de Apresentação da Exposição: “Sorrisos Connosco, Cá e Lá”)
Preparação do trabalho no terreno
A preparação destas equipas foi acompanhada
de perto por técnicos ligados ao ISU-Viana e GEED com
formação em cada uma das áreas de intervenção e
conhecimento do terreno. Além das necessidades
diagnosticadas, da solicitação das entidades parceiras,
fundamentais para a realização desta dinâmica
apresentada são também conciliadas as potencialidades
de cada um dos voluntários no sentido de criar um grupo
de intervenção transversal e multidisciplinar.
Em 2007, os grupos e respectivos locais de
intervenção foram os seguintes:
- Projecto Nô Djunta Mon: Ana Rodrigues, Carina
Silva, Cátia Carvalho, Eugénia Brito e Hugo
Lopes, Béli e Gabú, Guiné-Bissau;
- Projectos de Voluntariado para a Cooperação:
Catarina Tenreiro, Gisela Santos e Rui Oliveira,
Malange, Angola;
- Projecto Sorrir: Ana Liquito e Andreia Guia,
Huambo e Huíla, Angola
Cada intervenção só foi possível, desde o seu
início, graças às parcerias estabelecidas com
organizações não-governamentais com um longo trabalho
e conhecimento do terreno.
Em Angola, o projecto de voluntariado para a
cooperação contou com a parceria da Acção para o
Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA), uma ONG
angolana com um longa experiência no desenvolvimento
comunitários das zonas rurais por todo o país. Em
Malange, com o apoio da ADRA, os voluntários
desenvolveram actividades de formação de professores
e jovens; acções de sensibilização para o direito à
educação; apoio à concepção de boletins e agenda
cívica.
Ainda em Angola, mas na área da educação pré-
escolar, o projecto Sorrir só foi possível com o apoio da
Christian Chlidren’s Fund, Organização não-
governamental americana que trabalha há vários anos
em Angola. As voluntárias dinamizaram sessões de
formação para monitoras do ensino pré-escolar e
educadoras, sendo os conteúdos de formação.
devidamente adaptados às realidades locais e recursos
disponíveis, passaram por uma contextualização teórica
e exemplos práticos de aplicabilidade desses
conteúdos.Por sua vez, na Guiné-Bissau, os voluntários
contaram com a colaboração da DIVUTEC (Associação
Guineense para a Divulgação de Tecnologias Apropriadas)
para a implementação das actividades de formação de
professores, agentes de saúde de base, matronas e
jovens em Béli e em Gabú. Em Gabú, o seu trabalho foi
desenvolvido com o apoio do FNUAP (Fundo das Nações
Unidas de Apoio às Populações) no Centro Multifuncional
para a Cultura, Juventude e Desporto.
Quer em Gabú, quer em Malange, os projectos
baseiam-se no facto de a ESE-IPVC ter participado na
criação de Centros de Recursos Educar Sem Fronteiras,
para além das relações de parceria privilegiadas. Com
esta iniciativa pretende-se contribuir para o
desenvolvimento das comunidades que possam vir a
utilizar esses centros através da dinamização dos
mesmos.
Nunca é demais afirmar que o sucesso das
iniciativas de voluntariado para a cooperação ficou a
dever-se a todos quantos nestas organizações parceiras
se disponibilizaram para facultar toada a informação,
preparar o terreno e acolher os voluntários.
Se esta experiência é extremamente
enriquecedora para todos aqueles que se envolvem na
sua preparação, execução e avaliação, são os voluntários
aqueles a quem a passagem por estes contextos deixará
marcar mais profundas. Para que os voluntários sejam
bons embaixadores destas comunidades e da
cooperação, aquando do seu regresso é fundamental o
seu acolhimento e acompanhamento.
Fevereiro 2008 - educ@r sem fronteiras4
5educ@r sem fronteiras - Fevereiro 2008
Esse acompanhamento permite-lhes a partilha
de emoções, conhecimentos e aprendizagens dos meses
que passam nas comunidades em que desenvolveram
os projectos. Este grupo de dez voluntários voltou de
Angola e da Guiné-Bissau no dia 14 de Setembro.
Depois de uma experiência deste género é muito
difícil gerir todas as emoções que cada voluntário traz
consigo. Na tentativa de apoiar os voluntários na sua
readaptação, o grupo é convidado para participar em
várias actividades de partilha de conhecimento e
apresentação dos resultados das actividades realizadas
no âmbito de cada um dos projectos.
Um exemplo desse tipo de apresentações é a
exposição de fotografias: “Sorrisos connosco, Cá e Lá”
concebida na integra pelos voluntários. Esta exposição
circulou por várias escolas do Instituto Politécnico de
Viana do Castelo no sentido, quer de dar a conhecer o
que foi feito mas, mais do que isso, demonstrar a qualquer
aluno que estes projectos estão ao alcance de todos
eles. A exposição é acompanhada sempre por uma
sessão de apresentação num registo informal, promovida
pelos voluntários em que se disponibilizam a dar mais
informação sobre os projectos.
Os voluntários, depois de passarem pelo processo
de formação e permanência nas realidades dos países
em vias de desenvolvimento contribuem para o
esclarecimento de eternos mitos e para o conhecimento
de um mundo, nem melhor, nem pior, do que o que
conhecem, apenas diferente.
Com um pouco de falsa modéstia na humildade
que caracteriza toda a equipa, podemos dizer que se
mudou um pouco o “Local” por onde estes voluntários
passaram, com a sua dedicação, com a sua paixão, com
a sua força… na esperança de encontrar um dia um
melhor Global.
E com o sentimento de um ciclo completo renasce
o desejo de o recomeçar com um novo grupo, um novo
percurso mas sempre com a mesma determinação.
PROJECTOS DE VOLUNTARIADO PARA
A COOPERAÇÃO 2007
SORRISOSCONNOSCO
CÁ E LÁ
“Como se um vento cálido serenasse na nossa pele
(e na pele deles), como se uma tempestade de
palavras nos encharcasse as vontades (e as vontades
deles), como se o sol esculpisse sorrisos no nosso
rosto (e no rosto deles).
Assim se arquitecta este amor (desenhado cá
e edificado lá).
Como se carregássemos connosco o odor de um
sorriso ou de uma lágrima (que também sorri).
Como se tudo o que, de facto, importa se incluísse
na liberdade de um parêntesis.
Aqui está como nós fomos (lá) aquilo que somos
(cá).
Aqui está como África não se pode carregar
às costas.
Aqui está como aprendemos a viver África pelas
nossas mãos (e pelas mãos deles).
E com o olhar.
E com a voz.
E com um sorriso.
Aqui está a África que trazemos no ventre a sorrir
(connosco).
