EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf
-
Upload
karen-deniz -
Category
Documents
-
view
46 -
download
3
Transcript of EAD_LIBRAS_Miolo_GRAFICA-1.pdf
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
SETOR DE EDUCAÇÃO
COORDENAÇÃO DE INTEGRAÇÃO DE POLÍTICAS
DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO INFANTIL E
ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
COMUNICAÇÃO EM
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS
LIBRAS
Autora
Profª Drª Sueli Fernandes
2ª EDIÇÃO
CURITIBA
2012
Aloizio Mercadante
Caros alunos e alunas,
A inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais, nas últimas
décadas, impõe ao professor e à sociedade a busca pela superação de inúmeros
preconceitos e desafios que cercam a educação escolar desses alunos.
Por isso, convidamos você a despir-se de seus preconceitos e conhecer as
singularidades do “ser surdo”, de modo a inserir-se no debate político que busca
romper com as estruturas cristalizadas acerca da experiência da surdez como
uma experiência negativa.
Neste módulo iremos debater aspectos teóricos e metodológicos relacionados à
educação de surdos no contexto das políticas de inclusão escolar, bem como
conhecer algumas das particularidades da cultura surda e da língua brasileira de
sinais – Libras.
Nosso objetivo é que seja contemplada em sua formação inicial a complexa
questão do contexto linguístico da educação de crianças e jovens surdos que
necessitam de um projeto político pedagógico que contemple suas necessidades
linguísticas diferenciadas, tomando a Libras como primeira e principal língua na
instrução e comunicação, seguida da aprendizagem do português como segunda
língua no currículo escolar.
Essa situação político-pedagógica caracterizaria a educação bilíngue para
surdos.
Esse texto contempla conteúdos relativos à história da surdez e da língua de
sinais, concepções de surdez e sujeito surdo e as representações sociais e
escolares que ora os compreendem como pessoas com deficiência, ora os
APRESENTAÇÃO
AP
RE
SE
NTA
ÇÃ
O
identificam como membros de uma comunidade linguística minoritária.
Justamente pela força que a língua de sinais brasileira (Libras) ocupa nesse
universo de representações, conheceremos alguns dos elementos que
caracterizam suas especificidades linguísticas.
Diante do contexto de políticas inclusivas, que ganham força a partir da década
de 1990, apresentaremos reflexões sobre a complexa situação de bilinguismo
dos surdos brasileiros e a incorporação dessa realidade às agendas educacionais.
Nesse sentido, o conteúdo dessa disciplina está organizado em três unidades,
que buscam apresentar, em linhas gerais, os principais fundamentos e desafios à
inclusão de surdos na atualidade, tomando a educação bilíngue como horizonte a
ser alcançado.
Na Unidade 1, intitulada Concepções de surdez e aspectos históricos da
educação de surdos, apresentamos aspectos conceituais relativos à área,
articulando às diferentes terminologias concepções de sujeito e aprendizagem.
Desse modo, apresentaremos as políticas educacionais e linguísticas voltadas
aos alunos surdos, desde as experiências educacionais pioneiras no século XIX
até as práticas e políticas educacionais atuais e seus impactos na vida social e
pessoal dos surdos.
Desmistificar crenças e práticas acerca do “ser surdo” e pautar as principais
bandeiras de luta da comunidade surda em referência às políticas inclusivas é a
finalidade desse módulo inicial.
Na Unidade 2 – Lingua Brasileira de Sinais - LIBRAS – apresentamos, em
linhas gerais, os principais argumentos que sustentam o estatuto das línguas de
sinais como sistemas linguísticos complexos e completos, funcional e
estruturalmente, no cenário dos estudos linguísticos na atualidade. De forma
didática e objetiva, buscamos superar os mitos que deslegitimam seu caráter
linguístico, demonstrando sua importância para o desenvolvimento das mesmas
funções cognitivas, comunicativas e sociais das línguas orais. A unidade
pretende, ainda, sensibilizar os professores para a necessidade de sua formação
bilíngue ao atuar em situações de inclusão de alunos surdos nas escolas. Por
meio de análises que possibilitarão comparar as estruturas gramaticais da Libras
e da língua portuguesa, esperamos subsidiar o debate sobre a situação de
bilinguismo dos surdos nas escolas.
Por fim, a Unidade 3, educação bilingue para surdos: desafios ao sistema
de ensino, busca apresentar os pilares de um programa educacional com
bilinguismo que extrapole os limites da escola, em direção à reflexão de variáveis
que envolvam a família, a comunidade escolar e a sociedade em geral.
Refletiremos sobre aspectos do desenvolvimento linguístico, afetivo e social das
crianças surdas, debatendo diretrizes políticas e pedagógicas que possibilitem a
transformação da escola em comunidades bilíngues, nas quais Libras e língua
portuguesa convivam de forma equilibrada no currículo escolar.
1 DISCIPLINA: COMUNICAÇÃO EM LINGUA BRASILEIRA DE SINAIS -
LIBRAS
2 CÓDIGO
EDP 055
3 CARGA HORÁRIA TOTAL
60 horas
3.1 CARGA HORÁRIA PRESENCIAL
Com professor formador: 6 h
Com tutor presencial: 6 h
3.2 CARGA HORÁRIA A DISTÂNCIA
Quarenta e oito (48) horas de estudos com orientação presencial e a distância
dos tutores do polo presencial e/ou tutores da UFPR. Estes estudos incluem a
participação em fóruns, chats e outros espaços virtuais.
4 EMENTA
As representações sociais da surdez e as implicações nas políticas educacionais.
Aspectos históricos e culturais da língua de sinais e dos movimentos surdos.
Políticas linguísticas/educacionais para surdos. Aspectos linguísticos da Língua
Brasileira de Sinais – Libras. As dimensões linguísticas, metodológicas e políticas
da educação bilíngue para surdos nos contextos das políticas inclusivas.
5 OBJETIVOS
5.1 OBJETIVO GERAL
Aprofundar aspectos teórico-metodológicos envolvidos na educação
PLA
NO
DE
EN
SIN
OPLANO DE ENSINO
bilíngue para surdos, contribuindo para sua inclusão escolar e social.
5.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Superar mitos e preconceitos acerca da surdez e dos surdos.
Relacionar as representações sociais da surdez às políticas linguísticas na
educação de surdos, nos diferentes momentos históricos.
Conhecer aspectos constitutivos da Língua Brasileira de Sinais – Libras.
Discutir os fundamentos da educação bilíngue para surdos, com vistas à sua
incorporação nos projetos político-pedagógicos da escola inclusiva.
6 PROGRAMA
UNIDADE 1� CONCEPÇÕES E ASPECTOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO DE
SURDOS
1.1�“SER SURDO”: DE QUE SUJEITO ESTAMOS FALANDO?
1.2� POLÍTICAS LINGUÍSTICAS/EDUCACIONAIS PARA SURDOS
1.2.1�O oralismo e a medicalização da surdez
1.2.2 A comunicação total: concessão ao “gesto” na educação de surdos
1.2.3 Bilinguismo e o reconhecimento da diferença surda na escola
UNIDADE 2� LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS – LIBRAS
UNIDADE 3� EDUCAÇÃO BILÍNGUE PARA SURDOS: DESAFIOS AOS
SISTEMAS DE ENSINO
3.1�PAIS OUVINTES, FILHOS SURDOS: O QUE FAZER?
3.2 EDUCAÇÃO BILÍNGUE PARA SURDOS NA INFÂNCIA
3.3� BILINGUISMO E ESCOLA INCLUSIVA
3.3.1�Português como segunda língua para surdos
7 ORIENTAÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA
As unidades que compõem este material sintetizam três grandes eixos temáticos
organizados de modo a contemplar estudos e discussões teóricas, bem como
práticas reflexivas necessários à formação de profissionais bilíngues.
Nesse sentido, as atividades propostas estão direcionadas aos seguintes alvos de
aprendizagem:
reflexões teóricas sobre os temas propostos em cada unidade, por meio
da leitura atenta dos textos-base;
�
sistematização de conceitos e apropriação de terminologias específicas da
área;
�
realização das atividades de pesquisa e sistematização propostas ao
longo do texto;
�
diálogo permanente com o/a tutor(a) e colegas de turma na resolução das
atividades propostas;
�
posicionamento crítico em relação aos tópicos de debate suscitados.
Todas as unidades apresentam propostas de leituras complementares,
sugestões culturais e uma indicação dos principais conceitos e categorias
estudados na unidade, oportunizando o aprofundamento teórico e a
sistematização das ideias apresentadas, oferecendo-se como subsídios para a
realização das atividades de avaliação propostas.
