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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

SETOR DE EDUCAÇÃO

COORDENAÇÃO DE INTEGRAÇÃO DE POLÍTICAS

DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO INFANTIL E

ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

COMUNICAÇÃO EM

LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS

LIBRAS

Autora

Profª Drª Sueli Fernandes

2ª EDIÇÃO

CURITIBA

2012

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Aloizio Mercadante

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Caros alunos e alunas,

A inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais, nas últimas

décadas, impõe ao professor e à sociedade a busca pela superação de inúmeros

preconceitos e desafios que cercam a educação escolar desses alunos.

Por isso, convidamos você a despir-se de seus preconceitos e conhecer as

singularidades do “ser surdo”, de modo a inserir-se no debate político que busca

romper com as estruturas cristalizadas acerca da experiência da surdez como

uma experiência negativa.

Neste módulo iremos debater aspectos teóricos e metodológicos relacionados à

educação de surdos no contexto das políticas de inclusão escolar, bem como

conhecer algumas das particularidades da cultura surda e da língua brasileira de

sinais – Libras.

Nosso objetivo é que seja contemplada em sua formação inicial a complexa

questão do contexto linguístico da educação de crianças e jovens surdos que

necessitam de um projeto político pedagógico que contemple suas necessidades

linguísticas diferenciadas, tomando a Libras como primeira e principal língua na

instrução e comunicação, seguida da aprendizagem do português como segunda

língua no currículo escolar.

Essa situação político-pedagógica caracterizaria a educação bilíngue para

surdos.

Esse texto contempla conteúdos relativos à história da surdez e da língua de

sinais, concepções de surdez e sujeito surdo e as representações sociais e

escolares que ora os compreendem como pessoas com deficiência, ora os

APRESENTAÇÃO

AP

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identificam como membros de uma comunidade linguística minoritária.

Justamente pela força que a língua de sinais brasileira (Libras) ocupa nesse

universo de representações, conheceremos alguns dos elementos que

caracterizam suas especificidades linguísticas.

Diante do contexto de políticas inclusivas, que ganham força a partir da década

de 1990, apresentaremos reflexões sobre a complexa situação de bilinguismo

dos surdos brasileiros e a incorporação dessa realidade às agendas educacionais.

Nesse sentido, o conteúdo dessa disciplina está organizado em três unidades,

que buscam apresentar, em linhas gerais, os principais fundamentos e desafios à

inclusão de surdos na atualidade, tomando a educação bilíngue como horizonte a

ser alcançado.

Na Unidade 1, intitulada Concepções de surdez e aspectos históricos da

educação de surdos, apresentamos aspectos conceituais relativos à área,

articulando às diferentes terminologias concepções de sujeito e aprendizagem.

Desse modo, apresentaremos as políticas educacionais e linguísticas voltadas

aos alunos surdos, desde as experiências educacionais pioneiras no século XIX

até as práticas e políticas educacionais atuais e seus impactos na vida social e

pessoal dos surdos.

Desmistificar crenças e práticas acerca do “ser surdo” e pautar as principais

bandeiras de luta da comunidade surda em referência às políticas inclusivas é a

finalidade desse módulo inicial.

Na Unidade 2 – Lingua Brasileira de Sinais - LIBRAS – apresentamos, em

linhas gerais, os principais argumentos que sustentam o estatuto das línguas de

sinais como sistemas linguísticos complexos e completos, funcional e

estruturalmente, no cenário dos estudos linguísticos na atualidade. De forma

didática e objetiva, buscamos superar os mitos que deslegitimam seu caráter

linguístico, demonstrando sua importância para o desenvolvimento das mesmas

funções cognitivas, comunicativas e sociais das línguas orais. A unidade

pretende, ainda, sensibilizar os professores para a necessidade de sua formação

bilíngue ao atuar em situações de inclusão de alunos surdos nas escolas. Por

meio de análises que possibilitarão comparar as estruturas gramaticais da Libras

e da língua portuguesa, esperamos subsidiar o debate sobre a situação de

bilinguismo dos surdos nas escolas.

Por fim, a Unidade 3, educação bilingue para surdos: desafios ao sistema

de ensino, busca apresentar os pilares de um programa educacional com

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bilinguismo que extrapole os limites da escola, em direção à reflexão de variáveis

que envolvam a família, a comunidade escolar e a sociedade em geral.

Refletiremos sobre aspectos do desenvolvimento linguístico, afetivo e social das

crianças surdas, debatendo diretrizes políticas e pedagógicas que possibilitem a

transformação da escola em comunidades bilíngues, nas quais Libras e língua

portuguesa convivam de forma equilibrada no currículo escolar.

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1 DISCIPLINA: COMUNICAÇÃO EM LINGUA BRASILEIRA DE SINAIS -

LIBRAS

2 CÓDIGO

EDP 055

3 CARGA HORÁRIA TOTAL

60 horas

3.1 CARGA HORÁRIA PRESENCIAL

Com professor formador: 6 h

Com tutor presencial: 6 h

3.2 CARGA HORÁRIA A DISTÂNCIA

Quarenta e oito (48) horas de estudos com orientação presencial e a distância

dos tutores do polo presencial e/ou tutores da UFPR. Estes estudos incluem a

participação em fóruns, chats e outros espaços virtuais.

4 EMENTA

As representações sociais da surdez e as implicações nas políticas educacionais.

Aspectos históricos e culturais da língua de sinais e dos movimentos surdos.

Políticas linguísticas/educacionais para surdos. Aspectos linguísticos da Língua

Brasileira de Sinais – Libras. As dimensões linguísticas, metodológicas e políticas

da educação bilíngue para surdos nos contextos das políticas inclusivas.

5 OBJETIVOS

5.1 OBJETIVO GERAL

Aprofundar aspectos teórico-metodológicos envolvidos na educação

PLA

NO

DE

EN

SIN

OPLANO DE ENSINO

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bilíngue para surdos, contribuindo para sua inclusão escolar e social.

5.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Superar mitos e preconceitos acerca da surdez e dos surdos.

Relacionar as representações sociais da surdez às políticas linguísticas na

educação de surdos, nos diferentes momentos históricos.

Conhecer aspectos constitutivos da Língua Brasileira de Sinais – Libras.

Discutir os fundamentos da educação bilíngue para surdos, com vistas à sua

incorporação nos projetos político-pedagógicos da escola inclusiva.

6 PROGRAMA

UNIDADE 1� CONCEPÇÕES E ASPECTOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO DE

SURDOS

1.1�“SER SURDO”: DE QUE SUJEITO ESTAMOS FALANDO?

1.2� POLÍTICAS LINGUÍSTICAS/EDUCACIONAIS PARA SURDOS

1.2.1�O oralismo e a medicalização da surdez

1.2.2 A comunicação total: concessão ao “gesto” na educação de surdos

1.2.3 Bilinguismo e o reconhecimento da diferença surda na escola

UNIDADE 2� LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS – LIBRAS

UNIDADE 3� EDUCAÇÃO BILÍNGUE PARA SURDOS: DESAFIOS AOS

SISTEMAS DE ENSINO

3.1�PAIS OUVINTES, FILHOS SURDOS: O QUE FAZER?

3.2 EDUCAÇÃO BILÍNGUE PARA SURDOS NA INFÂNCIA

3.3� BILINGUISMO E ESCOLA INCLUSIVA

3.3.1�Português como segunda língua para surdos

7 ORIENTAÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA

As unidades que compõem este material sintetizam três grandes eixos temáticos

organizados de modo a contemplar estudos e discussões teóricas, bem como

práticas reflexivas necessários à formação de profissionais bilíngues.

Nesse sentido, as atividades propostas estão direcionadas aos seguintes alvos de

aprendizagem:

reflexões teóricas sobre os temas propostos em cada unidade, por meio

da leitura atenta dos textos-base;

sistematização de conceitos e apropriação de terminologias específicas da

área;

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realização das atividades de pesquisa e sistematização propostas ao

longo do texto;

diálogo permanente com o/a tutor(a) e colegas de turma na resolução das

atividades propostas;

posicionamento crítico em relação aos tópicos de debate suscitados.

Todas as unidades apresentam propostas de leituras complementares,

sugestões culturais e uma indicação dos principais conceitos e categorias

estudados na unidade, oportunizando o aprofundamento teórico e a

sistematização das ideias apresentadas, oferecendo-se como subsídios para a

realização das atividades de avaliação propostas.

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1 CONCEPÇÕES E ASPECTOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO DE

SURDOS .........................................................................................

1.1 “SER SURDO”: DE QUE SUJEITO ESTAMOS FALANDO? ........................

1.2 POLÍTICAS LINGUÍSTICAS/EDUCACIONAIS PARA SURDOS ................

1.2.1 O oralismo e a medicalização da surdez .........................................

1.2.2 A comunicação total: concessão ao “gesto” na educação de surdos .....

1.2.3 Bilinguismo e o reconhecimento da diferença surda na escola ............

2 LINGUA BRASILEIRA DE SINAIS – LIBRAS ....................................

3 EDUCAÇÃO BILÍNGUE PARA SURDOS: DESAFIOS AOS SISTEMAS

DE ENSINO .....................................................................................

3.1 PAIS OUVINTES, FILHOS SURDOS: O QUE FAZER? ............................

3.2 EDUCAÇÃO BILÍNGUE PARA SURDOS NA INFANCIA ...........................

3.3 BILINGUISMO E ESCOLA INCLUSIVA ...............................................

3.3.1 Português como segunda língua para surdos ..................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................

REFERÊNCIAS ................................................................................

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SUMÁRIO

SU

RIO

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CONCEPÇÕES E

ASPECTOSHISTÓRICOS

DA EDUCAÇÃO DE SURDOS

UN

IDA

DE

1

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Unidade 1 CONCEPÇÕES E ASPECTOS

HISTÓRICOS DA

EDUCAÇÃO DE SURDOS

1 CONCEPÇÕES E ASPECTOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO DE SURDOS

Para início de conversa...

Iniciamos nosso estudo falando de identidades. A doutora em educação Gladis

Perlin, primeira professora surda de uma universidade federal brasileira – a

UFSC–, com inúmeras pesquisas sobre o tema das identidades surdas, afirma:

“Nós, os surdos, não somos deficientes”.

Ela argumenta que a falta de contato com aspectos culturais das pessoas surdas

durante um longo período, na infância, faz com que as crianças não se

reconheçam como diferentes, mas como limitadas, deficientes e incapazes.

Assim, sentem-se divididas entre um mundo de sons (irreconhecíveis) e fala

(que reconhecem como movimentos labiais), do qual não se sentem parte, e um

mundo de imagens e experiências visuais a povoar seu pensamento, que não são

explicadas em uma língua que elas possam compreender. Essa língua seria a

língua de sinais.

Para Perlin, há um mundo de referências ouvintistas que determinam que o lugar

a ser ocupado pelos surdos é o lugar da deficiência. Superar esse ambiente de

baixas expectativas significa disputar espaços em que as crianças surdas possam

ter sua identidade constituída na experiência visual, nas trocas com outros

surdos, na identificação com outros pares que tenham a mesma percepção de

mundo que eles. Em seus artigos (PERLIN, 1998, 2006), Perlin declara que não

incluir a criança surda entre crianças surdas e incluí-la apenas em grupos de

crianças ouvintes é o mesmo que excluí-la.

Para compreender a totalidade dos sentidos que emanam das surpreendentes

palavras de Perlin, convido a todos e a todas a iniciar um processo de reflexão

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sobre o que temos ouvido, aprendido e repetido sobre os surdos em um mundo

no qual a norma corresponde a ouvir e a falar.

Pela complexidade desse desafio é que buscamos, nessa unidade didática,

oferecer algumas respostas sobre tantas dúvidas e curiosidades relacionadas à

educação de surdos, bem como superar alguns dos preconceitos e estigmas que

cercam a constituição do “ser surdo”. São inúmeros os desafios políticos e

pedagógicos que a presença de alunos surdos em salas de aula comuns gera,

sobretudo quando nunca se passou por uma experiência como essa ao longo da

vida.

Ao final desse processo de reflexão que ora se inicia, poderemos, de forma mais

consistente e menos intuitiva, estabelecer a dialogia com as múltiplas vozes que

se apresentarão ao debate ao longo do texto.

1.1�“ SER SURDO”: DE QUE SUJEITO ESTAMOS FALANDO?

Ao nos depararmos com situações novas e inesperadas ao longo da vida

profissional, é natural que nossa reação seja buscar algum tipo de ajuda.

Podemos fazer isso conversando com pessoas que tiveram alguma experiência a

respeito, a fim de esclarecermos nossas dúvidas, ou pesquisando sobre o

tema/fato em questão.

A inclusão de alunos surdos em salas de aula regulares é uma experiência que

gera esse tipo de reação. O primeiro desconforto inicia-se ao buscar o primeiro

contato, já que quase sempre não se sabe como fazê-lo: falar devagar e de forma

bem articulada? Usar gestos e mímica? Buscar um alfabeto manual para soletrar

as palavras? Escrever? Todas essas tentativas, embora positivas, podem ser

frustradas e não oportunizar a necessária aproximação professor–aluno.

Nossa intenção, portanto, é oportunizar a reflexão crítica sobre mitos e

(pre)conceitos relacionados à surdez e às pessoas surdas que, quase sempre,

impedem que os vejamos como sujeitos normais, capazes e plenos de

linguagem. Ou seja, a comunicação é possível e a aprendizagem também, desde

que estejamos abertos à experiência de novas descobertas.

Iniciamos nossa reflexão relembrando um fato amplamente divulgado pela

mídia, em 2006, quando um jovem surdo ficou preso injustamente por treze (13)

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dias, ao ser confundido com um assaltante em um posto de gasolina. Veja as

manchetes que circularam em diferentes veículos na mídia:

21

FONTE: http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=64

1929&tit=Rapaz-surdo-mudo-acusado-de-roubo-e-solto-somente-13-dias-depois

FONTE: http://oglobo.globo.com/pais/mat/2007/03/06/294810676.asp

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Observem que as manchetes tratam de um mesmo fato. No entanto, há

diferentes denominações para fazer referência ao rapaz, envolvido no suposto

crime: surdo-mudo, surdo, deficiente auditivo.

Qual seria a terminologia mais adequada? Se você fosse contar o fato a alguém,

como você se referiria ao rapaz?

No dia a dia, estamos acostumados a ouvir e a empregar todas essas

terminologias e, certamente, utilizamos aquelas que julgamos serem as mais

adequadas, quase sempre sem refletir sobre nossas escolhas.

No entanto, a opção pelo emprego das terminologias “surdo-mudo, deficiente

auditivo e surdo” revela nossa concepção sobre a experiência da falta de audição

e da fala, muitas vezes atreladas a mitos e preconceitos que manifestam

comportamentos e práticas discriminatórias diante desses sujeitos. Em última

análise, essa percepção tem desdobramentos na concretude das práticas

escolares decorrentes das concepções sobre as limitações ou potencialidades de

nossos alunos surdos.

Para refletirmos sobre mitos e (pre)conceitos em relação às pessoas surdas,

propomos a leitura desse pequeno texto, retirado de um blog da Internet, cujo

tema é a surdez:

22

FONTE: http://www.gazetadopovo.com.br/parana/conteudo.phtml?id=642146

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F O N T E : h t t p : / / b o a s a u d e . u o l . c o m . b r / l i b / S h o w D o c . c f m ? L i b D o c I D =

3829&ReturnCatID=1787

Observa-se que o texto busca desmistificar algumas ideias erradas sobre a

surdez, adotando um posicionamento aparentemente positivo sobre esse grupo

de pessoas.

