ECONOMIA DA PARTILHA NA DINÂMICA URBANA Contradições …

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-graduação em Administração Doutorado em Administração Daniela Viegas da Costa-Nascimento ECONOMIA DA PARTILHA NA DINÂMICA URBANA Contradições para o Direito à Cidade Belo Horizonte 2019

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-graduação em Administração

Doutorado em Administração

Daniela Viegas da Costa-Nascimento

ECONOMIA DA PARTILHA NA DINÂMICA URBANA

Contradições para o Direito à Cidade

Belo Horizonte

2019

2

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-graduação em Administração

Doutorado em Administração

Daniela Viegas da Costa-Nascimento

ECONOMIA DA PARTILHA NA DINÂMICA URBANA

Contradições para o Direito à Cidade

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Administração da Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de

Doutora em Administração.

Orientador: Prof. Dr. Armindo dos Santos de Sousa

Teodósio

Coorientador: Prof. Dr. Marcelo de Rezende Pinto

Belo Horizonte

2019

FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Ficha catalográfica elaborada por Claudia Cristina Carvalho Tavares – CRB 6/2647

Costa-Nascimento, Daniela Viegas da

C837e Economia da partilha na dinâmica urbana: contradições para o direito à

cidade / Daniela Viegas da Costa-Nascimento. Belo Horizonte, 2019.

219 f. : il.

Orientador: Armindo dos Santos de Sousa Teodósio

Coorientador: Marcelo de Rezende Pinto

Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Administração

1. Economia urbana. 2. Economia compartilhada. 3. Economia – Aspectos

sociológicos. 4. Mercado – Aspectos sociais. 5. Sociologia urbana. 6. Vida

urbana. 7. Agricultura urbana. 8. Horticultura. 9. Sustentabilidade. I. Teodósio,

Armindo dos Santos de Sousa. II. Pinto, Marcelo de Rezende. III. Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em

Administração. IV. Título.

CDU: 338.94:71

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Daniela Viegas da Costa-Nascimento

ECONOMIA DA PARTILHA NA DINÂMICA URBANA

Contradições para o Direito à Cidade

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Administração da Pontifícia Universidade Católica

de Minas Gerais, como requisito parcial para

obtenção do título de Doutora em Administração.

________________________________________________________________

Prof. Dr. Armindo dos Santos de Sousa Teodósio (Orientador)

________________________________________________________________

Prof. Dr. Marcelo de Rezende Pinto (Coorientador)

________________________________________________________________

Profa. Dra. Candice Vidal e Souza (PUC Minas)

________________________________________________________________

Profa. Dra. Mônica Birchler Vanzella Meira (UFRGS/ PUC-SP)

________________________________________________________________

Profa. Dra. Sylmara Lopes Francelino Gonçalves-Dias (USP)

__________________________________________________________________

Profa. Dra. Wânia Maria de Araújo (UEMG/ Centro Universitário UNA)

Belo Horizonte, 29 de abril de 2019.

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Para Isa, flor da vida

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Agradecimentos

Os rumos apontaram para a agricultura. E como um cultivo, essa tese se deu, um trabalho

partilhado com pessoas e com a natureza. Nesse percurso, a escrita se fez a duas mãos e muitos

corações.

Meu agradecimento especial à minha família, raiz, caule e frutos, a força para a lida.

Ao Téo, por orientar e regar a semente com seu vigor acadêmico, generosidade e visão crítica.

Ao Prof. Marcelo pela luz apoiadora para o florescimento deste texto.

Às professoras e professores dessa caminhada peregrina, sobretudo aos componentes das

bancas de qualificação e defesa, pelos apontamentos que fazem crescer.

Às comunidades, empreendimentos e atores sociais pesquisados, por adubar o raciocínio e

promover a troca.

Pela abertura e ensinamentos do Leia, especialmente Profa. Ediméia.

Às amigas e amigos que dividem essa jornada de plantio de um futuro de paz.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo subsídio da

bolsa de estudo de doutoramento.

A Deus, por proporcionar essa dádiva, que suscita a fé no viver.

A todas e todos que partilham em essência.

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Abacateiro acataremos teu ato

Nós também somos do mato como o pato e o leão

Aguardaremos brincaremos no regato

Até que nos tragam frutos teu amor, teu coração

Abacateiro teu recolhimento é justamente

O significado da palavra temporão

Enquanto o tempo não trouxer teu abacate

Amanhecerá tomate e anoitecerá mamão

Abacateiro sabes ao que estou me referindo

Porque todo tamarindo tem o seu agosto azedo

Cedo, antes que o janeiro doce manga venha ser também

Abacateiro serás meu parceiro solitário

Nesse itinerário da leveza pelo ar

Abacateiro saiba que na refazenda

Tu me ensina a fazer renda que eu te ensino a namorar

Refazendo tudo

Refazenda

Refazenda toda

Guariroba

Abacateiro - Gilberto Gil

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RESUMO

A tese analisa as formas de configuração da partilha (sharing) no contexto urbano. No

contraponto entre as visões da motivação gregária e de solidariedade, com as abordagens de

motivação financeira e utilitarista, busca-se ampliar o debate sobre as transformações

socioeconômicas que as cidades vivenciam com base nas discussões da Nova Sociologia

Econômica, que prevê a ação econômica construída na relação entre os atores. A partilha é

analisada como proposta de modos diferentes de vida na cidade, buscando relações a partir do

uso comum enquanto forma organizativa da economia urbana. As cidades se transformaram

em espaços transnacionais de comando da organização da economia global, reproduzindo,

muitas vezes, o papel ideológico que o planejamento hegemônico desempenha de

produção/consumo de exploração. Esse sistema, marcado por hierarquização e segregação,

parece coexistir na lógica do compartilhamento, na medida em que desloca discursos, forma

novas contradições e repagina o acesso a recursos materiais ou simbólicos a partir de narrativas

que tendem a encobrir a desigualdade. Ao se manifestar, ele pode alterar dinâmicas da vida

social urbana e, sucessivamente, gerar novos formatos de contradições, sem, no entanto,

promover a mudança para um sistema equitativo. Ainda que, na economia da partilha, as

motivações dos indivíduos e organizações apresentem multidimensionalidades, para a partilha

ter condições de proporcionar mecanismos para a mobilização da sociedade civil, a fim de

conduzir a melhorias de seus modos de vida, é preciso entender quais potências ela carrega e

quais contradições ela (re)cria. Apesar de suas práticas apresentarem concepções que fogem à

lógica estritamente financeira, análises críticas reverberam que os pilares da economia

tradicional permanecem. A partir das experiências e vivências de agricultura urbana

pesquisadas, analisa-se que a economia da partilha não representaria uma forma revolucionária

de sociedade ao reforçar – ainda que seja com discurso de cooperação e colaboração – a

exploração das pessoas pelos meios de produção, a exclusão de sujeitos e a invisibilização de

iniciativas mais comunitaristas. Como forma de buscar uma administração democrática sobre

o processo urbano, o direito à cidade se apresenta, mas desvela desafios para superar o

economicismo e proporcionar uma revolução da participação social que gerem emancipação

humana, (re)construindo formas de vida na cidade a partir da perspectiva da justiça social. Se

libertária, autônoma, geradora de capacidades democráticas e de força social e comunitária, a

economia da partilha encaminharia novos modos de vida mais justos e sustentáveis. Pela via

da agricultura/hortas urbanas, ganha força como meio de denúncia e transformação das

desigualdades sociais, frente à privatização de espaços nas cidades, concentração de renda e

estruturas de dominação, a fim de renovar os modos de vida urbana – a partir de ações

microssociológicas – e suscitar implicações características de um direito à cidade ampliado.

Palavras-chave: Economia da Partilha; Modos de Vida Urbana; Nova Sociologia Econômica;

Direito à Cidade; Agricultura Urbana.

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ABSTRACT

The thesis analyzes sharing configurations in the urban context. In the confrontation between

the visions of gregarious motivation and solidarity, with a focus on the financial and utilitarian

appeal, the thesis seeks to broaden the debate on the socioeconomic transformations that cities

experience. It is based on the discussions of the New Economic Sociology that foresees the

economic actions built in the relationship among the actors. The sharing is analyzed as a

proposal of different ways of life in the city, seeking the relation to the shared common space

as an organizational form of urban economy. Cities have become transnational spaces that

command the organization of the global economy, often reproducing the ideological role that

hegemonic planning plays in the exploitation of production/consumption. This system, marked

by hierarchy and segregation, seems to coexist in the logic of sharing, insofar as it displaces

discourses, creates new contradictions, and revisits access to material or symbolic resources

from narratives that tend to conceal inequality. Its manifestation can change the dynamics of

urban social life and, in turn, generate new forms of contradictions without, however,

promoting change to an equitable system. In the sharing economy, the motivations of

individuals and organizations are multidimensional. However, for sharing to provide

mechanisms for the mobilization of civil society to improve ways of life, it is necessary to

understand what power it carries and what contradictions it (re)creates. Although its practices

present conceptions that defy strictly financial logic, critical analysis shows that the pillars of

traditional economy remain. The experiences of the researched urban agriculture show that the

sharing economy would not represent a revolutionary form of society by reinforcing, even with

a discourse of cooperation and collaboration, the exploitation of people by the means of

production, exclusion of individuals and the invisibilization of more communitarian initiatives.

The right to the city is seen as a way of seeking democratic control over the urban process.

However, it reveals challenges for overcoming economism and providing a revolution of social

participation that generates human emancipation by (re)constructing forms of life in the city

from the perspective of social justice. If the economy of sharing is libertarian, autonomous and

generates democratic capacities and social and community strength, it could lead to newer,

fairer and more sustainable ways of life. Through agriculture/urban gardens, it gains strength

as a means of denouncing and transforming social inequalities, confronting the privatization of

spaces in the cities, the concentration of income and structures of domination, in order to renew

the urban ways of life from micro-sociological actions, and to raise characteristic implications

of an increased right to the city.

Keywords: Sharing Economy; Urban Ways of Life; New Economic Sociology; Right to the

City; Urban Agriculture.

9

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – Espaços de agricultura urbana em Belo Horizonte ................................. 31

FIGURA 2 – Síntese das Etapas da Pesquisa ............................................................... 32

FIGURA 3 – Estrutura da Tese .................................................................................... 37

FIGURA 4 – Sistema de Justificação Capitalista.......................................................... 52

FIGURA 5 – Economia da Partilha: Abordagem estudada na Tese - Perspectiva do

Indivíduo........................................................................................................................

58

FIGURA 6 – Economia da Partilha: Abordagem estudada na Tese - Perspectiva do

Produtor/Fornecedor .....................................................................................................

58

FIGURA 7 – Visão sobre as Motivações para a Partilha ................................................ 69

FIGURA 8 – Esquema teórico de Henri Lefebvre ......................................................... 83

FIGURA 9 – Esquema Conceitual da Tese ....................................................................... 92

FIGURA 10 – Página no Facebook do Grupo Hortelões Urbanos ................................. 103

FIGURA 11 – Fábrica de Hortas – Unidade Santa Lúcia ............................................... 108

FIGURA 12 – Banner Afixado na Horta Comunitária Esperança .................................. 112

FIGURA 13 – Mapa de Localização da Feira Terra Viva – Bairro Floresta ................... 115

FIGURA 14 – Feira Terra Viva ..................................................................................... 116

FIGURA 15 – Localização aproximada da Ocupação Tomás Balduíno ........................ 118

FIGURA 16 – Hortas da Ocupação Tomás Balduíno .................................................... 120

FIGURA 17 – Feira da UFMG ...................................................................................... 122

FIGURA 18 – BeGreen Boulevard ................................................................................ 125

FIGURA 19 – Vista por Satélite do Terreno da Horta Esperança................................... 129

FIGURA 20 – Vista de cima da Horta Esperança e Bairros anexos................................ 130

FIGURA 21 – Vista de baixo - Horta Esperança ............................................................ 141

FIGURA 22 – Contato dos agricultores com o plantio .................................................. 145

FIGURA 23 – Discussão Teórica e Análises Empíricas: Contradições e Motivações

da Economia da Partilha e Revelações de Campo ..........................................................

183

10

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – Empreendimentos e Atores Sociais Participantes da Pesquisa .............. 23

11

LISTA DE SIGLAS

AUÊ! – Grupo de Estudos em Agricultura Urbana da UFMG

CEVAE – Centro de Vivência Agroecológica

CSAs – Comunidades que Sustentam a Agricultura

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano

MAUSS – Movimento Anti-utilitarista nas Ciências Sociais

NSE – Nova Sociologia Econômica

P2P – Peer to Peer

PANCs – Plantas alimentícias não convencionais

PBH – Prefeitura de Belo Horizonte

PIB – Produto Interno Bruto

RMBH – Região Metropolitana de Belo Horizonte

SMASAC – Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania

SISORG/ MAPA – Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica

SPG – Sistema Participativo de Garantia

UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais

URBEL – Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte

12

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 14

Percurso pessoal .............................................................................................................. 14

Percurso reflexivo ............................................................................................................ 15

Percurso metodológico .................................................................................................... 21

1 Em busca de uma nova compreensão sobre a relação entre mercados e sociedade .... 38

1.1 Abordagens da Nova Sociologia Econômica ............................................................... 39

1.2 Polanyi e o conceito de Incrustação ............................................................................. 45

1.3 Boltanski e os Sistemas de Representação da Sociedade ............................................ 47

2 Economia da Partilha: a conexão pelo acesso ................................................................. 54

2.1 Contradições da Partilha .............................................................................................. 59

2.1.1 A contradição da delimitação .............................................................................. 60

2.1.2 A contradição econômica ................................................................................... 62

2.1.3 A contradição da sustentabilidade ...................................................................... 64

2.1.4 A contradição social ........................................................................................... 65

2.1.5 As contradições do acesso, da participação e do ambiente local/global ............ 67

3 Economia da partilha como lógica de ação nas cidades? ............................................... 73

3.1 Cidades como polos protagonistas ............................................................................... 77

3.2 Direito à Cidade como fecho interpretativo das discussões sobre a vida social urbana 81

3.3 A Partilha e as Cidades ..................................................................................................88

4 Economia da Partilha e Hortas Urbanas: algumas análises e mais questões,

inquietações e incongruências ........................................................................................ 93

4.1 Preâmbulo ................................................................................................................. 93

4.2 Partilha por meio de experiências de agricultura urbana ........................................ 101

4.2.1 Da Invisibilidade à potência da visibilidade .................................................... 110

4.2.2 Modos híbridos de vida na cidade.................................................................... 116

4.2.3 Partilha e função sociopolítica......................................................................... 135

4.2.4 A força da coletividade .................................................................................... 140

13

4.2.5 Partilha e Modos de Vida ................................................................................ 148

4.2.6 Direito à Cidade .............................................................................................. 156

4.2.7 A questão da afetividade ................................................................................. 164

4.2.8 Interesse e partilha nas cidades ....................................................................... 165

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 168

REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 185

APÊNDICES ....................................................................................................................... 202

APÊNDICE A - Instituições que abordam as transformações do espaço urbano............ 202

APÊNDICE B - Roteiro de Entrevista em Profundidade – Gestão Pública ................... 210

APÊNDICE C - Roteiro de Entrevista em Profundidade – Urbel .................................. 211

APÊNDICE D - Imagens dos Empreendimentos Visitados ........................................... 212

ANEXOS

ANEXO A - Participação da atividade agropecuária no PIB e nos empregos da RMBH.218

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INTRODUÇÃO

Por viver a constante experiência da troca de quem planta, a tese brotou a partir das

reflexões e dilemas em torno da economia da partilha e as cidades. As vivências que trago

neste trabalho carregam minha trajetória na agricultura urbana, que remontam a pequena

infância no quintal de casa comendo cenoura assim que colhida do solo. Sempre me mantive

em cultivo, em escala doméstica, numa família com ‘dedo verde’ e conhecimento prático de

horta caseira.

Esta introdução da tese está dividida em três partes. O percurso pessoal, que aponta os

caminhos trilhados até este trabalho; o percurso reflexivo, que apresenta algumas

problematizações iniciais sobre a economia da partilha e as cidades; e o percurso metodológico,

que indica algumas notas metodológicas vivenciadas no estudo.

Percurso pessoal

As argumentações e conversas aqui propostas renovam as narrativas trilhadas ao longo

da minha vida acadêmica, como estudante e como professora. Ainda na graduação, participei

de uma premiação da Associação Comercial de Minas Gerais, cuja monografia

“Desenvolvimento com Justiça Social Empresa Cidadã: um estudo através da Comunicação

Social e a Informação na Sociedade” integrou a publicação da instituição com os trabalhos

selecionados.

Como professora, tive a oportunidade de orientar trabalhos de conclusão de curso que

trouxeram a agricultura, a preocupação socioambiental e a cidade como temas presentes nos

meus estudos. São exemplos na graduação, a orientação dos trabalhos: “O Consumo de

Alimentos Orgânicos na Era da Crise”, de 2016, de Lorena C. Costa e Silva e Sabrina Carla

Peixoto da Cruz; e “Ocupação da Câmara Municipal de Belo Horizonte durante as

manifestações de junho de 2013: reflexões sobre comunicação e imagem pública”, de 2013, de

Cintia Pena, Fernanda Bahia, Lívia Pereira, Matheus Carmona e Rafael Malagoli. Na pós-

graduação lato sensu do tipo especialização, “Sustentabilidade: um novo paradigma para o

consumidor?”, de 2012, de Evando Batista de Morais, e “Redução de consumo nos prédios

públicos do Governo de Minas Gerais através do Programa AmbientAÇÃO”, de 2011, de Riza

Helena Apolinária de Lima.

No mestrado, essa direção se firmou, quando abordei o consumo sustentável e a

cidadania. Esses ideais socioambientais mantenho vivos, para pensar formas de vida mais

plenas, com poder social integrador e emancipatório. Desses estudos, nasceram publicações

15

como a “Desenvolvimento Sustentável, Consumo e Cidadania: um estudo sobre a

(des)articulação da comunicação de organizações da sociedade civil, do Estado e das

empresas”, na Revista de Administração Mackenzie, em 2011, além de outros estudos,

capítulos de livro e projetos de iniciação científica e de extensão.

Outros trabalhos ao longo do desenvolvimento do doutorado foram revelando a

preocupação com a agricultura, com as cidades e com a justiça social. São exemplos os

trabalhos “A economia de rua: um olhar sobre Belo Horizonte”, no periódico FAROL - Revista

de Estudos Organizacionais e Sociedade; e “Quando o orgânico se torna “rótulo”: discussões

críticas sobre consumo e agroecologia a partir de um empreendimento de economia solidária”,

no periódico Estudos Sociedade e Agricultura.

A partir deste percurso, é possível observar que o viés marcado pelas questões

socioeconômicas e preocupação com a desigualdade é presente. Nesta tese, o olhar para a

cidade – as pessoas e seus arranjos – se dá sob a perspectiva dos seus modos de vida na

dinâmica social. Portanto, o nível de análise se norteia pela vida social urbana, com foco em

experiências locais, para entender quais potências e contradições a partilha carrega e (re)cria.

Ao reconhecer o caráter multifacetado do fenômeno da partilha, sua imensidade de interações

sociais e a cidade como espaço de contradição, reforço a postura híbrida desta tese, tanto do

ponto de vista epistemológico quanto do cruzamento das análises, utilizando fontes de

diferentes campos de estudo.

Essa confluência é fruto da minha formação e dos meus interesses, assumindo que no

contexto de coletivização e transformação do espaço, muitos sentidos podem ser transformados

na/pela vivência, no seio da práxis da partilha e das cidades, e portanto, de uma hibridização

complexa para se centrar em uma linha teórica exclusiva.

Percurso reflexivo

Um olhar em direção ao rol de iniciativas que compõem a chamada economia da

partilha pode levar a um encantamento pela proposta. Diante de um discurso que se vale de

termos como colaboração, compartilhamento e, no original em inglês, sharing, para descrever

práticas que, em alguns casos, recuperam antigas dinâmicas de troca entre pessoas em uma

comunidade e, em outros, tentam ressignificar as relações sociais contemporâneas nos

mercados, muitos acabam por serem seduzidos e apoiarem, pelo menos no nível discursivo,

esse tipo de ação social.

16

A economia da partilha se diferenciaria das práticas tradicionais de mercado ao atuar

por meio da alteridade, colaboração e possibilidade de ganhos sem fins monetários e pela

ampliação da consideração do outro nas relações comerciais. O significado da partilha se altera

de acordo com o envolvimento das pessoas na distribuição de recursos. Portanto, torna-se

relevante entender quais as associações as pessoas fazem e quem produz efeito sobre a

sociedade (Latour, 2012). No lugar de comprar ou possuir, as pessoas optariam pela

experiência de acessar temporariamente bens e serviços (Rifkin, 2001). Reike et. al. (2018)

defendem que essa concepção da circularidade teria potencial para induzir uma mudança

transformadora na sustentabilidade.

No Brasil, existe um movimento crescente de sujeitos aparentemente interessados na

mudança social em direção à difusão da economia da partilha. São experimentos que buscam

um equilíbrio entre trabalho, missão, paixão e interesse pessoal. Os empreendimentos

contemplam o comércio justo, consumo sustentável, sistemas em rede e não hierárquicos,

novos modelos de educação e de ocupação urbana, intercâmbio de conhecimentos, participação

e inclusão social, agricultura urbana, valorização dos mercados locais e defesa de causas, entre

outros. O olhar atento em direção a essas iniciativas é importante para que não configurem

novos discursos interessados sob a conhecida estrutura exploradora capitalista.

A confiança entre os indivíduos, o fortalecimento de comunidades e o empoderamento

de pessoas e movimentos sociais são alguns dos elementos que os defensores da economia do

compartilhamento ressoam. Esses princípios trazem implicações também para a forma como a

vida social nas cidades se reproduz, por isso é preciso refletir se o ter e o possuir seriam

convertidos no trocar e o acessar? O movimento da partilha vem se traduzindo como uma área

que tem atraído investimento, o que indica ser a colaboração um fator para a discussão de

negócios no mundo de hoje (Gansky, 2010; Botsman e Rogers, 2011; Schulist, 2012; Vaquero

e Patricia, 2013), entretanto, a partilha é interrogada como promessa para essa transformação

das relações socioeconômicas.

Discuto – sem a presunção de fixar uma resposta concreta e, talvez, levantar mais

questões e apontamentos críticos – que para a partilha ter condições de proporcionar

mecanismos para a mobilização da sociedade civil, a fim de conduzir a melhorias de seus

modos de vida no contexto urbano, é preciso entender quais potências ela carrega e quais

contradições ela (re)cria. Considerando as necessárias transformações do modo economicista

do capitalismo para atingir essas condições, deveríamos pensar em uma economia num sentido

mais amplo (Jaeggi, 2018; Swedberg, 2003; 2004; Smelser & Swedberg; 2005) como um

conjunto de práticas sociais e econômicas. Essa visão, entretanto, é permeada por contradições

17

e desafios que exigem o esforço coletivo para afrontar a negação dos direitos que vivemos. A

economia da partilha está relacionada à ação, à prática cotidiana, e essa pode ser a potência

do sistema da partilha para gerar transformação em direção ao direito à cidade.

Essas iniciativas estariam vinculadas a outras múltiplas práticas que, conjuntamente,

formam o tecido social. As práticas sociais – sequências de ações, atividades ou feitos – mais

ou menos complexas, pouco ou muito abrangentes, de caráter habitual, constituem as formas

ou modos de vida. Embora reciprocamente dependentes, as práticas podem conceber distintas

maneiras de agregação, que conduzem as ações de determinada maneira. Assim, as formas de

vida são, simultaneamente, dadas e criadas (Jaeggi, 2018). Isso significa que elas não se fecham

em sua totalidade, em um planejamento definido, mas na interação com outras práticas, que se

ressignificam e trazem novas implicações não pensadas anteriormente pelos participantes

daquelas práticas e modos de vida.

A realidade, desta maneira, é firmada por meio das práticas do comum e das

resistências. Portanto, o comum é construído (Latour, 2004), “efetua um corte diagonal na

oposição entre o universal e o particular” (Hardt & Negri, 2016, p. 142). O comum não é “algo

passivo, já dado na sociedade” (p. 143), em vez disso, a concepção da produção do comum se

dá por meio das “práticas sociais coletivas. Tal como o universal, o comum reivindica a

verdade, mas, em vez de descer do alto, essa verdade é construída de baixo para cima” (Hardt

& Negri, 2016, p. 143), levando a epistemologia ao terreno da luta, frente à realidade de

dominação e rumo à constituição de outra realidade (p. 143).

Sob esta perspectiva discuto as práticas e os modos de vida, entendendo o papel amplo

dos interesses na vida econômica (Swedberg, 2004), que ultrapassaria a ideia de

individualismo, remetendo a “diferentes tipos de interesses, como os ideais, os materiais, entre

outros, pois constituem as forças que dirigem o comportamento humano” (Swedberg, 2004, p

.26), nos modos de vida, em termos emocionais, políticos ou econômicos. Considerando que

“os interesses são sempre socialmente construídos e podem apenas se concretizar tipicamente

por meio de relações sociais” (p. 26-27).

Por isso Hardt e Negri (2016) enfatizam a mudança para o ‘fazer’, gerando uma

“multiplicidade de seres constantemente abertos à alteridade e revelados através da perspectiva

do corpo, que é um agrupamento de afetos ou maneiras de ser, ou seja, formas de vida – tudo

isso repousado num processo de produção do comum” (p. 146).

Apesar de suas práticas apresentarem concepções que fogem à lógica estritamente

financeira da maximização individual de egoísmos e rendimentos, críticas denotam que os

pilares da economia tradicional permanecem no seio da economia da partilha. É neste viés que

18

esta tese se insere. O valor social da partilha seria minimizado frente à possibilidade de ganhos

individuais por meio da ampliação do acesso, e não necessariamente da partilha (Eckhardt &

Bardhi, 2015), o que reforçaria a essência do sistema de acumulação hegemônico,

aprofundando estruturas de dominação e renovando conflitos e contradições na construção do

direito à cidade.

Nesse contexto socialmente construído, buscam-se entender as fontes de enganação, de

poder e de crítica para pensar a troca e como enxergá-la. Questiono se seria possível um novo

cenário, no qual tudo seria citadino e local, alheio às grandes cadeias de suprimentos, e porque

essa crescente atenção para esse movimento econômico e social. Seria mais uma armadilha do

jogo capitalista para envolver mercados e pessoas em uma onda de utopia coletiva, regulada

pela transparência e cooperação econômica, mas que reforçaria o individualismo e a

propriedade, exatamente por podê-los compartilhar? As premissas basilares do utilitarismo e

do economicismo do pensamento econômico tradicional estariam ameaçadas pela partilha?

(Gerhard & Silva Júnior, 2017).

O ponto de vista defendido nesta tese, em relação à partilha, é o de que as motivações

dos indivíduos e organizações são multidimensionais, sendo que as ações seriam

determinadas tanto por valores quanto por interesses. A partir dos estudos sobre Nova

Sociologia Econômica (NSE), discute-se se o futuro das cidades é partilhado ou se esse

movimento representa uma frente contrária à ideia de posse, reafirmando a relevância da visão

sociológica frente à visão utilitarista dos fenômenos econômicos (Fligstein, 2001; Serva &

Andion, 2006; Lévesque, 2007). O urbano é entendido como uma síntese da dicotomia cidade–

campo (Monte-Mór, 2006), constituindo-se uma manifestação material e socioespacial da

sociedade urbano-industrial contemporânea.

Da mesma forma, o direito à cidade avançaria para um amplo e irrestrito acesso

cidadão, o que não se verifica plenamente na sociedade contemporânea. O direito à cidade, em

Lefebvre (2008), clama a tomada das ruas, a prática de apropriação da cidade por seus

habitantes e o uso de seus espaços coletivos públicos, o que asseguraria a vivência completa

na urbe. Os espaços urbanos são construídos, e efetivamente vividos, na vida cotidiana, sendo

recriados cotidianamente (Monte-Mór, 2006). Por isso, é um direito que nunca estaria

garantido, pois exigiria permanente luta e participação (Lefebvre, 2008).

O direito à cidade parece desnudar, juntamente com os processos de industrialização e

urbanização, um sistema de descentralização da cidade, que desloca as classes sociais

dominadas para os entornos. O poder de uma nova centralidade é concedido aos dominantes,

que apoiados pelo Estado e pelo mercado, retiram o valor de uso (sentido de obra) da cidade,

19

colocando em seu lugar o valor de troca (sentido de produto). A concepção do espaço urbano

deixaria de ser coletiva, detentora de sentido e significado, passando a ser um produto alheio a

si mesmo, moldado por interesses políticos e econômicos definidos pelo centro de decisões.

As teorias econômicas dominantes tendem a pensar no equilíbrio como meio de

manutenção da sociedade. As abordagens da NSE entendem o mercado como construção

social. Desta maneira, o consideram de maneira crítica, ou seja, o capitalismo não se sustentaria

apenas na justificação da busca do lucro, pois ele precisaria se ancorar em princípios que

justifiquem o engajamento no sistema econômico (Boltanski & Chiapello, 2009). O livre-

mercado e a definição clássica da economia não subsistiriam além dos limites datados do

paradigma do sistema de mercado e denotam o caráter artificial dos mercados (Polanyi, 2012).

Há um permanente reforço das justificações e dispositivos para gerar atualização do

espírito do capitalismo, em um movimento dinâmico que não expõe o princípio de acumulação

e de ganhos, oferecendo inclusive satisfação à crítica (Boltanski & Chiapello, 2009). A

economia da partilha pode representar uma delas. Ao mesmo tempo em que é entendida como

uma via de transformação do modelo hegemônico economicista – ampliando possibilidades de

modos de vida –, ela pode exatamente reforçar o próprio sistema economicista e de exploração,

já que o acesso é restrito a determinadas parcelas da sociedade. O sistema hegemônico parece

absorver as críticas ao economicismo e funcionalismo exacerbados, reinventando-se em uma

economia mais partilhada e colaborativa.

Por isso, o estudo da NSE vinculado à reflexão sobre a partilha é uma das escolhas

teóricas adotadas na tese. A partilha parece configurar um modo de reinvenção do sistema

capitalista, sob o discurso encantador da colaboração. Além disso, um dos elementos

inovadores deste estudo reside na constatação de que a pesquisa sobre partilha nas cidades se

encontra em estágio inicial, permitindo amplas interpretações no contexto da cidade (Cohen &

Muñoz, 2015), sobretudo no contexto brasileiro. Na era do acesso, questiona-se seus reflexos

na prática cotidiana, de forma a ampliar a discussão sobre as transformações econômico-sociais

que as cidades experimentam. A pesquisa se justifica por não existir uma estrutura

compreensiva para se analisar distintas frentes da economia da partilha no mercado

contemporâneo (Eckhard & Bardhi, 2015). Uma economia via partilha assume diferentes

características, e embora esses fenômenos estejam remodelando o mercado, até este ponto,

falta uma maneira de equalizar esses sistemas. O tema suscita discussões de variadas áreas do

conhecimento, retratadas na tese com a ciência de que a hibridez é parte do texto e das teorias

discutidas. Autores da sociologia, antropologia, consumo, economia e outros campos de

conhecimento são mobilizados neste trabalho.

20

A economia da partilha neste estudo é entendida sob a perspectiva dos usuários, em

um movimento de acesso a recursos materiais e simbólicos, que não se dão necessariamente

por comércio e troca, mas podem se dar pela utilização, empréstimo, uso comum e uso parcial,

entre outros, o que sugeriria diminuição do impacto na produção, mas não no consumo. Sob a

perspectiva dos produtores/fornecedores, a economia da partilha favoreceria o acesso mais

direto ao mercado consumidor, por meio dos sistemas da partilha, o que pode eliminar alguns

intermediários do processo tradicional de venda ou mesmo criar novos modelos de negócios.

São formas de interação que podem envolver a troca, cessão, aluguel, venda de usados e

empréstimo, entre outras.

São diversas as faces da partilha. Desde as mais mercadocêntricas (como o Uber, por

exemplo), até as menos mediadas pelo dinheiro (comunitaristas, como as trocas de alimentos

entre vizinhos numa comunidade), intercedidas ou não por tecnologia, de bens tangíveis

(produtos, bens, espaços etc.) e não-tangíveis (serviços, horas de dedicação/ trabalho/

contribuição), e/ou de exploração/excesso. Essas faces da partilha podem se manifestar em

uma mesma iniciativa, empreendimento, instituição ou fenômeno, sendo complexa a separação

entre suas orientações altruístas e autointeressadas, cooperativas e competitivas, culturais,

sociais e econômicas na ação social. Pelo contrário, considera-se que essas dimensões são

imbricadas e híbridas, por isso também a partilha se constitui em um interessante campo de

pesquisa.

Interessa discutir as transformações que as cidades têm vivenciado a partir desse

velho/novo movimento da partilha, entendendo que ele se apresenta, muitas vezes, como mais

uma forma de exploração capitalista, encoberta pela ideia de comunhão, sustentabilidade e

paridade, quando, na verdade, a desigualdade permanece e se reafirma, velada ou aparente nas

relações de troca. E, apesar de esse movimento se refletir na cidade, interrogo sua capacidade

e força de transformação dos modos de vida, dos espaços e seus usos, sob a luz do direito à

cidade, pois em diversas frentes ele acarretaria mais gentrificação e exclusão do que ampliaria

a sociabilidade urbana e o viver na cidade. Uma revolução tem poder transformador e

duradouro quando “inventa e institucionaliza um novo conjunto de hábitos e práticas coletivos,

ou seja, uma nova forma de vida” (Hardt & Negri, 2016, p. 389).

21

Percurso metodológico

Esta seção se dedica a esclarecer algumas definições metodológicas sem a pretensão de

estabelecer um processo rígido. O objetivo foi facilitar o entendimento dos caminhos

escolhidos para a tese, bem como marcar o posicionamento ontológico trilhado. Este trabalho

se inscreve no âmbito da pesquisa qualitativa (Denzin & Lincoln, 2006; Creswell, 2014),

visto que procura discutir a partilha e as cidades a partir das subjetividades de seus atores e da

ação social e das associações construídas pelos atores na vida social urbana. A pesquisa

qualitativa situa o pesquisador no contexto, expressando uma diversidade de práticas que

transformam o mundo em representações, podendo ser analisada como uma estratégia

independente, sem necessariamente estar vinculada com outra pesquisa (Bauer, Gaskell &

Allum, 2002).

A primeira fase da coleta de dados foi centrada em pesquisa bibliográfica e documental.

O acesso a fontes secundárias para a revisão bibliográfica se constituiu em bases como o Portal

CAPES de Periódicos, J-STOR, EBSCO e Scientific Electronic Library Online (SCIELO).

Nesses levantamentos foi possível identificar que a produção científica sobre partilha nas

cidades ainda é reduzida, sobretudo no Brasil. A pesquisa documental mapeou a diversidade

de organizações nacionais e internacionais sobre a discussão das cidades e suas relações com

a partilha, buscando entender as implicações desse fenômeno frente às formas organizativas de

vida social urbana e seus reflexos para o direito à cidade (Apêndice A).

Na segunda fase, imergi em iniciativas de partilha urbana, bem como realizei

entrevistas em profundidade com pessoas que representam instituições, governos, especialistas

e ativistas do segmento. O intuito dessas investigações foi identificar como se dá o impacto das

propostas, discussões e discursos da partilha para os modos de vida na cidade, entendendo as

transformações do urbano e o direito à cidade, suas contradições e desafios; bem como analisar

as fontes de dominação, exercício de poder, segregação e desigualdade. Essas etapas serão

descritas com maior profundidade à frente.

Diante da amplitude nos níveis conceitual e da práxis da partilha, o recorte do estudo

se centrou na dimensão da Agricultura Urbana. Esse foco revela implicações e contradições

importantes nos campos da Nova Sociologia Econômica, economia da partilha e direito à

cidade, visto que contempla boa parte dos citadinos e interessa a movimentos e lutas sociais

contra a desigualdade e a exclusão, principalmente nas suas dimensões socioeconômica,

política, cultural e espacial. Também, esse campo foi escolhido por representar amplo impacto

no uso do espaço urbano, podendo a partilha atuar na promoção de mudanças no contexto

22

citadino. Outro fator que levou à definição dessa dimensão foi o mapeamento documental

(Apêndice A) sobre instituições nacionais e internacionais que discutem a temática das cidades

e a transformação do urbano. Esse campo de ação social e produção de conhecimento sobre a

dinâmica urbana, a Agricultura, foi verificada em todas elas, em maior ou menor dimensão.

O campo constituiu-se de vivências em locais e experiências de articulação da partilha

no contexto urbano, notadamente na esfera local, estudando as hortas coletivas como objeto,

além de outras experiências ligadas a esses empreendimentos, como feiras e espaços de

comercialização e de discussão/ativismo. Essa escolha ocorreu pela trajetória explanada

anteriormente e por entender que as hortas podem ser espaços de efetivação de partilha e

transformações do espaço, em esferas micro e macrossociais. Importante ressaltar que o eixo

de estudo específico em relação às hortas não foi direcionado para as hortas em escolas,

creches, hospitais ou locais com um conjunto pré-definido de pessoas que já teriam vivência

nesse espaço, pois o interesse pelos confrontos e relações se efetivaria também no escopo do

território; portanto, o interesse foi pelas hortas construídas e autogeridas em agrupamento, sem

propriedade localizada em um agente isolado, no qual a coletividade pudesse ser manifestada.

Entretanto, dois experimentos pesquisados fugiram a este escopo, constituindo-se em empresas

do segmento das hortas urbanas em Belo Horizonte. Elas foram incluídas por fazerem parte do

cenário da cidade, e comporem o campo das hortas urbanas na capital mineira.

A minha afinidade como pesquisadora sempre se orientou pela busca das relações, das

subjetividades, dos encontros e dos sentimentos, não enxergando no campo de investigação,

especialmente no sentido abordado nesta tese, um lugar para teste de hipóteses. O que observei,

escutei e senti, as terras que remexi, as capinas que realizei, as mudas que plantei, os diálogos

dos quais participei e a interação que vivi produzem minhas reflexões no confronto com as

teorias estudadas.

Desta maneira, a coleta de informações em todo o campo preocupou-se menos em

estabelecer parâmetros ou diretrizes, pois a intenção foi explorar os dados de forma a favorecer

a interação com os atores pesquisados, buscando a plasticidade necessária para a compreensão

da realidade social, visto que tanto a partilha quanto o direito à cidade se manifestam na práxis.

Por isso, procurei centrar-me nas vivências, na pesquisa participante, observação participante

e acompanhamento dessas iniciativas totalizando um período de três anos (outubro de 2015 a

dezembro de 2018), segmentados pelos respectivos encontros com cada empreendimento,

conforme Quadro 1.

23

QUADRO 1 – Empreendimentos e Atores Sociais Participantes da Pesquisa

Empreendimento Tipo Contatos Período de Pesquisa

Feira Terra Viva

(Rua Pouso Alegre,

Bairro Floresta)

Feira de produtos

orgânicos e

agroecológicos,

fundada em 2007

Observação participante

Entrevista em profundidade presencial

com coordenador da Feira

Entrevistas informais com os feirantes e

com os consumidores

Outubro a novembro

de 2015

BeGreen

(Boulevard

Shopping)

Horta em

Shopping,

denominada pelo

empreendimento

como a maior

fazenda urbana da

América Latina,

fundada em maio

de 2017

Visita à obra / Entrevista presencial em

profundidade com sócio-proprietário

05 de maio de 2017

Entrevista em profundidade com Casa

Horta e Casa Amora, empreendimentos

do complexo BeGreen (presenciais)

03 de agosto de 2017

Observação participante e estudo da

relação com a loja BeGreen e

empreendimentos

26 de agosto de 2017

Observação participante, relações e

ambiente

11 de novembro de

2018

Horta Esperança

(Aglomerado Santa

Lúcia – Vila

Estrela)

Horta comunitária

fundada em 2017

em área

remanescente de

remoção por risco

geológico

Pesquisa Participante

Entrevistas informais com moradores da

comunidade

Entrevistas informais com grupo gestor

da Horta

Rodas de conversa com a comunidade

Oficinas com a comunidade

Mutirões na Horta

Reuniões com o grupo gestor

Reuniões com a equipe do Leia

Comunidade para análises do contexto

Acompanhamento/Participação nos

Grupos de Whatsapp da Horta Esperança

e do Grupo Gestor

16 de junho de 2018

30 de junho de 2018

29 de agosto de 2018

22 de setembro 2018

09 de outubro 2018

09 de outubro 2018

23 de outubro 2018

27 de outubro 2018

10 de novembro 2018

21 de novembro 2018

24 de novembro 2018

08 de dezembro

2018

30 de junho de 2018

(início wpp Horta)

02 de setembro 2018

(início wpp gestor)

Diretora de

Fomento à

Agricultura

Familiar, Urbana e

Abastecimento da

SMASAC

Subsecretaria da

PBH responsável

pela agricultura

urbana em Belo

Horizonte

Entrevista em Profundidade presencial 16 de julho de 2018

Feira

Agroecológica da

UFMG

Feira de produtos

agroecológicos, de

agricultura

familiar e da

economia

solidária da

Universidade

Federal de Minas

Gerais que reúne

Entrevistas informais com os feirantes

Observação participante

Conversa para combinações sobre visitas

aos empreendimentos

22 de agosto de 2018

05 de setembro 2018

03 de outubro de 2018

10 de outubro de 2018

24

cerca de 30

produtores

Evento Diálogos

Urbel – Companhia

Urbanizadora de

Belo Horizonte

Evento com

representantes da

agricultura

urbana,

cooperativas de

reciclagem

Observação participante

Mesa-redonda sobre agricultura urbana

em Belo Horizonte, lixo e cooperação

04 de setembro 2018

Analista técnico

social da Urbel –

acompanha o

processo de

remoção - área de

risco/ desabamento

Mediador entre

órgão público e

comunidades –

analista com

atuação direta nas

comunidades

Entrevista em Profundidade presencial

Entrevistas informais na Horta Esperança

01 de novembro 2018

Integrante do

Coletivo

Agroecologia na

Periferia

Coletivo que atua

junto a ocupações

e assentamentos

auxiliando o

desenvolvimento

socioambiental e o

fortalecimento da

rede de agricultura

urbana na RMBH

Entrevista em profundidade presencial

com integrante do coletivo Agroecologia

na Periferia, que atua junto à ocupação.

14 de novembro 2018

Representante dos

Hortelões Urbanos

Coletivo de base

nacional – com

desmembramentos

locais - que atua

na formação

prática e

cooperação para

promoção da

agricultura

urbana, fundado

em 2011.

Entrevista em Profundidade (via Skype) 23 de novembro 2018

Ocupação Tomás

Balduíno – Horta

Comunitária

Agrupada

Bairro Santa

Margarida, no

distrito de

Justinópolis,

região de Areias,

em Ribeirão das

Neves na RMBH

Observação participante

Entrevistas informais com moradores

27 de novembro 2018

Horta da Cidade Empreendimento

comercial que tem

como objetivo

ajudar as pessoas

a interagirem com

a natureza,

resgatando a

responsabilização

com a própria

alimentação e

proporcionando

uma vida mais

saudável.

Observação participante

Entrevista informal com proprietária

Entrevistas informais durante contato na

Feira da UFMG

09 de fevereiro 2019

22 de agosto de 2018

05 de setembro 2018

03 de outubro de 2018

Fonte: elaborado pela autora.

25

A estratégia de pesquisa desenhada se refletiu nos caminhos para busca das informações

que responderam aos questionamentos propostos, à luz do paradigma definido (Denzin &

Lincoln, 2006). Este trabalho se pautou na estratégia da pesquisa participante para a pesquisa

na Horta Comunitária Esperança e na estratégia de observação participante nas demais

iniciativas pesquisadas. Antes de demonstrar o motivo desta separação, faz-se necessário

entender a diferença entre esses tipos.

Na pesquisa participante, a “comunidade participa da análise de sua própria realidade,

com vistas a promover uma transformação social em benefício dos participantes, que são

oprimidos” (Grossi, 1981, p. 34). Assim, ela se volta para as necessidades das pessoas, e

portanto das comunidades, considerando “suas aspirações e potencialidades de conhecer e

agir” (Fals Borda, 1981, p.32).

Suas análises e críticas da realidade podem revelar novas necessidades, fazendo com

que outros conhecimentos sejam conduzidos para investigação, conforme as características que

ela designa: a) o problema de pesquisa nasce da comunidade, cabendo ao pesquisador o auxílio

e análise dos problemas; b) interação constante entre pesquisa e ação que proporciona o

conhecimento por meio da transformação da realidade; c) pesquisa da realidade, em contexto

real, não fabricado; d) intervenção em escala restrita, deixando aberta a possibilidade de

alargamento do campo; e) está a serviço das comunidades excluídas, fazendo frente à

exploração; f) propõe um processo educativo em que a pesquisa e discussão dos resultados

encontrados fornece conhecimento para a realidade; g) investigados são parte e atuam em todo

o processo de pesquisa (Fals Borda, 1981).

A pesquisa participante se orienta pela democratização do saber (Demo, 1982) e, por

isso, tem o fator educativo em sua base, a fim de agir a favor das lutas sociais e buscar a

emancipação das comunidades que dela participam. A produção do conhecimento é endógeno,

emergindo do saber popular. Dessa forma, ela avança em termos de presença e interação dos

pesquisadores em relação à observação participante.

A observação participante favorece a interação comunicativa (Denzin & Lincoln, 2006)

junto às pessoas e comunidades investigadas, a fim de facilitar a inserção dos pesquisadores

no contexto; enquanto que a pesquisa participante supera essa relação interativa e provoca a

ação junto à comunidade no problema em questão. Desta maneira, a pesquisa participante

permite que a comunidade pesquisada assuma papel de transformação social e contém

elementos e dinâmicas que podem levar à emancipação, na medida em que ela tem uma ação

ativa na realidade investigada (Fals Borda, 1981).

26

A partir da diferenciação, se torna mais claro enxergar o uso dessas duas estratégias na

tese, que foram definidas de acordo com as possibilidades e aberturas do próprio campo,

desdobramentos que foram acontecendo ao longo do processo de pesquisa. Muitos interesses

iniciais foram deixados, para favorecer o que o campo apresentava e trazia à tona.

Portanto, as estratégias foram traçadas pelo nível de ação junto com as pessoas e

comunidades nos problemas pesquisados, bem como o grau de envolvimento que consegui

desenvolver nos contextos analisados. Essa riqueza foi possível, numa dinâmica de constante

reflexão, visto que a pesquisa participante abrange a ação conjunta de investigadores e

investigados na pesquisa e na ação, buscando a transformação social a favor daqueles que

vivenciam vulnerabilidades pela dinâmica urbana estabelecida, postura que compartilho e

ontologia da qual me aproximo.

Desta forma, podemos definir que a pesquisa participante se deu na Horta Comunitária

Esperança, no Aglomerado Santa Lúcia – Vila Estrela. Os fatores que levam a esta estratégia

se encontram com as características da pesquisa participante descritas acima. O problema de

pesquisa teve participação da comunidade em seu delineamento. Apesar de não originar a

pesquisa, ele deu forma e corpo ao problema da partilha e as cidades. Neste empreendimento,

pude interagir e agir conjuntamente à comunidade para transformação da realidade, ainda que

local.

A pesquisa se deu no contexto local, com seus desdobramentos, proposições de

soluções e encaminhamentos conduzidos in loco. A intervenção também se deu na escala do

empreendimento, podendo em futuras pesquisas atingir novos níveis. A comunidade

participante é marcada pela desigualdade e exclusão, estando em área periférica, apesar de se

localizar ao lado de bairros de classe média alta de Belo Horizonte.

O processo educativo foi o fio condutor da pesquisa, tanto pela construção da horta

comunitária e os aprendizados desta constituição, quanto pelo aprendizado do próprio processo

de intervenção, seus percalços, soluções conjuntas de problemas, rodas de conversa e de

avaliação, mutirões, para chegarmos a respostas que encaminhavam novas proposições para a

realidade.

Já a observação participante foi a estratégia nas demais iniciativas pesquisadas,

detalhadas no Quadro 1. Nesses empreendimentos, pude vivenciar o espaço, sua organização,

acontecimentos, relações das pessoas, confronto de visões entre os atores, mudanças ao longo

do tempo, visto que à exceção da Ocupação Tomás Balduíno, todas elas foram visitadas mais

de uma vez, com diferença de semanas ou meses entre uma visita e outra.

27

Quanto aos instrumentos, ao priorizar as vivências, procurei experimentar os

momentos, fazer fluir os sentimentos, favorecer a interação e observar os acontecimentos. Essa

postura foi importante para que o campo trouxesse muitas diretrizes da pesquisa, ainda que a

escolha pela agricultura urbana tenha sido, por si só, um encaminhamento.

O uso de equipamentos e aparatos não foi um determinador, para que não prejudicassem

uma interação mais fluida e natural. Somente nos momentos em que o gravador e os roteiros

(Apêndices B e C) não fossem instrumentos de larga interferência, eles foram utilizados,

notadamente nas entrevistas em profundidade mais formalizadas. A construção dos roteiros

procurou gerar instrumentos de coleta de dados capazes de levar os atores sociais a refletir

sobre a prática social, partilha e a relação com a cidade, o direito à cidade e os desafios

enfrentados para efetivação desses direitos, evitando respostas idealizadas.

Nas iniciativas e hortas, utilizei as entrevistas conversacionais livres (interação com

perguntas nos cursos naturais ao contexto, sem reação determinada a elas, cujo registro é a

memória do pesquisador); participação direta (participação na vida dos investigados em relação

face-a-face, com trocas de saberes, sendo o investigador parte do contexto de observação e

ação, local que modifica e é modificado), como defende Haguette (1987); observações (in

loco); rodas de conversa (reunião com a comunidade, para discussão, tomadas de decisão e

avaliação das ações em curso) e notas de campo em cadernetas, assinalando alguns nomes,

datas ou pontuações específicas. O instrumento que reuniu a maior parte das informações para

as análises foi o diário de campo, produzido ao final dos dias de pesquisa, tanto em formato

manual quanto eletrônico, da maneira que aquele determinado término do dia oferecia.

Sendo a realidade socialmente construída, percebe-se, desta forma, que esta visão está

em alinhamento com o espaço como um produto social (Lefebvre, 1998). O espaço é produzido

por meio das práticas sociais, ao mesmo tempo em que essas práticas resultam também desse

espaço social (Lefebvre, 1998; Harvey, 2012). O espaço é produzido socialmente nas relações

entre diferentes atores na realidade social das cidades, as quais se manifestam a partir de

relações interpessoais e interorganizacionais que são produzidas e produzem o espaço (Denzin

& Lincoln, 2006; Fernandes, 2007; Misoczky, 2010). Portanto, o conhecimento é construído

socialmente nas relações e no cotidiano (Misoczky, 2010), entrelaçadas e ressignificadas pelos

indivíduos (Cunliffe, 2008).

Essas inquietações levam ao questionamento de diversas iniciativas da partilha e seus

discursos e da maneira que elas se desenvolvem e se manifestam no contexto citadino. Como

problema de pesquisa, o trabalho busca discutir as contradições da economia da partilha à luz

do direito à cidade, apontando implicações na transição para novas dinâmicas urbanas e modos

28

de vida. Decorrente disso, o objetivo geral é analisar as (não)implicações da economia da

partilha em hortas de Belo Horizonte para a transformação dos modos de vida urbanos com vistas

ao direito à cidade. Os objetivos específicos contemplam: a) reconhecer os movimentos

utilitaristas e comunitaristas citadinos de partilha em hortas urbanas, atravessados por

contradições entre diferentes agentes; b) analisar as formas de partilha que se revelam na

dinâmica do espaço urbano de forma a compreender suas propostas, valores e alcance; c)

compreender as lutas pela superação da exclusão e desigualdade no uso da cidade; d)

compreender as contradições sobre os modos de vida urbana que se manifestam nas práticas da

partilha em hortas urbanas no contexto de Belo Horizonte.

Por meio de pesquisa de fontes para a revisão bibliográfica – sobretudo em bases de

periódicos – constatou-se que a produção científica sobre partilha nas cidades, principalmente

no Brasil, ainda é reduzida, gerando lacunas teóricas como ausência de estudos sobre a partilha

em contextos de países em desenvolvimento. As investigações se concentram em países

desenvolvidos, com bibliografia de referência voltada para essas realidades. Em pesquisa

documental de organizações nacionais e organismos globais que discutem as transformações

do espaço urbano (Apêndice A), foi possível detectar que a economia da partilha não aparece

como uma ideia claramente estruturante nos discursos institucionais, o que pode significar uma

lacuna no campo empírico. A lacuna pode representar que a partilha não se configura como

uma ideia central nas instituições da sociedade, obtendo pouco espaço dentro do sistema

tradicional vigente, ou por outro lado, que ela não tem a força necessária para conduzir

mudanças estruturais.

Essa ausência reorientou a pesquisa. Pretendia-se, inicialmente, explorar essa base

documental como uma primeira fase de estudo, identificando instituições que se aproximassem

mais das reflexões do compartilhamento e da colaboração, para entender a partilha sendo

operada em níveis institucionais, e para servir como critério de seleção do campo de estudo.

Como não foi possível aprofundar nessa direção, a estratégia de pesquisa inicial foi modificada.

Segui, portanto, para as buscas nas experiências, iniciativas, empreendimentos e vivências de

campo, o que reforçou o caráter de partilha como prática social.

Tornou-se relevante analisar a interação dos atores sociais e refletir a partilha na práxis.

Diante dos conflitos que reconfiguram as cidades, busquei entender, a partir do desenrolar da

pesquisa de campo, as contradições e desafios do uso da partilha e suas transformações do

urbano, trazendo reflexões sobre suas implicações nos modos de vida na cidade. Como práxis,

os modos de vida se sobressaíram na pesquisa, levando a convergências no decorrer da tese.

29

Como recorte geográfico, as experiências no contexto de Belo Horizonte foram minhas

escolhas, mesmo que uma das hortas visitadas tenha sido na Região Metropolitana. Isso

porque, desde o início do doutoramento, não procurei estudar a partilha em um

empreendimento apenas. Ao valer-me da agricultura urbana/ hortas urbanas, como objeto,

procuro entender o fenômeno da partilha em uma dimensão mais abrangente, que pode atuar

no nível da sociabilidade urbana, ultrapassando as fronteiras dos canteiros, hortas e espaços de

plantio. Ainda que a aspiração de pesquisa voasse na amplitude de todo o urbano, era preciso

centrar pouso em alguma esfera da realidade social, a fim de cumprir os objetivos de análise.

Capital do estado de Minas Gerais, Belo Horizonte é a terceira economia do país, possui

uma extensão de 331 km2 e uma população de 2.501.576 habitantes (Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística [IBGE], 2018). Somando com a população da Região Metropolitana, o

número atinge aproximadamente seis milhões de habitantes, a terceira maior do Brasil.

A vocação para a agricultura urbana remonta o surgimento da cidade e foi a partir da

década de 1990 que passou a ser considerada pela sociedade e pelo governo municipal como

um instrumento de desenvolvimento local (Lara & Almeida, 2008). Projetada para ser a

primeira cidade brasileira moderna planejada, Belo Horizonte revelou outros arranjos que

inverteram esta concepção de planificação. A capital viu a realidade do crescimento periférico

extrapolar a lógica centro-periferia de ocupação, fugindo da concepção inicial do centro

ordenado, para as periferias desordenadas, isto é, do urbano para o suburbano. A população

trabalhadora, excluída do centro de poder, foi quem desenhou a produção da cidade (Monte-

Mór, 1994), num sentido inverso de crescimento recorrente no Brasil.

Ao se analisar a gestão metropolitana, detecta-se que a estrutura territorial é

demasiadamente concentrada na capital. Apesar da existência de um arranjo institucional para

gestão e planejamento articulado com o nível estadual, verifica-se um processo de expansão

urbana fragmentado e desigual, com reflexos socioambientais e econômicos.

Em termos de representatividade na economia, a atividade de agricultura urbana soma-

se aos índices da atividade agropecuária na região metropolitana da cidade, de acordo com os

dados existentes (Anexo A), não apresentando um peso significativo nos indicadores. A

atividade agropecuária representa 0,26% do PIB total (Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística [IBGE], 2012) e tem baixa representatividade na geração de empregos formais, com

10.838 postos do total na RMBH. É preciso destacar, diante desses números, que os dados

registrados não contemplam a informalidade característica deste setor, além das produções

caseiras como hortas, canteiros próprios e quintais que servem à subsistência de produtores

30

familiares (Almeida, 2016). Portanto, os valores podem estar subestimando a presença da

atividade na região.

