Edição especial aniversário de Fortaleza - 288 ANOS

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Expediente

FORTALEZA - CEARÁ - BRASILSexta-feira, 11 de abril de 2014

COORDENAÇÃO GERAL: Glauber Luna e Ricardo Dreher • JORNALISTA RESPONSÁVEL: Natalício Barroso (1375/CE) • FOTOGRAFIA: Beth Dreher e Anderson Santiago • DIAGRAMAÇÃO E ARTE FINAL: J. Júnior.

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Três fortes, dois cajueiros e o banco da opinião pública

Editorial

reze de abril de 1726 foi a data em que Fortaleza foi elevada à catego-ria de vila. O nome Fortaleza, no entanto, se deve a três fortes: o de Santiago, levantado por Pero Coe-lho de Sousa em 1604 às margens do Rio Ceará; o de São Sebastião,

construído por Martim Soares Moreno em 1612 no mesmo local, e o de Schoonenborch, que se chama Nossa Senhora Assunção, atualmente, e foi erguido às margens do Rio Pajeú pelos holandeses.

Com o primeiro forte, Pero Coelho deu início à colonização de Fortaleza e, consequentemente, do Ceará. Com o segundo, Martim Soares Moreno continuou o trabalho de seu antecessor enquan-to que, com o terceiro, os holandeses terminaram

a obra começada pelos dois portugueses. Locali-zado no Morro de Marajaitiba, também chama-do Morro da Misericórdia porque é ali que fica a Santa Casa da Misericórdia atualmente, o For-te de Schoonenborch foi, de fato, aquele que deu nome à cidade de Fortaleza. Assim, pode ser visto às margens do Rio Pajeú que, ainda hoje, sobrevi-ve a duras penas, exibindo seus baluartes para os cearenses e os turistas. Afinal, foi a partir dali que a cidade de Fortaleza, de fato, evoluiu e se tornou a metrópole que se conhece hoje.

Completando 288 anos em abril deste ano, a cidade tem muito o que comemorar em sua tra-jetória de vila, cidade e, finalmente, capital do Ceará. Neste percurso, muita coisa aconteceu. As ruas, que eram tortas, se chamavam Direitas;

os cajueiros, que eram muitos, se destacavam na paisagem e pelo menos dois deles entraram para a História: o Cajueiro da Mentira e o do Fagundes. Como o solo era arenoso, muita gente dizia que Fortaleza nunca teria prédios de dois andares quanto mais de noventa e cinco metros (trinta andares) como acontece hoje até que um arquiteto resolveu arriscar e construiu o primei-ro deles em meados do século XIX.

Tudo isso faz parte da história de Fortaleza con-tada neste caderno especial de aniversário publi-cado pelo jornal O Estado assim como a libertação dos escravos em 1884, quatro anos antes da Lei Áurea, no Rio de Janeiro, e a Praça do Ferreira com a Coluna da Hora, o Banco da Opinião Pú-blica e a famosa vaia ao sol que ocorreu em 1942.

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magine uma cidade que completasse 288 anos e a câmara dos vereadores, 313. Pois esta cidade exis-te e chama-se Fortaleza. Adauto Leitão de Araújo

Júnior, historiador e pesquisador do Marco Zero de Fortaleza chama a atenção dos fortalezenses para isso. Diz ele que Fortaleza, na ver-dade, está completando 410 anos e não 288 e que o início de sua fun-dação data de 1604 quando Pero Coelho de Sousa, acompanhado por Martim Soares Moreno, este-ve no Ceará, a primeira vez, e aqui levantou o Fortim de Santiago às margens do Rio Ceará. Não fos-se isso, diz Adauto, Fortaleza não existiria. E diz por quê. A origem do Brasil, segundo ele, se deu, de fato, quando a Coroa Portuguesa instituiu as Capitanias Heredi-tárias. Assim, surgiu a Capitânia do Ceará que seria governada por Antônio Cardoso de Barros. Como Antônio Cardoso de Barros não veio para o Ceará, as terras desti-nadas a esta capitania poderiam ter ficado com a capitania do Pará ou do Rio Grande do Norte. Nes-te momento surgem Pero Coelho de Sousa e Martim Soares Moreno para salvar a situação. Pero Coe-lho levanta o Fortim de Santiago e Martim Soares o de São Sebastião.

A fundação de Fortaleza, por-tanto, data daí, segundo Adauto Leitão. E se alguém levanta a hi-pótese de que o Forte de Santiago e de São Sebastião são dois casos isolados na história do Ceará, Adauto responde. Diz que a Câ-mara Municipal de Fortaleza tem 313 anos e funcionou, a primeira vez, na Barra do Ceará e não na

Thompson Bulcão, onde se encon-tra atualmente. E conta a história. Aquiraz era uma região rica no

século XVIII e, como toda região rica, resolveu se tornar autônoma para não pagar pelo transporte de

cana-de-açucar na Barra do Cea-rá. A cana-de-açúcar, afinal, saía de Aquiraz, em lombo de burro, e ia dar na Barra de onde partia, em seguida, para seu destino final. Como não havia ainda a ponte dos ingleses nem o porto do Mucuri-pe, a única saída dos produtores de cana-de-açúcar de Aquiraz era levar tudo para a Barra e embar-car. A despesa era grande e, por causa disso, os portugueses que moravam em Aquiraz se revolta-ram. Pararam de mandar açúcar para Fortaleza. Reuniram-se e re-digiram uma ata na qual propug-navam a formação de uma câmara municipal. A primeira do Ceará. Mas cometeram um erro. Não passaram esta informação para Pernambuco, jurisdição à qual o Ceará estava subordinado, nem para a Bahia, onde ficava o Go-verno-Geral em Salvador. Manda-ram uma carta diretamente para Portugal levada por um de seus representantes. Em Portugal o rei quis saber o que, de fato, estava acontecendo e enviou um emis-sário para Pernambuco a fim de saber se o povo da Barra do Ceará concordava ou não com aquela câ-mara e, como resultado, surgiu a primeira câmara de vereadores do Ceará na Barra e não em Aquiraz.

DATAS INDICATIVASAs datas indicativas para se co-

memorar o aniversário de Forta-leza antes de 13 de abril, segundo Adauto, eram duas. O Marco Zero, com a chegada de Martim Soares Moreno e Pero Coelho em 1604; o 13 de abril de 1726 que se relacio-na com Aquiraz e uma terceira: a formação da câmara dos vereado-

res em 1701. Como não havia uma data oficial até recentemente, Dou-tora Leirice Porto, que passou por várias administrações municipais ao longo de sua vida, tinha o hábi-to de comemorar o aniversário de Fortaleza com uma peça de teatro às margens do Rio Ceará na qual mostrava, para os presentes, como teria sido a chegada de Martim Soares Moreno na Barra. Na peça, que contava com a participação da Comédia Cearense, Martim Soares Moreno era interpretado por Jorge Nerdau enquanto Ary Sherlock fa-zia outro personagem. Nesse tem-po, continua o historiador, não se gastava muito com o aniversário da capital cearense. Pegava-se um grupo de teatro e trabalhava-se com ele somente.

Todas as cidades oriundas das Capitanias Hereditárias, diz Adau-to, têm mais de 400 anos. São Pau-lo, por exemplo, comemorou 450 agora em janeiro. Rio de Janeiro comemora 460 daqui a um mês. Salvador completará 475 e Recife 470. Só Fortaleza completa 288.

Mas existe um projeto de Lei na Câmara dos Vereadores, informa o historiador, que procura mudar isso. Apresentado a primeira vez, ainda no governo de Luizianne Lins, foi votado e aprovado pelo plenário mas, por alguma razão, nunca mais voltou a ser discutido na Câmara. Retirado da pauta, está lá, engavetado. Mas pode voltar a ser discutido e votado novamente. Basta o atual presidente da Câma-ra dos Vereadores, Walter Caval-cante querer para que Fortaleza comemore mais de quatrocentos e não menos de trezentos anos como tem ocorrido até agora.

