Edição de Luxo nº 5

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Nesta Edição: Moda e Delírio! Entrevista com Jana Rosa e Walério Araújo, colaborações de @alissongothzzz @cotelgramps @passarorebelde @tiagofioravante Follow us on twitter @edicoesdeluxo

Transcript of Edição de Luxo nº 5

Moda e DelírioNo vestuário, assim como em qualquer outro campo onde ocorre produção de sentido, há espaço para o absurdo. A moda, ao mesmo tempo em que constrói a realidade, é também capaz de desafiar a convenção e de romper com a sen-sação de pertencimento. Enquanto alguns procuram se camuflar na multidão, outros vão pelo caminho oposto; há ainda os que querem as duas coisas ao mesmo tempo.

Nós sabemos que a liberdade e a loucura podem ser exuberantes... Na moda, mais ainda! Por isso, na Edição de Luxo #5, resolvemos falar um pouco de pessoas que levam para as roupas os limites de suas mentes, e tornam a coisa toda muito maior! No deserto, vamos falar sobre quem vê a miragem.

Esse é o caso do cartunista Laerte e do artista multimídia Alisson Gothz. Transpondo qualquer determinação de gênero, eles encontram no guarda-roupa a liberdade para serem o que quiserem. E não são só eles: Tomas M. fala um pouco mais de como essa experiência se repete ano após anos na vida de muitos que se pensam homens comuns.

Também não deixamos de falar dos delírios de alguns estilistas, que expres-sam suas loucuras em mirabolantes criações. As editoras de moda que usam essas criações sem nenhum pudor são tema de um apanhado histórico feito por Tiago Fioravante. Por falar em musas delirantes, deixamos tudo entre amigos e convidamos Rogerio Barros pra comentar o fenômeno Lady Gaga – delírio coletivo dos dias de hoje.

Como se já não estivesse divertido o bastante, reunimos Jana Rosa e Walério Araújo pra fazê-los confessar os momentos em que, na moda, perdem com-pletamente a razão.

Então é isso! Nesta Edição, nada de calça jeans e camiseta. Vista a fantasia.

kAline Botelho & Thiago Felix

Editores

Sair na rua em tempo de carnaval quase sem-pre significa se deparar com máscaras e fan-tasias. Mesmo em Salvador, com sua lógica do abadá, aparecem os acessórios, a customi-zação e as roupas dos grupos de pessoas ex-cluídas pelas cordas e camarotes, que ainda se vestem no clima carnavalesco: ou, mais especificamente, se travestem.

O conceito do travestir-se revela o acesso voluntário a uma identidade outra e, sob essa perspectiva, se confunde com a proposta da fantasia carnavalesca. Um homem parecer com uma mulher é socialmente degradante no resto do ano, o que se expressa no precon-ceito aos travestis e aos gays afeminados. No carnaval, no entanto, as portas do guarda-roupa feminino se abrem aos machos, agora aptos e afoitos para experimentarem a per-formance de outro gênero.

E eles aproveitam. O travestismo é a fantasia dominante para os homens, e tanto grupos pequenos de pessoas quanto blocos orga-nizados, como As Muquiranas, em Salva-dor, aproveitam isso. Com referências mais gays do que femininas, nesse bloco é possível encontrar tipos como princesa She-ra (tema do bloco em 2009), Mulher Maravilha (e toda sorte de heroínas), Carmem Miranda (ícone dos trejeitos e vestimentas exagera-dos) e mais. No entanto, o figurino predomi-nante é como o de uma dragqueen com tops e saiotinhos simplórios, perucas coloridas e bastante maquiagem.

É realmente curioso que, na celebração maior da carne, homens escolham vestir-se de mulher e celebrar com outros homens, já que essa fantasia é tacitamente proibida a ho-mossexuais e a transgêneros – ao menos aos famosos ou assumidos. Ou seja, para se ves-tir de mulher e rebolar com outros homens,

é necessário, além de muita purpurina, uma reputação heterossexual masculina ilibada, a fim de que o delírio da máscara do travesti seja vivido sem preocupação e sem riscos.