Eugénia Brito, voluntária no projecto Nô Djunta Mon,
Guiné-Bissau, 2007
Fevereiro 2008 - educ@r sem fronteiras6
O Instituto Pedagógico (IP) no seu processo de
desenvolvimento estabelece parcerias e relações de
cooperação com várias instituições de formação quer do
país, quer do estrangeiro. Uma das relações fortes a
nível internacional é com a Escola Superior de Educação
de Viana do Castelo (ESEVC), de Portugal. É neste
âmbito que regularmente, se deslocam ao nosso país,
estudantes daquela instituição portuguesa para
efectuarem estágio de fim de curso nos Jardins-de-
infância e Escolas Básicas de Cabo Verde. Neste
processo, o IP tem funcionado essencialmente como um
ponto focal e de apoio logístico durante a estadia dos
estagiários.
Desta feita, encontram-se em Mindelo, três jovens
estudantes da ESEVC, Rui, Tiago e Torcato que vêm
desenvolvendo a sua prática na Escola Salesiana com
turmas do 6º e 7º anos de escolaridade.
Em conversa com os visitantes, Óptica quis saber
como tem decorrido o estágio.
Óptica – Como tem sido a vossa estadia cá em
São Vicente?
Estudantes – A estadia está a ser fantástica a
todos os níveis, as pessoas são super amáveis. De resto
já sabíamos disso através dos nossos colegas que
estiveram cá antes. A nível gastronómico estamos a ter
uma experiência bastante diferente apesar de já termos
tido alguns problemas...mas a comida é bastante
saborosa, um paladar diferente...
Óptica – A nível do estágio, como tem decorrido
os trabalhos?
Estagiários de Viana do Castelo - Portugalefectuam estágio de fim de curso em Mindelo
Parceria para o desenvolvimento
Extractos do Boletim “Óptica” da Escola de Formaçãode Professores do Ensino Básico do Mindelo
7educ@r sem fronteiras - Fevereiro 2008
Estudantes – As condições estão a ser melhores
que aquilo que é habitual, a crer nas informações que
nos foram passadas. Estamos satisfeitos, não temos
nada a apontar, as condições de trabalho são boas,
temos bastante material a nível de bolas. Se calhar faltam
alguns sinalizadores, mas também é bom que falte para
podermos ver uma realidade um pouco diferente.
Surgiu-nos a oportunidade de leccionar o 7º ano, o que
para nós é impossível em Portugal porque lá só
leccionamos 5º e 6º anos no estágio e isto está a ser
muito bom para nós.
O único problema talvez é o pouco tempo. Dois
meses são pouco. Precisaríamos de mais tempo para
as pessoas se ambientarem a nós e à nossa forma de
trabalhar. Por exemplo, os alunos não conhecem os
nossos métodos, ou seja, não estão entrosados com
certas formas de organização. Das aulas que observamos
ficamos com a ideia que as coisas são trabalhadas muito
vagamente. Dá-se apenas algumas instruções e deixa-
se os alunos à vontade. Isto no início fez-nos
muita confusão.
Mas no geral este intercâmbio tem sido bom.
Todavia temos que produzir um relatório e provavelmente
nele vamos aconselhar mais tempo.
Óptica – E a inter-relação com o pessoal, alunos e
professores?
Estudantes – O nível da inter-relação com os
alunos e professores tem sido extraordinário. Os alunos
são impecáveis, têm uma disponibilidade muito superior
àquela que estamos habituados em Portugal. Todos são
fantásticos connosco sempre com disponibilidade total
para tudo o que precisamos, tudo o que sugerimos, dizem
sempre sim…são fantásticos!
Ópticas – Como vêem esta parceria entre a vossa
ESE e o IP?
Estudantes – Pensamos que a parceria é para
continuar. Esperamos que continue para os próximos
anos, é uma mais valia ter esta sensação de diferença
na forma de trabalhar. As pessoas aqui são muito
diferentes e estamos contentes.
No dia 15 de Fevereiro de 2008, às 16 horas, decorreu
no anfiteatro da Escola Industrial e Comercial do Mindelo,
a cerimónia de lançamento do livro «Aprender o
Português» da autoria da professora da EFPEB do
Mindelo-Instituto Pedagógico, de Margarida Santos.
O acto contou com a presença do Dr. Júlio Santos, o
apresentador do manual que no âmbito do contrato
Programa Educar sem Fronteiras sob a responsabilidade
da Escola Superior da Educação do Instituto Politécnico
de Viana do Castelo, conseguiu que o Ministério da
Ciência, Tecnologia e Ensino Superior financiasse uma
tiragem de 5000 exemplares deste manual de
alfabetização, direccionado especialmente para
professores e alunos cabo-verdianos.
Estiveram também presentes a Sr.ª Presidente do Instituto
Pedagógico de Cabo Verde e os Directores das EFPEB
da Assomada e Hermínia Cardoso.
Igualmente, o acto foi prestigiado com a presença da
Dr.ª Ana Cordeiro, Directora do Centro Cultural Português.
Depois de endereçar os seus agradecimentos a todos
quantos deram o seu contributo para a realização do
projecto de elaboração do manual, a professora Margarida
Santos iniciou a sua intervenção.
Explicou como surgiu e como foi implementado o Projecto
no IP Mindelo.
Redacção
Apresentação do manual de Alfabetização emLíngua Portuguesa
Fevereiro 2008 - educ@r sem fronteiras8
Realizou-se no dia 09 de Fevereiro a segunda sessão
presencial da formação Educação para a Cidadania. Os
elementos da Equipa de Conteúdos, professores Teresa
Lopes da Silva e Albertino Martins estiveram
respectivamente em Porto Novo e Ribeira Grande, para
trabalharem com o 1º grupo de professores que recebe
a formação na ilha das montanhas.
Nesta segunda sessão os conteúdos em destaque foram
a Educação e Preservação Ambiental e Educação para
a Equidade Social. Recorda-se que a formação em
exercício, em matéria de Educação para a Cidadania
iniciou-se no passado dia 08 de Dezembro do ano
transacto e pretende formar um total de 1400 professores
do Ensino Básico em Cabo Verde. O curso é sustentado
por uma doação do Banco Africano do Desenvolvimento
ao Governo de Cabo Verde, no valor de 1, 05 milhões
de Escudos Cabo-Verdianos e tem a duração de três
anos. Os conteúdos programáticos são desenvolvidos a
partir de emissões radiofónicas na Rádio e Novas
Tecnologias Educativas transmitidas às segundas e
quartas-feiras, com repetição aos domingos e os
formandos solidificarão as aprendizagens, a partir dos
Guias de Estudo, elaborados pela Equipa de Conteúdos,
e foi financiado pelo fundo canadiano.
Albertino Martins
2º Momento presencial da FaD – Educaçãopara a Cidadania em Santo Antão
O referido curso terá a duração de 4 semestres.
De Janeiro de 2008 a Novembro de 2009, e será
totalmente orientado pelos docentes/formadores da Escola
de Formação de Professores do Ensino Básico do Mindelo
(EFPEB). Terá uma componente presencial, uma a
distância e a componente Prática Pedagógica. Terá como
suporte, módulos das várias áreas curriculares que
compõem o seu plano de estudos. É auto-sustentado
isto é, o seu desenvolvimento e funcionamento não
dependem do orçamento do estado mas sim das receitas
próprias.