Fortaleza antes e depois de 13 de abril

FORTALEZA - CEARÁ - BRASILSexta-feira, 11 de abril de 2014

Adauto Leitão questiona aniversário de Fortaleza

BETH DREHER

Historiador e pesquisador do Marco Zero, Adauto Leitão faz uma revelação nesta entrevista. Para ele, Fortaleza, fundada em 1604, completa 410 e não apenas 288 anos conforme defendem muitos marqueteiros

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Aniversário

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aula Ney escreveu que Fortaleza é uma “loura desposada pelo sol”. A poesia de Fortaleza, no entanto, não está apenas neste verso de

Paula Ney. Está, também, no nome das ruas. Para os que conhecem so-mente a Fortaleza oficial, nunca vão perceber o quanto a alma do povo cearense é poética e isso se torna claro quando se compara os nomes das ruas de hoje com aqueles que foram dados pelo povo no passado. A Costa Barros, por exemplo, já se chamou Rua da Aurora e, depois, Rua do Sol. A Floriano Peixoto, por sua vez, era a Rua da Alegria e a José Avelino, onde se realiza uma das maiores feiras a céu aberto do Norte e Nordeste, era a Rua do Chafariz. E não para por aí. A cidade de Fortale-za tinha nomes de rua de fazer inveja a qualquer outra que quisesse com-petir com ela em termos de beleza: Rua das Flores, por exemplo, Rua das Belas, Rua Formosa e Rua das Pal-mas. Também tinha nomes de ruas estranhos como da Cachorra Magra e da Apertada Hora. Isso no tempo em que avenidas, como a Dom Manuel, se chamavam Boulevard. Assim, ha-via o Boulevard da Conceição, que era a própria Dom Manuel, o Boulevard do Livramento, a Duque de Caxias, e o Boulevard de Jacarecanga, atual Phi-lomeno Gomes. Morar em Fortaleza, como se vê, era muito mais poético do que hoje quando a política e as datas comemorativas tomaram conta das ruas e os nomes dados pelo povo de-sapareceram.

As praças também tinham a sua poesia e a sua razão de ser. A Pra-ça da Lagoinha tinha este nome por causa de uma lagoa que havia no lo-cal. Mudando para Praça Capistrano de Abreu, a população, mesmo as-sim, continua chamando “da Lagoi-nha” por causa da tradição. O mes-mo acontece com a Praça dos Leões que, por mais que se diga que se chama General Tibúrcio, o povo não admite: prefere chamar “dos Leões” por causa da imagem de alguns des-tes animais que foram esculpidas em Paris, no início do século XX, e colocadas na praça em 1915.

A Praça Castro Carreira, assim como a dos Leões e da Lagoinha, tam-bém é chamada “da Estação” por cau-sa da Estação João Felipe e o mesmo acontece com o Passeio Público que se chama praça dos Mártires, oficial-mente, mas, na prática, mantém o nome antigo de Passeio Público.

Muita coisa mudou ao longo do tempo. Nada, no entanto, se compa-ra com o que um intendente de For-taleza quis fazer na cidade por volta de 1890. Impressionado pelo méto-do de Nova Iorque, que enumerava as ruas, o intendente tentou trazer o modelo nova-iorquino para a ca-pital cearense. Rua como a Floriano Peixoto, que se chamava da Alegria, passou a ser a Rua 7 e a Clarindo de Queiroz a Rua 2. A moda não pegou. Fortaleza perdeu seus nomes poéti-cos e populares, mas manteve, pelo menos, o nome de gente famosa e de datas históricas em seus becos, tra-vessas, praças e avenidas no lugar de números. Menos mal.

Ruas, praças e avenidas de uma cidade cheia de sol, flores e alegria

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Praça da Lagoinha na década de 1970

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As plaquinhas que sinalizavam ruas, praças e avenidas de Fortaleza, nem sempre exibiam nomes de pessoas ou datas. Houveépoca em que se denominavam Rua da Alegria, do Sol ou das Flores. Também foram numeradas como em Nova Iorque

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Passeio poético

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uer conhecer a história de sua cidade? Come-ce pela história de seu bairro. A Barra do Ceará, por exemplo,

em Fortaleza, é uma prova disso. Afi-nal foi ali que a cidade de Fortaleza e, depois dela, o Ceará, surgiram após a vinda de Pero Coelho de Sousa, em 1604, e de Martim Soares Moreno, em 1612. Impressionado com o Rio Ceará, possivelmente, que desembo-cava sua água doce no mar naquela região, foi ali que Pero Coelho levan-tou o Forte de Santiago e Martim So-ares Moreno o de São Sebastião.

Com a chegada dos holandeses em seguida, alguma coisa mudou. Mais interessados em explorar uma jazida de prata que, supostamente, havia em Maranguape, os holandeses que ocu-param a Barra do Ceará, inicialmente, mudaram-se, depois, para o Morro de Marajaitiba, onde ergueram o Forte de Schoonenborch, em homenagem ao governador holandês de Pernam-buco, Walter van Schoonenborch. E foi em torno deste forte, que fica no centro de Fortaleza, que a capital ce-arense se concentrou. Com o tempo, surgiram outros bairros e outras his-tórias que, somadas, contam a traje-tória da capital cearense. A Aldeota, por exemplo, foi o primeiro bairro de Fortaleza, planejado. Até então os bairros surgiam aleatoriamente. Com a Aldeota foi diferente. Fortaleza, nes-

ta época, já dispunha de iluminação pública; os carros já haviam invadi-do a cidade e os arranha-céus come-çavam a despontar às margens das avenidas. Assim, quando se pensou em um bairro como a Aldeota, tudo foi planejado: ruas, prédios e asfalto. Diferente de São João do Tauape que, no início, foi quase um campo de con-centração para onde os retirantes que fugiam da seca no interior do estado eram largados para morrer ou sobre-viver à míngua.

Muitos, na verdade, são os bair-ros de Fortaleza. Alguns deles têm nomes tão exuberantes quanto al-gumas ruas da cidade antes de virar nomes de políticos ou de datas co-memorativas. Bela Vista, por exem-plo, é um destes nomes assim como Bom Futuro, Bom Jardim e Bom Sucesso. Jardim América, Jardim Cearense, Jardim das Oliveiras, Jar-dim Guanabara e Jardim Iracema são outros tantos nomes que encan-tam pelo que dizem ainda que o que anunciam não corresponda, neces-sariamente, à realidade.

Mas em que lugar do mundo ha-verá tantos “parques” como em For-taleza? Parque Araxá, Parque Dois Irmãos, Parque Iracema, Parque Ma-nibura, Parque Santa Maria, Parque Santa Rosa e Parquelândia. Se a cidade tivesse tantos parques assim, Fortaleza seria, talvez, do jeito que o povo quer e não, necessariamente, como certos se-tores do poder constituído pretendem: desprovida de áreas verdes.

Parques e jardins crescem emtorno da capital cearense

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Fortaleza é a capital de um estado no qual a seca prepondera de vez em quando. Os bairros que compõem esta cidade, no entanto, lembram a primavera. Bom Jardim e Parquelândia são dois deles. Bela Vista e Bom Futuro são outros dois

Bairros de Fortaleza

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Base e monumento doados pela Galicia, Espanha, a Fortaleza por sua fundação na Barra do Ceará

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atural de São João da Barra, Rio de Janeiro, João Brígido chegou ao Ceará muito pequeno. Aqui apaixo-

nou-se pela capital cearense e tornou Fortaleza a sua principal preocupação. Assim, não foram poucas as vezes em que escreveu sobre ela e um de seus textos trata das suas casas, ruas e avenidas.

Intitulado “A Edificação de Forta-leza”, João Brígido, neste trabalho, chama a atenção do leitor para a Es-panha que, quando mandava seus colonos para a América, enviava, ao mesmo tempo, informações de como as cidades deveriam ser cons-truídas. Assim, o foco principal da nova povoação deveria ser uma pra-ça e uma igreja em frente das quais se colocaria o pelourinho e, nas ime-diações, se ergueria a Cadeia Públi-ca e a Casa da Câmara.

