Eclipse Da Autonomia

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Texto do Guido.

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  • Eclipse da Autonomia: o olhar de Nelson Werneck Sodr sobre a subordinao do desenvolvimento brasileiro internacionalizao do capital (1951-1968)1

    Fbio Antonio de Campos Doutorando em Economia Aplicada rea de Histria Econmica (Instituto de Economia -

    UNICAMP), bolsista da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo FAPESP.

    [email protected].

    Resumo

    O presente artigo tem por objetivo mostrar como a tentativa de se constituir uma autonomia no desenvolvimento brasileiro foi eclipsada pela influncia do capital internacional segundo o olhar de Nelson Werneck Sodr. Para tanto, ressaltamos logo na introduo como este tema esteve amplamente colocado pela vertente crtica ao capital internacional, para a qual o autor em questo assumiu um papel proeminente. J na segunda parte, procuramos traar sinteticamente o instrumental terico de Sodr que concebeu um padro de desenvolvimento autnomo para paises subdesenvolvidos como o Brasil, assim como os constrangimentos que a internacionalizao do capital pde acarretar a tal fim. Na terceira parte, demonstramos o processo histrico entre 1951 e 1968 que compreendeu a maior aproximao deste tipo de desenvolvimento autnomo pensado por Sodr, particularmente com o segundo Vargas e, seu abandono posterior ante a descontinuidade na relao do Estado nacional e o capital estrangeiro, em que se estabeleceu com o Governo Kubitschek e intensificou-se durante o regime militar. Por ltimo, traamos algumas consideraes guisa de eventuais concluses.

    Palavras-chave: Nelson Werneck Sodr, autonomia econmica, internacionalizao do capital, Governo Vargas, capital estrangeiro.

    1. Introduo

    A inteno do nosso trabalho caracterizar o papel do capital internacional no

    Brasil entre 1951 e 1968, segundo a viso de Nelson Werneck Sodr, tendo como eixo

    bsico de anlise a lgica interna dos conceitos tratados por ele durante este processo de

    internacionalizao brasileira por um lado, bem como a qualificao dos diferentes

    governos nacionais do perodo em particular o do segundo Vargas , demonstrando

    como em 1954 se estabeleceu uma ruptura fundamental no capitalismo nacional que

    viria eclipsar a suposta autonomia na qual a poltica de conciliao varguista tentou se 1 Este trabalho uma verso modificada de parte do captulo 3 de minha dissertao de mestrado, com apoio da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo FAPESP, Fbio Antonio de Campos, Estratgias de desenvolvimento nacional: o papel do capital estrangeiro entre o segundo Governo Vargas e o Governo Castelo Branco (1951-1966). Campinas, 2003. Dissertao (Mestrado) Instituto de Economia Universidade Estadual de Campinas.

    1

  • assentar por outro lado. Longe de resgatar o debate em torno das polmicas teses

    werneckianas sobre a revoluo brasileira, a questo agrria, ou o tipo de imperialismo

    que acometeu o subdesenvolvimento brasileiro para este perodo2, apenas pontuaremos

    nesta introduo o contexto intelectual que sustentou a viso crtica

    internacionalizao da economia brasileira para os anos 50 e, que ao ser contempornea

    ao autor, nos permiti recuperar certas linhas de tenso dentre alguns de seus

    argumentos.

    Isso porque, tal vertente em que Sodr est inserido, tem fortes restries ao

    investimento direto estrangeiro, o aceitando apenas sobre rgido controle cambial, com

    preferncia ao financiamento de longo prazo. Tais autores so adeptos de um projeto de

    desenvolvimento antiimperialista e, portanto, autnomo em relao aos interesses

    externos. Tambm comungam da idia de preparao do pas para atingir o socialismo,

    assim apresentam vinculao com as correntes marxistas e agremiaes de esquerda

    como o Partido Comunista Brasileiro (PCB). O tipo de industrializao almejado por

    eles requer total independncia dos mercados internos mediante a planificao estatal da

    economia, assim como a reforma agrria e a intensificao da distribuio de renda,

    como forma de suplantar nveis inferiores de reproduo material da sociedade em

    pases de origem colonial3.

    Um dos autores mais influentes deste tipo abordagem, com grande proximidade

    do PCB, alm de ter sido intelectual ativo no Instituto Superior de Estudos Brasileiros

    (ISEB), o prprio Nelson Werneck Sodr. A incompatibilidade estrutural do

    desenvolvimento econmico calcado na associao com o capital estrangeiro revelou,

    segundo o autor, vrios aspectos nocivos para pases subdesenvolvidos, dentre eles,

    estiveram a aliana nacional das elites neocoloniais com o imperialismo, priorizando

    apenas seus ganhos imediatos, o papel desvantajoso da internacionalizao produtiva da

    economia brasileira, dado o negativo impacto do capital estrangeiro no balano de

    pagamentos, ou mesmo sua crescente centralizao, atravs das conglomeraes e

    desnacionalizaes, em que colocou a economia brasileira a merc da dependncia

    financeira e tecnolgica do centro capitalista4.