Como outras grandes capitais, Belo Horizonte apresenta um quadro de raras zonas de

expansão e terras de acesso à habitação popular, levando esse contingente para a região

metropolitana, que reúne 34 municípios1, incluindo a capital. Essa dinâmica comum nos

centros urbanos acaba por conduzir a um afastamento da população de baixa renda para as

periferias urbanas, além da formação de ocupações que seguem na luta por espaço e moradia

(Libânio, 2017). Sopesando avanços e retrocessos, as desigualdades e segregação socioespacial

constituem uma marca da metrópole belo-horizontina (Andrade, Mendonça & Diniz, 2015).

Na gestão da capital, a agricultura urbana surgiu vinculada à Secretaria Municipal

Adjunta de Abastecimento, responsável pelo incentivo e apoio às hortas escolares e

comunitárias. Em 1993, os debates iniciaram para inserção da agricultura urbana no

planejamento e em 1996 foi implantado o primeiro Centro de Vivência Agroecológica

(CEVAE) em área de baixa renda para o projeto de produção de alimentos dentro da cidade

(Coutinho, 2010).

A partir de 2006, o projeto se ampliou com a implementação do Programa Cidades

Cultivando para o Futuro, que contemplou as dimensões ecológica, produtiva e de inclusão

social. Essa iniciativa atrelou a Secretaria Municipal de Políticas Urbanas e Fundação de

Parques Municipais, a fim de aprofundar a inserção da agricultura urbana no planejamento e

gestão da cidade, o que favorece o diálogo entre governo e sociedade, para ações articuladas

com as políticas urbanas e sociais (Almeida, 2016).

Minas Gerais foi o primeiro estado no país a ter uma lei de políticas de agricultura

urbana, a Lei 15.973, de 2006, que dispõe sobre a Política Estadual de Apoio à Agricultura

Urbana. No âmbito municipal, a Lei Ordinária 10.255, de 2011, institui a Política Municipal

de Apoio à Agricultura Urbana em Belo Horizonte. Essa legislação apoia uma variedade de

iniciativas de agricultura urbana, como mostra a Figura 1, que incluem “uma riqueza de saberes

que podem estar relacionados à origem rural destes sujeitos, mas que também são recriados a

partir da participação em cursos e do acesso a informações” (Costa & Almeida, 2012, p. 9). As

autoras reforçam que além dos migrantes de áreas rurais, em Belo Horizonte, cada vez mais

citadinos começam a despertar para as atividades de cultivo, mesmo sem experiência prévia,

1 Municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte: Baldim, Belo Horizonte, Betim, Brumadinho, Caeté,

Capim Branco, Confins, Contagem, Esmeraldas, Florestal, Ibirité, Igarapé, Itaguara, Itatiaiuçu, Jaboticatubas,

Juatuba, Lagoa Santa, Mário Campos, Mateus Leme, Matozinhos, Nova Lima, Nova União, Pedro Leopoldo,

Raposos, Ribeirão das Neves, Rio Acima, Rio Manso, Sabará, Santa Luzia, São Joaquim de Bicas, São José da

Lapa, Sarzedo, Taquaraçu de Minas e Vespasiano.

31

em busca de vida saudável na cidade. Em ambos os casos, a agricultura não é, normalmente, a

principal fonte de renda ou ocupação.

FIGURA 1 – Espaços de agricultura urbana em Belo Horizonte

Fonte: Lara & Almeida, 2008.

A questão agrícola tem tomado proporções mais significativas no campo institucional,

público e inclusive internacional, levantando debates e publicações científicas (Viljoen;

Wiskerke, 2012), sobretudo a partir da mobilização da sociedade civil preocupada com a

alimentação de qualidade, acesso e a busca por alternativas econômicas mais sustentáveis para

as pessoas nas cidades (Almeida & Melgaço, 2015).

Apesar de não ser um objetivo deste trabalho problematizar o uso do termo ‘agricultura

urbana’, cabe um direcionamento tendo em vista que sua conceituação está em construção,

pela característica recente das discussões. Entendo a agricultura urbana, com base em Almeida

(2016), como uma prática social abrangente, que envolve um conjunto de iniciativas, atividades

e empreendimentos ligados ao cultivo de plantas para alimentação, ornamentais ou medicinais,

criação de animais e manejo da biodiversidade, bem como atividades vinculadas ao

processamento, trocas e comercialização dos produtos gerados, em cenários urbanos.

O estudo se operacionalizou em basicamente três etapas, sem que essa tenha sido uma

definição prévia. Ao final do trabalho, foi possível perceber que uma certa concatenação de

acontecimentos ocorreu, como demonstra a Figura 2. A ordem dos acontecimentos não é

exatamente cronológica, mas para fins didáticos, pode-se demarcar que essas atividades se

32

concentraram nesses períodos, mesmo reconhecendo que todas essas etapas se mesclaram ao

longo do processo de pesquisa.

FIGURA 2 – Síntese das Etapas da Pesquisa

Elaborado pela autora.

Apesar de o doutoramento ter se iniciado em 2016, com minha entrada regular no

programa, já em 2015 comecei as aproximações com a temática da partilha nas cidades e com

o campo de pesquisa. O Apêndice D apresenta alguns registros fotográficos do campo ao longo

desses anos de pesquisa. A tese envolveu pesquisas de campo em iniciativas que se

distinguiram pela proposta de ruptura – mais radical ou mais tradicionalista – frente à dinâmica

urbana vigente, desde as mais comunitaristas até aquelas mais orientadas para a inserção e

interação com a dinâmica tradicional de mercado, que se distingam pelo discurso ou proposta

de ação. Busquei iniciativas que teriam foco nas implicações espaciais que podem reconfigurar

o uso do espaço urbano. Também foram investigados órgãos do governo para estudar esta

visão.

Entre as instituições mais comunitaristas, estariam os sistemas de hortas urbanas

organizadas pela comunidade. Esse movimento está em evolução em Belo Horizonte. Algumas

hortas possuem trajetórias mais extensas, mas a maioria é de iniciativa recente. Outro rol de

iniciativas abarcam as feiras de agricultura orgânica e agroecológica, com pessoas e iniciativas

com propostas intermediárias de ruptura com as instituições vigentes, além de negócios sociais

no segmento de agricultura urbana. Entre as propostas mais mercadocêntricas, busquei hortas

urbanas com finalidade diretamente financeira, que tivessem repercussão nacional e articulação

com centros de pesquisa, governos e órgãos nacionais e/ou internacionais de agricultura. Esse

caminho levou a empresas com trajetória nos campos de inovação e startups, com formação

de redes sociais abrangentes muito além do próprio espaço urbano nas quais se inserem, e

acesso a investimentos e estruturas institucionais e governamentais. Essas posições não estão

demarcadas, mas foram assim apresentadas de forma a facilitar o entendimento das instituições

pesquisadas e sua função social.

... 2015 ...

Contatos iniciais

com o campo e

aproximações da

temática

Pesquisa

Bibliográfica

e Documental

Aprofundamento do campo junto às

iniciativas e atores sociais com foco

em agricultura urbana

Análises

2016 2017 2018 2019

33

As iniciativas em que tive maior vivência e, portanto, com maior quantidade de material

coletado e presença em campo foram, nessa ordem: a Horta Comunitária Esperança

(Aglomerado Santa Lúcia), a Feira Terra Viva e a BeGreen Boulevard. Outras experiências

visitadas, listadas no Quadro 1 e analisadas em conjunto ao longo da tese, somam-se a essas

três, compondo um cenário de iniciativas com maior ou menor ruptura com o sistema vigente.

São elas: Feira de Agroecologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Horta da

Cidade e Ocupação Tomás Balduíno, bem como instituições pesquisadas por meio de seus

representantes: Hortelões Urbanos e Coletivo Agroecologia na Periferia, ativistas da

agricultura urbana cujas entrevistas me fizeram recordar que a luta pela cidade é de/por todos.

Do ponto de vista governamental, realizei entrevistas com a Diretora de Fomento à

Agricultura Familiar, Urbana e Abastecimento da Secretaria Municipal de Assistência Social,

Segurança Alimentar e Cidadania (SMASAC), responsável no município pela criação e

implantação de ações e programas para a promoção do desenvolvimento inclusivo, justo,

igualitário, assegurando o respeito às diferenças e o acesso aos serviços básicos oferecidos

pelas políticas públicas municipais. São adotadas políticas voltadas à inclusão produtiva, social

e cultural, à proteção social e à garantia de direitos. Dois dos maiores programas integradores

das políticas sociais da Prefeitura de Belo Horizonte, o BH Cidadania e o Bolsa Família são

coordenados pela Secretaria, assim como as ações de agricultura urbana, que incluem fomento

à agricultura urbana; abastecimento e regulação do mercado; comercialização subsidiada de

alimentos; programa assistência alimentar; educação para o consumo; capacitação e

qualificação profissional; gestão de políticas públicas em segurança alimentar e nutricional2.

A representante pesquisada tem trajetória de ativismo, é coordenadora do AUÊ! – Grupo de

Estudos em Agricultura Urbana da UFMG – e acadêmica, com Doutorado em Geografia.

Também participei de seminário, fiz entrevista e acompanhei o trabalho em campo da

Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (Urbel), empresa pública

responsável pela implementação da Política Municipal de Habitação Popular. A Urbel é

responsável por criar condições dignas de habitação para moradores de vilas e favelas e

população de baixa renda, por meio da urbanização, regularização fundiária, assistência técnica

e produção de novas moradias, com qualidade, participação popular e inclusão social3.

Uma das atividades mais expressivas, que originou o trabalho na Horta Comunitária

Esperança descrito a seguir, é a de evitar acidentes graves e preservar vidas das famílias que

2 https://prefeitura.pbh.gov.br/smasac/seguranca-alimentar-e-nutricional 3 https://prefeitura.pbh.gov.br/urbel

34

residem em áreas de risco geológico e inundação. O serviço é executado por de meio de

vistorias, obras de manutenção, intervenções com mão de obra do morador e atividades de

prevenção ao risco geológico. Nesse sentido, a Urbel apoia as atividades na Horta, com suporte

técnico e cessão de materiais como mourões, cerca e outros. A entrevista e acompanhamento

do trabalho em campo na comunidade foram com o analista técnico social da Urbel que atua

no processo de remoção por área de risco e desabamento.

A Horta Comunitária Esperança está localizada na Vila Estrela, no Aglomerado Santa

Lúcia, região Centro-Sul de Belo Horizonte, em um terreno íngreme de 510 m2, resultado de

remoção pela Urbel por risco geológico. O nome foi uma inspiração dos próprios moradores a

partir da Creche Educacional Nascer da Esperança, instituição antiga da comunidade, que está

à frente do terreno da Horta. A Horta nasceu de uma demanda da comunidade, no espaço que

servia de depósito de lixo e descarte de materiais após a remoção.

As atividades iniciais de limpeza e definição dos locais de plantio datam de março de

2017. A data de inauguração da horta foi 22 de setembro de 2017, mas as reuniões de

planejamento e organização das atividades começaram em meados de 2016. Essas reuniões

tiveram, desde seu início, participação da Urbel e do Centro Universitário UNA, instituição de

ensino superior parceira da iniciativa. Por esta via foi viabilizada minha entrada na Horta, tanto

no processo de pesquisa para o doutoramento, mas também como colaboradora do Laboratório

Ecossistêmico Interdisciplinar de Aprendizagem (Leia/Una), um projeto de extensão do Centro

Universitário. Dentre suas frentes de trabalho, o Leia Comunidade atua na linha da inovação

social, integra ensino, pesquisa e extensão na graduação e pós-graduação stricto sensu em

Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local. Envolve “processo participativo,

colaborativo e coletivo, priorizando a gestão social, associada à nova economia, além da

sustentabilidade socioeconômica ambiental urbana” (Mello et al, 2016, p.136).

Os meus encontros e acompanhamentos junto à iniciativa começaram em 16 de junho

de 2018, se estendendo deste dia até o fechamento da tese, em encontros periódicos, conforme

detalhado no Quadro 1. As vivências envolveram visitas, realização de entrevistas informais,

rodas de conversa, trocas de mensagens nos grupos de Whatsapp e diretamente com os

moradores, participação no grupo gestor da Horta, decisões e avaliações conjuntas durante

esses meses de envolvimento. Além disso, junto ao Leia, participei de reuniões de avaliação

de cenário, buscando propostas de atuação em parceria com a comunidade.

Ainda em 2015, realizei pesquisas com a Feira Terra Viva, em função de atividades de

disciplina isolada, na preparação para os estudos e elaboração do projeto de doutorado. A Feira

é um empreendimento que estabelece alianças entre produtores e consumidores de alimentos e

35

produtos que respeitam a saúde, as relações humanas e o meio ambiente. Em mais de dez anos

de existência, vem fortalecendo suas bases e se reformando para proporcionar cada vez mais

benefícios às pessoas envolvidas, sejam elas consumidores, produtores ou colaboradores.

A definição para a pesquisa com a Feira Terra Viva se deu por ser a maior feira de

agroecologia/orgânico de Belo Horizonte, campo do estudo. Cheguei até a Feira como uma

interessada. Entrei em contato por e-mail disponibilizado no site4. Ao ter o contato respondido,

marquei uma visita com a coordenação. Essa visita durou todo o funcionamento daquela edição

da Feira. Isso incluiu a preparação dos feirantes, a participação na roda de abertura – uma

espécie de oração coletiva com todos de mãos dadas desejando-se bons momentos e trocas

naquela feira –, conversa com os feirantes e com os consumidores, numa interação de

observação participante com duração aproximada de cinco horas. Desta maneira, foi

entrevistado o coordenador da Feira Terra Viva, dois produtores componentes da feira, além

de entrevistas informais com consumidores da feira. As entrevistas foram gravadas em vídeo

e analisadas posteriormente.

Em 2017, com o interesse em hortas urbanas aflorado, me chamou atenção o caso da

BeGreen Boulevard, localizada na região Centro-Sul de Belo Horizonte. Denominada como a

maior fazenda urbana comercial da América Latina de acordo com seu site5, está instalada no

anexo do Boulevard Shopping. O empreendimento, inaugurado em maio daquele ano, é uma

parceria entre o centro de compras e a startup BeGreen. A grande repercussão na imprensa

local e nacional me levou a buscá-lo como objeto de pesquisa. Ao chegar e entender sua

organização, descobri que a instituição de ensino Centro Universitário UNA, da qual faço parte

– como citado anteriormente –, era a instituição de ensino parceira do empreendimento,

atuando com os cursos de Biologia e Farmácia nas visitas técnicas à estufa do empreendimento,

bem como ações de educação ambiental e alimentar, à época, ainda em planejamento visto que

o empreendimento estava se iniciando. A primeira visita e entrevista foram ainda no período

de obras. Apesar de não ter ligação direta entre meu interesse inicial de pesquisa e a parceria

com a instituição de ensino, esse vínculo facilitou a continuidade do contato com o

empreendimento.

O conceito da empresa visa à produção no centro da cidade e o consumo num raio de

10 km, com foco na sustentabilidade. Ocupa uma área de 2.700 m², com uma estufa de 1.500

m², com capacidade de produção de 50 mil pés de alface/mês, além de rúcula, agrião e ervas,

4 http://www.feiraterraviva.com.br/ 5 https://www.BeGreen.farm/

36

sem agrotóxicos. Há um criatório de tilápias, já que a técnica na produção é a aquaponia, que

integra a produção de peixes e hortaliças. O espaço é aberto ao público, sendo que a estufa é

protegida, liberada para visitação mediante cobrança de dez reais. Ao final da visita à estufa, o

participante recebe um kit com seis mudas à sua escolha, ou dois pés de alface. No local, há

venda das mudas cultivadas, vasos coloridos e temáticos, camisetas e outros produtos com a

marca BeGreen. A história da empresa se iniciou a partir da pesquisa dos sócios no setor de

inovação, conforme fala da entrevista com os gestores.

A proposta deste trabalho se baseia em estudar a cidade por meio de suas práticas, do

‘fazer cidade’, considerando a convivência da pesquisadora com suas experiências, grupos e

espaços de transformações constantes (Agier, 2011; 2015; Ingold, 2011). Agier (2011; 2015)

propõe uma perspectiva da pesquisa por meio da cidade desenhada pelo(a) pesquisador(a) em

confluência da experiência pessoal com a experimentação teórica e maneiras de observação. A

pesquisa da/na cidade procura firmar um diálogo com dados e possibilidades de investigação

relacional e local, a fim de alcançar uma cidade contextualizada, vivida e em movimento. Essa

vivência exige, e ao mesmo tempo, permite a combinação de métodos de pesquisa para dar

conta da complexidade de problemáticas híbridas que compõem as cidades.

Por este olhar, Agier (2015) evidencia a riqueza que transborda nas fronteiras da “não

cidade”, a cidade desterritorializada, a pesquisa “das margens” (p. 487), espaços

extraterritoriais como bairros populares e ocupações, examinados nesta tese. Oferece

condições de analisar o que é vivido nesses lugares de construção frequente, que revelam

modos de vida dessas populações exercerem a ampliação de seu direito à cidade.

Por esta trajetória, as análises ocorreram com base nas narrativas e nas práticas

vivenciadas. Ao analisar os acontecimentos, relações, confluências/implicações, experiências

e práticas, busquei seguir a ontologia na qual se insere esta pesquisa, que enxerga a realidade

como socialmente construída por meio das interações sociais das pessoas. Portanto, organizei

os achados e as reflexões privilegiando essas interações e, seguidamente, aproximando-as das

temáticas da partilha e das cidades.

Detalho, a seguir, a organização da tese como forma de ajudar a leitura. Nesta

Introdução, apresento meu percurso pessoal, o reflexivo e o metodológico para a realização do

estudo. No Capítulo 1, discuto as buscas pela compreensão da relação entre mercados e

sociedade, utilizando as abordagens da Nova Sociologia Econômica, sobretudo Polanyi e o

conceito de Incrustação, e Boltanski e os Sistemas de Representação da Sociedade. Esse aporte

contribui com o entendimento justificações do sistema capitalista e o seu princípio de

acumulação.

37

No Capítulo 2, apresento as discussões sobre a Economia da Partilha, suas potências e

contradições, discutindo impasses conceituais, reflexos nas relações de trabalho e variações

das relações socioeconômicas. No Capítulo 3, reflito sobre a Economia da Partilha como lógica

de ação das cidades, abordando seus modos de vida e o Direito à Cidade como busca e

construção, fechando com uma confluência dessa discussão teórica, e trazendo luz às Análises,

delineadas no Capítulo 4. Finalizo a tese apresentando as principais reflexões nas

Considerações Finais, seguidas pelas Referências e pelos Apêndices e Anexo. A Figura 3

sintetiza a estrutura da tese.

FIGURA 3 – Estrutura da Tese

Fonte: elaborado pela autora.

1. Problema de pesquisa: contradições da economia da partilha à luz do direito à cidade, apontando

contradições na transição para novas dinâmicas urbanas e modos de vida.

2. Objetivo geral: analisar as

(não)implicações da economia da

partilha em hortas de Belo Horizonte

para a transformação dos modos de

vida urbanos com vistas ao direito à

cidade.

3. Objetivos específicos:

a) reconhecer os movimentos utilitaristas e comunitaristas

citadinos de partilha em hortas urbanas, atravessados por

contradições entre diferentes agentes;

b) analisar as formas de partilha que se revelam na dinâmica

do espaço urbano de forma a compreender suas propostas,

valores e alcance;

c) compreender as lutas pela superação da exclusão e

desigualdade no uso da cidade;

d) compreender as contradições sobre os modos de vida urbana

que se manifestam nas práticas da partilha em hortas urbanas

no contexto de Belo Horizonte.

4. Referencial Teórico:

- Nova Sociologia Econômica

- Economia da Partilha

- Direito à Cidade

5. Estratégia Metodológica:

Pesquisa Participante e

Observação Participante

6. Coleta de Dados:

Pesquisa Documental

Entrevistas em

Profundidade

Vivências

7. Análise:

implicações da economia da

partilha sobre a dinâmica urbana

e a ampliação do direito à cidade

(fenômenos que remetem à

dimensão estrutural da cidade),

mas que são construídos pelos

atores em suas práticas

cotidianas, através de habilidades

sociais a partir de realidades

microssociológicas.

38

1 Em busca de uma nova compreensão sobre a relação entre mercados e sociedade

A visão de que o crescimento econômico é algo inerentemente positivo levou à

concepção do desenvolvimento como meio mitigação da pobreza mediada pela renda. Porém,

essa aparente ‘solução’ não foi capaz de reduzir a pobreza e, sobretudo, a desigualdade nos

mercados globais (Research & Degrowth, 2010). A correspondência entre os níveis de

satisfação e expectativa de vida e o desenvolvimento econômico parece não ser direta

(Assadourian, 2010). Essa concepção pode ser comprovada pelo fato de que o aumento da

eficiência na produção de bens e serviços não acarretou a diminuição da exploração dos

recursos naturais e da geração de resíduos, tornando-se necessário o dimensionamento

adequado da economia (Demaria et al, 2013). Esses elementos revelam que a subordinação da

dinâmica do capitalismo contemporâneo à lógica das finanças está vinculada à uma tendência

imanente de exaltação da riqueza medida em sua dimensão estritamente econômico-financeira

e/ou monetária (Garlipp, 2003).

A teoria econômica dominante tende a pensar no equilíbrio como meio de manutenção

da sociedade, nas quais crises são consideradas desvios passageiros do sistema. A tensão na

concepção político-econômica das sociedades capitalistas avançadas revela uma série histórica

de distúrbios dentro da ordem socioeconômica, fazendo da instabilidade o princípio instituidor

do sistema.

Algumas propostas surgem como uma crítica à hegemonia do desenvolvimento.

Abordagens como as da Nova Sociologia Econômica (NSE) entendem o mercado como

construção social (Granovetter, 2007). De acordo com Abramovay (2009), o que se encontra

no interior do mercado são laços sociais. A regulação entre a economia e a sociedade envolveria

a maneira como os sistemas econômicos e suas reformas podem afetar a interação das pessoas,

com o reconhecimento crescente da importância das relações sociais.

A abolição do mercado não seria uma condição para se pensar novas formas de

desenvolvimento. A questão seria evitar que esse sistema comande a maneira como os sujeitos

organizam suas vidas. Além disso, seria um caminho para ampliação das formas de interação

que não condizem com as exigências mercantis. Não se alcança esse patamar por meio de uma

“instância centralizada que substitua o mecanismo dos preços pelo planejamento, e sim pelo

alargamento das formas de vida que não se apoiam no mercado” (Abramovay, 2009, p. 1). Essa

abordagem será discutida na seção a seguir.

39

1.1 Abordagens da Nova Sociologia Econômica

A tradição da investigação na sociologia econômica combina a perspectiva dos interesses

econômicos com a análise das relações sociais. Diferentes reflexões epistemológicas e posições

metodológicas podem ser encontradas entre os autores que compõem a abordagem da NSE,

como no mapeamento realizado por Lévesque, Bourque e Forgues (2001). Essas abordagens,

entretanto, se alinham na crítica aos fundamentos da economia neoclássica e na defesa do

entendimento da economia como construção social.

A Sociologia Econômica Clássica abrange as décadas de 1890 a 1920 e, de acordo com

Andion e Serafim (2009), tem como principais autores Weber (1864-1920), Simmel (1858-

1918) e Sombart (1863-1941), Durkheim (1858-1917), Pareto (1848-1923) e Veblen (1857-

1927). O enfoque estava nas questões fundamentais do campo, isto é, o papel da economia na

sociedade, a análise e metodologia acerca da economia diferentemente da realizada pelos

economistas, a natureza da ação econômica e a preocupação em entender o capitalismo e seu

impacto na sociedade (Smelser e Swedberg, 2005).

A Sociologia Econômica Intermediária, segundo Andion e Serafim (2009), abrange as

décadas de 1930 a 1970, quando ocorre a cisão entre economia e sociologia. Os principais

autores são Schumpeter (1883-1950), Mauss (1872-1950), Polanyi (1886-1964), Parsons

(1902-1979) e Smelser (1930-atual). Estuda o comportamento individual racional, do mercado

e da moeda. Há uma análise da compreensão dos motivos orientadores do comportamento

econômico. A sociologia desse período “se limitaria aos estudos das consequências sociais das

inovações e das condições sociais das transformações econômicas” (Lévesque, Bourque e

Forgues, 2001, p. 20).

Para Andion e Serafim (2009), a Nova Sociologia Econômica inicia-se a partir dos anos

1980. Seu marco foi o ensaio Economic Action and Social Structure: The Problem of

Embeddness, de Granovetter (1985). Esta perspectiva considera as relações econômicas como

relações sociais, que são socialmente construídas. Os atores econômicos fazem parte de

estruturas de interações e seus comportamentos econômicos estão imersos em redes de relações

interpessoais. A NSE sugere que seja necessário e útil incentivar o confronto entre as teorias

econômicas e sociológicas, de maneira a fornecer melhores explicações dos fatos econômicos

(Steiner, 2006; Serva e Andion, 2006). Como contraponto ao mainstream econômico, a NSE

tem a sociologia como referência para compreender a produção, troca e consumo de bens e

serviços (Smelser; Swedberg, 2005; Nunes e Silva, 2011).

40

A Nova Sociologia Econômica diferencia-se da antiga Sociologia Econômica, baseada

no paradigma parsoniano (estrutural-funcionalista), cujos estudos foram divididos em economia

e sociedade, ficando com os economistas os objetos centrais da economia, como mercado e

moeda. A Sociologia Econômica pode ser compreendida como um conjunto das teorias que

pretendem esclarecer os fenômenos econômicos a partir de elementos sociológicos e como

especialidade capaz de pensar sociologicamente os fatos econômicos (Swedberg, 1994;

Lévesque, 2009).

Portanto, a Sociologia Econômica tratava do que se passava na origem das atividades

econômicas – as condições do desenvolvimento – ou nos seus efeitos – as consequências sociais,

confirmando o afastamento entre o econômico e o social. A NSE se diferencia, outra vez, da

sociologia marxista ao reverter o determinismo econômico da sociedade em favor de uma

determinação social da economia (Lévesque, 2007; Gonçalves-Dias, Rodrigues e Herrera, 2012).

A NSE não se abreviaria ao tratamento sociológico de variáveis econômicas, pois

envolveria a constituição de um campo ordenado de conhecimento. Nesse sentido, a NSE

institui uma abordagem ou uma perspectiva de análise (Smelser e Swedberg, 2005), uma

“aplicação de estruturas de referência, variáveis e modelos explicativos da Sociologia a um

complexo de atividades relacionadas à produção, distribuição, troca e consumo de bens e

serviços escassos” (Gonçalves-Dias, Rodrigues e Herrera, 2012, p. 04).

Os pressupostos centrais da NSE asseguram que “toda ação econômica é uma ação

social; a ação econômica é socialmente situada; e as instituições econômicas são construções

sociais” (Lévesque, 2007, p. 55). Tais concepções reafirmam a relevância da visão sociológica

frente à visão utilitarista dos fenômenos econômicos (Fligstein, 2001; Serva e Andion, 2006).

Na Nova Sociologia Econômica, as organizações não são imunes à sociedade

(Abramovay, 2004; Granovetter, 2007). A NSE se refere à aplicação de estruturas de referência

da Sociologia a um sistema de ações pautadas na produção, distribuição, troca e consumo de

bens e serviços escassos. A ação econômica, na NSE, possui um significado que não é

previamente dado, mas construído na relação entre os atores. A motivação dos indivíduos e

organizações é tratada em multidimensões. Ações humanas, incluindo as econômicas, seriam

motivadas tanto por valores quanto por interesses (Steiner, 2006).

Um dos pontos essenciais para as abordagens sociológicas institucionalistas envolve

entender as condições pelas quais os atores podem criar novas ordens (Fligstein, 2001). Os

mercados não seriam determinados por agentes externos, mas refletiriam “a construção social e

política de cada sociedade, de modo que a história e a cultura em torno das relações de classe e

41

os vários tipos de intervenção por parte dos governos produziram ordens institucionais únicas”.

(Fligstein, 2012, p. 486).

Na visão de Granovetter (2007), a NSE se distanciaria tanto da abordagem do mainstream

econômico, que enxerga um sujeito subsocializado, quanto do enfoque da sociologia clássica,

que posiciona um “sujeito determinado socialmente” (Granovetter, 2007, p. 7). Segundo o autor,

o conceito de imersão proporciona o entendimento do mercado, interpretando-se as relações

sociais envolvidas nos comportamentos e instituições. Para Abramovay (2009, p. 67), “quando

se abre a caixa-preta do mercado, o que se encontra em seu interior são laços sociais, é sociedade,

são interações que os indivíduos procuram”. O entendimento dos mercados prediz compreender

os valores, expectativas e feitos em que eles se amparam.

As formas de relações sociais são tão atuantes na dinâmica dentro dos mercados como

nas demais esferas da vida (Zelizer, 1997; Granovetter, 2007; Abramovay, 2009; Nunes e

Silva, 2011). Os mercados, atualmente voltados aos lucros, têm funcionamento e condutas que

podem ser alvos de interferência (Abramovay, 2009). Ao contrário das perspectivas clássica e

neoclássica, nas quais o significado de economia emerge da formalidade, a perspectiva do

Movimento Anti-utilitarista nas Ciências Sociais (Mauss [MAUSS], 2001) defende uma

abordagem substantiva (Polanyi, 2012). A esfera das práticas econômicas se amplia para incluir

as atividades não mercantis – o princípio da redistribuição – e não monetárias – princípio da

reciprocidade (Lévesque, 2007; Nunes e Silva, 2011).

Nesse sentido, a visão dessa economia não reduz tudo ao princípio do mercado. As

relações econômicas seriam balizadas pelos interesses utilitários para ampliação dos ganhos,

mediadas pela troca de mercadorias, cuja mola reguladora seria a relação entre oferta e

demanda. É nesse ponto que Polanyi (2012) identifica uma abordagem que aponte os princípios

econômicos, bem como as complementaridades e divergências entre eles, que perpassam a

narrativa das organizações. (Nunes e Silva, 2011). A partir do crescimento da economia

mercantil, seus princípios alcançam espaço nas relações sociais da modernidade, formando

uma sociedade de mercado.

A sociedade de mercado produz uma dinâmica na qual nem todos podem usufruir dos

benefícios do mercado autorregulado, o que torna imperativa a inserção de formas

complementares que o regulem, para garantir a estabilidade social. A partir do século XIX,

trabalhadores reivindicam seus direitos sociais, e estabelecem novas formas de solidariedade,

como cooperativas, sindicatos e instituições de seguridade social. Como agente redistribuidor,

o Estado assume um papel de responsabilidade por essa solidariedade (Nunes e Silva, 2011).

O princípio da redistribuição baseia-se em um poder que se torna incumbido de pegar a

42

produção e distribuí-la de acordo com os critérios definidos naquele determinado grupo,

buscando seu bem-estar geral. Essa autoridade responsável tem duas possibilidades de

redistribuição: um modelo despótico e um democrático, porém, sempre se utilizando dessa

força para enraizar sua autoridade e poder (Polanyi, 2012). O Estado passa a ter essa função

redistributiva (Nunes e Silva, 2011), por meio de investimentos, saúde, educação ou seguros

sociais, sobretudo para as populações em vulnerabilidade, se estabelecendo, a partir desse

momento, uma conexão mais profunda entre Estado e mercado.

A vinculação Estado-mercado coloca a sociedade em segundo plano na esfera da

solidariedade do Estado. Porém, atualmente novas regulações e formas de governança

associadas a elas amparam-se na sociedade civil e no engajamento cidadão (Lévesque, 2009;

2007). Com o aumento dos fluxos globais, o equilíbrio é abalado, na medida em que os custos

da redistribuição ficam elevados “para a esfera mercantil da economia, que busca cada vez

mais o aumento da eficiência produtiva e a redução dos custos. Isso cria um novo modelo de

competitividade entre os Estados”. (Nunes & Silva, 2011, p. 71).

A Teoria da Dádiva de Mauss (2001) e o Princípio da Reciprocidade de Polanyi (2012)

se confluem na análise do mercado. Na tríplice dar, receber e retribuir, residiria a condição

primeira da existência do vínculo social. Ela criaria uma dívida pela desigualdade constitutiva

da relação de troca. Desta maneira, a sociedade estaria fundada na ambivalência e na

reciprocidade, no interesse e no desinteresse. A reciprocidade se apresenta como um vínculo

suscitado por esse compromisso mútuo (Godbout, 2002). Portanto, a dádiva não se centraria

na ausência total do interesse (Nunes & Silva, 2011), pois seria um elemento fundador de

vínculos sociais. Esse fator leva à reciprocidade, impelindo o outro a compartilhar por meio do

dar, do receber e do retribuir.

Com relação ao interesse, Swedberg (2003; 2004) reforça o pensamento de Weber,

também assumido por Bourdieu (1996; 2000), ao relativizar o papel das relações econômicas

(Raud, 2007). Bourdieu (2000) defende que o fato econômico deve ser abordado como um fato

social total, na definição de Mauss (2001), quando o mundo social estaria em toda ação

econômica. Bourdieu (2000) avigora sua crítica à ciência econômica, afirmando que o cálculo

utilitarista puro não poderia dar conta totalmente de práticas que permanecem submersas no

não-econômico (Raud, 2007), sendo necessário imersão da economia no social. Pensar a

relação social como uma “modalidade ampliada da relação econômica” (Caillé, 2002, p. 138).

Na perspectiva estrutural da NSE, como em Granovetter, não aparece uma análise

profunda do papel do Estado na economia. Por outro lado, a perspectiva política, tanto em

Bourdieu quanto Fligstein, destaca a atuação do Estado na construção social do mercado

43

(Wanderley, 2002; Raud, 2007). O funcionamento do mercado a partir do comportamento do

homo economicus parece ser problemático (Raud, 2007) para autores como Granovetter (1985),

Fligstein (2001) e Zelizer (1988).

Zelizer (1988, p. 619) defende que os processos econômicos deveriam ser entendidos

como “uma categoria especial de relações sociais”. A autora propõe o modelo dos “mercados

múltiplos” para reforçar como a cultura e as relações sociais se apropriam das relações

econômicas e as moldam (Raud, 2007), afirmando que relações sociais e valores “não se

submetem passivamente a um mercado potente e homogeneizador”, pois são “as diferentes

formas de relações sociais que determinam mercados múltiplos ao criar de maneira dinâmica

novos modos de troca e repartição” (Zelizer, 1997, p. 24).

Neste desenho, Bourdieu (2000) parece repugnar a lógica mercantil, quando denuncia

os efeitos sociais e morais negativos do mercado (Raud, 2007). A Nova Sociologia Econômica

retrata o mercado como uma forma institucional e como construção social, reforçando a

dimensão social da economia (Lévesque, 2007). Os mercados seriam, portanto, resultados de

composições tanto de interesses econômicos quanto sociais (Swedberg, 2003). Esse cenário

aborda questões relativamente recentes sobre as relações entre a economia e o político, e

também sobre as relações sociais inseridas no mercado (Lévesque, 2009).

Ao desvendar a pretensa abstração e a lógica autônoma dos mercados, a NSE aponta

para o desenvolvimento de formas alternativas e sustentáveis de produção, trocas e

distribuição, não sendo condição a eliminação do mercado (Vinha, 2001). A transformação

poderia acontecer no interior do mercado, “a partir de sua ressignificação, da luta política que

pode ser travada no seu interior e não a sua margem” (Nunes e Silva, 2011, p. 75).

Lévesque (2007) entende que a economia deveria ter uma proximidade com outros

campos, superando as figurações comumente atreladas estritamente às ciências econômicas.

Defende que seria possível a criação de um novo campo de estudo para compreender e

constituir uma forma mais realista de “desenvolvimento sustentável e uma economia

socialmente responsável” (Lévesque, 2007, p. 58). Lévesque (2007) propõe entender o

mercado como interação, na qual os relacionamentos dos atores são permeados por várias

dinâmicas, o que romperia com a ideia de reducionismo da economia à troca mercantil.

Swedberg (1994, 2003) expõe a dicotomia da ênfase no mercado como mecanismo de formação

dos preços pelo qual a sociedade se reproduz e, por outro vetor, os mercados como estruturas

sociais, de relações entre atores, como constituições que são resultado da interação social.

Em suas discussões, Abramovay (2004) critica os fundamentos dominantes do estudo

da economia, uma visão que a enxerga como esfera autônoma da vida social, reforçando o

44

mercado como simples mecanismo de formação dos preços. Em contrapartida, apresenta

pesquisadores que enriquecem a visão neoclássica, ampliando o entendimento da economia

inserida na vida social, citando, por exemplo, Polanyi (2012), e o conceito de embeddedness,

a imersão da economia na vida social. “Para que haja mercados, são necessárias condições

sociais e comportamentais que vão muito além do que se entende habitualmente por autointeresse

dos atores” (Abramovay, 2004, p. 48). O autor defende que a ciência econômica não se reduziria à

transformação dos atores sociais em meros reprodutores do sistema, por meio de um aparato

abstrato que inclui variáveis exógenas ao modelo. “Desde Adam Smith não foram poucos os

economistas cuja influência veio exatamente de sua capacidade em questionar os pressupostos

estritamente atomísticos em que se fundamenta a visão mecânica do funcionamento dos

mercados” (Abramovay, 2004, p. 48).

A questão estaria baseada no entendimento de que as ações e interesses dos atores são

socialmente construídos, superando a polarização entre mercado e sociedade, ação

autointeressada e solidariedade (Teodósio, 2008). Para Abramovay (2004, p. 50), “esses dois

extremos – o mercado enaltecido e o mercado demonizado – tocam-se por lidarem com uma

categoria abstrata e não com análises históricas e empíricas”. Desta forma, “eles são incapazes

de enfrentar os desafios reais das inúmeras formas que assume a cooperação humana em uma

sociedade descentralizada” (Abramovay, 2004, p. 50). Essas fronteiras deveriam ser vencidas

para permitir uma análise mais consistente dos mercados como processos sociais de interação.

Serva e Andion (2006) explicam as distinções entre correntes da sociologia econômica

e a fragmentação entre os autores clássicos, que originaram o campo – Durkheim, Weber,

Marx, Veblen, Pareto, Schumpeter, Mauss e Polanyi –, e os autores que têm formado a

sociologia econômica contemporânea, a partir da década de 80 – Lévesque, Bourque e Forgues

(2001). Duas correntes, a francesa e a inglesa, são representadas por seus respectivos autores.

Os trabalhos franceses, mais relacionados à sociologia e à antropologia, compõem-se pelo

Movimento Anti-utilitarista nas Ciências Sociais (MAUSS), com Caillé, Latouche e Goudbout;

pela Economia Solidária e Plural, com Eme, Laville, Perret, Roustang e Lévesque; pela Escola

da Regulação, com Aglietta, Lipietz e Boyer; e pela Escola das Convenções, com Boltanski,

Thenévot e Dupuy. Ao criticarem os pressupostos da economia neoclássica, esses autores

buscam a transformação social, ressignificando o entendimento sobre a atividade econômica.

Os trabalhos de língua inglesa compreendem a Nova Sociologia Econômica (Granovetter,

Zelizer e Fligstein); o Institucionalismo (Galbraith, Myrdal e Hodgson); e a socioeconomia

(Etzioni, Lawrence e Stern). Esses estudos buscam dialogar com os autores da economia,

buscando seu desenvolvimento a partir do apoio dos estudos sociológicos.

45

As concepções que constituem o campo da Nova Sociologia Econômica se alinham no

entendimento de que o mercado somente pode atuar como produto da interação social e não

distanciado das relações da sociedade, como demonstram os estudos de Polanyi (2012) e

Boltanski e Chiapello (2007, 2009) a seguir.

1.2 Polanyi e o conceito de Incrustação

A gênese da economia capitalista é confrontada por Polanyi (2012) ao desmistificar o

caráter perene que o liberalismo econômico atribui ao mercado. Pretendendo-se autorregulável,

o mercado teria se afastado das demais instituições sociais para fundar-se como uma esfera

econômica autônoma. O autor defende que a categoria fundante do livre-mercado é teórica e

historicamente produzida. (Garlipp, 2006)

Entre seus pressupostos básicos, está o fundamento de que os mercados autorregulados

não têm condições de funcionar, sobretudo considerando as suas falhas e consequências, o que

torna forçosa, invariavelmente, a intervenção do governo (Stiglitz, 2012, p. XV). De acordo

com Polanyi (2012), “a economia de mercado é um sistema econômico regulado e dirigido

apenas por mercados; a ordem na produção e distribuição dos bens é confiada a esse

mecanismo autorregulável”, para alcançar o máximo de ganhos monetários (Block, 2012, p.

73). Essa economia pressupõe que o fornecimento dos bens e serviços a um preço definido

atingirão um equilíbrio desse preço. Portanto, a produção seria assegurada pelos preços, já que

eles compõem rendimentos, e por meio desses ganhos que os bens produzidos são distribuídos

entre os indivíduos da sociedade. (Block, 2012).

Autorregulação indica que a totalidade da produção se destine à venda no mercado,

com rendimentos derivados dessas vendas. Um mercado autorregulável exigiria, “no mínimo,

a separação institucional da sociedade em esferas econômica e política” (Block, 2012, p. 74).

Essa separação não determinaria a sociedade, mesmo reconhecendo ser necessário existir

algum tipo de sistema que controle a produção e distribuição de bens e serviços. A dicotomia

significaria um reforço da existência de um mercado autorregulável. Na verdade, a ordem

econômica seria apenas uma função da social, na qual estaria inserida. (Block, 2012).

O padrão institucional operaria apenas a partir da subordinação da sociedade às suas

exigências. “Uma economia de mercado só pode existir numa sociedade de mercado,

compreendendo todos os componentes da indústria, incluindo trabalho, terra e dinheiro”. Contudo,

“o trabalho e a terra nada mais são do que os próprios seres humanos nos quais consistem todas as

46

sociedades, e o ambiente natural no qual elas existem. Incluí-los no mecanismo de mercado

significa subordinar a substância da própria sociedade às leis do mercado” (Block, 2012, p. 78).

Essa desvinculação e autonomização da economia implicam um projeto político

orientado por interesses de atores sociais específicos, decorrente do processo de

mercantilização da terra, do trabalho e do dinheiro (Schneider e Escher, 2011). Polanyi (2012)

entendia o mercado como parte de estruturas econômicas mais amplas; estas como parte da

sociedade, ainda de forma mais ampla. “Para ele, a economia de mercado não era fim em si

mesma, mas meio para fins mais fundamentais”. (Stiglitz, 2012, p. XXIV). Assim, o autor

expõe o mito do livre mercado: nunca houve um sistema de mercado realmente livre e

autorregulado.

O intuito de Polanyi (2012) é mostrar a intensidade com que esse sistema difere da

realidade das sociedades humanas, ao longo de toda a história conhecida. A motivação

econômica isolada e separada surgiu na sociedade do século XIX, revelando-se um ajustamento

distinto das sociedades tribais, feudais ou mercantis. Antes disso, a economia humana sempre

esteve incrustada na sociedade. O “termo ‘incrustação’ expressa a ideia de que a economia não

é autônoma, como pressupõe a teoria econômica, mas subordinada à política, à religião e às

relações sociais” (Stiglitz, 2012, p. XXXIII). Para Polanyi (2012), a concepção de uma

economia de mercado desincrustada, inteiramente autorregulada, é uma mera utopia (Stiglitz,

2012, p. XXXIV). Portanto, a principal falha do liberalismo de mercado seria subordinar os

propósitos humanos à lógica de mecanismos de mercado impessoais. Polanyi (2012) destaca

que os sujeitos deveriam usar os instrumentos da governança democrática para conduzir a

economia em atendimento às necessidades individuais e coletivas (Stiglitz, 2012).

Na visão de Polanyi (2012), as pesquisas antropológicas revelam que a economia do

homem está submersa em suas relações sociais, o que seria regra. O sujeito não agiria para

salvaguardar seu interesse individual na posse, mas para salvaguardar sua situação social, seu

patrimônio social. Ele valoriza os “bens materiais na medida em que eles servem a seus

propósitos. Cada passo desse processo está atrelado a um certo número de interesses sociais, e

são estes que asseguram a necessidade daquele passo” (Block, 2012, p. 48).

Ao ressaltar o traço arbitrário das estruturas do mundo da produção e da distribuição de

mercadorias, Polanyi (2012) reforça que a ontologia do homo economicus seria a demonstração

de um capitalismo emergente que demandaria o estabelecimento do econômico como instância

distinta, que determinaria a vida social. Esta seria a instauração do paradigma do interesse

próprio e do mercado autorregulado, cuja fundação se basearia nas mercadorias fictícias: terra,

trabalho e dinheiro (Garlipp, 2006).

47

Em sua crítica ao liberalismo, Polanyi (2012) demonstra que trabalho, terra e dinheiro

podem ser tratados como mercadorias apenas quando se condicionam à alienação humana e

sua degradação e à negação da relação de poder Estado-moeda em favor da especulação

financeira. A relevância da contribuição de Polanyi (2012) se evidenciaria pela demonstração

de como o livre-mercado e a definição clássica da economia não subsistiriam além dos limites

datados do paradigma do sistema de mercado (Garlipp, 2006) e desnudariam o caráter artificial

dos mercados. Sozinha, a sociedade regida pelo mercado poderia se degenerar. A forma de

superar esse dilema seria por meio da ‘reincrustração’ das ações econômicas na trama social.

1.3 Boltanski e os Sistemas de Representação da Sociedade

Boltanski e Chiapello (2007) estabelecem relações entre o capitalismo e suas críticas e

explicitam o surgimento de novas representações da sociedade. O capitalismo não se

sustentaria, na visão dos autores, apenas na busca do lucro per si, pois ele precisaria se ancorar

em princípios que justifiquem o engajamento no sistema econômico. A análise de Boltanski e

Chiapello (2007) nasce da Jornada de Maio de 1968, na França, e delineia uma visão dos trinta

anos seguintes. Os autores definem o capitalismo como um “sistema absurdo”, um sistema no

qual os trabalhadores perderam o domínio do resultado de sua atividade e a possibilidade de

escapar à subordinação. Na outra ponta, os capitalistas estariam presos a um processo ilimitado

de acumulação, abstrato e dissociado das necessidades de consumo da sociedade.

É nesse sentido que a inserção no processo capitalista precisa de justificações, pois

exige a mobilização de um grande número de indivíduos com baixas chances de lucro (Forno,

2014). O espírito desse sistema faz com que os empregados concorram para a realização do

lucro em compromisso com o capitalista, o que só pode ser concretizado se as justificações

forem capazes de executar a interiorização desse espírito. O compromisso entre as partes se

renova por meio da modificação constante desse sistema, que incorpora as críticas para se

reinventar e se fortalecer (Alcântara, 2005). O modo de reprodução capitalista se transformaria

para assumir determinados arranjos nas diferentes épocas, baseado na busca incansável pelo

lucro e no espírito do capitalismo, compreendido como “the ideology that justifies engagement

in capitalism 'spirit of capitalism'.” (Boltanski & Chiapello, 2007, p. 8), um conjunto de

crenças anexas à ordem capitalista que colaboram para justificá-la e sustentá-la, legitimando

os modos de ação alinhados a ela (Boltanski & Chiapello, 2007).

48

O primeiro espírito do capitalismo, datado do final do século XIX até o início da década

de 1930, está associado à figura do burguês, visto como um empreendedor em um capitalismo

de tipo familiar, dentro de uma moral de comedimento, labor, regularidade e estabilidade. O

segundo espírito do capitalismo marca os anos entre 1930 e 1960, e tem como cerne a

hierarquia, a administração centralizada na figura do diretor, a burocratização na grande

empresa e a separação da vida privada e profissional. O terceiro espírito do capitalismo marca

os anos 70, respondendo a um mundo conexionista, em rede, cujo tempo deve ser administrado

no sentido de estabelecer relações com outros (Boltanski & Chiapello, 2007). É nesse sentido

que os autores reforçam que o capitalismo tem a necessidade de se associar a mecanismos de

justificação transitórios, que não se referem a seu escopo central de acumulação de capital.

Para responder às críticas, o capitalismo deve submeter-se a provas de realidade, o que

resulta em suas diferentes justificações ao longo dos anos. Para a comprovação ser legítima ou

válida, a justificação apoia-se em dispositivos – regras ou convenções – que não se restringem

à busca do lucro, mas estão dirigidos para a justiça. Os dispositivos provaram que as promessas

do segundo espírito do capitalismo eram voltadas para o gerenciamento das carreiras nas

grandes empresas, instauração da aposentadoria distributiva e ampliação da forma jurídica do

contrato de trabalho assalariado (Gaudu, 1997). Portanto, o espírito do capitalismo estabelece

limites ao capitalismo, pois busca dominar a crítica e congregá-la ao sistema (Alcântara, 2005).

Entender a noção de aparato justificativo implica compreender as “cidades” definidas

por Boltanski e Thévenot (1991). Cada cidade se vincula a uma forma de justificação e um tipo

de crítica. De acordo com Boltanski e Chiapello (2009, p. 55), “o conceito de cidade é orientado

para a questão da justiça. Visa modelizar os tipos de operações a que os atores se dedicam,

durante as polêmicas que os opõem, quando confrontados ao imperativo de justificação”. É

preciso ter a justificação para respaldar ou responder à crítica. Seis lógicas de justificação, ou

“cidades” foram identificadas por Boltanski e Chiapello (2009) na sociedade contemporânea.

Na cidade inspirada, a grandeza é a grandeza do santo que ascende a um estado de graça ou do

artista que recebe inspiração. Ela se revela no próprio corpo preparado pela ascese, cujas

manifestações inspiradas (santidade, criatividade, senso artístico, autenticidade...) constituem a

forma privilegiada de expressão. Na cidade doméstica, a grandeza das pessoas depende de sua

posição hierárquica numa cadeia de dependências pessoais. Numa fórmula de subordinação

estabelecida com base num modelo doméstico, o vínculo político entre os seres é concebido

como uma generalização do vínculo de geração que conjuga tradição e proximidade. O

"grande" é o mais velho, o ancestral, o pai, a quem se deve respeito e fidelidade, aquele que

concede proteção e apoio. Na cidade da fama, a grandeza só depende da opinião alheia, ou seja,

do número de pessoas que concedem crédito e estima. O "grande" da cidade cívica é o

representante de um coletivo cuja vontade geral ele exprime. Na cidade mercantil, o "grande"

é aquele que enriquece pondo no mercado concorrencial mercadorias muito desejadas que

49

passam com sucesso pela prova de mercado. Na cidade industrial, a grandeza se baseia na

eficácia e determina uma escala de capacidades profissionais. (p. 57)

Essas cidades serviram como forma de justificação até a consolidação do segundo

espírito do capitalismo. A partir do desenvolvimento do terceiro espírito, uma nova forma de

cidade se apresenta: a cidade em rede, ou também denominada cidade por projetos, que

representa o atual mundo conexionista (Boltanski & Chiapello, 2009). O fato de o capitalismo

necessitar de novas formas de justificação leva ao surgimento da sétima cidade, para manter a

adesão e renovar as promessas com as pessoas, movimento indispensável para a continuidade

e reformulação dos marcos basilares do sistema social e a efetivação das promessas do

capitalismo.

Boltanski e Thévenot (1991) demonstram um esforço epistemológico para mapear os

pressupostos desses mundos transformados em cidades, dentro da abordagem da Economia das

Convenções. A corrente convencionalista inicialmente teve foco nos aspectos cognitivos da

ação econômica, posteriormente voltou-se para “uma interpretação institucionalista que

destaca o papel dos valores na construção de justificativas que dão suporte às representações,

aos interesses e às estratégias dos atores” (Niederle & Grisa, 2013, p. 114). As cidades

constituem lógicas de ação ou justificações legítimas.

Dessa maneira, temos A cidade de Deus, de Santo Agostinho, a cidade da inspiração que

repousa sobre o princípio da graça; A política extraída das próprias palavras da Sagrada

Escritura, de Bossuet, representa a cidade doméstica que reside na dependência pessoal; O

leviatã, de Hobbes, como a cidade da opinião que se baseia na honra; uma Investigação sobre

a natureza e as causas da riqueza das nações, de Adam Smith, exemplo da cidade mercantil que

repousa no desejo de possuir bens raros; O contrato social, de Rousseau, a cidade apoiada na

atividade cívica que tem por base o bem comum; Da fisiologia social, de Saint-Simon, a cidade

industrial que repousa sobre a eficácia. (Lévesque, 2007, p. 54)

A cidade por projeto é a responsável por fornecer uma nova legitimidade ao mundo

conexionista. Assim como as demais cidades serviram ao capitalismo mercantil e ao industrial,

a nova cidade se insere com o surgimento de um novo espírito do capitalismo. De acordo com

Lévesque (2007, p. 55), “a corrente da economia das convenções adicionará convenções

específicas às exigências de coordenação próprias para a produção de bens e serviços”. Assim,

ela geraria convenções para a “produtividade, de desemprego, de participação e de identidade

para caracterizar as empresas e seu mundo de produção” (Lévesque, 2007, p. 55). Ainda,

segundo Lévesque (2007), os convencionalistas formulam uma teoria da organização que não

a coloca como substituta ao mercado, diferentemente dos institucionalistas. A partir desse

ponto, seria prudente observar as consequências da cidade por projeto, analisando as tramas

50

para sua legitimidade e oferecendo um novo espaço para reivindicação. Boltanski e Chiapello

(2009) apresentam como os projetos impulsionam a proliferação de redes, sem a possibilidade,

entretanto, de serem intercambiáveis (Lévesque, 2007).

De acordo com Teodósio (2008), apesar das formações em rede na contemporaneidade,

“o status do mercado como vetor estruturador de racionalidades e lógicas de ação ainda aparece

como central em vários campos de conhecimento, sobretudo nas correntes dominantes no campo

de conhecimento da ciência econômica” (p. 63).

As fontes de indignação que provocam a crítica ao capitalismo se perpetuam, sendo

divididas em quatro ordens (Boltanski & Chiapello, 2009):

a) o capitalismo como fonte de desencanto e de inautenticidade dos objetos, das pessoas, dos

sentimentos e, de modo mais geral, do tipo de vida que lhe está associado; b) o capitalismo

como fonte de opressão, porque, por um lado, se opõe à liberdade, à autonomia e à criatividade

dos seres humanos que, sob seu império, estão submetidos à dominação do mercado como força

impessoal que fixa os preços e designa os homens e produtos-serviços desejáveis ou não, e, por

outro lado, devido às formas de subordinação da condição salarial (disciplina empresarial,

supervisão intermediária dos chefes e comando por regulamentos e procedimentos); c) o

capitalismo como fonte de miséria para os trabalhadores e de desigualdades com uma amplitude

desconhecida no passado; d) o capitalismo como fonte de oportunismo e egoísmo que,

favorecendo apenas os interesses particulares, revela-se destruidor dos vínculos sociais e das

solidariedades comunitárias, em particular das solidariedades mínimas entre ricos e pobres. (p.

72)

As fontes de indignação estão vinculadas a dois tipos de crítica: a estética e a social. A

crítica estética inspira-se nas duas primeiras fontes de indignação e tem raízes no modo de vida

boêmio, por um lado, com o “desencanto e a inautenticidade, e, por outro, a opressão, que

caracterizam o mundo burguês associado à ascensão do capitalismo” (Boltanski & Chiapello,

2009, p. 72). A crítica se fundamenta na perda de sentido decorrente da “padronização e da

mercantilização generalizadas, características que atingem não só os objetos cotidianos, mas

também as obras de arte (mercantilismo cultural da burguesia) e os seres humanos” (Boltanski

& Chiapello, 2009, p. 72). A crítica estética defende contestação extrema dos valores do

capitalismo (Chiapello, 1998), enfrentando o desencanto nos processos de racionalização e

mercantilização do mundo, e sugere uma saída do regime do capital.

A crítica social vincula-se às duas últimas fontes de indignação: no egoísmo dos

interesses na sociedade burguesa e na progressiva miséria dos segmentos populares, mesmo

em uma sociedade com riquezas sem precedentes. Inspirada nos socialistas e, depois, nos

marxistas, respalda-se na moral, rejeitando a imoralidade, o individualismo e o egoísmo dos

artistas (Boltanski & Chiapello, 2007). A crítica social objetiva enfraquecer a trama dos

interesses individuais para resolver as desigualdades e a miséria. Apesar de denotarem

51

radicalismo, as “soluções para esse problema não pressupõem a cessação da produção

industrial, da invenção de novos artefatos, do enriquecimento da nação e do progresso material,

constituindo, pois, uma rejeição menos total aos moldes e às opções do capitalismo” (Boltanski

& Chiapello, 2009, p. 74).