Se o super-homem revela sua real identidade exatamente quando se fantasia, os trejeitos exageradamente femininos parecem tam-bém revelar identidades ou desejos. Não digo que homens que se travistam aqui e ali sejam necessariamente homossexuais ou que viveriam travestidos, mas o mundo restrito às mulheres desperta curiosidade. Mais: o humor tempera o delírio catártico das roupas e permite a quebra de restrições seculares ao comportamento masculino. Tapinhas in-discretos, beliscões e passadas de mão são comuns entre esses travestis de carnaval e se legitimam simplesmente pelo vestuário e pelo deboche que a performance emprega aos afagos.

O carnaval, entretanto, como qualquer vál-vula de escape, nada tem de revolucionário, já que não funciona como arma de flexibili-zação desses limites. Como a pornografia, que muitas vezes depende de desigualdades sociais para existir nas figuras fetichizadas, o fascínio pelos elementos mais característi-cos do feminino depende da restrição desses elementos. Maldita Geni.

Do lado de baixo do Equador, todo carnaval é a despedida última do verão, se distanciando da festa do hemisfério norte que o originou, de boas-vindas à primavera, como dizem antropólogos. E parece ser realmente no tra-vestismo escapista que essa catarse hedonista desligada de qualquer noção de fertilidade, antes da penitência católica da quaresma, encontra sua mais apropriada, divertida e delirante metáfora.

Musas do Verãow wPor Tomas M.

No mundo da moda, é comum ouvirmos que um desfile precisa despertar o desejo de com-pra para ser bom. Constatamos também a frustração de uma parcela do público frente a coleções e peças aparentemente descompro-metidas com o uso no dia-a-dia. Elas se per-guntam: afinal, pra que serve tudo aquilo?

Já faz algum tempo que os desfiles deixaram de ser meras vitrines das roupas que vão ser vendidas nas lojas para se tornarem grandes espetáculos. Hoje, sua função principal é apresentar um conceito, um clima, uma men-sagem por trás da coleção. A partir dos anos 1970, percebe-se a quebra brutal em relação à ordem estabelecida e regrada da alta-cos-tura, com estilistas propondo transgressões e choques estéticos. Didier Grumbach, no livro Histórias da Moda, narra um desfile de inverno de 1971 da Mic-Mac, no qual as modelos são substituídas por travestis, para divertimento e estupefação do público. “É inútil precisar aqui que o passo transposto em algumas temporadas é um passo gigante, que deixa longe o ritual codificado da alta-costura no qual, até então, o prêt-à-porter dos costureiros se tinha inspirado”, reflete. Ele fala ainda de um desfile de 1972 de Ro-land Chakkal, que, com um par de tesouras na mão, “irrompe in extremis para retalhar, nas modelos, à medida que passam, as calças cujas proporções não lhe parecem perfeitas”.

Um pouco de fantasia em meio à realidade se tornou, então, elemento essencial não só para chamar atenção, mas também para ques-tionar os limites da moda. “Os desfiles são condutores da imaginação, criando vínculos entre o sonho e a realidade”, explica Wanda Maleronka, professora da faculdade de moda da universidade Anhembi Morumbi, em

São Paulo. Assim, eles são capazes de criar desejos em níveis muito mais sofisticados que o da simples vontade do uso cotidiano. A marca adquire um capital simbólico que cria desejo por tudo o que ela tem a oferecer (sonho, fantasia, beleza, luxo, arte).

Para suprir a necessidade de venda e, ao mesmo, sustentar delírios criativos, algu-mas marcas passaram a desenvolver duas coleções simultaneamente: uma que mostra o conceito da marca – com materiais e com-binações mais bem elaborados – e outra mais comercial, que vai direto para as lojas, o que garante, de um lado, a força criativa, e, de outro, as vendas. No entanto, essas duas me-didas não precisam – e não devem – ser opos-tas. Heloisa Lupinacci, em um artigo para o blog de moda do Estadão, lembra do desfile outono/inverno 2010 da dupla Viktor & Rolf, no qual eles vestem, aos olhos dos espectado-res, camadas e camadas de roupas na modelo Kristen McMenamy. Eles mostraram como é possível criar um espetáculo conceitual com roupas totalmente usáveis no dia-a-dia. Após o desfile, anunciaram em entrevista: “Está tudo pronto para ser produzido”.