    2 Tal balano foi realizado de forma sistematizada por Joo Quartim de Moraes, Nelson Werneck Sodr: a fundamentao marxista do programa nacional-democrtico. In: Marcus Silva (org.), Nelson Werneck Sodr na historiografia brasileira. Bauru, SP, Edusc, So Paulo, SP, Fapesp, 2001. 3 Para maiores esclarecimentos sobre esta vertente ver Ricardo Bielschowsky, Pensamento econmico brasileiro: o ciclo ideolgico do desenvolvimento. 4.ed. Rio de Janeiro, Contratempo, 2000 e Guido Mantega, A Economia poltica brasileira. Rio de Janeiro, Vozes, 1984. 4 Nelson Werneck Sodr, Formao histrica do Brasil. 4.ed. So Paulo, Editora Brasiliense, 1967a, p. 374.

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  • A possibilidade de se ter estabelecido no pas um desenvolvimento autnomo e

    livre de todas estas restries, alm de se ter imposto uma disciplina rgida s empresas

    e corporaes estrangeiras que residiam aqui h dcadas, s foi vislumbrada, segundo a

    anlise werneckiana, pela poca de Vargas5. No entanto, tal autonomia teria sido

    eclipsada em 1954 diante do seu suicdio quando se encerrou uma poltica de

    desenvolvimento soberana. Diante disso, os Governos Caf Filho e JK inauguraram um

    modelo antinacional de desenvolvimento que se submeteu deliberadamente ao

    imperialismo6. Com Goulart, tardiamente, segundo o autor, ainda se tentaria ressuscitar

    a poltica de conciliao perdida em 1954, mas o modelo de subordinao ao capital

    internacional, que foi constitudo j com Juscelino Kubitschek, seria levado s ultimas

    conseqncias depois do Golpe de 64, impedindo de firmar-se qualquer poltica

    democrtica que pudesse levar adiante uma genuna revoluo burguesa, em aliana

    com as classes populares7.

    Em uma linha interpretativa oposta idia de ter sido derrotado um projeto de

    revoluo burgus-democrtico, Caio Prado Jr. observou um desenvolvimento brasileiro

    associado e subordinado ao imperialismo, sem nunca ter tido o grau de autonomia que

    Sodr depositou na poca de Vargas. Para ele, jamais houve uma estratgia

    independente, visto que desde do perodo colonial o Brasil sempre esteve submetido ao

    sentido externo, em que nos anos 30 at a ditadura militar, apenas se redefiniu uma

    situao de dependncia em relao ao capital estrangeiro que j vinha de longo prazo,

    que se expressava em sua totalidade pelo Estado brasileiro submetido aos ditames do

    imperialismo8. Alm disso, de maneira crtica ao programa do PCB, Prado Jr, fez

    questo de mostrar que nunca houve uma burguesia nacional que pudesse libertar a

    nao de sua secular espoliao imperialista, pois todos os governos nacionais

    republicanos, de 1930 at o golpe, apenas legitimaram interesses da elite, distantes das

    reais necessidades sociais do pas atravs do capitalismo burocrtico9. A nica chance

    de atenuar tamanho entreguismo, s seria possvel com um rgido controle das

    remessas de lucro, que alm de Caio Prado Jr.10, outros autores desta mesma vertente

    crtica ao capital internacional, ligados principalmente aos peridicos Estudos Sociais e

    5 Nelson Werneck Sodr, Capitalismo e revoluo burguesa no Brasil. 2.ed. Rio de Janeiro, Grafia, 1997. 6 Nelson Werneck Sodr, op. cit. 7 Idem, ibidem. 8 Caio Prado Jr., A Revoluo brasileira. 7.ed. So Paulo, Brasiliense, 1999. 9 Caio Prado Jr., A Revoluo brasileira, cit.. 10 Caio Prado Jr., O Projeto de Lei de Remessa de Lucros. Revista Brasiliense, So Paulo, n.41, 1962; Caio Prado Jr., A Remessa de lucros e a libertao econmica do Brasil. Revista Brasiliense, So Paulo, n.39, 1962.

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  • Revista Brasiliense, acreditaram representar antes da Lei 4.131 de 1962. Dentre eles,

    destacou-se Elias Chaves Neto11, que viu no capital estrangeiro um cruel meio de

    explorao de nossas reservas naturais, alm de impor uma industrializao

    desvinculada do capital nacional e demandante de mo-de-obra barata.