As críticas resultam em efeitos capazes de deslegitimar os espíritos anteriores e

diminuir sua eficácia (Boltanski & Chiapello, 2009). Outra consequência da crítica é que ela

força a justificação do capitalismo em termos do bem comum, exatamente ao se opor ao

sistema. Logicamente, quanto mais forte e abrangente for a crítica, maior a intensidade das

justificações, que devem estar vinculadas a dispositivos seguros, para garantir justiça.

A construção de resposta às críticas parece fortalecer o capitalismo, na medida em que

ao se contrapor aos questionamentos, ele incorpora, nesse mecanismo, parte dos valores em

que era criticado. Há um permanente reforço das justificações e dispositivos para gerar

atualização do espírito do capitalismo, em um movimento dinâmico que não expõe o princípio

de acumulação e de ganhos, oferecendo, inclusive, satisfação à crítica.

Outro impacto da crítica estaria em uma possível captura que o capitalismo realizaria,

para fugir à exigência de reforço dos dispositivos de justiça social. Dessa maneira, as respostas

às críticas não conduziriam a dispositivos mais justos, mas “à transformação dos modos de

realização do lucro, de tal maneira que o mundo passa a ficar momentaneamente desorganizado

em relação aos referenciais anteriores e num estado de grande ilegibilidade” (Boltanski &

Chiapello, 2009, p. 63). A crítica funcionaria como um gancho para movimentar a

transformação dos modos de produção, que iriam se chocar com as expectativas dos

assalariados, o que provocaria “uma recomposição ideológica destinada a mostrar que o mundo

do trabalho sempre tem um sentido" (Boltanski & Chiapello, 2009, p. 64).

De acordo com Boltanski e Chiapello (2009), há uma retomada da crítica social depois

da perplexidade da década de 1980. As referências de exploração do marxismo praticamente

desapareceram durante os anos 1980. Paulatinamente, outras categorias foram surgindo para

enfrentar a ideia de exclusão. O movimento humanitário agiu primeiramente nessa realidade e

ressaltava o engajamento na ação e o auxílio individual com contato direto, de maneira a formar

uma longa cadeia que distanciava o lado que doava do lado que recebia a doação. Na década

de 1990, inicia-se a politização da exclusão, a partir dos novos movimentos sociais.

Consequentemente, dispositivos mais elaborados desencadeiam-se desse processo,

juntamente aos princípios de julgamento da cidade por projetos. Os novos dispositivos em rede

geram um desenho inédito de oportunismo, distinto do oportunismo comercial. A cidade de

projetos assenta-se em um mundo conexionista no qual a rede se dispõe na tensão permanente

52

entre os que são bem posicionados e os distantes do centro, ou entre os que têm condições de

mobilidade e os que permanecem fixos. Nessa trama, os atores sociais executam suas ações.

“O conexionismo seria uma condição de sociabilidade dentro de uma ordem de justiça no novo

espírito do capitalismo. Sua justificação está no estabelecimento de um projeto que arranja

indivíduos em uma rede fluída, incorporando a crítica e tornando a sociedade equilibrada”

(Pauli & Costa, 2012, p. 95), como demostra da Figura 4, que também revela fissuras,

demonstrando que o sistema pode não ser hermético e abrir brechas para possíveis

intervenções.

FIGURA 4 – Sistema de Justificação Capitalista

Elaborado pela autora com base em Polanyi (2012) e Boltanski e Chiapello (2009).

A lógica da cidade representa um modelo de justiça, e não uma exposição das situações

de mundo. As qualidades individuais para administrar o capital de relações são colocadas para

o bem comum. Porém, outra perspectiva seria que as pessoas bem-sucedidas empregariam suas

qualidades de forma egoísta para atender seus interesses pessoais. O “grande” da cidade por

projetos, denominado “integrador de redes” se difere do redeiro, ou “networker” por seu

oportunismo, já que possui as qualidades exigidas nesta cidade e as utiliza de forma egoísta.

No mundo de conexões, a mobilidade entre espaço, ideias e entre pessoas é uma

característica dos grandes, por isso formam novos elos. Os pequenos permanecem estagnados,

em um processo de exclusão que advém de uma sequência de fenômenos (Boltanski &

53

Chiapello, 2009). Desta maneira, a exploração prossegue indetectável. A mobilidade de alguns

indivíduos depende da imobilidade de outros.

O valor atribuído aos pequenos se forma a partir de seu elo com um grande, mas esse

vínculo é frágil, pois as empresas podem mudar ou os projetos se sucederem. Portanto, em

certos momentos, as pessoas ficam limitadas a mostrarem sua capacidade em outros mundos

ou inibidas em seu próprio mundo a partir de uma exploração tão intensa que atinge a sua

própria vitalidade. No anterior mundo industrial, essa força se desdobrava no esgotamento pelo

trabalho. No mundo conexionista, ela se manifesta pela privação de elos e pela incapacidade

de manter até mesmo os elos atuais, com distanciamento de amigos, rompimento dos laços

familiares ou alienação política (Boltanski & Chiapello, 2009).

Nos diferentes níveis, o mais móvel extorque mais-valia do menos móvel, em favor do

arrefecimento de sua própria mobilidade. A empresa paga um menor salário e/ou precariza as

condições em troca da ameaça de relocação e um ciclo se reforça. O diferencial de mobilidade,

portanto, representaria uma mercadoria desejada. O estabelecimento de dispositivos que

legitimem e limitem as relações de força do mundo conexionista representa um cenário otimista

e seu enfrentamento dependerá, como em outros quadros reguladores do passado, do “encontro

de vários atores com diferentes lógicas de ação” (Pauli & Costa, 2012, p. 96).

No outro lado estão os conectores de rede que elaboram projetos de justiça para o bem

comum, os quais, de acordo com Boltanski e Chiapello (2009) seriam responsáveis pela

reelaboração, por meio de suas práticas, da justificação moral do sistema econômico capitalista.

A renovação da legitimação do capitalismo social é necessária, pelo desgaste gerado pelas

críticas artística e social articuladas pelos movimentos sociais. A crítica social teria atacado as

promessas de igualdade e distribuição da riqueza e a crítica artística denunciado o modo

precário do trabalho na sociedade contemporânea. A partir da incorporação dessas críticas, o

capitalismo se renova apresentando soluções. O trabalho flexível, por exemplo, foi uma

resposta à crítica artística ao modo de produção fordista (Pauli & Costa, 2012).

O sistema de justificação necessitaria, no mundo contemporâneo, de argumentos

suficientemente fortes para manutenção de seu poder mobilizador, pois o princípio da

acumulação não mais conseguiria gerar um efeito positivo (Pauli & Costa, 2012). Esse motor

de sobrevivência e transformação torna o capitalismo um sistema potente, incentivando o risco

e a permanente reinvenção, o que garante sua continuidade apesar das mais severas crises.

Proponho, na próxima seção, discutir a economia da partilha a partir desses debates sobre a

NSE, entendendo que ela pode reforçar, em alguns contextos, essa dinâmica de justificação

capitalista em contextos contemporâneos.

54

2. Economia da Partilha: a conexão pelo acesso

O exercício de partilha dentro do modelo capitalista de produção, centrado no acúmulo

e posse de mercadorias é, à primeira vista, uma controvérsia. Seria o triunfo da cooperação

sobre o autointeresse (Benkler, 2011). O sharing colocaria em questionamento as práticas de

consumo e a posse dos objetos (Vasques, 2015). O sistema, caracterizado por era do acesso

(Rifkin, 2001) ou consumo baseado no acesso (Bardhi & Eckhardt, 2012b), compõe-se de

sujeitos que optariam pelo acesso ao invés da propriedade dos bens (Belk, 2014; Vasques,

2015).

Compartilhamento e propriedade são práticas socialmente construídas, imbuídas de

valores e princípios culturais e perpassadas por relações humanas, sendo que podem ocorrer

restrições e sanções sociais sobre a partilha ou sobre a posse (John, 2013; Siebert, 2013; Belk,

2016; Price & Belk, 2016). Sob a ótica de Belk (2010), a partilha proporcionaria a união entre

as pessoas. Seria uma forma admirável de conexão, visto que se cria sentimento de

solidariedade. Como discute Bauman (2008), a solidariedade contribuiria para se superar o

consumismo na sociedade contemporânea.

A conexão com outras pessoas criaria um senso de comunidade, aproveitamento de

recursos e esforços e sentimento de solidariedade, compartilhando não só o produto, mas o senso

de propriedade conjunta (Belk, 2007; Hammarberg & Wong, 2011). Na perspectiva do marketing

e a relação de consumo, “em vez de comprar e possuir coisas, os consumidores querem ter acesso

aos bens e preferem pagar pela experiência de acessá-los temporariamente” (Belk, 2010, p.3). A

posse não seria mais uma exigência primordial, pois estariam interessados na partilha quando

esta minimiza os custos e maximizam os benefícios (Lamberton & Rose, 2012; Rifkin; 2014).

Em Sennett (2012), a cooperação seria um lubrificante para a máquina de efetivação dos

fenômenos, a partilha que garantiria a compensação das carências individuais. A cooperação

seria intrínseca ao ser humano, mas, para o autor, precisaria ser desenvolvida e enraizada. Ela

ultrapassa a questão ética em relação ao outro e seria fundamental para a prosperidade da

sociedade.

O compartilhamento seria a forma mais elementar de distribuição econômica em

sociedade (Price & Belk, 2016), sendo a transformação de antigas formas de trocas em um

modelo econômico contemporâneo (Béchaux, 2014). Olson (2002) defende que os grupos se

estabelecem em busca de autoexpressão e segurança dos seus membros. Botsman e Rogers

(2011) afirmam que neste século os indivíduos são definidos pela reputação, comunidade, o

que se pretende acessar, maneira como se compartilha e o que se doa. Estaria ocorrendo uma

55

mudança de valores na qual as pessoas tendem a encontrar formas de melhor explorar o que

compraram, ou deixaram de comprar, mais conscientizadas de que o materialismo do

hiperconsumismo teria levado ao empobrecimento do relacionamento com as pessoas e o

planeta, o que provocaria a intenção de recriar comunidades fortes. Por diversas formas, a

economia colaborativa apresenta a ideia de movimento, sendo condição inerente a mentalidade

de ação coletiva.

Uma nova economia deveria relacionar sociedade, natureza, economia e ética, em uma

produção que desenvolva bens para indivíduos, suas comunidades e territórios (Abramovay,

2012). A discussão sobre sustentabilidade urbana indica diversos pilares da justiça ambiental,

que não deveriam ser estruturados sem considerar um novo modelo de produção do espaço,

que garanta, além do consumo harmonioso e equitativo dos recursos, o direito ao território

(Laschefski, 2013) com justiça social. Quando o desenvolvimento tem caráter endógeno, as

pessoas manifestariam suas habilidades rumo à autorrealização, por meio de “esforços

coletivos e individuais, combinação de trabalho autônomo e heterônomo e de tempo gasto

em atividades não econômicas” (Veiga, 2005, p. 87).

A base da teoria de consumo, para Pinto e Lara (2011), seria a maneira com a qual ela

articula as questões frente à forma de organização da sociedade. Em decorrência, vem surgindo

uma multiplicação de tipos de consumo com base na partilha. O acesso aos bens e serviços é

conduzido pelo compartilhamento ou agrupamento de recursos integrados por meio da

tecnologia e das relações entre comunidades (Belk 2013; Botsman & Rogers 2011; Gansky

2010; Bardhi & Eckhard, 2012a). Nesses sistemas, a propriedade não seria mais o objeto de

desejo final (Chen, 2009; Marx, 2011), embora ela continue a existir. É possível os dois

sistemas conviverem, sendo menos provável que a partilha substitua o mercado (Rifkin, 2001).

A transição para estilos de vida e consumo mais sustentáveis, como na partilha, não estaria

vinculada a rupturas com aspectos socioculturais em voga, podendo ambos conviverem de

forma interdependente (Vasques, 2015). O uso compartilhado pode favorecer alternativas de

consumo proporcionadas por relações sociais e interações com produtos e serviços

ambientalmente e socialmente assertivos e mais sustentáveis que o consumo individualista

(Bardhi & Eckhard, 2012a).

O que parece ressaltar o crescimento do modelo da partilha é sua reinvenção acelerada

pela conexão em rede e em tempo real, que favorece a interação entre pessoas, empresas e grupos

de interesse (Sastre & Ikeda, 2012; Belk, 2013). A ascensão da tecnologia digital e da Internet

fez com que os custos de informação diminuíssem, bem como os esforços de coordenação da

prática de partilha. As tecnologias digitais “atenuam a opacidade dos mercados e aprofundam a

56

análise do ciclo de vida e do fluxo material e energético da produção social”. (Abramovay, 2012,

p. 161). Esse movimento desencadeou a aceleração de atividades de compartilhamento on-line,

ultrapassando os limites das comunidades, o que amplia o volume e a troca de informações,

transformando a maneira de lidar com a posse (Gansky, 2010). Para Tonkinwise (2014), o que

impulsionou o desenvolvimento desse sistema foi a redução dos riscos do compartilhamento,

na medida em que se tem mais acesso às informações, empresas e mercados.

O impulso da larga produtividade que move a economia, somado à investida da Internet,

direcionam a sociedade a uma era de bens e serviços que fluem livremente, com custo marginal

zero, gerando encolhimento do capitalismo e a ascensão dos bens colaborativos (Rifkin, 2014).

As vantagens das novas tecnologias, como o comércio online e os aplicativos, comportaram o

desenvolvimento de outras formas de consumo baseados na partilha, mais complexas do que

as atividades rotineiras. O novo consumo que surge apoiado nas novas tecnologias faz com que

a colaboração menos mediada pelo mercado seja mais valorizada (Vedana & Brei, 2016), o

que pode estar levando a uma revalorização do compartilhamento e do sentido em comunidade.

Dessa forma, “somente neste novo cenário (valorização de experiências ao invés do custo

da propriedade; Internet pervasiva; reprodução de modelos econômicos do exterior; crise

econômica; potencial econômico percebido pelas empresas; custo marginal zero)” que a

economia da partilha manifestou força e ganhou escala (Vasques, 2015, p. 93). Para alguns, a

economia da partilha parece demarcar um contexto temporal de mudança de paradigma

(Morlighem, 2014), que introduz uma sociedade conectada, com mentalidade interativa e

colaborativa, em um conjunto de propostas para um modelo econômico para atender demandas

da sociedade (Ramalho & Silva Júnior, 2016).

A sociedade da informação em rede tende a ampliar a esfera não mercantil de serviços

úteis para a vida social e, ao mesmo tempo, promover um rompimento entre as atividades

livremente cooperativas daquelas organizadas em função da obtenção de ganhos privados. “As

fronteiras entre negócios e sociedade civil tornam-se fluidas” (Abramovay, 2012, p. 80).

Nesse sentido, parece estar emergindo uma economia com base na partilha (Parente et.

al., 2018), sobretudo a partir das trocas entre pessoas, e não mais de empresas para clientes

(Owyang, Tran & Silva, 2013). Esse paradigma passaria a redefinir as relações entre

vendedores e compradores, expandindo modelos de transação e consumo e gerando impactos

nos modelos de negócios. É possível que, futuramente, muitas empresas venham a ter mais

vantagens com o acesso temporário do que com a venda de mercadorias (Vedana & Brei,

2016). A economia da partilha envolve, por esta visão, um estilo de vida alternativo à

propriedade.

57

A economia da partilha pode ser entendida, sob a perspectiva dos usuários, em um

movimento de acesso a recursos materiais e simbólicos em detrimento à compra de um bem

novo, o que sugeriria diminuição do impacto na produção, mas não no consumo. Sob a

perspectiva dos produtores/fornecedores, a economia da partilha favorece o acesso mais direto

ao mercado consumidor, por meio dos sistemas da partilha, o que pode eliminar alguns

intermediários do processo tradicional de venda ou mesmo criar novos modelos de negócios.

Em ambas as vias, há uma transição para estilos de vidas mais sustentáveis.

As Figuras 2 e 3 demonstram as perspectivas da economia da partilha de acordo com o

estudo bibliográfico, em uma ideia de confluência entre as leituras de distintos campos do

conhecimento. As bases teóricas da tese estão representadas nos pilares da NSE, Economia da

Partilha e Direito à Cidade como fecho interpretativo (discutido à frente).

No círculo externo, reforço a ideia de que o sharing é multifacetado, ou seja, nele

coexistem diferentes sistemas – do mais comunitarista ao mais mercadocêntrico – cujas relações

se dão por associações temporárias – que se formam por interesses comuns em um contexto,

formando um sistema de hibridização. Outros construtos formam esta mandala, na perspectiva

do indivíduo (Figura 5), que envolve e questiona os níveis de uso e propriedade, a

sustentabilidade proporcionada pelas iniciativas de partilha, o espírito gregário e a confiança, a

desigualdade que permanece no sistema de partilha, o acesso e o autointeresse.

Na perspectiva do produtor/fornecedor (Figura 6), os construtos que formam e

questionam esse sistema são a formação de comunidade em torno de empresas ou interesses,

novos estilos de negócios criados a partir da partilha, as condições de trabalho que muitas vezes

tendem à precarização, além do custo/ nível de envolvimento que é possível estabelecer, como a

posse individual compartilhada de um bem, posse coletiva compartilhada, ou compartilhamento

de bem fornecido por terceiros, entre outras.

58

FIGURA 5 – Economia da Partilha: Abordagem estudada na Tese

Perspectiva do Indivíduo

Elaborado pela autora.

FIGURA 6 – Economia da Partilha: Abordagem estudada na Tese

Perspectiva do Produtor/Fornecedor

Elaborado pela autora.

59

Conforme apresentam as perspectivas acima, na abordagem estudada na tese, a partilha

nas cidades se baseia em coexistência de motivações, hibridização de interesses e associações

temporárias de pessoas e grupos para efetivação das trocas e ideias. Entendendo que são

propostas mais sustentáveis ao questionarem a propriedade, a partilha tem trazido novos estilos

de negócio que se baseiam em acesso, compartilhamento, colaboração e troca, não

necessariamente mediados completamente por valores monetários. Essas novas configurações

têm implicações para as estruturas de mercado e colocam as condições de trabalho em

questionamento, pois podem esconder a exploração e ampliar a desigualdade.

Apesar de suas práticas apresentarem concepções que fogem à lógica estritamente

financeira da maximização individual de rendimentos, críticas reverberam que os pilares da

economia tradicional permanecem. O valor social seria minimizado frente à possibilidade de

ganhos individuais por meio da ampliação do acesso, e não necessariamente da partilha

(Eckhardt & Bardhi, 2015), o que reforçaria a essência do sistema de acumulação hegemônico.

Essa visão crítica é discutida a seguir, contrapondo alguns argumentos expostos no início

deste tópico. As discussões assinalam que a economia da partilha é um fenômeno híbrido, que

envolve motivações ora mais gregárias e comunitaristas, ora mais funcionalistas,

mercadocêntricas e economicistas, e que encobre, em muitos momentos, seus dilemas, lógica de

exploração e de segregação.

2.1 Contradições da Partilha

Reconstituir o cenário pré-revolução industrial, das pequenas cidades em que se trocavam

produtos por serviços, é o que esperam alguns dos defensores da partilha. Na verdade, o sharing

não seria novo, na medida em que sua ocorrência remonta as antigas civilizações. Então, por que

tanta atenção para esse “recente” movimento econômico e social? Seria mais uma vez uma

armadilha do jogo capitalista para envolver mercados e seus componentes em uma onda de utopia

coletiva, regulada pela transparência e cooperação econômica, mas que reforçaria o

individualismo e a posse, exatamente por podê-los compartilhar com outrem?

O movimento de compartilhamento vem apresentando uma expansão recentemente no

Brasil, constituindo-se como uma área que tem atraído investimento, o que indica ser a partilha

um importante fator para a discussão de negócios no mundo de hoje (Gansky, 2010; Botsman e

Rogers, 2011; Vaquero e Patricia, 2013; Schulist, 2012).

60

2.1.1 A contradição da delimitação

A análise das armadilhas da partilha tem como ponto de partida os conflitos de

significado do termo e suas delimitações, que seriam complexas de precisar (Bardhi &

Eckhardt, 2015). Economia do compartilhamento é um termo muito utilizado, sobretudo em

ambientes digitais. Todavia, de acordo com Chandler (2016), há desconhecimento por parte

dos indivíduos, possivelmente pela variedade de serviços que envolvem a terminologia. As

propostas de Felson e Spaeth (1978) e Botsman e Rogers (2011) são criticadas por Belk (2013)

devido à amplitude. Por abarcarem muitas atividades, geram confusão e questionamento. Belk

(2013) delimita o consumo colaborativo como sendo a ação de indivíduos que adquirem e

distribuem um recurso por meio de uma pequena quantia ou outra compensação, como ocorre

no escambo ou na troca, desde que não contemplem transferência permanente de propriedade.

Dessa forma, exclui-se a partilha não-monetária, onde não há recompensa envolvida na

transação.

Belk (2014) acredita que o consumo colaborativo ocupa um lugar entre o

compartilhamento – composto por práticas altruístas – e as trocas de mercadorias – que, por

sua vez, são mediadas por dinheiro – contendo elementos de ambos (Vasques, 2015), indicando

que as empresas que atuam nesta perspectiva adotam associações de interesses pessoais e

altruísmo. Assim sendo, Belk (2014) propõe o pseudo-sharing ou pseudo-partilha, se referindo

a práticas em que há motivações mediadas pelo lucro, expectativas de reciprocidade e pouco

sentimento de comunidade, o que o torna sinônimo de consumo colaborativo (Vasques, 2015).

Belk (2007) postula que o compartilhamento só seria possível em caso de posse, e

envolveria práticas relacionadas a bens intangíveis e tangíveis. A propriedade poderia

acontecer sob a modalidade individual ou coletiva, em se tratando de uma comunidade. Não

incluiria, dessa forma, os bens públicos, que são de uso irrestrito (Vasques, 2015).

O termo consumo colaborativo foi popularizado por Botsman e Rogers (2011), que o

descrevem como uma maneira de acomodar necessidades e desejos de forma mais sustentável

e atraente, com baixo ônus para o indivíduo. Esse tipo de consumo é denominado P2P (peer to

peer), denotando uma transação sem intermediários, na qual um interessado contata

diretamente o proprietário de um bem, por meios digitais e virtuais. O compartilhamento, para

Tukker (2004), deve ser distinguido de outras práticas de uso de produtos, como uma forma de

uso contínuo do mesmo produto por diferentes pessoas. Por outra via de análise, sharing é uma

prática ativa constitutiva das relações sociais (John, 2013).

61

The mesh é a definição de Gansky (2010) para abarcar essa malha ou rede composta

pelos negócios compartilhados, mediados por plataformas virtuais, em que o acesso substitui

a posse. Por ser um negócio temporário, como aluguel ou trocas, a estratégia seria

comercializar o mesmo produto diversas vezes, multiplicando o lucro.

Consumo conectado foi a expressão cunhada por Schor e Fitzmaurice (2015) para

enfatizar as dimensões sociais e digitais. Refere-se à gama de práticas antigas de partilhamento,

agora renovadas, cujas características centrais são a capacidade de economizar ou ganhar

dinheiro, fornecer aproximação entre usuários, reduzir a pegada ecológica e de carbono e

fortalecer os laços sociais.

O termo economia híbrida é usado para defender uma junção entre uma parte capitalista

e outra colaborativa (Rifkin, 2014; Scaraboto, 2015). Para Abramovay (2014), a economia

híbrida modifica a maneira de funcionar das empresas. Entre a Internet e a economia

colaborativa, esvaem-se as fronteiras que dividem o público e o privado na vida econômica.

Afirma que parte crescente da oferta de bens e serviços se faz de forma aberta e colaborativa,

sem intermediação de organizações privadas. “É a mistura entre colaboração social e economia

privada que forma a base da atual economia híbrida” (Abramovay, 2014, p. 109).

Os sistemas de compartilhamento comercial são definidos por Lamberton e Rose

(2012) como práticas que abrangem uso de recursos financeiros. Os usuários teriam a chance

de usufruir dos benefícios, sem comprar o produto. Alguns autores distinguem os termos

compartilhamento e colaboração (Vedana & Brei, 2016). No consumo compartilhado, os bens

seriam utilizados por várias pessoas, sendo um ato e processo de distribuir (Belk, 2007; 2010),

ter algo em comum com alguém; enquanto que no consumo colaborativo, as pessoas

participariam pelo menos de alguma fase de sua produção, fazendo com que o bem (tangível

ou não tangível) seja um produto coletivo, do qual todos usufruem (Botsman e Rogers, 2011).

Vasques (2015, p. 110-111) propõe uma definição ampla, entendendo o uso

compartilhado como uma “escolha contrária ao uso individual e exclusivo de objetos que se

alicerça em motivações diversas, permeadas por necessidades, ideais e valores, sejam eles

econômicos, ambientais, sociais, entre outros”. Chandler (2016) explica que nomes

alternativos são usados para esse fenômeno, como gig economy (economia de freelancers, ou

popularmente conhecida como “bico”), economia de plataforma (meio que permite que outros

se conectem a ele), economia de acesso e consumo colaborativo.

Logo, compartilhamento (Belk, 2007, 2014; Price & Belk, 2016), consumo colaborativo

(Felson & Spaeth, 1978; Botsman & Rogers, 2011; Belk, 2014), consumo baseado em acesso

(Bardhi & Eckhardt, 2012b; Belk, 2014), sistemas comerciais de compartilhamento (Lamberton

62

& Rose, 2012), the mesh (Gansky, 2010), consumo conectado (Schor et. al., 2014; Schor &

Fitzmaurice, 2015) e acesso/experiência (Chen, 2009) são termos empregados para explanar

conceitos e práticas da economia da partilha. Estudos atuais buscam esclarecer as especificidades

dessas visões (Price & Belk, 2016). O consenso em relação a uma taxonomia permanece fora do

alcance, considerando-se a abrangência da expressão e da prática da partilha (Vasques, 2015).

2.1.2 A contradição econômica

Controvérsias também surgem quanto à existência ou não do mercado nas transações

de sharing. Essas práticas romperiam as barreiras de distribuição e riqueza, contrapondo ao

sistema tradicional economicista? Em sua definição principal, Belk (2013) não cita o mercado

mediando o acesso aos bens. Em Bardhi e Eckhardt (2012b), não seria possível falar em posse,

mas em acesso, que poderia, na visão das autoras, ter participação do mercado como mediador

das relações comerciais. Price e Belk (2016) chegam a afirmar que está ocorrendo

"sharewashing" (p. 193), com empresas de mercado forçando sua participação na economia do

compartilhamento, onde a venda ou a troca de serviços é promovida como partilha.

A discussão em Rifkin (2014) concentra-se no desenvolvimento da economia da

partilha como responsável por abalar o capitalismo. A sociedade estaria caminhando para o

pós-consumo, onde a propriedade deixaria, puramente, de interessar. O desmoronamento dos

custos marginais estaria provocando uma economia híbrida, composta em parte pelo mercado

capitalista e parte pela colaboração, a collaborative commons, com implicações de longo

alcance para a sociedade.

Eckhardt e Bardhi (2015) advogam que a economia da partilha não é realmente uma

partilha econômica em todos os espectros. Ela seria uma economia de acesso, uma forma de

troca social que acontece entre indivíduos conhecidos, sem qualquer lucro envolvido na

transação. Partilha é uma prática comum e cultural, que perfaz aspectos particulares da vida

em sociedade, como ocorre dentro da família. A partir do momento em que a partilha é mediada

pelo mercado – com uma empresa funcionando como intermediária – o conceito de partilha se

desfaz. “Em vez disso, os consumidores estão pagando para acessar os bens ou serviços de

outra pessoa por um determinado período de tempo. É um intercâmbio econômico, e os

consumidores buscam valor utilitário, e não social” (Eckhardt & Bardhi, 2015, p. 2).

Estudos de Bardhi e Eckhardt (2012b) demonstram que o consumo baseado no acesso

é diferente da propriedade. Os usuários, ao acessarem bens, não sentiriam qualquer senso

63

psicológico de posse. Embora empresas como a Zipcar (compartilhamento de automóveis),

objeto do estudo das autoras, tentem construir uma comunidade da marca, as pessoas não

almejam por este atrelamento. Eles preferem ser livres para escolherem baseados na relação

custo/benefício e optar pela melhor proposta entre as existentes. Pretendem se envolver com a

marca apenas como prestadora de serviço. A confiança, lema tão difundido na economia da

partilha, é traduzida pelos usuários como um fator positivo, desde que seja relacionada com a

vigilância. Ou seja, um serviço mais vigiado (e/ou punitivo a quem foge às regras) é a

comprovação de maior confiabilidade e garantia na prestação do serviço. Essa seria a maneira

de o sistema trabalhar de forma eficaz, na medida em que os usuários não confiam uns nos

outros para compartilhamento sem a fiscalização. Portanto, não haveria romantismo em torno

da ideia de confiança motivada altruisticamente. Quando todos estão visando seu próprio

interesse, não se conectam, efetivamente, aos bens, pessoas ou empresas que acessam.

Essa compreensão implica os usuários estarem mais interessados em custos e

conveniência do que em interação com empresas e comunidades. Dois elementos-chave são

fundamentais para o funcionamento da economia de acesso (Eckhardt & Bardhi, 2015): 1) a

competição entre fornecedores não depende da capacidade de geração de comunidade ou

interação social. Os indivíduos querem fazer compras inteligentes e empresas de economia do

acesso permitem essa conduta, já que oferecem comodidade e preço baixo. 2) pessoas pensam

(e agem) sobre o acesso de forma diferente em relação à propriedade. O fato de acessar

temporariamente consente permear identidades, sem gerar vínculo, pois podem rejeitar aquela

adesão a produtos e práticas quando quiserem. Diferente de posse de um produto, que compõe

a identidade do sujeito, e sob o qual ele quer manter vínculo e estabelecer comunidade com

seus pares. Os usuários não parecem procurar valor social em trocas com estranhos.

O impacto desse movimento chegou à instância dos grandes negócios, gerando aspectos

conflituosos. As atividades poderiam competir com atividades formalmente organizadas, o que

criariam provocações para as disposições regulamentares existentes. É o caso de serviços como

o compartilhamento de automóveis, que impactaram sistemas de transporte no mundo inteiro,

colocando em xeque cartéis e controladores de transporte. Entretanto, são sistemas que

colocam em dúvida o bem-estar dos cidadãos e trabalhadores de serviços de diversas formas.

Esse fator produz pressão sobre os prestadores de serviços de plataforma e decisores políticos,

em busca de solução para esses dilemas. A mercantilização dos processos colaborativos

preocupa de forma crescente pesquisadores e ativistas (Bernholz et al, 2013, Abramovay,

2014).

64

Em virtude desse processo, algumas dessas empresas estão capitalizando e se tornando

corporações fugindo de regulamentos e cobrança de impostos (Baker, 2016), cenário que

parece estar sendo alterado diante das pressões sociais. O sistema da partilha pode gerar

armadilhas que se escondem atrás das bandeiras de sustentabilidade, cooperação e da ideia de

comunhão.

2.1.3 A contradição da sustentabilidade

O uso compartilhado ganhou força pelo caminho da sustentabilidade, na medida em

que promove o uso intensificado do produto. O impacto ambiental é reduzido por evitar o

consumo de um novo produto. Dessa maneira, ocorre a otimização da vida útil (Manzini &

Vezzoli, 2002; Tukker, 2004; Costa, 2014; Vasques, 2015). Percebe-se o poder da colaboração

para mudar estilos de vida, sendo a sustentabilidade uma das suas consequências (Ornellas,

2012). Pensamento sistêmico e circularidade na questão ecológica e nos sistemas econômicos

estão enraizados na transformação do conceito da economia circular, Reike et. al. (2018)

defendem que isso implicaria o potencial para induzir uma mudança transformadora na

sustentabilidade.

Seguindo essa lógica, há benefícios se o produto é descartado por seu uso excessivo,

ou seja, ele se torna desgastado e envelhecido. Essa ideia se choca com a lógica consumista da

acumulação, que visa a posse descontrolada de bens, muitas vezes para uso mínimo, sendo o

produto rejeitado por sua obsolescência. Se, por um lado, a substituição desses produtos por

outros mais novos e ecoeficientes pode ser interessante porque traz uma possível eficiência

energética (Roy, 2000), por outro lado, há um aumento na circulação de produtos, isto é, no

consumo. Se não há necessidade da sua substituição, portanto, a dinâmica capitalista não

acontece. Instigar a troca é um estímulo do próprio sistema, que pode incentivar o uso ampliado

do produto para acelerar sua troca breve.

Tonkinwise (2014) destaca o problema da escala no compartilhamento de produtos,

questionando a sustentabilidade do sistema. Esse serviço depende da proximidade geográfica

entre os que oferecem e os que demandam, para ser viável. Há a ampliação do consumo por

parte daqueles que montam negócios de compartilhamento, que comprariam mais produtos

com o objetivo de compartilhá-los e ganhar dinheiro com as transações. Um exemplo é o

crescimento dos aluguéis e compras de automóveis de motoristas que iniciam sua jornada em

empresas como Uber, Cabify etc. Com o crescimento do mercado, o impacto ambiental

65

aumentaria, pois ocorreria maior demanda por matéria-prima, aumento da poluição e, neste

caso citado, sérios impactos na mobilidade urbana.

Passar da “busca de mais (em termos de produção e consumo [...]) para o paradigma do

melhor, ou seja, melhorar a qualidade de vida sem aumentar o consumo, representa uma mudança

radical. É trocar o crescimento econômico, como objetivo maior, pela sustentabilidade”

(Bursztyn & Bursztyn, 2012, p. 64). Os autores defendem que antes disso, a sociedade deveria

buscar solucionar dilemas como: contradição entre produtivismo e sustentabilidade; a

conciliação de necessidades sociais com a conservação ambiental; resolução de conflitos de

escala mundial x local; e a solidariedade, que deveria sobressair frente à lógica autointeressada.

(Bursztyn & Bursztyn, 2012).

Laschefski (2013, p. 157) reforça que “a pegada ecológica da sociedade moderna está

mais alta do que nunca e os indivíduos, inseridos num sistema de produção e reprodução de

abrangência global, jamais foram tão dependentes dos recursos materiais”. Este autor defende

que o mercado levaria à “abstração das relações socioespaciais, ofuscando, assim, a base de

reprodução material da sociedade moderna, tornando-a invisível aos seus integrantes

individuais” (p. 157). As iniciativas de educação ambiental para conscientização dos cidadãos

sobre o consumo, seriam insuficientes para atingir alguma forma de sustentabilidade, frente às

relações socioespaciais (Laschefski, 2013).

2.1.4 A contradição social

Por detrás dessas bandeiras, de forma sutil, o consumo colaborativo pode se apropriar

da ideia de coprodução, formando uma maneira de distribuir o trabalho ao longo da cadeia.

Uma atividade que era responsabilidade da indústria passa a ser “compartilhada” com os

demais integrantes da cadeia do produto, sobretudo com o usuário. O discurso é de participação

e construção coletiva da ideia, ou mesmo de personalização, de forma que o produto possa

ficar “com a cara” do indivíduo a partir de seu envolvimento no processo produtivo. Entretanto,

o que ocorre é um repasse de trabalho e de responsabilidade.

Novas tecnologias de softwares permitem que quase todo trabalho possa ser

decomposto em tarefas unitárias, que podem ser distribuídas para trabalhadores variáveis,

espalhados em locais dispersos, cujo pagamento é vinculado à demanda existente por aquela

tarefa, naquele momento. Clientes e profissionais mantém contato por plataformas virtuais e

as moedas de troca envolvem a qualidade, reputação e confiabilidade. Dados esses que, muitas

66

vezes, são manipulados pelo próprio site/sistema, deixando visíveis apenas os comentários

positivos, omitindo ou escondendo as críticas e pontuações negativas de serviços ou

profissionais.

O termo ‘uberização do trabalho’ (Davis, 2016; Slee, 2016), criado para expor essa

decomposição do trabalho em tarefas que podem ser distribuídas ao longo da cadeia de

produção, inclusive para o próprio usuário, resume a finalidade de diminuir ou eliminar os

custos para o empregador e, ao mesmo tempo, aumentar sua produtividade. O termo é

decorrente do aplicativo de transporte Uber, uma das empresas de compartilhamento mais

ressonantes na contemporaneidade, cujo modelo de negócio revela um novo estágio da

exploração, no qual as garantias dos trabalhadores são negligenciadas, bem como as formas de

controle, gerenciamento e expropriação do trabalho. Nesse sistema, o grande lucro fica com as

empresas proprietárias dos softwares, conduzindo a uma precarização do trabalho. O

empregador, desta vez na história, nem precisa entender da tarefa ou saber contratar bons

profissionais. A manutenção da plataforma em funcionamento já basta para seu sucesso.

Nesse ínterim, o novo trabalho por empreitada transfere os riscos para os trabalhadores,

o que elimina a mínima garantia trabalhista. O sharing seria equidade ou uma forma de

exploração do trabalho? É uma prática que pode precarizar o trabalho legalizado e gerar

competição desleal? A dita flexibilidade levaria ao labor em excesso, em qualquer horário, em

troca de pagamento mínimo, preenchendo o tempo ‘ocioso’ da vida pessoal. Ocorre uma

monetização do tempo ocioso (Sundararajan, 2013; Molesworth, Watkins & Denegri-Knott,

2016), onde o obstáculo é descobrir modos de tornar os trabalhadores mais eficientes. O tempo

e o acesso dos sujeitos, na condição de seres sociais, parecem cada vez mais mediados por

relações monetárias. A materialidade de origem do capitalismo se transforma em simples

temporalidade.

O maior desafio seria, de fato, fazer uma distribuição mais justa da renda obtida com

as atividades. Sob este ponto de vista, a economia da partilha representa um retrocesso. A

partilha favoreceria somente seus grandes manipuladores. O outro lado do jogo reflete a

erosão dos direitos vinculados ao emprego (Schor, 2014), a supressão de benefícios e a

transformação de sujeitos em empresários independentes que deverão constituir-se marcas

fortes, mesmo que não possuam base para relacionamento de laços fortes (Granovetter, 1973)

que possam suportá-los. O sistema amplificaria, desta forma, os graves excessos do modelo

econômico hegemônico.

67

2.1.5 As contradições do acesso, da participação e do ambiente local/global

Em outra via de análise das contradições da economia da partilha, questiona-se: o

debate poderia estar entre a dicotomia do acesso livre e do acesso limitado? Isto é, o acesso aos

bens tangíveis e não-tangíveis (Belk, 2007; Bardhi & Eckhard, 2012), rivais e não-rivais

(Abramovay, 2012) poderia ser um foco de questionamento. De acordo com Belk (2007), os

bens intangíveis envolvem serviços, conhecimentos, habilidades, experiências, entre outros,

enquanto que os bens tangíveis incluem os objetos, as mercadorias. A diferença de percepção

e/ou engajamento dos indivíduos na ideia da partilha pode estar no compartilhar algo que está

disponível para todos (como uma música em serviço streaming) e o compartilhar um produto

ou serviço que, sob uso individual, não está disponível para outro usar (como um carro ou um

telefone). Até que ponto a cultura da posse poderia ser superada, na medida em que se aceita

compartilhar algo para todos usarem ilimitadamente, ao passo que, quando o acesso se torna

limitado, o compartilhamento se torna uma postura um tanto quanto dificultadora.

Outra questão relevante é a falta de acesso às informações das mundiais empresas de

compartilhamento. Divulgam dados sobre eficiência, sobre reputação ou sobre a felicidade de

seus “associados”, mas não há como comprová-los. Por não serem companhias de capital

aberto, podem usar os dados a seu favor. Além disso, contratam pesquisas e estudos e divulgam

às mídias, que espalham o discurso promissor da partilha; porém, não há acesso às bases de

dados, sendo os relatórios, muitas vezes, enxutos ou reduzidos a um release para a imprensa.

Outro dilema, do ponto de vista do sujeito, é a relação entre imagem e identidade. O

acesso temporário viabiliza novas maneiras de marcar posições do usuário frente a seus grupos

de convívio, mediante a possibilidade de exibição de um produto de status mais caro, moderno

ou sofisticado. O brechó, sobretudo os de marcas famosas, pode ser uma maneira de ostentar

um luxo que o sujeito não teria condições de pagar, abrindo uma fissura no consumo de luxo

(Sastre & Ikeda, 2012). Em vez de repensar o consumo e questionar o valor muitas vezes

abusivo que as marcas cobram por suas peças, o indivíduo encontra no brechó um caminho

para a aquisição de uma peça com a etiqueta da loja de marca, reforçando seu aspecto

simbólico.

Nota-se que esse novo movimento de partilha tem outros ares se comparado às

tradicionais práticas de colaboração. A partilha atual é a do excesso, a partilha daqueles que

têm, dos que optam por este ato e escolhem o que partilhar. Mas, ao partilhar, que eu também

ganhe com isso. Quero fazer parte do sistema. Nesse ponto há um mérito, o da participação,

pois ocorre um engajamento das pessoas, de alguma forma, para construção de um sentimento

68

gregário. Talvez nessa questão a partilha atual se diferencie da partilha tradicional, que, por

sua vez, era mais solidária, com menor expectativa de reconhecimento, e que, muitas vezes, se

dava por necessidade, como instinto de sobrevivência. O modelo atual de partilha parece

reforçar a retórica persuasiva da agenda das cidades, de forma que as ações e decisões

corroborem com a postura hegemônica da visão de cidade (Santos, 2007), ou seja, a que tem

potencial para investir em novos projetos e consumir produtos e serviços locais, mesmo que

façam parte de um sistema global.

Uma pesquisa de alcance mundial, realizada pelo instituto Nielsen (2014), revelou que

68% dos respondentes estão dispostos a compartilhar ou alugar bens pessoais, enquanto 66%

estão predispostos a usar produtos ou serviços de outros indivíduos em uma comunidade.

Ressalta-se que a pesquisa foi on-line, permitindo participação apenas às pessoas com acesso

à rede. Apesar da aparente postura favorável, é necessário entender as motivações que levam

à partilha. Há o aspecto da ampliação da interação social e da troca entre pessoas e

comunidades, além da perspectiva do ambientalmente correto. Mont (2004) alega que o uso

compartilhado não teria aceitação por algumas pessoas, pois dependeriam de sistemas

organizacionais precedentes, da maneira como são tencionados e do contexto sociocultural em

que ocorrem. Em alguns países a motivação pode ser comunitarista, em outros, financeira ou

ambiental. A diferença cultural também reflete o significado do compartilhamento na vida dos

sujeitos, que pode estar associado a baixo poder aquisitivo ou problemas financeiros. Ressalto,

aqui, que boa parte dos estudos abordados são internacionais, tratando, portanto, de outra

realidade social se comparada ao contexto brasileiro. Pouca discussão sobre a economia da

partilha foi publicada localmente.

De acordo com Roose (2014), o interesse que sobressai entre as pessoas que

compartilham é financeiro. Elas querem compartilhar porque por meio dessa iniciativa elas

podem economizar (Sastre & Ikeda, 2012) e serem mais práticos. O compartilhamento é

funcional. Em vez de, por exemplo, pagar por taxas de hotéis, o usuário tem acesso ao mesmo

serviço – hospedagem – de forma mais simplificada. O compartilhamento pode ser mais

prático, simples, direto (Eckhardt & Bardhi, 2015). Sacks (2015) afirma que os usuários

tendem a se engajar à colaboração por permitir o acesso por custos mais baixos.

Botsman e Rogers (2011) defendem que a colaboração não é motivada apenas por

economia de custos, já que esses hábitos de consumo se iniciaram antes da crise financeira de

2008. Os autores, porém, reconhecem que a necessidade econômica tornou as pessoas mais

propensas a aderir a novas formas de acesso. O crescimento nos custos de aquisição e

conservação de bens, a instabilidade nas relações sociais e as incertezas no mercado de trabalho

69

tornaram a posse um modo de consumo mais difícil. As pessoas estariam reavaliando hábitos

de consumo e repensando valores (Bardhi & Eckhardt, 2012; Vedana & Brei, 2016).

Renunciar à propriedade para o engajamento no acesso pode representar uma via

reflexiva de indicação a um acesso mais sustentável ou como alternativa ao consumo anti-

mercado. Sistemas de acesso com base em iniciativas comunitárias podem ser originados por

razões ideológicas para se reapropriar da comunidade ou espaços públicos, como no caso da

construção coletiva de jardins comunitários (Chatzidakis, Maclaran e Bradshaw, 2012). Tais

políticas motivadas por modelos de acesso são vistas por seus criadores e participantes como

formas de praticar a sua cidadania fora do mercado e contestar a sua dominação sob espaços

públicos comuns (Visconti et al., 2010). Até dentro do mesmo contexto, motivações para o

acesso podem variar.

Proponho, na Figura 7, uma visão ampliada sobre as diferentes motivações para a

partilha, a partir dos estudos teóricos desenvolvidos para a tese.

FIGURA 7 – Visão sobre as Motivações para a Partilha

Elaborado pela autora.

O aspecto político do acesso pode determinar a identificação do usuário, bem como os

relacionamentos pessoa-para-pessoa (Bardhi & Eckhard, 2012). Nesse ponto, a economia da

partilha pode apresentar uma solução, ou, pelo contrário, ampliar a contradição. Abramovay

(2012) explica como os controles de mercado tomaram conta do sistema social, na medida em

que ele consegue controlar as informações, por meio da tecnologia. “Como ninguém consegue

reunir as informações necessárias para conhecer as aspirações sociais (...) e, sobretudo, para

responder às demandas que delas emergem, o sistema de preços é que pode desempenhar essa

função, melhor que qualquer planejamento”. (p. 169-170). Por isso o desafio apresentado por/na

economia da partilha.

70

Ela poderia substituir esse sistema vigente e oferecer uma alternativa de escape das mãos

controladoras do mercado? Ou ela busca, exatamente, não manter esse controle, já que incentiva a

geração de empreendimentos independentes, de força local, para benefício comunitário? Abramovay

(2012) reforça que

É ínfimo o domínio da colaboração gratuita e voluntária na vida econômica. A eficiência na

alocação dos recursos materiais dos quais depende a vida social se condiciona a que os

indivíduos consagrem suas melhores energias, de forma racional e autointeressada, a fazer

aquilo com o qual esperam receber a melhor remuneração possível. A emergência da

sociedade da informação em rede corresponde a uma refutação real dessas premissas.

(Abramovay, 2012, p. 170)

Seria a economia da partilha a resposta para esses desafios? Na visão de seus defensores,

serviços de uso compartilhado são disruptivos e alteram a maneira como se dão as relações

sociais, de trabalho e de consumo, podendo gerar modificações nos sistemas hegemônicos

(Vasques, 2015). A economia de acesso está mudando a estrutura de mercados e indústrias,

exigindo uma nova compreensão do cidadão. Um modelo bem-sucedido na economia de acesso

possivelmente não será baseado na comunidade, no entanto, estudos do campo da partilha não

descrevem com precisão os benefícios que as pessoas esperam receber, bem como suas

motivações.

Para Abramovay (2012), o mundo carece de uma nova economia. O modo de uso dos

recursos para a reprodução social não corresponde à “ampliação permanente das liberdades

substantivas dos seres humanos, apesar da imensa prosperidade material” (Abramovay, 2012,

p.15). Movimentos ambientais e anticoloniais apontam impactos negativos do capitalismo,

argumentando há tempos que a economia global precisa ser radicalmente transformada

(Misoczky, 2011). Contra a ideia de que a economia da partilha contribuiria para o sentido de

comunidade, há autores que acreditam que ela acelera a mercantilização do tempo e do espaço,

causando alienação dentro das comunidades, que compartilham o comum, mas excluem os não

participantes (Lentz, 2006; Blakey 2007; Eckhardt & Bardhi, 2015). Desta maneira, seria

interessante pensar que não necessariamente é preciso ter outra economia, mas novos modos

de perceber a economia que são realmente necessários, isto é, entender como as questões

sociais podem ter mais impacto do que as decisões estritamente econômicas.

Historicamente, os modelos socioeconômicos lidam com variações dos fatores que o

influenciam: relações sociais, tecnologias e fator de produção, além de sofrerem mutações em

função dos modelos socioeconômicos de regulação. O capitalismo tem se alterado para

71

incorporar conquistas sociais, como a criação da máquina a vapor, da eletricidade e do

computador até as lutas políticas e sociais (Bottomore, 2002).

Rifkin (2014) reverbera que a era do capitalismo está passando, e a sociedade estaria

vivenciando um momento de economia híbrida, parte capitalista e parte colaborativa. Esses

sistemas trabalhariam em conjunto, apesar de imbricarem profundas incoerências. Para emergir

uma nova economia [ou novos modos de perceber a economia], o maior desafio não está nas

mãos do Estado sobre as decisões de mercado, nem na eliminação dos mercados, mas, na

proposta da economia descentralizada, na qual os mercados desempenham papel decisivo e

não exclusivo (Abramovay, 2012).

O significado da partilha se altera de acordo com o envolvimento das pessoas na

distribuição de recursos. Dentro das vantagens que a partilha proporciona, estão o acesso

conveniente e econômico a recursos valiosos, flexibilidade e liberdade das obrigações

financeiras, sociais e emocionais incorporadas na propriedade. Mesmo com esses benefícios,

a economia da partilha terá a capacidade transformadora de mudar a forma de se comercializar

e alterar o objetivo da economia global? O futuro da sociedade é partilhado ou esse movimento

representa apenas uma frente contrária à ideia de posse, própria do capitalismo?

É preciso destacar que os impostos e os encargos ficam sem responsabilidade. Se há

um aumento do empreendedorismo individual – ao oferecer a residência para hospedagem, por

exemplo – há, em contrapartida, uma diminuição da relação de emprego formal que abastece

a cadeia de hotéis, restaurantes e transportes ligados a viagens, só apreciando o segmento

exemplificado. Há que se considerar os riscos do compartilhamento, a responsabilização sobre

danos, roubos ou crimes quanto aos bens compartilhados. A legislação e o pagamento de

impostos devem ser refletidos, bem como o enfrentamento da cultura de acumulação desregrada,

característica da economia capitalista, que faz exceder os limites ambientais.

No centro dessa nova economia está a cooperação social organizada em rede, cujo

potencial de participação social é um encorajador para fazer emergir formas de ação coletiva.

Por meio do compartilhamento propõe-se a reconciliação do mundo dos negócios com a

sociedade instaurando uma forma orgânica e renovada de gestão. Importa saber se esses modelos

com base na economia da partilha são suficientes para responder as questões do mundo do

trabalho e a expressão da responsabilidade social com a sociedade (Ramalho & Silva Júnior,

2016).

Não se vislumbra crescimento econômico desmesurado, mas estratégias pelas quais a

vida econômica se paute no uso cada vez melhor dos recursos. Nesse ponto a economia da

partilha se expressa e contribui. Os objetivos e o sentido da produção precisam se voltar para as

72

necessidades básicas e a ampliação das liberdades humanas, respeitando as possibilidades da

natureza. (Abramovay, 2012). Repensar coletivamente os padrões de vida das sociedades

contemporâneas a fim de superar a desigualdade e originar equilíbrio e harmonia da vida em

sociedade.

Ambivalências e contradições se inter-relacionam com desafios e oportunidades do

sharing para a transformação econômica-social das cidades, conforme será abordado no próximo

tópico. O compartilhamento de bens ou a colaboração entre pessoas é apenas uma parte de um

sistema maior, com outras possibilidades. A combinação entre iniciativas de base comunitária,

com o crescimento da participação social e o progresso da tecnologia representariam um avanço.

Aliados ao fortalecimento de um movimento político, advindo dos cidadãos, reestruturador das

atuais bases econômicas e sociais, esses fatores indicariam um movimento da partilha como vetor

para a geração de riqueza.

73

3 Economia da partilha como lógica de ação nas cidades?

Interroga-se, neste tópico, se a partilha teria força para configurar outras perspectivas

de vida em sociedade. Os diversos movimentos e grupos que vêm produzindo modos

alternativos de vida na cidade, buscando diferentes relações a partir do uso de bens comuns e

da partilha enquanto forma organizativa da economia da cidade (Olson, 2002; Belk, 2013;

Rifkin, 2001, 2014; Abramovay, 2014) apresentam condições para algum impacto na vida

citadina?

É nesse contexto que se insere a discussão dos comuns. A (re)emergência de um

“paradigma comum” (Bollier, 2011) refere-se à maneira pela qual as organizações da sociedade

civil permitem que as pessoas colaborem e compartilhem. O 'comum' envolve determinar como

os bens comuns são criados e reconhecidos como um fenômeno social (Euler, 2018; Fournier,

2013) e implementados por meio da cooperação, ação coletiva e solidariedade. Estilos

coletivos de propriedade e gestão de recursos são, em variados momentos, direcionados para o

bem comum de acordo com a ética de viver em uma comunidade cujo propósito é o

florescimento individual e coletivo (Haugh, 2007; Melé, 2009).

A categoria dos comuns, recuperada pelos trabalhos de Ostrom (1999; 2008), na ciência

política mostra que a gestão coletiva dos recursos comuns permanece ativa em variados locais

no mundo, o que foge à lógica do mercado e da gestão do Estado, sem gerar qualquer

desperdício. Entretanto, Ostrom esclarece que a teoria dos comuns se atém à crítica da teoria

dos direitos de propriedade exclusivos e da ambição do Estado de solucionar os problemas

locais sem conhecê-los na sua realidade e totalidade (Dardot & Laval, 2017). Por isso, a

discussão pretende combater a desvalorização da cooperação social, tornando manifesta a

estruturação das formas de poder e movimentos que contrariam tanto as relações sociais

capitalistas balizadas na propriedade privada dos recursos naturais quanto os modos

tradicionais de gestão burocrática dos ‘bens públicos’.

O ‘paradigma dos comuns’ questiona frontalmente o predomínio do modelo econômico

de mercado e a ideologia dos direitos de propriedade como exclusivas soluções para garantir a

eficiência econômica e a prosperidade da sociedade. Bollier (2003) aponta os commons como

uma perspectiva para a transformação das práticas sociais a fim de repensar a ordem social,

criando estratégias de proteção dos commons contra a invasão do mercado e as práticas de

apropriação do que é pertencente a todos. Essa mudança formaria uma nova cultura política,

capaz de repensar a governança política e redesenhar instituições públicas, que possibilitaria

74

entender que a riqueza não é gerada somente pelos managers, como pelas comunidades e

pessoas na sociedade civil que intercambiam saberes e competências.

O abandono da ideia de propriedade de bens pode indicar uma transformação da forma

de se pensar e conceber a vida em sociedade. Na era do acesso, questiono como seus reflexos

podem se dar na prática cotidiana, para ampliar a discussão sobre as transformações

econômico-sociais que as cidades experimentam. A economia da partilha vem impactando a

vida global, porém seu impulso parece ser maior no âmbito das cidades (Cohen & Muñoz,

2015).

A notoriedade do acesso parece ser concomitante à mudança estrutural na paisagem

urbana em direção à reurbanização. Os espaços compactos das regiões urbanas exigem

mudança do senso de propriedade, na medida em que a capacidade de acesso aos objetos se

amplia. Jovens profissionais ou casais sem filhos optam pela mobilidade e agilidade do acesso

ao morarem perto do trabalho ou centro comercial (Bardhi & Eckhardt, 2012). Outra questão

pode ser o entendimento da modernidade líquida, que modela estruturas e instituições sociais

de forma cada vez mais instável, gerando rupturas para a organização da vida em longo prazo.

O acesso revela-se como uma maneira de gerenciar os contextos de uma sociedade líquida

(Bauman, 2008; Bardhi & Eckhardt, 2012).

Pode-se complementar essa perspectiva com a concepção do direito à cidade (Lefebvre,

2008) como forma de estabelecer uma administração democrática sobre o processo urbano. A

discussão proposta é refletir como (e se) a narrativa do partilhamento pode afetar a vida

citadina, na medida em que a economia da partilha, além de não problematizar a questão

central, ou seja, o consumo em si, pode ser um caminho para reforçar dinâmicas de segregação

social, a partir da criação de grupos exclusivos nas cidades.