23

O surdo-mudo vive em um mundo à parte. Essa é uma crença muito disseminada

entre as pessoas, que ignoram o quanto pode ser criativo e produtivo um

indivíduo com problemas de surdez e de fala. O desenvolvimento, a recuperação,

ainda que parcial, e a integração dessas pessoas na sociedade é dever de todos

nós. Para isso, é importante conhecer alguma coisa sobre a fala e a audição, os

cuidados, os tratamentos. É muito importante também conhecer casos em que

pessoas surdas-mudas são declaradas incapazes, quando na verdade elas podem

decidir por si mesmas e têm direito de fazer escolhas em sua vida. A título de

proteger, muitas vezes os direitos da pessoa deficiente são invadidos. Esses

aspectos são abordados aqui, com uma ressalva: além das técnicas modernas de

tratamento, o que faz desenvolver mais rapidamente um surdo-mudo é o respeito

por sua pessoa, o reconhecimento de sua cidadania e principalmente o carinho

daqueles que o cercam, tanto pessoal quanto profissionalmente.

Você seria capaz de, criticamente, grifar algumas passagens que pudessem

sugerir uma visão preconceituosa da surdez e das pessoas surdas, mesmo a

despeito das boas intenções do autor?

Façamos isso juntos!

A primeira questão digna de análise é a escolha da terminologia.

No texto, utiliza-se a denominação “surdo-mudo” para fazer referência às

pessoas surdas. Embora sejam exaltadas as capacidades das pessoas surdas, a

visão que o texto difunde está presente no senso comum, ou seja, entre quase

todas as pessoas que não possuem um conhecimento científico sobre a surdez. A

mais antiga expressão para designar pessoas sem audição é surdo-mudo e é

também a mais equivocada do ponto de vista da ciência, sendo seu uso

considerado inadequado e pejorativo.

A mudez indica um quadro que impede a emissão de voz (ou fonação), tendo

como principais causas problemas orgânicos e/ou fisiológicos, como ausência ou

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malformação nas cordas vocais, língua, boca ou outros, ou mesmo pelo fato de

estar relacionada a problemas neurológicos ou psicológicos. Surdos congênitos

(ou de nascença) não falam por não ouvirem, mas não estão impedidos de

aprender a fazê-lo, se for o caso. Ao dizermos “mudo”, a associação imediata que

se faz é a ausência de voz, palavra que remete a um duplo sentido: a

incapacidade de emitir sons da língua falada, por um lado, e, por outro, a

impossibilidade de ter “opinião”, pensamento e raciocínio autônomos. A

lógica advinda dessa representação é muito simples: se a pessoa não pode falar,

ela não pode pensar e, consequentemente, é considerada limitada ou incapaz.

Portanto, devemos evitar essa terminologia preconceituosa.

Passemos a um outro nível de análise, destacando fragmentos do texto que

revelam esse raciocínio anteriormente explicitado:

[...] um indivíduo com problemas de surdez e de fala [...]

[...] a recuperação, ainda que parcial [...]

[...] conhecer alguma coisa sobre a fala e a audição, os

cuidados, os tratamentos.

[...] técnicas modernas de tratamento [...]

Todas as palavras e expressões destacadas conduzem nosso raciocínio para a

questão da surdez como uma doença, que deve ser tratada, recuperada,

curada. Essa visão da surdez e, consequentemente, das pessoas surdas como

doentes/deficientes é também predominante na sociedade, principalmente por

ser reforçada por profissionais da área médica (notem que o site do artigo é

especializado em saúde). Obviamente que, por conta da natureza de sua

ocupação, médicos e fonoaudiólogos centram seus objetivos na deficiência

auditiva, ou seja, nos problemas que geram perdas auditivas, totais ou

parciais (leves, moderadas, severas ou profundas), e se ocupam do tratamento

e reabilitação dessas pessoas. Por isso é também comum que eles se refiram aos

surdos como deficientes auditivos, uma terminologia que lhes parece mais

adequada, em função do foco de sua ação: a doença.

Pelo prestígio de que goza a medicina, seus discursos são incorporados às demais

áreas e têm como consequência o efeito de sentido de que os surdos possuem

carências e deficiências também em seus processos de aprendizagem e

socialização, estendendo a necessidade de “tratamento” ao processo

educacional, o que é um grande equívoco.

Luiz Behares (1993 apud Dorziat, s/d), professor uruguaio estudioso da surdez, 24

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critica o uso da expressão “deficiência auditiva”, porque considera que ela reflete

uma visão médico-organicista em que o surdo é visto como alguém que carrega

uma patologia localizada, uma deficiência que precisa ser tratada. Para ele, essa

visão reflete-se em sua educação, disseminando um quadro de baixas

expectativas em torno do desenvolvimento de sua linguagem e aprendizado

escolar, determinado pelo diagnóstico do grau de perda indicado pelo médico.

25

E qual seria, então, a terminologia mais adequada para se referir às pessoas

surdas?

Desde a década de 1980, a comunidade surda mundial está organizada

politicamente e defende que sua condição não é a de “deficientes”, mas de

falantes de uma língua diferente daquela utilizada pela maioria: a língua de

sinais.

Surdos são facilmente reconhecidos na rua por esse modo de comunicação

visual, que desenha palavras no ar e faz fluir a comunicação normalmente. Em

virtude disso, consideram que a Língua de Sinais é o símbolo que os diferencia

daqueles que ouvem e, por isso, querem ser denominados “Surdos”, pessoas que

utilizam uma língua visual e fazem parte de uma minoria linguística que merece

ser respeitada e reconhecida em sua condição bilíngue, já que também podem

aprender a língua oral do país onde vivem, seja em sua modalidade escrita, seja

na oral.

Observem essas duas organizações políticas da comunidade surda:

WFD – World Federation of Deaf

(Federação Mundial dos Surdos)

FENEIS – Federação Nacional de

Educação e Integração dos Surdos

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Notem que, em ambas, a denominação escolhida para se referir ao grupo é

SURDO, e não deficiente auditivo. Essa opção é política e ideologicamente

marcada. Por isso, deve ser respeitada por todos nós, sobretudo os educadores

de crianças e jovens surdos.

26

Conheça a história da Feneis, sua organização e bandeiras de luta, acessando o

endereço eletrônico:

www.feneis.org.br

O que queremos demonstrar com essas reflexões iniciais é que as palavras que

usamos para nos referir a um grupo de pessoas denota nossa concepção sobre

elas, nosso modo de apreender a essência do que são, revelando uma visão de

mundo, um posicionamento social.

Os mais atentos perceberam que, desde o início do texto, utilizamos a palavra

“surdos” para fazer referência ao grupo de alunos sobre os quais estamos

discutindo, em respeito à reivindicação da comunidade surda.

O termo surdo-mudo é equivocado e pejorativo, uma vez que os surdos não

estão impedidos de produzir som com suas cordas vocais e alguns deles

aprendem a oralizar quando submetidos a programas de reabilitação oral.

A expressão deficiência/deficiente auditiva/o é frequentemente utilizada na

área da saúde, por médicos e fonoaudiólogos, em função de sua intervenção

estar focada nos problemas auditivos e nos processos de reabilitação da

audição e da fala. A comunidade surda rechaça esse termo, pelo fato de ele

estar impregnado da visão negativa dos surdos como aqueles a quem falta algo

e que deveriam ser tratados para chegar aos padrões de normalidade próprios

dos ouvintes.

A comunidade surda defende a utilização do termo surdo, posto que ele remete

à comunicação visual em língua de sinais, marca da identidade linguística e

cultural que lhes é peculiar.

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1.2� POLÍTICAS LINGUÍSTICAS/EDUCACIONAIS PARA SURDOS

Frequentemente, ao nos referirmos à história educacional dos surdos, nos

deparamos com as classificações “filosofias educacionais” ou “abordagens

metodológicas” na educação de surdos.

De forma diferente da tradicional, proporemos uma categorização que não leva

em conta a metodologia em sua definição, mas a escolha da(s) língua(s)

adotada(s) para educar as crianças surdas, historicamente. Nesse sentido,

teremos dois grupos de propostas:

a) Políticas MONOLÍNGUES – consideram apenas a língua oral no processo

educacional das crianças e jovens surdos, ou fazem concessão à língua

de sinais de maneira superficial e secundária. Nesse âmbito, situam-se

o ORALISMO e COMUNICAÇÃO TOTAL.

b) Políticas BILÍNGUES – consideram a importância das duas línguas no

processo educacional das crianças surdas: a língua de sinais e a língua

oral oficial do país.

Os programas de bilinguismo podem envolver o aprendizado da língua de sinais

simultaneamente ou sequencialmente à língua oficial do país, em suas

modalidades oral e/ou escrita.

Vejamos como essas políticas se manifestaram ideologicamente em filosofias de

ensino ao longo dos séculos.

1.2.1� O oralismo e a medicalização da surdez

A história da educação de surdos é repleta de controvérsias e descontinuidades.

Antes do séc. XIX, os surdos ocupavam papéis significativos e sua educação

realizava-se por meio da língua de sinais, sendo que a maioria dos seus

professores eram surdos. No entanto, estudiosos, surdos e professores ouvintes, 27

aSugerimos a leitura do texto da Prof Dra. Ana Dorziat, Deficiente Auditivo e

Surdo: uma reflexão sobre as concepções subjacentes ao uso dos termos,

para aprofundar esse debate.

O texto estará disponível na sala de aula virtual do Moodle.

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à época, divergiam quanto ao “método” mais indicado para ser adotado na sua

educação.

Uns acreditavam que deveriam priorizar a língua falada, outros a língua de sinais,

e outros, ainda, o método combinado. Em 1880, no Congresso Mundial de

Professores de Surdos, em Milão, na Itália, chegou-se à conclusão de que os

surdos deveriam ser ensinados pelo método oral puro, ou seja, proibir-se

qualquer forma de comunicação por sinais.

Essa decisão colocou o ORALISMO como a política monolíngue predominante no

processo educacional de surdos durante mais de um século, e a língua falada

passou a ser o objetivo mais importante a ser atingido na educação de surdos. A

partir daí, os surdos foram submetidos a mais de um século de opressão, sendo

proibidos de utilizar sua língua e obrigados a comportarem-se como se ouvintes

fossem.

28

Para os oralistas, a linguagem falada é prioritária como forma de comunicação dos

surdos e a aprendizagem da linguagem oral é preconizada como indispensável

para o desenvolvimento integral das crianças. De forma geral, sinais e alfabeto

digitais são proibidos, embora alguns aceitem o uso de gestos naturais, e

recomenda-se que a recepção da linguagem seja feita pela via auditiva

(devidamente treinada) e pela leitura orofacial (TRENCHE 1995 apud LACERDA,

2007).

Disponível em: http://www.sj.cefetsc.edu.br/~nepes/docs/midiateca_artigos/

historia_educacao_surdos/texto29.pdf

Page 29: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

29

O que relatam os surdos sobre a proibição de sua

língua natural?

Muitos surdos tinham suas mãos amarradas, para que

não utilizassem a língua de sinais. Outros relatam que

apanhavam nas mãos com réguas ou palmatórias, a

cada vez que se manifestavam gestualmente.

Há variados relatos de surdos sobre a humilhação que

sofriam ao sinalizar, por parte de seus professores

ouvintes , como compará-los a macacos e até oferecer-

lhes bananas, a cada vez que a comunicação era

sinalizada.

Aliada à proibição da língua de sinais na escola, o

ORALISMO foi marcado por inúmeros investimentos em

tecnologias da audição, para aproveitamento de restos

auditivos de surdos parciais e mesmo totais. Desde o

século XIX, a Medicina foi a ciência que se ocupou da

educação de surdos, investindo seus pressupostos na

produção de aparatos cada vez mais sofisticados para

fazer os surdos ouvirem. As próteses individuais (AASI)

e, atualmente, o implante coclear são aliados ainda

presentes no processo de reabilitação dos surdos,

constituindo a base de programas monolíngues

centrados no ensino da fala e da leitura labial.

Como observamos, a história educacional dos surdos foi marcada pela concepção

CLÍNICO-TERAPÊUTICA. Essa perspectiva é guiada pela noção da surdez como

uma deficiência a ser extirpada, tratada, ou curada, por meio de procedimentos e

técnicas para ajustar os surdos aos padrões de normalidade sociais.

Por mais de um século, os surdos educados em escolas e classes especiais

receberam tratamentos e/ou atendimentos

que visavam tão somente sua reabilitação

oral e auditiva.

As práticas terapêuticas contaminaram as

escolas, convertendo-as em espaços

clínicos exclusivamente destinados ao

ensino da fala, transformando docentes em

terapeutas da fala que se limitaram a

cumprir a missão de normalização dos

surdos por meio da reabilitação.

Page 30: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

30

Leitura labial: mito ou realidade?

Mesmo sendo inexpressivo o percentual de alunos que aprendeu a falar na

perspectiva oralista, a maioria das pessoas julga que todos os surdos saibam ler

lábios e que a única adaptação a ser feita na comunicação é pronunciar as

palavras devagar e com boa articulação para que sejam compreendidas.

Esse é mais um mito relacionado aos surdos que lhes trouxe inúmeras

dificuldades para acompanhar aulas dadas em forma exclusivamente orais, com

professores que se movimentam o tempo todo, viram-se de costas e, quase

sempre, se esquecem da presença de alunos surdos nas salas. Mesmo entre os

surdos treinados (sim, é necessário um longo processo de treinamento para

identificar diferenças sutis entre os fonemas), julga-se que menos de 50% da

mensagem são captados pela leitura dos lábios. Acreditar que uma criança e/ou

adolescente seja capaz de, durante as quatro horas do turno letivo, focar sua

atenção nos lábios de quem fala, como requisito para participar das atividades e

apropriar-se dos conteúdos, é uma falácia.

A leitura labial, portanto, é um recurso que penaliza os alunos surdos e promove a

manutenção de sua maior dificuldade: compreender, naturalmente, o português

falado.

Page 31: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

Propomos a você uma simulação com seus alunos para compreender como é a

sensação de uma criança tentando ler os lábios de quem lhe fala.

Material

aparelho de TV, videocassete ou DVD, papel e lápis para cada aluno.

Procedimento

1. Selecione um trecho de 10 min. de um filme ou documentário do qual os

alunos não tenham conhecimento prévio. Ligue o televisor para os alunos

assistirem e tire o som completamente.

2. Enquanto os alunos assistem ao filme, observe suas reações – isto é,

distração, tensão, dispersão etc.

3. Quando o filme terminar divida a classe em grupos de quatro. Entregue as

perguntas seguintes e solicite aos alunos que escrevam as respostas em

uma folha de papel. Compartilhe as respostas com o grupo. Qual era o tema

do filme? Como você sabe disso? O que você não conseguiu entender?

4. Passe novamente o filme com o som ligado e compare as hipóteses

realizadas com o conteúdo real.

Discussão (grande grupo)

a. Como você se sentiu?

b. Quais foram as melhores dicas que ajudaram você a entender o filme?

c. Você acha que as pessoas surdas gostam de assistir à TV e irem ao cinema?

d. Quais seriam as dificuldades que os surdos encontrariam, se tivessem que

assistir ao filme todo da mesma forma que foi vivenciada?

e. O que poderia ajudar uma pessoa surda a entender melhor um programa de

televisão ou um filme?

f. Conte para os alunos que as pessoas surdas usam seus olhos para captar

informações da realidade. Elas observam cuidadosamente para entender o

que está acontecendo à sua volta. Explique sobre a importância de legendas

e janelas para intérprete na programação.

g. Fale sobre a dificuldade de os surdos participarem de tarefas exclusivamente

debatidas oralmente.

h. Discuta propostas para facilitar a comunicação e aprendizagem de alunos

surdos na escola.

(Adaptado de ARANHA, 2005)

31

Page 32: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

FONTE: www.sxc.hu

Ler lábios é uma tarefa muito difícil, que exige uma percepção visual refinada e

treinada para captar diferenças sutis nas bocas de quem fala. Há lábios grossos,

finos, bocas grandes, pequenas, tortas, desdentadas... Enfim, todas essas

diferenças são mais um entrave para que a leitura labial seja utilizada como

principal recurso de acesso ao conhecimento na sala de aula.