    Embora Caio Prado Jr. tivesse grande influncia intelectual ao criticar o

    programa de revoluo burgus-democrtico da esquerda, a convergncia desta vertente

    crtica internacionalizao com as posies de Nelson Werneck Sodr se estabeleceu

    intensamente com autores ligados ao PCB, como foi o caso de Aristteles Moura12, que

    atravs de um amplo estudo, concluiu que o carter negativo da concentrao e

    centralizao de capitais se apresentava nos reinvestimentos de lucro e na

    desnacionalizao que o recurso externo promovia. Ademais, ele tambm se

    aproximava das teses werneckianas, ao demonstrar que o saldo negativo no balano de

    pagamentos estava influenciado por fraudes de transferncia de renda das filiais, como

    subfaturamento de exportaes e superfaturamento de importaes. Moura, ainda notou,

    o lado perverso dos emprstimos e financiamentos, sobretudo dos EUA, que enquadrava

    os pases subdesenvolvidos sua esfera de poder atravs das finanas pblicas, por isso

    defendia a captao de recursos soviticos13. Esta argumentao j tinha sido enunciada

    por Jacob Gorender, ao fazer um ataque frontal ao do FMI sobre as economias

    subdesenvolvidas14. Autores, como Paulo Alves Pinto15, Gilberto Paim16, J. R.

    Vasconcellos17, colocaram tambm estes problemas, alm de conjuntamente,

    reivindicarem um Cdigo de Investimentos, que seria incorporado parcialmente Lei

    de Remessas de Lucro de 196218.

    Dessa forma, a questo autonomia versus capital estrangeiro estava na ordem do

    dia destas discusses, as quais projetavam um padro de desenvolvimento econmico

    livre das peias do imperialismo, onde intelectuais verdadeiramente de esquerda como

    11 Elias Chaves Neto, O Capital estrangeiro. Revista Brasiliense, So Paulo, 1955. 12 Aristteles Moura, Capitais Estrangeiros. 2.ed. So Paulo, Brasiliense, 1960. 13 Aristteles Moura, Capitais estrangeiros emprstimos ou empresas. Revista Brasiliense, n.22, mar/abr, 1959; Aristteles Moura, Notas sobre o imperialismo no Brasil: emprstimos e empresas estrangeiras. Estudos Sociais, So Paulo, v.1, n.17, junho, 1963. 14 Jacob Gorender, A Espoliao do povo brasileiro pela finana internacional. Estudos Sociais, n.6, mai/set, 1959. 15 Paulo Alves Pinto, Aspectos da penetrao imperialista no Brasil. Revista Brasiliense, n.5, mai/jun, 1956. 16 Gilberto Paim, Uma Pesquisa sobre as empresas do capital estrangeiro. Estudos Sociais, n.7, maro, 1960. 17 J. R. Vasconcellos, A Luta contra o subdesenvolvimento luta contra o imperialismo. Revista Brasiliense, n.27, jan/fev, 1960. 18 Segundo Zacarias Carvalho, Capitais estrangeiros no Brasil. Revista Brasiliense, n.12, jul/ago, 1957, os principais pontos deste cdigo eram os seguintes: 1)- Prioridade para o capital nacional; 2)- Subordinao do capital estrangeiro ao desenvolvimento; 3)- Proteo dos setores de base; 4)- Associao minoritria com o capital nacional; 5)- Seleo de investimentos conforme rgidos critrios de aplicao; 6)- Disciplina s remessas em geral; 7)- Proibio de participao estrangeira no setor bancrio; 8)- Preferncia aos emprstimos; 9)- Preferncia de aplicao em reas geogrficas atrasadas; 10)- Interveno estatal nas multinacionais quando necessrio.

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  • Sodr e estes outros citados, tinham por objetivo reverter o longo processo de

    dependncia brasileira. Todavia, algo se perdeu neste momento, diante das prprias

    opes de desenvolvimento subordinadas internacionalizao do capital. A tentativa

    de desobscurecer esta questo nos coloca, a seguir, diante do olhar atento de Nelson

    Werneck Sodr, para o qual ruma-se em uma linha conceitual crtica ao papel do capital

    estrangeiro em economias subdesenvolvidas como a do Brasil e, por assim dizer nos

    oferece sua lente histrica para visualizarmos o eclipse da autonomia nacional, em

    momentos obscuros como aqueles que resultou a queda de Getlio Vargas em 1954.

    2. Conceitos de desenvolvimento e capital estrangeiro

    A fim de conceber o significado da perda de autonomia nas decises internas

    ante as vicissitudes da internacionalizao do capital, precisamos entender tanto o tipo

    de desenvolvimento econmico e social que Sodr pensou para o pas, quanto as

    restries estruturais que o capital internacional imps a tal fim. No obstante, a noo

    de desenvolvimento econmico, para o autor, inscreve-se necessariamente em um

    projeto de revoluo burguesa, no qual a orientao deve estar pautada pela ao do

    Estado, cujo papel articular as foras produtivas internas, arregimentadas no

    planejamento estatal da economia, e as necessidades de suplantar nveis inferiores de

    reproduo material da sociedade. Os instrumentos para alcanar esse objetivo seriam:

    1)- Interveno pblica a forma necessria de transposio dos limites estruturais

    que impedem a consolidao das foras produtivas internas, e que constrangem as bases

    autnomas realizao da industrializao pesada, sob a liderana do capital nacional19;

    2)- Autonomia dos organismos nacionais refere-se ruptura dos laos que unem a

    condio subordinada da economia subdesenvolvida ao mercado internacional e do

    padro internacionalizado de produo; 3)- Dinamizao do mercado interno deve-se

    priorizar a indstria de bens de produo que, ao impor a dinmica de acumulao

    interna, condiciona os outros departamentos da economia a interagirem com as

    necessidades do mercado nacional, ao mesmo tempo em que sustenta as bases

    produtivas para a expanso da economia como um todo. 4)- Padro de financiamento

    autnomo faz-se pela exigncia de uma slida institucionalidade creditcia para

    financiar a industrializao, mesmo que emergencialmente se deva recorrer ajuda

    externa.