1 CONCEPÇÕES E ASPECTOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO DE
SURDOS .........................................................................................
1.1 “SER SURDO”: DE QUE SUJEITO ESTAMOS FALANDO? ........................
1.2 POLÍTICAS LINGUÍSTICAS/EDUCACIONAIS PARA SURDOS ................
1.2.1 O oralismo e a medicalização da surdez .........................................
1.2.2 A comunicação total: concessão ao “gesto” na educação de surdos .....
1.2.3 Bilinguismo e o reconhecimento da diferença surda na escola ............
2 LINGUA BRASILEIRA DE SINAIS – LIBRAS ....................................
3 EDUCAÇÃO BILÍNGUE PARA SURDOS: DESAFIOS AOS SISTEMAS
DE ENSINO .....................................................................................
3.1 PAIS OUVINTES, FILHOS SURDOS: O QUE FAZER? ............................
3.2 EDUCAÇÃO BILÍNGUE PARA SURDOS NA INFANCIA ...........................
3.3 BILINGUISMO E ESCOLA INCLUSIVA ...............................................
3.3.1 Português como segunda língua para surdos ..................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................
REFERÊNCIAS ................................................................................
19
20
27
27
33
34
41
87
92
96
99
102
111
113
SUMÁRIO
SU
MÁ
RIO
CONCEPÇÕES E
ASPECTOSHISTÓRICOS
DA EDUCAÇÃO DE SURDOS
UN
IDA
DE
1
19
Unidade 1 CONCEPÇÕES E ASPECTOS
HISTÓRICOS DA
EDUCAÇÃO DE SURDOS
1 CONCEPÇÕES E ASPECTOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO DE SURDOS
Para início de conversa...
Iniciamos nosso estudo falando de identidades. A doutora em educação Gladis
Perlin, primeira professora surda de uma universidade federal brasileira – a
UFSC–, com inúmeras pesquisas sobre o tema das identidades surdas, afirma:
“Nós, os surdos, não somos deficientes”.
Ela argumenta que a falta de contato com aspectos culturais das pessoas surdas
durante um longo período, na infância, faz com que as crianças não se
reconheçam como diferentes, mas como limitadas, deficientes e incapazes.
Assim, sentem-se divididas entre um mundo de sons (irreconhecíveis) e fala
(que reconhecem como movimentos labiais), do qual não se sentem parte, e um
mundo de imagens e experiências visuais a povoar seu pensamento, que não são
explicadas em uma língua que elas possam compreender. Essa língua seria a
língua de sinais.
Para Perlin, há um mundo de referências ouvintistas que determinam que o lugar
a ser ocupado pelos surdos é o lugar da deficiência. Superar esse ambiente de
baixas expectativas significa disputar espaços em que as crianças surdas possam
ter sua identidade constituída na experiência visual, nas trocas com outros
surdos, na identificação com outros pares que tenham a mesma percepção de
mundo que eles. Em seus artigos (PERLIN, 1998, 2006), Perlin declara que não
incluir a criança surda entre crianças surdas e incluí-la apenas em grupos de
crianças ouvintes é o mesmo que excluí-la.
Para compreender a totalidade dos sentidos que emanam das surpreendentes
palavras de Perlin, convido a todos e a todas a iniciar um processo de reflexão
sobre o que temos ouvido, aprendido e repetido sobre os surdos em um mundo
no qual a norma corresponde a ouvir e a falar.
Pela complexidade desse desafio é que buscamos, nessa unidade didática,
oferecer algumas respostas sobre tantas dúvidas e curiosidades relacionadas à
educação de surdos, bem como superar alguns dos preconceitos e estigmas que
cercam a constituição do “ser surdo”. São inúmeros os desafios políticos e
pedagógicos que a presença de alunos surdos em salas de aula comuns gera,
sobretudo quando nunca se passou por uma experiência como essa ao longo da
vida.
Ao final desse processo de reflexão que ora se inicia, poderemos, de forma mais
consistente e menos intuitiva, estabelecer a dialogia com as múltiplas vozes que
se apresentarão ao debate ao longo do texto.
1.1�“ SER SURDO”: DE QUE SUJEITO ESTAMOS FALANDO?
Ao nos depararmos com situações novas e inesperadas ao longo da vida
profissional, é natural que nossa reação seja buscar algum tipo de ajuda.
Podemos fazer isso conversando com pessoas que tiveram alguma experiência a
respeito, a fim de esclarecermos nossas dúvidas, ou pesquisando sobre o
tema/fato em questão.
A inclusão de alunos surdos em salas de aula regulares é uma experiência que
gera esse tipo de reação. O primeiro desconforto inicia-se ao buscar o primeiro
contato, já que quase sempre não se sabe como fazê-lo: falar devagar e de forma
bem articulada? Usar gestos e mímica? Buscar um alfabeto manual para soletrar
as palavras? Escrever? Todas essas tentativas, embora positivas, podem ser
frustradas e não oportunizar a necessária aproximação professor–aluno.
Nossa intenção, portanto, é oportunizar a reflexão crítica sobre mitos e
(pre)conceitos relacionados à surdez e às pessoas surdas que, quase sempre,
impedem que os vejamos como sujeitos normais, capazes e plenos de
linguagem. Ou seja, a comunicação é possível e a aprendizagem também, desde
que estejamos abertos à experiência de novas descobertas.
Iniciamos nossa reflexão relembrando um fato amplamente divulgado pela
mídia, em 2006, quando um jovem surdo ficou preso injustamente por treze (13)
20
dias, ao ser confundido com um assaltante em um posto de gasolina. Veja as
manchetes que circularam em diferentes veículos na mídia:
21
FONTE: http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=64
1929&tit=Rapaz-surdo-mudo-acusado-de-roubo-e-solto-somente-13-dias-depois
FONTE: http://oglobo.globo.com/pais/mat/2007/03/06/294810676.asp
Observem que as manchetes tratam de um mesmo fato. No entanto, há
diferentes denominações para fazer referência ao rapaz, envolvido no suposto
crime: surdo-mudo, surdo, deficiente auditivo.
Qual seria a terminologia mais adequada? Se você fosse contar o fato a alguém,
como você se referiria ao rapaz?
No dia a dia, estamos acostumados a ouvir e a empregar todas essas
terminologias e, certamente, utilizamos aquelas que julgamos serem as mais
adequadas, quase sempre sem refletir sobre nossas escolhas.
No entanto, a opção pelo emprego das terminologias “surdo-mudo, deficiente
auditivo e surdo” revela nossa concepção sobre a experiência da falta de audição
e da fala, muitas vezes atreladas a mitos e preconceitos que manifestam
comportamentos e práticas discriminatórias diante desses sujeitos. Em última
análise, essa percepção tem desdobramentos na concretude das práticas
escolares decorrentes das concepções sobre as limitações ou potencialidades de
nossos alunos surdos.
Para refletirmos sobre mitos e (pre)conceitos em relação às pessoas surdas,
propomos a leitura desse pequeno texto, retirado de um blog da Internet, cujo
tema é a surdez:
22
FONTE: http://www.gazetadopovo.com.br/parana/conteudo.phtml?id=642146
F O N T E : h t t p : / / b o a s a u d e . u o l . c o m . b r / l i b / S h o w D o c . c f m ? L i b D o c I D =
3829&ReturnCatID=1787
Observa-se que o texto busca desmistificar algumas ideias erradas sobre a
surdez, adotando um posicionamento aparentemente positivo sobre esse grupo
de pessoas.
23
O surdo-mudo vive em um mundo à parte. Essa é uma crença muito disseminada
entre as pessoas, que ignoram o quanto pode ser criativo e produtivo um
indivíduo com problemas de surdez e de fala. O desenvolvimento, a recuperação,
ainda que parcial, e a integração dessas pessoas na sociedade é dever de todos
nós. Para isso, é importante conhecer alguma coisa sobre a fala e a audição, os
cuidados, os tratamentos. É muito importante também conhecer casos em que
pessoas surdas-mudas são declaradas incapazes, quando na verdade elas podem
decidir por si mesmas e têm direito de fazer escolhas em sua vida. A título de
proteger, muitas vezes os direitos da pessoa deficiente são invadidos. Esses
aspectos são abordados aqui, com uma ressalva: além das técnicas modernas de
tratamento, o que faz desenvolver mais rapidamente um surdo-mudo é o respeito
por sua pessoa, o reconhecimento de sua cidadania e principalmente o carinho
daqueles que o cercam, tanto pessoal quanto profissionalmente.
Você seria capaz de, criticamente, grifar algumas passagens que pudessem
sugerir uma visão preconceituosa da surdez e das pessoas surdas, mesmo a
despeito das boas intenções do autor?