O público-alvo deste curso é formado por um
grupo de 58 professores com largos anos de experiência,
dos quais 41 laboram no concelho de Porto Novo e os
restantes nos
concelhos da Ribeira Grande (12) e do Paul (5).
O seu modelo de gestão assenta num sistema
em rede, a Direcção e Coordenação na EFPEB do
Mindelo com ligações com as Delegações do Ministério
da Educação e Ensino Superior do Porto Novo, da Ribeira
Grande e do Paúl, havendo intervenientes locais, os
professores tutores, orientadores, gestores de pólo e
ainda a equipa de coordenadores pedagógicos.
A componente à distância será feita com recurso
a vários meios: trabalhos escritos, telefone, fax,
audiovisual, Internet, (onde houver), etc.
O perfil de saída do formando do Curso à
Distância é equivalente ao curso regular da formação
inicial do Instituto Pedagógico de Cabo Verde conforme
o Artigo 10.º da Portaria nº 46/2004 de 18 de Outubro.
Ruth Alhinho
Abertura do 2.º curso à distância paraprofessores do ensino básico em exercíciona ilha de Santo Antão
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Vários são os documentos que consagram o
direito à educação. O direito à educação obrigatória e
gratuita. O direito a uma educação de qualidade. No
entanto, nem sempre o exposto nesses documentos é
possível de colocar em prática, especialmente quando
falamos de países afectados por conflitos armados. Estes
são estados instáveis e aí serviços como a educação
estão praticamente destruturados. Porém, entende-se
que a educação é um direito básico que pode contribuir
para a aquisição da paz a longo prazo, para melhorar a
estabilidade e a boa governação.
O acesso à educação permitirá que, de geração
em geração, as condições económicas e sociais
melhorem. Em muitos países encontramos adultos que
nasceram e cresceram em campos de refugiados ou
deslocados, não conhecendo outra realidade. Como nos
mostra um dos vídeos da IRIN (Integrated Regional
Information Networks), em que Celestino, que nasceu e
cresceu num campo de refugiados na Zâmbia, só aos
vinte e quatro anos é que vai para Angola, a pátria que
sempre sentiu como sua, a pátria que ansiava conhecer,
mesmo sabendo que poderia encontrar dificuldades a
vários níveis .
Foi no sentido de beneficiar as crianças de países
afectados por conflitos armados com educação, protecção,
estabilidade e melhores oportunidades de vida que a
Save the Children criou o seu programa Global Challenge
– Rewrite the Future (Desafio Global – Reescrever o
Futuro).
De entre dezasseis países afectados, a
organização internacional iniciou a sua actuação em
apenas sete: Afeganistão, Angola, Sri Lanka, Nepal,
República Democrática do Congo, Sudão e Uganda.
Centremo-nos no caso de Angola, em que fruto de vários
anos de conflito:
- 44% das crianças não têm acesso à escola (in Multiple
Indicator Cluster Survey – INE(UNICEF 2003);
- 85% dos adolescentes com 15 anos de idade estão no
ensino primário;
- a maior parte dos professores do ensino primário não
tem formação adequada;
- existem poucas salas de aula para um elevado número
de alunos;
- material escolar insuficiente para professores e alunos.
Para ultrapassar estes aspectos o Ministério de Educação
de Angola e a Save the Children estabeleceram um
conjunto de metas a atingir até 2010:
- promover boas práticas para melhorar a qualidade dos
professores e o sucesso dos alunos;
- apoiar o governo em programas de formação de longo
prazo, certificação de professores e estabelecimento de
centros de recursos;
- contribuir para a “distribuição” de materiais escolares e
guias/manuais para os professores;
- enfatizar o envolvimento da comunidade para a criação
de um ambiente de aprendizagem seguro e efectivo;
- aumentar o número de crianças na escola, para que
um número maior complete o ensino formal pois a “ escola
pode dar às crianças o acesso ao conhecimento
necessário, para que quando forem adultos, reduzam a
hipótese de haver um conflito”.
A ESE-IPVC e a agenda do Desafio Global em AngolaUma parceria com o Ministério da Educação deAngola e a Save the Children em Angola
Neste sentido, foram sendo criadas parcerias eredes. É numa delas que se insere o acordo entre oMinistério de Educação de Angola, a Save the Childrene a Escola Superior de Educação do Instituto Politécnicode Viana do Castelo (ESE-IPVC), a qual começou porser convidada, em Novembro de 2006, para efectuar umdiagnóstico sobre o estado e o estatuto da LínguaPortuguesa na província do Zaire. De uma conversa comcandidatos a formandos e a formadores partiu-se para aelaboração de um Exercício de Reconhecimento daLíngua Portuguesa , para de entre quatrocentosseleccionar apenas um grupo de duzentos, a fim debeneficiar de um Curso de Capacitação em LínguaPortuguesa. Este curso seria ministrado por um grupode dezasseis formadores, também eles fruto de umprocesso de selecção, com supervisão de quatro técnicosdo Centro de Formação Local.
Para leccionar a Formação de Formadores foi aAngola uma técnica de Língua Portuguesa do Gabinetede Estudos para a Educação e Desenvolvimento (GEED)ESE-IPVC, que desenvolveu também conteúdos demetodologia, pedagogia, planificação, avaliação esupervisão. Esta formadora acompanhou, mais tarde, acolocação dos formadores nos Centros de Formação dosmunicípios de Kuimba e Nóki. Municípios fronteiriços coma República Democrática do Congo e onde aindapermanece um grande desconhecimento da LínguaPortuguesa, uma vez que os professores destes locaisfizeram os seus estudos, e estiveram refugiados, na jácitada República Democrática do Congo. Nestes locaisprivilegia-se o uso das Línguas Nacionais angolanas(kikongo e lingala). Porém, o estudo da Língua Portuguesaé reconhecido como extremamente importante, já que éo seu conhecimento que permitirá a mobilidade e ainserção social noutros pontos do país, assim como oacesso aos estudos superiores e ao mercado de trabalho.A Língua Portuguesa é ainda sentida como um factor deidentidade nacional.
Assim, em Janeiro de 2007 formaram-sedezasseis formadores e quatro supervisores, vindos deNzeto e Soyo, os quais formaram duzentos professorese outros elementos da comunidade não contabilizados.
Desta formação beneficiaram indirectamente cinco milsetecentos e trinta e quatro alunos, pois os seusprofessores melhoraram substancialmente as suascompetências linguísticas e o seu desempenho didáctico.
No percurso de dez meses de formação foramsentidas dificuldades, quer por formadores e supervisores,quer pelo coordenador do Centro de Formação Local doZaire, que coordenou este curso localmente:- acesso a zonas mais recônditas (como é exemplo Serrade Kanda, Kuimba), o que resul ta no nãoacompanhamento de alguns formadores e formandos porparte dos supervisores;- faltas de alguns professores, justificada com a falta deincentivos monetários (prática de formações anteriores);- falta de materiais e manuais;- doença dos formadores;- manual de formação muito centrado na realidadeportuguesa.