Sendo a cidade palco das interações entre os diferentes (Honorato & Saraiva, 2016), a

pesquisa sobre o compartilhamento nas cidades se encontra em estágio inicial, se firmando em

uma temática ativamente procurada para explorar a gama de atividades que compõe, revelando

as mais amplas interpretações no contexto da cidade (Cohen & Muñoz, 2015). As cidades estão

começando a entender a prática da economia de partilha, o que ela significa para a cidade, e

que tipo de política pode ser usada para apoiar seus serviços, que levam a benefícios positivos,

enquanto limitam as externalidades negativas. A partilha pode ser uma forma de superar a

barreira que separa a produção e o consumo sustentáveis. Algumas atividades da economia

partilha têm a capacidade de abalar estruturas das indústrias já estabelecidas (Cohen & Muñoz,

2015), com modelos de negócio altamente compactos, ágeis e em rede de cooperação com

fornecedores e parceiros. Em certas transações, não há o envolvimento direto de valor

75

monetário, como nos sistemas de troca entre amigos ou clubes de permuta entre empresas.

Ressalta-se que o relacionamento entre grupos é um processo contínuo, “constituído por laços

incertos, frágeis, controvertidos e mutáveis” (Latour, 2012, p. 50). Portanto, os atores podem

ser alocados em um determinado grupo, ou mais de um, por um determinado tempo.

A mera existência dessa atividade como economia, abriu o campo e permitiu a

flexibilidade interpretativa. A economia da partilha já teve um impacto significativo sobre a

sociedade no sentido de ajudar a gerar discussão sobre o papel da economia na sociedade,

modelos de negócios peer to peer e alternativas ao capitalismo tradicional. O rápido crescimento

da economia da partilha está relacionado às condições socioeconômicas em busca de uma

melhor distribuição do valor da cadeia de suprimento nas cidades (Gansky, 2010; Cheng,

2016). Que paradigmas dominantes e modelos de negócios terão poder de permanência nas

próximas décadas pode ser uma incógnita, mas o fenômeno tem contribuído para mudar

narrativas sobre a atividade econômica em níveis local e global (Cohen & Muñoz, 2015).

Há contradições, entretanto, que provocam reflexões sobre a proposta. Seria possível um

novo cenário, onde tudo será citadino e local, alheio às grandes cadeias de suprimentos? Um

mundo em que convivem pequenos produtores em uma relação mais próxima com seus clientes

ou parceiros? No limite, há um ímpeto de negócios sendo criados por essa perspectiva da partilha.

Há que se considerar que essa faceta da economia pode ter acontecido em virtude, ou em

consequência, da crise que abateu economias globais. Há que se pensar, portanto, na coexistência

de formas econômicas.

A confiança, a reputação, a sustentabilidade, o fortalecimento de comunidades e

empoderamento das pessoas – no sentido que fazem frente às empresas e à regulação do Estado

– moedas principais da economia da partilha, podem se constituir em uma diferente maneira de

se enxergar a cidade, na medida em que o compartilhamento abalaria as estruturas do pensamento

hegemônico. Porém, é preciso considerar o peso da questão de mercado. A proposta da economia

da partilha é, antes da partilha, economia. A partilha como cultura ou forma não-mercantil de

produção e distribuição de objetivo comunitário está sendo superada pelas formas de mercado,

espaço onde qualquer coisa pode ser precificada, medida, instrumentalizada, inclusive a cidade.

A transformação da cidade em mercadoria sugere que a mercantilização do espaço chegue a

outro estágio, produto da expansão do mundo da mercadoria, da efetivação do capitalismo

(Sánchez, 2001). O mercado de cidades demonstra a relevância da orientação estratégica para a

determinação do espaço, o que destaca a produção global do espaço social (Honorato & Saraiva,

2016).

76

A mercantilização das cidades, para Lefebvre (1998), ultrapassa a sua divisão em pequenas

parcelas de espaço para venda. Para o autor, ocorre uma reorganização da produção subordinada

às cidades e aos centros de decisão, como forma de indicar rumos para uma produção global do

espaço. A venda da cidade exige sua divulgação, na forma de produção de imagens sobre a cidade

que, por sua vez, demarcam uma visão de mundo, como a que propõe a economia da partilha.

Esses fatores estariam levando à criação de empresas do segmento, especialmente com

orientação para o comércio e não para os processos da partilha, revelando que os motivos de

autointeresse ficam em sobreposição às visões romantizadas do compartilhamento (Belk, 2014).

As empresas da economia da partilha estão respondendo a forças diversas para se tornarem mais

comercialmente orientadas (Martin et al., 2015), vivendo a coerção institucional e a pressão de

participar dos processos de inovação digital.

Que dinâmicas da cidade essa economia teria capacidade de modificar? Para prover a

vida, a economia global terá de promover a transição para sistemas de produção e consumo

mais sustentáveis, e entende-se que as cidades farão parte da solução (Cohen & Muñoz, 2015).

Superar essa limitação exige uma visão mais ampla, que não só trata a revisão do sistema de

produção e consumo nas cidades como um processo contínuo, mas também considera a real

orientação da atividade econômica. Quando o sistema é visto por meio desta lente, um conjunto

de atividades econômicas de partilha surge na urbe, que, pela articulação de uma abordagem

híbrida para a criação de valor, têm um efeito potencial no sistema de produção e consumo.

Assim, independentemente da abordagem, a cidade se configura como palco das interações

entre diferentes (Honorato & Saraiva, 2016).

Compreender o complexo social das populações e sua relação com a cidade (Velho,

2006) é um ponto central nas preocupações das últimas décadas, sobretudo pelo fato de que,

em 2008, pela primeira vez na história, mais pessoas passaram a viver nas cidades do que nas

áreas rurais (Unfpa, 2011; Cohen & Muñoz, 2015).

Embora não seja exclusivo das cidades, a economia da partilha tem ganhado maior

atratividade nas áreas urbanas por causa da densidade da população e das tecnologias da

informação e comunicação, como smart phones e internet em alta velocidade (Agyeman et al.,

2013). McClaren e Agyeman (2015) sugerem que as cidades também enfrentam recursos

escassos e capacidade da infraestrutura insuficiente, que exigem inovações nos sistemas de

produção e consumo para a qualidade de vida.

À luz dos interesses públicos e privados de iniciativas de partilha, isto é, na forma como

criam valor, seria mais pertinente que os governos locais pudessem desempenhar uma política

significativa e apoiar a atividade de compartilhamento local (Cohen & Kietzmann, 2014),

77

desde que fossem para benefício popular, sem privilegiar iniciativas de cunho puramente

mercadológicas. Porém, nem sempre isso se verifica, na medida em que a economia da partilha

desempenha diferentes abordagens no sistema de produção e consumo nas cidades.

A dinâmica urbana, pensada em suas múltiplas dimensões, possibilita um olhar

organizacional sobre o exame da vida social organizada (Saraiva & Carrieri, 2012), criando

novas possibilidades para a observação, análise e oferecimento de soluções (Honorato &

Saraiva, 2016). As cidades despontam, no contexto recente, como lugar de articulação de

interesses econômicos, favorecidos pelos aparatos tecnológicos, o que gera revalorização de

espaços internos avaliados como fontes de investimentos. A partir desse cenário se estabelece

a cidade-síntese (Barreira, 2003), que revela um território de práticas que misturam interesses

econômicos e políticos.

Comparando os papéis exercidos por usuários e fornecedores na economia da partilha

e na convencional, é possível perceber a falta de alinhamento das autoridades reguladoras

(Cheng, 2016). A forma com a qual o governo lida com as startups permite que elas explorem

brechas em vez de desenvolver um modelo legítimo de negócio (Cohen & Kietzmann, 2014;

Bond, 2015) que não encaminhe para exploração dos envolvidos em sua cadeia de negócios.

Apesar de apresentarem incipientes formas de ressignificação das práticas econômicas nas

cidades, muitas barreiras necessitam ser vencidas para a efetiva mudança da sociedade urbana.

A natureza do vínculo entre os atores requer um sistema com abordagem holística da economia

da partilha para a sua compreensão como oportunidade econômica justa e forma sustentável de

consumo (Martin, 2016). Um alinhamento entre sujeitos, empresas, governo e comunidade

contribuiria para uma partilha sustentável nas cidades (Cohen & Muñoz, 2015).

3.1 Cidades como polos protagonistas

A difusão proporcionada pela telemática e pela globalização favoreceu a extensão das

redes de filiais e a transferência de indústrias e unidades administrativas para regiões distantes

dos centros urbanos. Esse fenômeno levou estudiosos a alegar que as cidades ficariam

obsoletas. Apesar de muitos centros antigos terem sofrido acentuado declínio, um número

expressivo de metrópoles também viu erguer seu poder econômico. Esse prodígio de um tipo

particular de cidade na economia mundial desde os anos 1980 é resultado da interseção de dois

processos. O primeiro, o aumento da globalização da atividade econômica, que elevou a escala

e a complexidade das transações, estimulando o incremento da prestação de serviços às

78

empresas. O segundo é a intensidade crescente dos serviços na organização da economia,

evidente em empresas de todos os setores industriais. As cidades são os locais primaciais para

realização desses serviços. Aliado às condições favoráveis para a execução de serviços

avançados, como os da tecnologia da informação, esses fatores se ajustam para tornar certas

cidades locais-chave, papel que foi diminuído quando a manufatura em massa era o setor

prevalecente (Sassen, 2012).

No que diz respeito ao mercado, as cidades se transformaram em espaços

transnacionais, onde estão ocorrendo processos globais. As cidades seriam pontos de comando

da organização da economia global (Sassen, 2001). Seguindo a mudança de direção da

economia mundial, as metrópoles readquiriam importância estratégica como locus do setor

terciário. Dessa maneira, não se tratava da perda de sua centralidade, mas de sua ressignificação

no sistema produtivo internacional (Carvalho, 2000). A globalização da economia,

conjuntamente ao desenvolvimento de uma cultura global, alterou a realidade social, econômica

e política das nações, regiões e cidades, formando metrópoles ressignificadas, as cidades globais

(Levy, 1997; Sassen, 2012).

As práticas de gestão urbana reafirmam o modo de produção capitalista contemporâneo,

marcado por uma inegável hierarquização. Meyer (1979) defende que o sistema produtivo atual

supervaloriza a mercadoria e o valor de troca. A composição do espaço urbano é feita a partir

de uma lógica segregada, erguida por uma retórica persuasiva que define uma agenda para as

cidades de maneira que as pautas, ações e políticas estejam alinhadas com uma visão

hegemônica sobre a cidade, baseada em uma representação seletiva da sociedade. Essa lógica

deforma o desenvolvimento citadino, determinando a centralidade urbana de uma maneira

desigual para trabalhadores, já que o preço de moradia os expulsa rumo às áreas periféricas

(Meyer, 1979). A verdadeira democratização da sociedade, que envolveria a aceitação de

situações de conflito em vez de políticas participativas com consensos artificiais, poderia ser o

caminho para a superação dos impasses socioambientais do espaço urbano, em campos sempre

marcados por assimetrias nas relações do poder (Laschefski, 2013).

O conceito de cidade global parece reproduzir o papel ideológico do planejamento

estratégico, assim como ocorre em alguns sistemas da economia da partilha, com privilégio de

acesso aos que possuem internet de velocidade e smartphones para se conectar aos grupos de

comércio e troca, bem como acesso às redes qualificadas de produtos e serviços, e não apenas

as segregadas por classe ou restrições de entrada.

A nova racionalidade do capitalismo no contexto urbano, caracterizada pelos termos

city marketing (Duarte & Czajkowski Junior, 2007) se refere às ações da gestão das cidades

79

para se adequar aos moldes das chamadas cidades-modelo, revelando traços do planejamento

da cidade de acordo com interesses moldados pelo olhar global, demandado pelos investidores

(Sanchéz, 2001). A ideia de cidade-conceito (Certeau, 2008), manifestação idealizada da

cidade que permitiria generalizações sobre a composição dos seus espaços, é contrastada por

Mendes e Cavedon (2012), que sugerem a cidade enquanto prática urbana. Contrariando o

projeto estático, a cidade seria fluida e o que a definiria seriam as práticas dos diferentes grupos

em interação no cotidiano. Como palco de representações discursivas, em variadas faces

criativas da vida social, os processos urbanos se efetivam em referência a esses discursos.

Como defendem Saraiva e Carrieri (2012), a cidade é o seu povo, sendo o espaço “considerado

a partir de sujeitos sociais e de sua história que é, por sua vez, inscrita no espaço, no construído

e no que se apresenta também pela invisibilidade” (Nogueira, 2009, p. 73). Compreender a

lógica das prioridades sobre o uso e valorização dos espaços efetivados implica observar que

elas aparecem como coletivamente construídas, embora sejam objeto permanente de disputas

simbólicas que revelam interesses de diferentes atores sociais (Barreira, 2003).

Para Lefebvre (2008), o urbanismo só adquire sentido porque concebe como desordem

a contradição sobre a qual se funda a cidade moderna. A finalidade do processo de

industrialização seria dar condições objetivas de efetivação da sociedade urbana, mas a cidade

acabou reduzida à sua condição de meio de produção, reprodução e circulação do capital,

alienada das possibilidades de apropriação daqueles que são diretamente responsáveis pela sua

criação da cidade como obra e não como produto. A cidade é um meio de interação “com a

sensibilidade e as emoções dos seus habitantes” (Sodré, 2008, p. 62). O urbano é o lugar no qual

as pessoas “entrelaçam-se até não mais reconhecerem os fios de suas atividades, enovelam suas

situações de modo a engendrar situações imprevistas. Na sua definição, esse espaço comporta

um vetor nulo (virtualmente); a anulação da distância obceca os ocupantes do espaço urbano”

(Lefebvre, 2008, p. 44). Por esta visão fluida, a economia da partilha também se revela e se

molda em diferentes cidades, com seus contextos e indivíduos atuantes, se remodelando e

ressignificando como prática em cada forma de intervenção urbana.

No fazer da vida contemporânea, a espetacularização urbana, em decorrência da

privatização dos espaços públicos pela especulação imobiliária (Laschefski, 2013) e à

“gentrificação do nada” (Jackson, 2011) das cidades, torna o ambiente urbano uma cenografia

resumida à “utilização e circulação disciplinadas por princípios segregatórios e conservadores,

que conferem um sentido mercadológico, turístico e consumista ao seu modo de operação”

(Britto & Jacques, 2009, p. 338). Quando todos estão visando seu próprio interesse, não se

conectam, efetivamente, aos bens, pessoas ou empresas que acessam. Esse raciocínio implica

80

que os cidadãos estariam mais interessados em custos e conveniência do que em interação com

empresas e comunidades. O fato de acessar temporariamente permite descartar identidades,

sem gerar vínculo, pois podem rejeitar aquela adesão a produtos e práticas quando quiserem.

Diferente de posse de um produto, que compõe a identidade do sujeito, e sob o qual ele quer

manter vínculo e estabelecer comunidade com seus pares. Os usuários não parecem procurar

valor social em trocas com estranhos. Esse cenário se conecta com as visões das cidades enquanto

polos de individualismo.

Nesse sentido, Eckhardt e Bardhi (2015) advogam que a economia da partilha seria uma

economia de acesso, uma forma de troca social que acontece entre indivíduos conhecidos, sem

qualquer lucro envolvido na transação. A partir do momento em que a partilha é mediada pelo

mercado – com uma empresa funcionando como intermediária – o conceito de partilha se

desfaz. Se a partilha atual é a do excesso, daqueles que escolhem o que partilhar porque veem

nesse processo um valor utilitário, o modelo atual de partilha parece reforçar a retórica persuasiva

da agenda das cidades, de forma que as ações e decisões corroborem a postura hegemônica da

visão de cidade (Santos, 2007), ou seja, a que tem potencial para investir em novos projetos e

consumir produtos e serviços locais, mesmo que façam parte de um sistema global.

Os habitantes citadinos podem seguir um caminho próprio, não previsto ou desejado

pelos que planejam a cidade (Certeau, 2008), adotando práticas singulares que escapam às

determinações de racionalização das cidades. A cidade tomada como referência para a gestão

pública é dirigida por uma abordagem estratégica em que as ações não abarcam a diversidade

de sujeitos e suas complexas relações (Viegas & Saraiva, 2015). A cidade-conceito acaba se

desmoronando, na medida em que ela não funciona conforme o planejado, instaurando um

cotidiano inventado e reinventado (Certeau, 2008), cidade em processo (Agier, 2011).

O entendimento da produção social do espaço urbano, conforme Leite (2007) e

Lefebvre (2008), é uma construção simbólica, o que implicaria diferentes maneiras de

apropriação e pertencimento, bem como variadas representações. Ultrapassando a

instrumentalidade do espaço planejado, produzido e construído, a cidade flui, alcançando

inclusive o espaço vivido, a forma como os diferentes grupos sociais representam essa

produção, o que favorece a interação e a sociabilidade motivados pelas emoções de seus

habitantes (Sodré, 2008; Nogueira, 2009). Contrariando a noção de espaço como representação

ou recorte estático do tempo, o espaço revela-se dinâmico (Soja, 1989; Massey, 2008). O

espaço revela-se como primado das práticas (Ingold, 2011), em uma perspectiva de constante

construção do fazer da vida urbana. Na economia da partilha, esse cenário se revela nos grupos

de amigos formados em redes sociais para transporte coletivo, caronas ou trocas de objetos

81

entre pessoas de um mesmo bairro. São práticas organizativas que se estabelecem por seus

participantes, fugindo ao controle do poder público. Nesse sentido, as motivações, as formas e

as práticas de partilha se alteram e se ressignificam continuamente nas cidades, sendo diferente,

inclusive, o universo de barreiras a esse movimento econômico.

3.2 Direito à Cidade como fecho interpretativo das discussões sobre a vida social urbana

Entender que tipo de cidade buscamos é uma definição que está associada a que tipo de

relacionamentos, vínculos com a natureza e estilos de vida esperamos. A relevância do direito

à cidade enquanto categoria para pensamento sobre o tempo atual, está atrelada à constatação

de que o mundo se torna urbano, na medida em que a maior parte das pessoas vivem nas cidades

e a centralidade é por ela vivida (Lefebvre, 1999; Monte-Mór, 2004; Soja, 2008). Esse é o

sentido da cidade política de Lefebvre (2008), isto é, o da cidade que sustenta seu domínio

sobre o campo, com a extração do excedente simplesmente por meio de controle político

(Monte-Mór, 2006). A cidade, “espaço não-produtivo privilegiado dos poderes político e

ideológico, retira do excedente produzido no campo as condições de reprodução da classe

dominante e de seus servidores diretos, militares e civis, que a habitam” (Monte-Mór, 2006, p.

12).

De acordo com Monte-Mór (2006), o urbano é uma síntese da anterior dicotomia

cidade–campo, que se apresenta como um terceiro elemento na oposição dialética cidade–

campo, constituindo-se uma manifestação material e socioespacial da sociedade urbano-

industrial contemporânea. O urbano estende-se virtualmente por todo o território através do

tecido urbano, forma socioespacial advinda da cidade que caracteriza o fenômeno urbano

contemporâneo e a sociedade urbana (Monte-Mór, 2006). A urbanização englobaria um

conjunto de processos contraditórios que compreenderiam aspectos econômicos, sociais e

culturais relativos à expansão geográfica das cidades (Lefebvre, 1999).

O capital se apropria de espaços urbanos comuns a fim de manter suas bases sistêmicas

para a constante produção-reprodução de relações capitalistas de exploração contemporânea.

“A subordinação da cidade ao desenvolvimento capitalista e sua necessidade de produção de capital

excedente implica um processo de crescimento da urbanização baseado na destruição e

reconstrução das cidades e dos graves problemas sociais, ambientais e efeitos políticos associados a

essa dinâmica” (Santos Junior, 2014, p. 147). Laschefski (2013, p. 156) aponta que o “modo de

produção capitalista do espaço produz cidades que expressam a insustentabilidade do atual modelo

82

de desenvolvimento, que gera as chamadas crises ambientais globais e desigualdade social”. O

desafio estaria em pensar e criar uma nova concepção de cidade distante da dinâmica do capital,

constituída sob uma maneira diferente de apropriação urbana.

O espaço urbano, entretanto, está além da criação de condições para a reprodução do

capital, pois é, também, a produção e reprodução das relações da produção capitalista (Santos

Junior, 2014). Lefebvre demonstra que “o capitalismo era apenas mantido por ser estendido a

todo espaço” (2008, p. 117), o que revela que, ao longo da história, o capitalismo moldou as

cidades para atender suas exigências: “mais ou menos fragmentada nos subúrbios, periferias,

aglomerações de satélites, a cidade se torna, no ao mesmo tempo, um centro de tomada de

decisão e uma fonte de lucro” (Lefebvre, 2008, p. 175).

Lefebvre (2008) argumenta sobre a importância do reconhecimento pleno dos valores

de uso, em detrimento aos valores de troca que geraram desequilíbrio fruto da produção

capitalista do espaço urbano. O contraste entre valor de uso da cidade – a cidade e a vida urbana

– e valor de troca – espaços comprados e vendidos, consumo de bens ou lugares – é uma

questão relevante no conceito de cidade em Lefebvre (2008). O direito à cidade se apresenta

como o “direito à vida urbana, transformada, renovada” (Lefebvre, 2008, p.117), decorrência

de uma implosão na qual o capital se reproduz – nas relações sociais de produção, no espaço e

no cotidiano. Envolve o “direito à vida urbana, à centralidade renovada, aos locais de encontro

e de trocas, aos ritmos de vida e empregos do tempo que permitem o uso pleno e inteiro desses

momentos e locais” (Lefebvre, 2008, p.139).

A cidade é o “local do conflito” (Lefebvre, 2008, p. 22) e o espaço é o elemento central

de estruturação da sociedade (Monte-Mór, 2004). “A vida urbana pressupõe encontros,

confrontos das diferenças, conhecimentos e reconhecimentos recíprocos (inclusive no

confronto ideológico e político) dos modos de viver, dos ‘padrões’ que coexistem na cidade”

(Lefebvre, 2008, p. 22). A cidade é local da troca privilegiada, com acesso, informação e

possibilidades de comunicação e fluxos. A organização comercial e industrial suplanta a

organização política da cidade. As trocas comerciais se multiplicam e complexificam,

transformando as coisas em objeto de consumo, no lugar dos espaços de encontro e de partilha

(Proença, 2011). Essa se constitui a diferença entre a cidade como valor de uso e a cidade como

valor de troca. Os locais passam a não ser mais do encontro e da comunidade, mas de passagem,

eximido de relação de pertencimento (Proença, 2011). Minimizam-se as facetas da

sociabilidade sob a égide de bem-estar comum, para se operar uma privatização do espaço.

A discussão de Lefebvre (2008) apoia-se na trajetória para a constituição de uma

sociedade de consumo, que supera a sociedade da produção e demonstra o papel da indústria

83

no desenvolvimento do capitalismo até a contemporaneidade, como demonstra a Figura 8.

Portanto, a fonte de antagonismo não seria entre a cidade e o campo, mas do fenômeno urbano

entre a periferia dominada e o centro dominante (Stuart, 2004).

FIGURA 8 - Esquema teórico de Henri Lefebvre

Fonte: Lefebvre (1999, p. 27).

Lefebvre (1999) elaborou esse esquema que pode ser representado por um continuum,

pois é, ao mesmo tempo, espacial e temporal (Almeida, Monte-Mór & Amaral, 2017). Por

virtualidade do urbano se entende um devir, ou seja, “hoje se vislumbra, amanhã pode se

concretizar, a partir do processo de urbanização inteiriça da sociedade” (Almeida, Monte-Mór

& Amaral, 2017, p. 324).

Paralelamente aos processos de industrialização e de urbanização, Lefebvre (1998)

expõe o desenvolvimento da descentralização da cidade. Guiada pela luta de classes, essa

dispersão expulsa as classes dominadas do centro, direcionando-as aos arredores e subúrbios.

À centralidade se coloca o poder, o centro de decisões tomado pelas classes dominantes. Esse

sistema retira o valor de uso – o sentido de obra – da cidade, e sobrepõe o valor de troca – o

sentido de produto – manobra das classes dominantes, que se apoiam tanto no Estado quanto

no mercado para execução e manutenção desse decurso. Nesse sentido, a construção do espaço

urbano não aconteceria de forma coletiva, apropriada de sentido, legitimada; pois se

transformaria em um produto, moldado por interesses políticos e econômicos de uma parcela

da sociedade, em uma relação assimétrica de poder.

84

O espaço social de Lefebvre (1998) é meio de controle da sociedade pelo Estado, um

instrumento de exercício da hegemonia (Tonucci Filho, 2013). Produzir a cidade capitalista é

reconhecer que esse processo é inevitavelmente associado com a luta de classes (Santos Junior,

2014) “O espaço é político e ideológico. É uma representação literalmente povoada de ideologia.

Existe uma ideologia do espaço. Porque esse espaço, que parece homogêneo, que parece dado

de uma vez na sua objetividade, na sua forma pura, tal como o constatamos, é um produto social”

(Lefebvre, 2008, p. 61-62). A produção do espaço é resultado de um processo articulado,

definido por feições econômicas, políticas e sociais, um “lugar e meio onde se desenvolvem

estratégias, onde elas se enfrentam” (Lefebvre, 2008, p. 172).

Para Souza (2015, p. 84), independentemente do espaço social, os grupos sociais

historicamente oprimidos enfrentariam situações de subcidadania. A hierarquia social de uma

sociedade contemporânea é compreendida a partir de sua contribuição à reprodução do Estado

e do mercado. O espaço vivido é um elemento constitutivo da vida social. A vida cotidiana

articula as relações sociais e o espaço vivido (Lefebvre, 2008; Soja, 2008). “O direito à cidade

é como um grito e uma demanda, um direito transformado e renovado à vida urbana”

(Lefebvre, 1996, p. 158). A produção do espaço urbano ultrapassaria o planejamento da cidade,

pois abarcaria a produção e reprodução da vida urbana.

Dois direitos principais estão imbricados na noção de direito à cidade para os

habitantes: o direito à participação e o direito à apropriação. O primeiro defende o

protagonismo dos cidadãos, que devem desempenhar um papel central em qualquer decisão

que contribua para a produção do espaço urbano. O segundo, inclui o direito dos habitantes de

acessar, ocupar, e usar o espaço urbano. Essa noção, apesar de ser foco daqueles que defendem

o direito de as pessoas serem fisicamente presentes no espaço da cidade, é ampliada na visão

de Lefebvre (1996), pois apropriação para o autor significa um movimento muito mais

estrutural. Apropriação, além de constituir o direito de ocupar o já produzido espaço urbano,

também é o direito de produzí-lo, de forma que ele atenda às necessidades dos habitantes

(Purcell, 2002). O aspecto de valor de uso do espaço urbano deveria, portanto, ser a principal

questão respeitada em decisões de produção do espaço urbano.

Porque no espaço urbano há centralidade, “ela é a forma do urbano por excelência; esta

forma assume a estrutura centro-periferia, com as funções sociais, as relações com o trabalho,

a produção e a reprodução, a relação entre o centro histórico e o tecido urbano moderno”

(Lefebvre, 1998, p. 121). “É a sociedade que produz o espaço social, através da apropriação da

natureza, da divisão do trabalho, da diferenciação social. O espaço físico é produto do

85

imaginário individual e coletivo” (Lefebvre, 1998, p. 35). Em um movimento dialético, o

espaço é construído como se representa e se representa como se constrói (Lefebvre, 1998).

Sob uma determinada visão de mundo, imagens-síntese são criadas sobre as cidades

(Lefebvre, 1998), bem como seus respectivos discursos de propagação, via sistemas

comunicacionais da city marketing. Essas representações do espaço, imagens e discursos

compõem a intervenção no urbano como estratégia política e econômica. Essa dinâmica global

se reforça na engrenagem capitalista, na edificação da cidade mercadoria e seus processos de

renovação urbana, produzindo e fornecendo a cidade padrão, com imagem adequada para

venda e inserção no mercado conforme a visão de mundo hegemônica. Visto dessa maneira, o

direito à cidade definitivamente não é realizado, porque a maioria das decisões parece estar

confinada por partes de controle, seja do governo ou das empresas.

Por outra via, o direito à cidade emancipa um novo cidadão, que não é simplesmente

um usuário da cidade, mas um participante na sua criação e interpretação. Ao mesmo tempo

em que ocorrem movimentos mundiais em torno das cidades globais, o citadino tem laços mais

fortes com a comunidade local do que com uma comunidade política nacional. No entanto, não

está claro como economias políticas globais de apropriação e desapropriação podem ser

insidiosas o suficiente para esmaecer esses movimentos de empoderamentos, traduzido em

ações frente ao que não é facilmente encurralado ou destruído no emaranhado das ruas da

cidade. O direito à cidade pode avançar para transformar a cidade de um espaço de produção

para um espaço no qual novas formas e oportunidades para a comunidade são reestabelecidos

ou criados.

O direito à cidade ultrapassa a liberdade individual de acesso aos recursos urbanos, pois

se constitui um direito de mudar a nós mesmos, pela mudança da cidade. Sobretudo, é um

direito coletivo antes de ser individual, pois a transformação resulta da prática de um poder

coletivo para remontar os processos de urbanização (Harvey, 2012).

Assumir o direito à cidade significa um caminho para a unificação dessas lutas, como

aspiração política, para revolucionar a pauta da cidade e o comando da relação entre a

urbanização e a produção do lucro. A democratização desse direito é a forma de retomar o

controle pelas pessoas às quais ele foi negado e fundar novos desenhos de urbanização. Da

forma que o direito à cidade está instituído, se encontra restrito à elite política e econômica,

que se aproveita desta posição para moldar as cidades à sua maneira. O desafio está em

construir um maior controle democrático sobre a produção e utilização do excedente (Harvey,

2012). A liberdade de fazer e refazer as cidades, e a cada um dos cidadãos, é um dos direitos

humanos mais valiosos e ao mesmo tempo mais negligenciados. Ao fazer a cidade o homem

86

refaz a si mesmo (Harvey, 2012). Como o processo urbano é o principal canal de utilização do

excedente, estabelecer uma administração democrática sobre sua organização constitui o

direito à cidade.

A superação do economismo envolve a “superação pela e na prática: trata-se de uma

mudança de prática social” (Lefebvre, 2008, p. 127). Para o autor, o valor de uso, subordinado

ao valor de troca, só poderia submergir por meio da sociedade urbana, “partindo dessa

realidade que ainda resiste e que conserva para nós a imagem do valor de uso: a cidade. Que a

realidade urbana esteja destinada aos ´usuários` e não aos especuladores, aos promotores

capitalistas, aos planos dos técnicos” (Lefebvre, 2008, p. 127).

Mudariam a realidade se entrassem para a prática social: direito ao trabalho, à instrução, à

educação, à saúde, à habitação, aos lazeres, à vida. Entre esses direitos em formação figura o

direito à cidade (não à cidade arcaica mas à vida urbana, à centralidade renovada, aos locais de

encontro e de trocas, aos ritmos de vida e empregos do tempo que permitem o uso pleno e

inteiro desses momentos e locais etc.). A proclamação e a realização da vida urbana como reino

do uso (da troca e do encontro separados do valor de troca) exigem o domínio do econômico

(do valor de troca, do mercado e da mercadoria) e por conseguinte se inscrevem nas

perspectivas da revolução sob a hegemonia da classe operária. (Lefebvre, 2008, p. 139)

O direito à cidade não pode ser visto como o direito de visita ou retorno às cidades

tradicionais (Lefebvre, 2008). Assim como não é possível se basear em concepções de trocas

da economia da partilha como no passado, considerando uma padronização. É tomado como

direito à vida urbana, o que foi transformado e renovado. É necessário que o urbano,

prioridade do valor de uso, inscrição de um tempo promovido à posição de bem superior,

“encontre sua base morfológica, sua realização prático-sensível. O que pressupõe uma teoria

integral da cidade e da sociedade urbana que utilize os recursos da ciência e da arte. Só a classe

operária pode se tornar o agente, o portador ou o suporte dessa realização” (Lefebvre, 2008, p.

118).

Por vezes normativos e seguidores de políticas voltadas a interesses hegemônicos, os

projetos urbanos resultam na privatização do espaço, sob o argumento do desenvolvimento

(Jiménez, 2013), promovendo obstáculos aos direitos sociais e atendendo à urgência

característica da lógica de mercado, o que invade a essencialidade do tecido urbano, a

possibilidade do encontro, da negociação e do conflito para firmação e transformação do

espaço público. O espaço público é “epicentro da ‘simultaneidade’, do ‘encontro’ das

diferenças, possibilidade histórica que particulariza a cidade como espaço produzido

socialmente” (Frehse, 2016, p. 134).

87

As transformações pelas quais vive a cidade, na contemporaneidade, concebem

discursos referentes a múltiplas temporalidades. A nostalgia do passado, que teria maior

sociabilidade entre os sujeitos urbanos, remete a uma espécie de sentimento de perdas da vida

citadina (Simmel, 1976), mas essa representação não se fixa na irreversibilidade. A cidade

constitui um espaço de simultaneidades (Lefebvre, 1999). Harvey (1996, p. 171) propõe

“construir a próxima camada no palimpsesto urbano, de forma a canalizar aspirações e

necessidades futuras, sem violentar em demasia tudo o que já foi feito antes”. A perspectiva

do ressignificar a cidade cria novos usos para o espaço urbano e demonstra a busca por uma

relação mais orgânica entre passado e presente (Barreira, 2003).

Frente a esta reflexão sobre o espaço, Lefebvre (1998, p. 26) defende que “o espaço

(social) é um produto (social)”, um meio de produção no qual forças sociais e políticas tentam

controlar, muitas vezes em vão. A sociedade que produz o espaço social, por meio da

apropriação da natureza, divisão do trabalho e separação social. O espaço físico, inclusive, é

produto do imaginário individual e coletivo. Portanto, a relação com o espaço é mediada por

representações (Fernandes, 2007), em um movimento dialético, no qual se constrói como se

representa e se representa como se constrói. “O espaço é, portanto, a materialização da vida

humana” (Misoczky, 2010, p. 49).

O sentido de bem comum (Ostrom, 1999) pode estar arrevesado pela reprodução da

lógica capitalista (Flores & Misoczky, 2015). As práticas sociais de comunização, que

continuamente enfrentam a organização social capitalista, manifestam a relação da comunidade

com as dimensões da vida compartilhada, que constroem o bem comum (Harvey, 2012).

Existem claras assimetrias marcadas pela luta de classes e relações de poder no contexto

urbano. O espaço não se situa no mundo capitalista como um lugar passivo das relações sociais,

pois se compõe operatório e instrumental a serviço da classe hegemônica (Soja, 1989).

Existindo pleno direito à cidade, cidadãos poderiam compor uma democracia urbana,

experienciar a vida ativa nos aspectos da gestão do espaço urbano, restabelecendo seu valor de

uso e o sentido original de obra, na coletividade.

Löw (2013), ao defender o caráter processual do espaço, afirma que a visão materialista

de Lefebvre (1998) – e sua influência sobre Harvey (1989) –, seria generalista, pois significaria

uma simplificação da visão capitalista que torna tudo homogêneo, como se fosse possível

dividir a sociedade em partes e comercializar. Os autores, assim como Monte-Mór (2006),

argumentam que o controle do espaço seria um mecanismo de reprodução no capitalismo. Esse

controle seria vinculado ao gasto de tempo e a recursos financeiros. Para Löw (2013), o

88

espaço é uma noção que encarna simultaneidades, composto por vivência, as relações fariam

o espaço.

Frehse (2016) esclarece esse embate, ao dialogar com o método dialético de Lefebvre

(1998) da produção do espaço. Frehse (2016) assume que “cada corpo vivente é um espaço

e tem seu espaço: ele ali se produz e o produz” (Lefebvre, 1998, p. 199) e, dessa forma, pela

mediação do corpo, os sujeitos vivem socialmente o espaço. A autora considera que o espaço

(social) é um produto social que interfere na prática social, corroborando a discussão de

Lefebvre (1998, p. 465), que afirma que “as relações sociais só têm existência no e pelo

espaço”. Assim, como propôs Lefebvre (2008), identifica-se o papel mediador da historicidade

no espaço (Frehse, 2014), produzido pela mediação dos usos cotidianos de espaços

empiricamente constituídos.

O direito à cidade, isolado, provavelmente não é suficiente para a construção de uma

democracia urbana radical e justa, o que significa que outras perspectivas são necessárias para

a construção de uma visão completa de democracia urbana. O resultado mais provável seria a

busca de configurações urbanas heterogêneas e híbridas, já que os citadinos compartilham uma

cidade produzida para atender as necessidades complexas e múltiplas comuns (Purcell, 2002).

3.3 A Partilha e as Cidades

Em variadas disciplinas de ciências sociais, a partilha está desenhada com desígnios e

finalidades distintos (Eckhard & Bardhi, 2015). Embora esses fenômenos estejam

indiscutivelmente remodelando o mercado e a sociedade, ainda não se verifica uma maneira

de equalizar esses sistemas, além de conectá-los a estudos antecedentes (Lamberton, 2016), de

maneira a torná-lo mais perene, com arranjos justos e sustentáveis para as pessoas e as

cidades.

Por sua vez, as cidades contemporâneas vivem circunstâncias de transição, em um

mundo urbano fragmentado, sempre em fluxo, transitório, intercambiável em suas fronteiras e

coexistente em suas diferenças, que se pauta pela mobilidade, pela crescente circulação de

pessoas, mercadorias, imagens e ideias que se desterritorializam e se virtualizam nos espaços

(Santos, 2007; Harvey, 1996). Essas variadas unidades organizativas multifacetadas formam

uma robusta teia organizacional, constituindo-se uma organização plena de significados

(Fischer et al., 1997). Nesse sentido, a ideia de partilha está mais conectada à multiplicidade,

e não a uma concepção única e estruturada.

89

Entendo que conflitos reconfiguram a cidade. A própria constituição do espaço urbano

é antiga e a economia da partilha vem o reconfigurando. O compartilhamento parece ser um

elemento de dinamização e alienação do capitalismo. Anteriormente, a partilha poderia se

caracterizar como resistência e enfrentamento, pois desafia o sistema ao promover relações

menos mediadas pelo controle hegemônico do capital. Por isso, questiono se esse recente

movimento de valorização da partilha, com suas encantadoras iniciativas que discursam sobre

comunhão, colaboração e sustentabilidade, amplia ou dificulta o direito à cidade.

No cotidiano compartilhado, a política se enraíza no debate entre cooperação e conflito,

organização e descontração, em um espaço de convivência física entre pessoas, organizações

e instituições criadoras de convergência, base da vida em comum (Santos, 2007). As cidades

se compõem território qualificado de comum, em um tecido de relações que pretende

empreender o espaço construído em torno dos fluxos para potencializar os recursos para

promover o desenvolvimento local (Castells, 1999; Lefebvre, 1998; Santos, 2007). Nesse

contexto de redescobrimento da dimensão territorial, encontra-se o elo entre globalização e

localização, com a introdução de alternativas em torno do desenvolvimento das cidades.

Remontar a cidade como foco nos estudos organizacionais, implica considerar a

influência da gestão, do city marketing (Duarte & Czajkowski Junior, 2007) e da lógica de uma

estratégia hegemônica operando no espaço público (Honorato & Saraiva, 2016). Entretanto,

mesmo que na esfera da cidade aconteça uma identidade conexa aos diferentes signos e

símbolos passíveis de gestão, a cidade é subjetividade, e, por conseguinte, pluralidade (Viegas

& Saraiva, 2015). O urbano se estrutura em um mosaico de fragmentos, mais plural que

singular, complexo de totalização (Canclini, 2002; Magnani, 2008; Pesavento, 2007). Como

defendem Viegas e Saraiva (2015), a cidade, vista tradicionalmente pela administração sob a

ótica funcionalista, extrapola a capacidade de entendimento como campo de atuação

profissional ou objeto da administração pública e gestão urbana. A cidade é mais próxima de

um mosaico do que algo uniforme (Magnani, 2008). Desta maneira, é o palco de uma

instabilidade recorrente, na qual são investidas propostas de equilíbrio, ajustamento e controle,

que implicam embates entre atores das esferas de poder (Sánchez, 2001).

Nesse sentido, se estabelece o direito à cidade como proposta de revolução da

participação social (Lefebvre, 1999). O direito ao acesso coletivo aos bens compartilhados

deveria ser uma maneira de superar o economicismo e estabelecer uma administração

democrática. O cenário contemporâneo da partilha nas cidades, mesmo que apresente avanços

em termos de projetos coletivos, hortas urbanas, articulação entre bairros ou campanhas em

90

promoção do bem-estar, ainda há que avançar, pois não se limita a essas iniciativas. O direito

à cidade é um direito de nos mudar e moldar para uma outra racionalidade.

Lefebvre (1999) usa a expressão ‘sociedade urbana’ como síntese – dialética e virtual

– da dicotomia cidade–campo (Monte-Mór, 2006), que, conforme discutido anteriormente, é

suplantada na etapa contemporânea do capitalismo. A essa nova fase, Lefebvre (1991)

denomina ‘sociedade burocrática de consumo dirigido’ (Lefebvre, 1991). Nas cidades, tanto a

produção, quanto a troca de bens é conjunta com a produção, circulação e troca de signos,

linguagens e discursos. Ao produzir um bem material, uma praça ou um edifício, produz-se

igualmente a maneira como ele será consumido, sob a forma de discurso e imagem (Proença,

2011). Mesmo porque, enquanto local de representação de diferentes intencionalidades, a

cidade é lugar de disputa (Santos, 2007; Lefebvre, 2008; Proença, 2011).

Praticar o direito à cidade significa vivê-la como obra, inacabada, como atividade

“possibilitadora de novos espaços, que surgem do encontro e da partilha das diferenças”

(Proença, 2011, p. 192). Diferentemente da conduta consumista das cidades globais (Sassen,

2001), a cidade como obra, é o “lugar de livre fruição, como domínio do valor de uso”

(Lefebvre, 1958, p.145), a partir da adoção dos princípios da gestão democrática das cidades e

da função social da propriedade para a ascensão de políticas de desenvolvimento urbano. Usar

a cidade não significa consumir a cidade, mas vivê-la nos gestos cotidianos, no que importa

recuperar. Lefebvre (2008) desperta o olhar para o modo como vivemos, indicando que nas

atividades triviais é que descobrimos meios autênticos de relacionamento (Proença, 2011).

Entender a cidade como obra indica pleitear o direito à apropriação – possibilidade de

“reinventar a cidade, enquanto entidade espacial e política – e o direito à participação – cidade mais

inclusiva, onde as oportunidades são repartidas igualmente pela população, mas esta participação

comporta uma componente política, enquanto inclusão no processo de tomada de decisão”

(Purcell, 2009, p. 45). Significaria reivindicar a participação ativa na tomada de decisão urbana,

como projeto social e coletivo, “cujo sucesso está na interação, na cooperação e nas relações

afetivas dos seus habitantes” (Proença, 2011, p. 64). Nessa formação cidadã e nas possibilidades

que proporcionam aos movimentos sociais, o direito à cidade encontra sua capacidade

construtiva (Purcell, 2009). Envolve uma concepção das cidades como local privilegiado do

exercício democrático, de forma a garantir o usufruto equitativo dos recursos, serviços, bens e

oportunidades para a realização dos anseios dos cidadãos.

Como os espaços urbanos comuns da cidade são apropriados pelo capital para fornecer

as bases da produção-reprodução das relações capitalistas, seria preciso pensar e fundar um

91

novo modo de fazer cidade com capacidade de transpor o sistema do capital, o que envolveria

associar teoria e práxis (Santos Junior, 2014).

Articular as lutas para as necessidades de reprodução social e um plano utópico para

uma nova cidade comum é preciso, buscando espaço para avanço nas condições de reprodução

social na cidade, no sentido de ampliar o acesso à habitação, saneamento, urbanização

mobilidade, cultura e lazer, saúde e educação, sustentabilidade ambiental, e outros. Essas são

formas de sociabilidade e apropriação do espaço e do tempo, que revelam valores e visão

pública da cidade em que se deseja viver (Santos Junior, 2014). “A revolução urbana e a

democracia concreta (desenvolvida) coincidem" (Lefebvre, 1999, p. 126).

Como espaço de confrontos e ao mesmo tempo de parcerias (Velho, 2006), mais do que

a economia da partilha ser o impulso de mudança das cidades e seus direitos, são as cidades as

indutoras da ressignificações e sentidos da partilha, mas que, ao se transformar, também geram

novas significações, conformações e disputas, fornecendo novos sentidos aos modos de vida

urbana.

Como forma de resumir as discussões aqui propostas, apresento um esquema conceitual

sintético da tese, exposto na Figura 9.

92

FIGURA 9 – Esquema Conceitual da Tese

Fonte: elaborado pela autora.

NSE

(Boltanski

& Polanyi)

Capitalismo precisa se justificar

e absorve contradições para se

reinventar

Economia da

partilha apresenta

novas formas de

reinvenção do

capitalismo

Não problematiza a ideia de

consumo, acumulação e

exploração

Cidade por

projetos/ rede/

conexões

(Boltanski)

Cidade como palco de interação,

conflito, lutas. Local de excelência

do capitalismo – a cidade é boa para

quem pode acessar e consumir

Formas de associação são

estabelecidas

Direito à Cidade como

forma de buscar

administração democrática,

mas que pode desvelar

contradições para

promover justiça social

Hibridização da partilha mais comunitarista e

mais mercadocêntrica: convivência de

diversos sistemas.

Partilha do excesso, segregada, acesso da

cidade direcionado a determinados grupos.

Direito à cidade, como proposta de revolução

da participação social, mas que é permeada

por desafios, ao passo que discursos são

deslocados, formando novas contradições e

reconfigurados o acesso a recursos materiais

ou simbólicos a partir de narrativas que

tendem a encobrir a desigualdade urbana.

Partilha institui novas contradições, reproduz

o sistema hegemônico, se ressignifica –

modifica e é modificada pela cidade - a partir

das transformações que opera

93

4. Economia da Partilha e Hortas Urbanas: algumas análises e mais questões,

inquietações e incongruências

Plantar horta na cidade é fazer micropolítica6 (Aílton

Krenak, líder indígena, ambientalista e escritor)

4.1 Preâmbulo

Muito além do problema de pesquisa – que busca discutir as contradições da economia

da partilha na dinâmica social da cidade –, várias inquietações orientam as análises que

proponho e que, certamente, não se esgotam neste texto. Acredito que esses apontamentos

provoquem mais questionamentos e levantem mais debates, numa partilha que vai acontecendo

e se transformando no fazer.

Uma dessas inquietações é o modo de vida que estamos vivendo, principalmente nas

cidades. Excessos (de consumo/bens, de anseio por status, de audiência, de visibilidade),

permeados por escassez (de condições igualitárias que permitam um viver com dignidade, de

união entre as pessoas, de buscar um futuro harmônico, de sustentabilidade), e ausências (de

espírito gregário, de afeto, de solidariedade, de troca, de bem-estar comum) que levam a uma

condição de exclusão, de segregação, de prioridades exclusivas a uma determinada parcela da

sociedade, de desigualdade.

Como Dowbor (2019) discute em Haverá vida além do PIB?7, a sociedade produz

muitos itens em excesso – poluição, por exemplo –; e outros de maneira escassa – ele cita

educação e saúde. Essa restrição leva ao que o autor chama de ‘economia do pedágio’, em que

se valoriza o que oferece retorno econômico e crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), em

vez de se resolver o problema social em si, aquilo que beneficiaria a humanidade. Os excessos

encobrem os ganhos do capital para que as insuficiências fiquem no vazio do atendimento aos

cidadãos. Dowbor (2019) reflete sobre a redução do acesso a bens gratuitos como forma de

aumentar o PIB. Cobrar condomínio para acesso à praia, e em breve, suponho, ticket para

acesso a câmaras de ar puro, são artifícios de uma economia voltada para o PIB e não para as

pessoas. Cobrança de taxa aumenta o PIB, gratuidade de acesso, não.

6 https://terrasindigenas.org.br/es/noticia/185494 7 https://outraspalavras.net/crise-civilizatoria/havera-vida-alem-do-pib/

94

A ‘economia do pedágio’, em larga expansão, promove empresas que aumentam o PIB

ao restringir o acesso aos bens. Seria o equivalente a um PIB alto, com uma vida pobre. Citando

a economia da partilha e os estudos de Rifkin (2001, 2014), entre outros, Dowbor (2019)

discute os entraves de acesso ao conhecimento. Encobrindo as intenções de lucro das editoras

e intermediários, as tecnologias restringem o acesso, ao defenderem a remuneração dos

produtores do conhecimento, cujos direitos dos autores se transformam em retornos às

corporações internacionais multi-produções, o que aumenta o PIB. Um mundo que caminha

baseado no crescimento econômico ranqueado por um único indicador, mas sem

desenvolvimento. Como medir a saúde pelo número de atendimentos médicos ou

medicamentos vendidos, em vez de medir a quantidade de não-doentes, isto é, diminuição de

necessidade de atendimento. Mas isso não aumenta o PIB.

Seguindo essa linha de raciocínio, seria possível pensar em um ‘consumo da partilha’,

ou seja, as pessoas se encontrarem, mas não estarem juntas. O sentido da coletividade se esvai

na reunião que é criada num sentido mais plástico ou estético, na qual uma foto é feita para que

seu destino primordial seja a postagem na rede social. Nesse mundo produzido por imagens, a

realidade da troca, do afeto e do espírito gregário se distancia da ampliação de um direito à

cidade emancipador.

Esse contexto também está presente no meio rural, mas como afirmam Cohen & Muñoz

(2015), na cidade que se agravam. Longe de desenhar uma visão utópica e delinear soluções,

procuro entender se a economia da partilha poderia ser um caminho alternativo, que não

excluiria o sistema existente, mas atuaria em suas fissuras, a fim de marcar posições e

estabelecer novas bases para uma economia mais justa.

Entretanto, muitas discussões já colocadas apontam para suas controvérsias. Na

maneira que vem sendo configurada, a economia da partilha se apresenta como mais uma forma

de exploração capitalista que absorveu as críticas e se coloca sob novas estruturas ditas

colaborativas e compartilhadas. Esse conjunto se configura em um mercado de excessos que

explora a escassez como via de alcance de recursos, antes não explorados. Ao acessar qualquer

sistema eletrônico, tal como um aplicativo de caronas, uma rede social para trocas de

mercadorias, ou um grupo de mensagens instantâneas via celular segmentado por

interesse/localização/produto/serviço, toda uma base de dados armazenada fica à disposição

para uso indeterminado da empresa promotora dessa “partilha”.

Essas informações podem ser usadas não somente por ela, mas serem vendidas,

dependendo do contrato e termos de aceite estabelecidos com seus usuários. E note-se que a

propriedade já deixou de existir neste momento do uso do serviço de conexão entre as pessoas,

95

isto é, seus co-criadores são parcialmente controladores dessas informações, não tendo a

propriedade desses dados, mas conferindo a esses administradores de grupo um certo status

como gestores de uma rede. O grande proprietário desta rede (Boltanski & Chiapello, 2009)

não está sequer evidente nesta relação de troca. São os redeiros que trabalham por ele nessa

relação de transferência dos bens de capital. Nesse sentido, a partilha parece ser um modelo

ainda mais cruel, por não se apresentar como uma relação direta de transação, mas uma relação

permeada por discurso e forma da troca, da sustentabilidade, do vamos estar juntos e

compartilhar.

Outra inquietação é entender esse fenômeno de forma ampla, num contexto citadino,

abarcando as esferas sociais, os fenômenos, os acontecimentos ao longo do tempo. O que as

iniciativas e empreendimentos de partilha fazem no nível micro, que começa a ter outro

sentido? Isso transforma o que eles veem da cidade, dando um sentido maior para o que estão

fazendo?

Como a partilha tem se configurado como um movimento crescente no mundo, é

possível pensar também em um caráter híbrido desse fenômeno. Ao partilhar, a questão

financista pode ser a via condutora, mas ela pode também acessar outras instâncias, como uma

maior abertura à troca, ao contato com pessoas desconhecidas. Esse movimento parece ir

formando novos modos de vida, mais abertos, que exigem um esforço de relação com o/a

outro/a, ainda que por objetivos funcionais.

Ao ceder um cômodo da sua casa para a hospedagem de um terceiro – por exemplo, em

sistemas de couchsurfing8 –, certamente, o viés dessa relação é muito mais complexo, e não

pode ser analisado apenas do ponto de vista funcional, quando o(a) proprietário(a) tem a

finalidade de obter uma renda extra ou complementar ao orçamento doméstico, ainda que essa

tenha sido a motivação inicial. A pessoa anfitriã, ao abrir sua própria casa, teria alguma abertura

também para essa troca.

Existem casos, ainda, de pessoas que não são proprietárias, mas alugam casas e

apartamentos de terceiros, para então se inserirem nesse mercado como sublocadores. Assim

também ocorre com sistemas de compartilhamento de automóveis, quando motoristas alugam

carros de tradicionais empresas locadoras de veículos para testarem sua entrada como

motoristas no modelo de economia da partilha.

8 Sistema ou rede social para serviço de hospitalidade com base na Internet. No modelo mais usual, a plataforma

eletrônica/virtual faz a ponte entre turistas que buscam hospedagem durante uma viagem e pessoas que gostariam

de hospedar esses visitantes em suas residências ou pequenos negócios. Existem diferentes formas de

combinações e negociações, em formatos de hospedagens que têm abalado a indústria tradicional do turismo.

96

Proliferam grupos de Whatsapp – hoje é o sistema mais comum, mas poderia ser outra

plataforma – com vendas e trocas de roupas, utensílios domésticos, brinquedos, ferramentas,

uniformes escolares, entre outros. O consumismo parece levar à necessidade de escoamento

dos produtos velhos, para dar lugar aos novos. O velho e o novo aqui não significam

necessariamente antigo ou recente, considerando-se a data de fabricação. Eles se referem ao

que se abandona e ao que se adquire de novidade, ainda que os produtos sejam novos. Muitos

vendem roupas ainda com etiqueta, alguns se desfazem de relíquias porque ocupam espaço. O

excesso leva à venda – e à obtenção de algum lucro com a transação – para a economia girar.

Nesses grupos de partilha, há uma ampliação do consumismo. Em alguns casos, a doação

acontece somente quando a pessoa não consegue vender o produto, depois de várias tentativas,

e encaminha à doação nesses próprios grupos de trocas – o que aumenta seu status neste grupo

–, ou para instituições e entidades que recebem doações para pessoas que delas necessitam.

Por estes simples exemplos, é possível notar a hibridez nas relações da partilha. Se as

razões mais gregárias, o sentido da relação, não sobressaírem, a economia da partilha continua

seguindo a lógica da economia tradicional. Ainda que ambas componham o rol de iniciativas

da economia da partilha, algumas tenderiam mais para iniciativas comunitaristas ou gregárias,

e outras mais funcionalistas e economicistas, com perfil mais mercadocêntrico.

As implicações desta economia nas cidades merecem uma análise com um olhar

contextual e crítico. Apesar de trazerem um movimento de mudança, nos moldes que se

apresentam ainda não parecem capazes de provocar meios para novos modos de vida das

pessoas e transformações a favor da justiça social. Essas implicações seriam a força

provocativa para mudar os modos de vida na cidade, ampliar o direito à cidade como forma de

ação social na cidade e não como forma de apropriação da cidade. O movimento apresenta

crescimento e vem alterando várias dinâmicas urbanas, mas não é capaz, ainda, de ampliar o

direito à cidade, sobretudo nos termos de Lefebvre (2008), atuando nas formas de se planejar

e organizar o urbano, que proporcionariam a efetiva participação social das pessoas nas

decisões da cidade.

A análise das mudanças em voga no Brasil contemporâneo suscita o entendimento da

organização social do território como resultado das peculiaridades da nossa formação histórica

que explicam o desenvolvimento capitalista, sobretudo nas metrópoles. No contexto deste

estudo – Belo Horizonte – desafios permanecem visto que as desigualdades espaciais

constituem uma marca desta cidade. “A trajetória da formação de Belo Horizonte e de sua

região metropolitana é marcada pela ação estatal e por processos de segmentação e segregação

socioespacial” (Mendonça; Andrade & Diniz, 2015, p. 15). Os grupos sociais privilegiados

97

permanecem concentrados nos espaços centrais, o que não permite avançar em direção a

hipóteses sobre mudanças radicais ou sobre uma ruptura em relação à ordem hegemônica

(Mendonça; Andrade & Diniz, 2015).