Concordo com a Érika Palomino – não há nada pior que um desfile chato. Uma coleção de roupas funcionais, com pouca novidade ou surpresa, a gente vê nas vitrines dos shop-pings. De real já basta a vida, não é mesmo? Vale lembrar que, em inglês, desfiles de moda são chamados de fashion shows, ou seja, espetáculos de moda. É a pulsão criativa de gênios como Alexander McQueen (RIP), Hussein Chalayan e Rei Kawakubo que traça novos rumos e faz a moda andar pra frente, desafiando nossos padrões estéticos.

Desfiles de moda: entre o real e a fantasiaPor Aline Botelho

Qual peça do seu guarda-roupa você enxerga nesta figura?

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Por Tiago Fioravante

Já dizia o ditado: “De médico, poeta e louco, todo mundo tem um pouco”. Eu nunca levei muita fé, porém devo admitir que seja algo cabível, principalmente a parte que se refere à loucura. E loucura tem sido uma questão que aparece com frequência em minhas diva-gações. Nunca me senti atraído pelo comum, pelo dito normal. Isso acabou refletindo nos meus gostos, nos meus ídolos e até mesmo no meu cotidiano. Qual seria, afinal, a linha que separa a sanidade da loucura?

Algo que aumentou meu interesse por esta questão foi a recente exposição de Anna Del-lo Russo, a editora da Vogue Nippon, que, até então, era um ‘personagem’ conhecido de poucos. Só pra constar, Anna foi a covergirl da edição de inverno da 10 Magazine, além de

ter ganho um perfil de duas páginas na Her-cules Magazine e matéria intitulada “Little Miss Maximalist” na W Magazine, esta com direito a cliques de Juergen Teller (um dos grandes nomes da fotografia de moda inter-nacional).

Que o estilo de Anna chama atenção não é se-gredo, afinal, é no mínimo curioso alguém que usa no dia-a-dia looks recém-saídos das pas-sarelas. Ela não tem medo de parecer ridícula ou exagerada, e, acredito eu, aí está a grande jogada: saber fazer piada de si mesmo.

Toda essa atenção em volta da editora lem-brou-me de outra Anna, da qual sou fã, que também é, digamos assim, um tanto quanto excêntrica, e tal como Dello Russo, não dá a mínima para o que falam ou deixam de falar sobre ela: Anna Piaggi, da Vogue Italia.

Quando as editoras de

Anna Dello Russo na W Magazine Anna Piaggi ao lado de Karl Lagerfeld

Diferentemente da primeira, Piaggi nunca teve tanta exposição na mídia, mas é muito conhecida e respeitada no meio.

A principal característica de Piaggi é com certeza seu estilo, que já foi objeto de ex-posição no Victoria & Albert Museum, em Londres. Porém, isso não é nada para quem é amiga intima de Karl Lagerfeld e Stephen Jones, entre outros gênios da moda mundial.

Talvez uma das primeiras editoras a alcançar o status de ícone e chamar atenção por seu visual exótico tenha sido Diana Vreeland, falecida em 1989, um dos grandes nomes da história da Harper’s Bazaar.

Para a Vogue, na qual Diana trabalhou entre 1962 e 1971, na hora de demiti-la do cargo de editora, toda sua excentricidade, eternizada pelas lentes de Richard Avedon e Francesco Scavullo, foi definida como ‘excesso de cria-tividade’. Após isso, tornou-se consultora do Metropolitan Museum of New York. Passou seus últimos dias na pobreza, quase cega, em cima de uma cama, recebendo visitas quase

diárias de seu grande amigo André Leon-Talley. Em seu funeral, seus amigos vestiam vermelho, sua cor preferida.