Portugal agia de outra maneira. Segundo João Brigido neste livro que foi publicado em 1969 por Já-der de Carvalho e se chama “An-tologia de João Brígido”, os portu-gueses iam fazendo as suas casas tendo em vista somente os cômo-dos necessários. O costume, diz ele, era edificar-se à beira da água, guardando as suas sinuosidades. E conta algo muito interessante. Foi assim, diz ele, que surgiram as ruas Direitas, como as que existiam em Fortaleza, às margens do rio Pa-

jeú, e uma outra no Rio de Janeiro. Cada uma delas mais torta do que a outra. E conclui dizendo que a vila do Forte, neste caso, era “toda ela tortuosa e entaramelada”.

As casas, por sua vez, eram quase todas elas cobertas de palhas de car-naúba. Muito poucas existiam, con-tinua, cobertas de telhas. Telhas que vinham, segundo ele, do Aracati. Os

tijolos, por sua vez, vinham do Cocó ou da Lagoa do Tauape. A sua ser-ventia, porém, só se dava na frente das casas porque, nos fundos, eram todas elas de taipa.

PRIMEIROS ARQUITETOS E URBANISTAS

O primeiro engenheiro que che-gou ao Ceará com o objetivo de

mudar um pouco esta realidade foi um português chamado José da Silva Feijó. A forma como chegou em Fortaleza, no entanto, foi tão difícil – veio a pé para a capital ce-arense – que, tal como chegou, foi embora sem mexer em quase nada. Depois dele apareceu Silva Paulet com o governador Manuel Inácio Sampaio. Diferente de Feijó, Paulet

deu início, de fato, a um projeto ur-bano e arquitetônico para a cidade, mas quem primeiro se aventurou a levantar casas de dois andares em Fortaleza foi um outro arquiteto chamado Conrado, que aportou em Fortaleza depois de Paulet.

Havia uma suposição, na cida-de, de que, como o areal em cima do qual a capital cearense fora le-vantada era muito frouxo, era im-possível erguer um prédio de dois andares. Conrado arriscou. Preo-cupado com a possibilidade de que a lenda tivesse algum fundamento, mandou abrir alicerce enorme para uma casa que estava construindo e, assim, levantou o primeiro prédio de dois andares da capital cearen-se. Depois de Conrado, apareceu um outro arquiteto, Simões que, a exemplo de Conrado, continuou a construir prédios de dois andares.

As coisas estavam neste pé quan-do despontou Adolpho Herbster. Natural da Suíça, Adolpho Her-bster é responsável, dentre outros prédios, pelo edifício do Museu do Ceará que, no passado, foi sede da Academia Cearense de Letras e da Assembleia Legislativa. Depois dele foram muitos os arquitetos que surgiram e transformaram Forta-leza no que ela é hoje: de asfalto e cimento com prédios de setenta e dois metros (vinte andares) que se firmam sobre a beira mar e, muitas vezes, impedem a circulação do ar por toda a capital do estado. Mas esta é uma outra história.

Primeiros casarões e sobrados de uma cidade de 288 anos

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Lançada pelo jornalista Jáder de Carvalho em 1969, a “Antologia de João Brígido” traz, em suas 596 páginas, informações preciosas sobre os primódios da capital cearense. Aqui, uma delas sobre edificações da cidade

Primórdios

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Prédio edificado por Adolpho Herbster no centro histórico de Fortaleza

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Falar de praia, no Ceará, lembra logo jangadas e coqueirais assim como falar de sertão lembra o va-queiro e sua vestimenta de couro. Falar de Praia de Iracema, por ou-tro lado, lembra mais ainda as ca-racterísticas do mar cearense prati-camente quando se sabe que, antes de se chamar do Peixe ou de Irace-ma, a praia se chamava Porto das Jangadas porque era dali que elas partiam, no passado e para onde, em seguida, retornavam.

Terminada a Primeira Guer-ra Mundial, porém, com a vitória da Inglaterra e da França sobre os alemães, a Praia de Iracema se transforma. Era a década de 1920 e Fortaleza sentia ímpetos, tal como o resto do mundo (que não pensa-va, ainda, na possibilidade de uma débâcle, tal como ocorreu em 1929) em se expandir o máximo que pudesse aproveitando a onda de prosperidade que tomava conta do planeta. Foi assim que se deu a pas-sagem do bairro de Jacarecanga, onde morava a elite da capital cea-rense, para regiões mais poéticas e afastadas como a praia de Iracema.

Nada disso teria acontecido, no en-tanto, se um pernambucano, des-cendente de português e chamado José de Magalhães Porto, não tives-se dado início a esta emigração.

Morador da rua São Paulo, es-quina com a Senador Pompeu, José Magalhães Porto, mais co-

nhecido como Coronel Zé Porto, praticou essa temeridade. Abando-nou o centro da cidade e construiu, na década de 1920, o primeiro so-lar da praia de Iracema com alicer-ce em maçaranduba para conter a força do vento e do mar. Conhecido como Estoril, hoje em dia, o solar,

quando foi levantado com vitrais, escadas helicoidais inglesas e lou-ças germânicas, se chamava Solar da Vila Morena, em homenagem à mulher do coronel, dona Francisca da Frota Porto. De Morena, a vila passou a Moreninha, como dona Francisca era tratada na intimida-

de. Assim, de Porto das Jangadas, Praia do Peixe e de morada de pes-cadores, a praia de Iracema foi se transformando. Foi nesta década, 1920, que apareceram as primei-ras construções nas imediações da Vila Morena e se introduziu luz artificial depois dos primeiros arruamentos. Tudo isso por causa do Coronel Zé Porto que se encar-regou, também, em mudar o nome da praia que, do Peixe, tornou-se Iracema, em 1925, em homenagem à “virgem dos lábios de mel” de José de Alencar.

E um detalhe importante. A in-fluência francesa, nessa época, era muito grande em Fortaleza. A praia de Iracema, portanto, poderia ter um nome francês assim como no Ceará tudo passou a ter nome inglês depois da II Guerra Mundial. Mas não foi o que aconteceu. A cidade adotou o nome de Iracema, para o bairro, e de tribo indígena para as ruas. Assim, a rua onde fica o Esto-ril se chama Tabajara e as outras, nas imediações, têm os seguintes nomes: Groaíras, Tigipió, Ararius, Potiguaras, Cariris e Pacajús.

Porto das Jangadas, Praia do Peixe e Praia de Iracema a partir de 1925

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Paraiso intocável até a década de 1920, foi neste período que o coronel Zé Porto construiu, na Praia de Iracema, a chamada Vila Morena que, com o tempo, veio a ser o Estoril

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ete são os pecados capi-tais. Sete as colinas de Roma e sete as que de-ram origem a Fortaleza. As colinas de Roma são o Capitólio, Quirinal, Vi-minal, Esquilino, Célio,

Aventino e Palatino. As de Forta-leza são mais modestas. A primei-ra delas, que se localizava entre as ruas Liberato Barroso e Guilherme Rocha, se chamava Taliense, por causa do Teatro Taliense que fi-cava sobre ela. Não existe mais. A segunda, o Morro da Misericórdia, ou Marajaitiba, ainda pode ser ob-servada. Afinal, é ali que fica a 10ª Região Militar, o Passeio Público e a Santa Casa. No tempo em que o mercador inglês, Henry Koster an-dou no Ceará, 1920, o Morro da Mi-sericórdia, segundo ele, ainda era uma montanha de areia.

A terceira colina ficava ao sul do córrego do Garrote, atual Parque das Crianças, e ia dar na praça Clóvis Beviláqua ou da Bandeira. Por isso

que a Ceará Water Works Co. Ltd instalou, em 1867, as caixas de água que ainda hoje estão lá e distribuíam água para Fortaleza por intermédio de chafariz. Era um lugar alto.

A quarta colina, mais conhecida, era o planalto ou outeiro da Prainha. No mesmo lugar onde hoje fica o Se-minário da Prainha e, ao lado dele, a praça Cristo Redentor. Em baixo ficavam o trapiche e a alfândega ve-lha. O mar, nesse tempo, batia na encosta deste planalto.