Novas maneiras de apropriação dos espaços urbanos são necessárias, bem como

conhecimentos e movimentos sociais articulados para a transformação da vida. Há necessidade

de proporcionar o encontro, locais de simultaneidade e partilha, experiências potencializadoras

de interação, uma sociedade como obra, não como produto (Lefebvre, 1999; 2008).

Por isso Lefebvre (2008) defende o direito à cidade como uma utopia, uma plataforma

de sociedade a ser edificada pelas lutas sociais contra a lógica capitalista de produção do urbano,

que mercantiliza as cidades. Tanto a partilha se configuraria em uma forma de ampliação do

direito à cidade – ampliando as trocas de pessoas para pessoas, fazendo novos usos dos espaços

como praças e canteiros de hortas partilhadas etc. –, quanto, ao contrário e concomitantemente,

ela pode agir como mais uma engrenagem de manipulação, segregação e exclusão do sistema

urbano. Um exemplo desta perspectiva é o fato de os grupos e empresas de partilha se

concentrarem na região centro-sul, afastando as periferias desta participação.

Lefebvre (1978) conduz ao entendimento de como o capitalismo se perpetua,

reproduzindo as relações de produção através da construção do espaço (Monte-Mór, 2006).

Quando o sistema capitalista é visto através desta lente, um conjunto de atividades econômicas

de partilha surgem na urbe, que, pela articulação de uma abordagem híbrida para a criação de

valor, têm um efeito potencial no sistema de produção e consumo. A cidade se constitui em um

espaço de simultaneidades (Lefebvre, 1999).

O ponto decisivo do direito à cidade reside na constatação de que ele redefine a arena

de tomada de decisão nas cidades para a produção do espaço urbano. Ele reestruturaria o poder

das relações que se dedicam à produção do espaço urbano, deslocando o controle do Estado

conjuntamente com as empresas, em direção aos habitantes da cidade (Purcell, 2002).

Portanto esse direito reivindica novas maneiras e propostas para a reprodução social

na cidade, estando vinculado a lutas contra a desapropriação, como as reivindicações conexas

à habitação, saneamento, mobilidade, educação, saúde, cultura, participação democrática

(Santos Junior, 2014). Como grito (Lefebvre, 1996), ele poderia ser expresso na diversidade

de agendas dos movimentos sociais urbanos contra despejos, sem-teto, reforma urbana,

saneamento, cidade justa, proteção ambiental, passes gratuitos de transporte público,

imigrantes, movimentos culturais, lutas institucionais pela mudança na legislação de

urbanização, que criariam um interesse social, além de expandir espaços para participação

98

política, por meio de participação em orçamentos e conselhos municipais (Santos Junior,

2014).

Essas lutas poderiam ser consideradas parte do direito à cidade, dado que se concentram

em desmantelar a ampliação do acesso a terras urbanas, habitação e serviços públicos. Esse

conjunto de mobilizações tem repercussões para aspectos fundamentais de reprodução social

na cidade (Santos Junior, 2014). Contudo, é relevante lembrar que essas lutas cuidam apenas

dessa dimensão do clamor ao direito à cidade. De fato, em plenitude, considerando a parte da

demanda (Lefebvre, 1996), o direito à cidade não teria maneiras de se estabelecer nos moldes

da urbanização capitalista contemporânea (Santos Junior, 2014).

Como demanda coletiva para uma nova ideia de urbe, o direito à cidade estaria

direcionado para a criação de uma vida urbana menos alienada, que permite o florescimento

da emancipação humana, reconstruindo a cidade da perspectiva da justiça social e felicidade

(Santos Junior, 2014). Um outro cotidiano não dirigido, que surge de um espaço vivenciado,

uma práxis teorizada, reflexiva, não alienada (Monte-Mór, 2006). Expressa, portanto, o direito

de reivindicar outra cidade. “A definição do direito à cidade é em si um objeto de luta, e essa

luta tem que prosseguir concomitantemente com a luta para materializá-lo” (Harvey, 2012, p.

XV).

Enquanto ressignificação, é preciso cada vez mais enxergar a cidade como um território

de progressivas mudanças e adaptações, a partir de suas (re)configurações dos espaços

(Mendes & Cavedon, 2012). O conceito de cidade propõe-se à alteração, à medida das

ressignificações das atividades sociais e econômicas (Mendes & Cavedon, 2012). Nesse

sentido, questiono se a economia da partilha contradiz a perspectiva de cidade-conceito,

planejada utopicamente como manifestação do espaço urbano organizado, generalizado e com

estruturas definidas (Certeau, 2008) ou se ela reforçaria esse sistema. Na medida em que

refletimos onde estão localizados os pontos de acesso às bicicletas compartilhadas, os espaços

de coworking ou as feiras coletivas de alimentação orgânica, percebemos que sua centralidade

pode não ser apenas ocasional. O planejamento está presente na forma de organização

territorial, por vez segregatória.

A cidade, espaço da ação humana, seria o lugar do acontecimento possível, por meio

de “formas inéditas de trabalho e de luta” (Santos, 2000, p. 132), que necessitaria de maneiras

diferenciadas de escuta e ação para esboçar o cenário de uma “nova economia” e uma “nova

cidade”. O destino da economia da partilha poderia estar relacionado à força que diversos

grupos poderiam exercer para pressionar instâncias decisórias, a fim de reduzir os parâmetros

99

de injustiça social no meio urbano e promover uma maior democratização no fazer, viver e

gerir as cidades.

O modo de uso dos recursos para a reprodução social não corresponde à “ampliação

permanente das liberdades substantivas dos seres humanos, apesar da imensa prosperidade

material” (Abramovay, 2012, p.15). Seria a economia da partilha um caminho? Ambiguidades

e paradoxos se intercambiam com desafios e possibilidades da partilha para a transformação

socioeconômica das cidades.

Para buscar desenhos econômicos alternativos às convencionais formas do mercado

e/ou da dádiva (Mauss, 1974) – que pode vincular uma dívida, ainda que imaterial –, é preciso

pensar que no processo de produção da partilha, a precificação e a escolha dos participantes

são diferentes dos da mercadoria (Benkler, 2004), tradicionalmente regida pelas regras de

oferta e demanda. Ainda, existem modelos de partilhas sem trocas econômicas ou empresas no

intercâmbio entre os participantes.

A lógica que parece mover a economia da partilha, portanto, é a do excesso. Em grande

parte das visões, ela está atrelada ao potencial de uso dos bens compartilháveis, isto é, o uso

partilhado ocorre na ocasião de sua capacidade excedente. Rifkin (2014) reverbera que a era

do capitalismo está passando, e a sociedade estaria vivenciando um momento de economia

híbrida, parte capitalista e parte colaborativa. Esses sistemas trabalhariam em conjunto, apesar

de imbricarem profundas incoerências. Para emergir uma economia com outra visão, o maior

desafio não está nas mãos do Estado sobre as decisões de mercado, nem na eliminação dos

mercados, mas, na proposta da economia descentralizada, na qual os mercados desempenham

papel decisivo e não exclusivo (Abramovay, 2012).

Esse excedente, contudo, não era aproveitado antes. Seja porque o produto era

descartado, doado e ressignificado para quem o recebia, seja porque o foco era estritamente

centrado no produto, e não nos serviços. Portanto, a lógica da partilha hoje está vinculada a

aproveitamentos do que não era explorado anteriormente no sistema, criando um novo mercado

do uso. Anteriormente, o foco era ter um carro, e não usar um carro. Se a roupa não servia ou

estava em desuso, encaminhava-se para doação ou repasse a um familiar ou pessoa próxima,

situação que ainda ocorre, mas passa a ser cada vez mais monetizada no Brasil. No país, os

brechós, os grupos de venda via aplicativos e outras ferramentas crescem velozmente,

formando um mercado do excesso.

Desta maneira, o significado da partilha se altera de acordo com o envolvimento das

pessoas na distribuição de recursos nas cidades. Dentro das vantagens que a partilha

proporciona, estão o acesso conveniente e econômico a recursos valiosos, flexibilidade e

100

liberdade das obrigações financeiras, sociais e emocionais incorporadas na propriedade.

Mesmo com esses benefícios, a economia da partilha parece não ter a capacidade

transformadora de abalar estruturas hegemônicas, modificar o uso do espaço urbano, promover

a participação e ampliar o direito à cidade.

Soma-se a esse processo a distribuição espacial no urbano, a segregação e

diferenciação, fruto da reprodução do capital que determina as ocupações do espaço por

determinados segmentos sociais (Carvalho, 2000; Barreira, 2003), tendo como base a

propriedade privada do mercado e o controle do Estado. São expressões desta configuração

socioespacial a diferença entre o bazar de trocas de roupas das comunidades e o brechó

sofisticado, com peças de grife selecionadas. São esses também exemplos da cidade como valor

de troca (Lefebvre, 1999).

Um dos aspectos que articulam a perspectiva de cidade idealizada é reconhecê-la como

projeto de gestão, cidade que emerge como sujeito político supondo, na concepção de Castells

(1999), a vigência de atores capazes de intervir nas práticas coletivas em decisões

democráticas. Como cenários de gestão (Canclini, 2002), o foco dos estudos organizacionais

no campo da urbe tem sido a análise da gestão e da distribuição de recursos dentro da

configuração territorial (Coimbra & Saraiva, 2014). Contudo, o espaço urbano é formado por

atores sociais e suas emoções e representações (Nogueira, 2009), a cidade se manifesta pela

visão dos sentimentos captados pelo viver urbano e também pela expressão de esperanças que

esse habitar conjunto oferece (Pesavento, 2007).

A metrópole contemporânea, em meio à diversidade e seus dilemas, abarca interstícios,

espaços singulares, por meio dos quais seus habitantes estabelecem vínculos entre si e com a

cidade. (Magnani, 2008; Ipiranga, 2010). Em seus estudos antropológicos, Vidal e Souza

(2016; 2017) robustecem os estudos entre centralidade e marginalidade, ao destacarem as

posições relativas, dinâmicas e heterogêneas que ocorrem entre esses extremos. Os estudos

ressaltam as conexões sempre instáveis, sujeitas à composição de grupos.

Os objetivos e o sentido da produção precisam se voltar para as necessidades básicas e

a ampliação das liberdades humanas, respeitando as possibilidades da natureza (Abramovay,

2012). Repensar coletivamente os padrões de vida das cidades contemporâneas a fim de

superar a desigualdade e originar harmonia da vida em sociedade, de forma a equilibrar um

imaginário urbano nem sempre convergente.

101

4.2 Partilha por meio de experiências de agricultura urbana

Ao fim, a horta é só uma porta de entrada para todas

essas grandes questões, elas se dão de qualquer outro

jeito. É um jeito de perceber as relações sociais, a forma

como a gente vive, ou espera viver, e se relaciona. (Fala

de entrevista, permacultora do Hortelões Urbanos).

Na agricultura, a partilha é uma questão ainda mais contundente, ao se considerar que

a partilha do alimento tem históricas e profundas relações cristãs. Grande parte das pessoas –

em um Brasil predominantemente católico – aprendeu a partilhar o pão com o próximo, sendo

abençoando quem divide o que tem.

Soma-se a esse fator, a questão de que, no Brasil, a agricultura é sustento para grande

parcela da população. Famílias inteiras fazem do plantio um modo de sobreviver,

principalmente no interior dos estados, no meio rural. Na medida em que essas pessoas migram

para a cidade, a prática do plantio busca um espaço no asfalto e a agricultura urbana toma

novos ambientes como lajes, muros, vasos ou pequenos canteiros.

A agricultura urbana se introduz no campo político como agente, formulando

estratégias diferentes daquelas da gestão pública, das empresas e até mesmo de alguns

movimentos sociais. Com trajetória e força socioeconômica invisibilizadas pela urbanização

capitalista e poderio imobiliário, baseados no saber formal, a agricultura urbana ainda é

considerada vulnerável e insignificante. Resiste e estabelece maneiras de enfrentar a dinâmica

do capital hegemônico no tecido urbano, alterando estruturas por meio de ações microssociais,

nas comunidades ou nas periferias, na prática cotidiana de uma horta, por exemplo. Fruto da

visão capitalista de cidade, a modernidade contribui para a invisibilidade das iniciativas de

agricultura urbana ao associá-las à noção de rural como forma social arcaica e periférica

(Almeida, 2016) em relação à economia formal.

São diversas as manifestações de práticas na cidade de Belo Horizonte. Existem hortas

em esfera doméstica, iniciativas comunitárias em favelas e aglomerados, unidades familiares

em pequenos sítios ou lotes e empreendimentos comerciais com foco em horta para ser

produzida e consumida na cidade, com produção mediada por tecnologia de ponta. Essas

iniciativas representam uma outra perspectiva sobre o uso do território urbano, sobre a relação

entre espaços públicos e privados, e entre a cidade formal organizada e planejada por um lado,

e a cidade informal não planejada de outro. A maior parte desses empreendimentos de hortas

102

urbanas não se apresenta formalmente estruturada, gerando conflitos e novos modos de se viver

na cidade.

Essa variedade abarca uma diversidade de culturas, saberes e conhecimentos

relacionados à história de vida dessas pessoas, seja a origem rural e seus aprendizados passados

de geração em geração, seja recriada a partir dos “recentes agricultores urbanos”, sujeitos

citadinos que iniciam suas empreitadas com hortas urbanas, com alguma ou nenhuma

experiência prévia, a partir do acesso a cursos, programas de agricultura, pesquisas próprias e

internet. Ainda que, em ambos os casos, a agricultura não signifique a fonte de renda principal,

as experiências têm mudado as maneiras de se viver e de se pensar em opções de existência

mais saudáveis na cidade.

Existe um aprendizado da coletividade. Tem gente que não sabia fazer nada. Aprendendo a

fazer as coisas juntas. Aprendizado comunitário, um consegue fazer um trabalho mais pesado,

ou outro faz outra parte. Ali estão caminhando para ser todo mundo cuida de tudo e colhe de

tudo. É uma coisa mais difícil. (Fala de entrevista, Analista Técnico Social da Urbel)

Motivados por um sentido de vida, por busca de alimentação saudável, por encontrar

no cultivo uma relação mais próxima com o bem-estar da pressão sufocante do urbano, por um

custo mais acessível a alimentos de qualidade, e entendendo que o modo de vida

contemporâneo se apresenta insustentável, esse público se articula e fomenta grupos de trocas

de experiências, a exemplo do Hortelões Urbanos, pesquisado na tese.

O grupo Hortelões Urbanos nasceu em 2011, reunindo na rede social Facebook

(Figura 10) pessoas que cultivam hortas em diferentes escalas e locais, além de trocarem

conhecimentos e aprendizados sobre agricultura urbana. Atualmente o grupo conta com mais

de 80 mil membros9 e é composto por um grupo de administradores com oito integrantes, em

uma gestão horizontal. O grupo também promove encontros para que as pessoas se conheçam

e troquem mudas, sementes e receitas, privilegiando o contato das pessoas, criando grupos

“filhotes” de troca, inspirando as pessoas a plantar, o que, por si só, é um avanço em direção à

alimentação saudável.

9 Dado de 12 de fevereiro de 2019 – www.facebook.com.br/horteloesurbanos

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FIGURA 10 – Página no Facebook do Grupo Hortelões Urbanos

Fonte: Facebook, Grupo Público

Os Hortelões Urbanos reivindicam a reconexão com a terra e a produção do seu próprio

alimento. Componentes do Brasil inteiro compartilham sementes e combinam o envio dos

grãos pelo grupo via Correios. A partir de 2012, as trocas de insumos e de conhecimentos

transcenderam o espaço virtual e alguns participantes iniciaram o cultivo coletivo em praças,

canteiros e ambientes públicos, em diferentes cidades do Brasil. É o caso da Horta das

Corujas10, no bairro paulistano Sumarezinho.

A representante entrevistada, permacultora e fomentadora de hortas urbanas, defende

que quem se aproxima do plantio pelo prazer de ter um jardim ou uma horta acaba

estabelecendo uma relação diferente com a alimentação, a terra e com as pessoas, pois essa é

uma experiência que integra o ser humano e traz maior equilíbrio, especialmente diante dos

modos de vida na cidade, cada vez mais atribulados e poluídos. Em um momento em que se

tem discutido mais sobre sustentabilidade, produção menos poluente, alimentos orgânicos,

vegetarianismo e veganismo, movimento slow food e iniciativas de repensar o consumo bem

como seu descarte, as hortas urbanas se tornaram símbolo de modo de vida mais

socioambiental e preocupado com o bem-estar. Esse ato de plantar afeta outras instâncias da

vida, levando essas pessoas a adotar posturas mais conscientes em seus diferentes setores de

atuação.

Doutora em Antropologia, a permacultora tem conduzido concomitantemente diversas

hortas, além de trabalhar no incentivo a novas hortas. Também tem atuado no viés político,

com projetos de lei em favor da agricultura urbana, por meio do coletivo “ ‘A cidade que

10 https://hortadascorujas.wordpress.com/

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queremos’, que pensa ou trabalha numa cidade para todos, mais da troca e menos da venda. A

ideia é mudar a percepção das pessoas de repensar as cidades.” (Fala de entrevista,

permacultora do Hortelões Urbanos). Por este exemplo, reforça-se o papel das hortas como

instrumento de ação coletiva, modificação das estruturas vigentes, enfrentamento do poder

econômico e político hegemônicos, e embrião da construção de um direito a cidade

ampliador.

A horta representa uma maneira de resistir ao que é imposto, de quebrar estruturas e

gerar fissuras no concreto das cidades, em uma transformação que nasce dos cidadãos e que

não depende de incentivo governamental ou aportes empresariais. Esses fatores incentivaram

o estudo da partilha por meio das hortas urbanas.

Essa reconexão com os elementos da natureza no espaço urbano, cada vez mais necessário para

a sanidade física e mental. Não é só comer bem, é também ter paciência, resiliência e respeitar

o tempo das coisas, ter a ideia de que você não tem controle sobre a natureza e nem por isso ela

deixa de ser generosa. (Fala de entrevista, permacultora do Hortelões Urbanos)

No caso dos Hortelões Urbanos, uma das coisas que a gente privilegia é exatamente o contato

das pessoas, então é fazer grupo de troca, é se conhecer pessoalmente, mais do que ficar na

internet. Isso é um ganho extraordinário em tempos atuais. É reocupar a cidade, religar as

pessoas, restaurar os laços de amizade e solidariedade com seu vizinho. (Fala de entrevista,

permacultora do Hortelões Urbanos)

É evidente nas falas e interessante notar que o olhar mais gregário e comunitarista da

partilha sobressai na seara das pessoas que plantam hortas urbanas. Essas pessoas enxergam

valor no que fazem. Nesses contextos, é possível dizer que a partilha é envolvida por valores,

não revela egoísmo em modo extremado. Abarca a emoção e simbolismos – da vida que já

viveu no campo, de uma vida melhor no futuro mais saudável – e essa reciprocidade vivida nas

hortas pode ser uma via para entender que a economia da partilha tem troca, dádiva e

individualismo, porque a dinâmica é complexa.

A dádiva cria dívida, a desigualdade constitutiva da relação de troca (Malinowski,

1978). O fato de vincular os sujeitos pelo dom e pela troca é a maneira de formar a dívida da

relação entre as pessoas. Para que a relação de dádiva se institua, quem doa condiciona quem

recebe a assumir essa dívida. O receptor é compelido a agir, por meio da captura moral que o

doador pratica sobre ele.

A ação de quem paga e, sobretudo, reconhece a dívida, é fundamental na formação do

valor de quem doa. A relação, portanto, é assimétrica, porque para se ter valor, é preciso possuir

muitos devedores. Mauss (2001) expõe que na dádiva há o sentido utilitário, não sendo uma

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ação simplesmente desinteressada, principalmente porque os grupos de troca acontecem pela

divisão do trabalho, como entre agricultores e vendedores. Essa hibridização entre ação livre e

doada, e ação utilitária e financeira firma a constituição das sociedades e foi verificada nas

hortas, sistemas que (re)produzem os modos de vida na cidade.

Nas hortas visitadas, observei e vivenciei situações de doação de moradores das

comunidades para as hortas. A doação nem sempre ocorreu como uma via única, aparecendo

como uma espécie de investimento em um modo de vida do qual o morador tem interesse e

admira: “É bonito de ver essa horta. Tenho uma enxada lá em casa, vou doar procês” (fala de

conversa informal com transeunte na Horta Esperança). Um compromisso parece ser firmado,

no sentido de que ao doar, o morador espera o retorno da produção – provavelmente alguns

pés de verduras ou temperos –, ou ainda, simplesmente, ele espera que o trabalho continue e

prospere, melhorando o ambiente que dele se aproveita.

Esses vínculos ora se apresentam como indutores de mudança positiva, gerando fôlego

para a continuidade da atividade na horta e criando uma rede de cooperação e colaboração, e

ora servem como faíscas da disputa pelo território. Essas disputas surgem a partir das

discussões que travam os moradores e o grupo condutor da Horta sobre as diferentes opiniões

em relação às funções, e também sobre o que dizem dessas atividades, fazendo com que o

grupo condutor sempre tenha que ‘prestar conta’ do seu trabalho, ainda que voluntário na

Horta.

Essas questões levam à reflexão sobre a escala dessas ações para implicações no direito

à cidade. Processos empáticos de reconhecer no outro um status de sujeito mantendo posições

que podem ser antagônicas dialogam com a reciprocidade, a troca e a dívida. Essa organização

social subordina os valores sociais aos valores utilitários, que por outro lado, valoriza na

hierarquia social aquelas pessoas que se doam e doam seus bens para o bem comum. Essa

dialogicidade, muitas vezes, pode transcender a esfera micro das hortas e ganhar escala, indo

para outros contextos na esfera pública e formar redes.

Ao fundo, esse processo ampliaria a visão de direito à cidade, mesmo que o resultado

seja de longo prazo, ou incerto? Ela mudaria o sentido das pessoas em seus modos de vida?

Nesse círculo dialético, na medida em que a horta passa a ter venda dos seus frutos, ela se torna

um negócio e o caráter mercantil prevalece, definindo o que se planta, como se planta e toda a

lógica se reverte.

No caso de hortas que acabam caminhando para o interesse comercial aí não tem jeito, isso é

inexorável, porque isso muda os métodos de cultivo, a decisão sobre o que plantar e o que não

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plantar, o trabalho que está envolvido, como dividir as coisas, aí começa uma gestão mais

empresarial e a conversa é diferente. (Fala de entrevista, permacultora do Hortelões Urbanos)

O jeito de eu saber, a forma como eu diferencio uma ação de outra, é só olhar quem que está

segurando a enxada. Se é quem propôs a horta, tudo bem. Se quem propôs está ali só

supervisionando, eu estou fora. O que me parece é que muitas vezes é uma ação de marketing

e que acaba não se sustentando. A ideia da horta é uma ideia muito legal porque ela te cobra

não só a solidariedade, mas ela te cobra o envolvimento. É uma experiência que se perde no

distanciamento. Se você fizer uma ação dessas que eu chamo de startup, que faz uma mini

estufa que parece uma adega de vinho que custa 3 mil reais, pra conseguir plantar uma alface

que fica uma graça... mas você cria uma alface quase plástico, não tem nada a ver com a alface

de verdade. Para ser orgânico, tem que ter um ambiente propício. (Fala de entrevista,

permacultora do Hortelões Urbanos)

Nesse sentido, hortas-empresas se distanciam desse engajamento. Preocupadas com o

retorno sobre o investimento, não se permitem testar plantas em seus locais de crescimento,

vivenciar o tempo da natureza, alcançar os princípios agroecológicos. Seguindo esta lógica,

teríamos cidades controladas pela lógica do agrobusiness. Se a cidade é um espaço de

contradição, repensar esse sistema traria um novo tipo de horta urbana, atuando em espaços

não-determinados ou não-convencionais – são exemplos as áreas remanescentes de obras, lotes

vagos, canteiros divisores de avenidas, praças etc –, revertendo a lógica tradicional.

Destacando o caráter híbrido desses empreendimentos, reforço que nas iniciativas de

hortas urbanas há partilha mais gregária/ comunitarista e também economicista/

mercadocêntrica. Ou seja, em maior ou menor grau, a partilha navega por esses meandros que

não permitem uma classificação clara do que é e o que não é partilha. Não é meu objetivo

separar ou segmentar os empreendimentos em categorizações, mas entender como a partilha

pode transformar os modos de vida na cidade, nesses empreendimentos que navegam tanto

para o comunitarismo quanto para o mercadocentrismo. E, desse modo, entender em que

medida eles levam – ou não – para a composição de um direito à cidade mais pleno, com

participação, sustentabilidade e justiça social.

Nesse sentido, cabe citar a Fábrica de Hortas/A Horta da Cidade, empreendimento

visitado na pesquisa de campo. A Fábrica de Hortas é um negócio que transita tanto na esfera

mais mercadológica pelo fato de ser um negócio, quanto na mais comunitarista, ao participar

da comunidade voltada à agroecologia, ajudar empreendimentos iniciantes, estar inserido em

feiras mais comunitaristas. O empreendimento, fundado em 2013, possui duas hortas

orgânicas, uma no bairro Santa Lúcia e outra no bairro Buritis, ambos de classe média-alta da

capital mineira, com público interessado neste tipo de alimento e mais sensíveis à postura

ambiental.

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São participantes do Sistema Participativo de Garantia (SPG), que é um sistema de

regulação e certificação que envolve os próprios componentes da rede de produção orgânica,

como agricultores, produtores e técnicos que compartilham a responsabilidade pela avaliação

da conformidade das unidades de produção frente aos regulamentos da agricultura orgânica.

Possuem um negócio social denominado A Horta da Cidade, que é destinado à

agricultura urbana sustentável e reciclagem de resíduos orgânicos em Belo Horizonte cujo

objetivo é compartilhar e difundir as hortas na cidade, contribuindo para um ambiente urbano

mais sustentável. De acordo com seu site11, o empreendimento nasceu “com o intuito de criar

um vínculo entre sociedade e natureza, trazendo a segurança alimentar e a gestão de resíduos

orgânicos”. Para isso, ministram cursos sobre montagem e manutenção de hortas,

compostagem, entre outros, ajudam a desenvolver projetos de hortas, atuam junto a outros

empreendimentos para o desenvolvimento de alternativas mais sustentáveis de produção

orgânica na cidade. Possuem um sistema de recolhimento de resíduos orgânicos mediante o

pagamento da taxa de R$20,00 por residência, que em troca, compram hortaliças das hortas

com desconto de 15%. Funcionam como um quintal da casa de quem participa do sistema, ou

seja, eles plantam o que o cliente tem interesse em adquirir, para não gerar desperdício ou

exigir longos deslocamentos para escoamento da produção.

Têm larga presença na mídia local, por seu potencial de crescimento e buscam por uma

alternativa de vida urbana mais sustentável. Já participaram de processo de modelagem de

negócio na aceleradora NaAção, voltada para negócios sociais, e desenvolveram financiamento

coletivo por meio da plataforma de crowdfunding Evoé, para melhorias no empreendimento.

Adotam variadas medidas sustentáveis em suas instalações e tomadas de decisão, como o uso

de objetos reaproveitados e reciclados, parceria com outras organizações do setor para cursos,

implantação de novos sistemas – como o tanque de tilápias, projeto em andamento – por meio

de permutas, atuando na lógica da partilha e na geração mútua de benefícios.

Ao analisar a postura de seus gestores, a atuação do negócio na cidade, a inserção em

feiras e redes de agricultura local, a disseminação de conhecimento que proporcionam e seus

objetivos, e a comparação deles próprios com outros empreendimentos presentes na cidade, é

possível notar que a questão financeira existe, mas outros propósitos sobressaem.

A Horta da Cidade, por exemplo, é uma atividade que apenas se paga, não gera lucro,

segundo a representante entrevistada, irmã do idealizador do projeto e produtora da horta.

Gerar conscientização, ampliar os espaços de cultivo, buscar um modo de vida mais sustentável

11 https://ahortadacidade.com.br/

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são premissas da iniciativa. Sem esses propósitos, a empresa não se sustenta. Mais que uma

bandeira para alavancar vendas – eles sabem dessa força mercadológica ao, por exemplo, se

posicionarem em pontos da cidade cuja população apresenta essa sensibilidade – tomam

decisões de negócio que respeitem primeiro a sustentabilidade e o uso da cidade de maneira a

retornar benefícios socioambientais.

A Figura 11 apresenta uma visão do empreendimento, um lote de aproximadamente

360 m2, localizado em bairro de classe média alta, levando o consumo de produtos orgânicos

a uma parcela da sociedade preocupada com a saúde e bem-estar, e que pode pagar por esse

acesso e essa qualidade em sua alimentação.

FIGURA 11 – Fábrica de Hortas – Unidade Santa Lúcia

Fonte: acervo pessoal.

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Chama atenção nesse empreendimento o grau de envolvimento e troca entre parceiros.

Praticamente todas as relações comerciais e de negócios são realizadas por meio da permuta,

da troca de serviços, da comunhão de favores. É um modo de viver que permeia o negócio,

característico dos negócios sociais e refletido em quem planta.

Nesses espaços microssociais encontram-se o antagonismo e a controvérsia, o

improvável. Seguindo esse raciocínio, buscamos entender a partilha a partir do âmbito

microssociológico, no qual os verdadeiros agentes seriam pequenos seres infinitesimais,

conforme Gabriel Tarde (apud Vargas, 1995), cujas ações também infinitesimais, caracterizam

a diferença como relação, ou seja, “social é relação, logo, diferença” (Vargas, 2007, p. 34). A

proposta de Tarde não é a do individualismo, mas do relacionismo, “porque não há agência

sem outrem, não há existência fora da relação, não há relação sem diferença” (Vargas, 2007,

p. 37). Desta maneira, “se a sociedade é a possessão recíproca de todos por cada um, é porque

os processos de composição social não se realizam independentemente das micropolíticas da

possessão que os constituem enquanto tais e que, portanto, lhes são imanentes” (Vargas, 2007,

p. 37-38).

Na partilha das hortas urbanas, o relacionismo possibilita construções cotidianas, as

trocas, as vivências. E sua ação microssocial mostra sua potência de mudança da realidade

local e da atuação política. Fazer horta significa acreditar em uma mudança do espaço e (por

meio) das pessoas. A prática vem repolitizando o espaço social, na medida em que o exercício

da cidadania ocorre no cotidiano, na ocupação da cidade pelas pessoas e seus grupos variados.

Crescendo essa micropolítica, os espaços de luta também se ampliam, acreditando que é

possível transformar nossos modos de vida. Essa mudança ocorre, por exemplo, na limpeza de

um local degradado, para a construção de uma horta coletiva. Ao se transformar o espaço, por

meio das pessoas, exercita-se a força de mudança para ações futuras maiores, em um processo

que vai se firmando na prática, com seus percalços e avanços.

Os agentes dessa micropolítica são cuidadores de hortas comunitárias, voluntários em

limpeza de praças, pessoas que plantam no seu quintal e nos seus vasos. Esse movimento

impacta em resultados mais estruturais, como a prevenção de alagamentos, pois a maior

extensão de área verde na cidade – como em canteiros ou jardins – favorece a absorção da

água. Em São Paulo, por exemplo, os canteiros urbanos estão evitando as inundações de áreas

consideradas de risco em caso de chuva12.

12 https://g1.globo.com/olha-que-legal/noticia/jardins-alagados-podem-acabar-com-enchentes-dizem-

especialistas-conheca.ghtml

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Ao longo da pesquisa, tanto bibliográfica quanto de campo, foram observados como

atores diretos os agricultores e agricultoras, bem como suas famílias e grupos de produção. Os

atores indiretos envolvem associações comunitárias e movimentos sociais, organizações não-

governamentais, fóruns e assembleias de agricultores, instituições de ensino, empresas, órgãos

financiadores e governos nos setores municipal, estadual e federal.

Na dinâmica do trabalho das grandes cidades, a participação significativa de idoso(a)s

nas hortas urbanas indicam que a atividade demanda dedicação e nem sempre todos aqueles

que gostariam, podem de fato estar na participação diária de plantio e cuidados com a horta.

Esta parcela crescente da população, ociosa e carente de convivência, encontra nas hortas a

demonstração de sua capacidade produtiva e serviço à comunidade, o que contribui para a

melhoria da qualidade de vida local.

4.2.1 Da Invisibilidade à potência da visibilidade

Hortas urbanas, antes invisibilizadas, passam a ter maior visibilidade na cidade. Quem

plantava começa a ter mais voz e espaço na disseminação desta prática. Como palco de

contradições, a cidade abarca pessoas que apoiam as iniciativas e, também, pessoas que a

antagonizam. As pessoas reconhecem as iniciativas na cidade, mas não apoiam, não querem

fazer parte.

São exemplos, na pesquisa, a fala de alguns sujeitos visitantes da BeGreen Boulevard,

apresentada à frente, que são contrárias à iniciativa no shopping. Consideram que não é uma

iniciativa que “combina” com o shopping, “só serve pra passar o tempo aqui ao ar livre mesmo,

porque ninguém come ou compra essas coisas da horta”; “fica muito vazio aqui, é mais pra

gente que pode pagar mesmo” (informações de conversas informais e entrevistas com

visitantes da BeGreen Boulevard). Pode não ser mais invisível, mas alguns indivíduos

antagonizam. Há também aqueles críticos, que apontam a iniciativa por estar “forçando a

situação”, “não tem sentido colocar uma fazenda no shopping, nem é fazenda, não é?”, “parece

tudo cenográfico, eu chamo essas iniciativas de hortas cenográficas” (expressões e trechos de

entrevista com a permacultora do Hortelões Urbanos).

É preciso lembrar que há elogios à iniciativa no shopping, mas seu resultado funciona

mais como uma vitrine, como todas as demais vitrines do shopping, do que impactos em

sustentabilidade e promoção de uma vida mais saudável dentro do meio urbano. Essa

visibilidade, que inclusive é midiática e circula como exemplo no campo das startups e centros

111

de inovação, é diferente da visibilidade obtida pelas outras iniciativas estudadas na pesquisa

de campo, que abordam a disputa pelo espaço na cidade como forma de ampliar o acesso ao

território. Aquilo que possibilitaria a partilha e poderia ampliar acesso, o uso social, o direito

à cidade.

A economia da partilha não organiza o espaço urbano como discurso. A partilha é uma

imensidade de interações sociais. Ela ressignifica espaços, permite participação que pode se

dar pela via do acesso mais amplo à cidade, ou pela perspectiva de coletivização e

transformação do espaço. Como materialidade, o espaço é importante, não é só subjetividade

social. Por isso, estar no meio da cidade, dentro de um shopping, significa uma transformação

importante em termos de uso do espaço urbano, mas seus impactos em relação à coletividade

e realidade social se limitam à parcela da sociedade que já circula nesses espaços feitos de

vitrines com seu empoderamento exclusivo.

Esse tipo de estrutura não amplia o acesso a outras parcelas da sociedade, em Belo

Horizonte, que não têm esse espaço como território ampliado e de uso democrático. Pelo

contrário, ele parece ampliar a segregação, favorece quem está nesse círculo. Por mais que a

iniciativa apoie a instalação de outras hortas em locais que requisitam o apoio do

empreendimento, são poucas e isoladas as forças para geração de alguma mudança de impacto

mais abrangente na capital.

Os desafios de superação das desigualdades, da fragmentação da cidade e da segregação

exigem o esforço coletivo para fazer frente à negação de direitos e pensar a cidade com direitos

iguais de convivência, permanência, mobilidade e acesso, que não sejam transitórios ou

temporários, pois as pessoas necessitam de direitos perenes.

As ações para esses enfrentamentos, ainda que iniciadas algumas vezes

individualmente, ganham força pela atuação coletiva, pelas trocas e comunhão entre as pessoas

envolvidas. A partilha permeia esses espaços promovendo um envolvimento local com

potência de mudança da realidade. São muitos os relatos que a horta mudou a saúde mental e

física do(a)s que plantam, a autoestima, a recuperação da depressão e a qualidade de vida, que

por sua vez, favoreceu o impacto local ao construir uma paisagem mais limpa e que

proporciona saúde do entorno, pois melhora os cheiros, a vista, o espaço, as pessoas e as

relações.

A partir de um local degradado, depósito de lixo e entulho, reduto de tráfico de drogas

e presença de animais como ratos e escorpiões, a horta passa a ser a representação de uma

transformação local (relatos de entrevistas informais na Horta Esperança, com grupo gestor e

com transeunte, morador da região). “A gente passava aqui e era um cheiro horroroso. Hoje é

112

cheiro de mato, cheiro de verde de manhã cedo” (Relato de transeunte, morador da região da

Horta Esperança, em dia de mutirão de plantio).

Como demonstra a Figura 12, um banner, elaborado a partir de roda de conversa com a

comunidade, ilustra o respeito e o cuidado que o local passou a observar, mesmo que ocorram

casos de pessoas que por vezes jogam entulhos ou retiram plantas na Horta. É um aprendizado

que está em processo. O conteúdo, proposto em conjunto, descreve as “Regras de Convivência”

da Horta:

Sejam bem-vindos e bem-vindas! 1) A Horta, assim como nós, precisa de ÁGUA, TERRA,

PLANTAS, RESPEITO E PROTEÇÃO! 2) PLANTAS PRECISAM DE TEMPO PARA

CRESCER. Não colha antes da hora! 3) COLHE, QUEM PLANTA E CUIDA. Para colher,

participe conosco. Vamos compartilhar o trabalho e seu fruto! 4) NÃO JOGUE ENTULHO E

LIXO AQUI. Estamos cultivando nossos alimentos e não podemos contaminá-los.

(Informações registradas no diário de campo da Horta Esperança, agosto de 2018,

FIGURA 12 – Banner Afixado na Horta Comunitária Esperança

Fonte: acervo pessoal

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O texto reflete anseios do grupo gestor da Horta, quando aponta a necessidade de

partilha do trabalho, e consequentemente da colheita; e também indica dificuldades que os

cuidadores da Horta estavam vivenciando, logo no início das atividades. Por exemplo, a

insistência em jogar entulhos, pois ali era um local clandestino de depósito de materiais das

diversas construções e melhorias que os moradores realizam em suas residências, ou ainda, a

colheita antes do tempo, interferindo no ciclo de crescimento das plantas e geração de mudas

e sementes.

A agricultura urbana é uma maneira de pensar a cidade a partir do seu valor de uso. O

cuidado com a terra também conduz a mudanças das pessoas, que passam a ter modos de vida

mais respeitosos com o meio ambiente, com maior ou menor intensidade, mas essa postura vai

impactando outras instâncias da vida urbana, no trabalho, nas relações familiares. O que se

percebe é que essa relação com a natureza resgata uma relação mais genuína com o mundo,

enfrentando o contexto de produção de espaço dirigido pelo valor de troca, nos termos de

Lefebvre (2008).

Nesses espaços e seus entornos, as pessoas se engajam em buscar mais conhecimento

para a construção de hortas, compostagem, controle de pragas etc, e em contextos onde se

verificam objetivos comerciais para escoamento da produção da horta, busca de certificação

ou acompanhamento para garantir vendas a um público que busca esse diferencial.

Alguns desses produtores não querem a certificação, com receio de descaracterizar sua

produção, passando a ter que seguir um padrão determinado pela indústria do rótulo. Essa visão

capitalista de produção não é aderente aos ideais da maioria dos empreendimentos pesquisados.

Na Feira Terra Viva, por exemplo, essa é uma questão crucial, e o orgânico, por exemplo, já

é visto como um rótulo preocupante, na medida em que grandes empresas passam a se apropriar

da ideia e formam grandes conglomerados que sufocam os pequenos produtores realmente

orgânicos.

O selo de produtos orgânicos serve como uma vistoria e garantia para os consumidores de que

aquele produto é orgânico. Porém, o produto com o selo significa comprar de uma indústria, de

uma máquina, e não de quem produz, e isso é uma escolha do consumidor. Assim, eu até apoio

que os produtos orgânicos estejam sendo comercializados em redes supermercadistas, pois as

pessoas podem escolher entre alimentos que tem agrotóxicos e alimentos que não tem. (Fala de

entrevista, produtora e feirante da Feira Terra Viva).

O orgânico é um rótulo massificador e, sendo assim, não é desejado pelos produtores da

agroecologia. Os produtos da Feira Terra Viva e de vários produtores das associações que são

assistidas pela rede não têm o selo. São chamados de produtos agroecológicos. O mercado de

orgânicos é promissor e as pessoas, cada vez mais, passam a se preocupar com a alimentação,

por isso a indústria se aproveita (Fala de entrevista, coordenador da Feira Terra Viva).

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Essa é uma questão que aparece na Feira Terra Viva, mas também é reforçada em todos

os empreendimentos pesquisados, à exceção da BeGreen Boulevard. A diferenciação que se

estabelece a partir dos produtores, sobre o que é comercializado. Na Terra Viva, eles fazem

questão de enfatizar que os produtos são de agricultura familiar ou oriundos de assentamentos

ou empreendimentos solidários, constituindo-se alimentos de agroecologia, e não alimentos

orgânicos. Por isso a feira busca trabalhar a agroecologia, que além de não usar químicos,

protege a biodiversidade, os trabalhadores e a saúde do consumidor, além do respeito ao

ambiente de plantio, sem forçar a natureza a produzir fora de seu contexto, ao minimizar os

impactos ambientais e socioeconômicos das tecnologias modernas. A produção agroecológica

valoriza o cuidado com as sementes, o solo, a água e o ar; o manejo dos resíduos e os

procedimentos de pós-produção, envase, processamento, armazenamento, transporte e

comercialização. Segundo informado, a qualidade dos produtos é garantida por meio dos

mecanismos de controle social da Rede Terra Viva.

Já os produtos orgânicos atendem a um conjunto de regras e procedimentos, adotados

por uma entidade certificadora que dá garantia de que o processo produtivo foi metodicamente

avaliado e está em conformidade com as normas de produção orgânica vigentes. O produto

orgânico brasileiro, exceto aquele vendido diretamente pelos agricultores familiares, deverá

usar o selo do SisOrg – Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica.

A Feira Terra Viva é uma iniciativa que reúne diferentes segmentos da cadeia

produtiva e de consumo de produtos agroecológicos, orgânicos e artesanais. Acontece

semanalmente, em Belo Horizonte, todos os sábados pela manhã, das 9h às 13h, no Bairro

Floresta, na Rua Pouso Alegre. Na época da pesquisa, a feira testava uma segunda localidade,

todas as quintas-feiras, de 16h às 20h, no Bairro Pampulha, mas no fechamento da tese, esta

edição não mais acontecia. Os bairros são de classe média alta e a Pampulha é um bairro ainda

mais sofisticado, na orla da Lagoa da Pampulha, um dos maiores pontos turísticos da cidade.

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FIGURA 13 – Mapa de Localização da Feira Terra Viva – Bairro Floresta

Fonte: Google Maps13

Na feira, os visitantes podem comprar produtos fruto do trabalho de associações,

cooperativas, assentamentos e agricultores familiares e urbanos. São hortaliças e vegetais

orgânicos e agroecológicos, pães de fermentação natural e com ingredientes orgânicos, massas

artesanais, quitutes integrais e sem glúten – e ainda produtos naturais de higiene e beleza,

roupas e acessórios artesanais. Seu modo de produção baseado em saberes ancestrais –

valorizando a cultura popular – oferece uma consciência palpável sobre a cadeia produtiva. A

Feira realiza shows musicais, momentos de reflexão sobre alimentação e outras atividades de

conscientização.

Os membros compartilham um sentimento de harmonia e comunhão – e não de

comercialização pura e simples – ao, por exemplo, abraçar-se desejando que a feira seja boa

para todos, que o alimento seja purificação e saúde aos que o receberão, ou na roda – uma

espécie de oração conjunta com todos os feirantes – que inicia a feira, como um ritual de

distribuição/venda dos alimentos e mercadorias. Sob a forma de uma rede autogestionada, a

Terra Viva é uma iniciativa que, além de oferecer diversos alimentos saudáveis, isentos de

insumos químicos, regionaliza a produção e a comercialização desses produtos dentro dos

princípios da economia solidária e do comércio justo, como mostra a Figura 14.

13 https://www.google.com/maps/place/Feira+Terra+Viva+BH/@-19.9112887,-43.9268036,15.5z/

data=!4m5!3m4!1s0xa69a1bc7c761f5:0xb6f0d99369b7c53c!8m2!3d-19.9124707!4d-43.9214002

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FIGURA 14 – Feira Terra Viva

Fonte: acervo pessoal.

4.2.2 Modos híbridos de vida na cidade

A agroecologia se caracteriza por um movimento sociopolítico e ambiental que defende

o empoderamento do agricultor familiar, valorizando sua origem e sua identidade e

especialmente sua autonomia, participação no processo produtivo e poder de decisão. Na

Ocupação Tomás Balduíno, por exemplo, ouvi de um produtor, cuja família inteira vive

atualmente da horta, que “se precisar de ficar mexendo no jeito que eu planto, prefiro ficar sem

certificação”14. A fala demonstra que o conhecimento de quem lida com a terra vem de uma

tradição e um aprendizado consolidados, um saber próprio que precisa ser respeitado, ao

mesmo tempo, revela um empoderamento que se sobressai à necessidade de certificação ou

reconhecimento formal da produção.

Questão também verificada na Horta Esperança, cujo detalhamento à frente reforça o

caráter de que as pessoas e seus locais de vivência têm seus saberes, e anseiam ter esses saberes

respeitados. As intervenções externas, sugestões de grupos parceiros, ajudas e conselhos de

variadas fontes são acolhidos e entendidos por esses sujeitos em seus territórios, mas há que se

respeitar o que eles acreditam, defendem e fazem, isto é, o tempo que é dado pela comunidade.

Valorizam o que aprenderam ao longo da vida com sua família e em seu ambiente, bem como

os aprendizados da igreja e de formações que se somaram aos conhecimentos pessoais.

Em uma das vivências de campo, pude presenciar uma situação que demonstra a

complexidade dessas relações e vivências experienciais. Após a agrônoma parceira e voluntária

14 A fala se refere à certificação via Sistema Participativo de Garantia (SPG), que o empreendimento estava, à

época da pesquisa, em fase inicial de participação.

117

da horta indicar para as cuidadoras como era o processo de plantio e crescimento a partir da

semente, explicando detalhadamente a altura de inserção da semente em relação ao solo para

formação da muda, tempo de espera para crescimento, adubação e incidência de sol e água, e

depois, a transposição da muda para a horta, os conselhos não foram seguidos. A moradora e

uma das responsáveis pela horta, escutou com atenção e concordou com os ensinamentos. Em

seguida, a partir da retirada da agrônoma do local, a moradora se vira para a outra moradora e

parceira de plantio e diz: “Espalha essas sementes por aí mesmo”, desconsiderando a formação

das mudas e o processo de plantio orientado (informações registradas no diário de campo da

Horta Esperança, setembro de 2018).

Dialeticamente, ao negar o conhecimento externo quando ele não condiz com o que

acreditam ou vivenciam na comunidade, elas requisitam, por muitas vezes, o auxílio externo

para a resolução de conflitos e para conseguir benefícios que eles não tiveram êxito por outras

vias e tentativas próprias. Tanto na Horta Esperança como na Ocupação Tomás Balduíno,

agentes externos como as instituições de ensino superior parceiras foram requisitadas para

conseguir insumos como cerca para a horta, adubo, mudas e sementes, além de auxílio para

interferir na resolução de conflitos entre os integrantes da horta, tais como conflitos de

distribuição da produção, de finalidade de produção, etc. Ao negar, reforçam seu poder

assumindo seu modo de vida como preponderante, e se apoderam de acessos externos para

buscar novas maneiras de se ressignificar.

A confluência de elementos internos e externos expõe a hibridez das relações nas

hortas, que ora valorizam o conhecimento próprio fruto da trajetória de vida, e ora buscam por

conquistas via redes institucionalizadas e seus acessos que ampliam as formas dessas

comunidades de se organizarem e (re)produzirem seus modos de vida na cidade.

Entre racionalidades e saberes formal e informal, poder instituído e relações de poder

entre esses saberes, novas constituições e transformações acontecem, tecendo o urbano em

nuances de conflito e de harmonia. Nas feiras, é possível verificar esse tipo de situação que

revela complexidade, ao usarem o fato de serem de comunidade, de ocupação ou de

movimentos de luta pela terra como bandeira para venda. “Ser da ocupação é o que vende, não

é só o produto não” (informação de entrevista informal com integrantes da Ocupação Tomás

Balduíno, durante visita na Feira da UFMG). São maneiras de viver que trilham novas

possibilidades para a construção das cidades. Demonstra também certa abertura do público a

modos de vida que fogem da rotulagem massificada de produtos.

118

A Ocupação Tomás Balduíno15 nasceu no início de 2014, localizada no bairro Santa

Margarida, no distrito de Justinópolis, em uma região conhecida como Areias, Ribeirão das

Neves – Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). O município teve rápida ocupação

nas últimas duas décadas, processo marcado pela informalização fundiária e pouca

infraestrutura urbana pública, impactando no mais baixo Índice de Desenvolvimento Humano

(IDH) da RMBH – dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE] (Souza,

2008). É conhecida como ‘cidade dormitório’, por abrigar trabalhadoras e trabalhadores que se

deslocam diariamente, principalmente para a capital. Registra alto nível de violência e

criminalidade e grande carência de serviços públicos, sendo alvo de muitas matérias na

imprensa por seus problemas urbanos.

FIGURA 15 – Localização aproximada da Ocupação Tomás Balduíno

Fonte: Google Maps16

15 http://ocupacaotomasbalduinoneves.blogspot.com/ 16 https://www.google.com/maps/place/Ocupa%C3%A7%C3%A3o+Tomas+Baldu%C3%ADno/@-

19.7627511,-4.0628476,22095m/data=!3m1!1e3!4m5!3m4!1s0xa68ec661fe5ae9:0xac9580a82c198fdc!8m2!3d-

19.7539804!4d-43.9970094

119

A ocupação está em terreno de uma fazenda há décadas em situação de abandono. Tem

aproximadamente 300 famílias em casas de alvenaria, madeira e outros materiais. Possui vários

quintais com práticas agrícolas e vias de acesso de terra que obedecem corretamente a

legislação urbanística. Encontram-se em disputa judicial frente à reintegração de posse17,

apoiados por organizações de militância social e projetos como o Agroecologias da Periferia,

da UFMG. A Ocupação vem estruturando sua organização política e comunitária,

principalmente por meio das assembleias comunitárias.

A construção da horta se deu em uma área residual na entrada da ocupação, por se

localizar debaixo de uma antena de alta tensão, área não edificável. Foi concebida como ‘Horta

Comunitária Agrupada’, pois foi construída em um espaço comunitário, que fortaleceria a

comunidade ao destinar valor de uso ao solo, forneceria desenvolvimento produtivo e material,

limpeza e organização. Também era uma maneira de os moradores terem acesso a produtos

agroecológicos de qualidade a um preço justo, visto que a produção seria fornecida a eles

primeiramente a baixo custo, e o restante poderia ser vendido em outros locais, mediante gestão

agrupada que almejava tirar dela sua renda. As imagens estão na Figura 16 abaixo.

17 https://issuu.com/praxisufmg/docs/relato-ocupa-jun2016

120

FIGURA 16 – Hortas da Ocupação Tomás Balduíno

Fonte: acervo pessoal.

Conheci alguns integrantes da Ocupação na Feira da UFMG e em conversa, fui

convidada por um dos agricultores para conhecer sua produção. Neste período, também

entrevistei a ativista e acadêmica integrante do Agroecologia na Periferia, que atuava em

conjunto com os moradores da ocupação para o desenvolvimento das hortas e outras atividades

socioambientais na ocupação. Ela estava com visita prevista à Ocupação naquela semana e,

aproveitando o deslocamento, segui para a pesquisa no local. Passamos o dia na Ocupação,

121

visitando algumas casas e conversando com o(a)s moradore(a)s, além de trabalhar na horta

com limpeza e capina manual.

O Agroecologias na Periferia é um coletivo que busca trabalhar a cidade em suas

dimensões ecológica, produtiva e inclusiva, entendendo na agricultura urbana agroecológica

um caminho para a promoção da qualidade e sustentabilidade de vida. O coletivo tem como

proposta gerar o desenvolvimento socioambiental em comunidades periféricas e o

fortalecimento da rede de agricultura urbana da Região Metropolitana de Belo Horizonte,

atuando por meio de oficinas de capacitação, mutirões e trocas com base na agroecologia, a

fim de ampliar o direito a cidades sustentáveis.

Acompanhei o trabalho de preenchimento do Caderno do Plano de Manejo Orgânico,

do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, requisito para o Sistema Participativo

de Garantia (SPG), um dos mecanismos de garantia que integram o Sistema Brasileiro de

Avaliação da Conformidade Orgânica (SISORG/ MAPA), previsto no Decreto nº 6.323, de 27

de Dezembro de 2007, que regulamenta a Lei nº 10.831 sobre a agricultura orgânica. O objetivo

desta iniciativa é ajudar os produtores orgânicos a garantir a qualidade orgânica dos seus

produtos. Essa oportunidade favoreceu o conhecimento sobre a atividade produtiva local, as

relações e vulnerabilidades do trabalho agrupado, pois os agricultores estavam todos reunidos

para esse preenchimento coletivo.

O contato com o Agroecologias na Periferia, bem como com a Ocupação Tomás

Balduíno – além de outros projetos como o Roots Ativa18 –, foi constante durante as visitas à

Feira da UFMG - Agroecológica, Popular e Solidária, que segue calendário quinzenal,

acontecendo às quartas feiras, de 9h às 18h, na Praça de Serviços da Universidade Federal de

Minas Gerais, campus Pampulha. Iniciou no final de 201619, organizada a princípio pelos

grupos de extensão da universidade AUÊ e Colmeia Solidária, hoje tem realização do

Departamento de Gestão Ambiental da Pró-reitoria de Administração da UFMG. A proposta

da feira é atender pequenos produtores com prioridade para aqueles com dificuldade de

escoamento da produção e que estejam em uma situação de maior vulnerabilidade social.

18 Iniciou-se em 2005 com o propósito de difundir e unir pessoas por meio da cultura Rastafari. O grupo é

composto por pessoas que buscam o estudo e a vivência na cultura Rastafari em todo Brasil. As ações são

desenvolvidas na educação alimentar integral vital. Formado por agentes culturais, educadores ambientais,

oficineiros, artistas e cozinheiros, o Roots Ativa está na Vila Nossa Senhora de Fátima, Aglomerado da Serra,

região Centro-Sul de Belo Horizonte. Produz e comercializa alimentos artesanais e integrais baseados nas

culinárias vegana e vegetariana. Promove cursos, eventos, exposições, mutirões e formações em permacultura e

desenvolvimento de iniciativas voltadas à cultura afro. http://rootsativa.blogspot.com/ 19 https://www.ufmg.br/semanadoconhecimento/2016/noticias/45690/

122

Os cerca de 30 expositores vendem pães e bolos caseiros, geleias, antepastos,

conservas, molhos, cogumelos, tofu, mel, lanches integrais e veganos, grãos diversos, mudas,

biofertilizantes e produtos de higiene pessoal e artesanais, mediante ficha de cadastro e

obedecendo o critério de produção agroecológica ou que estejam em processo de transição

agroecológica. Os produtores fazem uma contribuição de vinte reais por edição da feira.

Visitei a feira em algumas oportunidades (ver Quadro 1) por já conhecer o espaço, ter

contato com a universidade, e por indicação de entrevistados, que reafirmaram a importância

da feira e sua consolidação nos últimos meses. Nesses encontros, pude conhecer melhor os

agricultores e conversar sobre seus empreendimentos, observar as relações de venda e de

envolvimento com suas diversas causas socioambientais, que são a base dos seus modos de

viver e trabalhar. O ambiente é muito rico em interação, em promoção da ideia da colaboração,

do compartilhamento e da troca entre os feirantes e também com os visitantes. A seguir

apresento imagens, na Figura 17, do acontecimento da feira durante uma das visitas para

pesquisa no local, em setembro de 2018.

FIGURA 17 – Feira da UFMG

Fonte: acervo pessoal.

Frente a essas contradições, esses espaços mostram-se capazes de questionar as bases

do modo de produção capitalista, levando à construção de outros patamares e modos de vida.