    19 Nelson Werneck Sodr, Formao histrica do Brasil, cit., p. 374.

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  • De acordo com esse modo de o autor conceber o desenvolvimento capitalista

    para pases de origem colonial como o Brasil, o capital internacional no tem funo

    pr-estabelecida, uma vez que no aparece como o instrumento fundamental de

    intensificao das foras produtivas internas mediante importao de tecnologia, nem

    como parceiro estratgico na superao das barreiras estruturais que poderiam conduzir

    modernizao do mercado interno. Isto posto, o autor explica o papel do capital

    estrangeiro em um pas subdesenvolvido como o Brasil da seguinte forma: 1)- O capital

    internacional significa um elo entre as estratgias de expanso das potncias

    imperialistas em pases perifricos e a busca da manuteno do poder interno pelas

    elites neocoloniais, que as auxiliaria na valorizao externa de seus principais produtos

    de exportao; 2)- Ele tambm se mostra como um instrumento especfico de

    acumulao imperialista, que busca aproveitar-se de contextos histricos determinados

    para auferir a melhor ttica de explorao, seja ela via comrcio internacional ou

    investimentos de risco20; 3)- Se a ttica utilizada for investimentos, isso exige

    expressivas somas de moeda do pas de origem para exportar os lucros das empresas

    transnacionais, o que se consubstancia na garantia permanente de condies cambiais

    para suas remessas, ou seja, qualquer interrupo nos meios de pagamento externo deve

    ser revertida atravs do aumento das exportaes e/ou captao de emprstimos

    compensatrios21. 4)- Por fim, o investimento direto estrangeiro passaria a ser a forma

    preferencial utilizada pelo imperialismo, porque, ao ingressar no pas hospedeiro, ele

    no pra de aumentar conforme aumenta o capital da empresa. Em um curto espao de

    tempo, pequenas empresas formam grandes conglomeraes, as quais legitimam a

    centralizao do capital utilizando o poder conquistado para efetivar a

    desnacionalizao das empresas nativas.

    3. Descontinuidades no desenvolvimento entre Vargas e o limiar do regime militar

    A possibilidade concreta de ter ensejado um desenvolvimento sobrepujante aos

    interesses do capital internacional sem essas limitaes descritas acima ocorreu

    durante o perodo que Sodr denominou poca de Vargas (primeiro e segundo

    20 Nelson Werneck Sodr, Histria da burguesia brasileira. 2.ed. Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1967b, p. 322. 21 Segundo Sodr, Histria da burguesia brasileira, cit, p. 343, os capitais estrangeiros que se instalam em pases como o Brasil no se integram na economia desses pases, pelas suas prprias caractersticas. Eles no consideram lucro o que que pode ser representado em moeda do pas onde so investidos, mas to somente o que ou pode ser representado em moeda do pas de origem, e , assim, a possibilidade de remeter lucros e mobilizar por esse meio dos seus haveres internacionalmente a conciliao essencial de inverso. Por isso que so estrangeiros, e no pela sua condio de origem nacional.

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  • Governo Vargas 1930-1945 e 1951-1954), poca em que o pas vislumbrou a

    oportunidade de manter uma certa independncia no desenvolvimento econmico ante

    os interesses imperialistas. Nessa estratgia varguista, de consolidar as bases autnomas

    do desenvolvimento capitalista brasileiro, o autor destacou alguns dos instrumentos

    institucionais ou realizaes importantes que sustentavam sua crena: 1)- Estratgia de

    desenvolvimento durante a Segunda Guerra Mundial destaque para a captao de

    financiamentos externos com intuito de efetivar a construo da Companhia Siderrgica

    Nacional, que denotaria um estilo de barganhar de Vargas, extremamente preocupado

    com as razes internas, com vistas a aproveitar as condies externas que se colocavam

    pelo deslocamento do apoio brasileiro s foras do eixo (liderado pela Alemanha) para

    os aliados (liderado pelos EUA); 2)- Instruo n 70 da Sumoc (09/10/1953) esse

    expediente legal, dentro dos parmetros contraditrios da poltica econmica seguida

    por Vargas, foi um extraordinrio esforo para enquadrar o desenvolvimento da

    burguesia brasileira em termos de conciliao com o imperialismo22; 3)- A construo

    das empresas estatais como a Petrobrs e o projeto da Eletrobrs o esforo para

    implementao das indstrias de base na economia brasileira sob o monoplio estatal

    indicava a direo autrquica que Vargas pretendia impor constituio do capitalismo

    nacional.