Deste projecto, a ESE-IPVC identifica:
1. Pontos fortes- Formação na Língua Veicular (Língua de ensino, Línguade identidade nacional);- Acompanhamento das actividades lectivas;- Metodologia adoptada centrada na prática lectiva;- Apoio linguístico à comunidade onde o centro deformação está inserido;- Apoio das autoridades locais e governamentais;- Contributo das comunidades: apoio logístico, moral epsicológico, em particular em locais de maior isolamento;- Motivação dos actores directos (supervisores eformadores) e dos beneficiários directos e indirectos(professores e seus alunos, respectivamente);- Relatório produzido pelos supervisores, ainda que decarácter incompleto;- Materiais adoptados, ainda que o manual não sejacompletamente adequado à realidade de aplicação doprojecto;- Afectação ao sistema de educação de sete novosformadores com formação média e especializada emLíngua Portuguesa.
Fevereiro 2008 - educ@r sem fronteiras10
2. Pontos menos fortes
- Apoio menos visível por parte de algumas autoridades
locais face ao desconhecimento do projecto;
- Pedido de apoio de subsídio para participar na formação
(resultado de uma promoção/divulgação menos eficaz
do curso de Língua Portuguesa);
- Desistência de alguns professores/formandos e
consequente falta de tomada de posição por parte das
autoridades educativas;
- Desistência de dois formadores (não substituição de
um deles);
- Condições habitacionais de alguns formadores e
supervisores;
- Materiais didáctico-pedagógicos insuficientes (para as
pesquisas de supervisores e formadores e para os alunos
das escolas – a maior parte não possui manual das
disciplinas);
- Inexistência de um relatório produzido pelos formadores.
3. Lições aprendidas
- Responder no imediato;
- Construir novo conhecimento integrado no trabalho do
GEED;
- Enfatizar o papel da educação como resposta humanitária
na agenda da Cooperação Portuguesa;
- Perceber o papel da Língua Portuguesa como factor de
identidade, integração social e em contexto pós-conflito;
- Estudar o caso de um projecto extensível a outras
províncias fronteiriças com contexto linguístico similar;
- Verificar a importância do acompanhamento pós-
formação para medir o impacto do Curso de Língua
Portuguesa nos formadores, formandos e alunos.
Rosa Silva
Fevereiro 2008
11educ@r sem fronteiras - Fevereiro 2008
Fevereiro 2008 - educ@r sem fronteiras12 13educ@r sem fronteiras - Fevereiro 2008
Olhar o Sul
21 - Viana do Castelo, Portugal, 200812 - Angola, 200613 - Béli, Guiné-Bissau, 200614 - kuimba, Angola, 200615 - Quela, Angola, 200616 - Pitche, Guiné-Bissau, 2006
17 - Malange, Angola, 200618 - Zaire, Angola, 200619 - Malange, Angola, 200610 - Santa Catarina, Ilha de Santiago, Cabo Verde11 - Malange, Angola, 200612 - Viana do Castelo, Portugal, 2006
Cooperação – Aprender a estar com os outros...
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Fevereiro 2008 - educ@r sem fronteiras14
O contacto da Inter-Agency Network for Education
in Emergencies (INEE) com o Gabinete de Estudos para
a Educação e Desenvolvimento da Escola Superior de
Educação de Viana do Castelo (GEED) teve início em
Junho de 2005, aquando da realização do seu segundo
Curso Livre “Culturas do Desenvolvimento e Cidadania”,
com o tema Educação em Situação de Conflito e
Reconstrução, no qual participaram dois especialistas do
Instituto Internacional de Planeamento da Educação da
UNESCO.
A partir daqui e tendo aprofundado o
conhecimento do trabalho e dos instrumentos da INEE,
deu-se início a um trabalho conjunto mais efectivo com
a tradução para Língua Portuguesa do manual Minimum
Standards for Education in Emergencies Chronic Crises
and Early Reconstruction (em Português, Requisitos
Mínimos para a Educação em Situação de Emergência
e Reconstrução). Na tradução estiveram envolvidos vários
colaboradores do GEED e foram publicados
5000 exemplares no primeiro trimestre de 2006.
No seguimento desta publicação, dois técnicos
do GEED deslocaram-se a Genebra, Suiça, para uma
formação e com o compromisso de realizar no mínimo
duas sessões de formação na utilização dos Requisitos
Mínimos para a Educação em Situação de Emergência
e Reconstrução.
Entre 2006 e 2007 realizaram-se, então, três
sessões de formação e sensibilização:
• 28-29 Junho 2006 – em Viana do Castelo, Portugal com
os formadores Júlio Gonçalves dos Santos e Rui da Silva,
integrado no quarto Curso Livre “Culturas do
Desenvolvimento e Cidadania”. Participaram cerca de 25
pessoas, incluindo colegas de ONG’s e outras partes
interessadas de Portugal, mas também de Angola e
Guiné-Bissau;
• Julho de 2006 – na província de Malanje, Angola, com
o formador/organização: Rui da Silva e a ONG ADRA
(Acção para o desenvolvimento Rural e Ambiente). Esta
sessão consistiu numa introdução à utilização dos
Requisitos Mínimos para a Educação em Situação de
Emergência e Reconstrução. Estiveram presentes 10
participantes de um total de 25 convidados, devido a
problemas logísticos, sendo pessoas ligadas à direcção
Provincial de Educação de Malanje e ONG’s nacionais
e Internacionais presentes desta província
• Novembro de 2006 – Província do Zaire, Angola, com
Formador/organização: Júlio Gonçalves do Santos e Rui
da Silva e a ONG Save the Children – DNS. Nesta sessão
abordou-se a introdução à utilização dos Requisitos
Mínimos para a Educação em Situação de Emergência
e Reconstrução. Estiveram presentes 30 participantes,
sendo pessoas ligadas à Direcção Provincial de Educação
do Zaire e ONG’s nacionais e Internacionais presentes
nesta província.
Em 2006 e 2007, os Cursos Livres voltaram a
contar com a presença da INEE, com a participação de
Allison Anderson, interlocutora da INEE para os Requisitos
Mínimos, actualmente directora desta Rede, e Mary
Mendenhall coordenadora da INEE para os serviços em
rede, para prelecções relacionadas com a INEE e a
educação em situação de emergência e reconstrução.
Neste momento, está em fase de preparação o
lançamento da comunidade linguística Lusófona dentro
da INEE para partilha de recursos, experiências,
ferramentas, actividades da Rede, publicações,
disseminação destes materiais e boas práticas através
de uma lista de distribuição e um espaço em Língua
Portuguesa no sítio da Internet www.ineesite.org. Esta
comunidade surge da necessidade de facilitar o acesso
a esta temática a falantes de expressão portuguesa, já
que a maior parte dos materiais disponíveis se encontra
em Língua Inglesa.
Estas comunidades linguísticas já existem em
funcionamento em Francês e Espanhol (Castelhano).