Façamos isso juntos!
A primeira questão digna de análise é a escolha da terminologia.
No texto, utiliza-se a denominação “surdo-mudo” para fazer referência às
pessoas surdas. Embora sejam exaltadas as capacidades das pessoas surdas, a
visão que o texto difunde está presente no senso comum, ou seja, entre quase
todas as pessoas que não possuem um conhecimento científico sobre a surdez. A
mais antiga expressão para designar pessoas sem audição é surdo-mudo e é
também a mais equivocada do ponto de vista da ciência, sendo seu uso
considerado inadequado e pejorativo.
A mudez indica um quadro que impede a emissão de voz (ou fonação), tendo
como principais causas problemas orgânicos e/ou fisiológicos, como ausência ou
malformação nas cordas vocais, língua, boca ou outros, ou mesmo pelo fato de
estar relacionada a problemas neurológicos ou psicológicos. Surdos congênitos
(ou de nascença) não falam por não ouvirem, mas não estão impedidos de
aprender a fazê-lo, se for o caso. Ao dizermos “mudo”, a associação imediata que
se faz é a ausência de voz, palavra que remete a um duplo sentido: a
incapacidade de emitir sons da língua falada, por um lado, e, por outro, a
impossibilidade de ter “opinião”, pensamento e raciocínio autônomos. A
lógica advinda dessa representação é muito simples: se a pessoa não pode falar,
ela não pode pensar e, consequentemente, é considerada limitada ou incapaz.
Portanto, devemos evitar essa terminologia preconceituosa.
Passemos a um outro nível de análise, destacando fragmentos do texto que
revelam esse raciocínio anteriormente explicitado:
[...] um indivíduo com problemas de surdez e de fala [...]
[...] a recuperação, ainda que parcial [...]
[...] conhecer alguma coisa sobre a fala e a audição, os
cuidados, os tratamentos.
[...] técnicas modernas de tratamento [...]
Todas as palavras e expressões destacadas conduzem nosso raciocínio para a
questão da surdez como uma doença, que deve ser tratada, recuperada,
curada. Essa visão da surdez e, consequentemente, das pessoas surdas como
doentes/deficientes é também predominante na sociedade, principalmente por
ser reforçada por profissionais da área médica (notem que o site do artigo é
especializado em saúde). Obviamente que, por conta da natureza de sua
ocupação, médicos e fonoaudiólogos centram seus objetivos na deficiência
auditiva, ou seja, nos problemas que geram perdas auditivas, totais ou
parciais (leves, moderadas, severas ou profundas), e se ocupam do tratamento
e reabilitação dessas pessoas. Por isso é também comum que eles se refiram aos
surdos como deficientes auditivos, uma terminologia que lhes parece mais
adequada, em função do foco de sua ação: a doença.
Pelo prestígio de que goza a medicina, seus discursos são incorporados às demais
áreas e têm como consequência o efeito de sentido de que os surdos possuem
carências e deficiências também em seus processos de aprendizagem e
socialização, estendendo a necessidade de “tratamento” ao processo
educacional, o que é um grande equívoco.
Luiz Behares (1993 apud Dorziat, s/d), professor uruguaio estudioso da surdez, 24
critica o uso da expressão “deficiência auditiva”, porque considera que ela reflete
uma visão médico-organicista em que o surdo é visto como alguém que carrega
uma patologia localizada, uma deficiência que precisa ser tratada. Para ele, essa
visão reflete-se em sua educação, disseminando um quadro de baixas
expectativas em torno do desenvolvimento de sua linguagem e aprendizado
escolar, determinado pelo diagnóstico do grau de perda indicado pelo médico.
25
E qual seria, então, a terminologia mais adequada para se referir às pessoas
surdas?
Desde a década de 1980, a comunidade surda mundial está organizada
politicamente e defende que sua condição não é a de “deficientes”, mas de
falantes de uma língua diferente daquela utilizada pela maioria: a língua de
sinais.
Surdos são facilmente reconhecidos na rua por esse modo de comunicação
visual, que desenha palavras no ar e faz fluir a comunicação normalmente. Em
virtude disso, consideram que a Língua de Sinais é o símbolo que os diferencia
daqueles que ouvem e, por isso, querem ser denominados “Surdos”, pessoas que
utilizam uma língua visual e fazem parte de uma minoria linguística que merece
ser respeitada e reconhecida em sua condição bilíngue, já que também podem
aprender a língua oral do país onde vivem, seja em sua modalidade escrita, seja
na oral.
Observem essas duas organizações políticas da comunidade surda:
WFD – World Federation of Deaf
(Federação Mundial dos Surdos)
FENEIS – Federação Nacional de
Educação e Integração dos Surdos
Notem que, em ambas, a denominação escolhida para se referir ao grupo é
SURDO, e não deficiente auditivo. Essa opção é política e ideologicamente
marcada. Por isso, deve ser respeitada por todos nós, sobretudo os educadores
de crianças e jovens surdos.
26
Conheça a história da Feneis, sua organização e bandeiras de luta, acessando o
endereço eletrônico:
www.feneis.org.br
O que queremos demonstrar com essas reflexões iniciais é que as palavras que
usamos para nos referir a um grupo de pessoas denota nossa concepção sobre
elas, nosso modo de apreender a essência do que são, revelando uma visão de
mundo, um posicionamento social.
Os mais atentos perceberam que, desde o início do texto, utilizamos a palavra
“surdos” para fazer referência ao grupo de alunos sobre os quais estamos
discutindo, em respeito à reivindicação da comunidade surda.
O termo surdo-mudo é equivocado e pejorativo, uma vez que os surdos não
estão impedidos de produzir som com suas cordas vocais e alguns deles
aprendem a oralizar quando submetidos a programas de reabilitação oral.
A expressão deficiência/deficiente auditiva/o é frequentemente utilizada na
área da saúde, por médicos e fonoaudiólogos, em função de sua intervenção
estar focada nos problemas auditivos e nos processos de reabilitação da
audição e da fala. A comunidade surda rechaça esse termo, pelo fato de ele
estar impregnado da visão negativa dos surdos como aqueles a quem falta algo
e que deveriam ser tratados para chegar aos padrões de normalidade próprios
dos ouvintes.
A comunidade surda defende a utilização do termo surdo, posto que ele remete
à comunicação visual em língua de sinais, marca da identidade linguística e
cultural que lhes é peculiar.
1.2� POLÍTICAS LINGUÍSTICAS/EDUCACIONAIS PARA SURDOS
Frequentemente, ao nos referirmos à história educacional dos surdos, nos
deparamos com as classificações “filosofias educacionais” ou “abordagens
metodológicas” na educação de surdos.
De forma diferente da tradicional, proporemos uma categorização que não leva
em conta a metodologia em sua definição, mas a escolha da(s) língua(s)
adotada(s) para educar as crianças surdas, historicamente. Nesse sentido,
teremos dois grupos de propostas:
a) Políticas MONOLÍNGUES – consideram apenas a língua oral no processo
educacional das crianças e jovens surdos, ou fazem concessão à língua
de sinais de maneira superficial e secundária. Nesse âmbito, situam-se
o ORALISMO e COMUNICAÇÃO TOTAL.
b) Políticas BILÍNGUES – consideram a importância das duas línguas no
processo educacional das crianças surdas: a língua de sinais e a língua
oral oficial do país.
Os programas de bilinguismo podem envolver o aprendizado da língua de sinais
simultaneamente ou sequencialmente à língua oficial do país, em suas
modalidades oral e/ou escrita.
Vejamos como essas políticas se manifestaram ideologicamente em filosofias de
ensino ao longo dos séculos.
1.2.1� O oralismo e a medicalização da surdez
A história da educação de surdos é repleta de controvérsias e descontinuidades.
Antes do séc. XIX, os surdos ocupavam papéis significativos e sua educação
realizava-se por meio da língua de sinais, sendo que a maioria dos seus
professores eram surdos. No entanto, estudiosos, surdos e professores ouvintes, 27
aSugerimos a leitura do texto da Prof Dra. Ana Dorziat, Deficiente Auditivo e
Surdo: uma reflexão sobre as concepções subjacentes ao uso dos termos,
para aprofundar esse debate.
O texto estará disponível na sala de aula virtual do Moodle.
à época, divergiam quanto ao “método” mais indicado para ser adotado na sua
educação.
Uns acreditavam que deveriam priorizar a língua falada, outros a língua de sinais,
e outros, ainda, o método combinado. Em 1880, no Congresso Mundial de
Professores de Surdos, em Milão, na Itália, chegou-se à conclusão de que os
surdos deveriam ser ensinados pelo método oral puro, ou seja, proibir-se
qualquer forma de comunicação por sinais.