    O ano de 1954 (suicdio de Getlio Vargas) marcaria uma ruptura nesse tipo de

    relao entre o Estado brasileiro e o capital internacional, uma vez que a burguesia

    nacional preferiu conciliar a alavanca do ncleo do capitalismo estatal como uma

    forma de capitalismo estatal monopolista, sob controle de foras conservadoras internas

    e das foras neocolonialistas externas23. Esse perodo foi definido como o

    desenvolvimentismo, resultado do Plano de Metas do Governo Kubitschek, sendo, em

    ltima instncia, o preldio para o Golpe de 1964 e, conseqentemente, a implantao

    do modelo brasileiro de desenvolvimento em 1968. Nota-se nessa periodizao que

    Sodr preocupou-se em demonstr-la sempre partindo das classes sociais, enfatizando a

    conquista poltica da classe burguesa lastreada por sua hegemonia econmica a partir de

    1930, alm de indicar as diversas intensidades da presena do imperialismo no Brasil. O

    autor tambm procura contrapor burguesia nacional e imperialismo ao papel

    22 A conciliao estaria presente em algumas de suas medidas, como a referida Instruo n 70, que foi o exemplo mais explcito desse processo. Ela ofereceu o cmbio de custo, em que o governo fixava para as operaes consideradas estratgicas e essenciais a taxa de cmbio. O governo no lucrava, pois as divisas eram vendidas a preo de custo. Tal procedimento institucional constituiu uma poltica de desenvolvimento, visto que auxiliou enormemente a formao do capital fixo das empresas. 23 Nelson Werneck Sodr, Capitalismo e revoluo burguesa no Brasil, cit., p. 88.

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  • desempenhado pelas foras conservadoras internas, oriundas dos tempos coloniais no

    Brasil, que se revelaram como um empecilho realizao da revoluo burguesa, uma

    vez que fizeram de tudo para manter as caractersticas semifeudais no pas.

    Tal processo teve incio com os capitais estrangeiros desarticulando a poltica

    de conciliao do segundo Vargas, uma vez que se tornou insustentvel manter o tcito

    acordo entre imperialismo e burguesia nacional. Com o advento do anticomunismo, o

    imperialismo se aproveitou do uso dos investimentos aliengenas, e absorveu parte dos

    recursos naturais do Brasil para alm de suas fronteiras. Segundo Sodr, tal espoliao

    foi revelada com os explosivos discursos de Vargas sobre as fraudes dos emprstimos

    e das remessas de lucro. Esses discursos denunciaram um Presidente da Repblica

    tentando se livrar das contradies iniciais do seu governo, mas que ao abandonar a

    poltica de conciliao, em 1953, viu-se enfraquecido e totalmente isolado

    politicamente, restando apenas a fixao de sua imagem. Para ele, tais aes

    significaram um libelo de alta responsabilidade para seu cargo. O erro de Vargas para

    Sodr foi o de no se articular com foras capazes de apoiar tal libelo, reivindicando a

    questo nacional24. Vargas no seguiu esse caminho e se viu sem base poltica perante

    as denncias, que estavam embasadas em elementos nacionalistas, porm

    desarticulados. Assim, foi inevitvel o seu isolamento, bem como o ambiente emocional

    que veio a desencadear o suicdio. O historiador tambm analisou as denncias de

    Vargas como uma atitude audaz e arriscada, com afoiteza, tpica de um presidente

    sem fora poltica, sob ameaa sria de fugir dos seus adversrios, no caso inimigos

    mesmo. Tais pronunciamentos, dos mais veementes que j se fez, no Brasil, contra o

    imperialismo, assinalam, ao que parece, o deliberado propsito de jogar uma carta

    decisiva25. As verdades presentes em seu discurso tinham a fora de atear fogo

    para despertar as mais recnditas energias nacionais, de mobilizar o povo. No entanto,

    isso no aconteceu, pois os discursos no influam nas foras populares, eles no tinham

    respaldo, ele estava s.

    A intensificao dos conflitos polticos em torno do Governo Vargas, fato que

    desencadeou o seu suicdio, promoveu uma descontinuidade no capitalismo brasileiro:

    em 1954, com o suicdio de Vargas, portanto, no morre apenas um homem,

    personalidade destacada da vida pblica brasileira, finda uma poltica26. Essa

    24 Sodr, Capitalismo e revoluo burguesa no Brasil, cit., p. 161 25 Idem, ibidem. 26 Sodr, Capitalismo e revoluo burguesa no Brasil, cit., p. 117, analisou o suicdio de Vargas como sendo o momento em que as foras do atraso no Brasil chegavam novamente ao poder. O Governo de Caf Filho, que as

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  • poltica foi iniciada em 1930, passou por um breve abandono no Governo Dutra, e foi

    retomada em condies difceis e adversas no segundo Vargas. O autor destacou o fim

    dessa estratgia da poca de Vargas como sendo uma nova etapa iniciada com o

    suicdio propriamente dito, passando pelo breve Governo de Caf Filho, desenvolvendo-

    se com os Governos Kubitschek e Jnio Quadros, e chegando ao auge com a ditadura

    militar.