Praticar agricultura urbana indica uma transformação dos modos de vida cotidianos. Nas

iniciativas pesquisadas, os relatos das entrevistas informais são incisivos: a relação com a terra

pressupõe um modo de vida diferente do que estamos acostumados, pois exige o respeito ao

tempo da natureza, exige a troca de aprendizado, sementes e mudas, serviços e parcerias, cujos

empreendimentos funcionam numa lógica de partilha. Indivíduos com essas características são

atraídos por essa maneira de viver e pensar, como também há transformação das pessoas que

123

inicialmente não são muito aderentes a essa postura, e passam a desenvolver esses modos de

viver ao longo do seu envolvimento com a horta e a partilha. Há também os casos das pessoas

que acabam por abandonar suas hortas por não conseguirem se inserir nessa lógica.

Mesmo a partir de experiências mais mercadocêntricas, voltadas para a forma de

produção capitalista do espaço, o fato de existir empresas atuando neste segmento contribui

para ampliar o debate e a visibilidade destas ações, ainda que tenham posturas questionáveis

do ponto de vista da inclusão social, do retorno em benefícios socioambientais locais, da

amplitude de suas ações a favor da realidade local que superem os interesses mercantis

próprios.

O fato de ter escolhido Belo Horizonte para estruturação do seu negócio demonstra esse

caráter da visibilidade das ações da BeGreen Boulevard. A empresa se utiliza desse

movimento crescente em Belo Horizonte para chamar atenção ao seu negócio. Com

empresários de origem paulista, a praça mercadológica mineira foi escolhida por integrar os

objetivos do negócio de fomentar uma ideia em uma cidade em que seriam o centro das

atenções. Isso contribuiria para o desenvolvimento do fenômeno das hortas urbanas na capital,

iniciativa já avançada em São Paulo, tornando a BeGreen uma referência local em horta urbana.

A fala da sócia-proprietária da Casa Horta, um dos negócios integrantes do completo Begreen

Boulevard, reforça o perfil da cidade:

Sou mineira, mas já morei em São Paulo eu não sinto que eles têm essa relação no trabalho,

nem nas amizades, as pessoas ficam mais no círculo delas. Em Belo Horizonte as pessoas são

mais expansivas e mais amigáveis, e no sentindo de negócio, eu vejo que Belo Horizonte tem

muita coisa legal assim da cidade, tem muito movimento, tem muitas ferinhas, muita gente

trabalhando com negócio mais colaborativo. A Casa Horta é um negócio de impacto social e

um negócio colaborativo também. (Fala de entrevista, sócia-proprietária da Casa Horta)

Integram o complexo da BeGreen Boulevard, a Casa Horta, que fica responsável pela

venda de alguns dos produtos cultivados e mercadorias de produtores locais convidados a

vender no local; e uma unidade do Restaurante Casa Amora, com conceito farm to table (da

produção à mesa). O local ainda agrega um Palco e Espaço de Convivência para eventos,

palestras de sustentabilidade e vida saudável20. O caso chama a atenção por tratar do

contrassenso shopping x fazenda e suas implicações, reflexos e possibilidades de

ressignificação do urbano.

A história recente da empresa se iniciou em Betim, na região metropolitana da capital

mineira, em 2014, quando os sócios vivenciaram e testaram o mercado de produção de

20 BeGreen Boulevard. Recuperado em 02 abril, 2017, de www.BeGreen.farm

124

orgânicos com eliminação da cadeia de distribuição, após desenvolverem inúmeros estudos e

pesquisas, inclusive internacionais. Nesse modelo, denominado ciclo-curto, o produtor

aproxima-se do local de consumo, fazendo com que o alimento seja melhor aproveitado.

A ideia começou quando meu sócio foi para o MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts),

em 2014 eu acho, aí ele viu uma pesquisa sobre “Produções Urbanas”, ele trouxe pra cá e me

convidou. A gente começou numa fazenda convencional, em Betim, mas desde começo quando

a gente entrou no mercado estudamos como funcionava. Depois que a gente escolheu trabalhar

com produtos crescidos no início da cadeia da produção, aí nós fomos ver o que tinha de mais

inovador e de mais moderno no mundo disso. Aí encontramos a Agricultura Urbana, mas no

sentido de produção comercial, em escala, e essa é grande diferença da Horta Urbana e da

Fazenda Urbana. Então dá para fazer tudo isso no meio da cidade e aí os dois tocando o projeto,

iniciando uma produção, com investimento e todos os processos administrativos, nós decidimos

conseguir a metodologia de validação de hipótese. A gente não sabia produzir, então

começamos com o modelo convencional, adquirindo experiência em cadeia, gerando marca,

conhecendo as pessoas, para ir crescendo aos pouquinhos, até chegar ao centro da cidade. Desde

o começo já pesquisávamos oportunidades, áreas, lotes, lajes em São Paulo, Belo Horizonte e

no Rio de Janeiro, e a gente achou aqui, o Boulevard abriu as portas para a gente e apresentamos

a proposta e eles gostaram. (Fala de entrevista com o sócio-proprietário da BeGreen

Boulevard).

Das iniciativas que compõem o complexo, a Casa Horta tem uma atuação mais voltada

à partilha, na medida em que agrega produtores locais para funcionar como vitrine para seus

produtos, tem uma relação em rede com outros segmentos da agricultura urbana, familiar e

rural. A BeGreen, apesar de ajudar a montar algumas pequenas hortas em auxílio aos seus

proprietários, estar presente em escolas e eventos, ter parcerias com a comunidade

selecionando um funcionário local, tem um foco mais voltado ao negócio.

Na loja da Casa Horta, elas fazem esse meio de campo para a gente, 200 famílias dos produtores

locais, todos são produção orgânica e agroecológica, que não utilizam agrotóxicos. Então a

gente não tinha como dar conta de abrir um leque desse tamanho, então elas têm esses contatos

com o governo e produtores orgânicos, esse contato com os produtores será através da Casa

Horta, assim como o contato com a comunidade, com a cidade, com os movimentos etc. (Fala

de entrevista com o sócio-proprietário da BeGreen Boulevard)

125

FIGURA 18 – BeGreen Boulevard

Fonte: acervo pessoal.

126

Ganharam, em parceria com o shopping, prêmios em sustentabilidade, revelando o

caráter inovador da iniciativa da horta no centro de compras. Seu escritório é um container

desativado e reformado; na parte de baixo, outro container abriga a loja de produtos BeGreen

como camisetas, material promocional, vasos com mensagens positivas e mudas. Os tijolos de

chão são oriundos dos rejeitos da tragédia da mineradora Samarco em Mariana/Minas Gerais,

a estrutura do forro e dos móveis é de material ecológico de reaproveitamento, a torre de

energia eólia e fotovoltaica capta e fornece energia sustentável, sistema que também funciona

como distribuição de wi-fi.

A estufa de produção das hortaliças tem captação de água pluvial, que é tratada e

reutilizada na limpeza, banheiros e na irrigação. O sistema inteligente com sensores para

monitoramento automatizado capta dados que são enviados à central de computadores em real

time, o que reduz as perdas na produção, desperdício de energia e favorece o controle da

produção, mantendo os padrões de esfriamento e controle de luminosidade para o regular

desenvolvimento das hortaliças.

A empresa desenvolve eventos culturais, como noite de vinhos e queijos, exposições e

cursos, promovendo atração e interação de público para seu espaço. Realiza parceria com

escolas de ensino fundamental e médio por meio de visita guiada por monitores universitários.

As visitas são pagas (à época da pesquisa, R$10,00 por pessoa para visitação à estufa), sendo

que o(a) visitante recebe uma cestinha de papel estilizada com a identidade visual da BeGreen,

com dois pés de alface ou de mudas, como brinde. A BeGreen também desenvolve cursos sobre

hortas domésticas e já entrega os produtos de horta prontos, com o conceito “A BeGreen planta

para você”21, explicando que se há algum receio de errar no plantio, a empresa facilita o

trabalho. Essa postura, portanto, mostra um outro lado da agricultura urbana, mais voltado para

o conceito de compra/entrega e distante da relação com a terra, ainda que o fato de a pessoa se

interessar em adquirir um vasinho e uma muda represente um movimento em direção à

agricultura.

A despeito da tecnologia de ponta, outros espaços urbanos já abrigavam, anteriormente

à BeGreen, hortas e plantios com fins comerciais, haja vista a larga experiência das CSAs e de

outros agricultores de menor porte, em hortas comunitárias. Por fazer parte da dinâmica urbana,

a agricultura na cidade não significa algo descolado ou diferente da vida urbana. Ela compõe

os modos de vida urbanos e não é uma simples tradução da vida rural no espaço citadino. E

nesse contexto, produz novos sentidos e ressignifica espaços, saberes da terra e modos de vida,

21 Post da BeGreen na sua página da rede social Facebook de 06 de fevereiro de 2019.

127

porque a agricultura urbana não é um fenômeno fechado em si mesmo. Faz parte de uma

complexa relação em rede com novos atores/agricultoras e agricultores da cidade que vai além

da dicotomia campo x cidade.

Essa amplitude oferece novas formas de planejar o espaço urbano e conduz à discussão

de políticas públicas voltadas às hortas urbanas e uso do espaço para os diferentes tipos de

plantio, como o caso do Projeto de Lei 338/1722 para a criação do Programa Municipal de Horta

Comunitária. O projeto propõe a ocupação de áreas urbanas para o cultivo de hortaliças, frutas,

plantas medicinais e ornamentais e para a produção de mudas, por meio da disponibilização de

imóveis públicos municipais, áreas de utilidade pública e não utilizadas, terrenos particulares

e áreas residuais, que venham a ser cedidos temporariamente.

Nesse sentido, pode-se dizer que em Belo Horizonte e também no âmbito estadual, há

um certo percurso de formulação de políticas públicas para o incentivo à prática das hortas

urbanas e da agricultura urbana. Entretanto, esse esforço permanece inferior às necessidades

de manutenção dessas práticas, de forma a refletir na cidade como uma ação de impacto

positivo e que favoreça a população.

A diversidade de práticas e saberes da partilha permeia as hortas urbanas como forma

de repensar a artificialidade da cidade e restabelecer seu valor de uso. É um desafio planejar e,

principalmente, colocar em ação essas formas de vida guiadas pela partilha com objetivo de

promover a equidade, a sustentabilidade, a justiça social. A condição de moradores da cidade

trava uma série de disputas de territórios, saberes e práticas, que nas hortas urbanas fazem

brotar respostas ao planejamento urbano determinado e tradicional, mostrando que novas

formas de uso passam a coexistir e ressignificar o espaço urbano.

Uma forma de representar esse cenário são as hortas nas ocupações urbanas, como o

caso da Ocupação Tomás Balduíno. A horta, por seu caráter de cultivo duradouro e continuado,

representa a bandeira da permanência e da luta pelo território. Outros modos de uso da cidade

e resistência à ação hegemônica são representados por meio das hortas comunitárias, como o

caso estudado da Horta Comunitária Esperança, do Aglomerado Santa Lúcia, zona Sul da

capital mineira.

A partir da remoção de famílias do local avaliado como de risco pela Urbel, a horta se

estabeleceu, partindo de demanda da própria comunidade. Com o desenvolvimento do trabalho

22 https://www.cmbh.mg.gov.br/comunica%C3%A7%C3%A3o/not%C3%ADcias/2018/05/programa-de-horta-

comunit%C3%A1ria-avan%C3%A7a-mas-restri%C3%A7%C3%B5es-ao-cultivo-s%C3%A3o

128

de base comunitária, colaborativa e partilhada, a Horta resiste em um território com um dos

mais altos valores por metro quadrado de Belo Horizonte.

Dentre essa rede de parceiros que conta com a iniciativa privada, prefeitura/Urbel e

instituição de ensino superior, destaca-se que a iniciativa se tornou horta-modelo para a

administração municipal, que pretende seguir a proposta em outros locais de situação similar

na cidade. A creche Nascer da Esperança, localizada em frente à horta, é um ponto de apoio,

cede seu espaço em horários sem funcionamento para reuniões e uso de infraestrutura em dias

de mutirões na horta, apoia a divulgação das ações da horta e envolve as crianças,

esporadicamente, em ações de educação socioambiental e alimentar.

A Urbel cede alguns equipamentos e infraestrutura básica para a Horta. A instituição

de ensino colabora com a construção do conhecimento coletivo, a articulação e mobilização

das pessoas locais e externas. A comunidade envolve pessoas e trabalha diariamente para a

construção e continuidade da iniciativa, enfrentando desafios diários da constituição da

proposta de base comunitária e seus percalços. Disputas do que plantar, onde e como plantar,

como distribuir a produção e preocupação com a imagem da Horta e seus trabalhadores na

comunidade são desafios frequentes.

129

FIGURA 19 – Vista por Satélite do Terreno da Horta Esperança

Fonte: Google Maps23

Apenas três moradores trabalham diretamente na Horta Esperança, no terreno

extremamente íngreme de 510m2. São duas senhoras e um senhor, com grande força e

capacidade, que dividem o trabalho na Horta com outras ocupações formais e informais. Veem

a Horta como um espaço de natureza e paz dentro do centro urbano caótico, mas também

revelam o domínio e o controle do espaço como quase privado, exercendo e representando o

poder para a comunidade como gestores do espaço e da sua produção.

O Aglomerado nasceu no final do século XIX com a desapropriação de parte da

Fazenda do Cercadinho pela Prefeitura, devido à construção da Barragem Santa Lúcia (Gomes,

2011). A população é composta por aproximadamente 8.000 habitantes em um pouco mais de

2.200 domicílios (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2010), com grande

23 https://www.google.com/maps/@-19.9510287,-43.9421497,151m/data=!3m1!1e3

Terreno da

Horta

Esperança

130

adensamento populacional e forte especulação imobiliária, sobretudo porque é uma favela

localizada no centro da capital. Está contígua a áreas planejadas na formação da cidade,

extensão que foi mantida como uma zona verde devido ao seu relevo muito íngreme.

Atualmente, como mostra a Figura 20, faz divisa com os bairros de classe média alta – Santa

Lúcia, Santo Antônio, São Bento, São Pedro, Sion, Belvedere – e importantes avenidas como

Nossa Senhora do Carmo e Prudente de Morais.

FIGURA 20 – Vista de cima da Horta Esperança e Bairros anexos

Fonte: acervo pessoal

Fonte: Google Street View24

24 https://www.google.com/maps/@-19.9513866,-43.9416965,3a,75y,330.57h,85.92t/data

=!3m6!1e1!3m4!1sJZ7zezib4bwHIu_eIoSEIA!2e0!7i13312!8i6656)

131

Quatro vilas compõem o Aglomerado, sendo Vila Estrela; Vila Santa Rita de Cássia

(conhecida como Morro do Papagaio); Vila São Bento (também conhecida como Vila

Esperança ou Bicão); e Vila Barragem Santa Lúcia. A Vila Estrela foi a primeira a formar o

Aglomerado (Gomes, 2011) e tem uma população de cerca de 1.600 habitantes, em 427

domicílios. Conhecido também por Morro do Papagaio – devido ao hábito de crianças soltarem

pipas/papagaios no ponto mais alto – o Aglomerado tem passado constantemente por obras de

melhorias e infraestrutura via Urbel e Prefeitura.

A inserção da população pobre – como a do Aglomerado – na economia da partilha via

hortas urbanas poderia favorecer condições de uma participação mais ativa na vida urbana, não

apenas como prestadores de serviços de outras classes sociais e comércio. Criaria a condição

de moradoras e moradores da cidade, ainda que na periferia segregada, revelando que a

diversidade de práticas está acima de planejamento hegemônico excludente.

Como mecanismos de sobrevivência da população pobre das cidades, “a solidariedade,

o cuidado com os outros, a criação de comunidade e a cooperação em projetos comuns” (Hardt

& Negri, 2016, p. 204) atuam como base para seu desenvolvimento. São modos de vida

baseados em solidariedade social que permitem edificar uma força social por meio dessa união

coletiva, constituindo este seu poder de transformação. “Aqui na comunidade, povo em geral

tem mais facilidade e abertura pra a solidariedade. Tem menos individualismo, mora muito

perto, colado com o outro, em cima do outro. Como era no campo, na roça, todo mundo sabe

da vida do outro” (Fala de moradora da comunidade da Horta Esperança).

Nesse sentido, as hortas coletivas têm crescido e se fortalecido nesses espaços de

vulnerabilidade, como forma de acesso a alimentos de qualidade da qual são excluídos nas

redes de grandes supermercados. Na Horta Esperança presenciei a representação da força

comunitária da resistência e da luta. A solidariedade está presente entre os gestores da Horta.

O integrante que tem automóvel levou a outra integrante ao hospital, quando ela precisou.

Quando foi necessário conversar com uma delas pelo telefone, a outra foi até a casa dela e

emprestou o celular para a chamada, pois ela não tinha telefone. São pequenas ações do

cotidiano de interação desta comunidade que demonstram a potência do encontro

proporcionado pela horta. Na Horta Esperança, há a partilha do espaço, a troca de saberes, as

disputas e conflitos sobre as decisões do plantio, da distribuição e da própria continuidade da

Horta. A horta é uma alavanca impulsionadora dessas relações, da mudança do espaço e da

transformação da realidade local.

A politização dessas iniciativas, a partir das hortas urbanas como práticas coletivas

baseadas em partilha, revela possibilidades de condução a modos de vida que nascem de um

132

espaço vivido, transformado, e que gera novas contradições, na medida em que novas disputas

acontecem. Em algumas hortas comunitárias, de partilha voltada à comunhão entre os

participantes e doação da produção à comunidade, há transposição para um sistema com

finalidade financeira, para obtenção de lucro a partir da produção. É comum que esta mudança

gere conflitos, que muitas vezes acabam em dissolução do grupo, ficando a horta sob

responsabilidade de uma pessoa/família apenas. Essa mudança do comunitário para o mercantil

carrega muitos atravessamentos das questões dos valores de uso e de troca dos espaços, que

geram implicações para as cidades. São desafios e modos de vida em construção, que

modificam e são modificados por essas dinâmicas que ocorrem na prática diária.

Soma-se a atuação do governo municipal e seus órgãos, configurando esse contexto de

multi-atores. A articulação entre os setores sociais podem encaminhar o planejamento e a

participação das pessoas para a mudança da cidade, no sentido de Lefebvre (2008) ou revelar

uma ampliação acentuada da segregação socioespacial. Muitas vezes questões ínfimas, como

estar presente em uma feira, isto é, participar como feirante, torna-se uma questão complexa.

O acesso a esses espaços não é tão fácil, depende de uma certa organização da produção

própria, encadeamento de atividades, controle do que está sendo produzido. Também é preciso

pensar na forma de expor, como demonstrar os produtos, qual tipo de embalagem ou formas

de pagamento. Conseguir o transporte das mercadorias e retornar com as sobras ou com as

caixas vazias também é um desafio, pois nem sempre dispõem de veículo próprio. Além disso,

exige do produtor um certo acesso a redes de agricultura, auxílio de grupos externos como nos

casos estudados, da Universidade Federal de Minas Gerais e do Centro Universitário UNA.

Funções simples como preenchimento de formulários, pagamento de taxas e conseguir

transporte da produção até à feira podem ser grandes empecilhos para públicos sem acesso,

segregados ou excluídos dessa dinâmica da cidade.

Na Feira da UFMG, o Roots Ativa, por exemplo, organização que há mais de dez anos

atua no Aglomerado da Serra e tem processos muito avançados de produção de horta, insumos

e coleta seletiva, transporta sua produção – mudas, minhocário, chorume, adubo etc –

dependendo de conduções como o Uber, sistema de transporte que compõe a economia da

partilha. A Ocupação Tomás Balduíno depende de veículos de terceiros, com alguém da

comunidade que cobra pelo transporte, ou o deslocamento é inviabilizado porque não possuem

outras opções de transporte. O que representa uma oportunidade de escoamento da produção e

geração de renda, coloca-se como um desafio para essas iniciativas de baixa renda, afastadas

desse ordenamento imposto na cidade.

133

As iniciativas e hortas podem conceber uma atuação de caráter mais contra-hegemônico

que seja aderente à cooperação, ou assumir seu lado economicista e favorável à atuação pontual

às necessidades da cidade, a despeito de uma luta ampliada pelo direito à cidade. Esse exercício

de composição social, conforme Tarde, constitui a atividade política por excelência, que está

continuamente sendo (re)feita (Vargas, 2007, p. 38).

A cidade, portanto, é um espaço híbrido (Swyngedouw, 2001), uma “rede de processos

entrelaçados a um só tempo humano e naturais, reais e ficcionais, mecânicos e orgânicos (..)

essa ‘coisa’ híbrida socionatural chamada cidade é cheia de contradições, tensões e conflitos”

(Swyngedouw, 2001, p.84). Esse movimento contemporâneo voltado à agricultura urbana

surge da prática e da contradição da produção e reprodução da cidade capitalista (Moreira,

2008). Ao operar com base na economia da partilha, torna-se desafiador pois implica uma rede

de associações, às vezes temporárias ou permanentes, que fornecem novos sentidos à vida

urbana, ao se conectarem com movimentos socioambientais ou contra a desigualdade social.

Esse cenário vem proporcionando possibilidades de ações coletivas e formulação de políticas

públicas a favor da transformação social.

Apesar do risco de as políticas públicas seguirem uma pauta a favor dos atores de

mercado, a força de mudança coletiva poderia levar ao fortalecimento das práticas de partilha

na agricultura/hortas urbanas, mobilizando saberes, práticas e ações para um planejamento

urbano inclusivo e emancipador.

Pelo fato de a agricultura urbana ser um fenômeno social e político, com intensa

conexão com as questões socioambientais e socioespaciais, ela traz à tona a discussão sobre

pobreza e desigualdade como efeitos da exclusão capitalista (Moreira, 2008). É também um

“processo social que envolve múltiplos atores, múltiplas funcionalidades na vida das cidades

– da cidade produtiva e da cidade ecológica –, integra diversos caminhantes, seus lutadores,

seus fazedores, como, de resto, seus estudiosos e críticos” (Moreira, 2008, p. 243-244).

Múltiplos atores, desigualdade, segregação socioespacial e questões socioambientais

permeiam a economia da partilha e as hortas nas cidades, vinculados com as concepções de

planejamento e regulação urbanos. Esse planejamento existente oscila entre os preceitos

históricos originais, voltados à economia política da urbanização, e os que estimulam maneiras

de apropriação do espaço e de práticas da vida cotidiana por meio de estratégias coletivas e

participativas (Costa e Almeida, 2012).

A partilha e a agricultura por meio das hortas urbanas ultrapassam o conceito de cidade

planejada. O direito à cidade prevê planejamento e participação, a partilha territorial, e não

necessariamente econômica. O direito à cidade se tornou um direito normativo, como a ‘cidade

134

boa’, cidade dos planejadores, e não a cidade vivida. Quando se fala em horta e transformações

dos espaços, se revelam as formas arrevesadas de conviver e trocar, as maneiras diferenciadas

de organizar o espaço, a mobilidade, as formas de se estabelecer parcerias com outros

empreendimentos e iniciativas. Essa lógica foge àquela do planejamento formal.

Apesar de antiga, a prática da agricultura urbana/hortas não encontra uma relação

próxima com o planejamento urbano e a postura dos agentes públicos. Essa junção de forças

poderia promover redistribuição de recursos, terras, infraestrutura e instrumentos para ampliar

o acesso e uso do território por aqueles que não possuem esse benefício. A propriedade privada

determina o uso e a vantagem de quem a tem. Verifica-se que o valor de troca sobressai sobre

o valor de uso no contexto capitalista de produção do espaço urbano (Costa e Almeida, 2012).

Nas experiências pesquisadas, pouco se viu da atuação dos governos municipal e estadual em

favorecimento à agricultura urbana. Apenas na Horta Esperança há uma presença mais direta

da Urbel, devido à área ser de responsabilidade da prefeitura, oriunda de remoção por risco,

mas não por causa da horta/agricultura urbana.

Como nas discussões travadas sobre a partilha, novamente a questão da propriedade –

e suas implicações – surge como cerne da questão. A partilha poderia conduzir novos modos

de viver na cidade, dirimindo a desigualdade fruto da mercantilização da terra. As

determinações do capital hegemônico e a postura muitas vezes submissa do setor público a

corporações, não encaminham a soluções de partilha que retomem o valor de uso e garantam a

função social da propriedade dos espaços da cidade.

Por vezes preconceituosa do ponto de vista do setor público, a função social deve ser

articulada em benefício do conjunto de pessoas na cidade. Em casos de desapropriação, por

exemplo, é possível refletir sobre a criação de espaços. Isto é, onde os espaços não existem, o

poder público os institui. Em vilas e favelas, em que o espaço é escasso e oneroso à população

vulnerável, essa situação se agrava, entendendo esses espaços como organização social.

Todavia, o papel do poder público nas hortas pode ajudar por fornecer acesso a

insumos. É importante reconhecer que as políticas públicas dão muito mais visibilidade às

causas, além de mais garantia e credibilidade. Isso favorece também o acesso a programas

internacionais, facilita o alcance de verbas destinadas por esses programas e quando a

localidade tem políticas públicas que favorecem, isso colabora para viabilização dos recursos.

O papel do poder público não é essencial, mas é importante. Para a população, para o dia-a-dia

ainda prefiro apostar na autonomia. A construção de autonomia que vai dar o verdadeiro tom.

É a população ciente e consciente dos seus direitos em relação à cidade, que vai bater pé e falar

que aqui é um espaço de lazer, aqui de educação, aqui a gente quer uma horta. Tudo soma. A

135

legislação também ajuda em casos de disputa e litígio. Alguma disputa que se queira garantir

um espaço que era desprezado e que agora virou uma hortinha da esquina, é um bom

instrumento, porque dá visibilidade. (Fala de entrevista, permacultora dos Hortelões Urbanos).

4.2.3 Partilha e função sociopolítica

A ampliação do acesso e uso do território – via agricultura urbana – pela população que

não é proprietária e não tem os recursos necessários para seu uso traz elementos para se pensar

o direito à cidade. Quais sentidos carregariam esses usos e será que reconhecem e fortalecem

as práticas das comunidades vulneráveis? Percebe-se que esses usos – seja por meio das hortas,

canteiros etc – vêm demarcando novas posições dessa população na cidade. Essas iniciativas

mostram que a cidade é fruto das práticas de seu povo, constituindo planejamentos informais

dentro do plano formal hegemônico, construído e determinado por uma parcela favorecida da

população. Representam um esforço de abrir alternativas que lhes permitam novos modos de

vida na cidade, alheios à ordem massacradora.

Essas trabalhadoras e trabalhadores constroem a cidade informal que foge à legislação

urbanística, mas que desenha e molda a cidade pela ação dos cidadãos que não tem acesso à

cidade planejada e que, portanto, não usufrui dela. Como afirmam (Mendes & Cavedon, 2012),

é a cidade enquanto prática urbana, fluida e o que a define são as práticas dos diferentes grupos

em interação no cotidiano, contrariando o projeto estático. Esses planejamentos informais

incluem projetos colaborativos e composição de um esforço coletivo – como o caso dos

mutirões na Horta Esperança para limpeza da Horta, plantio e infraestrutura como a cerca ao

redor da Horta e estruturação dos canteiros com pneus – que levam a ressignificações do espaço

e das vidas das pessoas envolvidas.

Conflitos, tanto na Horta Esperança, quanto na Ocupação Tomás Balduíno e nas feiras

Terra Viva e da UFMG, sobre destinação dos recursos e diferentes pontos de vista das

produtoras e produtores são elementos para analisar as implicações da partilha nas hortas e,

consequentemente, na cidade. A função social das hortas em seus territórios levam a reflexões

da organização e dos modos de se viver na cidade, possibilitando ações e transformações da

coletividade no espaço urbano.

Essas negociações diárias, que por vezes geram relações conflituosas, também estão

conectadas com a ideia de função social da horta projetada por cada envolvido(a). São

concepções, interesses e disputas que decorrem do poder de ação e dos resultados que se

esperam dessas ações nas hortas. Nas ocupações, como na Tomás Balduíno, as hortas coletivas

136

representam o fortalecimento do senso de comunidade, da permanência local, da resistência.

Os conflitos surgem a partir das decisões sobre o espaço, e a horta é um deles. O fato de plantar

representa a resistência, mas foi possível presenciar debates em que a horta significou motivo

de discórdia entre os moradores, porque os interesses se cruzam. Ao debaterem sobre o fluxo

da água da chuva e a correnteza que invade as vias desprovidas de infraestrutura para seu

escoamento, os moradores divergem sobre a estrutura da horta, formato dos canteiros, tipos de

plantio e aproveitamento de água. “As pessoas têm que entender que não é só o lado delas. Se

a correnteza não passar, vai alagar a casa dela [moradora local]. Ela tem que entender. Prejudica

todo mundo, ela mais ainda. Vai derrubar a casa dela” (fala de conversa informal, morador da

Ocupação Tomás Balduíno).

Nas hortas comunitárias como na Horta Esperança, significam a mudança da realidade

local espacial, eliminando um espaço que era lixão, para um espaço verde. Essas finalidades

não são fixas, podem se alterar ao longo do desenvolvimento da horta e das novas associações

que são criadas. “Social é sempre relação, logo, diferença” (Vargas, 2007, p. 21). Também

podem representar uma atividade extra ao ar livre, passa-tempo, uma forma de sair de casa,

uma maneira de se sentir responsável por algo, uma vitrine do seu trabalho, a maneira de ser

conhecido(a) ou respeitado(a) na comunidade, e outras tantas possibilidades. Nesse caso, o

conflito surge por meio da dificuldade de se estabelecer, em diversas decisões cotidianas da

gestão da horta, o consenso e a adequação de interesses e desejos de cada integrante do grupo

produtivo.

Um dos integrantes, que reside em frente à Horta Esperança, já teve interesse em se

apropriar de parte do terreno para servir como uma vaga de garagem para seu veículo – no

início da iniciativa, depois da limpeza do espaço para então se iniciar a construção da Horta.

Chegou a fazer uma cobertura para o carro e cercar em volta. Após alerta do funcionário da

Urbel a esse morador, e conforme o trabalho foi evoluindo, ele e os demais moradores que

intencionavam obter ganhos pessoais a partir daquele “novo” espaço, entenderam que a

coletividade seria a mola propulsora do desenvolvimento local. Nesses espaços de

vulnerabilidade, de ausência reguladora do Estado e constantes disputas por territórios entre os

cidadãos, como nas vilas e favelas brasileiras, a imposição de pontos de vista, crenças,

pensamentos e modos de agir, muitas vezes, é uma estratégia de sobrevivência. É preciso,

muitas vezes, questionar o vizinho, brigar com alguma família, impor limites e estabelecer

negociações que são criadas e transformadas no dia-a-dia, na práxis, nos modos de viver em

comunidade.

137

Esses conflitos não foram vivenciados na Horta da Cidade nem na BeGreen Boulevard,

por se tratarem de hortas privadas, com comando centralizado e em benefício próprio. As

possibilidades de transformação urbana desses empreendimentos se voltam para a ampliação

da discussão da temática na cidade. Essas iniciativas significam exemplos urbanos de negócios

possíveis voltados à agricultura na cidade. Além disso, são formadores de opinião, participam

de eventos diversos em escolas, segmentos da inovação, setor público, eventos internacionais,

feiras de negócios, ampliando as conexões e abrindo frentes de trabalho a favor das hortas

urbanas em Belo Horizonte.

Em todas essas iniciativas estudadas, destaca-se a existência do fator reconhecimento.

Um reconhecimento da comunidade por ser útil ao desenvolvimento local, e de estar

promovendo um bem-estar à cidade. No caso da BeGreen Boulevard, conforme relatado em

entrevista, a escolha de Belo Horizonte como local de instalação da empresa foi fundamental,

visto que o acesso às redes de inovação locais era facilitado, já que essas estruturas

estavam/estão em desenvolvimento na cidade, motivadas pelo setor público municipal e o

fomento do setor de inovação, com os conhecidos San Pedro Valley25, comunidade com mais

de 300 startups sediadas em Belo Horizonte e programas de inovação das iniciativas pública e

privada, como o Parque Tecnológico de Belo Horizonte – BH-TEC26 que formam o

“ecossistema de inovação” da cidade.

Além disso, apesar de seus fundadores serem paulistas, os estudos prévios do modelo

de negócio – o empreendimento se iniciou como uma startup com teste de produtividade de

plantio na cidade de Betim, na região metropolitana da capital – definiram por Belo Horizonte

por se tratar de uma novidade na cidade. Somando-se ao fator de que a cidade estava se

preparando para as inovações a partir dos movimentos como os citados acima, a empresa

reconheceu na capital mineira um polo de exclusividade e visibilidade do negócio. “Aqui

somos novidade, podemos nos destacar, olha o retorno que estamos tendo de mídia espontânea,

sem esforço. Se fosse em São Paulo, seríamos apenas mais um, dentre outros tantos

empreendimentos inovadores” (fala de entrevista com sócio-proprietário da BeGreen

Boulevard).

A variedade de finalidades e intenções revelam diferentes funções sociais das

iniciativas estudadas, bem como dos resultados da produção das hortas, o que leva à reflexão

do papel exercido por estes empreendimentos na cidade. Nas hortas coletivas, há agrupamento

25 https://www.sanpedrovalley.org/ 26 http://bhtec.org.br/

138

ou sentido comunitário? Na partilha, há uma dimensão que é do espaço, do território, voltada

para o pensamento coletivo, articulado em conjunto, as decisões que são coletivas daquela

localidade. Há uma dimensão que é da troca dos saberes coletivos. A partilha acontece também

por esta via, pela sensibilidade em querer cuidar do espaço e promover uma vida melhor. Como

relata a permacultora e fomentadora de hortas urbanas entrevistada, ao citar o caso da Horta

das Corujas, em São Paulo, “A ideia era se ocupar de um espaço público, de uma forma que

fosse no sentido do cuidado, coletiva, comunitária, que fosse para as pessoas terem uma

percepção do espaço público um pouco diferente do que tinham até então” (fala de entrevista

com permacultora dos Hortelões Urbanos). Essa reflexão abre frente para se pensar sobre o

trabalho coletivo e a gestão social do trabalho, e as formas de organização social. O espaço

comum, constitutivo do sharing, e o espaço público, fruto da iniciativa dos governos.

Na tese, o foco de estudo se baseou em hortas coletivas. Em uma organização simples,

dividimos o entendimento do arranjo das hortas entre: individuais e coletivas. Desta maneira,

entendemos a horta comunitária como uma categoria dentro de horta coletiva. E é interessante

destacar, entretanto, a diferenciação entre os sentidos de coletivo e comunitário, como ressalta

a entrevistada:

Eu faço uma diferença entre horta comunitária e horta coletiva. Horta comunitária tem uma

comunidade envolvida. É uma horta da comunidade. É muito difícil de fazer. Na horta coletiva,

algumas pessoas se reúnem para cuidar daquele espaço. Essas pessoas podem ou não ser

daquela comunidade, pode ser gente de fora, que tem amigos, que vão lá e se juntam.

Normalmente o número de pessoas é menor do que da horta comunitária. Quando você está

numa horta coletiva, as coisas são um pouco mais fáceis, e normalmente ela começa nesse

modelo, porque é um grupo de amigos, porque a questão da afetividade é muito clara nesse

modelo. É um grupo de amigos, pessoas que se conhecem, que têm objetivos e interesses mais

ou menos comuns. Quando ela começa a crescer, e vai caminhando na direção de uma horta

comunitária, a coisa fica mais difícil, porque o número de pessoas envolvidas é maior, os

interesses são diferentes, claramente a gente tem a situação de que muitos se usufruem e poucos

trabalham. Sempre os mesmos que trabalham. (Fala de entrevista, permacultora dos Hortelões

Urbanos)

Essa racionalidade não é dada, é constituída, envolve o dilema da ação coletiva. Nos

processos de autogestão, como vivenciado ativamente na Horta Esperança, é necessário

aprender com o processo, com a prática, com o andamento das atividades no decorrer do tempo.

Nesse sistema, a comunidade evolui, passa a ter outros interesses além das atividades internas

da horta, e podem expandir os limites, formar redes e trocas com outros grupos. As trocas

promovidas nas hortas vivenciadas geraram o aprendizado de todos os lados (sobretudo o

meu). Como ressalta a permacultora entrevistada, “eu aprendi muito sobre plantas

139

tradicionais que só junto dessa população eu pude saber de verdade” (fala de entrevista,

permacultora do Hortelões Urbanos).

No caso das hortas comunitárias, é fundamental notar que elas refletem os modos de

vida daquela comunidade. A cidade se vê representada, com todas as suas contradições e seus

problemas. “A horta reflete, e é importante que isso seja assim, ela reflete a própria

comunidade. Se é um ambiente de violência, eu espero que tenha violência na horta também,

roubo, depredação. É uma forma de você ter acesso a determinadas coisas que ficaram mais

invisíveis” (fala de entrevista, permacultora do Hortelões Urbanos). A visibilidade a questões

antes encobertas é uma maneira de validar a função política e social das hortas como formas

de busca por condições melhores de vida, por modos de vida mais sustentáveis.

A necessária construção da autonomia das comunidades vulneráveis e espaços

degradados ressalta outra questão citadina. Para onde estão os olhares e os investimentos na

construção de uma cidade justa e partilhada? A degradação de um território é uma das etapas

da construção de um espaço de exceção.

Toda vez que o Estado ou a sociedade querem expurgar, externalizar coisas ou pessoas e colocá-

las numa situação de suspensão dos direitos, a degradação do ambiente é uma das etapas do

processo. Se você deixa o espaço abandonado de serviços públicos, ele vira espaço de consumo

e uso de drogas, espaço de violência, e com isso ele vai se tornando um lugar de exceção, onde

a própria violência do Estado está autorizada. (fala de entrevista, permacultora do Hortelões

Urbanos)

Exatamente como ocorreu no terreno em que atualmente está a Horta Esperança, a

renovação proporcionou a construção de um novo território. A comunidade solicitou o

cercamento do entorno da Horta que, apesar de constituir um impedimento à entrada, trabalho

coletivo aberto e comunitário, serviu como motivo de destacar para a comunidade que o espaço

estava sendo cuidado. Além de afastar animais que degradavam a Horta, a cerca serviu como

um fator educativo, revelou que o zelo fazia parte daquele cenário, que não estava abandonado.

No futuro, pode ser que a cerca não seja mais necessária, quando a cultura do cuidado se

disseminar e as pessoas se acostumarem com essa nova organização.

Todo material de infraestrutura que é fornecido pela prefeitura (como cerca, mourões,

adubo etc) não é retirado pela população do entorno, todos respeitam porque sabem que é para

o benefício da Horta. Como o espaço está mais vigiado e frequentado, esse cuidado apartou

também movimentos vinculados às drogas, diminuindo conflitos no local que servia como

atrativo para a criminalidade. Como explica o representante da Urbel:

140

Depois que a gente conseguiu o cercamento da Horta, pelo menos naquela parte ali de baixo,

já evoluiu muito, a diferença é gritante. As pessoas entendem que aquele espaço é para aquele

fim. Eles têm uma ética, vamos dizer assim, que as pessoas dos bairros não entendem. O

material nosso, brita, areia, nós colocamos na rua de cima, a rua Brasília, e ele tá lá até hoje,

ninguém mexe. Os mourões ficaram abaixo ali, na rua, da casa da integrante da horta, ninguém

mexe. É assim... todo mundo sabe de quem é. Numa área que fica aberta, ou é da Prefeitura...

eles pegam. Não mexem quando sabem que é de alguém, que tem algum responsável ali. A

gente tem muito problema de roubo de material quando é obra feita pela Prefeitura. Se a

empreiteira está fazendo a obra, tem muito furto. Quando é morador, porque ali está vinculado

ao morador, ninguém mexe. Se a gente for fazer uma obra coletiva, que até vai beneficiar todo

mundo, uma recuperação de um beco por exemplo, pôs o material e pode acontecer roubo.

Como era aberto, está aqui, está descuidado, o povo vai jogando. (Fala de entrevista, Analista

Técnico Social da Urbel).

Ampliar os espaços, ocupar o entorno, a rua, a praça, o canteiro ou o lixão com horta

significa lutar para que aquele lugar não se degrade e não se reduza cada vez mais. Nesses

espaços mais vulneráveis, ressalta-se o abandono que é construído, não pela ausência do

Estado. Esses espaços mostram, exatamente, a presença do Estado. “Uma presença perversa,

porque esse abandono é construído por ele também. O descaso é construído por ele” (fala de

entrevista, permacultora do Hortelões Urbanos).

4.2.4 A força da coletividade

As hortas coletivas ou comunitárias representam uma força coletiva. Ressaltando esse

fenômeno, o cultivo de PANCs – plantas alimentícias não convencionais27, exprimem essa

resistência, essa adaptabilidade ao meio, são simbólicas, sinalizando que há vida que nasce e

cresce, a despeito do cuidado ou do interesse do planejamento formal. Esse plantio foi

verificado na Ocupação Tomás Balduíno e também está crescendo na Horta Esperança. “Os

matos são forma de resistência, mostram que tem vida nesse lugar” (fala de conversa informal

com morador da Ocupação Tomás Balduíno).

Na Horta Esperança (Figura 21), a comunidade reconhece o espaço como comunitário,

acredita que favoreceu o ambiente, que melhorou o bem-estar. “Uma forma de mudar esse

espaço aqui. Depois que fez a escada pra gente subir, já melhorou muito. Agora com a horta,

27 São exemplos: tansagem, saião, ora-pro-nóbis, peixinho, beldroega, dente-de-leão, taioba, capuchinha,

azedinha, picão-preto, entre outras.

141

está bem bonito, muito melhor do que era” (registro do diário de campo, conversa informal

com morador da comunidade da Horta Esperança, outubro de 2018).

FIGURA 21 – Vista de baixo - Horta Esperança

Fonte: acervo pessoal

As cidadãs e cidadãos são quem tramam e desenham os caminhos da agricultura urbana,

sobretudo os das periferias e em situação de vulnerabilidade socioeconômica. A pesquisa

revelou que eles não esperam por atuação do setor público. Eles fazem, elaboram, estruturam

suas hortas e canteiros da maneira que acreditam estar correto, por experiência, pela prática.

São formas de participar mais ativamente na gestão da cidade. São modos de viver na cidade

que se distanciam do modo urbano hegemônico no qual se paga por qualquer coisa. A inclusão

das pessoas segregadas do planejamento urbano e distanciadas do centro de poder em

movimentos de hortas e agricultura urbana implica em promoção do desenvolvimento,

142

desalienação por meio da integração e relacionamento com outras pessoas e territórios,

construção de uma visão crítica e transformação social mais justa.

No caso da agricultura urbana em Belo Horizonte, a pesquisa aponta que as motivações

variam. Entre elas o contato com a natureza e amor à terra e ao processo de fazer crescer e

brotar, para desafogar o estresse do dia-a-dia de trabalho na cidade, para ter alimento de

qualidade (independentemente do esforço ou valor investido), para pagar mais barato por uma

alimentação saudável, por recompensa pessoal e status de ter onde plantar. Essas motivações,

que variam entre mais gregárias e solidárias até mais funcionalistas e economicistas, formam

maneiras de se viver e conviver nas cidades.

Essas pessoas possuem conhecimentos e práticas de hortas urbanas que passam a ser

valorizados, e por meio da vida da agricultura urbana, tornam-se ferramenta de inclusão social

na cidade formal (Brand e Muñoz, 2007). Excluídas para as periferias da cidade planejada e

marginalizadas economicamente num processo do sistema capitalista, essa população

segregada produz meios de inserir, reinventando caminhos de participação por meio da

agricultura como modo de vida urbano. Ainda que não reconhecidas no planejamento urbano

formal, as hortas interagem com as dimensões sociais, ecológicas e econômicas (Coutinho,

2010) além de políticas, estabelecendo novas arenas de discussão, reivindicação e de luta pelo

arrefecimento da desigualdade.

A partir da evolução do mercado de orgânicos, do maior interesse das pessoas por

alimentação de qualidade e vida saudável – muito em decorrência do crescimento do uso de

agrotóxicos nas plantações frente a pragas cada dia mais resistentes – de crescentes

movimentos sociais com envolvimento na agricultura urbana, de negócios voltados para a

alimentação “caseira” e a valorização da produção local, questiono se o movimento das hortas

urbanas passa a ter mais apoio e leis por conta do envolvimento dos “recentes agricultores

urbanos” e os novos olhares da economia da partilha? É preciso discutir como a existência desses

agrupamentos pode se conectar com, ou, por outro lado, impedir os objetivos de justiça social,

ou ainda, se caracterizaria um processo de gentrificação, recebendo tratamento diferenciado em

relação à histórica agricultura familiar para o sustento, parte do desenvolvimento econômico

comunitário.

Portanto, a co-presença entre agricultore(a)s desse recente movimento citadino com

trajetória e sobrevivência na agricultura não significa um trabalho conjunto, compartilhamento

de ideais, reivindicação de pautas ou ação coletiva e partilhada. Grossi de Oliveira (2016)

aponta a inabilidade de articulação entre os movimentos do centro e os das periferias em Belo

Horizonte, revelando a segregação também na relação entre os ativismos.

143

Esse fato foi verificado na pesquisa de campo, ao estudar hortas em direção a territórios

mais periféricos e os territórios mais favorecidos. Interesses, discursos e maneiras diferentes

de conviver na Horta foram verificados, refletindo no que buscam da cidade. Enquanto nas

hortas mais periféricas, os interesses se voltam para a luta por representatividade, visibilidade

e consequente escoamento da produção ou conquista de infraestrutura de base para o

funcionamento da horta, nas hortas mais centrais, os objetivos econômicos sobressaem em

termos de garantir maior retorno sobre o investimento. Os fatores mais básicos como logística

de transporte, visibilidade da população ou conquista de parcerias são bem facilitados nas

hortas centrais, o que favorece o desenvolvimento do negócio.

As hortas periféricas parecem começar esta disputa no mercado posicionadas um passo

atrás, ou seja, ainda precisam vencer uma série de obstáculos que, para as hortas centrais, não

significam um problema. Nota-se que na periferia, a pauta se constitui o acesso ao que já está

estabelecido nas regiões centrais, que por sua vez, buscam novos direitos e interesses. A

ausência de universalização desses direitos leva a questionamento da economia da partilha

como forma de proporcionar equidade e favorecer a ampliação do direito à cidade.

Ressalto aqui certa dificuldade de acesso a hortas de locais mais favorecidos em Belo

Horizonte, tais como em condomínios fechados de classe alta. Apesar de se ter a notícia da

existência desses espaços coletivos de plantio nesses locais privados, não se conseguiu durante

o processo de campo, ter acesso a essas hortas. Um fator que pode explicar essa dificuldade é

o próprio interesse em constituição dessas hortas: nos territórios mais periféricos, há interesse

em visibilidade e expansão de seu negócio e de seus objetivos de sobrevivência. Já nas hortas

de condomínios, locais mais favorecidos, a horta não tem o propósito de buscar a visibilidade

para galgar espaço no mercado ou na cidade e conquistar acesso a redes que proporcionariam

maior retorno à atividade, pois ela funcionaria mais como experiência de acesso a alimentos

de qualidade, ou mesmo uma maneira de gastar o tempo livre. As redes que acessei, também,

podem não ter sido fortes o suficiente para permitir a entrada em campo.

Essa dificuldade também pode estar relacionada a questões históricas. A ideia de mato,

do selvagem e do desconhecido está no inconsciente coletivo brasileiro. Nos decretos de

fundação das cidades, como é o caso de São Paulo, se algo brotasse, em frente à casa, os

moradores eram multados. A permacultora dos Hortelões Urbanos entrevistada explica que a

ideia de que o mato é falta de cuidado, de zelo, está no inconsciente coletivo em decorrência

dessas punições. Soma-se a esse fator, a imagem dos jardins e gramados europeus, impecáveis,

porém improdutivos, servindo para a demonstração de riqueza e poder.

144

A ideia de que o mato é falta de esmero, um lugar sujo, selvagem, perigoso, foco de doenças,

tem rato, tem barata... está no inconsciente coletivo da gente. Se você juntar com a imagem que

os europeus têm do jardim, fica mais claro. Quem fazia agricultura na Europa eram os

camponeses. Para o senhor feudal, mostrar que ele tem terra suficiente para se dar ao prazer de

fazer jardim sem precisar de fazer horta da qual ele sobreviva, é um indicador de riqueza. Todos

aqueles castelos na França, na Inglaterra, têm um jardim, um gramado enorme que requer um

cuidado absurdo. É uma demonstração de riqueza. Olha quanta terra eu tenho que não precisa

ser nada, só gramado. Isso vai aparecer aqui também. No próprio desenvolvimento da cidade

de São Paulo, você junta esses decretos que multavam, taxavam o morador que tinha mato na

frente da sua casa, você tem a figura das casas voltadas pra rua e o pomar sempre no fundo,

escondido. O que vem pra frente da casa não é a horta, é o jardim, é um espaço que eu posso

me dar ao luxo de ter, é um espaço digamos inútil do ponto de vista produtivo. Quanto maior o

jardim, mais rico eu sou. Também vai aparecer no cultivo de plantas exóticas. Então quem é

rico em São Paulo, na Av. Paulista, nas grandes mansões dos barões do café, não basta ter um

jardim, mas tem que ter um jardim com plantas exóticas, são plantas que ninguém tem, que

vêm do estrangeiro. (Fala de entrevista, permacultora do Hortelões Urbanos)

As hortas para essa população são escondidas. São sinal de desordem, sujeira, aquilo

que foge ao planejamento organizado, estruturado e definido de cidade. “Os jardins de casas

de luxo são alinhados e sempre limpos, sem folhas no chão, com as cores compostas e

separadas. Uma horta não combina com essa ideia” (Fala de entrevista, permacultora do

Hortelões Urbanos). É uma mentalidade em linha que está distanciada da miscelânea que

compõe um jardim tropical.

O setor público reconhece essa mistura de formatos, motivações e interesses, e tem

trabalhado, via Sistema Participativo de Garantia, para promover uma organização que permita

um certo tipo de controle. “A gente tem essa mistura que eu adoro. A gente tem agricultores

que estão inseridos no mercado, já vendem por aqui e acolá, já têm um selo, e se interessaram

por esse processo [SPG] porque eles entenderam que isso agrega” (fala da entrevista com a

Diretora de Fomento à Agricultura Familiar, Urbana e Abastecimento da Secretaria Municipal

de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania – SMASAC). Esse caráter múltiplo dos

empreendimentos, hortas e experiências de agricultura reforça a perspectiva híbrida da economia

da partilha e seus contornos construídos e transformados pela prática cotidiana.

É interessante notar, como demonstra a Figura 22 a seguir, que a relação com o cultivo

varia em relação aos empreendimentos mais comunitaristas e mais mercadocêntricos.

Enquanto que a relação com o labor é mais próxima nos empreendimentos mais comunitaristas,

nos mais mercadocêntricos nota-se um maior distanciamento, uma relação mais artificial com

o plantio, medições por meio de aparatos tecnológicos e controle da produção por via

instrumental, refletindo uma relação mais automática com o plantio. No caso estudado, os

proprietários não mantém contato com o plantio, apenas com o gerenciamento do negócio.

145

Figura 22 – Contato dos agricultores com o plantio

Ocupação Tomás Balduíno. Fonte: acervo pessoal.

Horta Esperança. Fonte: acervo pessoal.

A Horta da Cidade – Santa Lúcia. Fonte: acervo pessoal.

BeGreen Boulevard. Fonte: acervo pessoal.

Horta Esperança. Fonte: acervo pessoal.

146

Na Casa Horta, empreendimento componente da BeGreen Boulevard, há uma

perspectiva mais interessada em comunitarismo, em colaboração e construção de um futuro

mais partilhado na cidade. Essa perspectiva mostra como as propostas na cidade são híbridas,

envolvem múltiplas formas de organização social.

Aqui a gente vende tudo a granel, então na quantidade que o pessoal precisa, é mais transparente

no preço. A gente consegue ter um preço mais baixo que o orgânico do supermercado mesmo

pagando o produtor melhor. Muitos supermercados trabalham com consignação, e o que não

vendem, os produtores que arcam com a perda e ainda tem que fazer a logística reversa. A gente

compra do produtor, a gente que arca com a perda. A gente até doa para o Sesc o que não vende,

chama “Mesa Brasil”. Pagamos com cinco dias úteis, normalmente supermercado paga com

trinta dias o fornecedor. Na prática do dia-a-dia, a gente faz pensando em ser um negócio mais

justo com o produtor, é o que tem menos recurso. O nosso sonho é incentivar o sistema

alimentar mais justo em Belo Horizonte, que as pessoas tenham mais acesso a alimentos

saudáveis, por um preço mais justo e que ao mesmo tempo valorize o produtor. Se a gente

conseguir criar esse interesse, que as pessoas tenham esse desejo de ter um consumo mais

consciente, saber de onde vem, como o produtor está sendo remunerado, a gente fica feliz de

trazer essa nova perspectiva para a população de Belo Horizonte. O alimento sem agrotóxico é

um mercado restrito às classes A e B, a gente queria ampliar isso (Fala de entrevista, sócia-

proprietária da Casa Horta).

Nos empreendimentos mais comunitaristas, o que rege essa relação é a interação com

a natureza, os modos de fazer mais intuitivos, apreendidos ao longo do tempo da história do(a)

agricultor(a) ou do seu aprendizado recente; há presença de uma relação mais subjetivada com

a terra, sentimental, de refletir satisfação ao ver cada muda que cresceu ou planta que deu flor.

Nessas experiências mais comunitaristas, também foi relatado pelo(a)s entrevistado(a)s

nas conversas informais que o envolvimento com a horta é uma maneira de transformar suas

condições de vida. Essa melhoria é percebida em pelo menos cinco vias: 1) em saúde mental,

pois relatam que a horta é uma terapia, uma forma de sair de casa e respirar ar puro, uma forma

de se sentir útil, uma maneira de espairecer em meio ao caos da cidade28; 2) nos espaços com

foco de comercialização, as hortas servem como sustento ou como complemento de renda,

proporcionando um retorno financeiro importante para as famílias; 3) as hortas também

contribuem para geração de novos conhecimentos, aprendizado e repasse desses

conhecimentos gerados a outros grupos e comunidades, o que leva ao quarto item; 4) ampliação

da interação intra e inter comunidade, na medida em que a horta torna-se um espaço de

convivência e interação, ampliando e criando novas relações entre vizinhos que antes não se

28 Ressalta-se que se há benefício em saúde mental, nem sempre a saúde física acompanha esse ganho, pois em

alguns casos, o(a)s agricultore(a)s relataram cansaço físico com a dedicação à horta, dores na coluna e joelhos.

Alguns desses relatam que “é uma dor que vale a pena”, outros porém, acabam abandonando o trabalho na horta

em consequência dessas dificuldades.

147

conheciam ou não se falavam, além de abrir possibilidades de interação com outras

comunidades para troca de experiências das hortas, troca de mudas e sementes etc; 5) acesso

outros espaços e vivências, oportunidades de circular e viver a cidade como participante de

suas atividades.

Nesse sentido, ressalto a experiência da Horta Esperança, no Aglomerado Santa Lúcia,

que vem crescendo em termos de conquista de conhecimento, espaço na comunidade e acesso

à cidade. Como acompanhei o trabalho do nascimento dessa iniciativa, foi possível perceber

ao longo dos meses de acompanhamento essa relação crescer, os conflitos aparecerem, porque

partem da potência do encontro, da articulação das diferenças no papel da partilha nas hortas

urbanas e sua dimensão transformadora da relação.

Do impacto na cidade, tem a valorização da alimentação saudável, sem agrotóxico, esse

impacto é importante. Obviamente que uma hortinha vai atender poucas pessoas, mas essa coisa

até simbólica, de valorizar, de ter várias, de ser um movimento que está crescendo, tem no

bairro mesmo Santa Lúcia, a Horta da Cidade, tem na dentro da vila, tem no Taquaril, no

Califórnia, tem nas ocupações... Tem o aspecto estético. Uma coisa é você ver uma área

abandonada, outra é ver o espaço cuidado. Valoriza. É uma coisa mais bonita, mais agradável.

Tem o aspecto da solidariedade de quem está atuando, construção coletiva. Pra nós

especificamente tem a questão da área remanescente, evitar que seja ocupado, que tem risco

geológico. Preservando vida de certa forma. Se uma família reocupa, preocupa. (Fala de

entrevista, Analista Técnico Social da Urbel).