32

Page 33: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

33

Ler lábios é uma tarefa muito difícil, que exige uma percepção visual refinada e

treinada para captar diferenças sutis nas bocas de quem fala. Há lábios grossos,

finos, bocas grandes, pequenas, tortas, desdentadas... Enfim, todas essas

diferenças são mais um entrave para que a leitura labial seja utilizada como

principal recurso de acesso ao conhecimento na sala de aula.

Registre três mitos e ideias erradas sobre a surdez que foram objeto de nossa

reflexão até aqui. Em seguida, justifique por que essa visão está equivocada, em

cada um dos casos.

1.2.2� A comunicação total: concessão ao “gesto” na educação de surdos

A chamada “filosofia” da Comunicação Total, que tem sua gênese

circunstanciada na década de 1970, com grande força no contexto dos Estados

Unidos, representa um período de transição entre políticas monolíngues e

bilíngues na educação de surdos.

Por que dizemos que a Comunicação Total é uma política monolíngue se, em sua

abordagem, ela utiliza a língua de sinais, língua oral, gestos, fala, leitura labial,

alfabeto manual, escrita, ritmo, dança para buscar o objetivo da comunicação

com os surdos?

Justamente porque a língua de sinais não tem centralidade no processo

educacional. Ela é tolerada e utilizada como um recurso a mais na comunicação,

como tantos outros, ou seja, não é reconhecida como um sistema linguístico

autônomo e independente, principal meio de simbolização da comunidade surda.

Na verdade, as práticas pedagógicas da comunicação total mantiveram a

essência dos processos de reabilitação do oralismo, baseados no treinamento,

repetição da fala e utilização aparelhos auditivos individuais e/ou em grupo.

Nesse sentido, a defesa da língua de sinais pelos gestualistas da Comunicação

Total representou mera concessão ao “gesto”, para admitir que a palavra falada

Page 34: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

34

poderia ser expressada em mais de uma forma: escrita, soletrada com as mãos

ou sinalizada. Esses defensores dos gestos poderiam, segundo Sánchez, ser

denominados de “oralistas gestualistas”, já que não propõem a superação, mas,

sim, a justaposição de fala e sinais em um projeto de continuidade da ideologia

oralista.

Faça a leitura complementar do texto de Ana Dorziat, Metodologias específicas

na educação de surdos: análise crítica, para compreender melhor a relação

entre oralismo e Comunicação Total como expressões de uma mesma ideologia.

O texto está disponível em:

http://www.ines.gov.br/ines_livros/13/13_principal.htm

1.2.3 Bilinguismo: o reconhecimento da diferença surda na escola

Texto organizado com base em FERNANDES E MOREIRA (2009).

O bilinguismo para surdos, com seus desdobramentos político-pedagógicos, é

um fato novo no cenário educacional para os profissionais da educação, já que o

tema passa a ser incorporado na agenda das políticas educacionais apenas a

partir da década de 1980, decorrente da pressão dos movimentos sociais e das

contribuições de pesquisas nas áreas da Linguística e Educação.

Falar em bilinguismo para surdos gera certo estranhamento entre as pessoas,

porque nos é familiar a noção dessa situação linguística em que duas ou mais

línguas são utilizadas por um indivíduo ou comunidade de fala, geralmente

ligadas a falantes de línguas estrangeiras, como imigrantes, bem como em

situações a que pertencem as comunidades indígenas radicadas em diferentes

localidades do território brasileiro.

No entanto, os surdos também são considerados um grupo linguístico

minoritário, já que utilizam a língua de sinais, preferencialmente, em relação à

língua majoritária do país em que vivem. Mesmo sem um território geográfico

definido, um “país surdo”, em que os surdos e sua língua de sinais estejam

delimitados, podemos considerar que é a diferença linguística o critério para o

reconhecimento social das pessoas surdas, em relação à sociedade majoritária.

Page 35: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

35

Cada país tem uma língua de sinais, fruto da construção histórica da comunidade

surda que ali vive. No Brasil, a língua dos surdos se chama Língua Brasileira de

Sinais – Libras – e é falada (isso mesmo, dizemos falada!) por todos os surdos

que têm a oportunidade de compartilhar experiências sociais entre seus pares

por meio da comunicação visual.

Dito isso, fica claro que os surdos podem ser considerados bilíngues ao

dominarem duas línguas legitimamente brasileiras, posto que ambas expressam

valores, crenças e modos de percepção da realidade de pessoas que

compartilham elementos culturais nacionais. Ocorre que uma das línguas – o

português – é a língua oficial e majoritária – enquanto que a outra – a Libras – é

uma língua minoritária, que não goza de prestígio social e é utilizada por um

grupo restrito de pessoas.

Na perspectiva sociolinguística, dentre os tipos de bilinguismo possíveis, o dos

surdos brasileiros se caracterizaria como “bilinguismo diglóssico”, posto que as

duas línguas em situação de complementaridade têm funções distintas por seus

usuários, em um dado grupo social. Geralmente o critério de uso é dependente

da situação comunicativa: via de regra, a comunidade usa uma língua (de

prestígio) para atividades públicas importantes e eventos sociais e outra para

usos mais domésticos e íntimos (sem prestígio).

Há inúmeros documentos internacionais que respaldam a política de educação

com bilinguismo para surdos. Na Declaração de Salamanca (1994), matriz

referencial das agendas inclusivas mundiais, tem destaque a necessidade de que

os sistemas de ensino promovam programas de educação bilíngues às

comunidades que têm como língua materna uma língua diferente da majoritária,

ou oficial do país.

19. Políticas educacionais deveriam levar em total consideração as diferenças e

situações individuais. A importância da linguagem de signos como meio de

comunicação entre os surdos, por exemplo, deveria ser reconhecida e

provisão deveria ser feita no sentido de garantir que todas as pessoas surdas

tenham acesso à educação em sua língua nacional de signos. Devido às

necessidades particulares de comunicação dos surdos e das pessoas

surdas/cegas, a educação deles pode ser mais adequadamente provida em

escolas especiais ou classes especiais e unidades em escolas regulares (BRASIL,

1994).

(Item 19, Parte II, Linhas de Ação em Nível Nacional, da Estrutura de Ação em

Educação Especial).

Page 36: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

36

Linguagem de signos é a terminologia utilizada na Espanha, com texto de

produção do documento. No Brasil, utilizamos equivalente ’’Língua de Sinais’’.

Para saber mais, faça uma pesquisa em outros importantes documentos que

estabelecem os princípios filosóficos da inclusão escolar e observe a explícita

orientação sobre a importância da língua de sinais ser considerada a primeira

língua para os surdos.

Resolução 47/135 da Assembleia Geral da ONU, de 18 de dezembro de

1992

Leia a “Declaração Sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias

Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas”, que contempla a situação dos

surdos de todos os países como minorias linguísticas.

Normas para Equiparação de Oportunidades para Pessoas com

Deficiência da ONU n.º 48/96, de 20 de dezembro de 1993

I. REQUISITOS PARA A IGUALDADE DE PARTICIPAÇÃO. Regra 6. Educação.

No Censo Demográfico de 2000 (IBGE, 2000), estimou-se que havia 5.750.815

pessoas com surdez, das quais, mais de 60% seriam totalmente surdas. Na faixa

etária em idade escolar, esse número chegaria aproximadamente a 800.000, ou

seja, quase um milhão de brasileiros que demandariam experiências linguísticas

mediadas por uma língua de modalidade visual-espacial, como é a Língua

Brasileira de Sinais (Libras), diferente daquela usada pela maioria da população.

Ressalte-se que, após uma década, esse número deve ter se ampliado

significativamente!

E em sua cidade, quantos seriam as crianças e jovens surdos?

Levando em conta que cerca de 1% da população (estimativa da Organização

Mundial de Saúde - OMS) seria surdos potencialmente bilíngues, fazer o

mapeamento de onde vivem e estudam essas pessoas seria o primeiro passo

para termos políticas linguísticas e de inclusão comprometidas com as

Page 37: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

necessidades da população surda brasileira.

Por isso a importância de temas como a Libras e a educação bilíngue serem

matérias obrigatórias dos cursos de formação de professores.

Diante dessa especificidade, na próxima unidade debateremos alguns dos

aspectos que conferem às línguas de sinais estatuto linguístico, em conformidade

com as línguas orais.

37

Vivemos um momento de transição, em que os projetos de educação bilíngue

ainda não se consolidaram nos sistemas de ensino e a geração de estudantes

surdos matriculada na educação básica, mais notadamente a partir da década de

1990 (justamente pelo reconhecimento legal de sua diferença linguística),

assume características específicas.

Esse grupo de estudantes tem sua trajetória escolar pautada em paradigmas

contraditórios, ora os tratando como “deficientes”, ora reconhecendo-os como

grupo cultural.

O Oralismo foi a concepção predominante na educação especial (contexto que

“prepara” e apoia sua escolarização no ensino regular) e assumiu um viés clínico-

terapêutico, marcado pelo monolinguismo em português e a insistência no ensino

da fala (e/ou da linguagem oral), sem espaço para a língua de sinais.

Desse modo, ao serem educados como deficientes da linguagem, a ação escolar

focou-se por muitos anos nos processos reabilitadores, em detrimento da

priorização de uma educação voltada aos conteúdos acadêmicos. Mesmo a

comunicação total, embora tolerando o uso de sinais pelos surdos, reafirmou a

ideologia oralista de normalização dos surdos.

Esse desvio da finalidade da educação escolar trouxe muitos prejuízo a várias

gerações de estudantes surdos, que tiveram restritas suas possibilidades de

interlocução social significativas e o acesso ao conhecimento historicamente

produzido pela humanidade, bem como os impediram de ocupação de papéis

sociais importantes.

Por isso, o movimento político intenso desencadeado pela comunidade surda e

simpatizantes, que pressionou instâncias governamentais em diferentes níveis,

foi fundamental para dar visibilidade à língua de sinais e aos surdos como grupo

linguístico minoritário.

A educação bilíngue para surdos é uma conquista mundial que deve ser objeto de

estudo e pauta política de todos os trabalhadores da educação que defendem a

bandeira da educação para todos, com qualidade.

Page 38: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

38

Esta unidade teve como objetivo a sistematização dos seguintes temas:

A questão das terminologias: surdos, deficientes auditivos e surdo- mudos.

As políticas educacionais monolíngues: Oralismo e Comunicação Total.

A concepção clínico-terapêutica da surdez.

O bilinguismo na educação de surdos.

A pauta de lutas dos movimentos surdos.

Releia o texto e faça anotações pessoais sobre sua compreensão de cada um dos

temas indicados para estudo.

AUTOAVALIAÇÃO

Indicamos o filme “E seu nome é Jonah” (Direção: Richard Michaels. EUA,

1979) para análise e complementação do debate sobre as políticas educacionais

para surdos.

O filme relata as frustradas tentativas de comunicação de uma família que se

depara com a experiência de um filho surdo. O menino Jonah é diagnosticado

como retardado mental e internado em um hospital por três anos. Ao retornar

para casa, há inúmeras barreiras de comunicação e incompreensão sobre a

experiência da surdez. Depois de várias tentativas de educar Jonah pelo oralismo,

sem sucesso, abrem-se novas perspectivas emocionais e sociais quando o menino

aprende a língua de sinais. É uma excelente oportunidade para reflexão sobre as

relações entre a concepção de surdez e políticas educacionais.

Questões para reflexão

Com base na história de vida de Jonah, na sua concepção da surdez e nos debates

realizados em sala de aula, comente os seguintes aspectos:

a) as representação sociais sobre a surdez presentes na concepção dos pais,

familiares, amigos e sociedade em geral;

b) os sentimentos, atitudes e relações presentes na dinâmica familiar;

c) as barreiras de comunicação entre surdos e ouvintes no estabelecimento de

relações sociais e suas consequências para o desenvolvimento linguístico,

cognitivo, emocional e social de Jonah;

d) as filosofias educacionais adotados na educação de Jonah;

e) sua opinião sobre o processo educacional dos surdos;

f) outros aspectos que julgar relevantes.

Organize suas respostas em forma de dissertação e, com base nelas, promova um

debate em sala de aula sobre os principais pontos a serem considerados no

desenvolvimento e aprendizagem de crianças surdas, a partir do diagnóstico

médico.

Page 39: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

LÍNGUA BRASILEIRA

DE SINAIS - LIBRAS

UN

IDA

DE

2

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Page 41: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

41

Unidade 2 LÍNGUA BRASILEIRA

DE SINAIS - LIBRAS

2 LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS – LIBRAS

Esta unidade foi organizada com base em publicações anteriores da autora:

FERNANDES; STROBEL (1999), FERNANDES (2006), FERNANDES (2007a).

Para início de conversa...

Atualmente, as pessoas surdas lutam para ser reconhecidas por suas

potencialidades.

Buscam um espaço social em que se dissemine a ideia de que ser surdo é

vivenciar uma experiência visual, ou seja, que seus olhos são a principal

referência para a comunicação, a aprendizagem e a interação social.

Os estudos que usam a referência surda têm procurado abrir um espaço social

para essas pessoas, legitimando seu status de comunidade linguística

diferenciada, que tem na língua de sinais seu principal símbolo identitário.

Mas que espécie de língua é essa que não utiliza sons para se

propagar?

Como esses movimentos desenhados no ar pelas mãos podem

expressar conceitos abstratos?

As palavras da Libras não são meras soletrações do alfabeto manual?

Como pode ser a Libras um tipo de linguagem verbal se ela não é

falada ou escrita, como a maioria das línguas orais?

Esses são alguns dos questionamentos que nos fazemos quando nos

defrontamos com a língua de sinais dos surdos.

Page 42: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

42

Infelizmente, a grande maioria do povo brasileiro desconhece que esse conjunto

de “gestos desenhados no ar” estrutura uma língua organizada, que se presta às

mesmas funções das línguas orais para as pessoas que ouvem.

E você, quais são as percepções e conceitos que tem sobre a língua de sinais?

Façamos um teste. Identifique como verdadeira ou falsa cada uma das questões

sobre a língua de sinais indicadas a seguir.

( ) A língua de sinais é universal, ou seja, é igual em toda parte do mundo.

( ) A língua de sinais é uma mistura de gestos naturais e mímica.

( ) A língua de sinais é a forma sinalizada da língua portuguesa.

( ) A língua de sinais é uma forma de linguagem não verbal.

Muito bem. Se considerarmos o padrão de resposta que usualmente é dado pela

maioria das pessoas, com base no senso comum, todas as afirmações seriam

“VERDADEIRAS”, justamente porque expressam preconceitos e

desconhecimento em relação à riqueza e complexidade gramatical e funcional

dos sistemas linguísticos utilizados pelos surdos no mundo todo para se

comunicar.

A Libras, sigla utilizada para designar a língua brasileira de sinais (isso mesmo,

cada país tem sua própria língua, que expressa os elementos culturais daquela

comunidade de surdos), foi oficializada pelo governo brasileiro, em território

nacional, já há alguns anos, pela Lei Federal nº 10.436/2002. No entanto, em

dezembro de 2005, com o Decreto Federal nº 5.626, ela passou a ampliar seus

domínios para diferentes segmentos sociais, já que se torna componente

curricular obrigatório nos cursos de formação de professores, em nível médio e

superior, e de Fonoaudiologia.

Conheça o texto da lei de Libras na íntegra e observe as diretrizes de sua

oficialização, no endereço: http://www.libras.org.br/leilibras.php

Page 43: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

Isso significa que ela deixou de ser um assunto que diz respeito apenas às

comunidades surdas e passou a domínio público, sobretudo nos círculos

acadêmicos, sistemas de ensino e na mídia.

Mas o que caracteriza essa língua?

Qual a sua história? De onde ela surgiu?

A língua de sinais é tão antiga quanto a humanidade. Há relatos históricos sobre a

existência de surdos desde a Antiguidade, e neles faz-se sempre menção à forma

“diferente” de comunicação que era utilizada.