    Nesse sentido, o Governo Kubitschek representou para o historiador um

    distanciamento com relao s polticas nacionalistas anteriores, deixando a marca de

    um perodo antpoda do perodo Vargas, sendo uma fase de transio em que buscou,

    de maneira determinada, gerar um modelo antinacional de desenvolvimento27. Essa

    descontinuidade entre JK e Vargas teria eclipsado o desenvolvimento nacional, em que

    pode ser sintetizada nos seguintes termos por Sodr: 1)- Supresso da autonomia estatal

    no desenvolvimento industrial at o segundo Vargas, o pas tinha um capitalismo

    monopolista de Estado que impulsionava o desenvolvimento das foras produtivas,

    alm de possuir elementos de estmulo institucional dinamizao industrial, uma vez

    que a rea estatal da economia funcionava como componente nacional dessa mesma

    economia, resistindo ao componente imperialista. A partir de JK, essa forma de integrar

    o Estado mudou, porque se utilizou do capitalismo monopolista nacional para cumprir

    absolutamente as finalidades da explorao imperialista; 2)- A mudana de eixo no

    comando interno da economia o desenvolvimentismo de Kubitschek foi composto

    de foras formadas principalmente pelos setores ligados ao imperialismo, tendo suas

    bases polticas no latifndio, diferentemente do segundo Vargas, que privilegiava a ao

    estatal em consonncia com um projeto de revoluo tipicamente burguesa; 3)- A

    internacionalizao produtiva da economia como pressuposto fundamental do Plano de

    Metas significou uma opo deliberada ao imperialismo, uma vez que o Plano de

    representava, rapidamente instaurou algumas medidas antivarguistas, e, portanto, antinacionalistas. Dentre elas, esteve a famosa Instruo n 113 da SUMOC, que daria o aval cambial para a intensa e sbita penetrao de investimentos estrangeiros no Brasil. Ela regulamentava a concesso de licenas para importao de equipamentos e instalaes, sem cobertura cambial, em que seriam favorecidos apenas aqueles setores que tivessem ligado aos investimentos e financiamentos estrangeiros. Segundo Sodr, Formao histrica do Brasil, cit., p. 388, outras medidas de carter subalterno tambm foram enunciadas, como marcas inconfundveis da ruptura estratgica que se processou no capitalismo brasileiro em 1955: O projeto da Eletrobrs foi travado; os gios para a importao de leo bruto foram aumentados, reduzidos para a importao de derivados, levando ao aumento do preo da gasolina (...), os monoplios invadiram o corpo de transporte areo, pelo controle de empresa de destacada importncia; financiaram-se, em clandestinidade, os rgidos acordos atmicos de 31 de agosto de 1955, que motivaram, adiante, escandaloso inqurito parlamentar. Tentaram ir muito alm: a destruio da Petrobrs, quando encontraram a resistncia de opinio generalizadora do pas e fracassaram no fundamental, que era a instaurao de um regime de fora, sendo compelidos realizao de um pleito, para depois da conquista do poder e obrigados a aceitar o da sucesso presidencial, no final do mandato esprio. 27 Sodr, Capitalismo e revoluo burguesa no Brasil, cit., p. 94.

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  • Metas se assentou fundamentalmente na entrada macia de investimentos estrangeiros,

    fortemente subsidiados pelo Estado28; 4)- A diferena no modo de conceber o

    nacionalismo da economia enquanto para Vargas o nacionalismo da economia se

    estruturava em um Estado nacional que almejava ser o empresrio capitalista mais

    poderoso, cuja fora poderia alavancar um desenvolvimento industrial autnomo, para

    JK, o capital nacional, fosse ele estatal ou privado, possua seu poder justamente em

    fortalecer a economia nacional pela capacidade de criar um desenvolvimento capitalista

    a partir da associao com o capital internacional.

    O Governo Jango, no que se referiu ao papel do capital estrangeiro no

    desenvolvimento nacional, tentou restabelecer os laos perdidos da poltica de

    conciliao no segundo Governo Vargas. Sodr observou esse cenrio poltico como a

    chance de a burguesia nacional, ao lado do povo, restaurar o processo de revoluo

    burguesa e, ao mesmo tempo, intensificar as aes antiimperiais29. Assim, de um lado,

    lanou-se a Lei de Remessas de Lucro, que inibia as remessas de rendimentos para o

    exterior e o controle entrada de capitais estrangeiros, alm de tentar prorrogar o prazo

    da dvida externa. De outro, buscou-se efetivar as chamadas Reformas de Base que,

    alm de serem um forte instrumento de reivindicaes sociais, eram igualmente uma

    forma de barrar o avano imperialista, e com isso controlar os movimentos de capitais

    estrangeiros no pas.