O GEED e o trabalho em rede com a Inter-AgencyNetwork for Education in Emergencies
15educ@r sem fronteiras - Fevereiro 2008
Em Julho de 2006 saiu de Viana do Castelo um
grupo de 6 voluntárias do ISU-Viana (Instituto de
Cooperação e Solidariedade Universitária) em busca da
concretização de um projecto, unidas nesta aventura de
quase dois meses que estava prestes a começar.
"No Djunta Mon" (nós juntamos as mãos) como
se chama o projecto, levou-nos a descobrir um mundo
que até aí não conhecíamos.
De mochila às costas fomos para uma zona bela,
linda, a verdadeira África pura em que o tempo não existe
e onde a natureza é tudo.
Estávamos em Beli, uma tabanca (aldeia) na
região de Boé, bem pertinho das Colinas, onde se declarou
a independência. Ali não tínhamos telefone, correios,
Internet, e onde mesmo a luz eléctrica vinha de um
gerador.
De certo, muitos dos leitores diriam que
estávamos isoladas, mas, como diz um amigo angolano,
"Como podemos estar isolados quando estamos com
pessoas?"
No entanto, tínhamos pessoas lindas, que com
acenos carinhosos nos deram as boas vindas e nos
deixaram fazer parte das suas vidas e dos seus hábitos,
mesmo sabendo que iríamos partir em breve.
Tínhamos uma casa confortável, um rio magnífico e
"bailes" a luz do luar com o som dos djembés (batuques)
que nos obrigavam a dançar e onde testemunhamos a
sensualidade das danças que chega a magoar quem
assiste.
Nesta zona, trabalhei na formação de professores,
sensibilizando-os para a língua portuguesa e tentei a
todo o custo aprender a língua falada, o "Fula", mas sem
sucesso! As outras meninas que trabalharam comigo na
formação de professores desenvolveram nas áreas da
matemática, higiene comunitária e um pequeno workshop
de primeiros socorros. Já as meninas da área da saúde
estiveram a fazer formação de Agentes de Saúde Básica
(ASB's) e matronas (parteiras).
Também trabalhei com os jovens fazendo Workshops de
Expressão dramática e acredito que juntos fizemos
TEATRO!
Juntas estivemos com todos os amigos na rádio
e até chegamos a apresentar "momentos radiofónicos"!
Estas três semanas num paraíso africano, foi, sem dúvida,
bastante intenso a nível de trocas culturais. Tentamos
"aprender os guineenses", ousaria dizer, mesmo tendo
a consciência de que muito pouco conhecemos.
Acabamos por ir para Gabú, uma cidade comercial, onde
o movimento é alucinante. Aí ficamos três semanas e
onde eu trabalhei na formação de educadores de infância
com um grupo de trinta educadores. As partilhas foram
enormes. Tive a consciência do mundo inconsciente em
que vivo!
O resto do grupo estava a fazer formação de
professores na área da matemática, formação com líderes
sobre associativismo e apoio às associações para a
realização de acções de sensibilização da comunidade
para as doenças sexualmente transmissíveis e tratamento
de lixos.
Dolorosamente tivemos que nos despedir de
uma das meninas que regressou a Portugal. Ficamos as
cinco por mais três semanas.
Aqui o andar de candonga passou a ser uma
constante e começamos a sentir realmente o que é fazer
parte daquela terra.
Fragmento da Guiné-Bissau
Crónicas de Cooperação
Fevereiro 2008 - educ@r sem fronteiras16
Os educadores e eu tentamos partilhar ao
máximo: eu as minhas teoriazinhas de grandes
investigadores, e os educadores os seus "pequenos"
problemazinhos da pratica... que são efectivamente o
que fazem a educação! Juntos tentamos descobrir um
pouco mais desta coisa do educar e confesso que as
dúvidas não paravam de aparecer.
Deu, sem duvida, para me aperceber de que a
realidade destes educadores é bastante complicada e
vi-me diante de problemas que nunca tive sequer a
ousadia ou a capacidade de imaginar!
Sem dúvida que a minha admiração por estes
profissionais cresceu todos os dias, mais e mais... É
bastante complicado trabalhar sozinho, numa área
educativa em que quase ninguém acredita! Afinal leitores,
para que serve o pré-escolar? E vocês acreditam?
Sinto que a minha presença serviu para que estes
educadores se lembrassem e acreditassem nos seus
projectos e para crescermos muito!
Penso que nenhum deles teve a percepção de
como aprendi tanto com eles! Aqueles educadores deram-
me muito! E tenho que lá voltar para Ihes dizer! Para
partilhamos o resultado deste encontro! Para descobrirmos
o que mais aprendemos! Foi, sem duvida, uma experiência
única!
Acredito, bem lá no fundo, que a nossa partilha serviu
para recordar que devem continuar a acreditar e a “torcer”
pelo desenvolvimento da educação. A educação é um
caminho!
Não posso acabar sem falar do desafio que foi
para nós, enquanto seis mulheres (sim, seis mulheres
todas juntas!), estarmos sozinhas em contexto africano.
Vencemos enquanto grupo e enquanto pessoas tão
diferentes.
Crescemos juntas! Estou muito orgulhosa de nós.
Obrigada meninas!
Obrigada Guiné-Bissau!
Eduarda Cadeco
17educ@r sem fronteiras - Fevereiro 2008
Introdução
Este artigo tem por objectivo explorar o conceito
de Educação para o Desenvolvimento (Development
Education), no contexto irlandês. A escolha deste tema
é o resultado da minha experiência e vivência na Irlanda,
nos últimos 6 meses, país que tem vindo a “demarcar-
se no contexto internacional pela forma como reorganizou
a sua política de cooperação” (Salvador, 2005).
A Irlanda tem sido palco de um extenso trabalho
na área do desenvolvimento, actuando em duas frentes:
financiamento de projectos, assistência técnica, em países
em desenvolvimento e consciencialização do povo irlandês
para questões e problemas que afectam esses países.
É de salientar que entre 1992 e 1999, o orçamento da
cooperação irlandesa aumentou significativamente de
40 milhões de libras irlandesas, em 1992, para 178
milhões de libras irlandesas, em 1999 (Salvador 2005).
Através do seu plano de Acção para o Milénio, o governo
irlandês assumiu o compromisso de atingir os 800 milhões
de libras em 2007, aproximando-se dessa forma da meta
dos 0,7%, dando o seu contributo para a redução da
pobreza nos países em desenvolvimento (Salvador 2005).
Para além do apoio técnico e financeiro no
terreno, a Irlanda tem também como principal prioridade
a consciencialização da sua população para questões
que afectam o mundo global em que vivemos. São
frequentes eventos e iniciativas que alertam para situações
de injustiça social noutros países, e que nos confrontam
com a realidade de, enquanto cidadãos, pertencentes a
uma comunidade local, termos cada vez mais poder e
influência noutras partes no mundo. Um exemplo deste
tipo de iniciativas são as campanhas que incentivam à
compra de produtos de comércio justo. Os cidadãos são
informados de como simples escolhas do dia-a-dia, como
comprar café de comércio justo numa loja em Dublin tem
um efeito positivo em comunidades de países tão
longínquos como Guatemala ou Nicarágua. A promoção
do voluntariado e o desenvolvimento de uma cidadania
responsável e participativa são outros dos objectivos que
fazem parte da agenda irlandesa.