Neste time também podemos incluir Isa-bella Blow, que, dentre todas as citadas, é minha favorita. Madrinha de Alexander McQueen, ela cometeu suicídio em 2007, e é com certeza uma das figuras mais extrava-gantes e que mais despertou interesse da mídia. Além de musa do chapeleiro Philip Treacy, Blow participou de um filme de Wes Anderson em 2004. Também chegou a tra-balhar diretamente com Ms. Anna Wintour, porém foi na Tatler Magazine, ao lado de Mi-chael Roberts, que ela se tornou respeitada. Isabella, que nunca foi compreendida pelo mainstream, sentia uma atração incrível por subverter a moda e dar-lhe a estética criati-va de seus pesadelos e incompreensões. Em breve, estas incompreensões devem virar um acervo, em um projeto encabeçado por outra ‘estranha’, Daphne Guinness, que, em junho deste ano, flopou um leilão da Christie’s que serviria para pagar as dívidas deixadas por Miss Blow.

moda se tornam pauta

Diana Vreeland dando um tchauzinho A cabeça de Isabella Blow

Era uma bela tarde de domingo quando en-contrei Jana Rosa, blogueira e repórter do IT MTV, e Walério Araújo, estilista da Casa de Criadores, para um bate-papo sobre suas loucuras fashionistas. A conversinha aconte-ceu no Bar da Dona Onça, no Copan, casa e trabalho de Walério. Em meio a confissões amorosas, goles de “caju amigo” e muita ri-sada, os dois falaram de momentos da moda em que perderam a razão, mas nunca a di-versão. As perguntas são de Thiago Felix. Por Aline Botelho. CModa pra vocês é mais razão ou emoção?

Walério: No meu caso particular, as duas coisas. Razão porque eu preciso, porque cada coisa que eu faço é um desafio, e emoção porque eu me vejo naquilo e vejo a pessoa re-alizada.

Jana: Pra mim é mais razão porque eu tra-balho com o lado jornalístico da moda. Eu tive que aprender a separar as coisas, porque no trabalho eu tenho que passar por cima do meu gosto, do que me emociona, pra passar uma notícia para as pessoas, quando nem sempre é algo que eu gosto. Mas pra mim, pessoalmente, é emoção, imagina!

Vocês já se perguntaram onde estavam com a cabeça depois de usar alguma rou-pa/look/produção? Qual? Por quê?

Walério: Roupa é escudo, né. Então às vezes a gente usa como arma ou como proteção. Mas nunca me arrependi de nada, porque tudo que eu usei se reverteu em algo positivo. Acho que se arrependeu mais a pessoa que me acompanhou naquele momento. Tipo, “porque eu fiquei do lado de alguém com esse look?” (risos)

Jana: Eu gosto de fazer isso. Eu gosto sem-pre de sair vestida de um jeito que eu tenho certeza que depois de uma semana eu vou me arrepender e mudar minha cabeça. Re-centemente teve o VMB e eu fiz questão de ir com uma roupa que eu ia me arrepender uma semana depois e eu me arrependi um dia depois.

Você fica com vergonha depois, Jana?

Não, eu fico feliz. Eu gosto de descartar as coisas por um dia.

Vocês acham que existe uma espécie de nonsense no guarda roupa de algumas pessoas ou tudo aquilo que se veste tem alguma “verdade” ou “sentido” por trás?

Walério: Tem muito guarda-roupa que é de mentira...

Edição de Luxo entrevista:

Jana Rosa no VMB 2010

Jana: O de todas as famosas, inclusive!

Walério: ...mas não se pode generalizar. As famosas hoje têm um cuidado muito grande com as roupas, porque tudo pode ser com-prometedor. Então, não é mentira. É pra onde, com quem e o que eu vou fazer. Mas tem também guarda-roupas de emergentes que compram coisas que não combinam, que não seguram a onda e é tudo de mentira. E elas são conscientes disso, mas para tentarem ser politicamente corretas – e errando cada vez mais – elas têm esse guarda-roupa.