Denominada Morro do Croatá, a quinta colina ficava no local onde, até recentemente, funcionava a estrada de ferro João Felipe. A sexta, no Alto da Pimenta, também era chamada de Morro do Pecado. Foi ali que o boticário Ferreira, que foi presidente da Câmara dos Vereadores durante muito tempo, deu início à construção da igreja de Nossa Senhora das Do-res que nunca foi concluída. Em seu lugar, foi erguida a Igreja do Coração de Jesus. A sétima e última colina é o planalto da Aldeota.

As colinas de Roma e as sete colinas da Capital cearense

Fortaleza surgiu a partir de sete colinas. Roma também. As sete colinas de Roma deram origem a um povo que conquistou o mundo; as sete, de Fortaleza, foram o berço de um outro que vaiou o sol

Da Cidade Eterna à Terra da Luz

S DIVULGAÇÃO

Seminário da Prainha fica em cima da quarta colina onde surgiu Fortaleza

Vila Morena, atual Estoril, deu início à Praia de Iracema

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á 130 anos, no dia 25 de março de 1884, o Ceará declarava, por in-termédio do pre-sidente da provín-cia, Sátiro Dias, a

Libertação dos Escravos: “Para a gló-ria imortal do povo cearense, disse o presidente diante de quatro mil pes-soas, proclamo ao país e ao mundo que a província do Ceará não possui mais escravos”. Estava, desta forma, extinta a escravidão no Ceará. De-pois desta declaração do presiden-te da província, o Brasil entrou em ebulição. José do Patrocínio, quando soube disso, que o Ceará havia sido o primeiro estado da federação a abolir os escravos, declarou, no Rio de Ja-neiro, que o Ceará era a Terra da Luz.

A LUTAA luta pela libertação dos escravos

no Ceará, no entanto, não foi peque-na. Começou com a Sociedade Cea-rense Libertadora, que foi instalada no dia 8 de dezembro de 1880 em Fortaleza com 227 sócios. Dela par-ticipava João Cordeiro que em uma de suas reuniões levou pelo menos 20 membros para uma sala a que chama-va de Aço e fez a seguinte proposta. A sala estava ocupada por uma mesa co-berta por pano preto e, sobre ela, dois castiçais nas extremidades. João Cor-deiro, sentando-se no meio dela, tal como Jesus Cristo na Última Ceia de Leonardo da Vinci, tirou um punhal

do colete e o fincou ruidosamente so-bre a mesa. “Meus amigos”, disse em seguida, apontando para o punhal: “exijo de cada um de nós juramento sobre este punhal para matar ou mor-rer, se for preciso, pelo bem da aboli-ção dos escravos”. Considerando que aquela luta não seria fácil, disse, para cada um dos presentes que, se tinham algum vínculo com o governo ou dele dependiam, que se retirassem ou as-sumissem as responsabilidades por seus atos futuros. Pelo menos 11 dos 20 que estavam na reunião se retira-ram e a sessão continuou. Dentre os

itens que consta no estatuto da Socie-dade, um deles afirma que a institui-ção libertará os escravos “por todos os meios ao seu alcance” e um destes meios, naturalmente, era o de escon-der negros fugidos ou o de raptar al-guns deles que eram logo alforriados e mandados para longe do Ceará.

A OUTRA SOCIEDADEDois anos depois, em 1882, surgiu

o Centro Abolicionista. Diferente da Sociedade Cearense Libertadora, o Centro não tinha nenhum caráter revolucionário. A intenção dele era a

de promover a libertação dos escra-vos sem, para isso, entrar em choque com o governo ou os proprietários de negros cativos. Participavam deste movimento o dr. Meton de Alencar que, como João Cordeiro, é nome de rua em Fortaleza, José Martiniano Peixoto de Alencar, e o Barão de Stu-dart, outro nome de rua. Na data de fundação, 19 de dezembro, o Centro alforriou três negros e, no dia 4 de janeiro de 1883, cinquenta e quatro.

JANGADEIROS EM AÇÃOO maior movimento abolicionista

ocorrido no Ceará se deu com a in-tervenção dos jangadeiros que teve, como líder, Chico da Matilde, natu-ral de Canoa Quebrada, Aracati, e que este ano, 2014, completa cem anos de morte. Chamado Francisco José do Nascimento, a participação de Chico da Matilde, futuro Dragão do Mar, no movimento abolicionis-ta, começou, na verdade, nos teatros de Fortaleza. Foi em um deles, o Te-atro São Luís, que Pedro Artur de Vasconcelos, aproveitando o inter-valo de uma peça, fez uma proposta: interditar o porto de Fortaleza para embarque e desembarque de escra-vos. Foi quando Chico da Matilde foi contactado e começou a partici-par da emancipação dos escravos no Ceará. Considerando que os navios que chegavam em Fortaleza precisa-vam das jangadas para embarcar ou desembarcar suas mercadorias, pelo menos uma delas, a dos negros es-

cravos, deixou de ser levada por eles. No dia 27 de janeiro de 1881, por exemplo, o vapor Espírito Santo es-tava para levar um grupo de escravos para fora do Ceará quando os donos foram surpreendidos pelos janga-deiros que cruzaram os braços. In-dignados, chamaram a polícia. A po-pulação de Fortaleza, no entanto, foi para a praia, ajudar os jangadeiros, e impediu o embarque dos cativos. Eram mais de mil pessoas, registra O Libertador, jornal dos abolicionistas do Ceará, que apoiavam a greve dos jangadeiros. Revoltados com aquilo, os escravocratas insistiram e foram vaiados pela população. “No porto do Ceará, dizia o povo, não se embar-ca mais escravo”. A partir deste dia o movimento abolicionista cresceu e o futuro Dragão do Mar passou a fre-quentar a Sociedade Libertadora.

Proclamada a Libertação dos Es-cravos, em 1884, Chico da Matil-de foi para o Rio de Janeiro e para aqueles que pensam que a liberta-ção, na Terra da Luz, foi um caso isolado (não interferiu na Lei Áu-rea assinada pela princesa Isabel, em 1888), basta dizer que a visita do jangadeiro cearense, à capital do império, Rio de Janeiro, foi um fato histórico. Recebido pela população e embevecido, Chico da Matilde escreve para a mulher dizendo que estava tonto de tanta festa e cumpri-mentos recebido por parte de gente importante. Tamanha foi a reper-cussão da Lei Áurea cearense.

Greve de jangadeiros e manifestaçãopopular libertam escravos no CearáCom a libertação dos escravos em 1884, quatro anos antes da Lei Áurea, no Rio de Janeiro, foi em Fortaleza que a luta

pela abolição, no Ceará, se tornou mais acirrada com a participação de João Cordeiro e Dragão do Mar

Lei Áurea cearense

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Dragão do Mar libertou os escravos, no Ceará, em 1884

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Fortaleza, assim como Roma, nas-ceu a partir de sete colinas. Duas delas são o Morro da Misericór-dia, antigo Marajaitiba, onde hoje se encontra a 10ª Região Militar, e o da Prainha, onde estão a Igreja e o Seminário da Prainha. No tempo em que os holandeses chegaram ao Ceará com Matias Beck, o Rio Pajeú, à margem do qual levantaram o For-te de Schoonenborch, atual Nossa Senhora da Assunção, ficava entre estas duas colinas. Assim, para Ma-tias Beck e seus companheiros, não havia lugar mais adequado para se construir um forte do que ali, onde se podia ver o litoral fortalezense em

todas as direções e se defender dos portugueses que, na época, eram seus principais inimigos.

Marajaitiba, por sua vez, tem um significado altamente bucólico. Diz João Brígido em “Ceará: Homens e Fatos”, que o Rio Pajeú se chamava Marajaik ou Maraja-ig. E dá uma explicação. “Maraja”, segundo ele, quer dizer “palmeira” em tupi-gua-rani e o “i”, nesta língua, quer dizer “pequeno”. “Maraja-ig”, portanto, significa “palmeira pequena”. O rio Pajeú, neste caso, se chamava “Ria-cho das Palmeiras” no tempo em que Matias Beck chegou em Forta-leza com seus homens.