    Mas o renascimento da trajetria revolucionria tornou-se refm dos prprios

    acasos da histria, uma vez que o Golpe de 64 veio justamente barrar qualquer tentativa

    organizada de oposio aos interesses do capital internacional. Para Sodr, o sentido

    desse acontecimento teve origem em um longo processo de amadurecimento que veio

    desde Caf Filho; a suposta tentativa de golpe durante o fim desse governo foi apenas

    transferida para 1964, graas ao suicdio de Vargas, que impediu as foras

    conservadoras de aplicarem a ditadura j em 1955. Portanto, o instrumento do golpe foi

    28 Em uma passagem, Sodr, Histria da burguesia brasileira, cit., p. 333, concebeu o Plano de Metas como sendo o mais completo, organizado e metdico plano de entrega dos recursos naturais e do mercado nacional ao imperialismo. 29 Embora, como to bem demonstrou Caio Navarro de Toledo, Nacionalismo e ISEB em Nelson Werneck Sodr. In: Marcus Silva (org.), Nelson Werneck Sodr na historiografia brasileira. Bauru, SP, Edusc, So Paulo, SP, Fapesp, 2001, p. 52, nas anlises do PCB e de seus intelectuais, no se deixavam tambm de reconhecer a possibilidade da burguesia brasileira assumir um comportamento poltico vacilante e conciliador. De um lado, acossada pelo imperialismo, era atrada para se acomodar como scia minoritria do capital estrangeiro; de outro, reconhecendo as vantagens de um desenvolvimento industrial onde poderia deter a hegemonia, via-se, no entanto ameaada pelo avano do proletariado em virtude de suas reivindicaes por crescentes reformas estruturais.

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  • adiado, mas no abandonado, visto que esteve em gestao durante os Governos

    Kubitschek e Jnio Quadros30.

    A concluso de Sodr contrariou algumas teses sobre a origem da ditadura

    militar, principalmente as que analisaram o golpe como tendo sido a ruptura

    fundamental na estratgia do capitalismo brasileiro. Para o autor, esse processo teve

    incio muito antes de 1964, dez anos pelo menos, em 1954, com o suicdio de Vargas.

    Em outras palavras, o marco da ruptura fundamental, na qual a autonomia do

    desenvolvimento brasileiro foi eclipsada pela internacionalizao produtiva do capital,

    originando uma aliana subordinada a um novo padro imperialista no nasceu com o

    Golpe de 64, (diferentemente do plano poltico, que desfez a democracia pela imposio

    autoritria, marcando claramente uma inflexo), mas, sim, com o suicdio de Vargas,

    que simbolizou o abandono de uma poltica e a mudana de eixo no desenvolvimento,

    quando o projeto de revoluo brasileira foi abandonado31.

    4. Consideraes finais

    Em suma, o que emerge a prpria autonomia do capital internacional diante do

    Estado brasileiro, que foi vista por Nelson Werneck Sodr, entre o segundo Vargas e o

    incio do regime militar, com diferentes nuances e ponderaes: 1)- poca de Vargas

    composta por dois governos, o da Revoluo de 30 ao Estado Novo, e o Governo

    Democrtico (separados apenas pelo interregno conservador de Dutra), foi

    caracterizada pela aliana entre o Estado e a burguesia nacional que, atravs da

    utilizao do planejamento (atos de vontade), teria encaminhado o desenvolvimento

    autnomo do capitalismo nacional, conseguindo imprimir uma certa conciliao

    30 Sodr, Capitalismo e revoluo burguesa no Brasil, p. 123, procurou discorrer sobre os fatos de 1964 a partir da tentativa de Golpe de 1955, utilizando-se do seguinte comentrio: Em trs semanas, de 5 a 24 de agosto, com a cruzada da imprensa e do rdio, na maior campanha de informao que o pas conheceu em todos os tempos criou-se o clima que levaria sua deposio [Vargas], praticamente decidida. Foi quando ele gerou a reverso do processo, com a trgica e espetacular deciso de por em termo vida. O que a reao pretendia, em agosto de 1954, era justamente o que viria a alcanar, dez anos depois, em abril de 64: a derrocada do regime democrtico e a capitulao da burguesia brasileira. A denncia formulada por Vargas, em sua carta testamento, com tom extraordinrio, era que a tragdia do suicdio encantou todo mundo, criou as condies para um movimento de massas que impediu a reao de aprofundar o Golpe, levando-o s ltimas conseqncias. 31 Durante todo o perodo entre os anos de 1955 a 1966, o capital estrangeiro serviu como o instrumento tcnico e especfico do imperialismo, porque proporcionava a submisso do desenvolvimento nacional acumulao ampliada do capital, bloqueando os caminhos para finalizar a revoluo burguesa iniciada nos anos 30. A submisso, realizada pelo Governo JK, segundo Sodr, Capitalismo e revoluo burguesa no Brasil, cit., p. 129, funcionou at mesmo como um modelo nacional, mas que sempre esteve infectado por uma anomalia. Esta foi derivada das condies exgenas, de imposio do imperialismo, que tinha o fenmeno do surgimento do capitalismo monopolista de Estado, inteiramente em defasagem com o desenvolvimento natural e endgeno da economia do pas. Depois do Golpe de 64, essa anomalia atingiu as empresas estatais como a CSN, Petrobrs e Eletrobrs, que comearam a sofrer problemas administrativos, apresentando prejuzos. Elas, sem se comprometerem com os interesses nacionais, foram o reflexo de um capitalismo monopolista de Estado estranho, que operava em favor do imperialismo.