Jana: Eu acho que pra cada pessoa o guarda-roupa faz sentido, até pras famosas.

Walério: Sim, elas são conscientes disso. Para um determinado momento, faz sentido aquela roupa. Pra cada coisa, pra cada lugar, pra cada situação.

Jana: E às vezes a gente também compra umas coisas sem sentido. Quantas peças você tem no seu guarda-roupa que você nunca usou?

Walério: Que não usa e não quer se lembrar, amuleto da moda! (risos)

“As pessoas passam na frente da minha loja rindo, elas não en-tendem onde se usa a roupa que eu faço” Walério Araujo

Quem vocês admiram por ter um guarda roupa não convencional? E o que tem de mais legal nessa pessoa, além disso?

Jana: Outro dia eu fiz uma matéria com a Cibelle sobre o estilo dela e fiquei impres-sionada! Ela passou a fazer muito mais sen-tido pra mim. Ela não se importa com o que é bonito para as pessoas, ela usa o que é bonito pra ela ou o que é feio, mas ela gosta. É um guarda-roupa que para as pessoas na rua não deve fazer o menor sentido, mas pra mim faz muito. Eu vejo ela montada e ela é exatamente aquilo, sem tirar nem por.

Walério: Pra mim tudo o que a Elke tem é cheio de energia [Walério já desenhou muitas roupas pra Elke Maravilha]. Acho que todo mundo que pudesse ir na casa da Elke ia ficar louco por alguma peça e querer levar pra casa. Ainda bem que sempre que eu vou lá ela me dá alguma coisa.

Muitas vezes, alguém que tem muita informação de moda acaba se passando por maluco, antes de aquele estilo se po-pularizar (quando se populariza). Vocês acham que a moda é delirante perto do senso comum? ►

Jana Rosa e Walério Araújo

Walério Araújo nos 10 anos da Casa de Criadores

Walério: Eu tiro isso pela minha loja, que fica aqui no Copan e a maioria das pessoas que passam por aqui passam rindo. Eles não entendem onde se usa e pra quê existe a roupa que eu faço. É falta de informação, né? Hoje tem a internet, onde você pode se informar de tudo, mas as pessoas vão sempre no óbvio, no que eles gostam e estão acostumados.

Jana: Eu sou de Araraquara [cidade do in-terior de São Paulo] e sempre fui diferente. Eu vinha pra São Paulo, comprava coisas no Mundo Mix e minha família sempre deu risada. Eu era hostilizada na minha cidade, porque sempre me vesti do jeito que eu bem entendia. No interior, isso é uma atitude muito corajosa. Ninguém quer ficar com você, ninguém te chama pro bailinho, nin-guém quer dançar com você.

O que você gostaria de usar mas deixa de lado porque não é socialmente aceito?

Walério: Muita gente não absorve os meus saltos altos, mas eu nunca deixei e nem nunca vou deixar de usar. Tem coisas que eu não uso porque eu acho que não vão ficar bem em mim, como um macacão jardineira. Colete eu também acho que não combina comigo, mas nunca deixei de usar nada por medo de os outros não gostarem.

Jana: Eu não me importo nem um pouco com o que os outros vão achar. Tem várias coisas que eu não uso porque não ficam bem em mim, mas nunca pelos outros. Outro dia eu sai de cap de marinheiro no fim da tarde e as pessoas ficaram chocadas. A gente adora que olhem pra gente e ainda fazemos de con-ta que não estamos vendo. (risos)

E tem alguma peça de roupa que vocês usam mesmo sabendo que as pessoam vão olhar torto?

Walério: Meus saltos!

Jana: Tudo que tem paetê e muita pele.

“Somos ovelhas negras, mas ovelhas negras com Swarovski!” Jana Rosa

Você se lembra de alguma coisa que gos-tava e que era estranha na época, mas que depois as pessoas começaram a acei-tar tranquilamente?