Essa decisão colocou o ORALISMO como a política monolíngue predominante no
processo educacional de surdos durante mais de um século, e a língua falada
passou a ser o objetivo mais importante a ser atingido na educação de surdos. A
partir daí, os surdos foram submetidos a mais de um século de opressão, sendo
proibidos de utilizar sua língua e obrigados a comportarem-se como se ouvintes
fossem.
28
Para os oralistas, a linguagem falada é prioritária como forma de comunicação dos
surdos e a aprendizagem da linguagem oral é preconizada como indispensável
para o desenvolvimento integral das crianças. De forma geral, sinais e alfabeto
digitais são proibidos, embora alguns aceitem o uso de gestos naturais, e
recomenda-se que a recepção da linguagem seja feita pela via auditiva
(devidamente treinada) e pela leitura orofacial (TRENCHE 1995 apud LACERDA,
2007).
Disponível em: http://www.sj.cefetsc.edu.br/~nepes/docs/midiateca_artigos/
historia_educacao_surdos/texto29.pdf
29
O que relatam os surdos sobre a proibição de sua
língua natural?
Muitos surdos tinham suas mãos amarradas, para que
não utilizassem a língua de sinais. Outros relatam que
apanhavam nas mãos com réguas ou palmatórias, a
cada vez que se manifestavam gestualmente.
Há variados relatos de surdos sobre a humilhação que
sofriam ao sinalizar, por parte de seus professores
ouvintes , como compará-los a macacos e até oferecer-
lhes bananas, a cada vez que a comunicação era
sinalizada.
Aliada à proibição da língua de sinais na escola, o
ORALISMO foi marcado por inúmeros investimentos em
tecnologias da audição, para aproveitamento de restos
auditivos de surdos parciais e mesmo totais. Desde o
século XIX, a Medicina foi a ciência que se ocupou da
educação de surdos, investindo seus pressupostos na
produção de aparatos cada vez mais sofisticados para
fazer os surdos ouvirem. As próteses individuais (AASI)
e, atualmente, o implante coclear são aliados ainda
presentes no processo de reabilitação dos surdos,
constituindo a base de programas monolíngues
centrados no ensino da fala e da leitura labial.
Como observamos, a história educacional dos surdos foi marcada pela concepção
CLÍNICO-TERAPÊUTICA. Essa perspectiva é guiada pela noção da surdez como
uma deficiência a ser extirpada, tratada, ou curada, por meio de procedimentos e
técnicas para ajustar os surdos aos padrões de normalidade sociais.
Por mais de um século, os surdos educados em escolas e classes especiais
receberam tratamentos e/ou atendimentos
que visavam tão somente sua reabilitação
oral e auditiva.
As práticas terapêuticas contaminaram as
escolas, convertendo-as em espaços
clínicos exclusivamente destinados ao
ensino da fala, transformando docentes em
terapeutas da fala que se limitaram a
cumprir a missão de normalização dos
surdos por meio da reabilitação.
30
Leitura labial: mito ou realidade?
Mesmo sendo inexpressivo o percentual de alunos que aprendeu a falar na
perspectiva oralista, a maioria das pessoas julga que todos os surdos saibam ler
lábios e que a única adaptação a ser feita na comunicação é pronunciar as
palavras devagar e com boa articulação para que sejam compreendidas.
Esse é mais um mito relacionado aos surdos que lhes trouxe inúmeras
dificuldades para acompanhar aulas dadas em forma exclusivamente orais, com
professores que se movimentam o tempo todo, viram-se de costas e, quase
sempre, se esquecem da presença de alunos surdos nas salas. Mesmo entre os
surdos treinados (sim, é necessário um longo processo de treinamento para
identificar diferenças sutis entre os fonemas), julga-se que menos de 50% da
mensagem são captados pela leitura dos lábios. Acreditar que uma criança e/ou
adolescente seja capaz de, durante as quatro horas do turno letivo, focar sua
atenção nos lábios de quem fala, como requisito para participar das atividades e
apropriar-se dos conteúdos, é uma falácia.
A leitura labial, portanto, é um recurso que penaliza os alunos surdos e promove a
manutenção de sua maior dificuldade: compreender, naturalmente, o português
falado.
Propomos a você uma simulação com seus alunos para compreender como é a
sensação de uma criança tentando ler os lábios de quem lhe fala.
Material
aparelho de TV, videocassete ou DVD, papel e lápis para cada aluno.
Procedimento
1. Selecione um trecho de 10 min. de um filme ou documentário do qual os
alunos não tenham conhecimento prévio. Ligue o televisor para os alunos
assistirem e tire o som completamente.
2. Enquanto os alunos assistem ao filme, observe suas reações – isto é,
distração, tensão, dispersão etc.
3. Quando o filme terminar divida a classe em grupos de quatro. Entregue as
perguntas seguintes e solicite aos alunos que escrevam as respostas em
uma folha de papel. Compartilhe as respostas com o grupo. Qual era o tema
do filme? Como você sabe disso? O que você não conseguiu entender?
4. Passe novamente o filme com o som ligado e compare as hipóteses
realizadas com o conteúdo real.
Discussão (grande grupo)
a. Como você se sentiu?
b. Quais foram as melhores dicas que ajudaram você a entender o filme?
c. Você acha que as pessoas surdas gostam de assistir à TV e irem ao cinema?
d. Quais seriam as dificuldades que os surdos encontrariam, se tivessem que
assistir ao filme todo da mesma forma que foi vivenciada?
e. O que poderia ajudar uma pessoa surda a entender melhor um programa de
televisão ou um filme?
f. Conte para os alunos que as pessoas surdas usam seus olhos para captar
informações da realidade. Elas observam cuidadosamente para entender o
que está acontecendo à sua volta. Explique sobre a importância de legendas
e janelas para intérprete na programação.
g. Fale sobre a dificuldade de os surdos participarem de tarefas exclusivamente
debatidas oralmente.
h. Discuta propostas para facilitar a comunicação e aprendizagem de alunos
surdos na escola.
(Adaptado de ARANHA, 2005)
31
FONTE: www.sxc.hu
Ler lábios é uma tarefa muito difícil, que exige uma percepção visual refinada e
treinada para captar diferenças sutis nas bocas de quem fala. Há lábios grossos,
finos, bocas grandes, pequenas, tortas, desdentadas... Enfim, todas essas
diferenças são mais um entrave para que a leitura labial seja utilizada como
principal recurso de acesso ao conhecimento na sala de aula.
32
33
Ler lábios é uma tarefa muito difícil, que exige uma percepção visual refinada e
treinada para captar diferenças sutis nas bocas de quem fala. Há lábios grossos,
finos, bocas grandes, pequenas, tortas, desdentadas... Enfim, todas essas
diferenças são mais um entrave para que a leitura labial seja utilizada como
principal recurso de acesso ao conhecimento na sala de aula.
Registre três mitos e ideias erradas sobre a surdez que foram objeto de nossa
reflexão até aqui. Em seguida, justifique por que essa visão está equivocada, em
cada um dos casos.
1.2.2� A comunicação total: concessão ao “gesto” na educação de surdos
A chamada “filosofia” da Comunicação Total, que tem sua gênese
circunstanciada na década de 1970, com grande força no contexto dos Estados
Unidos, representa um período de transição entre políticas monolíngues e
bilíngues na educação de surdos.
Por que dizemos que a Comunicação Total é uma política monolíngue se, em sua
abordagem, ela utiliza a língua de sinais, língua oral, gestos, fala, leitura labial,
alfabeto manual, escrita, ritmo, dança para buscar o objetivo da comunicação
com os surdos?
Justamente porque a língua de sinais não tem centralidade no processo
educacional. Ela é tolerada e utilizada como um recurso a mais na comunicação,
como tantos outros, ou seja, não é reconhecida como um sistema linguístico
autônomo e independente, principal meio de simbolização da comunidade surda.
Na verdade, as práticas pedagógicas da comunicação total mantiveram a
essência dos processos de reabilitação do oralismo, baseados no treinamento,
repetição da fala e utilização aparelhos auditivos individuais e/ou em grupo.
Nesse sentido, a defesa da língua de sinais pelos gestualistas da Comunicação
Total representou mera concessão ao “gesto”, para admitir que a palavra falada
34
poderia ser expressada em mais de uma forma: escrita, soletrada com as mãos
ou sinalizada. Esses defensores dos gestos poderiam, segundo Sánchez, ser
denominados de “oralistas gestualistas”, já que não propõem a superação, mas,
sim, a justaposição de fala e sinais em um projeto de continuidade da ideologia
oralista.