Entendo um papel fundamental das hortas coletivas, enquanto trabalho partilhado, no

sentido de implementar o diálogo e aproximar as diferenças entre grupos e mesmo indivíduos

conviventes no mesmo espaço urbano. A força da partilha pela via relacional, não isolada. No

sentido defendido por Vargas (2007), as coisas do mundo são produzidas relacionalmente.

Adicionalmente, acredito que as hortas urbanas se apresentam como uma proposta para

intensificar o uso social da cidade. Muito além de ocupar espaços ociosos ou embelezar a

paisagem – o que, por si só, já significa um avanço no ambiente citadino – a agricultura urbana

envolve participação. Portanto, pode ser incluída como um componente da cidadania,

envolvendo a inclusão das cidadãs e dos cidadãos nas decisões da cidade, elemento que conduz

à dimensão política do direito à cidade. São iniciativas em perspectiva microssocial, que têm

potência para um impacto mais amplo na cidade, na medida em que vão tomando proporção e

força ao longo do tempo. Essa postura também foi verificada na Casa Horta, negócio que

contempla o complexo BeGreen Boulevard.

148

A gente trabalha com produtos agroecológicos, nós optamos por trabalhar com produtores

agroecológicos, principalmente pela questão social, de valorizar o pequeno produtor. A gente

até trabalha com produtores com certificado de orgânicos também, mas normalmente o

certificado já tem um nível maior de organização e tal, como a gente queria trabalhar com

agricultura familiar, e o que a gente percebeu, que muitas famílias produziam de maneira

agroecológicas, sem uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos, mas não tinha um canal de

comercialização, então a gente quis trabalhar com esse tipo de produtores. Passamos mais de

seis meses visitando, conhecendo e desenvolvendo com eles a comercialização, ajudando a

superar todos os desafios, de transporte, logística e precificação, então o planejamento foi todo

feito em conjunto, com os produtores, então fizemos os combinados de como funcionaria. (Fala

de entrevista, sócia-proprietária da Casa Horta)

A partilha ocorre por meio de relações que não são estritamente comerciais. Apesar da

relação financeira acontecer, se valem muito mais da troca, da ajuda, dos favores e das

permutas como forma de estabelecer a relação de fazer negócio. Além disso, priorizam os

atores que participam das redes agroecológica, de agricultura familiar, de ocupações ou

orgânicos produzidos em escala doméstica. Rejeitam rótulos ou determinações da cadeia de

mercado.

4.2.5 Partilha e Modos de Vida

O rio por aí se estendendo grande, fundo, calado

que sempre. Largo, de não se poder ver a forma

da outra beira. (Guimarães Rosa, A Terceira

Margem do Rio; “Primeiras Estórias”)

Com seus modos de vida diferenciados, baseados em partilha, as hortas vão ascendendo

em amplitude e representatividade nas cidades, apoiadas no também crescimento das feiras

para escoamento de sua produção. São mudanças que vêm desafiando a estrutura determinista

das cidades, rompendo com a participação segregada, sobretudo nas políticas públicas, que

sempre favoreceram as grandes corporações e o raciocínio do agronegócio. Essa disseminação

provoca uma globalização contra-hegemônica, nos termos de Santos (2002).

Como Santos (2002) defende, vem ocorrendo uma globalização contra-hegemônica,

que enfrenta questões como a exclusão social, problemas ambientais, precarização do trabalho,

decadência das políticas públicas, pobreza, dentre outras problemáticas, levantadas,

conduzidas e organizadas por redes e alianças além fronteiras, com diálogo amplo e

aglutinador. São atores sociais engajados e em busca de visões de mundo que envolvam mais

participação e menos exploração. Seguindo esse raciocínio de comunhão, atuam com práticas

149

de mobilização em rede, ocupação de espaços públicos e consolidação do comum29, que

transcenda a dicotomia do privado e público.

São modos de vida, e não de planejamento, como direitos ao metabolismo global, ao

fluxos, a novas apropriações da vida urbana, “diferentes tipos de interesses, como os ideais, os

materiais, entre outros, pois constituem as forças que dirigem o comportamento humano”

(Swedberg, 2004, p .26), nos modos de vida, em termos emocionais, políticos ou econômicos.

Para a apropriação comum, diferem-se os espaços públicos – frutos da administração

pública, portanto, espaços de ninguém – dos espaços comuns – que são conquistados. As

formas de partilha como modos de vida urbanos seriam onde as lutas pelo direito à cidade se

tornariam o contexto para a produção da vida social urbana. O espaço é “epicentro da

‘simultaneidade’, do ‘encontro’ das diferenças, possibilidade histórica que particulariza a

cidade como espaço produzido socialmente” (Frehse, 2016, p. 134).

Como conjunto de relações (Frehse, 2013), individualidade e desigualdade convivem

na cidade. É necessário pensar com que intensidade se realizam, tratando conforme Certeau

(2008, p. 174), de analisar “as maneiras do fazer”, que estão relacionadas às práticas e modos

de vida. O espaço como conjunto de relações socialmente produzidas é uma noção que interfere

de modo concomitante nas relações econômicas e sociais (Lefebvre, 1991).

Independentemente do espaço social, os grupos sociais historicamente oprimidos

enfrentariam situações de subcidadania. A hierarquia social de uma sociedade

contemporânea é compreendida a partir de sua contribuição à reprodução do Estado e do

mercado (Souza, 2015, p. 84).

Na vida social urbana, as lutas pelo direito à cidade viram o contexto nos

enfrentamentos cotidianos das desigualdades econômica, simbólica (uma sociedade violenta

simbolicamente) e espacial, manifestada nas segregações. A realidade, “como Tarde explica,

designa toda e qualquer modalidade de associação; de forma que, em vez de substância, social

é sempre relação, logo, diferença” (Vargas, 2007, p. 21). Não se trata de uma soma de

diversidades, pois o real é ‘um caso’ dentre todos os que são possíveis. A diferença é o cerne,

aquilo que é múltiplo. São interações microssociológicas, com suas associações, que fazem

nascer as sociedades. Essa interação deveria ultrapassar a simples relação de um com o outro,

para construir uma unidade, em que todos estejam conscientes desta agregação.

Como experiência participante dessa dinâmica híbrida das cidades e a economia da

partilha, A Horta da Cidade carrega princípios – possivelmente em decorrência da sua

29 Sobre o comum, ver Hardt e Negri (2016), e Dardot e Laval (2017).

150

trajetória, iniciada em bairros periféricos –, de hortas mais voltadas à comunidade. Sobretudo

pelas motivações dos proprietários, percebe-se que o negócio mescla essas posturas. Já na horta

mais mercadocêntrica estudada, a BeGreen Boulevard, o envolvimento com a comunidade se

dá na relação de venda, e na contratação de um funcionário do aglomerado vizinho ao

complexo do shopping, que é auxiliar do agrônomo contratado da empresa, além de alguns

funcionários de serviços gerais.

Portanto, os níveis de transformação a partir das práticas de partilha na agricultura

urbana variam conforme as experiências pesquisadas. Nas hortas mais centrais, como na Horta

da Cidade e BeGreen Boulevard, existe a presença de pobres e ricos, sendo que os primeiros

costumam ser os trabalhadores que servem ao empreendimento. Não são partilhadas as

decisões nem os lucros da produção. O conhecimento e as trocas são mediadas por negociações

e parcerias, que muitas vezes envolvem valores monetários, e em outros, ocorre por permuta

ou cessão. Em uma visita à Horta da Cidade, ao questionar sobre os cursos oferecidos e valores

para inscrição, a entidade se ofereceu para abrir vagas em próximas datas de atividades para a

participação de um ou dois integrantes do grupo gestor da comunidade da Horta Esperança, da

comunidade Santa Lúcia, que é vizinha próxima do empreendimento, estão na mesma região e

bairro.

Nas hortas de região de maior vulnerabilidade e com perfil mais comunitarista, há

presença de pobres, a partilha do alimento acontece em maior grau, principalmente quando

solicitada pela comunidade (caso da Horta Esperança) e no caso da Ocupação Tomás Balduíno,

como o objetivo é o sustento da família como fonte principal de renda, via comercialização em

feiras e a venda de cestas orgânicas para a classe média-alta, a doação é em menor grau.

Acontece quando há uma família necessitada.

Presenciei, também, partilha em forma de cooperação entre as famílias da Ocupação.

Em virtude de doença da vizinha, acamada, o agricultor foi até a escola buscar a filha da

vizinha, que estava impossibilitada. Com trajeto feito à pé, em ruas de terra, a partilha se

manifesta em diferentes frentes, também ocorrendo no compartilhamento de conhecimento

para o desenvolvimento de novas hortas. A partir de um morador recém-chegado na Ocupação,

que estava aprendendo sobre o plantio para fazer dele seu sustento, as trocas de aprendizados

aconteceram durante a visita, mesmo que disputas por modos de se fazer e conhecimento

baseado em trajetória x conhecimento recente adquirido por experiência desse novo morador

tenham sido motivo de discussões.

Esses produtores da Ocupação integram a rede metropolitana para formação do Sistema

Participativo de Garantia (SPG), sistema de regulação e certificação com apoio da

151

Universidade Federal de Minas Gerais por meio de projetos de extensão e do Coletivo

Agroecologia na Periferia. Portanto, a partir dessas redes, ampliam suas capacidades de acesso

e criam contradições espacializadas, que podem estar transformando práticas e condutas.

Nas feiras, a partilha acontece entre os produtores, que mantém uma relação de parceria

e comunhão, na medida em que acreditam que todos estão trabalhando para o incentivo de uma

ideia que carrega a potência de transformação para uma cidade mais sustentável. A presença

de produtores de base agroecológica e familiar, convivendo com fazendas com métodos

industrializados de produção orgânica estabelece limites nessas relações.

Na Feira Terra Viva, normalmente, um produtor é fornecedor de outro. Um fornece o

mamão para que o outro faça sua compota doce. Ambos partilham e vendem o que produzem.

Na Feira da UFMG presenciei, por diversos momentos, um afastamento desse tipo de relação

de comunhão entre os feirantes. Aqueles cuja produção era agroecológica, fruto do trabalho

familiar e de espaços de vulnerabilidade como as ocupações, comunidades e assentamentos,

são mais valorizados, tanto pelos feirantes, quanto pelos clientes. Os visitantes querem saber a

história, conversam, trocam ideias de plantio e combate às pragas, numa partilha que ultrapassa

a ideia de venda. Ressignificações das relações de venda promovidas pela partilha que objetiva

o bem-estar comum, mas que é atravessada pela concorrência e disputa. Apesar dos rótulos de

orgânicos e de estarem presentes em espaços como feiras e grupos de agroecologia, alguns

desses empreendimentos não alteram, muitas vezes, a lógica de divisão do trabalho e podem

aprofundar a exclusão, na medida em que reproduzem a lógica de exploração.

Na Horta Esperança, a produção é destinada a quem planta, em primeiro lugar. Toda a

comunidade também se beneficia, na medida em que a produção é grande, para poucos que

plantam. Esse excedente é destinado para aquele(a)s moradore(a)s que necessitam de algum

produto da horta para seu próprio uso, passam na porta e veem alguém dentro da Horta, e

pedem uma cebolinha para o almoço, algumas folhas de alface ou um maracujá para o suco.

Uma parte da produção também se destina àqueles que doam alguma infraestrutura para a

horta: pneus para cercamento, portão para a entrada, enxada que estava sobrando em casa foram

itens doados por componentes da comunidade em apoio à Horta e muito antes que ela tenha

começado a distribuição dos seus frutos.

O envolvimento das pessoas com as práticas da partilha na agricultura urbana impacta

o âmbito pessoal, gerando mais envolvimento com a natureza e bem-estar, qualidade de vida e

melhor alimentação, o que reflete em autoestima. O fato de ser responsável pelo plantio, pela

horta e pelos frutos de seu trabalho é um fator de auto-reconhecimento e autoestima, bem como

satisfação pessoal, que altera sua relação com o ambiente local.

152

As pessoas passam a ser mais conhecidas e também mais “respeitadas”, no sentido de

serem responsáveis por uma mudança favorável na localidade. É uma ressignificação pessoal

e no contato com o grupo ou comunidade envolvida. Há uma ideia de empoderamento, de se

sentir responsável e admirado pela comunidade, ainda que de forma velada ou tímida. Na Horta

Esperança, esse fator é muito nítido, sendo que o grupo gestor da Horta adquiriu o respeito da

comunidade, são vistos como agentes de bem-estar para a comunidade. O que ressalta é o

acesso e crescimento de conhecimentos construídos pelos integrantes das hortas, tanto porque

trocam ideias e novas técnicas entre si, tanto porque passam a buscar mais esse conhecimento,

fazendo cursos, além da conversa com outras pessoas que plantam.

Essas mudanças pessoais acabam impactando também o âmbito sociogrupal. A

participação nas hortas e redes correlatas modifica e aprimora as interações e associações nas

comunidades, favorecendo o encontro e a troca, que levam a alcançar outros espaços na cidade,

por meio das hortas, ao participarem de atividades, cursos e ao trocarem mudas e sementes

com outras comunidades e feiras.

Essas trocas levam a impactos no âmbito da mobilização comunitária, ampliação da

emancipação e autonomia dos grupos. São novas maneiras e modos de vida com base em ação

coletiva, partilhada, atuando na micropolítica local. Não têm relação com sindicatos, partidos

e nem mesmo com igrejas e associações comunitárias. Os grupos de hortas urbanas em Belo

Horizonte vem ampliando sua emancipação e cidadania.

Toda essa evolução, ainda, não é capaz de gerar ativos e impactos que realmente

promovam o direito à cidade com base em Lefebvre (2008). O autor discute o direito à cidade

como uma asserção, frente às contradições que essa sociedade urbana apresenta. A cidade

como valor de uso suscitaria uma redefinição da sociedade urbana contemporânea. O direito à

cidade, portanto, compreenderia o aproveitamento pleno da vida urbana pelos habitantes, assim

como participação direta na gestão das cidades (Fernandes, 2007). Purcell (2002) sugere que

ele vislumbraria mudanças na relação entre capitalismo e estrutura de cidadania liberal-

democrática.

Portanto, ainda não se vislumbra esse impacto em termos de planejamento urbano e

efetiva participação social a partir da experiência das hortas urbanas e seus/suas agentes.

Apesar de caminharem nesta direção, ainda há um longo caminho para serem inseridos na

lógica da cidade. Esta seria uma esfera de impacto citadino, isto é, a partir da efetivação dos

âmbitos de impacto discutidos anteriormente, os impactos se voltariam para os modos de vida

urbanos, para garantia de melhor qualidade de vida, sustentabilidade, erradicação da pobreza e

diminuição das desigualdades e segregações das cidades.

153

Apesar de apresentarem evoluções com a dinâmica da partilha nas transformações dos

modos de vida nas cidades, o contexto ainda apresenta desigualdades sociais e espaciais,

questões ambientais, de habitação e de organização da cidade, como por exemplo, a realização

de feiras, que interferem na dinâmica socioespacial, trânsito e reflexos como sujeira e aumento

da circulação de pessoas. São conflitos territoriais que complexificam o planejamento e a

gestão da cidade.

Avanços e retrocessos de políticas municipais em Belo Horizonte, como é o caso dos

CEVAEs, convivem com inovações em uma dinâmica típica brasileira de política de Governo,

em detrimento de uma política de Estado. Os CEVAEs, Centros de Vivência Agroecológica,

equipamentos público-comunitários vinculados à Fundação Municipal de Parques da

Prefeitura de Belo Horizonte, localizados em cinco regionais da cidade (Leste, Nordeste, Oeste,

Noroeste e Venda Nova), são exemplos de políticas públicas que não receberam a continuidade

de investimentos e importância no governo. Sua implementação foi em 1995, e previa gestão

e funcionamento regulamentados por deliberação normativa, com atuação em programas de

intervenção socioambiental, a partir de ações nas áreas de educação ambiental, segurança

alimentar e saúde, agroecologia, capacitação e geração alternativa de renda (Almeida, 2016).

Seu caráter de gestão compartilhada e participativa não se manteve ao longo das gestões

municipais e atualmente dividem atenção com outras ações pontuais relacionadas à agricultura

urbana, de forma separada das atividades desenvolvidas nos CEVAEs. Todos eles têm algum

nível de produção, com agricultores envolvidos. Associados à fragilidade da organização social

em torno da agricultura urbana (Almeida, 2016), representaram uma inovação reconhecida

inclusive internacionalmente, mas que hoje apenas integram o amplo conjunto de programas

da política de segurança alimentar da metrópole mineira.

Avanços como os Corredores Agroecológicos e Territórios Sustentáveis são as duas

inovações da gestão municipal em vigência em Belo Horizonte. O Territórios Sustentáveis é

um programa de agroecologia e segurança alimentar com recorte de territórios de alta

vulnerabilidade social. Está em progresso e prevê atuação em seis territórios, sendo três na

Ocupação Isidora, que são as ocupações Rosa Leão, Vitória e Esperança e os outros três serão

os quilombos de Belo Horizonte, que estão na saída para Santa Luzia, o Mangueiras, Luizes e

Manzo.

Nesses territórios a Prefeitura construiu uma cartela de serviços de opções, e foi

desenvolvido um Fórum para debate com organizações parceiras do local. Os quilombos

começaram em 2018 e os da Isidora já estão acontecendo desde 2017. A prefeitura vem

conduzindo um trabalho de mapeamento de quintais, agrofloresta, pequenos animais,

154

agroindústria, com várias alternativas, sistemas produtivos e tecnologias (Informações de

entrevista com a Diretora de Fomento à Agricultura Familiar, Urbana e Abastecimento da

Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania – SMASAC) a fim

de contribuir para o desenvolvimento local por meio da agricultura.

Os Corredores Agroecológicos são um dos projetos estratégicos do governo municipal.

O programa começou com ação inspirada na histórica experiência de Sete Lagoas30, com

atividade agrícola nos corredores debaixo das vias de alta tensão e nas vias urbanas, a partir

das obras recentes e duplicações de vias com áreas remanescentes de obras em Belo Horizonte.

A iniciativa vem dialogando com outros setores da prefeitura e da cidade, como o Planejamento

Urbano e com ativistas, já que o projeto tem a prerrogativa de dialogar com a cidade.

A gente começou a dialogar também com outros sujeitos que discutem a cidade, que estão na

luta pelo direito à cidade, e aí ele foi mudando o desenho um pouco. Menos um caráter

produtivo da agroecologia, mais um caráter do que a agroecologia pode transformar a cidade.

Tanto das relações das pessoas entre elas, delas com a natureza, delas com o alimento. Então

menos ser uma questão de produção em escala, que já tem outros programas que estão

trabalhando isso, e aí fomos dialogar com esses outros atores, colocando um monte de critérios

na mesa (Fala de entrevista com a Diretora de Fomento à Agricultura Familiar, Urbana e

Abastecimento da Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e

Cidadania – SMASAC).

O local discutido e determinado por esses diálogos promovidos pela Prefeitura foi o

corredor de 8 km entre o Parque Municipal e o CEVAE Taquaril, beirando o Rio Arrudas, no

centro da cidade até o bairro Taquaril, região de alta vulnerabilidade socioeconômica. O projeto

do Corredor Agroecológico retoma a ligação com o CEVAE, e dialoga com cursos d’água,

com conexões verdes ecológicas que a Prefeitura já possuía, com vias de trânsito lento – porque

sugere a mobilidade ativa –, amplia as possibilidades de maior apropriação da cidade,

aproveitando locais com iniciativas agroecológicas já existentes (Informações de entrevista

com a Diretora de Fomento à Agricultura Familiar, Urbana e Abastecimento da Secretaria

Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania – SMASAC).

Estes são exemplos dos desafios ainda postos, frente à heterogeneidade de demandas da

cidade e a complexidade de atores, somente me dirigindo à agricultura urbana como recorte. Há

necessidade de ampliação do debate junto à sociedade e promoção de ações e políticas que

efetivamente incluam as pessoas em modos de vida mais sustentáveis e com qualidade para viver

na cidade, superando as contradições entre prática da partilha e discurso de gestores públicos e

30 Para aprofundar a leitura e a análise sobre a experiência das hortas urbanas em Sete Lagoas, ver Calbino et.

al. (2018).

155

privados, que “ressaltam a importância de princípios como a gestão descentralizada, o

fortalecimento das capacidades, a promoção de autonomia, o empoderamento e a participação

efetiva das/os agricultoras/es, mas na prática não é o que se verifica” (Almeida; Morais; Paixão,

2012, p. 27) para a promoção da equidade e da justiça social.

Estamos trabalhando em três ou quatro frentes, junto com a nossa Secretaria com o Planejamento

Urbano. Isso é inovador. Estamos aliados ao Planejamento. Então a gente acabou de fazer uma

reunião na semana passada pra pensar o planejamento agroecológico territorial do Izidora. Agora

que reconheceu pelo decreto esses territórios como territórios com direito a políticas, porque antes

eles eram uma mancha branca no mapa. (...) Então, o planejamento tem crescentemente,

sistematicamente reafirmado, que eu acredito de ocupação produtiva - em ocupações, em vilas e

favelas de Belo Horizonte - é agroecologia. Está no quintal, está do lado, dialoga com modos de

vida, é uma alternativa em relação a um puxadinho ou uma venda. E com possibilidade de

qualificar, a relação entre as pessoas, com a natureza, com a cidade, porque com o planejamento,

estamos fazendo junto. Questão de mapear áreas públicas, a gente está cuidando disso pra fazer

um chamamento para a sociedade: quem quer plantar horta? Nas áreas públicas. E pensando os

dois segmentos: a população em vulnerabilidade e o empreendedor, os pequenos, não nos

grandes. (Fala da entrevista com a Diretora de Fomento à Agricultura Familiar, Urbana e

Abastecimento da Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania

– SMASAC).

O esforço do governo municipal, como demonstrado na fala, recupera uma trajetória de

desenvolvimento da capital mineira para as atividades de agricultura urbana. Frente a afetos

muito idealizados de startups e discursos empresariais, e mesmo da administração pública, é

preciso questionar a partilha e as maneiras de manufaturar a sociedade civil por meio de um

discurso partilhado e de direitos.

Até que ponto esses movimentos são capazes de agir no nível do planejamento,

reconfigurar políticas públicas, promover a participação nas decisões da cidade, gerar novos

sentidos e senso de pertencimento? Em que medida podemos considerar que o que fazemos no

nível micro, começa a ter outro sentido e transforma o que vemos de cidade?

Na Horta Esperança, a experiência a partir da estruturação do trabalho e a articulação

da comunidade com a gestão pública, bem como agentes externos como a instituição de ensino,

leva a novas parcerias com empreendimentos de hortas, e esse sistema passa a ser estudado

pela prefeitura como um modelo de ocupação de áreas de remoção por risco, a ser

implementado em áreas futuras. “Essa integração depende das pessoas, como elas são, da

personalidade. Apesar das diferenças delas ali na horta, elas conseguem resolver ali entre elas

e [a horta] ficar coletiva. Esse projeto está sendo um modelo”. (Fala de entrevista, Analista

Técnico Social da Urbel).

156

Modos mais partilhados de hortas urbanas poderiam contribuir para práticas que gerariam

mais transformações e modos mais alternativos de vida para ampliar o uso social e acesso de

todos ao espaço comum. Usando de formas tradicionais de plantio com inovações de produção

do espaço, reivindicando a cidade como obra coletiva e partilhada. Avançando as contradições

internas da agricultura urbana (Almeida, 2016) e as barreiras para a efetivação de modos de vida

mais harmônicos, e afastando olhares ingênuos ou utópicos desta realidade, o potencial

transformador da partilha nas cidades, via hortas urbanas, poderia encontrar soluções viáveis.

4.2.6 Direito à Cidade

A vida urbana pressupõe encontros, confrontos

das diferenças, conhecimentos e reconhecimentos

recíprocos (inclusive no confronto ideológico e

político) dos modos de viver, dos ‘padrões’ que

coexistem na Cidade. (Henri Lefebvre, O Direito

à Cidade)

Apesar de ainda não se observar a predominância de um novo modelo civilizatório

capaz de superar os dilemas da sociedade consumista, existem alternativas para promover a

novos modos de viver com sustentabilidade. Esse esforço sugeriria a construção de articulações

entre diferentes grupos, envolvendo governo, sociedade civil e mercado, para atender

necessidades da população e atuar sustentavelmente, por meio da ação política e do exercício

da cidadania (Costa & Teodósio, 2011). Como Santos (2008) discute, essa situação tem

provocado fissuras no pensamento dominante, levando às propostas que estão sendo

promovidas por estas formas alternativas de vida.

O fato de que a produção limitada de racionalidade é associada a uma produção ampla de

escassez conduz os atores que estão fora do círculo da racionalidade hegemônica à descoberta

de sua exclusão e à busca de formas alternativas de racionalidade, indispensáveis à sua

sobrevivência. A racionalidade dominante e cega acaba por produzir os seus próprios limites.

(Santos, 2008, p. 310).

Holloway (2013) defende um movimento que vem tentando construir esse outro fazer.

O autor discute que pensar em revolução na contemporaneidade é multiplicar essas fissuras,

em uma revolução não centrada no Estado. Não seria por meio da criação de um programa,

mas de observar como as pessoas já estão rejeitando o capitalismo e buscando novas formas

157

de viver, maneiras mais sensatas de se relacionar e se organizar, atuando nas fissuras que têm

sido criadas, gerando rupturas na estrutura de dominação. Em alguma medida, a economia da

partilha tem mostrado alguns caminhos para criação dessas fissuras.

Ao reconhecer que a lógica do capital e seus sistemas de exclusão são insustentáveis,

Holloway (2013) propõe a formação e confluência de fissuras que revertem a lógica formal.

São movimentos que têm suas contradições e problemas, e que por isso mesmo, se organizam

de forma diferente e inclusiva, alavancando a articulação de opiniões, partilha, assembleias e

fóruns. A exclusão atual desse sistema é meio, faz parte da engrenagem, não é o fim do

processo ou a consequência do sistema. Essas fissuras revertem essa lógica promovendo a

participação.

O direito à cidade de Lefebvre (1999) seria um argumento para retrabalhar

profundamente as relações sociais do capitalismo e a estrutura atual de cidadania liberal-

democrática. Sua ideia de direito à cidade é uma proposta de revolução, uma reestruturação

radical das relações sociais, políticas e econômicas, tanto na cidade como além dela (Purcell,

2002). O direito à cidade enfatiza a necessidade de reestruturar as relações de poder subjacentes

à produção do espaço urbano, mudando o controle do Estado para os habitantes. Seria uma

reorientação da arena de tomada de decisões para transformar a produção do espaço urbano.

O direito à cidade, em Lefebvre (2008), clama a tomada das ruas, a prática de

apropriação da cidade por seus habitantes, o uso de seus espaços coletivos públicos, o que

asseguraria a vivência completa na urbe. Os espaços são construídos, e efetivamente vividos,

na vida cotidiana (Monte-Mór, 2006). Por isso, é um direito que nunca estaria garantido, pois

exigiria permanente luta e participação (Lefebvre, 2008).

A ampliação do direito à cidade ultrapassaria a ideia de democratização que sustenta

atualmente o Estado capitalista. Se as condições para sua existência estão no devir, é na

cotidianidade que ele se constrói e evolui. A utopia de Lefebvre (2008) significa buscar a

transformação dessa realidade. Os cidadãos passam a participar da vida urbana de forma ativa

e autônoma, em todos os espectros, e do controle e gestão do território urbano, restaurando seu

valor de uso (Catalão e Magrini, 2017).

A proposta de efetivação do direito à cidade, em Lefebvre (2008), é entendida como

um processo de ampliação das liberdades substantivas dos cidadãos no âmbito urbano. Ao

conjunto de transformações da sociedade contemporânea, Lefebvre (1999, p. 19) denomina

“revolução urbana”, quando há o percurso para o período do crescimento e industrialização,

estágio no qual a problemática urbana prevalecerá, assim como a busca por soluções à

sociedade urbana.

158

A necessidade de uma maior democracia nas cidades é clara (Purcell, 2002). No

entanto, a promessa do direito à cidade deve ser analisada, pois não questionaria quais

resultados sociais e espaciais geraria. Porque não é uma conclusão de arquitetura política, mas

uma porta para uma nova e contingente estrutura de política urbana (Purcell, 2002). Portanto,

a agenda que os habitantes irão perseguir não pode ser presumida. Em vez disso, deveria ser

negociada por meio de uma política de escala, identidade e diferença, entre outras lutas. O

direito à participação significa que os habitantes desempenharão um papel central nas

decisões que produzem espaço, mas o que os habitantes farão com essa tomada de decisão

do poder, permanece indeterminado.

De acordo com Purcell (2002), a maneira radical de o direito à cidade desafiar as

estruturas estabelecidas da cidadania liberal convencional e do capitalismo é uma promessa

particular de resistir à privação associada com o neoliberalismo urbano. No entanto, essa

promessa precisa ser ponderada por duas preocupações: (1) o direito à cidade de Lefebvre

levanta mais perguntas do que responde, e (2) este seu caráter indeterminado deixa aberta a

possibilidade de que o direito à cidade possa ter impactos negativos significativos nas cidades.

Nesse sentido, a política urbana de Lefebvre ao habitante não encaminharia, necessariamente,

a resultados específicos. Para dar sentido à abertura política que o direito à cidade implicaria,

ele deveria estrear aspectos políticos contingenciais de escala (Purcell, 2002). O conceito era

uma espécie de plataforma político-filosófico, e não explorou diretamente como, ou até que

ponto, ela se desenvolveria (Fernandes, 2007).

Entende-se a economia da partilha, portanto, como reforma, e não como uma revolução.

Da forma como se apresenta em diversas configurações, sobretudo as mais mercadocêntricas,

ela não é capaz de alterar as bases para uma cidade mais justa e sustentável, na medida em que

produtos e bens são até compartilhados, mas os lucros são individuais. Quem é detentor e

controla esse sistema é o beneficiado maior dessa economia que se diz partilhada.

No Brasil, que é o décimo país mais desigual do mundo31, constituindo a maior

concentração de renda mundial na categoria “1% mais rico”32, essas questões ganham força

para questionar que ordem está sendo preservada para que essa partilha desigual aconteça. Ela

parece demarcar ainda mais a internalização da segregação e da diferenciação entre os que

acessam ou não os bens e esse sistema controlado pelos mesmos agentes exploradores

hegemônicos.

31 https://oglobo.globo.com/economia/brasil-o-10-pais-mais-desigual-do-mundo-21094828 32 https://brasil.elpais.com/brasil/2017/12/13/internacional/1513193348_895757.html

159

Uma revolução tem poder transformador e duradouro quando “inventa e institucionaliza

um novo conjunto de hábitos e práticas coletivos, ou seja, uma nova forma de vida” (Hardt &

Negri, 2016, p. 389). Isto se refere “à invenção de novas formas de vida, suas práticas e

comportamentos comuns, assim como seu conjunto original de gestos e afetos” (Hardt & Negri,

2016, p. 389).

Para Hardt e Negri (2016), a produção econômica tem vivido uma transição de modo que

os resultados da produção capitalista têm sido progressivamente mais relações sociais e formas

de vida diferenciadas. Dessas transformações, os autores apontam indícios de mudança, como a

tendência para a produção imaterial nos processos de valorização capitalista, com seus valores

estéticos, simbólicos e sociais. Nesse mercado, os afetos, imagens, informação e relações sociais

são mais valorizados que objetos materiais, ou aspectos materiais das mercadorias.

O ato de produzir não estaria diminuindo, mas teria seu valor vinculado a fatores

imateriais, aos quais estaria subordinado. Nesse caminho, as pessoas seriam, na economia, o

capital fixo e a produção de formas de vida seria a base da acumulação. A produção de valor está

relacionada ao processo de funcionamento de competências e conhecimentos das pessoas, no

trabalho e principalmente fora dele, ao interagir com sistemas produtivos automatizados. O

objeto da produção seria o indivíduo, e o que o(a) caracterizariam seriam as relações sociais ou

modos de vida (Hardt & Negri, 2016).

Na medida em que a economia da partilha prioriza o uso partilhado e não a propriedade,

a valorização da partilha enquanto forma de vida seria uma maneira de entender seu crescimento

atual. São modos de vida que se baseiam nas pessoas como produtoras de valor. Entretanto, esse

processo pode revelar exclusão social, favorecendo aqueles que conseguem produzir esses bens

imateriais e distribuí-los em redes.

Nas hortas e iniciativas pesquisadas, aquelas de maior destaque na cidade são as que

conseguem atingir maiores níveis de interação em redes de agricultura e com a dinâmica da

cidade. São exemplos a BeGreen Boulevard e a Fábrica de Hortas, bem como a Feira Terra Viva,

empreendimentos que estão localizados em espaços favorecidos econômica e socialmente na

capital mineira, oferecendo possibilidades de parcerias, contatos, estabelecimento de novos

negócios e criação de oportunidades.

Enredados nas estruturas de poder e no pensamento dominante hierárquico, temos muitos

desafios para os impactos positivos dessas transformações para modos de vida e cidades capazes

de “gerir a multiplicidade do comum e cooperar de maneira livre e igualitária uns com os outros

– em suma, que a sociedade democrática já estivesse completa” (Hardt & Negri, 2016, p. 395).

160

A revolução demanda emancipação e libertação em processo contínuo de mudança rumo a uma

nova humanidade (Hardt & Negri, 2016).

A economia da partilha não representa formas revolucionárias de sociedade ao se prender

a sistemas capitalistas de exploração, ao repassar os encargos e responsabilidades aos

trabalhadores, ao reforçar – ainda que seja com discurso de cooperação e colaboração – uma

exploração das pessoas pelos meios de produção, ao excluir sujeitos e invisibilizar iniciativas

comunitárias. Se libertária, autônoma, geradora de capacidades democráticas do povo e de força

social e comunitária, a economia da partilha encaminharia novos modos de vida mais justos e

sustentáveis, característicos de um direito à cidade ampliado. Pela via da agricultura/hortas

urbanas, ganha força como meio de denúncia e transformação das desigualdades sociais, frente

à privatização de espaços nas cidades, concentração de renda, exploração do mercado imobiliário

e à dominação de corporações mundiais no sistema agroalimentar.

Na Horta Esperança, empreendimento que acompanhei nos primórdios de seu

desenvolvimento, foi possível perceber exemplos de que nossos hábitos e mentalidades estão

fixos e estabelecidos em hierarquias, determinação de identidades, e segregação, que fogem à

concepção de comum, partilhado e democrático. Nas construções diárias junto às pessoas da

Horta, nas tentativas de se reconhecer a coletividade e as decisões comunitárias, individualismos

e disputas permeavam a lida do plantio. É complexa a relação do comum, nesse contexto marcado

por um raciocínio hierárquico e opressivo da sociedade.

Em diferentes situações, os quatro integrantes da comunidade responsáveis pela Horta

Esperança e componentes de seu grupo gestor viveram discussões e embates para determinações

do que plantar, como plantar e distribuir a produção. Houve, inclusive, tentativas de se

estabelecer um comando único, quando um dos integrantes se ofereceu para ser “presidente” da

Horta, em uma possível votação sugerida por ele, em que se candidataria ao cargo. Ou seja, uma

definição contrária aos propósitos autogestionários e horizontais da proposta comunitarista do

empreendimento. Esse fato reforça a visão hierárquica refletindo no sistema de produção e

tentativa de controle por meio de autoridade, em vez de partilha.

Uma vez criada essa gestão democrática na horta, novos modos de vida seriam

estabelecidos, que, em consequência, negariam qualquer busca por se fixar comando ou

hierarquia por determinações dominantes ou segregatórias. A economia da partilha, no modelo

em que se observa, não proporciona composição de estruturas sociais e condições de preparação

para a evolução democrática e a constituição da coletividade. A partilha tem passado em modelos

contemporâneos por estruturas padronizadas, que reforçam subserviência. Como prática,

161

entretanto, ela pode se transformar e acessar novos insumos, capitais e elementos que levem a

transformações democráticas e ao direito à cidade.

Na Horta Esperança, a materialização do direito à cidade ocorre por meio da

transformação do espaço, e por meio dele, a transformação das pessoas. A comunidade tem

começado a enxergar seu território de maneira mais especial, valorizando o trabalho realizado

até então, e projetando mais melhorias. O espaço degradado se torna verde e é reconhecido como

um território que proporciona maior qualidade de vida, que pode trazer alimentos de qualidade

para aqueles que estão envolvidos com a produção e também, como reflexo, para a comunidade

que recebe as doações. Somente pelo fator estético e pela recuperação do local afastando a

sujeira, os benefícios já são percebidos.

A troca e a partilha comunitária cresceram, favorecendo a interação de vizinhos que não

se conheciam ou simplesmente se cumprimentavam nas ruas e becos. A comunidade respeita,

faz doações de materiais e ferramentas, e nem todos querem ou podem participar. Apesar disso,

entendem que essa materialização da transformação local promove a ampliação do direito à

cidade. Algumas pessoas chegam a criar justificativas para não estarem nesse lugar de plantio e

cuidado, algumas se posicionam de forma contrária à presença coletiva da horta – inclusive com

atores externos como a instituição de ensino via projeto de extensão – mas enxergam como

avanço e possibilidade de mais conquistas e direitos.

A coesão foi se criando, e pode-se dizer que está ainda em formação. A criação de

interdependência entre os produtores da horta vai gerando desdobramentos entre a separação de

funções na horta, que foi dada pelo contexto. Dentre os quatro integrantes iniciais, um ficava

com o trabalho mais pesado de estrutura e construção, o único homem; duas mais responsáveis

pelo plantio e cuidado com as plantas; outra responsável pela rega e também trabalhava com

atividades que as outras duas não conseguiam com sua força física. No momento inicial de

desenvolvimento da horta (até aproximadamente um ano e meio de funcionamento) a horta foi

composta pelos quatro integrantes ativos no plantio, além de ajudantes da comunidade e suporte

das profissionais da creche, que funciona como ponto de apoio em dias de mutirões, por se

localizar em frente à horta.

Em meio a disputas e incongruências, especialmente com uma integrantes específica, a

organização social se manifestou em termos de separação do espaço. Tentaram dividir em

canteiros individuais, mas a ideia se desfez na intenção, e nem chegaram a trabalhar

separadamente. Muitos foram os momentos vivenciados na Horta em que o individualismo e a

separação foram presentes: “Olha, esse pneu é seu, veja como a sua cebolinha cresceu” (fala de

integrante do grupo gestor da Horta Esperança, registrada no diário de campo, agosto de 2018).

162

Com a individualização presente, especialmente por parte da integrante citada, ela resolve se

afastar a partir dos conflitos gerados, e acabou criando uma horta no terreno anexo, mantendo

vínculo com a Horta Esperança ao retirar dela alguns insumos.

Desses embates cotidianos, a integrante do grupo gestor decidiu criar uma outra horta,

num terreno menor do lado da Horta inicial. Desenvolveu seu plantio e as pessoas restantes

continuaram na Horta Esperança. Ainda com acesso à horta inicial, ela estabelece relação de

competição entre as hortas, e chega a arrancar mudas e colher antes do prazo de crescimento, no

intuito de atrapalhar a produção da horta da qual fazia parte. Muito além de componentes

psicológicos e emocionais pessoais envolvidos, essa separação e a disputa indicam a dificuldade

do estabelecimento da partilha e da gestão do comum. De todo modo, as integrantes da horta

inicial frequentemente oferecem ajuda à integrante que se separou, oferecendo sementes,

materiais e insumos para o plantio. Esse complexo ir e vir de sentimentos e vivências demonstra

que não há uma racionalidade estabelecida, seja ela mais gregária e comunitarista, ou mais

egoísta e de autointeresse. O conflito, a disputa, os interesses e a prática da partilha diária formam

os modos de vida em comunidade.

Eu entendo maior apropriação da cidade. Você estar participando, ativamente, da construção da

cidade que você vive. Porque essas disputas, se é assim ou se é assado, isso pra mim faz parte,

agora como que você lida com isso e vai chegando a decisões coletivas... muitas hortas param,

enfrentam esses primeiros embates e ficam insatisfeitos, saem. Outros são mais motivados... Falta

esse exercício de fazer política, construir junto, uma hora você recua, uma hora você avança,

vamos experimentar, vamos fazer junto, de construir junto a cidade. Exercer como você

compartilha, como ocupa junto o espaço. (Fala da entrevista com a Diretora de Fomento à

Agricultura Familiar, Urbana e Abastecimento da Secretaria Municipal de Assistência Social,

Segurança Alimentar e Cidadania – SMASAC).

Nesse sistema comunitário, a Horta é o elemento integrador, mas que revela seus modos

de ser e de viver. Nas tentativas de contribuir com apoio científico, as sugestões foram muitas

vezes dispensadas, revelando a força do saber local, a relevância do saber comunitário e dos

seus modos de vida. Um exemplo foi quando a equipe do projeto de extensão da instituição de

ensino produziu e levou uma cartilha à época do cercamento da Horta, a fim de contribuir

tecnicamente com sua construção. Ao chegarmos na Horta para discussão sobre a cartilha e as

etapas para instalação da cerca, divisão de tarefas e apoios, os mourões estavam afixados

invertidos. Ao perguntarmos sobre o motivo da inversão, o morador e integrante do grupo

gestor da Horta explicou que se a cerca ficasse no formato padrão, amarrada pelo lado de fora,

haveria chance de destruição de sua estrutura: “A meninada toda pendura aí, moço, num dá pra

amarrar pra fora não, solta tudo, fica torto.” (fala de integrante do grupo gestor da Horta

163

Esperança, registrada no diário de campo, junho de 2018). Na relação entre o saber formal e o

saber local da comunidade, a teoria se confronta com a realidade, mostrando a força da prática

cotidiana e os modos de fazer e de viver em comunidade, que transformam e compõem a

cidade.

Dissipada, sem liderança formalizada, a partilha não encontra estruturas de apoio para

seu desenvolvimento. As hortas coletivas caminham também nessa direção. Se as mudanças

sociais sempre são marcadas por direcionamentos políticos e modos de vida que decorrem

deles, ou seja, escapando à ingenuidade, os processos, ainda que democráticos, indicam que

vão sendo construídos por esses direcionamentos. Permanece o dilema de afastamento da

função democrática ao se permitir algum tipo de controle, direcionamento ou lideranças por

grupos e entidades sociais.

Entre a desordem que leva à falta de avanços e o ordenamento que leva a estruturas

fechadas e hierarquizadas, movimentos mais disruptivos podem se aproveitar das

potencialidades das práticas coletivas, “capacidades que as pessoas já exercem em suas vidas

cotidianas e, especificamente, no processo de produção biopolítica (...). Isso significa explorar

a composição técnica da multidão produtiva para descobrir sua potencial composição política.”

(Hardt & Negri, 2016, p. 398).

No contexto biopolítico, a produção de ideias, imagens, códigos, linguagens, conhecimentos,

afetos e semelhantes, através de redes horizontais de comunicação e cooperação, tende para a

produção autônoma do comum, ou seja, produção e reprodução de formas de vida. E a produção

e reprodução de formas de vida é uma definição muito precisa da ação política. (...) Na trama

comum do diagrama biopolítico encontram-se latentes, potenciais, tal como crisálidas, as

capacidades da multidão de determinar de maneira autônoma a diagonal política da transição.

Realizar esse potencial, através da ação e da organização políticas, significaria levar adiante as

lutas revolucionárias paralelas através do acontecimento insurrecional de interseção para o

processo institucional de gestão do comum.” (Hardt & Negri, 2016, p. 399)

As centralidades viabilizadas pelas cidades favorecem o encontro, a troca, a criação

coletiva e fornecem condições para a ressignificação da agricultura como ação política pelo

direito de participar e construir os espaços como um bem comum, uma possibilidade de repensar

as cidades e a vida social urbana. Abrem frentes de luta a favor da emancipação social e política

que fogem às lógicas de produção e reprodução que tornam homogêneos os modos de vida

decorrentes do sistema de produção capitalista (Almeida, 2017). São alternativas que buscam o

desenvolvimento que “privilegia a coletividade e a solidariedade, a complementaridade e a

complexidade, a diversidade e a comunhão, entre outros pares de conceitos que vêm sendo hoje

164

resgatados e reafirmados como virtualidades e perspectivas, dão novo sentido à urbanização”

(Monte-Mór, 2015, p. 58).

4.2.7 A questão da afetividade

Na discussão sobre o bem-estar comum, Hardt e Negri (2016) defendem que o amor

seria um “processo da produção do comum e da produção de subjetividade. (...) O amor – na

produção de redes afetivas, esquemas de cooperação e subjetividades sociais – é uma força

econômica” (Hardt & Negri, 2016, p. 204). Não seria algo passivo ou inesperado, pois se

realizaria em comum e de maneira planejada, segundo os autores, produzindo o comum, e

como ele, é ambivalente e suscetível a mudanças, rupturas e disfunções. Por meio deste

conceito de amor de Hardt e Negri (2016), que entendo como ‘afetividade nas relações’ –

expressão extraída de uma das entrevistas em campo –, discuto a presença deste componente

na pesquisa das hortas no contexto de Belo Horizonte.

Durante as pesquisas, esse componente se revelou como solidariedade, vínculo,

empatia, cuidado com o outro, carinho nas relações. Como expõe a permacultora entrevistada,

nas hortas,

o sucesso ou o fracasso de uma determinada empreitada, qualquer que seja ela, tem um

componente muito forte que é a questão da afetividade, que vai fazer com que você tolere certos

erros, enganos ou perdas, em prol de um benefício maior, que seja o carinho, respeito, amizade,

alguma coisa desse tipo. A partilha se relaciona intrinsicamente com a afetividade. Partilha

nesse sentido mais amplo de doação. Você precisa ter uma identificação com o outro, algum

carinho, algum respeito, algum afeto para partilhar de verdade. (Fala de entrevista,

permacultora do Hortelões Urbanos).

Entre as diferentes formas de manifestação da partilha no contexto citadino, as mais

gregárias e baseadas em afetividade se afastam de concepções funcionalistas e

mercadocêntricas. “Daquilo que nos une, em detrimento daquilo que nos separa. O que a gente

tem em comum. Criar esses espaços, é criar lugares de escuta, de conversa, de afeto. A gente

começa e termina com esses vínculos, se estabelecem as relações. Pensar a convivência num

espaço mais amplo”. (Fala de entrevista, permacultora do Hortelões Urbanos).

Na Horta Esperança, um exemplo de afetividade ocorreu na resolução de conflito entre

os produtores. Depois de uma briga por colheita antes do tempo, realizada por uma das

integrantes do grupo produtivo da horta, a outra integrante se frustrou, ficou estarrecida diante

165

da situação que vinha acontecendo repetidamente, mesmo tendo sido estabelecido um acordo

de colheita e distribuição. Então, depois de briga e discussões, a integrante que havia se

frustrado, reconheceu que excedeu os limites de revolta, pediu desculpa à integrante que

arrancou os pés da produção antes do tempo. Selaram a reconciliação com um abraço e a

promessa de maior entendimento uma com a outra. Foi espontâneo, sincero, tocou no fundo de

cada uma delas e do grupo. A afetividade se manifestou em momento de crise das relações.

Na Ocupação Tomás Balduíno a afetividade foi um elemento importante na construção

inicial da horta comunitária. Na medida em que esse componente foi se desfazendo, em função

de doença que afastou os integrantes e desfez o agrupamento inicial, o que era coletivo se

tornou individual. A transformação da horta comunitária em horta individual, com visão

pessoal e benefícios restritos a quem cuida dela atualmente, mostra que os níveis de afeto

podem variar nas iniciativas. Um invisível que muda o sentido que tem a iniciativa. Ao atingir

o outro, se torna visível.

São variadas as formas de encontro, crescimento, descoberta, manifestação de alteridade.

“Assinala a ruptura com o existente e a criação do novo mas é a produção de singularidades e a

composição de singularidades numa relação comum” (Hardt & Negri, 2016, p. 207). Posso

gostar do trabalho nas hortas e não me envolver; eu posso gostar e apoiar, mas não quero fazer

parte. Eu posso gostar, mas eu quero consumir, é bom pra mim; ou posso gostar e quero fazer

parte do grupo.

4.2.8 Interesse e partilha nas cidades

A partir do crescimento da economia mercantil, seus princípios alcançam espaço nas

relações sociais da modernidade, formando uma sociedade de mercado e o processo econômico

deixa de ser um apêndice social. A sociedade de mercado produz uma dinâmica na qual nem

todos podem usufruir dos benefícios do mercado autorregulado, o que torna imperativa a

inserção de formas complementares que o regulem, para garantir a estabilidade social. A partir

do século XIX, trabalhadores reivindicam seus direitos sociais, e estabelecem novas formas de

solidariedade, como cooperativas, sindicatos e instituições de seguridade social. (Polanyi,

2012).

Se o interesse próprio é a base das trocas de mercado e da economia capitalista, na ajuda

recíproca e visão egoísta se encontram também a partilha. Múltiplas singularidades do comum

na ação política, ou seja, a política como interação e composição de singularidades num mundo

166

comum, promovem os encontros das singularidades. “São a produção da subjetividade e o

encontro das singularidades que compõem novos agrupamentos e constituem novas formas do

comum” (Hardt & Negri, 2016, p. 211).

O capitalista prescinde dos bens de capital. O trabalhador passa a proprietário dos bens

de capital que o exploram. Com o crescimento da partilha de automóveis, por exemplo, há um

maior número de carros na cidade, o que impacta diretamente na mobilidade urbana. A cidade

não melhora, gentrifica espaços e exclui quem não participa dessa dinâmica socioeconômica.

Apesar dos pontos de excelência, a governança urbana precisa refletir sobre novas

formas de decisões públicas, que garantam o envolvimento de diversos atores sociais, e que

tenham um modelo inovador e compartilhado de democracia participativa e deliberativa, com

instrumentos de participação como: assembleias de cidadãos, legislação direta, o que

aumentaria a participação dos cidadãos no planejamento da vida urbana (Booher, 2008;

Ferreira, 2015; Healey, 2008).

A partir de suas contradições e deslocamentos na cidade como palco de interação, conflito

e lutas, local de excelência do capitalismo – a cidade é boa para quem pode acessar. O capitalismo

não se sustenta apenas na justificação da busca do lucro, pois ele precisaria se ancorar em

princípios que justifiquem o engajamento no sistema econômico (Boltanski & Chiapello,

2009).

Nos empreendimentos mais mercadocêntricos estudados, essa visão foi mais presente.

Eles também revelaram solidariedade, o que demonstra o caráter híbrido da partilha nas hortas

urbanas. Há uma luta comum, pela terra e o valor de uso dos espaços, para a realização dos

modos de vida. Desigualdades resultantes da mercantilização dos espaços urbanos, exigem

novas maneiras de agir, a fim de construir propostas de ampliação do direito à cidade que, até

então, não foram suficientes para a complexidade que abarca a economia da partilha e as

hortas urbanas.

A cidade subordinada à lógica da indústria, que traz a produção e o proletariado ao

centro de poder, vive na partilha uma maneira de deslocar discursos e instituir novas

contradições, reproduz e ressignifica a partir dessas transformações que ela traz. É na vida

cotidiana e no exercício de apropriação de seus espaços por seus habitantes que a vivência

urbana acontece por completo, exigindo constante vigilância, resistência e participação para

ter direito à própria cidade (Silva, 2017).

As cidades se tornaram pontos de comando da organização da economia global (Sassen,

2012), reproduzindo, muitas vezes, o papel ideológico que o planejamento hegemônico

desempenha, de produção/consumo de exploração. Esse sistema, marcado por hierarquização

167

e segregação, parece coexistir na lógica da economia da partilha, na medida em que desloca

discursos, forma novas contradições e repagina o acesso a recursos materiais ou simbólicos a

partir de narrativas que tendem a encobrir a desigualdade. Ao se manifestar, ele pode alterar

dinâmicas da sociabilidade urbana e, sucessivamente, gerar novos formatos de contradições,

sem, no entanto, promover a mudança para um sistema equitativo. Como forma de buscar uma

administração democrática sobre o processo urbano, o Direito à Cidade se apresenta, mas

desvela desafios para superar o economicismo e proporcionar uma revolução da participação

social, que gere emancipação humana, (re)construindo formas de vida na cidade a partir da

perspectiva da justiça social, dialogicidade e autonomia das pessoas.

168

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma horta é um bom lugar para começar. E pra

continuar, até acabar. Seria bom saber que alguém

colherá coisas que nós semeamos, depois da nossa

partida, e as plantas continuarão, como um gesto

nosso de amor. (Rubem Alves, A Horta – O quarto do

mistério, 1995)

A tese abordou a economia da partilha – com foco de estudo em experiências de

agricultura urbana – como alternativa a favor do alargamento das formas de vida que não se

apoiam estritamente no mercado. Por meio desses processos participativos, as hortas urbanas

fomentam a gestão socioeconômica, ambiental e territorial das cidades, contribuindo como

agentes urbanos que impactam no planejamento. Entendendo sua importância no cenário

econômico contemporâneo (Yaraghi & Ravi, 2017), o sistema da partilha, ao contrário do que

se observa em variadas situações, deveria ser estruturado coletivamente, em termos de

planejamento urbano e geração de transformação social positiva.

Estudou-se a partilha enquanto prática urbana no contexto amplo de cidade, usando as

hortas urbanas como objeto, e ampliando este microcosmo no escopo de análise da economia

da partilha. O interesse pautou-se por analisar os novos movimentos de mais troca e

cooperação, que retomam iniciativas antigas, mas que são ressignificadas, carregam status,

visibilidade, geram novos negócios, atraem imprensa e curiosidade, as pessoas passam a

interagir com esses novos modos de vida e, em muitos momentos, geram conflitos e

ressignificações nas implicações deste fenômeno nas cidades.

Nas discussões, atravessamos literaturas dicotômicas ou funcionais, que muitas vezes

não conseguem lidar com o fato social em toda sua dinâmica. Não se tratou de analisar esses

fenômenos pelo comunitarismo extremo ou o egoísmo ilimitado. O particular e o privado têm

seu espaço e compõem a racionalidade da ação em sociedade.

Como forma de resistência, as hortas coletivas, sobretudo por seu caráter de

permanência e de fazer nascer e se manter, interatuam com os problemas e dificuldades das

comunidades. Contribuem para melhorar a qualidade de vida da população envolvida, ao

permitir o acesso a alimentos de qualidade, garantir maior segurança alimentar, ampliar o

acesso à medicina natural e contribuir para a saúde mental por meio da conexão com a terra –

e em alguns casos, o reforço cultural e a memória afetiva da vida rural – e a dedicação a uma

atividade prazerosa em meio ao caos urbano.

169

A economia da partilha nas hortas urbanas favorece o uso produtivo e coletivo de

espaços anteriormente ociosos ou utilizados como depósito de lixo e entulho, repleto de mato

e que atraíam animais nocivos à saúde, garantindo um avanço considerável ao ambiente local.

Favorecem a estética local, o meio ambiente e a biodiversidade, e também são maneiras de

reverter – espacial, econômica e culturalmente – áreas anteriormente degradadas, absorvem

melhor a água e ajudam a gestão urbana ao evitar enchentes e alagamentos. Por isso, promovem

um avanço em termos de requalificação do espaço.

Proporcionam formas de convivência e de lazer para as pessoas da comunidade, geram

renda ou complementação de renda para as famílias que plantam e comercializam a produção

da horta e impulsionam mais acesso à cidade, a outros olhares e vivências que passam a trilhar

ao realizar cursos, formações sobre hortas e plantio, trocar sementes e mudas, participar de

feiras e experimentar a cidade.

A partilha se configura nessas experiências de hortas urbanas permeando várias

instâncias, mesmo que não sejam tão diretas, em alguns casos. Observa-se, sobretudo, um

senso de partilha entre as pessoas que praticam a agricultura. Seja pela sensibilização com os

cuidados com a terra e o planeta, seja pela via da saúde, seja pela ideia de troca entre pessoas,

integração, comunhão das feiras, seja pela lógica de aproveitamento de recursos e saberes

locais para formação de um negócio mais preocupado com as questões socioambientais, ainda

que seja para melhorar sua vitrine e imagem, tudo isso contribui para ampliação do campo da

partilha, da integração e da sustentabilidade, dando mais visibilidade à temática, formando

esse mapa que abre mais luz à agricultura urbana.