Muitas pessoas questionam a origem da língua de sinais, acreditando que ela

tenha sido criada por uma única pessoa (geralmente ouvinte), tal como ocorreu

com o Braille, que é apenas um sistema de escrita. Como qualquer língua

humana, a língua de sinais surgiu da necessidade de comunicação de um grupo

de pessoas e sofreu transformações históricas, no tempo e no espaço.

Sempre existiram surdos, conforme

comprovam narrativas que remontam

à Antiguidade Clássica, fazendo

referência a pessoas que não falavam

ou ouviam “normalmente”. No entanto,

sua dispersão não favorecia a formação

de comunidades linguísticas, o que veio

a acontecer apenas por volta do século

XVIII, com a fundação das primeiras

instituições assistenciais para surdos, na Europa, e, posteriormente, nos Estados

Unidos. O asilamento dos surdos nos internatos possibilitou a ampliação,

sistematização e difusão dos sinais em regras, originando a Língua de Sinais

Francesa (Langue des Signes Française – LSF), primeira língua de sinais no

mundo, fruto da comunicação dos surdos parisienses no Instituto de Jovens

Surdos de Paris, primeira escola pública para surdos no mundo.

A partir daí, o processo de colonização europeia estende seus tentáculos aos

novos continentes, disseminando, por decorrência, modelos culturais,

linguísticos e experiências de institucionalização de pessoas com deficiência, o

que possibilitou que a língua de sinais francesa se espalhasse por vários cantos

do mundo, constituindo a base para a formação das línguas de sinais em

diferentes países. Assim, a exemplo da língua de sinais americana (American

Sign Language – ASL), a Libras (Língua Brasileira de Sinais) pertence ao grupo 43

Page 44: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

de famílias linguísticas que descenderam da Língua de Sinais Francesa, já que

chega ao Brasil pelas mãos de Eduard Huet, professor surdo francês que introduz

a metodologia gestual na primeira escola de surdos brasileira, o atualmente

denominado Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), fundado em

meados do século XIX, no Rio de Janeiro.

Vem daí a relação histórica entre a formação de comunidades linguísticas de

surdos com a fundação de instituições especializadas: como eram segregados da

sociedade para serem educados, favorecia-se a consolidação de seus laços

linguísticos e culturais visuais.

No entanto, apenas em 1965 o linguista norte-americano Willian Stokoe

produziu os primeiros estudos científicos sobre a língua de sinais americana, a

American Sign Language (ASL). O pesquisador a sistematizou no livro A

Dictionary of American Sign Language on linguistic principles, em que sintetizava

as pesquisas que havia realizado em sua convivência com surdos na Gallaudet

University, em Washington, lançando as bases para os primeiros estudos da

Linguística da Língua de Sinais. Ele demonstrou que, mais que simples gestos

naturais, a comunicação dos surdos tem regras próprias de organização e

funcionamento, ou seja, uma gramática particular baseada em combinações de

configurações de mão(s), movimentos e localizações espaciais.

A língua visual-espacial dos surdos não tem relação alguma com a língua falada no

país, ou seja, é FALSA a afirmação de que seja a versão sinalizada da língua oral do

país onde é usada.

44

Page 45: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

45

ALFABETO MANUAL

A

G K

Q

W

B

H

R

X

C

I

S

Y

D

T

Z

E

J

U

F

L

M N O P

V

Diferentemente do que muitos acreditam, o Alfabeto Manual não é Libras, mas

apenas um recurso que utilizamos para soletrar palavras do português, oriundas

de empréstimos linguísticos, como nomes próprios ou mesmo palavras para as

quais ainda não há sinais convencionais.

Ao digitar “no ar”, é aconselhável soletrar devagar, formando as palavras com

nitidez na direção de nosso interlocutor surdo.

NÚMEROS

1 2 3 4 5

6 7 8 9 0

---

----

---

----

Page 46: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

46

Estas são as duas mais importantes

publicações científicas sobre a

língua de sinais brasileira. Escritas

pelas linguistas Lucinda Ferreira

Brito, em 1995, e Ronice Quadros e

Lodenir Karnopp, em 2006, são

obras de referência para se

compreenderem os aspectos

gramaticais da L ibras e a

complexidade funcional e estrutural

de língua de modalidade visual-

espacial.

Você sabia que, como as línguas de sinais, os alfabetos manuais também se

diferenciam de país para país?

Observe as diferenças e semelhanças entre os alfabetos de diferentes países no

endereço abaixo:

http://enflibras.blogspot.com/2009/03/alfabeto-manual-em-varios-idiomas-

na.html

A partir da década de 1970, difundiu-se em diversos países o interesse

dos linguistas pelas línguas de sinais locais, fazendo com que a Linguística da

Língua de Sinais passasse a ser uma área de estudo em franca expansão. Depois

de Stokoe, centenas de pesquisadores interessaram-se em conhecer os sistemas

linguísticos dos surdos em diferentes países, comprovando que as línguas de

sinais no mundo todo apenas compartilham a modalidade visual-espacial, mas

são completamente diversas em vocabulário, estrutura e funcionamento,

refletindo aspectos culturais específicos de cada comunidade de surdos.

Esse fato rompe com uma tradição histórica da linguística moderna, que

sempre se ocupou do universo das línguas faladas, exigindo a ressignificação de

aspectos de seu terreno conceitual e métodos de investigação, em virtude da

natureza visual-espacial da língua.

No Brasil, os primeiros estudos formais sobre a língua brasileira de sinais datam

da década de 1980. Nesses poucos anos de pesquisas, há uma significativa

produção acadêmica e literária que nos aponta a complexidade estrutural e

funcional dessa língua.

Page 47: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

47

A Libras é uma língua de modalidade visual-espacial que, diferente das

línguas orais-auditivas, utiliza-se da visão para sua apropriação e de elementos

corporais e faciais organizados em movimentos no espaço, para constituir

unidades de sentido, as palavras, ou, como se referem os surdos, os “sinais”.

Justamente pela modalidade visual-espacial pela qual a Libras é produzida e

percebida pelos surdos, as pessoas são levadas a pensar que todos os sinais são

o “desenho” no ar do dado da realidade que representam. É claro que, por

decorrência de sua natureza linguística, a realização de um sinal pode ser

motivada pelas características do referente real, mas isso não é uma regra.

Os sinais podem representar qualquer dado da realidade social, não se reduzindo

a um simples sistema de gestos naturais, ou mímica, como pensa a maioria das

pessoas. Aliás, esse é o principal mito em relação à língua de sinais, pois, por

utilizar as mãos e o corpo na comunicação, costuma-se compará-la à linguagem

gestual contextual, restrita a referentes concretos, palpáveis, transparentes,

que têm seu significado facilmente apreendido por quem observa.

Na verdade, o léxico da língua de sinais é formado por palavras que mantêm uma

relação totalmente arbitrária com o dado da realidade a que se referem, tal como

se dá com as palavras das línguas orais. O que ocorre é que, dada a sua

modalidade visual-espacial, há uma tendência em se buscar relação com

aspectos da realidade para constituir seu sistema de representação, o que faz

com que haja motivação icônica em alguns sinais. É o caso, por exemplo, de

verbos como nadar, dirigir, cozinhar, e substantivos como borboleta, casa,

árvore, que guardam alguma relação de verossimilhança. No entanto, bastam

dez minutos de conversa com um grupo de surdos para nos sentirmos

completamente “estrangeiros” em meio ao inesgotável universo de signos que

povoam sua interação e nos deixam à margem de qualquer tentativa de dedução

“lógica” do que seja o objeto da discussão.

Vejamos alguns exemplos entre os sinais icônicos e arbitrários.

TELEFONE BORBOLETA

Page 48: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

48

ÁRVORE

CASA

CONVERSAR

DEPRESSA

PESSOA

----

----

----

----

---- ------------

----

Page 49: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

49

PERDOAR

As linguagem verbais são aquelas utilizadas pelas pessoas que vivem em grupos

sociais. Esse complexo sistema de comunicação simbólica origina os diferentes

idiomas falados no mundo, transmitidos de geração a geração. Pelas línguas

humanas se realiza a comunicação, a transmissão de informações, a expressão

de conceitos para a ciência, para as artes e tecnologias, entre outras produções

da humanidade. Apenas os seres humanos se utilizam de línguas (ou idiomas) na

comunicação para expressar conceitos e para referir-se a fatos da

experiência pessoal. A Libras presta-se às mesmas funções.

Na maioria dos lugares do mundo, há pelo menos uma língua de sinais usada

amplamente na comunidade surda de cada país, diferente daquela da língua

falada utilizada no mesmo território geográfico. Importante destacar que as

línguas de sinais são independentes das línguas orais, já que expressam a cultura

das comunidades surdas de cada país.

A variação linguística é o conjunto de modificações que sofre uma língua no

transcurso do tempo, do espaço e das variáveis socioeconômicas para se adaptar

às renovadas exigências comunicacionais de seus usuários. Esse fato apenas

atesta a heterogeneidade das línguas humanas, submetidas permanentemente

a variações para se manter viva e em movimento. A variação é uma contingência

das línguas, dado que suas formas mudam permanentemente: aparecem novas

e desaparecem outras que não são mais necessárias.

O português que se falava no século passado não é o mesmo da atualidade, que

tampouco é o mesmo de duzentos, quinhentos anos atrás. Até o início do século

usava-se o pronome de tratamento “vossa mercê “que passou pelas formas

“vosmecê” , “você” e “cê”. Isso demonstra a dinâmica da língua.

Diante disso, se a língua de sinais fosse uma língua única e universal, sem

variedades regionais, temporais ou espaciais, teria questionado seu estatuto

linguístico e não responderia às especificidades culturais e necessidades dos

surdos de cada país.

Page 50: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

50

Vejamos como sinalizar a palavra “nome” em Língua de Sinais Americana (ASL) e

Libras:

O sinal para a cor “verde” apresenta uma variedade de formas nas diferentes

regiões brasileiras:

VERDE - RIO DE JANEIRO VERDE - SÃO PAULO

VERDE - CURITIBA

NOME - ASL NOME - LIBRAS

----

----

----

----

----

----

---- ----

Page 51: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

51

MAS - SÃO PAULO

Variações demandadas por diferenças sociais podem ser expressas por meio de

mudanças na configuração das mãos e/ou no movimento, o que não acarreta

mudanças no significado do sinal:

CONVERSAR CONVERSAR

AJUDAR AJUDAR

MAS - CURITIBAMAS - RIO DE JANEIRO

----

---- -------- ----

----

Page 52: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

52

Do mesmo modo, há mudanças motivadas com o transcorrer do tempo, as

chamadas mudanças históricas, determinadas por alterações decorrentes nos

costumes da geração que utiliza a linguagem. O sinal azul é bastante ilustrativo

dessa variação, pois, na origem, era soletrado como um empréstimo do

português. O ritmo e velocidade impresso na digitação o transformou em um

sinal motivado pela eliminação de parte das letras e incorporação de parte do

movimento utilizado em “Z” para soletrar “A e L”.

AZUL

AZUL

AVIÃO AVIÃO

SEMANA SEMANA

---

----

---

---- -------- ----

L---- ----

Page 53: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

53

BRANCO

Outra língua, outra gramática

Como um sistema linguístico autônomo, as regras de organização gramatical da

Libras diferem completamente da língua portuguesa. As investigações iniciais

tiveram como preocupação desvendar os princípios estruturais da língua,

revelando os parâmetros básicos de organização de um sinal.

A Libras têm sua estrutura gramatical organizada a partir de parâmetros que

estruturam sua formação nos diferentes níveis linguísticos. Para Quadros e

Karnopp (2006), os parâmetros principais que determinam o sistema fonológico

da Libras são:

� Configuração de mão (CM).

� Locação da mão (L).

� Movimento da mão (M).

� Orientação de mão.

� Expressões não manuais (expressões faciais e

corporais).

VELHO

CM

LM

--------

--------

----

--------

----

Page 54: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

As configurações da(s) mão(s) (CM) são as formas que a mão assume durante a

realização de um sinal. Com algumas variações, as pesquisas linguísticas comprovam

que há 43 configurações das mãos na Libras (Quadro I), sendo que o alfabeto manual

utiliza apenas 26 delas para representar as letras.

54

ONTEMVEADO

Observe os sinais para TELEFONE, BRANCO, VEADO e ONTEM e localize as

configurações de mãos utilizadas no quadro I, a seguir:

--------

Page 55: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

55

QUADRO I - AS 46 CONFIGURAÇÕES DE MÃO DA LIBRAS

FONTE: FERREIRA BRITO (1995, p. 220 apud FERNANDES; STROBEL, 1999).

O ponto de articulação (PA) ou Locação (L) é a região do corpo em que será

realizado o sinal. Em Libras, os sinais são articulados em uma das quatro

principais áreas do espaço de sinalização: a cabeça, o tronco, os braços e as

mãos (QUADROS; KARNOPP, 2004):

Page 56: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

56

FONTE: QUADROS; KARNOPP (2006)

A locação é um parâmetro distintivo determinante, já que a mudança da

localização, mantidos os demais parâmetros, determina mudanças no

significado. Observe que os sinais LARANJA e APRENDER apresentam a mesma

CM e M, mas são articulados em locais diferentes da cabeça (testa e boca).

APRENDERLARANJA

O Movimento (M) é o deslocamento da mão no espaço durante a realização do

sinal e pode assumir inúmeras perspectivas no espaço.

GALINHA HOMEM

Page 57: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

57

Direcionalidade do movimento:

a) Unidirecional: movimento em uma direção no espaço, durante a realização de

um sinal.

Ex.: PROIBID@, SENTAR, MANDAR.

b) Bidirecional: movimento realizado por uma ou ambas as mãos, em duas

direções diferentes.

Ex.: PRONT@, JULGAMENTO, GRANDE, COMPRID@, DISCUTIR,

EMPREGAD@, PRIM@, TRABALHAR, BRINCAR.

c) Multidirecional: movimentos que exploram várias direções no espaço, durante

a realização de um sinal.

Ex.: INCOMODAR, PESQUISAR.

@ = forma neutra

Quanto aos tipos de movimento:

a) Movimento retilíneo:

PORQUE

ESTUDARENCONTRAR

Page 58: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

58

b)�Movimento helicoidal:

AZEITE

MACARRÃOALT@

c)�Movimento circular:

IDIOTABRINCAR

BICICLETA

Page 59: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

59

d)�Movimento semicircular:

SAP@

e)�Movimento sinuoso:

BRASIL

NAVIORIO

SURD@ CORAGEM

Page 60: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

60

f) movimento angular:

ELÉTRICORAIO

DIFÍCIL

ATENÇÃO!

As expressões não manuais – faciais e corporais – não são meros componentes

extralinguísticos, tal qual ocorre nas línguas orais. Elas determinam relações

gramaticais, pois movimentos na face, ou corporais, indicam conteúdos

semânticos, definindo ou diferenciando o significados entre sinais. O dedo

indicador em [G] sobre a boca, com a expressão facial calma e serena, significa

SILÊNCIO; o mesmo sinal ordem: CALE A BOCA!

A mão aberta, com o movimento lento e com expressão serena, significa CALMA;

o mesmo sinal com movimento brusco e com expressão séria, significa PARE.

Um simples movimento de sombrancelha ou a duração do olhar podem expressar

conceitos totalmente antagônicos, indicando o caráter lingüístico desse traço.

Assim como a mudança na entonação de voz transforma uma oração da língua

falada em um elogio ou desprezo, um lance de olhar pode mudar o rumo de uma

negociação na língua de sinais, ainda que as mãos sinalizem uma mesma

sequência estrutural no espaço.

Outro aspecto interessante é a ordem dos constituintes na oração – a chamada

sintaxe –, que em nada lembra a lógica da língua portuguesa. Essa é a principal

dificuldade de aprendizes não surdos ao estudar a Libras, pois sua tendência é

Page 61: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

61

pensar na ordem das palavras no português e sinalizar nessa estrutura,

produzindo o que se denomina “português sinalizado”, algo parecido com o

“portunhol”, para exemplificar.