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  • independente com o imperialismo. 2)- A subordinao de Caf Filho, JK e Jnio

    Quadros ao imperialismo com o suicdio de Vargas, o imperialismo reconquistou sua

    autonomia perdida em 1930, dispondo de apoios institucionais e parcerias estratgicas

    com o Estado brasileiro, cuja maneira de conduzir a economia nacional contribuiu para

    a livre ao do capital estrangeiro; 3)- A tentativa de resgate da poca de Vargas

    durante o perodo de Joo Goulart, o pas teve a chance de restaurar sua condio

    autnoma em relao ao capital internacional, tentando ressuscitar a poltica de

    conciliao de Vargas; 4) A subordinao autoritria ao imperialismo unio da

    burguesia nacional com as foras conservadoras, a fim de processar uma etapa que

    comeou com o Governo Kubitschek e intensificou-se com o Golpe de 1964, quando o

    capital internacional conquistou definitivamente sua liberdade no territrio brasileiro32.

    Partindo desse enquadramento analtico em que o autor classificou os governos

    nacionais entre 1951 e 1968, e sua relao especfica com o capital internacional,

    observamos claramente a ruptura entre Kubitschek e Vargas, e a continuidade posterior

    com o Golpe Militar de 64. Tal maneira de interpretar a internacionalizao da

    economia desse perodo invoca necessariamente o papel da burguesia nacional33, o que

    possibilita delimitar os avanos e recuos na realizao da revoluo brasileira. O Estado

    assume o papel de grande lder no processo, no qual se identifica seu poder: pelo fronte

    externo, atravs da interao estratgica com a poltica externa e o capital internacional,

    e pelo fronte interno, mediante sua capacidade de impor a necessidade de um projeto de

    capitalismo para a burguesia nacional, em discordncia com os setores

    agroexportadores.

    Para Sodr, a noo de eclipse da autonomia do desenvolvimento brasileiro

    diante da internacionalizao do capital, estaria, portanto, pautada pela dinmica que

    32 A continuidade entre a ditadura militar e o Governo JK no que se referiu o papel do capital estrangeiro na economia nacional, analisada por Sodr, Capitalismo e revoluo burguesa no Brasil, cit., p. 144, da seguinte forma: O regime instaurado em 1964 e completado em 1968, resultante de uma composio de foras que isolou e derrotou politicamente as foras populares, para s depois se impor pelo uso das armas e da violncia policial repressiva, articular o controle do poder pela absoluta submisso ao imperialismo. Esse regime levou s ltimas conseqncias a orientao estabelecida no perodo Kubitschek, recebendo a macia entrada de capitais estrangeiros e a sada macia de seus lucros, como a cesso das riquezas minerais mais importantes e o crescimento acelerado do endividamento externo, para dar a essas deformaes dimenses historicamente inditas. 33 A definio de burguesia nacional para Sodr tem implicaes de ordem semntica. Isso porque a preciso do seu significado decorre do fato de que a burguesia nacional para o autor no toda ela, mas sim aquela frao de classe que segue um projeto de capitalismo autnomo e democrtico. Os demais setores burgueses nacionais, e, portanto, contrrios a esse projeto, no so e nem fazem parte do termo que Sodr emprega para qualificar sua anlise histrica. Nesse sentido, o equvoco do PCB foi crer que esse setor de classe fosse muito poderoso e pudesse enfrentar indefinidamente os golpes do bloco neocolonial, mesmo tornando-se a espinha dorsal da resistncia ditadura. Alm disso, esta questo nos remete a uma teoria similar descrita por Gramsci, em que se baseia na noo de movimento dos blocos histricos, onde o bloco da revoluo brasileira seria constitudo em parte por aquela burguesia nacional, entendida por Sodr alm dos setores de outras classes.

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  • incide nas correlaes de foras das elites econmicas (Estado, burguesia nacional, elite

    agroexportadora e capital internacional) atravs de diversas estratgias de

    desenvolvimento capitalista que emanam dos prprios interesses classistas e suas

    fraes. Assim, o padro de desenvolvimento industrializante formulado pelo Estado e

    assumido pela burguesia nacional, que pode ser independente ou subordinada aos

    interesses do capital internacional. A histria nos anos de chumbo revelou que a

    burguesia dita nacional preferiu ser o scio menor na associao ao imperialismo,

    enquanto a autonomia do Estado se dilacerou crescentemente, a ponto de hoje, nossos

    governantes quererem barrar qualquer ao pblica que no esteja em consonncia com

    os interesses da internacionalizao do capital.

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