No contexto de pesquisa, em hortas mais periféricas como na Horta Comunitária

Esperança e nas hortas da Ocupação Tomás Balduíno, foi possível perceber que sérias questões

urbanas atravessam a ideia de partilha. Ainda que seja possível entender que nesses espaços a

comunhão e a coletividade são formas de se viver, conviver e sobreviver, disputas de território,

de formas de plantio e domínio do espaço muitas vezes se sobressaem à perspectiva mais

comunitarista. As hortas pesquisadas permeiam a totalidade da cidade, que periférica, expõe-

se à falta de acesso à água, transporte e saúde e exposição ao crime, drogas, esgoto e deficiência

de tratamento da infraestrutura urbana.

O enfrentamento deste cenário tem acontecido por meio da agricultura/horta urbana.

Avançar na direção das conquistas para um efetivo direito à cidade exige muito mais esforço

do que aquele diário do plantio e da dedicação ao labor. Diante de retrocessos políticos e

democráticos, os impactos são mais fortes nestes locais que já existem e resistem mesmo sem

a atuação do Estado.

170

Enquanto ressignificação, a cidade cada vez mais se torna um território de progressivas

mudanças e adaptações, a partir de suas (re)configurações dos espaços (Mendes; Cavedon,

2012). A democratização do direito à cidade deveria acontecer em sua totalidade, a partir da

composição de um movimento social abrangedor, capaz de fazer valer a sua vontade para

instituir novas formas de urbanização. Para Lefebvre (1999), a revolução tem de ser urbana,

no sentido mais vasto do termo.

O direito à cidade não se funde apenas no acesso a uma vida melhor ou mais digna na

cidade, mas em uma vida na qual a lógica da produção do espaço urbano esteja baseada no

valor de uso, ou seja, um significado de vida diferente, em uma sociedade, por sua vez, também

bastante diferente (Souza, 2010). Assim entendido, ele seria uma utopia, um programa político

a ser edificado pelas lutas populares e de movimentos sociais contra a lógica capitalista de

produção, que mercantiliza o espaço urbano ao formatá-lo a serviço do capital (Fernandes,

2007).

O direito à cidade oferece uma alternativa radical que desafia diretamente e repensa a

estrutura atual do capitalismo e da democracia liberal-democrática cidadã (Purcell, 2002). Ao

mesmo tempo, é complexo porque não é possível definir que tipo de cidade essa política urbana

produzirá. Ela poderia ser um desafio verdadeiramente democrático à opressão e

marginalização, entretanto, também pode trabalhar para reinscrever novas formas de

dominação.

O resultado da produção partilhada nas hortas é usado, prioritariamente, para consumo

das famílias produtoras, em seguida para doação e trocas, e em alguns casos pesquisados, para

a comercialização. Interessante ressaltar que há um censo de aproveitamento de toda a

produção de maneira eficiente e sustentável. Nada se perde, e há uma ideia de rede, de cadeia,

entre os produtores e participantes dos empreendimentos e das feiras, onde o insumo de um

feirante, é aproveitado por outro feirante, que comercializa o resultado da produção em

produtos diversos, como bolos, pães, salgados e doces.

Essa união, a agregação de pessoas em torno do propósito da agricultura urbana, busca

a solidariedade, a troca, o espírito gregário, e se pauta pelo respeito aos saberes locais, à história

de vida das pessoas que plantam, o respeito à equidade de gênero – visto que boa parte das

pessoas envolvidas nas hortas se compõe de mulheres – e o cuidado com a terra, o solo, a

natureza. Essa função permite que a participação popular seja exercida, ainda de maneira

incipiente, sobre o processo de planejamento urbano.

Os espaços de prática de agricultura variam em tamanho e estilo de propriedade,

entretanto, em Belo Horizonte, os espaços costumam ser pequenos e espalhados pela cidade.

171

Podem ser quintais próprios (exemplo: casas da Ocupação Tomás Balduíno), áreas públicas

cedidas para hortas comunitárias (exemplo: Horta Comunitária Esperança), lotes vagos, áreas

remanescentes de obras urbanas (exemplo: Hortelões da Lagoinha em Belo Horizonte33),

canteiros de praças, empresas que alugam lotes com localização favorecida para plantio e

escoamento dos produtos (exemplo: Fábrica de Hortas e BeGreen Boulevard).

Ao favorecer a relação entre as pessoas das próprias famílias e da comunidade, além da

consolidação de espaços produtivos como locais de convivência e bem-estar, as hortas

beneficiam a organização social e o desenvolvimento da comunidade, o que alarga sua postura

política, sua força de atuação cidadã e a construção de novas oportunidades de participação

popular e atuação na dinâmica urbana como agentes ativos. Nesse sentido, as hortas na

economia da partilha se tornam uma oportunidade democrática e participativa de atuação na

cidade, estimulando a cidadania por meio da inclusão socioeconômica, em rede e com

desenvolvimento local das comunidades.

É preciso adotar uma perspectiva disruptiva frente à dicotomia campo-cidade e

identificar que há uma luta comum, que é a luta pela terra e o valor de uso dos espaços,

enquanto locus de (re)produção da vida (Almeida & Biazoti, 2018). Desigualdades resultantes

da mercantilização dos espaços urbanos, observadas ao longo da pesquisa, suplicam

propostas de ampliação do direito à cidade que ainda não foram suficientes para a amplitude

e complexidade que abarcam a economia da partilha e as hortas urbanas.

Há diferenças, sobretudo, a partir do ponto de vista do olhar para as hortas. Quando se

olha de dentro da horta, com os pés no barro; e quando se olha de fora, com os pés no asfalto.

Para compreender as necessidades de partilha e de intervenção, é fundamental saber o lugar

social de escuta e ação, analisar os sentidos dados às práticas, conviver e aproximar das

realidades sociais específicas. São formas diferentes de uso, criação e cumprimento da função

social da propriedade que exigem novas maneiras de agir.

Com o objetivo de se tornar a Cidade Agroecológica, referência nacional e

internacional, a gestão municipal de Belo Horizonte tem feito um esforço de investimento de

seus projetos e equipes de trabalho em projetos inovadores para a gestão. A imagem de cidade

ecológica perdida ao longo de 20 anos de modestos olhares para o setor é retomada com a

perspectiva do city marketing (Duarte & Czajkowski Junior, 2007).

33 https://www.hojeemdia.com.br/horizontes/cidades/volunt%C3%A1rios-transformam-canteiro-abandonado-

em-planta%C3%A7%C3%A3o-na-capital-1.626419

172

Ainda que esforços reais como os Corredores Agroecológicos – que se tornou em

projeto, até agora, apenas um corredor, na Avenida do Andradas – e os Territórios Sustentáveis

– em regiões de grande vulnerabilidade socioeconômica – estejam em andamento, refletindo

em qualidade ambiental, segurança alimentar e inclusão dos produtores por meio da geração

de renda, ainda não se verifica um resultado efetivo. A parcela da população participante e

beneficiada é baixa, e os benefícios não refletem uma atuação estruturada do ponto de vista de

gestão urbana. As hortas parecem não ter participação efetiva no planejamento urbano da

capital mineira.

Como defendem Brand e Muñoz (2007), as políticas de agricultura urbana reverberam

uma adequação das políticas sociais e urbanas dos ideários neoliberais e de exploração

capitalista. Seu foco restrito parece denotar que as práticas de agricultura urbana se voltam para

as realidades imediatas de grupos urbanos periféricos. Reforça essa reflexão a questão que, em

Belo Horizonte, os setores relacionados à temática têm baixa autonomia na gestão pública; nos

órgãos gestores do governo, há pouco investimento e equipe exígua de trabalho, com mínimo

impacto na gestão pública, fazendo com que os resultados produzidos até o momento em Belo

Horizonte tenham sido mais fruto do esforço dos profissionais envolvidos e de sua trajetória

na luta pela agricultura e hortas urbanas, do que decorrência do investimento público.

Projetos de impacto em visibilidade como o Corredor Agroecológico, que configura

um dos projetos estratégicos da gestão do município, apontam para motivos mais interessados

em divulgação e autopromoção política dos gestores. Espera-se que ele tenha impacto em

melhorias nas condições de vida dos participantes, produtores e trabalhadores, entretanto, pode

significar a possibilidade de os governos locais terem projetos e ações com visibilidade

suficiente para captar recursos de redes internacionais; serem inovadores a ponto de

conseguirem compor um campo pioneiro de gestão ambiental, de forma a configurarem como

gestores empreendedores. Por terem baixo custo de criação, atraem visibilidade, mas

apresentam dificuldades de implantação na prática; fornecem legitimidade à gestão e regulam

o comportamento social por meio da reconstrução de significados sociais, utilizando valores

ambientais para este fim.

Como em muitos contextos de economia da partilha – tais como Uber ou Airbnb34 –, o

indivíduo se vê encarregado por todo o esquema produção e execução da atividade, de trabalho

e de responsabilização por suas ações. As agricultoras e os agricultores assumem todos os

34 Uber é um sistema/aplicativo de serviço de compartilhamento de automóveis privados. O Airbnb é um

sistema de compartilhamento de serviço de hospedagens/hospitalidade.

173

riscos da produção. Os governos também realizam essa transferência para os cidadãos, diante

de uma dificuldade de composição de uma política capaz de suspender os interesses

hegemônicos que abririam possibilidades para a distribuição de renda, acesso a alimentos de

qualidade e geração de desenvolvimento econômico local.

Essa disfunção ocorre quando o poder econômico se impõe sobre a administração

pública, instituições são privatizadas e o indivíduo se torna autogestionário – na forma de

mutirões, ou de autoconstrução –, sendo, inclusive, apreciado pelos discursos neoliberais por

esta posição, numa valorização que esconde os reais motivos dessa imposição determinada

pelo mercado financeiro.

Essa contradição é notada quando se analisa o dilema das hortas urbanas enquanto

sobrevivência e enquanto lazer. Em ambas as propostas, há um árduo trabalho humano

envolvido, independente das condições de infraestrutura, questões climáticas e valores

investidos. O trabalho informal do agricultor e da agricultora como agentes impulsionadores

da qualidade de vida na cidade esconde o desgaste físico e de tempo de dedicação destes

trabalhadores e trabalhadoras. Soma-se a essa responsabilização, o fato de que, normalmente,

a atividade nas hortas urbanas não é remunerada, sem contabilizar os custos com a água,

compra de sementes, mudas, adubos e insumo, e ainda, o tempo que se afasta da família, ou

impede longas viagens pois a horta ficaria sem os necessários cuidados diários. Essa situação

ocorreu na Horta Comunitária Esperança, quando as integrantes tiveram que se revezar nas

viagens para as festas de fim de ano para encontrar seus parentes no interior.

Nos empreendimentos estudados, o foco era agricultura, por isso, foram escolhidos para

a pesquisa; mas um fator que agrava a questão é que, em alguns casos, a horta não é a fonte de

renda principal da família. Enquanto complemento de renda e/ou fonte de acesso a alimentos

de qualidade, a horta representa uma atividade extra que não oferece segurança para esses

trabalhadores e trabalhadoras, exercido no tempo livre, submetendo esses indivíduos ao

trabalho para sobrevivência e acesso a alimentos que não têm condições de subsidiar devido

aos altos preços e baixos salários do sistema de exploração capitalista, obrigando-os às hortas

como forma de (re)produção da vida e tentativa de uma qualidade de vida que ele tinha

antigamente.

Como já discutido anteriormente, em razão às ausências do Estado em áreas periféricas

da cidade, esta situação é comum e a população pobre e vulnerável não aguarda a atuação dos

governos para a promoção de sua infraestrutura, condições de viver e qualidade mínima de

vida. Essa população é quem desenvolve seus modos de viver, com o que consegue agenciar

em seu cotidiano. A classe média brasileira é quem costuma responsabilizar os governos por

174

esta postura de apoio, por também já estar sobrecarregada com o pagamento de impostos

vultosos o que, consequentemente, acaba por demandar esse retorno.

Conflitos resultam da divisão do trabalho (quem planta, limpa, distribui, rega e controla

a produção), das decisões coletivas que precisam respeitar os interesses e vontades (quais

plantios serão feitos, em quais épocas, com qual retorno, em quais espaços) e das

responsabilizações (em caso de perda de produção, controle de pragas e animais, questões de

relacionamento com a comunidade, liderança compartilhada, imagem perante à comunidade).

Essas potencialidades das hortas podem encobrir desafios que muitas vezes são responsáveis

pelo fim das hortas coletivas, tornando esses espaços um loteamento de pequenos canteiros,

cujos cuidados ficam sob a gestão de um(a) morador(a) e/ou sua família em cada área

demarcada e específica. Um conjunto de hortas individuais.

Nesses contextos muitas vezes observados em Belo Horizonte (como é o caso da horta

Taquaril35 e na horta Jardim Produtivo36, na região do Barreiro de Cima), a individualidade

toma o lugar da coletividade, e ainda que permaneçam algumas relações, trocas de

conhecimentos, sementes ou mudas, as decisões são separadas, em alguns locais cria-se até

mesmo uma ideia de competição entre as hortas vizinhas, e o senso de partilha se esvai. O

espaço agrupado permanece, todavia, as associações são frágeis e buscam mais exclusivamente

a perspectiva financeira e competitiva de mercado, com a venda dos produtos e retorno sobre

o investimento realizado.

A agricultura urbana pode ser um importante elemento de reconstrução da sociabilidade

ao favorecer a mudança de comportamentos hegemônicos na cidade, na medida em que ela

trata de uma ênfase na participação cidadã na tomada de decisões. Com base em partilha, ela

reformula as estruturas vigentes do planejamento urbano por meio da participação das pessoas

e, portanto, da ampliação do processo democrático. Entretanto, como no caso da Ocupação

Tomás Balduíno e também da Fábrica de Hortas, a gestão pública pode impor regulações ou

controles que limitam a plena participação e definição das regras do jogo.

A inserção dessas duas iniciativas no Sistema Participativo de Garantia (SPG), pode

significar uma formalização e uma organização que exigem mobilizações em grupos,

mensuração da produção e definição de atividades com as quais esses agricultores não estão

acostumados e possuem até mesmo dificuldades em lidar com a documentação (caso da Tomás

Balduíno), que dificultam o exercício da atividade. Além disso, servem para a gestão pública

35 https://prefeitura.pbh.gov.br/noticias/bh-em-pauta-horta-da-rua-horto 36 https://cultivandosaberes.wordpress.com/jardim-produtivo-do-cardoso/

175

ser munida de dados e informações para o controle, não se sabendo a consequência dessa ação.

São determinações que colocam os agricultores a serviço de uma formalização com a qual

veem poucos benefícios e que podem ser desfavoráveis na medida em que eles perdem o

controle do seu agir, de seus modos de vida.

As hortas urbanas são um tema recente, com discussão ainda frágil, o que requer o

enfrentamento de obstáculos para sua consolidação enquanto política urbana e socioambiental.

Suas potencialidades e oportunidades de transformação dos modos de vida para patamares mais

sustentáveis e com vistas ao direito à cidade podem encobrir ajustes e controles por parte de

políticas neoliberais que dizem respeito aos interesses hegemônicos. Se conseguir se efetivar

como um projeto contra-hegemônico à favor da colaboração, cooperação e partilha, superaria

o cumprimento das ações pontuais e residuais destinadas à parcela da população com carências

de políticas públicas, para uma atuação mais planejada e que enfrente questões mais

estruturantes da sociedade.

Para se efetivar como prática urbana que reflita em concretização do direito à cidade, a

partilha deveria refletir ações vinculadas à promoção do desenvolvimento local, crescimento

da economia com superação da pobreza, formulação de políticas de geração de renda. Como

facilitadora de iniciativas de troca, intercâmbio de ideias e redução de consumo, a partilha

poderia figurar como prática componente das políticas de gestão socioambiental urbanas,

favorecendo o desenvolvimento de alternativas mais sustentáveis nos modos de se viver nas

cidades.

Isso implicaria entender e desenvolver propostas para uso social de propriedade,

aproveitamento de recursos disponíveis ou desperdiçados, ampliação das capacidades

instaladas e minimização de perdas, como as de alimento, de água, de insumos, de roupas e

instrumentos, de espaços e de recursos. A participação de variados setores da sociedade poderia

proporcionar a gestão mais participativa e articulada, em direção aos interesses populares, e

articulando com movimentos sociais e ambientais que favoreçam a justiça social, como os de

habitação e moradia, reforma agrária, combate à fome, promoção da sustentabilidade e

diversidade e direitos humanos.

Esses fatores levam a questões, como vividas na Ocupação Tomás Balduíno, na Horta

Comunitária Esperança, e também na Fábrica de Hortas, com relação à propriedade da terra,

ou melhor dizendo, quanto à instabilidade de acesso e ocupação destes espaços para a prática

das hortas urbanas. Em todos esses casos estudados, os agentes não são proprietários formais

das terras, o que leva à problematização da efetivação da partilha e o questionamento da

propriedade privada. Se a horta demanda uma continuidade e uma permanência, como garantir

176

que esse desenvolvimento seja pleno, sem que se possua aquele terreno com a segurança para

o desenvolvimento das atividades? O acesso seguro, e não necessariamente a propriedade, é

uma condição para a prática das hortas, revelando um caráter de demanda pelo espaço e a

resistência dessa prática questionados pelos modelos da partilha.

Reforçadas por pesquisas internacionais de falta de acesso a alimentos seguros e

saudáveis no mundo nos próximos anos e séculos, e apesar dos desafios de promoção para

espaços de plantio, recursos, água limpa e de alto custo e mão de obra disponível, as hortas na

economia da partilha se apresentam como recursos de acesso a alimentos e solucionam

problemas sociais, econômicos e ambientais com a habilidade que não é devidamente discutida

nas pautas das cidades.

Como observado nas feiras pesquisadas e principalmente na Horta Comunitária

Esperança, as experiências de hortas comunitárias sucedem da coletividade, da integração e da

troca entre seus participantes, que se juntam na horta que é local de diálogo, de satisfação

coletiva e de luta. Como espaço de conflito e contradições, as hortas refletem a cidade. Um

misto de conteúdos, técnicas, fazeres, vontades, trocas, histórias, riquezas, culturas, vivências,

saberes, capitais, recursos e modos de vida construídos e transformados cotidianamente pela

prática de mulheres e homens que se associam nessa diversidade e na complexidade da

cidade.

Porque a diversidade socioespacial das cidades também impõe limites à racionalidade

hegemônica. Frente à racionalidade dominante, as hortas urbanas, sobretudo aquelas voltadas

a atores sociais não beneficiados, representam contra-racionalidades. Essas resistências se

definem “pela sua incapacidade de subordinação completa às racionalidades dominantes, já

que não dispõem dos meios para ter acesso à modernidade material contemporânea. Essa

experiência da escassez é a base de uma adaptação criadora à realidade existente” (Santos,

2008, p.309).

As cidades se compõem em território qualificado de comum, em um tecido de relações

que pretende empreender o espaço construído em torno dos fluxos para potencializar os

recursos para promover o desenvolvimento local (Castells, 1999). Um dos aspectos que

articulam a perspectiva de cidade idealizada é reconhecê-la como projeto de gestão, cidade que

emerge como sujeito político supondo, na concepção de Castells (1999), a vigência de atores

capazes de intervir nas práticas coletivas em decisões democráticas, superando o modo

capitalista de vida.

O sistema hegemônico parece absorver as críticas ao economicismo e funcionalismo

exacerbados, reinventando-se em uma economia mais partilhada e colaborativa. Nesse

177

movimento dialético, o capitalismo se reforçaria, absorvendo as críticas e se reconfigurando.

A economia da partilha, sobretudo a partir das hortas urbanas, objetiva se contrapor à lógica

hegemônica. Como formas de resistência, informais e não sistematizadas, difundem novos

olhares sobre a cidade, abalam as estruturas dominantes questionando os modos de vida e a

finalidade social e uso da terra.

Entretanto, em diversas experiências, muitos olhares se misturam, objetivos se cruzam

e perspectivas de cidade se apresentam. Até mesmo dentro de uma só experiência de horta

urbana é possível verificar elementos de diferentes aspectos de modos de vida e partilha. Na

Horta Esperança há comunitarismo e há disputa e individualismo. Na BeGreen Boulevard há

finalidade estritamente econômica e, ao mesmo tempo, abertura da vitrine para a agregação de

produtores locais sem possibilidade de escoamento de sua produção, gerando renda à

agricultura familiar. Trata-se de um fenômeno híbrido, ainda pontual na cidade de Belo

Horizonte. As hortas no sistema de partilha não se constituem uma política urbana, muitas

práticas existentes são desconhecidas e invisibilizadas no espaço cinza da cidade, construído,

ordenado e formalizado.

As hortas do centro são pequenas, organizadas, controladas, limpas, não geram

desordem nem barulho. Parecem seguir o ordenamento social no desenho urbano. Entretanto,

as hortas coletivas passam a ganhar a mídia, as televisões, jornais impressos e portais da web

regionais chamam a atenção para esses fenômenos pitorescos na cidade, isto é, abrem a vista

para o movimento que está principiando, que pode estar iniciando uma mudança cultural para

a inclusão desse sistema de partilha na lógica urbana. O olhar da mídia, porém, ao noticiar fatos

inesperados, pode indicar, por outro lado, a tentativa de se estabelecer parâmetros ou diretrizes

para o que seria uma horta padrão.

Por esse caráter mais espontâneo da partilha – aquela partilha que foge à ideia de

negócio ou de perspectiva mais mercadocêntrica – é possível reconhecer dificuldades de

legitimidade de suas propostas. Adicionando o perfil informal da constituição de hortas,

notadamente baseadas em trabalho voluntário, caráter pontual, disperso pela cidade e áreas

metropolitanas, e de poucas articulações, redes e laços fortes (Granovetter, 1973), encontramos

um cenário em que as transformações sociais mais abrangentes se restringem. Contudo, esse

caráter espontâneo, que pode transparecer fragilidade, é aquele capaz de atuar nas fissuras e

entrelinhas do sistema hegemônico, partindo de ações nas realidades microssociológicas das

hortas, mudando espaços, construindo novos cenários urbanos, articulações de pessoas e

grupos e outras possibilidades de organizar e de vivenciar a cidade.

178

Na medida em que passam a agregar os “recentes agricultore(a)s urbanos”, com novas

demandas e expectativas, que ora somam-se à luta pela agricultura, ora pela ampliação do

direito à cidade e ora por seu interesse individual e isolado, a realidade se torna intricada para

alinhamento em torno do comum e do coletivo. Essa articulação poderia motivar políticas

públicas e ações que superassem o atendimento de necessidades pontuais dessas hortas e

pessoas, levando à construção de modos de vida mais abertos e comunitários, em que pessoas,

empresas e governos possam colaborar para a justiça social.

Movimentos sociais urbanos têm se somado às lutas pela agricultura urbana como

forma de enxergar um futuro mais sustentável para a cidade. As forças organizadas vêm

formando redes que originaram crescimento das feiras agroecológicas estudadas, grupos de

estudo de agricultura urbana nas instituições de ensino superior de Belo Horizonte, iniciativas

mais recentes de hortas coletivas, e um princípio de articulação do governo local para

acompanhar essas mudanças que já iniciam a construção de uma racionalidade diferenciada,

mais aberta às conexões e às possibilidades que a partilha proporciona.

A aparente necessidade de novos valores para a sociedade, bem como de um

pensamento complexo para a resolução de problemas voltados ao enfrentamento da exploração

hegemônica capitalista não foram temas específicos desta pesquisa. Entretanto, a partir dessas

inquietações nasceu o interesse por compreender tais questões que demandariam das pessoas,

em sociedade, novos modos de pensar e viver, novos modos de vida, em que os elementos da

realidade não respondem isoladamente, pois estariam atrelados às noções de totalidade,

conexão entre os fenômenos e partilha.

Rifkin (2014) propõe que o desenvolvimento da economia da partilha seria responsável

por abalar as dinâmicas capitalistas tradicionais. O desmoronamento dos custos marginais

estaria provocando uma economia híbrida, composta em parte pelo mercado capitalista e parte

pela colaboração, a collaborative commons, com implicações de longo alcance para a

sociedade. Essa ideia parece utópica ao se considerar que a partilha é reforma, não é

revolução. Ela ainda não se apresenta capaz de transformar realidades ou modificar os modos

de viver na cidade, mas revela novos desafios e reconfigurações de mercados e da relação entre

usuários e empresas. A economia da partilha não altera, sobretudo, as bases predatórias das

relações de mercado, que permanecem e se ressignificam, sob um discurso colaborativo e

compartilhado.

A construção de respostas às críticas parece fortalecer o capitalismo, na medida em que

ao se contrapor aos questionamentos, incorpora, nesse mecanismo, parte dos valores em que

era criticado. Há um permanente reforço das justificações e dispositivos para gerar atualização

179

do espírito do capitalismo, em um movimento dinâmico que não expõe o princípio de

acumulação e de ganhos, oferecendo, inclusive, satisfação à crítica (Boltanski & Chiapello,

2009).

Como o sistema capitalista necessita dessas justificações para se modificar e

permanecer, novos modos de justificações se apresentam. A economia da partilha pode

representar uma delas. Ao mesmo tempo em que a economia da partilha é entendida como uma

via de transformação do modelo hegemônico economicista, que permite ampliar as formas de

interação que não condizem com os padrões mercantis – ampliando possibilidades de modos

de vida –, ela pode exatamente reforçar o próprio sistema economicista e de exploração, já que

o acesso às principais redes de partilha, bens de níveis mais sofisticados ou de alto capital

social (Bourdieu, 1980), níveis de acesso e o direito à cidade, permanecem restritos a uma

parcela da sociedade. O sistema hegemônico parece absorver as críticas ao economicismo e

funcionalismo exacerbados, reinventando-se em uma economia mais partilhada e colaborativa.

Nesse movimento dialético, o capitalismo se reforçaria, absorvendo as críticas e se

reconfigurando.

Em modos de vida que as próprias pessoas se transformam em mercadorias (Bauman,

2008) a fim de serem incluídas e aceitas no espaço social permeado de relações humanas, os

cidadãos buscam garantir direitos. Assumir o direito à cidade (Lefebvre, 2008) significa um

caminho para a unificação dessas lutas, como aspiração política, para revolucionar a pauta da

cidade e o comando da relação entre a urbanização e a produção do lucro.

A democratização desse direito é a forma de retomar o controle pelas pessoas às quais

ele foi negado e fundar novos desenhos de urbanização. Da forma que o direito à cidade está

instituído, se encontra restrito à elite política e econômica, que se aproveita desta posição para

moldar as cidades à sua maneira.

Algumas soluções e novos caminhos parecem estar voltados para o decrescimento

(Latouche, 2009), que se trata de uma reorientação de prioridades, e não de um crescimento

negativo. É preciso questionar a dominação econômica sobre os modos de vida e como nos

organizamos socialmente. Provocar mudanças de sentido dos fins, e também dos meios,

mudando a lógica do modelo socioeconômico e dos valores que a sociedade prioriza. Encontrar

novas maneiras de viver em um mundo com menos propriedade e mais viver bem e visão

sustentável. Pensar em lógicas que modificam o sistema de apropriação e busquem

aproveitamento de recursos, dando valor aos serviços para o desenvolvimento da sociedade e

retornando em benefício sustentável, como abordado em algumas propostas da economia da

funcionalidade e da circularidade (Benqué, Tertre & Vuidel, 2014).

180

Permanece o crescimento e geração de valor econômico, entretanto, em outro patamar,

que não perpetue exploração, segregação e desigualdade. Nesse sentido, é importante dar

atenção à dimensão local de desenvolvimento, trazer a escala de ação para a palma das mãos,

reunir atores econômicos e sociais que têm interesse em mudança social, e juntamente com a

força política, alcançarem uma escala ampliada, municipal, ou seja, tomada de

responsabilidade. Seria uma via de atuação a partir da criação de implicações da economia da

partilha sobre a esfera da cidade e a ampliação do direito à cidade (fenômenos que remetem à

dimensão macro), mas que são construídos pelos atores em suas práticas cotidianas, através de

habilidades sociais a partir de realidades microssociológicas.

As hortas urbanas são práticas que questionam o conceito de cidade planejada. A

racionalidade do capitalismo no contexto urbano, se refere às ações da gestão das cidades para

se adequar aos moldes das chamadas cidades-modelo, revelando traços do planejamento da

cidade de acordo com interesses moldados pelo olhar global, demandado pelos investidores

(Sanchéz, 2001).

A ideia de cidade-conceito (Certeau, 2008) é contrastada pois sugere a cidade enquanto

prática urbana. Contrariando o projeto estático, a cidade seria fluida e o que a definiria seriam

as práticas dos diferentes grupos em interação no cotidiano, a cidade pensada e a cidade que

acontece, palco de representações discursivas, em variadas faces criativas da vida social. O

direito à cidade prevê planejamento e participação, a partilha territorial, e não necessariamente

somente econômica. Desta forma, o direito à cidade se tornou um direito normativo, como a

‘cidade boa’, cidade dos planejadores, e não a cidade vivida.

O tema da agricultura urbana é amplo, bastante pesquisado sobretudo na geografia e

estudos urbanos. A economia da partilha tangencia diversos objetos igualmente instigantes,

exigindo proximidade com bibliografias de várias áreas do conhecimento. Nesse sentido, é

importante indicar novos aprofundamentos e estudos voltados a outras áreas de interesses das

cidades, além da agricultura urbana, tais como o transporte urbano, a habitação, a saúde, o

lazer, entre outras tantas possibilidades que as cidades abrem cotidianamente para a troca e o

compartilhamento.

Também é possível articular novas pesquisas em torno dos papéis da gestão pública,

dos atores econômicos e de organismos internacionais para a prática da economia da partilha

nas cidades, em uma amplitude mais disseminada, com interesse em capturar as redes, as fontes

de geração dessas articulações e como elas podem impactar em novos modos de se viver, em

escala mais ampliada, seja regionalmente, nacionalmente ou mundialmente. Esses outros

estudos poderão revelar se a economia da partilha teria força em outros campos, tais como

181

mobilidade ou habitação urbana, para fazer frente ao sistema de dominação e promover a

ampliação do direito à cidade, visto que a partir das hortas urbanas, apesar dos avanços, esta

perspectiva ainda é distante.

A investigação interdisciplinar das temáticas propostas nesta tese foi basilar para a

realização da pesquisa das práticas estudadas. Ela não poderia ter sido feita senão de forma

coletiva, por meio do trabalho permanente com o(a)s que plantam, os grupos de estudo e

pesquisa, a realização de diversas atividades de plantio, conversas e articulações inter-

organizações, além das entrevistas, vivências e conversas informais. A pesquisa contou com a

colaboração de pessoas com diversos níveis de envolvimento junto aos temas da agricultura

urbana, das hortas urbanas, da gestão de cidades e das propostas de partilha, em diferentes

áreas.

O esforço de análise foi o de evitar a supervalorização de um pensamento idealizado

acerca das iniciativas de agricultura urbana/hortas urbanas, que, por si só, têm um apelo de

valorização da natureza e da ‘comunhão do pão’ que, por vezes, romantiza de maneira ingênua

a prática; e por outro lado, por ainda ser considerada atividade residual, não caracterizar a

prática como secundária, subordinativa ou acessória à subsistência das pessoas que dela

participam. Da mesma forma, afastou-se a ideia também romantizada da partilha, que

permeada pelo discurso de colaboração, pode encobrir seus propósitos e significados.

Por isso é complexo afirmar o papel da economia da partilha para a transformação dos

modos de vida na cidade com vistas à sustentabilidade, à justiça social e à diminuição das

desigualdades. Ela parece não ter capacidade suficiente de enfrentar todas essas lutas sociais.

É possível que seu poder transformador se limite a uma esfera mais local, mais comunitarista.

E que, provavelmente, essa mudança em âmbito local ganhe força e, num processo de

agregação e partilha, tome proporções maiores e alcance grande parte das cidades. Atuando

nas fissuras deste sistema capitalista desigual, a partilha representaria uma transformação das

formas de vida que atuariam nessas estruturas que, mutáveis, exigiriam constante reinvenção

de seus agentes e das lutas por uma cidade inclusiva.

Esses dilemas estão imbricados com os desafios da partilha para a transformação

econômica-social das cidades. A partilha é feita de disputas, nem todos estão partilhando em

todos os momentos. Em sistemas como o de transporte urbano, por exemplo, a partilha por um

modal de transporte, substitui a do outro, isto é, o cidadão, ao optar pelo compartilhamento de

carros, deixa de compartilhar o transporte municipal coletivo; ao iniciar o uso do sistema

compartilhado de bicicletas, deixa de acessar o metrô ou a partilha de caronas. É certo que os

182

sistemas são complementares e se interligam no contexto da cidade, entretanto, suas disputas

geram novas configurações do urbano.

Há pelo menos cinco dimensões de contradições no estudo da partilha e as hortas

urbanas, que se entrecruzam e se reforçam na dinâmica urbana. A dimensão dos modos de

vida, constituído por relações entre as pessoas, o encontro de desiguais, a interação que

promove, por vezes, o rompimento das hierarquias e a suspensão da exclusão urbana. São

mudanças que impactam a ponto de incomodar as instâncias da cidade, governos e

movimentos? E para quem seria essa mudança?

Na dimensão da sustentabilidade urbana, a contradição da partilha que implica a

manutenção do consumismo que não some necessariamente, muitas vezes fomentando a partilha

do excesso. O sistema amplificaria, desta forma, os graves excessos do modelo econômico

hegemônico, o que reforça a retórica persuasiva da agenda das cidades.

A dimensão do interesse e organização coletiva no espaço, a contradição que passa pela

mercantilização das cidades, comoditização dos serviços que eram públicos, como a segurança,

por exemplo; ou os sistemas de compartilhamento de hospedagem como o Airbnb, que

amplificam a gentrificação. O estigma, a segregação, os limites e possibilidades da mudança que

as hortas representam na construção do espaço pelo encontro e o direito de viver.

A dimensão do trabalho e dos direitos, a contradição da partilha pela via das condições

de exploração, onde o sistema transfere para o trabalhador o custo dos bens de capital que o

exploram, gerando contextos denominados como uberização do trabalho. A lógica de divisão do

trabalho que pode aprofundar a exclusão, na medida em que reproduz a lógica de exploração

do capital hegemônico.

E a dimensão da participação, ou não-participação, das lutas pela ampliação de um

direito à cidade que não se efetiva a partir da economia da partilha nos moldes que ela se

apresenta, ampliando a desigualdade. Aliados ao fortalecimento de um movimento político,

advindo dos cidadãos, reestruturador das atuais bases econômicas e sociais, esses fatores

indicariam um movimento da partilha como vetor para a geração de riqueza. No modelo até

então observado, seu excesso gera escassez.

Sem a pretensão de esgotar as discussões por meio de um resumo, apresenta-se uma

ilustração na Figura 23 que fornece bases para visualização dos fenômenos que cruzam a

economia da partilha e as cidades, a partir dos modos de justificação capitalistas discutidos

pela Nova Sociologia Econômica. Os achados de pesquisa se cruzam com as defesas teóricas,

retomando a Figura 7 que demonstrou a ‘Visão sobre as Motivações para a Partilha’ e as

‘Contradições da Partilha’ discutidas no Capítulo 2, demonstrando que nesse sistema híbrido,

183

de associações temporárias e coexistências de motivações dos indivíduos, o direito à cidade

não se efetiva em plenitude.

FIGURA 23 - Discussão Teórica e Análises Empíricas:

Contradições e Motivações da Economia da Partilha e Revelações de Campo

Fonte: elaborado pela autora.

A economia da partilha, em suas diversas facetas, inclui – neste trabalho – a partilha do

espaço, do tempo, da produção, da distribuição, da venda/doação/troca, dos recursos, das ideias

e intenções, dos problemas, do afeto e da vivência. Nas disputas e implicações sobre os modos

de vida na cidade, o envolvimento de iniciativas endógenas de base comunitarista, com o

crescimento da participação social no planejamento urbano, representariam um avanço.

Economia da

Partilha e

sistemas de

justificação

capitalista

Direito à Cidade

184

Essa transformação está em processo. Não podemos afirmar que a economia da partilha

transforma os modos de vida, conquanto sob o olhar voltado às hortas urbanas, ou seja, um

universo restrito se comparado à complexidade das cidades contemporâneas. Alguns indícios

apontam para mudanças importantes que conduzem a uma maior abertura das pessoas para

partilhar, viver em colaboração e ter modos de vida mais sustentáveis e com qualidade no viver.

Essas evoluções ainda não são capazes de fazer avançar para um direito à cidade emancipador,

que interfira e advogue no planejamento urbano e que promova a efetiva participação social

nas decisões da cidade. Esse é um plantio que está se iniciando a partir da semente.

185

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202

APÊNDICES

APÊNDICE A

Instituições reconhecidas mundialmente que abordam as transformações do espaço urbano

para demonstração da lacuna de pesquisa.

Entidade Temas

UN-HABITAT - For

a Better urban Future

https://unhabitat.org/

urban-themes/

Legislation

Although needed for sound urban development, legal systems are among the major

impediments preventing urban innovation. Read more about challenges relating to

urban legislation and UN-Habitat's initiatives in that domain.

Mobility

Despite the increasing level of urban mobility worldwide, access to places has

become increasingly difficult, and dependency on cars and other motorized transport

is growing. Read more about today's mobility challenges and how UN-Habitat is

addressing them.

Housing & slum upgrading

Today, 24% of the world's urban population lives in slums, and by 2030, about 3

billion people will be in need of proper housing. Find out more about what UN-

Habitat is doing to overcome the housing challenges.

Safety

60% of all urban residents in developing countries have been victims of crime at least

once over the past five years. Read more about safety in urban areas and about how

UN-Habitat is addressing this challenge.

Climate Change

Cities are not only one of the main causes of climate change but are also heavily

vulnerable to the consequences. Find out more about why and how cities should

address climate change, and how UN-Habitat can help.

Gender

Despite the many opportunities offered by cities, women and men do not benefit

equally from urbanization, with women generally being more vulnerable and

excluded. Read more about UN-Habitat's initiatives addressing gender issues.

203

Planning & Design

Rapid urbanization in the developing world and current car-centred cities are

bringing about many challenges in the spatial distribution of people and resources.

Learn more about how smart urban planning and design can enhance our cities.

Economy

Cities are the main creators of economic wealth, generating on average 75 per cent of

a country’s GDP. Find out more about the urban economic challenges ranging from

employment to municipal finance, as well as UN-Habitat's initiatives regarding urban

economy.

Reconstruction

The world has witnessed an increasing series of disasters which have resulted in the

dramatic loss of human life, and the destruction of homes and infrastructure. Learn

more about UN-Habitat's reconstruction work and solutions.

Resilience

Many urban residents are highly vulnerable to natural disasters such as earthquakes,

storm surges and tsunamis. Read more about the current and future challenges and

the ways to improve the resilience of our cities.

Human rights

Human Rights, including the rights to adequate housing and safe water and sanitation

are contained in the Universal Declaration of Human Rights and international human

rights instruments, including the International Covenant on Economic, Social and

Cultural Rights which have been ratified by most UN Member States.

Water & Sanitation

Challenges related to water and sanitation in cities will magnify in the future due to

an ever growing urban population. Find out more about the challenges and the ways

to address them, as well as UN-Habitat's solutions.

Youth

By 2030, as many as 60% of all urban dwellers will be under the age of 18. Find out

more about youth and the challenges they are facing, as well as UN-Habitat's

initiatives and solutions for the younger generation.

Energy

Energy is needed for urban development, but current reliance on fossil fuels brings

up a number of challenges such as pollution and depletion of resources. UN-Habitat

therefore helps cities to develop sustainable energy action plans.

204

ODS ONU

https://nacoesunidas.

org/conheca-os-

novos-17-objetivos-

de-desenvolvimento-

sustentavel-da-onu/

Objetivo 11. Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros,

resilientes e sustentáveis

Metade da humanidade – 3,5 bilhões de pessoas – vive nas cidades atualmente. Em

2030, quase 60% da população mundial viverá em áreas urbanas.

828 milhões de pessoas vivem em favelas e o número continua aumentando.

As cidades no mundo ocupam somente 2% de espaço da Terra, mas usam 60 a 80%

do consumo de energia e provocam 75% da emissão de carbono. A rápida

urbanização está exercendo pressão sobre a oferta de água potável, de esgoto, do

ambiente de vida e saúde pública. Mas a alta densidade dessas cidades pode gerar

ganhos de eficiência e inovação tecnológica enquanto reduzem recursos e consumo

de energia.

Cidades têm potencial de dissipar a distribuição de energia ou de otimizar sua

eficiência por meio da redução do consumo e adoção de sistemas energéticos verdes.

Rizhao, na China, por exemplo, transformou-se em uma cidade abastecida por

energia solar. Em seus distritos centrais, 99% das famílias já usam aquecedores de

água com energia solar.

MINISTÉRIO DAS

CIDADES -

PROGRAMA

CAPACIDADES

http://www.capacidad

es.gov.br/pg/oprogra

ma/linhasdeatuacao

LINHAS DE ATUAÇÃO

- apoio ao desenvolvimento institucional e à implantação de sistemas de informação

nas administrações públicas;

- realização de cursos presenciais e a distância e outras atividades de apoio à

formação de quadros técnicos das Prefeituras municipais e de órgãos dos governos

estaduais e federal;

- realização de cursos presenciais e a distância e outras atividades de apoio à

formação de agentes sociais afetos à política urbana;

- promoção do planejamento e da realização de cursos que divulguem boas práticas e

experiências bem sucedidas de planejamento e gestão urbanas;

- realização de seminários e oficinas para discussão e disseminação de inovações na

gestão do desenvolvimento metropolitana ou intermunicipal;

- prestação de assessoria ao desenvolvimento de planos, programas e ações locais,

desde que a atividade se constitua também em promoção da formação das equipes

locais;

- divulgação de experiências bem-sucedidas de gestão municipal, de gestão

compartilhada intermunicipal e das formas existentes de gestão de serviços urbanos

operados pelos estados;

- promoção da articulação dos programas e ações federais voltados para o

desenvolvimento institucional dos municípios que abranjam as áreas de habitação,

205

saneamento ambiental, legislação urbanística, planejamento do uso e ocupação do

solo, regularização fundiária e mobilidade, transporte e trânsito;

- realização de atividades necessárias para subsidiar o programa, como a promoção

de estudos específicos, publicação de material técnico impresso e em meio eletrônico

e produção de material de divulgação.

ESTATUTO DA

CIDADE

Lei 10.257 de 10 de julho de 2001, que regulamenta o capítulo "Política urbana"

da Constituição brasileira. Seus princípios básicos são o planejamento participativo e

a função social da propriedade.

http://www.planalto.

gov.br/Ccivil_03/leis/

LEIS_2001/L10257.h

tm

UNESCO

http://unesdoc.unesco

.org/images/0017/001

780/178090e.pdf

Urban Policies and the Right to the City’ - UN-HABITAT and UNESCO

Relatório de 2009 - Construindo Cidades inclusivas

Developing the ight to the ity as a vehicle for social inclusion in cities implies:

Liberty, freedom and the benefit of the city life for all Transparency, equity and

efficiency in city administrations Participation and respect in local democratic

decision making Recognition of diversity in economic, social and cultural life

Reducing poverty, social exclusion and urban violence.

CARTA MUNDIAL

PELO DIREITO À

CIDADE

http://www.polis.org.

br/uploads/709/709.p

df

Publicado em: 12/06/2006. Documento produzido a partir do Fórum Social Mundial

Policêntrico de 2006. Fórum Social das Américas – Quito – Julho 2004. Fórum

Mundial Urbano – Barcelona – Setembro 2004. V Fórum Social Mundial – Porto

Alegre – Janeiro 2005

ARTIGO I. DIREITO À CIDADE

ARTIGO II. PRINCIPIOS E FUNDAMENTOS ESTRATÉGICOS DO DIREITO À

CIDADE

1. EXERCÍCIO PLENO DA CIDADANIA E GESTAO DEMOCRÁTICA DA

CIDADE:

2. FUNÇÃO SOCIAL DA CIDADE E DA PROPRIEDADE URBANA:

3. IGUALDADE, NÃO DISCRIMINAÇÃO:

4. PROTEÇÃO ESPECIAL DE GRUPOS E PESSOAS EM SITUAÇÃO DE

VULNERABILIDADE:

5. COMPROMISSO SOCIAL DO SETOR PRIVADO

6. Impulso a economia solidaria e a POLÍTICAS impositivas e PROGRESIVAS.

ARTIGO III. PLANEJAMENTO E GESTÀO DA CIDADE

206

ARTIGO IV . PRODUÇÃO SOCIAL DO HABITAT

ARTIGO V. DESENVOLVIMENTO URBANO EQUITATIVO E SUSTENTÁVEL

ARTIGO VI. DIREITO À INFORMAÇÃO PÚBLICA

ARTIGO VII. LIBERDADE E INTEGRIDADE

ARTIGO VIII. PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

ARTIGO IX. DIREITO DE ASSOCIAÇÃO, REUNIÃO, MANIFESTAÇÃO E USO

DEMOCRATICO DO ESPAÇO PÚBLICO URBANO

ARTIGO X. DIREITO À JUSTIÇA

ARTIGO XI. DIREITO À SEGURANÇA PÚBLICA E À CONVIVÊNCIA

PACÍFICA SOLIDÁRIA E MULTICULTURAL

ARTIGO XII. DIREITO À ÁGUA, AO ACESSO E À ADMINISTRAÇAO DOS

SERVIÇOS PÚBLICOS DOMICIARES E URBANOS

ARTIGO XIII. DIREITO AO TRANSPORTE PÚBLICO E À MOBILIDADE

URBANA

ARTIGO XIV. DIREITO À MORADIA

ARTIGO XV. DIREITO AO TRABALHO

ARTIGO XVI. DIREITO AO MEIO AMBIENTE SADIO E SUSTENTÁVEL

ARTIGO XVII. OBRIGAÇÕES E REPONSABILIDADES DO ESTADO NA

PROMOÇÃO, PROTEÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DO DIREITO À CIDADE

ARTIGO XVIII. MEDIDAS DE IMPLEMENTAÇÃO E SUPERVISÃO DO

DIREITO À CIDADE

ARTIGO XIX. LESÃO AO DIREITO À CIDADE

BID

https://www.iadb.org/

pt/noticias/comunica

dos-de-

imprensa/2013-06-

11/plataforma-ices-

se-expande-no-brasil-

com-apoio-da-

caixa%2C10481.html

Iniciativa de Cidades Emergentes e Sustentáveis (ICES) - em parceria com a CAIXA

A ICES aplica uma abordagem multidisciplinar para lidar com desafios nas cidades

emergentes da América Latina e Caribe. O programa visa integrar a sustentabilidade

ambiental e fiscal, o desenvolvimento urbano e a governança, e promover, assim, o

apoio a ações que proporcionem serviços básicos e garantam a proteção ao meio

ambiente, bem como níveis adequados de qualidade de vida e emprego. A meta atual

é de que 26 cidades da América Latina e Caribe sejam contempladas pela iniciativa

até 2015. No Brasil, a meta é que a ICES seja implementada em quatro cidades até

2014.

Áreas de atuação do IDB (internacional):

207

Agricultura e desenvolvimento rural; Água e Saneamento; Desenvolvimento e

Habitação Urbana; Educação; Energia; Mercados Financeiros; Indústria;

Investimentos Sociais; Meio Ambiente e Desastres Naturais; Empresas Privadas e

Desenvolvimento de SME; Integração Regional; Reforma/Modernização do Estado;

Saúde; Ciência e Tecnologia; Comércio; Transporte; Turismo Sustentável

BANCO MUNDIAL

http://siteresources.w

orldbank.org/EXTLA

CREGTOPURBDEV

/Resources/UrbanStra

tegy_web_Portugues

e.pdf

http://www.worldban

k.org/pt/country/brazi

l/projects

Relatório 2009 - Sistemas de Cidades - Usando a urbanização em prol do

crescimento e da mitigação da pobreza

Setores de atuação do World Bank (mundial):

Agricultura

Educação

Energia e Extração

Financiamentos/Setor Financeiro

Saúde

Indústria e Mercado

Informação e Comunicação

Administração Pública

Proteção Social

Transporte

Água/Saneamento/Lixo

AVINA

http://www.avina.net/

avina/pt/listado-

paises/brasil/

A Fundación Avina, agora coordena a Plataforma de Inovação com Sentido, investe

em processos de colaboração e inovação com atores de diferentes setores e

segmentos, buscando reunir interesses na ampliação de bens públicos e transição para

uma economia de baixa emissão de carbono e mais inclusiva.

Os resultados são disponibilizados em plataformas propositivas e de validação

baseadas em informações estratégicas, que são cada vez mais consideradas por

governos, empresas e organizações da sociedade civil nas agendas prioritárias do

país.

Além disso, a Avina continua apoiando as redes de posicionamento da sociedade

civil pela governabilidade democrática e reforma do sistema político como estrutura

de manutenção das organizações sociais. Buscamos sempre promover e aumentar a

contribuição brasileira para a integração latino-americana.

PROGRAMAS:

ACESSO À ÁGUA

208

ESTRATÉGIA PARA O BIOMA AMAZÔNICO

CIDADES SUSTENTÁVEIS

Transformar as cidades em bens públicos que gerem dignidade humana respeitando

os limites da natureza. Promover a convergência e colaboração entre atores diversos,

a inovação social e o uso de tecnologias cívicas, em relação a: Cogeração e execução

de políticas públicas que contribuam para a construção de cidades inclusivas,

resilientes e sustentáveis; Fortalecimento da participação cidadã e controle social na

gestão das cidades; Construção de coesão social, por meio da transformação e

revitalização do espaço público como espaço de convivência, inclusão econômica e

expressão cultural.

ENERGIA E INDÚSTRIAS EXTRATIVAS

RECICLAGEM INCLUSIVA

MUDANÇAS CLIMÁTICAS

ÍNDICE DE PROGRESSO SOCIAL

TECNOLOGIA PARA A MUDANÇA SOCIAL

IBM

https://www-

03.ibm.com/software/

products/pt/intelligen

t-operations-center

https://www.ibm.com

/developerworks/com

munity/blogs/ctaurio

n/entry/infraestrutura

_para_as_cidades_int

eligentes?lang=en

O IBM Intelligent Operations Center ajuda os líderes governamentais a gerenciarem

a complexidade de ambientes, incidentes e emergências de uma cidade com uma

solução para cidade que entrega percepções operacionais. Ele oferece visualização de

dados integrada, colaboração quase em tempo real e analytics detalhada para ajudar

os órgãos municipais a aprimorarem a eficiência constante das operações das cidades

e a planejarem o crescimento, além de coordenarem e gerenciarem os esforços para

fornecer repostas.

O IBM Intelligent Operations Center fornece mapas integrados, painéis on-line,

relatórios customizáveis, diversos algoritmos analíticos, procedimentos operacionais

de padrão interativo e outras ferramentas para melhorar as operações e as respostas a

incidentes ou a emergências da cidade.

O IBM Intelligent Operations Center permite que você:

Monitore e gerencie recursos, eventos e incidentes por meio de reconhecimento de

situação.

Otimize o crescimento e as operações da cidade por meio de análise detalhada do

ambiente e dos recursos da cidade.

Permaneça conectado com os cidadãos e atenda a seus interesses por meio de

ferramentas e serviços de colaboração de cidadão.

Mantenha os cidadãos seguros com analytics de hot-spot de crime.

Integre os dados de vários departamentos e órgãos usando uma plataforma comum.

209

210

APÊNDICE B

Roteiro de Entrevista em Profundidade – Gestão Pública

1. Como é o cenário da agricultura urbana em BH? E região metropolitana?

2. A partir da política municipal de uso e ocupação do solo, que inclui a agricultura urbana

como atividade, como se dão as motivações, orientações, objetivos alcançados e desafios

ainda presentes, no sentido da práxis dos atores, para a agricultura urbana? Quais são as

políticas públicas e como operam? (explorar pessoas em situação de rua)

3. O que favorece, atualmente, o desenvolvimento da agricultura urbana em Belo Horizonte?

4. Quais os desafios para o desenvolvimento da agricultura urbana?

5. Como você enxerga o desenvolvimento das hortas urbanas em Belo Horizonte? Quais

impactos essas iniciativas trazem para a cidade? Explorar impacto na:

a. Economia (novas movimentações, geração de emprego e renda, novos

mercados sendo criados, valor econômico gerado para quem?)

b. Sustentabilidade (gestão ambiental da cidade, integração comunitária,

dimensão da produção de alimentos)

c. Modos de vida (colaboração, segurança alimentar, participação dos cidadãos,

inclusão social, equidade)

d. Compartilhamento e Colaboração (desenvolvimento de conhecimento, questões

simbólicas e o significado da agricultura urbana para as pessoas)

e. Direito à Cidade (planejamento urbano, emancipação dos cidadãos)

6. Como é o relacionamento dos órgãos do governo com as empresas ligadas às hortas

urbanas? Existe alguma regulamentação, parceria e órgãos designados para a questão?

7. As ações voltadas para as hortas urbanas, tanto na dimensão da gestão pública, quanto na

dimensão dos cidadãos, estão direcionadas para qual finalidade? (explorar colaboração,

compartilhamento, troca e/ou comercialização da produção)

8. O que é preciso para que as cidades adotem as hortas urbanas como modo de vida urbana,

em benefício da sociedade? E quais as dificuldades para isso acontecer?

9. Qual a sua opinião sobre troca/compartilhamento/colaboração nas hortas urbanas, tanto

em sua construção e manutenção, quanto aos produtos gerados da horta?

10. O que você quer acrescentar ou comentar?

211

APÊNDICE C

Roteiro de Entrevista em Profundidade – Urbel

1. Fale um pouco sobre sua experiência na Urbel, sua trajetória.

2. Como enxerga sua atuação em campo (a realidade) x determinações da sua função governo

(o planejado)? Há questões diferentes? Como você lida com isso?

3. Como ocorre o processo de remoção de famílias em caso de risco e quais destinos/como é

decidido o futuro do terreno?

4. Como você vem observando o cenário das hortas urbanas em Belo Horizonte? Quais

mudanças percebe ao longo dos anos?

5. As ações voltadas para as hortas urbanas, tanto na dimensão da gestão pública, quanto na

dimensão dos cidadãos, estão direcionadas para qual finalidade?

6. Sob o aspecto da coletividade: quais os desafios e potências das hortas coletivas?

7. Como ocorrem as relações, entre a cooperação e a individualidade nas hortas coletivas?

8. Qual o impacto desse movimento para a cidade? Você percebe novas movimentações ou

mudanças?

9. O que é preciso para que as cidades adotem as hortas urbanas como modo de vida urbana,

em benefício da sociedade? E quais as dificuldades para isso acontecer?

10. Qual a sua opinião sobre troca/compartilhamento/colaboração nas hortas urbanas, tanto

em sua construção e manutenção, quanto aos produtos gerados da horta?

11. O que você quer acrescentar ou comentar?

212

APÊNDICE D

Imagens dos Empreendimentos Visitados

Horta Comunitária Esperança

1

2

3

4

5

1 – Mutirão de Cercamento da Horta

2 – Dia de plantio e controle de pragas

3 – Presença das crianças da Creche

4 – Produção da Horta

5 – Canteiros formados na Horta

213

6

6 – Canteiros formados na Horta

7 – Vista de cima, dia de limpeza

8 – Cercamento da parte de cima

9 – Roda de Conversa com a comunidade

10 – Café de Aniversário – Um Ano da Horta

11 – Vista da rua de baixo, em frente à Creche

7

8

9

10

11

12

214

13 12

13

14

15

12 – Imagem do Banner produzido a partir

de Roda de Conversa com a Comunidade

13 – Vista de baixo para cima

14 – Horta anexa criada pela moradora que

se desligou do grupo gestor da Horta

15 – Vista da Cidade, a partir da Horta

215

Feira da UFMG

Feira Terra Viva

16 17

18

19

20

21

16 e 17 – Circulação na Feira da UFMG

18 – Feirantes da Feira Terra Viva

19 – Feirante da Feira Terra Viva

20 – Roots Ativa na Feira Terra Viva

21 – Exposição de produtos na Terra Viva

216

Fábrica de Hortas – A Horta da Cidade

22

23

24

25

22 – Compostagem na Fábrica de Hortas

23 e 24 – Canteiros na Fábrica de Hortas

25 – Parceria com produtor de cogumelos

217

BeGreen Boulevard

26 – Produtos da Loja BeGreen

27 – Imagem externa da Casa Horta

28 – área de Convivência e Eventos da BeGreen

29 – Produção aquapônica da BeGreen

26

27

28

29

218

ANEXO A

Participação da atividade agropecuária no PIB e nos empregos da RMBH

219

Fonte: PIB dos municípios IBGE (2012); RAIS TEM (2012); Almeida (2016)