Do mesmo modo, é comum ouvir afirmações de aprendizes da língua de sinais

quanto à inexistência de marcação de tempo nas formas verbais ou de flexão de

número e gênero. Esse equívoco se dá pela tendência em buscar esses elementos

incorporados ao sinal. Na Libras, esses aspectos são marcados discursivamente

em mecanismos espaciais, e não morfossintaticamente, tal qual ocorre em

português. Assim, em um enunciado que envolve o verbo OLHAR, é a orientação

da mão que indica o sujeito e o objeto da oração, por exemplo. Isso significa que

não há dependência estrutural entre a língua de sinais de um país e sua língua

oral.

Por isso a Libras não pode ser estudada tendo como base a língua portuguesa,

porque ela tem gramática diferenciada, independente da língua oral. A ordem

dos sinais na construção de um enunciado obedece a regras próprias que

refletem a forma de o surdo processar suas ideias, com base em sua percepção

visual-espacial da realidade.

Vejamos alguns exemplos que demonstram exatamente essa independência

sintática da Libras com relação ao português:

Exemplo 1: Libras:

Português:

EU IR CASA

(verbo direcional)

"Eu irei para casa"

“para” não se usa em Libras, porque está

incorporado ao verbo.

Exemplo 2: Libras:

Português:

FLOR EU-DAR MULHER^BENÇÃO

(verbo direcional)

«Eu dei a flor para a mamãe"

Exemplo 3: Libras:

Português:

PORQUE ISTO

(expressão facial de interrogação)

"Para que serve isto?"

Exemplo 4: Libras:

Português:

IDADE VOCÊ

(expressão facial de interrogação)

"Quantos anos você tem?"

Page 62: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

62

Exemplo 5: Libras:

Português:

CINEMA MUITO-BO@

"O filme é maravilhoso!"

Há alguns casos de omissão de verbos na LIBRAS

Essas diferenças que omitem artigos, preposições e flexões verbais ou nominais

(gênero, número) nos levam a pensar que a gramática da Libras seria mais

“simplificada” em relação ao português, mas não se trata disso. Enquanto que no

português há elementos conectivos indicados com palavras, na Libras esses

mecanismos são discursivos e espaciais, estando incorporados ao movimento ou

em referentes espaciais. Também a morfologia das palavras em português se

modifica, como é o caso de desinências para PESSOA, TEMPO e MODO nas flexões

verbais. Já na Libras essas noções não são marcadas morfologicamente, mas são

representadas lexicalmente (por sinais) na enunciação.

No caso do sistema pronominal em Libras, há a prevalência da indicação para

marcação da pessoa. No singular (EU, VOCÊ, ELE), o sinal para todas as pessoas

do discurso é o mesmo, representado pela configuração de mão em CM[G] e

apontando a pessoa que fala. No caso do plural, há diferenças em relação ao

sistema do português, pois temos os pronomes:

NÓS-DOIS: a mão em CM[K] ou [V] e movimento retilíneo bidirecional.

NÓS-TRÊS: a mão assume o formato de três, CM[W] e movimento

circular.

NÓS-QUATRO: o formato será de quatro, CM[54] e movimento circular.

NÓS (configuração da mão [Gd] fazendo um círculo (nós).

EU – apontar para o peito do enunciador (a pessoa que fala).

EU

Page 63: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

63

Dual:� NÓS – 2

NÓS 2

Trial:� � NÓS - 3

Quatrial:� NÓS - 4

Plural

NÓS 3

NÓS - GRUPO

NÓS - TOD@

VOCÊ

Segunda pessoa

Singular:�VOCÊ – apontar para o interlocutor (a pessoa com quem se fala).

----

Page 64: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

64

Dual:� � VOCÊ - 2

Trial:� � VOCÊ - 3

Quatrial:� VOCÊ - 4

Plural: � VOCÊ - GRUPO� � � VOCÊ - TOD@

VOCÊ -2

VOCÊ - 4

VOCÊ - GRUPO

Terceira pessoa

Singular: EL@ – apontar para uma pessoa que não está na conversa ou para um

lugar convencional.

----

----

Page 65: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

65

Dual:� � EL@ - 2

Trial:� � EL@ - 3

Quatrial:� EL@ - 4

Plural:

Tipos de verbos

a)�Verbos direcionais – verbos que possuem marca de concordância. A direção do

movimento, marca no ponto inicial o sujeito e no final o objeto.

Ex.: "Eu pergunto para você." "Você pergunta para mim."

"Eu aviso você." "Você me avisa."

Verbos que incorporam o objeto: quando o verbo incorpora o objeto,

alguns parâmetros modificam-se para especificar as informações.

Ex.:� COMER

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----

----

----

----

----

Page 66: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

COMER-MAÇÃ

� � � COMER-BOLACHA

� � COMER-PIPOCA

� � TOMAR/BEBER

66

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---- --

--

---- --

--

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� � TOMAR-CAFÉ TOMAR-ÁGUA

� � ��������������������������������BEBER-PINGA / BEBER-CACHAÇA

� � ������������������������������������������CORTAR-TESOURA

� � CORTAR-CABELO � �������������������������CORTAR-UNHA

67

----

‘‘ ’’

----

----

----

----

Page 68: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

68

� � CORTAR-PAPEL

CORTAR-FACA

� CORTAR-CORPO – “operar”� � CORTAR-FATIA

TROCAR

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----

----

----

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Page 69: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

69

TROCAR-BEIJO, TROCAR-TIROS

TROCAR-COPO � � ���������������������������TROCAR-CADEIRA

Ancorados no corpo: são verbos realizados com contato muito próximo com

o corpo. Podem ser verbos de estado cognitivo, emotivo ou experienciais, como

pensar, entender, gostar, duvidar, odiar, saber; e verbos de ação, como conversar,

pagar, falar.

PENSAR

GOSTAR

ENTENDER

DUVIDAR

----

-------- ----

----

--------

----

----

‘‘ ’’ ‘‘ ’’

----

----

Page 70: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

Para produzirmos uma frase em LIBRAS nas formas afirmativa, exclamativa,

interrogativa, negativa ou imperativa, é necessário estarmos atentos às

expressões faciais e corporais a serem realizadas simultaneamente às mesmas.

Afirmativa: a expressão facial é neutra.

Interrogativa: sobrancelhas franzidas e um ligeiro movimento da cabeça,

inclinando-se para cima.

70

ODIAR SABER

CONVERSAR FALAR

----

Page 71: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

Exclamativa: sobrancelhas levantadas e um ligeiro movimento da cabeça,

inclinando-se para cima e para baixo.

Forma negativa: a negação pode ser feita através de três processos:

a)�incorporando-se um sinal de negação diferente do afirmativo:

71

TER NÃO-TER

NÃO-GOSTAR

---- ----

---- ----

Page 72: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

72

b)�realizando-se um movimento negativo com a cabeça simultaneamente à ação

que está sendo negada.

c)�acrescentando-se o sinal NÃO (com o dedo indicador) à frase afirmativa.

Observação: em algumas ocasiões, pode ser utilizada a dupla negação

simultaneamente.

NÃO-CONHECER

NÃO-PODER

Quando se deseja especificar as noções temporais, acrescentam-se sinais que

informam o tempo presente, passado ou futuro, dentro da sintaxe da Libras.

Ex.:Presente (agora / hoje)

Libras

Português

Libras

Português

HOJE EU-IR CASA MULHER^BENÇÃO ME@

«Hoje vou à casa da minha mãe»

AGORA EU EMBORA

’’Eu vou embora agora"

Passado (ontem / há muito tempo / passou / já)

Libras

Português

Libras

Português

Libras

Português

DEL@ HOMEM^IRMÃ@ VENDER CARRO JÁ

"O irmão dela vendeu o carro»

ONTEM EU-IR CASA ME@ MULHER^BENÇÃO

"Ontem, eu fui à casa da minha mãe»

TERÇA-FEIRA PASSADO EU-IR RESTAURANTE COMER^NOITE

’’Na terça-feira passada eu jantei no restaurante"

---- --

--

----

----

‘‘ ’’‘‘ ’’

Page 73: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

Presente (agora / hoje)

Libras

Português

Libras

Português

HOJE EU-IR CASA MULHER^BENÇÃO ME@

«Hoje vou à casa da minha mãe»

AGORA EU EMBORA

’’Eu vou embora agora"

Passado (ontem / há muito tempo / passou / já)

Libras

Português

Libras

Português

Libras

Português

DEL@ HOMEM^IRMÃ@ VENDER CARRO JÁ

"O irmão dela vendeu o carro»

ONTEM EU-IR CASA ME@ MULHER^BENÇÃO

"Ontem, eu fui à casa da minha mãe»

TERÇA-FEIRA PASSADO EU-IR RESTAURANTE COMER^NOITE

’’Na terça-feira passada eu jantei no restaurante"

Futuro (amanhã / futuro / depois / próximo)

Libras

Português

Libras

Português �

Libras

Português

Libras

Português

EU ESTUDAR AMANHÃ

"Amanhã irei estudar»

PRÓXIMA QUINTA-FEIRA EU ESTUDAR

"Estudarei na quinta-feira que vem»

DEPOIS EU ESTUDAR

"Depois irei estudar»

FUTURO EU ESTUDAR FACULDADE MATEMÁTICA

"Um dia farei faculdade de matemática"

73

Como já vimos anteriormente, na LIBRAS os sinais são formados a partir de

parâmetros principais e secundários e através de alguns componentes não

manuais. Há, também, uma série de outros sinais que são formados por

processos de derivação, composição ou empréstimos do português. Vejamos

alguns exemplos:

Sinais compostos: da mesma forma que no português, teremos compostos de

palavras no qual um elemento será o principal – o núcleo – e um elemento o

especificador – o adjunto. É interessante observar que na LIBRAS a estrutura não

será apenas binária e, neste caso, teremos dois ou mais elementos

especificadores de uma palavra-núcleo.

Page 74: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

Ex.:� Simples:�

CAFÉ AMIGO

CONHECER

� Composto:�

“zebra”:�CAVALO^LISTRAS

“açougueiro”: HOMEM^VENDER^CARNE

74

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----

----

----

CAVALO LISTRAS

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----

----

----

----

----

HOMEM VENDER CARNE

Page 75: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

“faqueiro”:�CAIXA^GUARDAR^COLHER^FACA^GARFO

Ex.: � pílula

� PÍLULA^EVITAR^GRÁVIDA “pílula anticoncepcional”

75

CAIXA GUARDAR

COLHER FACA GARFO

PÍLULA EVITAR

GRÁVIDA

Page 76: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

76

� PÍLULA^CALMA “calmante”

� PÍLULA^DOR DE CABEÇA “analgésico”

médico

� MÉDIC@^SEXO “ginecologista’

� MÉDIC@^OLHO “oftamotologista”

----

----

‘‘ ’’

Page 77: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

� � MÉDIC@^CRIANÇA “pediatra”

� � MÉDIC@^CORAÇÃO “cardiologista”

Sinais compostos podem indicar categorias. Para classificar um sinal por

categoria ou por grupo, acrescentamos à palavra-núcleo o sinal VARIADOS.

� � MAÇÃ^VARIADOS “frutas”

� � CARRO^VARIADOS “meios de transportes”

77

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----

--------

--------

Page 78: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

78

� COR^VARIADOS “colorido”

� COMER^VARIADOS “alimentos”

� LEÃO^VARIADOS “animais”

Gênero (feminino / masculino): é interessante observar que não há flexão de

gênero em Libras. Os substantivos e adjetivos são, em geral, não marcados.

Entretanto, quando se quer explicitar substantivos dentro de determinados

contextos, a indicação de sexo é feita pospondo-se o sinal "HOMEM / MULHER",

indistintamente, para pessoas e animais, ou a indicação é obtida através de

sinais diferentes para um e para outro sexo:

Exemplos:

HOMEM “homem” MULHER “mulher”

----

Page 79: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

HOMEM^VELH@ “vovô”

MULHER^VELH@ “vovó”

Adjetivos, artigos, pronomes e numerais não apresentam flexão de gênero,

apresentando-se em forma neutra. Essa forma neutra está representada pelo

símbolo @.

Ex.: ��������� � � ����AMIG@ FRI@

MUIT@ CACHORR@ SOLTEIR@

79

----

----

----

----

Page 80: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

Numerais e quantificação: a Libras apresenta diferentes formas de sinalizar

os numerais, a depender da situação:

cardinais: até 10, representações diferentes para quantidades e cardinais;

a partir de 11 são idênticos.

ordinais: do primeiro até o nono tem a mesma forma dos cardinais, mas os

ordinais possuem movimento, enquanto que os cardinais não possuem. Os

ordinais do 1º ao 4º têm movimentos para cima e para baixo, e os ordinais

do 5º até o 9º têm movimentos para os lados. A partir do numeral dez não

há mais diferenças.

80

valores monetários, pesos e medidas: para representar valores monetários

de 1 até 9, usa-se o sinal do numeral correspondente ao valor, incorporando

a este o sinal VÍRGULA ou, também, após o sinal do numeral

correspondente, acrescenta-se o sinal de R-S “real”. Para os valores de

1.000 até 9.000, usa-se a incorporação do sinal VÍRGULA ou PONTO.

1 2 3 4 5

6 7 8 9 0

Experimente praticar a sinalização dos números:

A placa de seu carro:

_______________________________________________________________

O número de sua casa:

_______________________________________________________________

O número de seu telefone residencial:

_______________________________________________________________

O número de seu telefone celular:

_______________________________________________________________

Page 81: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

81

Essa descrição sucinta da Libras não é suficiente para conhecê-la na sua

estrutura linguística como um todo e, muito menos, em suas especificidades

enquanto língua de uma comunidade. No entanto, parece ser um primeiro passo

para que observemos que a Libras é uma língua natural, com toda a

complexidade dos sistemas linguísticos que servem à comunicação, socialização

e ao suporte do pensamento de muitos grupos sociais.

Enfim, há uma riqueza de elementos na Libras, baseados na cultura visual dos

surdos, que nos oferecem um amplo universo de possibilidades de representar o

mundo, encadeando as palavras, não de forma linear e sequencial, como

estamos acostumados na comunicação oral e também escrita, mas de modo

simultâneo e multidimensional.

Toda essa riqueza cultural que, infelizmente, ainda é desconhecida pela grande

maioria das pessoas, traz uma nova compreensão das pessoas surdas como

integrantes de uma minoria linguística, tal como ocorre com comunidades

indígenas e de imigrantes.

Obviamente, a oficialização da Libras em nível nacional é apenas o primeiro

passo para a definição de políticas linguísticas que contemplem a cidadania

bilíngue dos surdos brasileiros.

Nesta unidade houve uma breve descrição dos aspectos que caracterizam a

estrutura gramatical da Libras, de modo a oferecer subsídios teóricos para a

ampliação do conceito de linguagem verbal para além da fala.

Reconhecer a Libras como língua das comunidades surdas brasileiras e conhecer

aspectos de sua organização linguística permite compreender sua função no

desenvolvimento da linguagem das crianças surdas, bem como favorece a relação

entre Libras como primeira língua e português como segunda língua.

Os principais conceitos sistematizados neste módulo foram:

modalidade visual-espacial da Libras;

parâmetros principais: configuração de mão(s), movimento e ponto de

articulação;

sinais simples e compostos;

estrutura frasal da Libras.

Utilize o dicionário de Libras para praticar os sinais exemplificados na unidade.

Page 82: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

82

AUTOAVALIAÇÃO

Agora que você aprendeu algumas regras de organização gramatical dos sinais

em Libras, vamos tentar responder algumas questões? Com base no Dicionário

D i g i t a l de L i b ra s , que pode se r a ce s sado no ende re ço :

http://www.acessobrasil.org.br/libras/

Tente dar respostas às questões abaixo:

Ao abrir o dicionário, clique na guia “mão”, para sua pesquisa em Libras.