Jana: Eu tinha uma calça de cintura alta que eu tinha herdado da minha mãe que, quando eu colocava pra ir no clubinho, todo mundo dava risada. Aí eu comecei a usar a calça no brega e depois voltou pra moda. Eu também sempre usei roupa da minha avó, então sem-pre fui estranha.

Walério: Quando a gente trabalha com moda, a gente acaba usando as coisas muito antes das pessoas. Depois aquilo começa a popularizar demais, principalmente por cau-sa das novelas, e você cansa de usar.

Jana pergunta pra Walério: As pessoas também ficam te perguntando se você usa tal coisa por causa da novela? Eu sofro muito com isso.

Walério: Na época da novela da Jocasta [per-sonagem de Mandala], eu fiz muito vestido de gola alta com uma flor no meio e achavam que eu fazia o vestido da novela.

Jana: E eu tenho franja faz anos e toda nove-la tem sempre uma moderna de franja. Aí sempre tem alguém pra falar que eu cortei a franja por causa da fulana da novela. Agora é a Melina, de Passione.

Por último, se você tivesse que escolher uma roupa pra “fugir de tudo”, que rou-pa seria essa?

Walério: Não escolheria nada, eu iria pela-do. (risos)

Jana: Eu iria com um look total luxuoso, porque eu aprendi esse ano que os homens vão embora, mas as roupas ficam.

Minha ligação com moda vem desde muito cedo. Sim, eu fui um daqueles cuja mãe era luxuosa (ainda é, por acaso), que tinha mo-delos incríveis em seu guarda-roupas (a maioria já devidamente rasgados por mim, quase um metro mais alto que ela), e que tinha os penteados mais bufantes da história da humanidade. E tive sorte também de, desde criança, ter sido bombardeado com cultura pop e o mundo alternativo. Muitas crianças se diver-tiam ouvindo Balão Mágico. Eu curtia mesmo era um bom Kraftwerk.

Minha porta de en-trada para a “arte da montação” foi no início dos anos 90, já com idade suficiente para imi-tar meu ídolo Boy George e meu guru David Bowie em festinhas góticas - not to mention meu belo corte de cabelo à la Robert Smith. Sair à noite e não me montar era algo impensável, e não fotografar tudo isso também. Nem me importava se a festa aquele dia tinha sido horrível - só de ter passado duas horas esco-lhendo roupas e me maquiando, eu já tinha me divertido o suficiente. Como tudo isso acabou virando arte de exibir em galeria e museu, isso eu já não sei.

Ao criar meus personagens, eu tento ser o mais espontâneo possível. Se eu ficar pensan-do demais no que devo fazer, acabo caindo no abismo sem fim da auto-análise excessiva, onde nada acontece e nem sai do lugar. O

ideal mesmo é se jogar de cabeça numa ideia inicial e evoluir sem muita preocupação. O estilo verdadeiro vem da espontaneidade, da loucura e do absurdismo. E ser absurdo é es-sencial - o mundo já tem gente careta demais, pochete demais, sapatênis caramelo demais.

A ideia de “confusão de gêneros” também sempre foi uma influência forte no meu trabalho, onde sempre procurei criar perso-

nagens que nunca fossem totalmente masculinos ou to-talmente femininos, sempre deixando espaço livre para a interpretação pes-soal de cada um que vê meus retratos. Certa vez, eu estava numa festa - que aconteceu durante o dia - e fui “respi-rar um pouco de ar puro” na calçada. Um menino, de apa-rentemente cinco anos de idade, pas-seava com seu pai e passou por mim. Ao me ver, ele arre-galou os olhos e me perguntou: “Você é um brinquedo??”.

Pra mim, esse foi o momento que mais me fez perceber que eu estava no caminho cor-reto...

Discutir sobre a relação entre moda e arte é um terreno árido, com espaço para as mais diversas teorias conspiratórias e devaneios estilistícos, e traduzir moda para a arte é tarefa bem mais complicada. Desta forma, a melhor saída mesmo é confundir. E arrasar no sapato vermelho de salto altíssimo - o melhor amigo de qualquer pessoa montada.