Conceito de “Educação para o Desenvolvimento”
Pensando a um nível mais global, e antes de
explorar o tema deste artigo, é importante reflectir na
relação que existe entre educação e desenvolvimento.
Existem muitas definições para desenvolvimento, mas
há uma que tem sido frequentemente utilizada:
“development is enlarging people’s choices... by expanding
human capabilities” (Streeten, 1999, in Lewin, 2000).
Aumentar o leque de escolhas...desenvolvendo
capacidades humanas. Segundo Lewin (2000), as novas
oportunidades surgem quando os indivíduos adquirem
novos conhecimentos e desenvolvem novas
competências. Ficam assim melhor preparados não só
para desempenhar novos papéis, mas também para
pensar melhor sobre as suas escolhas e rumos. Como
adquirir conhecimentos e desenvolver novas
competências? Anos de investigação atribuíram à
Educação o papel de um dos principais veículos de
conhecimento e competências, contribuindo para
aumentar o leque de oportunidades e escolhas,
desempenhando assim um papel crucial no
desenvolvimento. A Educação é desta forma considerada
um dos pilares do desenvolvimento na medida em que
permite às pessoas o acesso à escolha.
A Educação para o Desenvolvimento
(Development Education) é, no contexto irlandês, muito
mais do que uma expressão, que verbaliza a explícita
relação entre a educação e o desenvolvimento. Existem
também várias definições deste conceito. Segundo a
Irish Aid, a Educação para o Desenvolvimento é um
processo educativo com o objectivo de consciencializar
as pessoas para o mundo que as rodeia, que se encontra
em permanente mudança, que é interdependente, palco
de fortes contrastes e desigualdades. Para a UNICEF,
a Educação para o Desenvolvimento promove o
desenvolvimento de atitudes e valores nas crianças e
jovens, tais como, paz, solidariedade, tolerância, justiça
social e ambiental; equipando-os com conhecimentos e
competências.
>>
Educação para o Desenvolvimento
que lhes permitam promover estes valores e a trazercontribuam para gerar mudanças positivas as sua vidas,a nivel local e global.
Apesar das diferentes definições, a Educaçãopara o Desenvolvimento abraça 8 conceitos-chave (veresquema): interdependência, cidadania global,diversidade, desenvolvimento sustentável, justiça social,valores e percepções, direitos humanos e resolução deconflitos. Destes 8 conceitos, a interdependência serátalvez o conceito mais geral, de onde todos os outrosemergem ou se baseiam. Isto vem ao encontro do nossomundo global, retratado numa interessante frase deMartin Luther King Jr “O que quer que nos afectadirectamente, afecta a todos indirectamente. Eu nuncapoderei ser o que quero ser, até que tu sejas o quequeres ser. Esta é a estrutura interrelacionada darealidade”.
Na prática
Na Irlanda, a Educação para o Desenvolvimentotem sido explorada no contexto formal do ensino primárioe pós-primário sendo implementada no currículo, fazendoparte da formação de professores, e sendo alvo deprojectos de interligação entre as escolas e ascomunidades. No sector não formal, a Educação para oDesenvolvimento tem sido trabalhada por diversas ONG’s,centros de investigação, projectos/iniciativas.
Independentemente do contexto, a Educaçãopara o Desenvolvimento implica o debate de temas eutilização de metodologias, ambos baseados nos 8conceitos chave. Relativamente ao conteúdo a Educaçãopara o Desenvolvimento abrange temas como:
- Pobreza;- Direitos humanos;- Política;- Discriminação;- Desenvolvimento sustentável
Em termos de pedagogia a Educação para oDesenvolvimento pretende:- relacionar as experiências individuais com o assunto aser estudado;
- desenvolver nos indivíduos uma perspectiva de justiçasocial, estabelecer ligações entre o global e o local, e acapacitação através da acção;- questionar e desconstruir preconceitos, estereótiposqu reforçam comportamentos discriminatórios;- encorajar um ambiente de aprendizagem colaborativo,de partilha de conhecimento, competências e experiências.
Notas finais
Com estes exemplos poderíamos pensar que aEducação para o Desenvolvimento seria mais umadisciplina com conteúdos tão definidos como qualqueroutra, que em vez de ensinar historia ou biologia, teriaunidades temáticas, como direitos humanos, pobreza,desigualdade social, etc. Mas a Educação para oDesenvolvimento é muito mais do que isto. Pretendendotocar e debater temas tão profundos, como valores,atitudes, desafiar comportamentos em relação ao outro,a Educação para o Desenvolvimento não cabe apenasnuma sala de aula, ou num curso de formação. É grandede mais, e acaba por tornar-se numa forma de estar eviver o mundo que nos rodeia. Baseando-se em conceitosque reconhecem a globalidade e interdependência domundo, a sua aplicabilidade é universal. Seguindo estateia de pensamentos, talvez seja interessante reflectirnas experiências desenvolvidas na Irlanda e noutrospaíses, à luz do contexto Português. A intenção não éapelar à “a importação de boas ideias” (Salvador 2005,p. 44), mas à reflexão e recontextualização do que sefaz noutras partes do mundo.
Catarina Gouveia
Bibliografia
Drake, M. (2006) Sucessful Global awareness in Schools. Developingand consolidating the global dimension. A handbook for teachers”Handbook 2003-2004 The Global Trainer: Advanced Certificate inTraining for Development Education. School of Lifelong LearnignEducation and International development, Institute of Education.Lewin, K.. Knowledge Matters for Development. Professorial Lecture.University of Sussex (October 24th 2000)Salvador, Tânia (2005) A cooperação para o desenvolvimento – Análisedos modelos Português e Irlandês. Lisboa: IPAD.
www. unicef.org
Fevereiro 2008 - educ@r sem fronteiras18
19educ@r sem fronteiras - Fevereiro 2008
Educação para oDesenvolvimento
1. In terdependência
Compreender como as pessoas,locais, ambientes e economiasestão intrinsecamente ligadas, eque esses eventos têmrepercussões numa escalaglobal.
2. Cidadania Global
Aquisição de conhecimentos,competências, necessários paraque os indivíduos se tornemcidadãos globais, informados,activos e responsáveis. 3. Diversidade
Compreender e respeitar asdiferenças, e entender adiferença como parte de umahumanidade comum.
4. Desenvolvimento Sustentável
Compreender a necessidade de mantere melhorar a qualidade de vida do planeta,sem comprometer as gerações futuras.
5. Justiça Social
Compreender a importância da justiçasoc ia l como um e lemento dodesenvolvimento sustentável, daeconomia e da melhoria do bem-estardas populações.
6. Valores e Percepções
Desenvolver uma avaliaçãocrítica de imagens de diferentesregiões do mundo e umaapreciação do efeito que estasimagens têm nas atitudes evalores das pessoas.