Faça a leitura complementar do texto de Ana Dorziat, Metodologias específicas
na educação de surdos: análise crítica, para compreender melhor a relação
entre oralismo e Comunicação Total como expressões de uma mesma ideologia.
O texto está disponível em:
http://www.ines.gov.br/ines_livros/13/13_principal.htm
1.2.3 Bilinguismo: o reconhecimento da diferença surda na escola
Texto organizado com base em FERNANDES E MOREIRA (2009).
O bilinguismo para surdos, com seus desdobramentos político-pedagógicos, é
um fato novo no cenário educacional para os profissionais da educação, já que o
tema passa a ser incorporado na agenda das políticas educacionais apenas a
partir da década de 1980, decorrente da pressão dos movimentos sociais e das
contribuições de pesquisas nas áreas da Linguística e Educação.
Falar em bilinguismo para surdos gera certo estranhamento entre as pessoas,
porque nos é familiar a noção dessa situação linguística em que duas ou mais
línguas são utilizadas por um indivíduo ou comunidade de fala, geralmente
ligadas a falantes de línguas estrangeiras, como imigrantes, bem como em
situações a que pertencem as comunidades indígenas radicadas em diferentes
localidades do território brasileiro.
No entanto, os surdos também são considerados um grupo linguístico
minoritário, já que utilizam a língua de sinais, preferencialmente, em relação à
língua majoritária do país em que vivem. Mesmo sem um território geográfico
definido, um “país surdo”, em que os surdos e sua língua de sinais estejam
delimitados, podemos considerar que é a diferença linguística o critério para o
reconhecimento social das pessoas surdas, em relação à sociedade majoritária.
35
Cada país tem uma língua de sinais, fruto da construção histórica da comunidade
surda que ali vive. No Brasil, a língua dos surdos se chama Língua Brasileira de
Sinais – Libras – e é falada (isso mesmo, dizemos falada!) por todos os surdos
que têm a oportunidade de compartilhar experiências sociais entre seus pares
por meio da comunicação visual.
Dito isso, fica claro que os surdos podem ser considerados bilíngues ao
dominarem duas línguas legitimamente brasileiras, posto que ambas expressam
valores, crenças e modos de percepção da realidade de pessoas que
compartilham elementos culturais nacionais. Ocorre que uma das línguas – o
português – é a língua oficial e majoritária – enquanto que a outra – a Libras – é
uma língua minoritária, que não goza de prestígio social e é utilizada por um
grupo restrito de pessoas.
Na perspectiva sociolinguística, dentre os tipos de bilinguismo possíveis, o dos
surdos brasileiros se caracterizaria como “bilinguismo diglóssico”, posto que as
duas línguas em situação de complementaridade têm funções distintas por seus
usuários, em um dado grupo social. Geralmente o critério de uso é dependente
da situação comunicativa: via de regra, a comunidade usa uma língua (de
prestígio) para atividades públicas importantes e eventos sociais e outra para
usos mais domésticos e íntimos (sem prestígio).
Há inúmeros documentos internacionais que respaldam a política de educação
com bilinguismo para surdos. Na Declaração de Salamanca (1994), matriz
referencial das agendas inclusivas mundiais, tem destaque a necessidade de que
os sistemas de ensino promovam programas de educação bilíngues às
comunidades que têm como língua materna uma língua diferente da majoritária,
ou oficial do país.
19. Políticas educacionais deveriam levar em total consideração as diferenças e
situações individuais. A importância da linguagem de signos como meio de
comunicação entre os surdos, por exemplo, deveria ser reconhecida e
provisão deveria ser feita no sentido de garantir que todas as pessoas surdas
tenham acesso à educação em sua língua nacional de signos. Devido às
necessidades particulares de comunicação dos surdos e das pessoas
surdas/cegas, a educação deles pode ser mais adequadamente provida em
escolas especiais ou classes especiais e unidades em escolas regulares (BRASIL,
1994).
(Item 19, Parte II, Linhas de Ação em Nível Nacional, da Estrutura de Ação em
Educação Especial).
36
Linguagem de signos é a terminologia utilizada na Espanha, com texto de
produção do documento. No Brasil, utilizamos equivalente ’’Língua de Sinais’’.
Para saber mais, faça uma pesquisa em outros importantes documentos que
estabelecem os princípios filosóficos da inclusão escolar e observe a explícita
orientação sobre a importância da língua de sinais ser considerada a primeira
língua para os surdos.
Resolução 47/135 da Assembleia Geral da ONU, de 18 de dezembro de
1992
Leia a “Declaração Sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias
Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas”, que contempla a situação dos
surdos de todos os países como minorias linguísticas.
Normas para Equiparação de Oportunidades para Pessoas com
Deficiência da ONU n.º 48/96, de 20 de dezembro de 1993
I. REQUISITOS PARA A IGUALDADE DE PARTICIPAÇÃO. Regra 6. Educação.
No Censo Demográfico de 2000 (IBGE, 2000), estimou-se que havia 5.750.815
pessoas com surdez, das quais, mais de 60% seriam totalmente surdas. Na faixa
etária em idade escolar, esse número chegaria aproximadamente a 800.000, ou
seja, quase um milhão de brasileiros que demandariam experiências linguísticas
mediadas por uma língua de modalidade visual-espacial, como é a Língua
Brasileira de Sinais (Libras), diferente daquela usada pela maioria da população.
Ressalte-se que, após uma década, esse número deve ter se ampliado
significativamente!
E em sua cidade, quantos seriam as crianças e jovens surdos?
Levando em conta que cerca de 1% da população (estimativa da Organização
Mundial de Saúde - OMS) seria surdos potencialmente bilíngues, fazer o
mapeamento de onde vivem e estudam essas pessoas seria o primeiro passo
para termos políticas linguísticas e de inclusão comprometidas com as
necessidades da população surda brasileira.
Por isso a importância de temas como a Libras e a educação bilíngue serem
matérias obrigatórias dos cursos de formação de professores.
Diante dessa especificidade, na próxima unidade debateremos alguns dos
aspectos que conferem às línguas de sinais estatuto linguístico, em conformidade
com as línguas orais.
37
Vivemos um momento de transição, em que os projetos de educação bilíngue
ainda não se consolidaram nos sistemas de ensino e a geração de estudantes
surdos matriculada na educação básica, mais notadamente a partir da década de
1990 (justamente pelo reconhecimento legal de sua diferença linguística),
assume características específicas.
Esse grupo de estudantes tem sua trajetória escolar pautada em paradigmas
contraditórios, ora os tratando como “deficientes”, ora reconhecendo-os como
grupo cultural.
O Oralismo foi a concepção predominante na educação especial (contexto que
“prepara” e apoia sua escolarização no ensino regular) e assumiu um viés clínico-
terapêutico, marcado pelo monolinguismo em português e a insistência no ensino
da fala (e/ou da linguagem oral), sem espaço para a língua de sinais.
Desse modo, ao serem educados como deficientes da linguagem, a ação escolar
focou-se por muitos anos nos processos reabilitadores, em detrimento da
priorização de uma educação voltada aos conteúdos acadêmicos. Mesmo a
comunicação total, embora tolerando o uso de sinais pelos surdos, reafirmou a
ideologia oralista de normalização dos surdos.
Esse desvio da finalidade da educação escolar trouxe muitos prejuízo a várias
gerações de estudantes surdos, que tiveram restritas suas possibilidades de
interlocução social significativas e o acesso ao conhecimento historicamente
produzido pela humanidade, bem como os impediram de ocupação de papéis
sociais importantes.
Por isso, o movimento político intenso desencadeado pela comunidade surda e
simpatizantes, que pressionou instâncias governamentais em diferentes níveis,
foi fundamental para dar visibilidade à língua de sinais e aos surdos como grupo
linguístico minoritário.
A educação bilíngue para surdos é uma conquista mundial que deve ser objeto de
estudo e pauta política de todos os trabalhadores da educação que defendem a
bandeira da educação para todos, com qualidade.
38
Esta unidade teve como objetivo a sistematização dos seguintes temas:
A questão das terminologias: surdos, deficientes auditivos e surdo- mudos.
As políticas educacionais monolíngues: Oralismo e Comunicação Total.
A concepção clínico-terapêutica da surdez.
O bilinguismo na educação de surdos.
A pauta de lutas dos movimentos surdos.
Releia o texto e faça anotações pessoais sobre sua compreensão de cada um dos
temas indicados para estudo.
AUTOAVALIAÇÃO
Indicamos o filme “E seu nome é Jonah” (Direção: Richard Michaels. EUA,
1979) para análise e complementação do debate sobre as políticas educacionais
para surdos.