Page 83: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

83

Pesquise três sinais para cada uma das configurações de mão indicadas:

_______________________________________________________

_______________________________________________________

_______________________________________________________

_______________________________________________________

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_______________________________________________________

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_______________________________________________________

_______________________________________________________

_______________________________________________________

_______________________________________________________

_______________________________________________________

_______________________________________________________

Observe que a configuração de mãos deve ser respeitada, para que o sinal seja

realizado com sucesso.

Passemos agora a outro exercício, em que você deverá indicar em qual dos

espaços de articulação os sinais são articulados. Considerando que a região de

contato onde o “toque” das mãos é realizado é o que determina o espaço de

Locação (L), distribua os sinais segundo os espaços de articulação:

DIFERENTE, SENTAR, SEMPRE, OBRIGAD@, ÔNIBUS, CONHECER,

FAMÍLIA, SURD@, SAÚDE, PESSOA, CURSO, EDUCAD@, GALINHA,

PASSEAR, SAPO, BOI, PASSARINHO.

Page 84: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

84

Por fim, um último momento de estudo. Pesquise sinais que apresentem

movimento:

Page 85: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

EDUCAÇÃO BILINGUE

PARA SURDOS: DESAFIOS

AOS SISTEMAS DE ENSINO

UN

IDA

DE

3

Page 86: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf
Page 87: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

87

Unidade 3 EDUCAÇÃO BILINGUE

PARA SURDOS: DESAFIOS

AOS SISTEMAS DE ENSINO

3 EDUCAÇÃO BILÍNGUE PARA SURDOS: DESAFIOS AOS SISTEMAS DE

ENSINO

Esta unidade tem como base compilações de publicações anteriores da autora

FERNANDES (1999, 2007a, 2007b).

Para início de conversa...

O pesquisador argentino Carlos Skliar (1998) nos ensina que a educação bilíngue

para surdos é algo mais do que o domínio, em algum nível, de duas línguas. Ele

nos alerta para a armadilha de reduzirmos o complexo debate da educação

bilíngue para o plano estrito das línguas – Libras e língua portuguesa –, correndo

o risco de transformar esse processo em um mero dispositivo pedagógico

"especial", em mais uma utopia a ser rapidamente abandonada e substituída por

outra nova invenção metodológica.

O que Skliar nos alerta é para o fato de que, ao reconhecer que os surdos são

potencialmente integrantes de uma minoria linguística, desde o seu nascimento,

isso significa que sua situação de bilinguismo extrapola os muros da escola e

contempla um debate político, econômico e cultural que deve envolver inúmeras

instâncias sociais.

A disputa pela língua em que a educação é ministrada é também uma disputa por

espaços de poder na sociedade incorporando variáveis que não se limitam ao

debate sobre qual a melhor língua na educação de surdos.

O projeto de educação bilíngue tem como foco inicial a infância surda, suas

vivências familiares e sociais para a Educação Infantil, mas se espraia para

tantos outros contextos sociais e fases da vida em que o direito à diferença

Page 88: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

88

linguística deve ser observado, sob pena de marginalização, preconceito e

exclusão.

Imbuídos dessa diretriz filosófica, nesta unidade trataremos de conceitos,

reflexões e práticas que constituem os fundamentos da educação bilíngue para

surdos.

Tenho um filho surdo! E agora?

Depoimentos de inúmeros pais relatam que, após um diagnóstico clínico de

surdez, anunciado pelo médico, um futuro obscuro e incerto é traçado, no qual

circulam fantasmas futuros anunciando os problemas da falta de audição, da

impossibilidade da fala, dos problemas de comunicação. A notícia da

DEFICIÊNCIA AUDITIVA (já estudamos a carga semântica negativa que essa

expressão carrega), não raro é dada por um profissional da saúde, quase sempre

um médico, cuja visão clínica (com sorte acompanhada de doses de

humanismo...) pretende esclarecer aos pais as limitações que o defeito

circunscrito à “orelha” poderá desencadear ao desenvolvimento desse bebê.

Para os pais, nenhuma explicação posterior faz sentido, pois a palavra

DEFICIÊNCIA é a que mais lhe chama a atenção nesse momento. O que os pais

deveriam saber, e quase sempre não lhes é dito, é que o aspecto mais importante

em se ter um filho surdo é que ele apresentará uma diferença na comunicação.

Apenas isso! Poderá ser uma criança inteligente, questionadora e feliz, como

milhares de outras tantas... Mas necessita aprender um sistema de comunicação

adequado às suas necessidades visuais, e não auditivas, como é comum entre a

imensa maioria das pessoas.

Vamos recorrer à imagem de uma viagem, para ilustrar o quanto a experiência

de ter um filho surdo pode ser positiva, se não enxergarmos nela a frustração de

não ter tido um filho ouvinte.

“BEM VINDO À HOLANDA”...

Esperar um bebê é como planejar a fantástica viagem de férias com

que você sempre sonhou – para a Itália. Você compra um monte de

guias e faz planos maravilhosos. O Coliseu. O David de Michelangelo.

As gôndolas, em Veneza. Você pode aprender frases úteis em italiano.

Tudo é uma festa.

Depois de meses de expectativas, finalmente chega o dia da viagem.

Malas prontas, você entra no avião e, algumas horas depois, a aeromoça

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89

vem e diz:

– “Bem-vinda à Holanda”.

– “Holanda?! Como assim, Holanda?, você se espanta. “Meu vôo era

para a Itália. Sonhei a vida inteira em ir para a Itália”.

Mas houve uma mudança no plano de voo. Aterrissaram na Holanda e

este é seu destino agora. Importante é que não te levaram a um lugar

horrível, desagradável e sujo, cheio de epidemias, fome e doença. É só

um lugar diferente.

Então você tem de sair e comprar novos guias. E aprender uma língua

nova. E conhecer pessoas que nunca teria conhecido. É só um lugar

diferente. O ritmo é mais lento que o da Itália; a luz menos brilhante. Mas,

depois de estar lá por algum tempo, você toma fôlego, olha em volta... e

começa a notar que a Holanda tem moinhos... e a Holanda tem tulipas. A

Holanda tem até Rembrandts.

Mas todo mundo que você conhece foi e voltou da Itália, contando

maravilhas do tempo passado lá. Pelo resto da vida você dirá:

– “É, era para lá que eu deveria ter ido. Era isso que eu tinha

planejado”.

Mas, se você passar a vida lamentando o fato de não ter ido para a Itália,

talvez não possa descobrir o que existe de tão especial e todas as coisas

adoráveis que há... na Holanda.

FONTE: Emily Perl Knisley (1987) extraído de Cerebral Palsy Association of

Western Austrália Ltda. e traduzido pela Drª Ávila de Carvalho, Minas Gerais, em

30/12/1995.

Essa é a perspectiva que devemos ter em mente como pais e professores de

surdos. É preciso vivenciar a experiência para descobrir novidades a aprender:

uma nova língua, uma forma de ver o mundo totalmente determinada pela visão,

enfim, uma experiência que exige de nós a máxima sensibilidade visual, sob

pena de perdermos algum detalhe importantíssimo dessa viagem...

Carlos Sánchez, um famoso médico venezuelano e estudioso da educação de

crianças surdas, fala sobre a notícia mais importante a ser comunicada aos pais,

no momento do diagnóstico da surdez. Ele relata que, em seu consultório, no

momento de informar o diagnóstico de surdez de um filho aos pais, costumava

oferecer uma explicação muito clara e simples: ter um filho surdo equivalia a

acolher um “estrangeiro” no seio familiar. Essa explicação, embora estranha,

ajudava os pais a entenderem que, mesmo nascendo no país, a aprendizagem de

seu idioma como língua materna estaria inviabilizada pela surdez.

Segundo Sánchez (1993), essa constatação eliminaria metade dos problemas a

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90

que têm sido submetidas às crianças surdas e suas famílias. Ao compreender que

seus filhos NÃO SÃO DEFICIENTES (mesmo que possuam uma perda auditiva),

mas necessitam de uma outra língua para sua comunicação e desenvolvimento,

assim como estrangeiros, imigrantes, ou grupos indígenas, os pais receberiam a

notícia de forma menos sofrida e mais equilibrada para tomar as decisões

acertadas.

Assim, para que a criança surda se sentisse integrada à família, era preciso que

os pais aprendessem o quanto antes, e da melhor maneira possível, a língua de

sinais, que lhes permitiriam a comunicação com seu filho. Para o médico, essa

condição, aliada à possibilidade de contato e interlocução com surdos adultos,

cria um ambiente linguístico favorável à comunicação e à interação, já na

infância.

Myrna Salermo professora auxiliar da UFRJ, especialista em Linguistica,

pesquisadora surda, pioneira da língua de sinais no Brasil, em seus estudos,

denuncia o fato de que, há pouco tempo, famílias ouvintes “escondiam” os filhos

surdos pela “vergonha” de ter concebido uma criança fora dos padrões

considerados normais. Com isso, muitos surdos não saíam de casa, ou só o

faziam acompanhados dos pais. Assim como ocorreu com ela, a comunicação na

família era muito difícil, pelo desconhecimento e não aceitação dos pais da língua

de sinais. Myrna assegura que esse fato conduziu filhos surdos ao isolamento,

gerando sérios problemas de comportamento, como nervosismo, agressividade

e crises de identidade (MONTEIRO, 2006). A pesquisadora acredita que muitas

conquistas já foram efetivadas, mas que é na família que a transformação deve

começar a acontecer. A principal luta é quanto à garantia de que crianças surdas

tenham a língua de sinais como língua materna, no seio familiar, e,

posteriormente, lhes seja oferecido o direito de optar pelo uso da modalidade

oral, além da obrigatoriedade do aprendizado da língua portuguesa escrita.

O contato de uma criança com o mundo é mediada por símbolos e palavras pelas

quais ela interage com outras pessoas, tem acesso às informações e desenvolve

funções psicológicas cada vez mais complexas, ou seja, a abstração, o raciocínio

lógico, a memória e o planejamento antes da ação, entre tantas outras

possibilidades.

Para nós que utilizamos a palavra falada como principal meio de interação com o

mundo, é difícil supor que gestos desenhados no ar possam realizar tarefas tão

complexas do ponto de vista simbólico e cognitivo. É comum que crianças surdas

utilizem gestos para se comunicar, apontando, dramatizando situações, criando

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91

uma forma de linguagem própria para se comunicar, pela impossibilidade de

ouvir a fala de seus pais e demais membros da sociedade.

Como afirma o pesquisador russo Vygotsky (1991), a linguagem verbal é um

sistema simbólico fundamental para o desenvolvimento e aprendizagem da

criança, posto que encerra os conceitos generalizados e elaborados pela cultura

humana. Para o autor, o surgimento da linguagem imprime três mudanças

essenciais nos processos psíquicos humanos:

a)�permite lidar com os objetos do mundo exterior mesmo quando eles

estão ausentes (representação);

b)�possibilita os processos de abstração e generalização;

c)�exerce a função de comunicação entre os homens, que garante como

consequência a preservação, transmissão e assimilação de informações

e experiências acumuladas pela humanidade ao longo da história.

Portanto, são os gestos naturais e a mímica (linguagem gestual) que

correspondem à linguagem não verbal. A língua de sinais é um sistema linguístico

complexo, verbal, portanto, que oportuniza aos surdos as mesmas condições de

desenvolvimento e aprendizagem, à semelhança do que ocorre com a fala para

as demais crianças.

O mito de que a língua de sinais não permite a representação de palavras e

conceitos abstratos faz com que pais e professores insistam na ideia de que todas

as crianças surdas devem aprender a falar, o que, quase sempre, não acontece.

Há pesquisas demonstrando que, em média, nos últimos cinquenta anos, apenas

15% das crianças surdas que ingressaram em programas de reabilitação da

audição e da fala aprenderam a falar. Esse aprendizado, no entanto, não é similar

ao das crianças não surdas. Quase sempre, apenas a família e pessoas do círculo

de relações da criança surda conseguem entender sua forma peculiar de

expressão oral.

A principal implicação que esse mito tem para o desenvolvimento e

aprendizagem dessas crianças é que elas, ao serem impedidas de sinalizar,

acabam por não aprender nenhum sistema linguístico que lhes possibilite se

comunicar e representar a realidade, nem a fala, nem a escrita e, a mais

importante forma de comunicação para elas: a língua de sinais.

Os pais e professores de surdos devem estar atentos a todos os movimentos

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92

realizados por seus filhos. Um gesto, uma apontação, a fixação do olhar para

determinados objetos são, muitas vezes, a forma que os filhos encontram para

informar que querem saber sobre uma pessoa, ou situação. São sinais de

intenção comunicativa que não podem ser desprezados.

Assim, professor, é necessário que você conheça a história de vida de seu aluno

surdo quando ele chegar à escola. Se ele for filho de pais ouvintes (caso de mais

de 95% dos surdos) e resida em uma localidade onde não haja surdos adultos

sinalizadores, é bem provável que a estratégia que utilize na comunicação seja a

linguagem gestual, com gestos naturais e/ou sinais codificados criados para sua

interação com a família. Essa forma de comunicação se desenvolve

naturalmente, mesmo isolada do contato com outros surdos, mas restringe as

possibilidades de formação de conceitos abstratos, limitando o desenvolvimento

do pensamento e da linguagem.

3.1�PAIS OUVINTES, FILHOS SURDOS: O QUE FAZER?

Crianças que ouvem têm o português como língua materna, já que seus pais se

comunicam com ela, muito antes que ela entenda uma palavra sequer nessa

língua. À medida que vão crescendo, ouvem muitas conversas na família e,

mesmo que não saibam dizer uma palavra, entendem muitas das coisas que lhes

são ditas, diariamente. Aprendem nomes de pessoas e objetos da casa,

constroem hipóteses sobre o mundo que as cerca, aprendem limites e regras

sobre o que é certo e errado, o que podem e não podem fazer em determinadas

situações. Ou seja, são as primeiras lições para conviver em sociedade, fazer

amigos, ser aceito pelo grupo.

O aprendizado mais importante dessa fase é que as crianças se sentem membros

daquele grupo de referência; elas se sentem parte de uma família.

Como a grande maioria das crianças surdas é filha de pais não surdos e como o

português não pode ser aprendido naturalmente, devido ao impedimento

auditivo, permanecem em uma condição de carência linguística e de informações

durante toda a infância, até que cheguem à escola e aprendam a língua de sinais

com outros surdos e seus professores (FERNANDES, 2006).

Assim, mesmo que os pais não dominem completamente a Libras e estejam se

esforçando para que isso aconteça, é fundamental que as interações na família

priorizem a comunicação gestual, as apontações, as fotos, os desenhos e todas

as possibilidades de comunicação visual que estiverem ao alcance dos pais.

Page 93: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

93

É comum que em casa pais ouvintes e crianças surdas criem um sistema gestual

de comunicação próprio, cujos códigos geralmente têm seus sentidos

negociados apenas no restrito grupo familiar, não servindo a contextos mais

abrangentes de interação. No entanto, é necessário que ela conheça a língua de

sinais convencional, com a qual poderá se comunicar com quaisquer pessoas que

a dominem no território brasileiro, sejam surdas ou não.

Ainda que seja difícil para os pais compreenderem, o contato com surdos adultos,

que já dominam a língua de sinais, será imprescindível e facilitará a imersão da

criança nesse ambiente linguístico que as crianças que ouvem vivenciam,

naturalmente, em sociedade. Nos Estados Unidos, experiências de contratação

de babás surdas nas famílias que dispõem de condições para esse serviço têm

apresentado ótimos resultados para essa finalidade.

É uma das formas para garantir que a língua materna seja a Libras, ainda que os

pais sejam falantes da língua portuguesa.

E se os pais forem surdos também,

como será o desenvolvimento da criança?