Dada esta explicação, dá para imaginar, mais ou menos, como seria a paisagem que cercava o Forte de Schoonenborch quando foi erguido pelos holandeses. Dá, também, para imaginar como se-ria a região quando os portugueses a retomaram, em 1654, e deram o nome de Nossa Senhora da As-sunção para o forte. Aparentemen-te é um nome aleatório, mas tem uma razão de ser. Afirma Gustavo Barroso em seu livro “À Margem da História do Ceará” que, na ver-dade, é quase uma réplica de “À Margem da História do Brasil” de Euclides da Cunha, que no tempo

em que os Paiacus, Anacés e Ja-guaribaras entraram em choque com a população de Aquiraz que, derrotada por eles, fugiu para For-taleza, nesse mesmo período se construiu um quartel e uma capela defronte do forte em um terreno doado pelo padre José Rodrigues que, por sua vez, era proprietário de uma fazenda perto de Caucaia no interior da qual possuía outra capela destinada a Nossa Senhora da Assunção. Construído o quartel e a capela diante do antigo forte de Schoonenborch, o padre José Ro-drigues levou a imagem de Nossa Senhora da Assunção de sua cape-

la, na Fazenda Soledade, para lá e, como consequência, Fortaleza pas-sou a se chamar Fortaleza de Nos-sa Senhora da Assunção tal como se denomina ainda hoje.

A imagem da santa, no entanto, desapareceu depois de 1857 quan-do foi levada para a catedral. Diz Gustavo Barroso que foi dada pelo arcebispo Dom Joaquim José Viei-ra para o coronel Licínio Nunes de Melo, administrador da Irmandade de São José, em 1857, que a levou para o sítio Jucurutuoca, de sua pro-priedade, que ficava nas cercanias de Messejana. Depois disso não se tem mais notícias dela.

Lendas e verdades sobre o Forte de Schoonenborch e suas imediações

FORTALEZA - CEARÁ - BRASILSexta-feira, 11 de abril de 2014

Foi em uma região cercada por rios, palmeiras e colinas que o Forte de Schoonenborch, atual Nossa Senhora Assunção, deu origem à cidade de Fortaleza no século XVIII

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odas as cidades têm um núcleo histórico, diz Au-gusto César B. de Melo, guia turís-tico há 38 anos em Fortaleza. E

a capital cearense, continua, tam-bém tem o seu. O núcleo histórico de Fortaleza, segundo ele, está entre quatro avenidas: Dom Manuel, Du-que de Caxias, Imperador e Castro e Silva. No meio deste quadrilátero, afirma, fica o Theatro José de Alen-car, um dos mais bonitos do Brasil. Em frente ao teatro, que se locali-za na praça José de Alencar, antiga Marquês de Herval, encontra-se a segunda igreja católica mais antiga de Fortaleza, a de Nossa Senhora do Patrocínio. A praça que, por si só, também é histórica, possui, ainda, um monumento do escritor José de Alencar que foi dada pela Associação de Jornalistas do Estado do Ceará a Fortaleza em 1929, cem anos após o nascimento do romancista cearense.

Outra preciosidade histórica do centro de Fortaleza, é o Passeio Pú-blico que foi inaugurado em 1864 pelo comerciante Tito Rocha e o go-vernador Augusto Aguiar. Dividido em três partes, na primeira frequen-tava a aristocracia da cidade. Na se-gunda, a classe média e, na terceira, o povo de maneira geral.

A praça do Ferreira é outra precio-sidade histórica. Nela se localizavam os principais cinemas da cidade com

destaque para o Majestic e o São Luís. Era ali, também, que ficavam os melhores hotéis. Dentre eles, o Excelsior. Rodeado por quatro ca-fés, em um deles, o Java, surgiu, no século XIX, um dos movimen-tos literários mais importantes do Ceará e, possivelmente, do Brasil, a Padaria Espiritual. A praça General Tibúrcio, que fica nas imediações e é mais conhecida como praça dos Leões por causa dos leões que foram esculpidos na Europa e colocados lá em 1915, possui uma estátua do ge-neral Tibúrcio e o mausoléu no qual estão enterrados os restos mortais deste militar cearense que nasceu em Viçosa em 1837 e participou da guerra do Paraguai que ocorreu de 1864 a 1870. E não é só. A praça dos Leões também está cercada por vários prédios e instituições his-tóricos. A Academia Cearense de Letras, a primeira do Brasil, que se localiza no antigo Palácio da Luz, o Museu do Ceará, que foi erguido por Adolpho Herbster no século XIX, e a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, fundada em 1726 pelos pretos e é tida como ntor, ladeada pelo Teatro São José e o Seminário da Prainha com sua igreja, está a Coluna do Cristo Redentor. Era ali que, anti-gamente, antes da televisão, Forta-leza se reunia para contemplar, do alto da coluna, o litoral da capital do estado. Fazia fila para penetrar no interior da coluna, subir por ela e, finalmente, atingir o topo. Dali a

população via o litoral de Fortaleza em toda sua extensão. Era a diver-são principal deste tempo.

Descendo a ladeira, em cima da qual fica a praça Cristo Redentor e o seminário da Prainha no qual estudaram padre Cícero e Dom Helder Câmara, começa a praia de Iracema propriamente dita com o Estoril, a estátua de Iracema escul-pida por Zenon Barreto e o aterro da Praia de Iracema que chama a atenção dos turistas por suas cores. O contraste da água do mar, azul, com o branco da areia.

A Barra do Ceará também é im-portante neste contexto. Afinal, foi ali que Pero Coelho de Sousa e Mar-tim Soares Moreno chegaram no sé-culo XVII e fundaram, primeiro, o forte de Santiago e, depois, o de São Sebastião. Ali também foi a primei-ra sede administrativa do Ceará e o primeiro local onde os holandeses entraram em choque com os portu-gueses na terra de José de Alencar. Para visitar a Barra do Ceará, no entanto, informa Augusto César, é preciso de guia turístico pois só ele sabe mostrar as belezas do lugar: o encontro do rio Ceará, que nasce em Maranguape, com as águas do mar na Barra do Ceará, os manguezais das imediações e as dunas (as úni-cas, segundo ele, que ainda existem em Fortaleza) além do por do sol que, segundo Augusto César, morre, impreterivelmente, às 17h15min e é o mais bonito da cidade, conclui.

Centro histórico de Fortaleza cativaturistas com praças e monumentos

Guia turista há 38 anos, Augusto C. B. de Melo dá a dica para quem quer conhecer o centro histórico de Fortaleza. Começando seu roteiro na praça José de Alencar, termina a caminhada na Barra do Ceará após passar pela Praia de Iracema

Turismo Cultural

T

Guia turístico, Augusto César traça o roteiro histórico do Centro

ANDERSON SANTIAGO

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FORTALEZA - CEARÁ - BRASILSexta-feira, 11 de abril de 2014 13

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Paula Ney

Ao longe, em brancas praias embaladaPelas ondas azuis dos verdes mares,

A Fortaleza, a loura desposadaDo sol, dormita à sombra

dos palmares.

Loura de sol e branca de luares,Como uma hóstia de

luz cristalizada,Entre verbenas e jardins pousada Na brancura de místicos altares.

Lá canta em cada ramo

um passarinho,Há pipilos de amor em

cada ninho,Na solidão dos verdes matagais…

É minha terra! A terra

de Iracema,O decantado e

esplêndido poemaDe alegria e beleza universais!

Adolfo Cami-nha publica “A N o r m a l i s t a ” em 1893. Nele, trata do rela-cionamento de Maria do Car-mo, a norma-lista, com o pa-drinho, João da Mata, e Cazuza, estudante de Direito. Escrito para mostrar a realidade social de Fortaleza, Adolfo Caminha, neste romance, tam-bém descreve um pouco da geografia da capital cearense em sua época. O trecho a seguir é uma descrição do Pas-seio Público.