O filme relata as frustradas tentativas de comunicação de uma família que se
depara com a experiência de um filho surdo. O menino Jonah é diagnosticado
como retardado mental e internado em um hospital por três anos. Ao retornar
para casa, há inúmeras barreiras de comunicação e incompreensão sobre a
experiência da surdez. Depois de várias tentativas de educar Jonah pelo oralismo,
sem sucesso, abrem-se novas perspectivas emocionais e sociais quando o menino
aprende a língua de sinais. É uma excelente oportunidade para reflexão sobre as
relações entre a concepção de surdez e políticas educacionais.
Questões para reflexão
Com base na história de vida de Jonah, na sua concepção da surdez e nos debates
realizados em sala de aula, comente os seguintes aspectos:
a) as representação sociais sobre a surdez presentes na concepção dos pais,
familiares, amigos e sociedade em geral;
b) os sentimentos, atitudes e relações presentes na dinâmica familiar;
c) as barreiras de comunicação entre surdos e ouvintes no estabelecimento de
relações sociais e suas consequências para o desenvolvimento linguístico,
cognitivo, emocional e social de Jonah;
d) as filosofias educacionais adotados na educação de Jonah;
e) sua opinião sobre o processo educacional dos surdos;
f) outros aspectos que julgar relevantes.
Organize suas respostas em forma de dissertação e, com base nelas, promova um
debate em sala de aula sobre os principais pontos a serem considerados no
desenvolvimento e aprendizagem de crianças surdas, a partir do diagnóstico
médico.
LÍNGUA BRASILEIRA
DE SINAIS - LIBRAS
UN
IDA
DE
2
41
Unidade 2 LÍNGUA BRASILEIRA
DE SINAIS - LIBRAS
2 LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS – LIBRAS
Esta unidade foi organizada com base em publicações anteriores da autora:
FERNANDES; STROBEL (1999), FERNANDES (2006), FERNANDES (2007a).
Para início de conversa...
Atualmente, as pessoas surdas lutam para ser reconhecidas por suas
potencialidades.
Buscam um espaço social em que se dissemine a ideia de que ser surdo é
vivenciar uma experiência visual, ou seja, que seus olhos são a principal
referência para a comunicação, a aprendizagem e a interação social.
Os estudos que usam a referência surda têm procurado abrir um espaço social
para essas pessoas, legitimando seu status de comunidade linguística
diferenciada, que tem na língua de sinais seu principal símbolo identitário.
Mas que espécie de língua é essa que não utiliza sons para se
propagar?
Como esses movimentos desenhados no ar pelas mãos podem
expressar conceitos abstratos?
As palavras da Libras não são meras soletrações do alfabeto manual?
Como pode ser a Libras um tipo de linguagem verbal se ela não é
falada ou escrita, como a maioria das línguas orais?
Esses são alguns dos questionamentos que nos fazemos quando nos
defrontamos com a língua de sinais dos surdos.
42
Infelizmente, a grande maioria do povo brasileiro desconhece que esse conjunto
de “gestos desenhados no ar” estrutura uma língua organizada, que se presta às
mesmas funções das línguas orais para as pessoas que ouvem.
E você, quais são as percepções e conceitos que tem sobre a língua de sinais?
Façamos um teste. Identifique como verdadeira ou falsa cada uma das questões
sobre a língua de sinais indicadas a seguir.
( ) A língua de sinais é universal, ou seja, é igual em toda parte do mundo.
( ) A língua de sinais é uma mistura de gestos naturais e mímica.
( ) A língua de sinais é a forma sinalizada da língua portuguesa.
( ) A língua de sinais é uma forma de linguagem não verbal.
Muito bem. Se considerarmos o padrão de resposta que usualmente é dado pela
maioria das pessoas, com base no senso comum, todas as afirmações seriam
“VERDADEIRAS”, justamente porque expressam preconceitos e
desconhecimento em relação à riqueza e complexidade gramatical e funcional
dos sistemas linguísticos utilizados pelos surdos no mundo todo para se
comunicar.
A Libras, sigla utilizada para designar a língua brasileira de sinais (isso mesmo,
cada país tem sua própria língua, que expressa os elementos culturais daquela
comunidade de surdos), foi oficializada pelo governo brasileiro, em território
nacional, já há alguns anos, pela Lei Federal nº 10.436/2002. No entanto, em
dezembro de 2005, com o Decreto Federal nº 5.626, ela passou a ampliar seus
domínios para diferentes segmentos sociais, já que se torna componente
curricular obrigatório nos cursos de formação de professores, em nível médio e
superior, e de Fonoaudiologia.
Conheça o texto da lei de Libras na íntegra e observe as diretrizes de sua
oficialização, no endereço: http://www.libras.org.br/leilibras.php
Isso significa que ela deixou de ser um assunto que diz respeito apenas às
comunidades surdas e passou a domínio público, sobretudo nos círculos
acadêmicos, sistemas de ensino e na mídia.
Mas o que caracteriza essa língua?
Qual a sua história? De onde ela surgiu?
A língua de sinais é tão antiga quanto a humanidade. Há relatos históricos sobre a
existência de surdos desde a Antiguidade, e neles faz-se sempre menção à forma
“diferente” de comunicação que era utilizada.
Muitas pessoas questionam a origem da língua de sinais, acreditando que ela
tenha sido criada por uma única pessoa (geralmente ouvinte), tal como ocorreu
com o Braille, que é apenas um sistema de escrita. Como qualquer língua
humana, a língua de sinais surgiu da necessidade de comunicação de um grupo
de pessoas e sofreu transformações históricas, no tempo e no espaço.
Sempre existiram surdos, conforme
comprovam narrativas que remontam
à Antiguidade Clássica, fazendo
referência a pessoas que não falavam
ou ouviam “normalmente”. No entanto,
sua dispersão não favorecia a formação
de comunidades linguísticas, o que veio
a acontecer apenas por volta do século
XVIII, com a fundação das primeiras
instituições assistenciais para surdos, na Europa, e, posteriormente, nos Estados
Unidos. O asilamento dos surdos nos internatos possibilitou a ampliação,
sistematização e difusão dos sinais em regras, originando a Língua de Sinais
Francesa (Langue des Signes Française – LSF), primeira língua de sinais no
mundo, fruto da comunicação dos surdos parisienses no Instituto de Jovens
Surdos de Paris, primeira escola pública para surdos no mundo.
A partir daí, o processo de colonização europeia estende seus tentáculos aos
novos continentes, disseminando, por decorrência, modelos culturais,
linguísticos e experiências de institucionalização de pessoas com deficiência, o
que possibilitou que a língua de sinais francesa se espalhasse por vários cantos
do mundo, constituindo a base para a formação das línguas de sinais em
diferentes países. Assim, a exemplo da língua de sinais americana (American
Sign Language – ASL), a Libras (Língua Brasileira de Sinais) pertence ao grupo 43
de famílias linguísticas que descenderam da Língua de Sinais Francesa, já que
chega ao Brasil pelas mãos de Eduard Huet, professor surdo francês que introduz
a metodologia gestual na primeira escola de surdos brasileira, o atualmente
denominado Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), fundado em
meados do século XIX, no Rio de Janeiro.
Vem daí a relação histórica entre a formação de comunidades linguísticas de
surdos com a fundação de instituições especializadas: como eram segregados da
sociedade para serem educados, favorecia-se a consolidação de seus laços
linguísticos e culturais visuais.
No entanto, apenas em 1965 o linguista norte-americano Willian Stokoe
produziu os primeiros estudos científicos sobre a língua de sinais americana, a
American Sign Language (ASL). O pesquisador a sistematizou no livro A
Dictionary of American Sign Language on linguistic principles, em que sintetizava
as pesquisas que havia realizado em sua convivência com surdos na Gallaudet
University, em Washington, lançando as bases para os primeiros estudos da
Linguística da Língua de Sinais. Ele demonstrou que, mais que simples gestos
naturais, a comunicação dos surdos tem regras próprias de organização e
funcionamento, ou seja, uma gramática particular baseada em combinações de
configurações de mão(s), movimentos e localizações espaciais.
A língua visual-espacial dos surdos não tem relação alguma com a língua falada no
país, ou seja, é FALSA a afirmação de que seja a versão sinalizada da língua oral do
país onde é usada.
44
45
ALFABETO MANUAL
A
G K
Q
W
B
H
R
X
C
I
S
Y
D
T
Z
E
J
U
F
L
M N O P
V
Diferentemente do que muitos acreditam, o Alfabeto Manual não é Libras, mas
apenas um recurso que utilizamos para soletrar palavras do português, oriundas
de empréstimos linguísticos, como nomes próprios ou mesmo palavras para as
quais ainda não há sinais convencionais.