Alisson Gothz por Alisson Gothz

O que não está em ordem não faz enredo. Apesar de parecer uma afirmação obscura, ela sugere algo bem mais simples: das nossas experiências no mundo, temos de construir um texto nosso, singular, senão nenhum sen-tido elas terão. Essa é a mensagem que se ob-tém dos grandes editoriais de moda na atu-alidade: aqueles que geram maior impacto, diferenciando-se dos demais, conseguem cli-matizar um conto, uma época, um discurso. Em poucos cliques, fazem com as imagens início, meio e fim. CPensar o fenômeno moda na atualidade – época em que a democracia da informação fez da internet o seu maior veículo de conso-lidação – faz questionar o efeito-bombardeio de todas essas referências estéticas que se in-terpõem sobre nós, consumidores.

CO que, hoje, de enredo, conseguimos cons-truir? O tempo é sempre outro. A plataforma Tumblr, por exemplo, distante de dar auto-ria às referências estéticas que apresenta, nos conduz a uma movimentação ininterrupta de texturas e formas, sem fazer com que nos reconheçamos, necessariamente, naquilo que vemos. O lookbook.nu , por sua vez, nos serve apenas de vitrine, mostrando outras vidas que poderiam ser atingidas, experien-ciadas, mas que nunca serão. O que está em jogo, sempre, é a ausência de texto, na com-preensão mais ampla que este termo – que parece tão simples – pode ter.

CTalvez, a personalidade pública – e intrigan-te, sobretudo – que melhor traduz o zeit-

geist da época seja Lady Gaga. Ao brincar com a nossa avidez pelo novo, suas imagens mostram algo completo, final. Os mais sen-síveis talvez apontem que, naquilo que ela traz, o enredo não se faz ao espectador, pois já se encontra inteiro. É essa, justamente, a questão que aqui faço o esforço de introdu-zir. CO poder de uma imagem se apóia substan-cialmente em dois pontos: 1) A sensação de encontrarmos nela algo coeso, inteiriço, que nos introduza ao sintomático sublime que dispensa palavras; 2) O furo da percepção que ela pode causar, fazendo com que nós, observadores, dialoguemos com a estética para além do parnasiano degustar do subli-me, demandando algo a mais. Um processo criativo que resulta em uma imagem de moda deve, intuitivamente, causar a satisfação par-nasiana e o furo incomodativo que nos obriga a ter sede. CO paradoxo contemporâneo da moda (que apelido de Paradoxo Gaga) se apresenta da seguinte maneira: o que se produz de ima-gem, atualmente, apresenta o sublime sem palavra, mas o furo do incômodo singular não nos é garantido. Assim, a cada aparição, Gaga deve promover um novo início-meio-fim parnasiano, sob a ameaça de cair no esquecimento. Para ser mais preciso: este paradoxo sugere que a dinâmica das imagens está na ordem do fetiche, que significa gozar imediatamente da loucura, gastar e deixar morrer – diferente da ordem da fantasia, que permite, de uma imagem, construir várias outras, causando o desejo sem satisfazer o gozo do imediato.

Além do que se vê ou Paradoxo Gaga:Por Rogério Barros

A produção incessante de informação de imagem de moda parece caminhar para um curto-circuito sem precedentes. Dentro da produção acelerada, metonímia incessante, perdeu-se de vista o crédito naqueles que consomem as imagens e no seu poder de, a partir um editorial, de uma peça, fazer sua história, seu próprio enredo, servindo-se, so-bretudo, de suas referências idiossincráticas para tal feito, agregando a nova informação de moda para dar outros tons, um novo colo-rido, mas, nunca, um molde enrijecido sobre o que eles são – ou devem ser.