“Numa quinta-feira à noite, uma belíssima noite de luar (..) a avenida Caio Prado tinha o aspecto fantástico de um terraço oriental onde passeavam princesas e odaliscas sob um céu de prata polida, com suas filas de combusto-

res azuis, encarnados e verdes, com as suas esfinges... Senhoras de braço dado, em toa-letes garridas, iam e vinham ao macadame, arrastando os pés, ao compasso da música, conversando alto, entrechocando-se, numa promiscuidade interessante de cores, que ti-nham reflexos vivos ao luar: de um lado e de outro da avenida duas alas de cadeiras ocu-padas por gente de ambos os sexos, na maior parte curiosos que assistiam tranqüilamente o vaivém contínuo dos passeantes.

O pleni-lúnio muito alto dir-se-ia uma grande medalha de prata relu-zente com o anverso para a terra, suspensa por um fio invi-sível lá em cima na cú-pula azul do céu. Defron-te da aveni-

da o mar, na sua aparente imobilidade, tinha reflexos opalinos que deslumbravam, crivado de cintilações, minúsculas, largo, imenso, des-dobrando-se por ali afora a perder de vista, e para o sul, muito ao longe, a luz branca do farol tinha lampejos intermitentes, de minuto a minuto. No porto a mastreação dos navios destacava nitidamente, inclinando-se num movimento incessante para um e outro lado, como oscilações de um pêndulo invertido”.

Passeio Público descrito por Adolfo Caminha

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Beco do Cotovelo fica-va na região onde hoje se encontra a Praça do Ferreira em Fortaleza. Em uma de suas ex-tremidades, que dava

para a atual rua Pedro Borges, via-se um cajueiro em baixo do qual traba-lhava um açougueiro. Chamava-se Fagundes. Certo dia, o governador do Ceará, Feo e Tôrres passeava pelas imediações e passou perto do cajueiro. Nada demais se um dos galhos da árvore não tivesse tirado o chapéu do governador de sua ca-beça. Irritado com aquilo, o gover-nador chamou o açougueiro e pediu para que lhe desse o chapéu de vol-ta. O açougueiro não saiu do lugar. Revoltado, Feo e Tôrres disse que a intenção dele era apenas a de cortar o galho que havia tirado seu chapéu da cabeça mas, diante daquela atitu-de arrogante do açougueiro, ia der-rubar a árvore toda.

No dia seguinte, mandou alguns de seus homens para fazer o serviço. Fagundes, no entanto, se rebelou e, ajudado por outros magarefes que, como ele, também estavam com a sua ferramenta de trabalho, a faca, nas mãos, assustaram os homens do governador que foram embora. Mas logo voltaram. Acompanhados, desta vez, pela polícia. Fagundes, felizmente, obteve reforços. Muitos foram os fiandeiros, merceeiros, fer-reiros e até pescadores que se alia-ram a ele nesta luta. Assim, quando os trabalhadores do governo apare-ceram acompanhados pela polícia, se depararam com os amigos de Fa-

gundes armados de pistola e baca-marte. A polícia, quando viu aquilo, recuou e o açougueiro virou herói.

A rua onde ficava o cajueiro, por-tanto, passou a se chamar Rua do Cajueiro; a outra, onde Fagundes se encontrou com os amigo, Rua das Trincheiras, e a terceira, a partir da qual a polícia recuou, Rua do Fogo que são, respectivamente, as se-guintes: Rua Pedro Borges, Liberato Barroso e Major Facundo.

O OUTRO CAJUEIROConstruída a praça do Ferreira

mais ou menos no lugar onde fica-va o cajueiro do Fagundes, apareceu outro: o Cajueiro Botador ou, como passou a ser conhecido posterior-mente, Cajueiro da Mentira. Locali-zado perto do Café Java, que ficava em uma das pontas da praça do Fer-reira, o Cajueiro Botador tinha este nome porque, diferente dos outros, frutificava o ano todo.

Ninguém sabe dizer, exatamente, quando passou a se chamar Cajuei-ro da Mentira. Mas se sabe, perfei-tamente, porque tinha este nome. Primeiro de abril, Dia da Mentira, em Fortaleza, era comemorado qua-se como festa nacional. Muita gente esperava por esta data e por uma razão muito simples. Era neste dia que se elegia, à sombra do Cajuei-ro Botador, o maior mentiroso de Fortaleza. Para isso, era posta uma urna, sob o cajueiro, que, dirigida por alguns mesários, recebia os votos da população. Terminada a votação, à noite, a urna era aberta e, quando o nome era conhecido,

a cidade ficava em festa. Coloca-vam o nome do mentiroso em uma placa que, em seguida, era exposta no tronco do cajueiro e tinha início uma pequena sessão de discursos, aplausos, risos e palmas que eram interrompidos por fogos de arti-fícios e músicas tocadas por uma bandinha próxima. A população também aproveitava a oportunida-de para colocar cartazes na árvore que, quando lidos, fazia o povo rir com as mentiras (e, quem sabe, al-gumas verdades) que continham.

Derrubado em 1920 pelo prefeito Godofredo Maciel, nunca mais o Ca-jueiro da Mentira foi o mesmo. Plan-

tada uma outra árvore no mesmo local pelo prefeito Juraci Magalhães que go-vernou Fortaleza de 1990 a 1993 a pri-meira vez e de 1997 a 2005, a segunda, nem assim retomou o mesmo ânimo do passado. Hoje existe uma placa na praça falando do Cajueiro da Mentira. A árvore, no entanto, desapareceu.

O BANCOA praça mais importante de Forta-

leza, antes da Praça do Ferreira, foi o Passeio Público. Inaugurada em 1890, a praça tinha suas particulari-dades. Dentre elas, a de ser frequen-tada por três categorias sociais sem que nenhuma delas se misturasse. Na

primeira parte da praça, a Caio Prado, frequentava a classe mais abastada da cidade. Na segunda, a Carapinima, a classe média. Na terceira, a Padre Mo-roró, a população, de uma maneira geral. Foi na Caio Prado, no entanto, que surgiu o Banco, também chama-do Banco dos Velhos, que depois foi transferido para a praça do Ferreira com outro nome. Nele se concentra-vam os velhos e as pessoas mais ilus-tres da capital cearense.

Com a inauguração do Jardim 7 de Setembro pelo prefeito Guilher-me Rocha na Praça do Ferreira, o Passeio Público foi, pouco a pouco, perdendo a sua hegemonia. Princi-palmente quando surgiram os pri-meiros cinemas nas imediações: o Politheama, em 1911, e o Majestic, em 1917. O Banco dos Velhos do Passeio Público, portanto, foi para a praça do Ferreira e lá ficou até 1968 quando o prefeito José Walter mo-vido, possivelmente, pela ditadura militar, resolveu levantar o que, com o tempo, passou a se chamar de Jar-dim Suspensos e, para isso, teve que retirar não só o Banco dos Velhos que, na praça do Ferreira, passou a se chamar Banco da Opinião Públi-ca, mas, inclusive, a coluna da Hora.

A VAIA DO SÉCULO XXFoi em 1942 que Fortaleza vaiou

o sol pela primeira vez. Contam os cronistas que havia chovido três dias seguidos depois de uma seca violen-ta, quando a população que estava na Praça do Ferreira vendo que o sol voltou a aparecer, vaiou o astro demoradamente. Era uma desforra.

Cajueiros que mentem e bancos que falam no Centro da cidade

A Fortaleza

Banco da Opinião Pública e seus frequentadores diários

Considerada o coração de Fortaleza, a Praça do Ferreira concentra, em sua trajetória, passagens pitorescas da capital cearense. Aqui estão dois cajueiros, um banco e o sol vaiado em 1942

Praça do Ferreira

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ien-Bien Garapière, na verdade, se cha-mava Bembém da Ga-rapeira. Era, como o próprio nome indica, dono de uma garapei-

ra que ficava em um quiosque perto do antigo Mercado Público. Vendia a sua garapa chamada, hoje, caldo de cana, a um tostão o copo. O que sobrava, deixava para o dia seguinte e, se não fosse vendido tudo, comer-cializava o produto no terceiro dia a um preço cada vez mais baixo. A população de Fortaleza gostava da garapa de Bembém que, dessa ma-neira, ia vendendo o caldo até ficar azedo. A população, mesmo assim, procurava por ela e havia alguns fi-lósofos que diziam que o melhor cal-do que existia era o do terceiro dia porque, segundo eles, era capaz de tornar corado até defunto.