Ao digitar “no ar”, é aconselhável soletrar devagar, formando as palavras com
nitidez na direção de nosso interlocutor surdo.
NÚMEROS
1 2 3 4 5
6 7 8 9 0
---
----
---
----
46
Estas são as duas mais importantes
publicações científicas sobre a
língua de sinais brasileira. Escritas
pelas linguistas Lucinda Ferreira
Brito, em 1995, e Ronice Quadros e
Lodenir Karnopp, em 2006, são
obras de referência para se
compreenderem os aspectos
gramaticais da L ibras e a
complexidade funcional e estrutural
de língua de modalidade visual-
espacial.
Você sabia que, como as línguas de sinais, os alfabetos manuais também se
diferenciam de país para país?
Observe as diferenças e semelhanças entre os alfabetos de diferentes países no
endereço abaixo:
http://enflibras.blogspot.com/2009/03/alfabeto-manual-em-varios-idiomas-
na.html
A partir da década de 1970, difundiu-se em diversos países o interesse
dos linguistas pelas línguas de sinais locais, fazendo com que a Linguística da
Língua de Sinais passasse a ser uma área de estudo em franca expansão. Depois
de Stokoe, centenas de pesquisadores interessaram-se em conhecer os sistemas
linguísticos dos surdos em diferentes países, comprovando que as línguas de
sinais no mundo todo apenas compartilham a modalidade visual-espacial, mas
são completamente diversas em vocabulário, estrutura e funcionamento,
refletindo aspectos culturais específicos de cada comunidade de surdos.
Esse fato rompe com uma tradição histórica da linguística moderna, que
sempre se ocupou do universo das línguas faladas, exigindo a ressignificação de
aspectos de seu terreno conceitual e métodos de investigação, em virtude da
natureza visual-espacial da língua.
No Brasil, os primeiros estudos formais sobre a língua brasileira de sinais datam
da década de 1980. Nesses poucos anos de pesquisas, há uma significativa
produção acadêmica e literária que nos aponta a complexidade estrutural e
funcional dessa língua.
47
A Libras é uma língua de modalidade visual-espacial que, diferente das
línguas orais-auditivas, utiliza-se da visão para sua apropriação e de elementos
corporais e faciais organizados em movimentos no espaço, para constituir
unidades de sentido, as palavras, ou, como se referem os surdos, os “sinais”.
Justamente pela modalidade visual-espacial pela qual a Libras é produzida e
percebida pelos surdos, as pessoas são levadas a pensar que todos os sinais são
o “desenho” no ar do dado da realidade que representam. É claro que, por
decorrência de sua natureza linguística, a realização de um sinal pode ser
motivada pelas características do referente real, mas isso não é uma regra.
Os sinais podem representar qualquer dado da realidade social, não se reduzindo
a um simples sistema de gestos naturais, ou mímica, como pensa a maioria das
pessoas. Aliás, esse é o principal mito em relação à língua de sinais, pois, por
utilizar as mãos e o corpo na comunicação, costuma-se compará-la à linguagem
gestual contextual, restrita a referentes concretos, palpáveis, transparentes,
que têm seu significado facilmente apreendido por quem observa.
Na verdade, o léxico da língua de sinais é formado por palavras que mantêm uma
relação totalmente arbitrária com o dado da realidade a que se referem, tal como
se dá com as palavras das línguas orais. O que ocorre é que, dada a sua
modalidade visual-espacial, há uma tendência em se buscar relação com
aspectos da realidade para constituir seu sistema de representação, o que faz
com que haja motivação icônica em alguns sinais. É o caso, por exemplo, de
verbos como nadar, dirigir, cozinhar, e substantivos como borboleta, casa,
árvore, que guardam alguma relação de verossimilhança. No entanto, bastam
dez minutos de conversa com um grupo de surdos para nos sentirmos
completamente “estrangeiros” em meio ao inesgotável universo de signos que
povoam sua interação e nos deixam à margem de qualquer tentativa de dedução
“lógica” do que seja o objeto da discussão.
Vejamos alguns exemplos entre os sinais icônicos e arbitrários.
TELEFONE BORBOLETA
48
ÁRVORE
CASA
CONVERSAR
DEPRESSA
PESSOA
----
----
----
----
---- ------------
----
49
PERDOAR
As linguagem verbais são aquelas utilizadas pelas pessoas que vivem em grupos
sociais. Esse complexo sistema de comunicação simbólica origina os diferentes
idiomas falados no mundo, transmitidos de geração a geração. Pelas línguas
humanas se realiza a comunicação, a transmissão de informações, a expressão
de conceitos para a ciência, para as artes e tecnologias, entre outras produções
da humanidade. Apenas os seres humanos se utilizam de línguas (ou idiomas) na
comunicação para expressar conceitos e para referir-se a fatos da
experiência pessoal. A Libras presta-se às mesmas funções.
Na maioria dos lugares do mundo, há pelo menos uma língua de sinais usada
amplamente na comunidade surda de cada país, diferente daquela da língua
falada utilizada no mesmo território geográfico. Importante destacar que as
línguas de sinais são independentes das línguas orais, já que expressam a cultura
das comunidades surdas de cada país.
A variação linguística é o conjunto de modificações que sofre uma língua no
transcurso do tempo, do espaço e das variáveis socioeconômicas para se adaptar
às renovadas exigências comunicacionais de seus usuários. Esse fato apenas
atesta a heterogeneidade das línguas humanas, submetidas permanentemente
a variações para se manter viva e em movimento. A variação é uma contingência
das línguas, dado que suas formas mudam permanentemente: aparecem novas
e desaparecem outras que não são mais necessárias.
O português que se falava no século passado não é o mesmo da atualidade, que
tampouco é o mesmo de duzentos, quinhentos anos atrás. Até o início do século
usava-se o pronome de tratamento “vossa mercê “que passou pelas formas
“vosmecê” , “você” e “cê”. Isso demonstra a dinâmica da língua.
Diante disso, se a língua de sinais fosse uma língua única e universal, sem
variedades regionais, temporais ou espaciais, teria questionado seu estatuto
linguístico e não responderia às especificidades culturais e necessidades dos
surdos de cada país.
50
Vejamos como sinalizar a palavra “nome” em Língua de Sinais Americana (ASL) e
Libras:
O sinal para a cor “verde” apresenta uma variedade de formas nas diferentes
regiões brasileiras:
VERDE - RIO DE JANEIRO VERDE - SÃO PAULO
VERDE - CURITIBA
NOME - ASL NOME - LIBRAS
----
----
----
----
----
----
---- ----
51
MAS - SÃO PAULO
Variações demandadas por diferenças sociais podem ser expressas por meio de
mudanças na configuração das mãos e/ou no movimento, o que não acarreta
mudanças no significado do sinal:
CONVERSAR CONVERSAR
AJUDAR AJUDAR
MAS - CURITIBAMAS - RIO DE JANEIRO
----
---- -------- ----
----
52
Do mesmo modo, há mudanças motivadas com o transcorrer do tempo, as
chamadas mudanças históricas, determinadas por alterações decorrentes nos
costumes da geração que utiliza a linguagem. O sinal azul é bastante ilustrativo
dessa variação, pois, na origem, era soletrado como um empréstimo do
português. O ritmo e velocidade impresso na digitação o transformou em um
sinal motivado pela eliminação de parte das letras e incorporação de parte do
movimento utilizado em “Z” para soletrar “A e L”.
AZUL
AZUL
AVIÃO AVIÃO
SEMANA SEMANA
---
----
---
---- -------- ----
L---- ----
53
BRANCO
Outra língua, outra gramática
Como um sistema linguístico autônomo, as regras de organização gramatical da
Libras diferem completamente da língua portuguesa. As investigações iniciais
tiveram como preocupação desvendar os princípios estruturais da língua,
revelando os parâmetros básicos de organização de um sinal.
A Libras têm sua estrutura gramatical organizada a partir de parâmetros que
estruturam sua formação nos diferentes níveis linguísticos. Para Quadros e
Karnopp (2006), os parâmetros principais que determinam o sistema fonológico
da Libras são:
� Configuração de mão (CM).
� Locação da mão (L).
� Movimento da mão (M).
� Orientação de mão.
� Expressões não manuais (expressões faciais e
corporais).
VELHO
CM
LM
--------
--------
----
--------
----
As configurações da(s) mão(s) (CM) são as formas que a mão assume durante a
realização de um sinal. Com algumas variações, as pesquisas linguísticas comprovam
que há 43 configurações das mãos na Libras (Quadro I), sendo que o alfabeto manual
utiliza apenas 26 delas para representar as letras.