Inúmeros estudos de pesquisadores, no mundo todo, desenvolvidos com

crianças surdas filhas de pais surdos, ou que desde o primeiro ano de vida

tiveram contato com a língua de sinais, demonstram que elas passam por todas

as etapas de aquisição da linguagem, sem prejuízos. Isso demonstra que, para o

cérebro, não importa se a língua é falada ou sinalizada, pois o importante é que

haja um sistema linguístico organizado em regras convencionais para a

representação da realidade. Essa língua, fruto da convenção social, possibilitará

a formação de conceitos e a compreensão da necessidade de também aprender o

português, língua da grande maioria das pessoas que nascem no Brasil, o que

caracteriza o bilinguismo dos surdos (FERNANDES, 2007a).

Portanto, para que não haja barreiras de comunicação entre pais e filhos surdos,

a língua de sinais construirá o elo de interação e o vínculo afetivo familiar e

possibilitará o aprendizado da língua portuguesa, para ampliar seu círculo de

relações sociais.

Page 94: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

94

FONTE: http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=download&id=911950

Você sabia que crianças surdas, filhas de pais surdos, que desde o nascimento

estiveram expostas à língua de sinais, têm um desenvolvimento linguístico,

cognitivo, afetivo e social adequados, demonstrando melhores resultados nas

atividades escolares, menores dificuldades em aprender o português e menor

incidência de problemas emocionais na adolescência, em relação àquelas que não

tiveram acesso à língua de sinais na infância?

Aprendendo a língua de sinais, os pais ampliam as possibilidades de oferecer

informações e conhecimentos às crianças, antes mesmo de elas chegarem à

escola.

Sabemos que a participação dos pais, estabelecendo uma relação de confiança

mútua com os filhos surdos, contribui para a elevação da autoestima e para que

eles não se sintam diferentes, rejeitados ou incapazes ao ingressarem em uma

escola e iniciar os primeiros contatos com a leitura e escrita.

É exatamente essa a principal mensagem que pais de crianças surdas devem

aprender. Seu filho surdo, impedido de aprender a falar, pela perda auditiva que

apresenta, terá um potencial para aprender uma língua visual-espacial: a língua

brasileira de sinais. A Libras, aprendida no período de 0 a 3 anos, ou assim que a

surdez for diagnosticada, possibilitará um desenvolvimento nos mesmos padrões

das crianças ouvintes. Depois disso, poderá aprender outras línguas, como o

português e o inglês, além de línguas de sinais de outros países, se tiver a

oportunidade, caracterizando uma situação de bilinguismo.

Page 95: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

95

Conheça alguns endereços interessantes:

www.libraselegal.com.br

www.libras.org.br

www.acessobrasil.org.br

Onde posso aprender a língua de sinais?

Pais e professores podem aprender a língua de sinais estando em contato com

surdos adultos que a utilizam, ou realizando cursos de Libras.

As Secretarias de Educação devem ter como diretriz da política de inclusão a

oferta de Libras para toda a comunidade escolar nos estabelecimentos onde

estejam matriculadas crianças e jovens surdos.

Há, também, diversos materiais disponíveis no mercado que possibilitam a

aprendizagem da Libras, como vídeos, DVD's e dicionários digitais e impressos.

Todos esses materiais são produzidos com a participação direta de educadores

surdos e outros especialistas. É uma excelente ferramenta de apoio ao

aprendizado de Libras, por contar com jogos didáticos e atividades lúdicas,

bastante apropriadas à interação de pais e filhos surdos.

A literatura infantil é uma forma lúdica de abordar essa temática tão séria que é a

diferença cultural que envolve o nascimento de uma criança surda no seio de

famílias ouvintes.

O livro Tibi e Joça, Uma história de dois mundos, de Cláudia Bisol é uma

referência importante para ser lido e debatido com as crianças e seus pais em

sala de aula.

Page 96: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

96

3.2�EDUCAÇÃO BILÍNGUE PARA SURDOS NA INFÂNCIA

Em uma situação de bilinguismo considerada ideal, as crianças surdas deveriam

aprender a língua de sinais como língua materna, no ambiente familiar, e ter

plenamente desenvolvida suas necessidades de comunicação, sem barreiras ou

impedimentos, por meio da interação em uma língua de modalidade visual (para

ser aprendida) e espacial (para ser produzida).

A partir dessa base linguística consolidada, o português seria ensinado na escola,

tendo como parâmetro metodologias de ensino de segundas línguas, desde a

Educação Infantil, de zero a seis anos.

Diante dessa situação, atualmente as políticas oficiais emanadas apontam que a

educação dos surdos deva ser bilíngue, assegurando o direito de acesso à Libras

e à língua portuguesa escrita, ensinadas no contraturno com a participação de

educadores surdos e professores bilíngues.

Como vimos, como grande parte das crianças surdas nascem em famílias não

surdas, elas necessitam que a escola seja o espaço comunitário para o

aprendizado da Libras. Por isso se justifica a necessidade da organização do

bilinguismo no espaço escolar, para oportunizar o acesso, o mais brevemente

possível, não a um, mas a dois sistemas linguísticos convencionais. Para que a

criança surda não tenha prejuízos em seu desenvolvimento linguístico, afetivo-

emocional, cognitivo e social, ou seja, a fim de se igualar, em oportunidades de

acesso à comunicação e ao conhecimento, às demais crianças brasileiras, será

necessário que seja organizado um espaço institucional para que sua educação

linguística se concretize.

Assim, considera-se a educação bilíngue como o processo em que família,

sistema educacional e comunidade desenvolvam ações articuladas para

assegurar que a Libras seja a língua materna das crianças surdas,

preferencialmente de zero a três anos. O acesso à língua portuguesa, como

segunda língua, possibilitará a ampliação de suas relações sociais e a apropriação

de elementos da cultura nacional, comuns a todos os brasileiros.

A legislação vigente abre a possibilidade para a organização de classes e escolas

bilíngues na Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental, em que a

Libras seja língua principal na comunicação, para o acesso ao conhecimento

formal, e língua mediadora no processo de ensino e aprendizagem do português

escrito. A modalidade oral da língua portuguesa, caso seja opção da família, será

Page 97: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

97

desenvolvida por fonoaudiólogos bilíngues, no contraturno da escolarização, em

políticas de interface entre a Saúde e a Educação.

Para que esse processo tenha continuidade, além dessas classes e escolas

funcionando com professores bilíngues habilitados, assegura-se a presença de

intérpretes de Libras/Língua Portuguesa nas salas regulares de séries finais do

Ensino Fundamental, Ensino Médio e Superior. Além disso, compete ao Poder

Público promover a formação e capacitação de profissionais bilíngues para dar

sustentação ao processo de inclusão social e escolar de alunos surdos.

A regulamentação da Lei de Libras pelo Decreto Federal nº 5.626, em 2005,

(BRASIL, 2005) trouxe avanços para as pessoas surdas, visto que amplia os

domínios da língua de sinais para diferentes segmentos sociais. Vejamos os

avanços mais importantes:

Reconhece a pessoa surda como aquela que compreende e interage com o mundo por

meio de experiência visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da

Língua Brasileira de Sinais - Libras

Torna a Libras componente curricular obrigatório nos cursos de formação de

professores, em nível médio e superior, e de Fonoaudiologia, em dez anos (até 2016).

Estabelece diretrizes para a formação de docentes para o ensino de Libras na Educação

Básica e Superior, em nível superior, em curso de graduação de licenciatura plena em

Letras-Libras.

Assegura a oferta obrigatória do ensino e uso da Libras e o ensino da Língua Portuguesa,

como segunda língua, desde a Educação Infantil, para alunos surdos.

Propõe a capacitação e contratação pelos sistemas de ensino de professor ou instrutor

de Libras, tradutor e intérprete de Libras-Língua Portuguesa e professor para o ensino

de Língua Portuguesa como segunda língua para pessoas surdas.

Indica a adoção de mecanismos de avaliação coerentes com aprendizado de segunda

língua, na correção das provas escritas, valorizando o conteúdo, independentemente

de possíveis incorreções gramaticais, reconhecendo a singularidade linguística dos

surdos.

Demonstra a importância de se desenvolverem mecanismos alternativos para a

avaliação de conhecimentos expressos em Libras pelos surdos, por meios do uso de

tecnologias da educação.

AUTOAVALIAÇÃO

É comum que a população manifeste resistência ao estudo das leis, tanto pelo fato

Page 98: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

de serem escritas em uma norma muitas vezes incompreensível para a maioria

como pelo fato de que resultam, quase sempre, em “letra morta”, não efetivando

direitos na prática social.

Mesmo ciente dessas limitações, podemos exercer o direito à reivindicação do que

é assegurado como conquista no corpo do sistema jurídico. Nesse sentido, o

Decreto Federal 5.626/2005 apresenta uma série de diretrizes que, efetivadas,

consubstanciariam inúmeras oportunidades de os surdos exercerem sua

cidadania bilíngue no contexto nacional.

Sugerimos um roteiro de estudo para conhecer os direitos assegurados aos

surdos pela regulamentação da Lei de Libras no Brasil:

1.�Como o Decreto define a pessoa surda? O que essa definição traz de novo,

em relação à legislação anterior? (Capítulo I)

2.�Qual a formação dos docentes de Libras (Capítulo III):

a)�para a Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental?

b)� para as séries finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio e

Superior?

c)�Na falta de profissionais com essa formação, quem poderá ensinar

Libras?

3.�O que é e qual o objetivo do Exame de Proficiência em Libras (Prolibras)?

Quais os profissionais que serão certificados? Quem fará parte da banca de

avaliação? Qual deverá ser a sua frequência? (Capítulos I e V)

4.�Qual a diferença entre o docente de Libras e o instrutor? A docência pode ser

oexercida por qualquer pessoa, surdos ou ouvintes? (Capítulo III, art. 7 )

5.�Segundo a lei, o que os sistemas de ensino devem assegurar no processo

oeducacional de alunos surdos? (Capítulo IV, art. 14 )

6.�Quais os pré-requisitos para atuar como profissional tradutor e intérprete?

(Capítulo V)

7.�Como são definidas as classes e escolas bilíngues? (Capítulo VI)

8.�A quem compete o ensino das modalidades oral e escrita do português?

o o(Capítulo IV, art. 15 e art. 16 )

Que implicações as diretrizes político-pedagógicas

do Decreto Federal têm para a

organização da escola e dos sistemas de ensino?

98

Page 99: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

99

Como vou ensinar em Libras, se não domino essa

língua e a maioria dos alunos se comunica pela fala?

3.3�BILINGUISMO E ESCOLA INCLUSIVA

Em uma escola inclusiva para surdos, português e Libras têm o mesmo valor e

são línguas utilizadas por todos os alunos e professores, a única forma para que o

aluno surdo participe ativamente do processo de ensino e de aprendizagem, na

interação efetiva com todos os atores da escola.

As mudanças exigidas envolvem a totalidade do sistema de ensino, com ações

ordenadas e sistemáticas desde a Educação Infantil até o Ensino Superior,

envolvendo o Ministério da Educação, as Secretarias Estaduais e Municipais de

Educação, o projeto político-pedagógico da escola e a comunidade escolar.

Justamente porque a inclusão de alunos surdos não depende apenas de recursos

técnicos, materiais e na arquitetura, como ocorre em outras áreas, a formação

inicial e continuada deve ser o foco das ações a serem desenvolvidas, visto que o

que muda é a situação linguística da escola.

Diante disso, as principais mudanças no currículo dizem respeito à garantia da

acessibilidade na comunicação, oportunizada pela aprendizagem da Libras como

língua materna e, consequentemente, da língua portuguesa escrita, como

segunda língua. Ambas as línguas irão mediar o acesso aos conteúdos

acadêmicos e as interações que envolverem o aluno surdo no contexto escolar.

A essa altura, o professor deve estar se perguntando:

Page 100: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

Sou a professora bilíngue. Minha função

é ensinar o português como segunda

língua para surdos, por meio de práticas

de letramento.

Sou a tradutora e intérprete de Libras. Atuo na

mediação linguística entre alunos surdos e os

demais membros da comunidade escolar.

Minha função principal é interpretar os

conteúdos trabalhados pelos professores das

disciplinas para que os alunos possam

aprender em igualdade de condições

linguísticas.

Novos personagens devem habitar a escola para que o bilinguismo se efetive:

Sou o professor de libras. Minha função é

contemplar aspectos culturais da

comunidade surda no currículo escolar.

Ensino Libras para os alunos surdos e

ouvintes, além de pais, professores e

funcionários.

100

Page 101: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

101

A provisão desses profissionais na escola constitui apenas o ponto de partida

para a implantação de propostas de educação bilíngue. Do ponto de vista das

práticas escolares, exige-se uma constante reflexão sobre os conteúdos, os

objetivos, as metodologias e as formas de avaliação em curso na escola e sua

adequação às possibilidades dos alunos surdos.

Observe nas ilustrações a seguir, duas possibilidades de a educação bilíngue ser

realizada nas escolas:

Nesse modelo, a língua de

instrução e de interação entre

professores e alunos é a Libras. É

o modelo ideal a ser adotado na

Educação Infantil e séries iniciais

do Ensino Fundamental, por

favorecer a relação direta entre

os interlocutores e favorecer o

processo de aquisição da

linguagem no período mais

importante para a criança surda –

a infância. Esse modelo está assegurado no Decreto Federal, quando se resguarda

a possibilidade de organização de classes e escolas bilíngues.

Nesse modelo, denominado

i n c l u s i vo , a l unos su rdos

frequentam as aulas em turmas

mistas, nas quais o português é a

língua principal nas atividades

curriculares e a tradução em

Libras é assegurada pela

presença do intérprete. É mais

recomendado e adotado nas

s é r i e s f i n a i s d o E n s i n o

Fundamental, Ensino Médio e

Ensino Superior, posto que, nas faixas etárias correspondentes, jovens e adultos

surdos já se apropriaram da Libras e estão mais maduros emocional e

academicamente para compreender as distintas funções de ambos os

profissionais em sala de aula.

A política de inclusão ainda garante a possibilidade de atendimento educacional

especializado (AEE), no contraturno escolar, para complementação curricular, no

qual se destacam três momentos didático-pedagógicos:

Page 102: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

102

AEE em Libras na escola comum, em que todos os conhecimentos dos diferentes

conteúdos curriculares, são explicados nessa língua por um professor, sendo o mesmo

preferencialmente surdo. Esse trabalho é realizado todos os dias, e destina-se aos

alunos surdos.

AEE para o ensino de Libras na escola comum, no qual os alunos com surdez terão aulas

de Libras, favorecendo o conhecimento e a aquisição, principalmente de termos

científicos. Este trabalhado é realizado pelo professor e/ou instrutor de Libras

(preferencialmente surdo), de acordo com o estágio de desenvolvimento da Língua de

Sinais em que o aluno se encontra.

AEE para o ensino da Língua Portuguesa, no qual são trabalhadas as especificidades

dessa língua para pessoas surdas. Este trabalho é realizado todos os dias, à parte das

aulas da turma comum, por uma professora de Língua Portuguesa, graduada nesta

área, preferencialmente. O atendimento deve ser planejado a partir do diagnóstico do

conhecimento que o aluno tem a respeito da Língua Portuguesa. (BRASIL, 2007, p. 25)

Diante desses movimentos sociais, da mudança nas concepções de surdez e das

diretrizes legais, desde a década de 1990 que a inclusão social dos surdos é

dependente de políticas públicas que reconheçam sua situação de bilinguismo,

pelo uso irrestrito da língua de sinais na vida social e pela organização das

diferentes instâncias, com destaque à escola, para oportunizar-lhes o

aprendizado da língua portuguesa como segunda língua.

3.3.1�Português como segunda língua para surdos

Em função de sua situação de bilinguismo, a língua portuguesa será ensinada

como segunda língua na escola e seu aprendizado deverá mobilizar a adoção de

metodologias específicas de ensino, mediadas por professores bilíngues, tal qual

ocorre em situações de aprendizado de línguas estrangeiras.