A grande ambição de Bembém Ga-rapeira, no entanto, era a de conhe-cer a França. Assim, juntou dinheiro e estimulado por um comerciante até conhecido na capital cearense, foi para Paris. Queria ver a Notre-

-Dame de perto, o Arco do Triunfo, as Tulherias, Versalhes, o Louvre e a Torre Eiffel. Foi depois desta via-gem que mudou de nome. Passou a se chamar Bien-Bien Garapière. E ele mesmo explica. Estava em um hotel, em Paris, quando foi obriga-do a assinar o nome. Em Paris, dizia para os amigos, a língua é outra. No Brasil, se fala português. Na França, no entanto, se fala francês. Assim, escreveu o seguinte: “Bien-Bien Ga-rapière”, e o nome pegou. De volta ao Brasil passou a ser chamado com esse apelido pelos amigos.

Outras histórias de Bien-Bien Ga-rapière em Paris também são bas-tante interessantes. Conta Otacílio de Azevedo em “Fortaleza Descal-ça” publicado pelas Edições UFC, que costumava dizer, para os ami-gos, que, em Paris, só andava com um homem chamado “Cicerone”. Era o único que, como ele, também sabia português porque os outros, inclusive as mulheres, as crianças e carregadores de bagagem só fa-lavam o francês com exceção de uma palavra que, segundo ele, era

a única que entendia: “mercibocu” ainda que não soubesse, exata-mente, o que significava.

Escultor nas horas vagas, Bien--Bien tinha o hábito de transformar quengas de coco em cabeças seme-lhantes às dos seres humanos. O quiosque dele, portanto, além de garapas, também tinha, nas prate-leiras, estas cabeças hediondas tra-balhadas por ele.

FIDALGOS E NOBRES DO CEARÁOutra personagem inesquecí-

vel do anedotário fortalezense, é o Chaga dos Carneiros. Monarquista ferrenho, tinha a mania de por o nome dos presidentes da Repúbli-ca nos três carneiros dos quais cui-dava e que pintava de azul-claro, o primeiro, verde-claro, o segundo, e rosa-choque, o terceiro. O primeiro deles, se chamava Afonso Pena; o segundo, Rodrigues Alves, e o ter-ceiro, Campos Sales. Era assim que se vingava dos republicanos. Como amigo, tinha o José Sales, sobrinho do célebre Antônio Conselheiro, de Canudos, que andava por Fortaleza

com suas unhas retorcidas porque, como era de família nobre, não de-veria trabalhar nem, muito menos, cortar as unhas.

SAPATEIROS E CORUJAS

Sapateiro conhecido em Fortale-za, o Mestre Arcanjo tinha um pés-simo hábito. Vendia tudo aquilo que lhe caía às mãos. Assim, mal recebia um par de sapatos para trocar as solas ou para pintar, pas-sava adiante, desde que houves-se comprador. E quando o dono chegava para receber a mercado-ria consertada, a desculpa era tão convincente que o dono do produ-to até agradecia ao sapateiro por o ter livrado de tamanho trambolho.

Procurado por alguém para fazer a bainha de um punhal, mal o dono do punhal deu as costas, Mestre Arcanjo vendeu a arma. No dia se-guinte, quando o tal sujeito voltou para pegar a arma e a bainha tomou conhecimento, por parte de Mestre Arcanjo, que a polícia tinha andado em seu estabelecimento comercial

e levado a peça. Queria saber, tam-bém, quem era o dono dela. O des-conhecido, ouvindo isso, foi embora e nunca mais voltou.

Como a sapataria de Mestre Ar-canjo ficava perto do Palácio da Luz, atual sede da Academia Cearense de Letras e antigo palácio do governo, foi interpelado por um negro que procurava um pato branco que ha-via fugido do palácio. O sapateiro, mostrando um pato preto que havia aparecido em seu negócio, pergun-tou se era aquele. O preto disse que não. Depois se descobriu que Mestre Arcanjo simplesmente pintou o pato com tinta de sapateiro.

Chico Coruja era barbeiro e cos-tumava dizer que preferia barbear defunto a gente viva porque os de-funtos, segundo ele, nunca recla-mavam da navalha. Marido de dona Porangaba, antigo nome do bairro de Parangaba, contam que, um pou-co antes de morrer, disse o seguinte para a mulher: “Adeus, Porangaba, vou até o Mondubim”. Mondubim é o próximo bairro depois de Paran-gaba. Dito isso, morreu.

Capital do humor, Fortaleza foi palcode Chaga dos Carneiros e José Sales

Natural de Itapipoca, Tiririca foi para São Paulo depois de fazer a Capital cearense rir

Contemporâneos de Quintino Cunha e Paula Ney, Bembém Garapeira, Mestre Arcanjo e Chico Coruja transformaram Fortaleza na capital do humor com suas anedotas e estilo de vida diferente

Tipos inesquecíveis

B

Fortaleza pode não ser o berço onde todos eles nasceram, mas certamente foi a partir dela que se tornaram conhecidos inicialmen-te. Nascido em Itapajé, em 1875, Quintino Cunha veio para Fortaleza muito cedo. Aqui é autor de várias presepadas. Dentre elas aquela de que recebeu um par de chifres de presente e, em troca, mandou um buquê de flores. Intrigado com aquilo, o ofensor man-dou um amigo perguntar a Quintino por que havia agido daquela maneira, e o poeta, que havia acabado de defender alguns ladrões que haviam invadido a sua casa, no júri, res-pondeu: “Cada um dá o que tem”.

Paula Ney nasceu em Aracati, mas amava Fortaleza. Afinal, é dele o poema que me-lhor define a capital cearense quando diz que Fortaleza é “uma loura desposada pelo sol”. De Paula Ney se conhece várias histórias de humor. A mais citada, no entanto, é aquela na qual mantinha um secretário que tinha, como função, levar seus artigos para os jor-nais do Rio de Janeiro. Em troca, Paula Ney o levava para os almoços e jantares para os quais era convidado a fim de que comesse e bebesse às custas de seus amigos.

Chico Anísio é de Maranguape, ci-dade que, atualmente, faz parte da Grande Fortaleza. Com o surgimento do rádio, no Brasil, e da televisão, Chi-co Anísio teve uma dimensão muito maior do que Quintino Cunha e Paula Ney com suas piadas. Morando no Rio de Janeiro, se projetou por todo o País. Ele e Renato Aragão, que nasceu em Sobral, mas, como todo artista cearen-se, também passou por Fortaleza antes de se aventurar pelo sul do País.

Tiririca nasceu em Itapipoca e, em poucos anos, estava em Fortaleza de onde partiu para São Paulo. Conta o humorista, em suas apresentações, que a pessoa mais engraçada na casa dele é a própria mãe. E conta várias piadas dela. Certa vez a mãe do Tiririca telefonou para o açougue e perguntou ao açougueiro se ele tinha orelha de porco, rabo de porco e pata de porco. O açougueiro disse que sim. A mãe do humorista, ouvindo isso, não resistiu: “Mas como o senhor é feio!”, excla-mou, e desligou o telefone.

O humorista cearense sempre passa porFortaleza antes de conquistar o Brasil

Conhecida como a capital do humor, no Brasil, Fortaleza, se não foi berço, foi passagem para várioshumoristas cearenses que partiram para o sul do País. Renato Aragão e Tiririca foram alguns deles

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FORTALEZA - CEARÁ - BRASILSexta-feira, 11 de abril de 201416

tingidos por uma seca monstruosa em 1915, os retirantes do interior do Ceará começaram a se di-rigir para Fortaleza.