7. Direitos Humanos
Conhecer os direitos humanos ecompreender o seu carácteruniversal.
8. Resolução de Conflitos
Compreender a natureza dosconflitos, o seu impacto nod e s e n v o l v i m e n t o e anecessidade para a suaresolução e promoção deharmonia.
8 Conceitos Base da Educação para o Desenvolvimento
Traduzido de “Sucessful global awareness in schools. Developing and consolidating
the global dimension. A handbook for teachers” Marjorie Drake, 2006
Fevereiro 2008 - educ@r sem fronteiras20
O sistema educativo da Guiné-Bissau evidencia
os múltiplos problemas que têm vindo a colocar o país
dentro dos chamados “Estados Frágeis”. A maior parte
desses problemas são muito complexos e no âmbito da
educação têm vindo a agudizar-se nas duas últimas
décadas. Contudo têm sido encontrados alguns
“caminhos” que surpreendem pela sua inovação e
vitalidade.
Passados mais de 30 anos após a independência
constatamos que o sistema educativo se manteve quer
na organização, quer na filosofia, quer nos recursos,
demasiado dependente do exterior e muito afastado das
reais necessidades do país: nos primeiros anos muito
“colado” ao sistema educativo português e aos países
que cooperavam na área da educação: Cuba, Alemanha
de Leste e União Soviética; a partir de meados da década
de oitenta foi um mosaico de experimentações e projectos
apoiados pelos doadores, sem uma linha de continuidade,
sem uma definição clara dos objectivos e sem avaliação
do impacto; nos anos mais recentes proliferam medidas
avulsas, também ao sabor dos doadores, muitas delas
sem qualquer efeito prático porque não se traduzem em
acções ou quando estas acontecem são pervertidas na
complexidade do subdesenvolvimento.
A Identidade e o Contexto são elementos que
precisam de estar mais presentes na definição das opções
estruturantes do sistema: indicam onde se está, para
onde se quer evoluir e como se quer evoluir. A instabilidade
política a par da dependência externa tem contribuído
para a instalação da crise no sistema público e para a
proliferação de iniciativas privadas, por vezes, de forma
caótica. O Estado, com uma administração centralizada,
burocrática, sem recursos, exerce pontualmente o seu
poder regulador sobre essas instituições.
A organização actual do sistema orienta-o para
o prosseguimento de estudos: os vários ciclos de ensino
não preparam para a vida activa. No entanto, a maior
parte da população é jovem (50% tem menos de 15
anos), a idade média de vida é de 43 anos e a taxa de
desemprego é muito elevada. A maior parte da população
vive nas zonas rurais onde se concentram 84% dos
pobres. A taxa de analfabetismo é de 63,4%, sendo 76,2
% para o sexo feminino e 47,4% para o sexo masculino.
Teoricamente o ensino básico de 6 anos é
obrigatório, universal e gratuito. Todavia o sistema não
garante o acesso a todas as crianças em idade escolar
e não é gratuito. A taxa de escolarização tem vindo a
aumentar, graças sobretudo ao ensino privado, mas as
taxas de abandono e de repetência são muito elevadas,
sobretudo nas primeiras classes. Têm-se vindo a acentuar
as assimetrias regionais no acesso à educação. Algumas
zonas do país sempre tiveram uma rede escolar pública
deficiente ou praticamente inexistente e os sucessivos
anos de atraso na colocação de professores e pagamento
de salários levaram à retracção dessa rede. A frequência
da escola por parte das raparigas é inferior à dos rapazes
em todo o país, acentuando-se nas regiões muçulmanas.
A discrepância de género também aumenta a nível do
ensino secundário. Segundo o anuário estatístico de
1999-2000 a taxa bruta para a faixa dos 7 aos 14 anos
era de 64,4%, sendo 85,5% para os rapazes e apenas
54,6% para as raparigas. Pensa-se que estes números
se mantenham.
Apesar da maior parte do investimento interno
e externo ter vindo a ser feito no ensino básico, isso não
se reflecte na sua qualidade e apenas metade dos que
o frequentam o conseguem concluir, tornando-se um
ensino muito caro face aos resultados obtidos. As questões
linguísticas, para as quais não tem havido políticas
consistentes, o desenquadramento dos conteúdos e das
metodologias, são, em grande parte, responsáveis pelo
insucesso escolar.
Algumas reflexões sobre osistema educativo guineense
As iniciativas privadas, populares, religiosas e
comunitárias tem vindo a colmatar as lacunas da rede
pública. Uma parte das escolas privadas pertencem a
professores das escolas públicas no activo, outras são
criadas e geridas pela missão católica e outras igrejas
que recorrem aos professores das escolas públicas. As
escolas comunitárias são criadas por iniciativa das
comunidades que recorrem a professores que escolhem
e que pagam. Toda a tipologia de escolas privadas está
a crescer em progressão geométrica. Nos bairros de
Bissau surgiram as escolas populares criadas por iniciativa
de professores, estudantes ou jovens desempregados e
apoiadas pelas ONG’s. Quanto às escolas madrassas,
escolas confessionais, criadas e mantidas pelas
autoridades religiosas, também têm vindo a aumentar.
Teoricamente todas estas escolas desenvolvem o currículo
oficial mas têm condições de funcionamento diferente e
o seu pessoal docente tem competências bastante
diversas. Alguns docentes destas escolas têm apenas o
ensino básico. Em todas elas tal como no sistema público
faltam os recursos didácticos. A estabilidade do sector
privado tem tornado este segmento mais apelativo para
as famílias.
O ensino secundário é frequentado por
percentagens baixas de alunos: dados de 1999/2000
apontavam que os alunos que frequentam os dois
primeiros anos do secundário constituíam apenas 2,8%
da população estudantil desse ano. Os relatórios do
Banco Mundial referem a Guiné-Bissau como um dos
países africanos com menos alunos no ensino secundário.
Existem 19 liceus públicos, a maior parte em Bissau,
sobrelotados com funcionamento em três turnos e com
recurso a salas de quirintim . Também neste segmento
de ensino as taxas de abandono e de repetencia são
muito altas (a taxa de abandono no secundário geral
é de 50%). Os liceus não dispõem de bibliotecas, nem
de laboratórios, o que a acrescentar à não existência de
manuais escolares, apenas permite um ensino expositivo,
baseado em apontamentos fornecidos nas aulas por
professores, alguns dos quais habilitados com a 11ª
classe. Falta qualidade e inovação ao ensino secundário
e as greves sistemáticas no ensino público agravam esse
problema.
A pressão social sobre este segmento de ensino
levou a sua abertura à iniciativa privada. Funcionam em
condições elementares, em turmas com muitos alunos,
sem materiais pedagógicos, mas conseguem garantir
um corpo docente estável durante o ano lectivo graças
ao pagamento de salários.
O liceu da igreja católica e a escola portuguesa
escapam a este panorama. Situados na capital do país
são frequentados pelos filhos da elite guineense disponível
para o pagamento de propinas, transportes e material
escolar. No caso da escola portuguesa é implementado
o currículo português.