CSe a loucura é generalizada, como mostra Lacan ao final do seu ensino, a pretensão do seu oposto – a tal da sanidade – parece tam-bém ter sido democratizada em tempos an-teriores: livrando-nos da metonímia abusada e da insanidade imagética, construímos – como defesa, logicamente – um contorno especial, constituído em imagem e texto, ao qual chamamos “eu”. Esse debate hoje ganha o gosto na pauta de moda, por meio da meta-forização do “eu” em “estilo”, demarcação identitária que nos diferencia dos demais em termos de roupas e comportamento. Frente à hiperexposição de referências e informação de moda, que sugere uma ausência quase total de delimitações e fronteiras, ressurge a idéia do “estilo” (ou “eu”) como tentativa de promover um ponto, uma barra.

CO processo de costura talvez nos sirva aqui de analogia: primeiro, são vários recortes de pano, alinhavados por um primeiro ponto; daí, uma série de outros pontos se segue,

produzindo, ao final, uma peça de roupa. Das imagens diversas que nos constituem, torna-se essencial que um ponto seja reali-zado, podendo, em sua seqüência, advir um contorno, que aqui chamamos de “eu” ou “estilo”. CAlinhavado em texto, e possibilitando a construção de um enredo, esse conceito re-presenta uma baliza sobre a insanidade, cujos furos imagéticos nos perturbam para além do sublime, onde nada há, deixando-nos criar histórias sempre singulares. E, claro: que essas histórias tenham mais texto e menos imagem.

o excesso imagético em pauta

Nesta edição em que falamos sobre Moda & Delírio, eu lhe escrevo porque sempre quis lhe dar os parabéns. Desculpe me dirigir a você assim, tão sem cuidado, mas é que eu não tinha mais nada pra dizer aqui e nem poderia haver nada que eu quisesse dizer mais.

Pelo que eu sei você é um homem convencional - na medida em que se pode chamar uma pessoa de convencional -, respeitado por seu trabalho, que está perto dos seus sessenta anos e que decidiu dividir com as pessoas o seu hábito de se vestir com roupas de mulher. E ainda: você é um homem que se veste como uma mulher, mas que não quer ser uma mulher.

Olha, seu Laerte, eu acho essa uma atitude muito legal e corajosa. E meio engraçada também, né.

Tudo bem, todos sabemos que o senhor não é a primeira pessoa a fazer isso, mas é muito interessante ver a sua maneira serena de explicar essas coisas que ainda me parecem bastante novas na sua vida.

Eu acho que, por mais que os gêneros estejam bem separados, as frontei-ras entre eles ainda são muito bem vigiadas; parece que pouquíssima gente entende muito bem como passar por elas de uma maneira legal, corajosa e engraçada. Como sempre, o senhor está tornando o nosso mundo um lugar mais rico e interessante para os nossos olhos.

Aliás, você não mudou de sexo fisicamente, né. Mesmo assim, parece que essa mudança de roupas opera uma certa transformação. Eu acho que nada poderia dizer mais sobre a importância que a roupa tem na nossa percepção da realidade. Mesmo.

É isso, Dona Laerte, a senhora nos deu um exemplo que parece muito bom! E também nos deu muito em que pensar... Mesmo a nós que já estávamos pensando um pouco sobre isso.

Muito obrigado!

Um abraço do seu fã,Thiago Felix.

Querido(a) Laerte,

Sobre os autoresAline Botelho e Thiago Felix se conheceram na faculdade de jorna-lismo, onde descobriram um interesse comum por moda e cultura pop. Separadamente, trabalharam em editorias de moda e cultura; juntos, cobriram a temporada Verão 2010 para o site Erika Palo-mino. Desde 2008, publicam seus escritos no blog Duo de Luxo (http://duodeluxo.wordpress.com), dedicado a explorar a moda como fenômeno cultural. Cansados da mesmice da blogosfera, re-solveram lançar uma publicação impressa, a Edição de Luxo.

Editoria e RedaçãoAline Botelho e Thiago Felix

Projeto gráficoDiego Almeida ([email protected])

Colaboração de TextoAlisson Gothz (http://www.alissongothz.com)Rogerio Barros (http://cotelgramps.blogspot.com)Tiago Fioravante (http://revuedemode.blogspot.com)Tomas M. (http://passarosrebeldes.wordpress.com)

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