Se já tecemos considerações sobre as dificuldades de os surdos estarem

incluídos em um ambiente escolar em que a língua portuguesa é dominante (nas

aulas, nas interações, nos livros...), em que há inúmeras dificuldades de os

surdos estabelecerem uma comunicação oral consistente com os ouvintes (se o

português for a opção para tal), ao considerar-se a escrita, suas produções

encontram inúmeros obstáculos que são potencializados na medida em que as

práticas pedagógicas convencionais preconizam o bom desempenho em

linguagem oral como requisito necessário à aprendizagem da linguagem escrita.

Como a maioria dos procedimentos metodológicos objetiva a oralidade como

requisito indispensável à alfabetização e estabelece-se uma relação causa-efeito

Page 103: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

equivocada entre fala e escrita nesse processo, alunos surdos são duplamente

prejudicados, pois, além de não se integrarem aos debates prévios que

encaminham as atividades de leitura e escrita na escola, seu processo de

letramento escolar é repleto de descontinuidades.

Observe textos de alunos surdos em diferentes níveis de escolarização:

Texto I - Relato de experiência

Jardim Botânico

Aniversário de Curitiba

Eu gosto bom ele Jardim Botânico.

Eu foi vi ele bom rosa muito Jardim Botânico.

Eu fui passear vi muito frboi bom no cor.

Nós vamos e amigos na foi eu fui sim.

Eu gosto bom ele frboi.

Ele muito passirios.

Eu casado pé no calhor.

Eu comei um coca–cola de pissar.

Eu viu muito rio.

babaita amivisado bom Curitiba 305 anos.

(M, 19 nos, EJA séries iniciais.)

Texto II - Narrativa sobre um filme assistido em sala de aula sobre a aids

AIDS – HIV Positivo

Eu mulher para esta como eu passear homem de todo e sex.

O homem muito que namoralos o como você que mulheres de seu passaer

gosto estavam sex HIV.

Ela como muito você que gostos sex não gostas mulheres bom não um

nada.

A mulher amigo você que comverais nós gostos seu homem a muito para

comverias você que mais boa.

Eu como você converias deu jesus tomar curados sentes AIDS

A mulher você para que como muitos esta namorelas gostos não Positivo

HIV.

Eu mulher vosê que namorelo não para mais cama homem muitos esta

esquecer eu azar.

O homem muito gosto você que sexo mulheres de come mais todos para

nós camisinha sexo.

(C. 26 anos – Ensino Médio)

103

Page 104: EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf

Em uma análise breve, qualquer professor indicaria, como principais, os

seguintes problemas:

-�palavras inadequadas;

-�troca ou omissão de artigos;

-�problemas no uso de preposições, conjunções e outros elementos de

ligação;

-�inexistência ou inadequação de concordância nominal (gênero, pessoa e

número);

-�uso inadequado ou falta de verbos;

-�alterações na estrutura frasal usual do português S-V-O (sujeito-verbo-

objeto).

Geralmente, essa escrita típica e singular é tratada de forma marginal e consiste

no vetor da exclusão e das avaliações arbitrárias a que são submetidos alunos

surdos na escola.

Em pesquisa anterior (FERNANDES, 1999), argumentamos sobre as duas

principais razões para que os textos dos surdos se apresentem de uma forma

bastante singular, quando comparados às produções de falantes nativos. A

primeira demonstra o papel ativo que a Libras ocupa na mobilização de

hipóteses na escrita do português pelos surdos. Metaforicamente,

poderíamos dizer que a Libras insiste em habitar a mesma casa do português,

ainda que haja uma ordem de despejo contra ela (FERNANDES, 2007a). A

segunda razão é de ordem metodológica e refere-se ao fato de que a escola não

sabe como ensinar os surdos a ler e escrever o português como segunda

língua.

As experiências não significativas com a língua portuguesa na escola,

desenvolvidas por métodos de ensino inapropriados, têm como consequência

produções textuais que não apenas não promovem o letramento dos surdos

como os “eternizam” em uma condição de analfabetismo funcional que perdura

ao longo dos vinte anos como alunos da Educação Básica (tempo médio de

escolarização de surdos), já que as reprovações são quase inevitáveis em sua

trajetória escolar.

Os textos, na verdade, revelam não “erros”, mas momentos qualitativos de

etapas pelas quais aprendizes de segunda língua costumam passar em seu

processo de aprendizagem. Esse percurso que tem a língua materna como ponto

de partida (língua-base) e a segunda língua como ponto de chegada (língua-104

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alvo) é denominado de interlíngua (SELINKER, 1972, apud BROCHADO, 2006)

e demonstra estágios de processo de aprendizado dinâmico, no qual a produção

escrita se modifica, progressivamente, com características que não representam

a língua-base, mas ainda não representam a língua-alvo.

Ocorre que é a ação mediadora organizada e sistematizada da escola que

contribuirá para que o aluno salte de um estágio a outro, ou seja, que não

fossilize sua produção.

REFLEXÃO

Façamos um exercício de análise em relação à observação de quais seriam os

principais problemas presentes no fragmento de texto abaixo:

Eu carro vende para $1600.00 ou posso para um pouco menos se

preciso talvez $1500 um pouco menos para familia. Eu gosto esse

computador muinto, eu compra uma pra me tambem and e

otimo!! Que voces pensa com esse notebook? Pode vende para

esse preso? Sabe alguma pessoa intersante?

Escreve para me por favor..tambem tem outro cam para

computador paricedo do que o cam eu compra para

Adriano....quanto voces pense eu possa venda pra? Um abraso

para todo mundo...Ron

Certamente você identificou problemas semelhantes aos dos textos anteriores. A

diferença a ser apontada é que o texto acima não foi escrito por uma pessoa

surda, mas por um norte-americano casado com uma brasileira, em um e-mail

endereçado a sua cunhada. Se compararmos essas produções a textos de

estrangeiros falantes de línguas cuja estruturação gramatical difere

consideravelmente do português, como é o caso de chineses, norte-americanos e

alemães, para exemplificar, perceberemos que eles apresentam dificuldades

semelhantes às dos surdos em relação ao uso de preposições, tempos verbais,

sufixação, prefixação, concordância nominal e verbal, entre outros aspectos. Ou

seja, nos aspectos gramaticais da segunda língua que são diferentes de sua

língua materna (base do aprendizado). Esse fato ocorre mesmo que os

aprendizes estrangeiros estejam imersos no universo da língua portuguesa, 105

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tanto em sua modalidade oral quanto na escrita.

Muito interessantes as semelhanças, não é mesmo? Isso demonstra que não é

apenas o fato de o surdo não ter acesso a informações auditivas no português o

que interfere em suas produções escritas, mas principalmente o fato de sua

língua-base – a Libras – estar participando ativamente no processo de elaboração

discursiva (FERNANDES, 2002).

Portanto, ao elaborarmos qualquer juízo de valor em suas produções escritas,

devemos considerar que estamos diante do texto de um aprendiz de segunda

língua e que os critérios de avaliação adotados não poderão ser os mesmos que

aqueles utilizados para falantes do português como língua materna.

Como essa ação tem sido inconsistente, mediante o despreparo da escola

inclusiva perante alunos surdos, lançamos mãos de políticas afirmativas que

protegem seu direito de minoria linguística: os surdos têm direito a critérios de

avaliação diferenciados em relação à língua portuguesa. São inúmeros os textos

legais que asseguram esse direito aos estudantes surdos, inclusive sugerindo

que as instituições de ensino desenvolvam mecanismos de avaliação nas duas

línguas, e não apenas na língua escrita. Observem o que diz o Decreto Federal

5.626/2005 quanto a essa questão:

VI - adotar mecanismos de avaliação coerentes com aprendizado de

segunda língua, na correção das provas escritas, valorizando o

aspecto semântico e reconhecendo a singularidade linguística

manifestada no aspecto formal da Língua Portuguesa;

VII - desenvolver e adotar mecanismos alternativos para a avaliação de

conhecimentos expressos em Libras, desde que devidamente

registrados em vídeo ou em outros meios eletrônicos e tecnológicos.

(Art. 14. § 1º, Incisos VI e VII, do Decreto Federal 5.626/2005)

Diante do exposto, percebe-se que há vasta literatura abordando a questão da

avaliação diferenciada e que os direitos legais estão devidamente assegurados,

mas ainda é incipiente a capacitação dos professores em relação a essa ação.

Com base no que vem sendo reivindicado pela comunidade surda, debatido entre

professores e pesquisadores da área, apresentamos algumas contribuições para

o projeto político-pedagógico da escola bilíngue para surdos. Os itens que 106

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seguem envolvem aspectos voltados à organização dos sistemas de ensino e

contemplam sugestões que poderão ser utilizadas como indicadores de ação no

âmbito das culturas, políticas e práticas inclusivas.

I -�Culturas inclusivas – ações que dizem respeito à sensibilização e

informação da sociedade em geral e comunidade escolar, em

particular.

Oportunizar diferentes situações que informem à comunidade escolar

(alunos, profissionais e familiares) sobre a surdez e suas implicações para o

desenvolvimento e aprendizagem das pessoas surdas.

Conhecer a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e sua importância nos

processos de interação e comunicação com pessoas surdas.

Divulgar, na comunidade escolar, especificidades culturais das comunidades

surdas relacionadas à sua produção linguística, literária, artística (teatro,

pintura, escultura) e tecnológica.

Viabilizar a presença de adultos surdos na escola, por meio de relações

formais ou informais, entre a escola e associações de surdos ou outras

referências comunitárias, favorecendo a experiência bilíngue e as trocas

culturais.

Oportunizar contato dos pais de crianças surdas com surdos adultos, para

relatos de experiências bem e mal sucedidas no “mundo dos surdos” e no

“mundo dos ouvintes”.

II -�Políticas inclusivas – ações que dizem respeito à organização

político-administrativa do órgão gestor da educação e interfaces

com outros segmentos governamentais e não governamentais.

Assegurar o desenvolvimento da proposta de educação bilíngue para surdos

– Libras e língua portuguesa, desde a Educação Infantil.

Viabilizar formas para a aquisição e desenvolvimento da Libras, como

primeira língua, pelas crianças surdas, preferencialmente de 0 a 3 anos.

Viabilizar a contratação de professores surdos para atuar nas escolas como

docentes de Libras e atendentes surdos nas creches, favorecendo a

formação de um ambiente bilíngue na infância.

Assegurar espaços e profissionais habilitados e qualificados para o

desenvolvimento da proposta de ensino de português como segunda língua

para surdos, no currículo escolar.

Viabilizar a oferta da disciplina de Libras como L2 para todos os alunos não

surdos da escola, além de cursos para os demais atores da comunidade

escolar (pais, professores, servidores).

Prever estratégias de formação continuada dos professores de alunos 107

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surdos, destacando-se o aprendizado da Libras e o ensino de português

como segunda língua.

Capacitar educadores surdos (monitores, instrutores e/ou professores)

para atuação no contexto escolar, como modelos para identificação

linguístico-cultural das crianças surdas e sendo responsáveis pela difusão e

ensino da Libras na escola e comunidade.

Oferecer o tipo de apoio pedagógico especializado mais adequado às

necessidades dos alunos surdos: profissionais intérpretes de Libras/língua

portuguesa, educadores surdos, atendimento educacional especializado.

Assegurar a diferenciação curricular, de modo a contemplar as necessidades

linguísticas dos alunos, destacando-se o aprendizado da Libras como L1 e a

avaliação diferenciada em língua portuguesa como L2.

Promover a interação dos professores do ensino regular e da educação

especial para o desenvolvimento de atividades como orientações sobre

formas de comunicação/interação com os alunos surdos, indicação de

práticas pedagógicas alternativas e adoção de pedagogia visual, entre

outras.

Promover parcerias e interfaces com órgãos da comunidade para ofertar

atendimentos complementares de natureza terapêutica (fonoaudiologia e

psicologia, entre outros), como forma de garantir o desenvolvimento global

dos alunos surdos.

Esclarecer os pais sobre a importância do atendimento fonoaudiológico

precoce, para o aprendizado do português oral, indicando as alternativas na

área da Saúde, na comunidade.

III -�Práticas inclusivas - ações que envolvem o fazer pedagógico da

escola e ação direta dos professores e equipe técnico-pedagógica.

Utilizar a língua de sinais na mediação do processo ensino/aprendizagem e

desenvolvimento das atividades escolares, quando estiverem presentes

alunos surdos.

Desenvolver, desde a Educação Infantil, estratégias metodológicas para o

ensino da modalidade escrita do português, como segunda língua.

Introduzir métodos e estratégias visuais complementares ou alternativas

(língua de sinais, alfabeto manual, gestos naturais, dramatização, mímica,

ilustrações, vídeo/TV, retroprojetor etc.) no desenvolvimento das

atividades curriculares, a fim de assegurar a comunicação e a

aprendizagem dos alunos surdos.

Flexibilizar os critérios de avaliação nas diferentes áreas de conhecimento,

com ênfase à língua portuguesa, valorizando o conteúdo apresentado,

ainda que a escrita não corresponda aos padrões exigidos para o nível/série 108

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em que o aluno se encontra matriculado (palavras inadequadas, omissão

ou trocas no uso de elementos de ligação, verbos...), decorrentes da

interferência da Libras ou da pouca fluência em língua portuguesa.

Utilizar estratégias de avaliação que permitam o uso de diferentes

linguagens, como é o caso da Libras e de outras linguagens e códigos

(desenho, pintura, escultura, teatro, dramatização, mímica etc.).

Eliminar critérios de avaliação que tenham como pré-requisito a oralidade

ou a percepção auditiva para sua perfeita compreensão (acentuação

tônica, tonicidade, pontuação, ditados e exercícios ortográficos,

discriminação de fonemas...)

Planejar atividades com diferentes graus de dificuldade e que permitam

diferentes possibilidades de expressão do conteúdo apropriado (pesquisa,

questionário, entrevista etc.) e expressão (apresentação escrita, desenho,

dramatização, maquetes etc).

Combinar diferentes tipos de agrupamento de alunos, facilitando a

visualização dos alunos surdos e sua consequente interação com o

professor e os colegas (círculos, duplas, grupos etc.).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste material, buscamos apresentar de forma geral, porém consistente, as

variáveis históricas, linguísticas, culturais e sociais que desenham o complexo

desafio da inclusão escolar de alunos surdos em contextos de bilinguismo.

Desde a década de 1980, os movimentos surdos mundiais buscam protagonizar

as decisões político-pedagógicas que os envolvem, apontando para a necessária

apreensão da comunidade surda como integrante de minorias linguísticas.

Essa percepção desestabilizou as representações hegemônicas sobre os surdos,

no último século, que os mantinha conceituados, descritos e conformados ao

território discursivo da educação especial, alinhados a outras pessoas com

deficiências.

Se, por mais de um século, o objetivo da educação de surdos foi invisibilizar a sua

diferença, tratando-os como anormais, deficientes da fala e da audição, por meio

de práticas de reabilitação da audição e da fala, nesse momento histórico estão

problematizadas e negadas essas representações.

A educação bilíngue para surdos impõe aos educadores uma formação pautada

em conhecimentos socioculturais, cujas contribuições mais relevantes advêm da

Linguística, da Sociologia, da História e da Educação.

Muito mais que buscar aprender a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como

primeiro desafio a edificar uma relação pedagógica de confiança entre professor

e alunos surdos, buscamos construir um projeto de educação que considere em

sua proposta curricular o legado histórico e cultural das comunidades surdas,

novas tecnologias educacionais pautadas essencialmente em recursos visuais,

formação de professores edificada em concepções sócio-antropológicas e

protagonismo da comunidade surda na gestão de sua educação, entre outros

aspectos.

Não é apenas a mudança na língua em que são transmitidos os conteúdos ou

critérios de avaliação mais justos em relação às diferenças linguísticas que

apresentam o que vai garantir ou orientar uma nova abordagem curricular, mas a

compreensão do sujeito surdo em sua totalidade sócio-histórico-cultural

(FERNANDES, 1999).

111

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