O ensino técnico passou por várias crises e hoje
é inexistente. Algumas soluções têm vindo a ser
encontradas no ensino profissional. Enquanto serviço
público é em teoria dispensado por quatro centros de
formação que se encontram quase paralisados. Por
iniciativa das missões e das ONG’s tem sido criados
cursos que decorrem das necessidades efectivas do
mercado. Mas como não tem correspondência com o
sistema de ensino, é uma formação procurada pelos
mais velhos em detrimento dos jovens que vêem ainda
no ensino secundário liceal uma forma de ascensão
social, acabando por engrossar as fileiras dos
desempregados e dos candidatos ao ensino superior.
Antónia Barreto - ESE de Leiria
21educ@r sem fronteiras - Fevereiro 2008
Fevereiro 2008 - educ@r sem fronteiras22
Nelson Dias & Rui da Silva
Escola Superior de Educação
Gabinete de Estudos para a Educação e Desenvolvimento
Instituto Politécnico de Viana do Castelo
Janeiro de 2008
O aproveitamento da energia proveniente do Sol
tem vindo a ganhar novos contornos nas economias
ocidentais face a um constante inflacionamento do custo
do uso de combustíveis fósseis e um aumento
considerável de uma perspectiva ecológica no
aproveitamento energético.
As novas equipas de I&D (investigação/
desenvolvimento) em empresas do sector energético têm
vindo a investir capitais financeiros e intelectuais no
desenvolvimento de melhores tecnologias para o
aproveitamento mais eficiente da energia do sol. Tendo
em conta estes factores, a opção de implementação de
um sistema fotovoltaico passa a fazer sentido, tanto do
ponto de vista ecológico, como económico.
Os territórios africanos de implementação deste
sistema ao nível deste projecto (Angola, Cabo Verde e
Guiné Bissau) possuem condições geográficas e
climatéricas favoráveis a uma rentabilização do
equipamento, uma vez que as suas posições em termos
de latitude permitem-lhes largos períodos diários de horas
de sol e grande intensidade ao nível da radiação solar
que chega ao solo. Cremos que com tais características
é mais vantajoso um sistema destes do que outro modo
complementar de energia como a energia eólica.
Locais de implementação no território africano
- Angola
- Cabo Verde
- Guiné-bissau
Âmbito de intervenção
Acesso a energia renovável e gratuita para um
maior desenvolvimento sustentável dos Centros de
Recurso em funcionamento e das comunidades locais.
Missão do Projecto
Implementar um sistema de obtenção de energia
para alimentar os Centros de Recursos actualmente a
funcionar nestes países. Estes, actualmente, recebem
energia proveniente de geradores que funcionam com
combustíveis fósseis ou rede de energia eléctrica que
funciona de forma irregular. Devido aos custos que
acarreta esta situação e à precariedade das ligações que
actualmente existem, pretende-se com este novo sistema
eliminá-los de vez, libertando estes Centros dos encargos
energéticos e de manutenção associados. O sistema que
será apresentado tem também em conta a comunidade
local permitindo o uso deste equipamento para fins sociais
de 1ª necessidade como a obtenção de água potável e
iluminação.
Objectivos específicos
- Implementar um sistema fotovoltaico que garanta em
pleno a nível energético o funcionamento dos Centros
de Recursos.
- Reduzir por completo os gastos com energia dos centros.
- Promover uma maior sustentabilidade para estruturas
básicas e essenciais que necessitem de energia para o
seu funcionamento.
- Possibilitar a obtenção de água potável nas imediações
dos Centros de Recursos com a utilização de equipamento
que possa utilizar o novo modo de energia disponível.
- Contribuir, a nível energético, para a estrutura de
iluminação nocturna existente nos centros.
Projecto de implementação desistemas fotovoltaicos emterritório africano.
23educ@r sem fronteiras - Fevereiro 2008
Descrição do Sistema Fotovoltaico
Para cada um dos Centros de Recursos dimensionou-
se um sistema de energia com a potência instalada de
1300W com um débito horário de 4,4kW. Esta permite,
tanto de verão, como de Inverno, a alimentação de um
conjunto de 8 computadores do tipo portátil (devido a um
consumo inferior na ordem dos 70% em relação aos
computadores de secretária), uma impressora e
equipamento de Internet VSat durante as horas de
funcionamento do Centro. Para lá desse período tem a
capacidade de alimentar uma bomba de captação de
água e sistemas de filtragem acessórios, iluminação nas
imediações do Centro de Recursos e possibilita a
utilização de energia como se de um gerador se tratasse
para a ligação de sistemas de aquecimento ou
entretenimento, como televisões.
O sistema é composto por um conjunto de 10
módulos solares instalados numa estrutura em aço que
os une com especificações diferentes mediante o local
onde será instalado. À saída deste painel encontram-se
dois reguladores de carga que estabilizam a corrente
que é enviada pelo painel para as baterias. Estas são
12, de alto rendimento, com a possibilidade de
armazenarem energia para um débito de 4,4kWh num
período de 3,5 dias sem recarga. De seguida, encontra-
se o inversor que vai permitir a utilização desta energia
sob a forma de corrente alternada a 220V. Há ainda a
possibilidade de, no caso de avaria do painel, ligar o
gerador existente para carregar as baterias do sistema.
Este sistema permite uma total independência de cada
um dos Centros, visto ir ao encontro das necessidades
energéticas destes. Uma vantagem deste sistema é a
possibilidade de upgrade estar facilitada pela disposição
dos componentes, isto é, caso haja um aumento
considerável das necessidades energéticas do Centro
poder-se-á adicionar quer módulos (para uma recarga
mais rápida) quer baterias (para uma maior capacidade
de energia fornecida e autonomia).
Riscos
Dada a situação de estabilidade sócio-política dos países
não se prevêem riscos sérios que coloquem em causa
o projecto. O caso de Angola deve merecer um especial
cuidado por se tratar de um país saído da guerra e ainda
com inúmeras dificuldades de carácter logístico-operativo.
No entanto, mesmo em províncias do interior, são claros
os sinais de reconstrução e de retorno à normalidade
através de projectos de âmbito social.
Fevereiro 2008 - educ@r sem fronteiras24
Editorial ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 1
O percurso dos projectos de voluntariado para a cooperação ----------------------------------------- 2
Parceria para o desenvolvimento ----------------------------------------------------------------------------------- 6
A ESE-IPVC e a agenda do Desafio Global em Angola --------------------------------------------------- 9
Olhar o Sul ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 12
O GEED em rede com a Inter-Agency Network for Education in Emergencies ------------ 14
Crónicas de Cooperação: Fragmento da Guiné-Bissau ------------------------------------------------ 15
Educação para o Desenvolvimento ------------------------------------------------------------------------------ 17
Algumas reflexões sobre o sistema educativo guineense ------------------------------------------- 20
Projecto de implementação de sistemas fotovoltaicos em território africano -------------- 22