Bebendo com alguns amigos no centro da cidade, o representante da Rossbach Brazil Company, em-presa inglesa que trabalhava com couro, no Ceará, viu um bode, levado por um dos retirantes, e se interessou por ele. A pele do animal era luzidia e parecia ade-quada para sua empresa. Assim, comprou o bode, amarrou nas imediações e, como ia matá-lo, embriagou o animal. De repente, algo muito estranho aconteceu. O grupo, no qual se encontrava, se pôs a cantar uma música da qual um amigo, que havia morrido, gostava muito, e o bode berrou. Estava chorando. Isso enterne-ceu a todos. O amigo, afinal, havia se matado. Tinha se apaixonado por uma coquete, em Fortaleza e, como não foi correspondido, fez uma serenata para a amada tocan-do, praticamente, aquela música e, em seguida, se matou.

Os amigos, quando viram aqui-lo, o bode embriagado e chorando

toda vez que ouvia aquela músi-ca, chegaram a uma conclusão: a alma do amigo havia passado para o bode. O representante da Ros-sbach Brazil Company, portanto, não poderia matá-lo, e soltaram

o animal. Levado, inicialmente, para a Praia de Iracema, o bode adquiriu um hábito que, no fu-turo, lhe rendeu o nome. Dormia na praia de Iracema e toda ma-nhã cedo caminhava para o centro

da cidade. Passou, portanto, a se chamar Ioió por causa deste per-curso que não mudava nunca.

MULHERES E PADRESNo centro de Fortaleza, quando

frequentava a praça do Ferreira, corria atrás de mulheres e de pa-dres. Boêmio inveterado, estava sempre acompanhado de artistas e, como eles, bêbado. Em 1922, revoltada com a atuação dos po-líticos na Câmara dos Vereadores, a população de Fortaleza resolveu eleger o bode. E conseguiu. Mas não conseguiu empossar o can-didato que, segundo dizem, teve uma votação bastante expressiva.

Morto em 1931, a empresa que o comprou, em 1915, embalsamou o bicho e o deu ao Museu do Ceará onde ainda hoje se encontra. É o único animal no mundo, pelo que se sabe, que está em um museu antropológico e não zoológico. As-sim, está ao lado de figuras como o boticário Ferreira, que deu nome à praça do Ferreira, em Fortaleza, padre Cícero e o beato Zé Louren-ço. Do bode, a única peça que não pode ser vista é o rabo porque, se-gundo a tradição, foi roubada por alguém depois de embalsamado. Relíquia que nunca mais apare-ceu. De tão famoso existe hoje, nos Estados Unidos, uma réplica dele no Museu de Hollywood. Ao lado, quem sabe, de Fred Astaire e Marilyn Monroe.

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Reza a lenda que as cidades nor-malmente surgiam em torno de um campo santo. Como os seres hu-manos eram nômades, havia ape-nas um lugar fixo: aquele em que os mortos eram enterrados. Assim, quando os povos se dispersavam e se reuniam novamente, o ponto de encontro, normalmente, era em torno dos cemitérios onde reveren-ciavam os seus antepassados e, em seguida, negociavam.

Com o surgimento das primeiras ci-dades, aqueles que costumavam caçar, se tornaram líderes e políticos enquan-to os agricultores eram protegidos por eles. Com o tempo, os cemitérios foram abandonados e, em seu lugar, surgiram as igrejas. Foi neste período que os europeus chegaram à América e deram início à sua colonização.

A cidade de Fortaleza, no entanto, surgiu de maneira diferente. Como Antônio Cardoso de Barros, indicado para governar a Capitania do Ceará, não veio tomar posse, as terras, por sua vez, se tornaram devolutas. Feliz-

mente Pero Coelho e Martim Soares Moreno tomaram conta da região e o que poderia ter ido para a Capitânia do Pará ou do Rio Grande do Norte passou a ser ocupada por eles para, no futuro, se tornar um estado, o Ce-ará, e uma capital, Fortaleza.

O surgimento de Fortaleza, portan-to, se deu em torno de um forte. Pri-meiro o de Santiago e São Sebastião levantados por Pero Coelho e Martim Soares Moreno, respectivamente, às margens do Rio Ceará e, depois, do Forte de Schoonenborch erguido pelos holandeses às margens do Rio Pajeú.

Em 1726, quando o antigo povoado do Pajéu se elevou à condição de vila, a futura cidade de Fortaleza cresceu em torno do Forte de Schoonenborch, atual Nossa Senhora Assunção onde funciona a 10ª Região Militar. Conta a história que o sítio do naturalista João da Silva Feijó, por dentro do qual pas-sava o Rio Pajeú, ficava para o leste. A intenção do naturalista, quando veio para Fortaleza, em 1799, era a de estu-dar a geografia da região, seus recursos

naturais e sua produção. No mar, para onde corria o Rio Pajeú, a praia forma-va um grande Maceió ou pocinho que servia de aguada e de banho público dentro do qual navegavam pequenas embarcações. Nesse recanto sossegado e privilegiado pela natureza, moraria, posteriormente, Manuel Franklin do Amaral, meio-irmão do Visconde de Jaguaribe e pai do Barão de Canindé. A partir de 1911 seria residência de João Eduardo Torres Câmara Filho, pai de Dom Helder Câmara, futuro arcebispo de Olinda e Recife.

Diferente de hoje, o Rio Pajeú, que passava pelas terras do coronel Franklin, era um lugar animado. Ali fi-cava uma nascente d’água que abaste-cia um chafariz, inaugurado em 1813, e decantado em prosa e verso por causa de sua importância para o desenvolvi-mento da vila. Com o tempo, o chafariz mudou de lugar. Rodeado de gente, dia e noite, era dali que os escravos, negros, saíam com potes de barro para todos os lados. Assim, a população foi crescendo, de forma desordenada, em

torno dessa fonte de água potável e às margens das barrancas sinuosas do Rio que deu origem a Fortaleza.

O GOVERNO SAMPAIOAssumindo o governo em 1812, Ma-

nuel Inácio Sampaio, mais conhecido como Governador Sampaio, tratou de reparar aquele desalinho e, para isso, chamou o engenheiro Silva Paulet para, pela primeira vez, fazer um pla-no urbanístico para a vila. Com isso, Sampaio, quando foi embora, deixou uma vila de alvenaria com alfândega e Correios depois de ter se deparado com um povoado composto de um ca-sarão simples em formato de caixote e um só pavimento.

Acompanhando essa boa admi-nistração, o grau de pobreza da vila diminuiu e, em breve, apareceram os primeiros homens de posse. As residências deixaram de ser somente moradia para exibir ornamentos prin-cipalmente em sua fachada. E não só isso. A instrução pública se intensi-ficou e, em torno do governador, se

reuniu um grupo de homens interes-sados não apenas em trabalho e negó-cio mas, inclusive, em obras de arte.

O FELICIDADE E A FLOR DO MARMorador das vizinhanças do pa-

lácio do governo, o português José Pacheco Spinoza participava dos sa-raus literários organizados por Sam-paio ao mesmo tempo em que, as-sociado com Antônio Maciel Alves, dono de terras, começou a negociar algodão levando, diretamente para a Europa, o produto. Coisa que, nesta época, não acontecia porque, como Fortaleza estava sujeita à jurisdição de Pernambuco, todo produto leva-do para a Europa teria, primeiro, que passar por lá depois de aportar em Aracati ou Mossoró. José Pache-co Spinoza, no entanto, e Antônio Maciel Alves, romperam com isso. Montaram dois navios, “O Felicida-de” e a escuna “Flor do Mar” e foram dar em Portugal em 1808 justamen-te no ano em que Dom João VI par-tia de lá para o Brasil.

Forte de Schoonenborch, rio Pajeú e o chafariz do coronel Franklin

Elevada à condição de vila em 1726, Fortaleza surgiu em torno do Forte e às margens do rio Pajeú, que passavapelas terras do coronel Franklin sombreadas por um pomar dentro do qual funcionava um chafariz

Um bode no museu antropológicoExposto no primeiro andar do Museu do Ceará, o bode Ioió é o único animal, no mundo, que se encontra

em um museu antropológico e não zoológico. Pode ser visto de terça-feira a domingo, das 10h às 22h

Personagens de Fortaleza