54
ONTEMVEADO
Observe os sinais para TELEFONE, BRANCO, VEADO e ONTEM e localize as
configurações de mãos utilizadas no quadro I, a seguir:
--------
55
QUADRO I - AS 46 CONFIGURAÇÕES DE MÃO DA LIBRAS
FONTE: FERREIRA BRITO (1995, p. 220 apud FERNANDES; STROBEL, 1999).
O ponto de articulação (PA) ou Locação (L) é a região do corpo em que será
realizado o sinal. Em Libras, os sinais são articulados em uma das quatro
principais áreas do espaço de sinalização: a cabeça, o tronco, os braços e as
mãos (QUADROS; KARNOPP, 2004):
56
FONTE: QUADROS; KARNOPP (2006)
A locação é um parâmetro distintivo determinante, já que a mudança da
localização, mantidos os demais parâmetros, determina mudanças no
significado. Observe que os sinais LARANJA e APRENDER apresentam a mesma
CM e M, mas são articulados em locais diferentes da cabeça (testa e boca).
APRENDERLARANJA
O Movimento (M) é o deslocamento da mão no espaço durante a realização do
sinal e pode assumir inúmeras perspectivas no espaço.
GALINHA HOMEM
57
Direcionalidade do movimento:
a) Unidirecional: movimento em uma direção no espaço, durante a realização de
um sinal.
Ex.: PROIBID@, SENTAR, MANDAR.
b) Bidirecional: movimento realizado por uma ou ambas as mãos, em duas
direções diferentes.
Ex.: PRONT@, JULGAMENTO, GRANDE, COMPRID@, DISCUTIR,
EMPREGAD@, PRIM@, TRABALHAR, BRINCAR.
c) Multidirecional: movimentos que exploram várias direções no espaço, durante
a realização de um sinal.
Ex.: INCOMODAR, PESQUISAR.
@ = forma neutra
Quanto aos tipos de movimento:
a) Movimento retilíneo:
PORQUE
ESTUDARENCONTRAR
58
b)�Movimento helicoidal:
AZEITE
MACARRÃOALT@
c)�Movimento circular:
IDIOTABRINCAR
BICICLETA
59
d)�Movimento semicircular:
SAP@
e)�Movimento sinuoso:
BRASIL
NAVIORIO
SURD@ CORAGEM
60
f) movimento angular:
ELÉTRICORAIO
DIFÍCIL
ATENÇÃO!
As expressões não manuais – faciais e corporais – não são meros componentes
extralinguísticos, tal qual ocorre nas línguas orais. Elas determinam relações
gramaticais, pois movimentos na face, ou corporais, indicam conteúdos
semânticos, definindo ou diferenciando o significados entre sinais. O dedo
indicador em [G] sobre a boca, com a expressão facial calma e serena, significa
SILÊNCIO; o mesmo sinal ordem: CALE A BOCA!
A mão aberta, com o movimento lento e com expressão serena, significa CALMA;
o mesmo sinal com movimento brusco e com expressão séria, significa PARE.
Um simples movimento de sombrancelha ou a duração do olhar podem expressar
conceitos totalmente antagônicos, indicando o caráter lingüístico desse traço.
Assim como a mudança na entonação de voz transforma uma oração da língua
falada em um elogio ou desprezo, um lance de olhar pode mudar o rumo de uma
negociação na língua de sinais, ainda que as mãos sinalizem uma mesma
sequência estrutural no espaço.
Outro aspecto interessante é a ordem dos constituintes na oração – a chamada
sintaxe –, que em nada lembra a lógica da língua portuguesa. Essa é a principal
dificuldade de aprendizes não surdos ao estudar a Libras, pois sua tendência é
61
pensar na ordem das palavras no português e sinalizar nessa estrutura,
produzindo o que se denomina “português sinalizado”, algo parecido com o
“portunhol”, para exemplificar.
Do mesmo modo, é comum ouvir afirmações de aprendizes da língua de sinais
quanto à inexistência de marcação de tempo nas formas verbais ou de flexão de
número e gênero. Esse equívoco se dá pela tendência em buscar esses elementos
incorporados ao sinal. Na Libras, esses aspectos são marcados discursivamente
em mecanismos espaciais, e não morfossintaticamente, tal qual ocorre em
português. Assim, em um enunciado que envolve o verbo OLHAR, é a orientação
da mão que indica o sujeito e o objeto da oração, por exemplo. Isso significa que
não há dependência estrutural entre a língua de sinais de um país e sua língua
oral.
Por isso a Libras não pode ser estudada tendo como base a língua portuguesa,
porque ela tem gramática diferenciada, independente da língua oral. A ordem
dos sinais na construção de um enunciado obedece a regras próprias que
refletem a forma de o surdo processar suas ideias, com base em sua percepção
visual-espacial da realidade.
Vejamos alguns exemplos que demonstram exatamente essa independência
sintática da Libras com relação ao português:
Exemplo 1: Libras:
Português:
EU IR CASA
(verbo direcional)
"Eu irei para casa"
“para” não se usa em Libras, porque está
incorporado ao verbo.
Exemplo 2: Libras:
Português:
FLOR EU-DAR MULHER^BENÇÃO
(verbo direcional)
«Eu dei a flor para a mamãe"
Exemplo 3: Libras:
Português:
PORQUE ISTO
(expressão facial de interrogação)
"Para que serve isto?"
Exemplo 4: Libras:
Português:
IDADE VOCÊ
(expressão facial de interrogação)
"Quantos anos você tem?"
62
Exemplo 5: Libras:
Português:
CINEMA MUITO-BO@
"O filme é maravilhoso!"
Há alguns casos de omissão de verbos na LIBRAS
Essas diferenças que omitem artigos, preposições e flexões verbais ou nominais
(gênero, número) nos levam a pensar que a gramática da Libras seria mais
“simplificada” em relação ao português, mas não se trata disso. Enquanto que no
português há elementos conectivos indicados com palavras, na Libras esses
mecanismos são discursivos e espaciais, estando incorporados ao movimento ou
em referentes espaciais. Também a morfologia das palavras em português se
modifica, como é o caso de desinências para PESSOA, TEMPO e MODO nas flexões
verbais. Já na Libras essas noções não são marcadas morfologicamente, mas são
representadas lexicalmente (por sinais) na enunciação.
No caso do sistema pronominal em Libras, há a prevalência da indicação para
marcação da pessoa. No singular (EU, VOCÊ, ELE), o sinal para todas as pessoas
do discurso é o mesmo, representado pela configuração de mão em CM[G] e
apontando a pessoa que fala. No caso do plural, há diferenças em relação ao
sistema do português, pois temos os pronomes:
NÓS-DOIS: a mão em CM[K] ou [V] e movimento retilíneo bidirecional.
NÓS-TRÊS: a mão assume o formato de três, CM[W] e movimento
circular.
NÓS-QUATRO: o formato será de quatro, CM[54] e movimento circular.
NÓS (configuração da mão [Gd] fazendo um círculo (nós).
EU – apontar para o peito do enunciador (a pessoa que fala).
EU
63
Dual:� NÓS – 2
NÓS 2
Trial:� � NÓS - 3
Quatrial:� NÓS - 4
Plural
NÓS 3
NÓS - GRUPO
NÓS - TOD@
VOCÊ
Segunda pessoa
Singular:�VOCÊ – apontar para o interlocutor (a pessoa com quem se fala).
----
64
Dual:� � VOCÊ - 2
Trial:� � VOCÊ - 3
Quatrial:� VOCÊ - 4
Plural: � VOCÊ - GRUPO� � � VOCÊ - TOD@
VOCÊ -2
VOCÊ - 4
VOCÊ - GRUPO
Terceira pessoa
Singular: EL@ – apontar para uma pessoa que não está na conversa ou para um
lugar convencional.
----
----
65
Dual:� � EL@ - 2
Trial:� � EL@ - 3
Quatrial:� EL@ - 4
Plural:
Tipos de verbos
a)�Verbos direcionais – verbos que possuem marca de concordância. A direção do
movimento, marca no ponto inicial o sujeito e no final o objeto.
Ex.: "Eu pergunto para você." "Você pergunta para mim."
"Eu aviso você." "Você me avisa."
Verbos que incorporam o objeto: quando o verbo incorpora o objeto,
alguns parâmetros modificam-se para especificar as informações.
Ex.:� COMER
---- ----
----
----
----
----
----
COMER-MAÇÃ
� � � COMER-BOLACHA
� � COMER-PIPOCA
� � TOMAR/BEBER
66
----
---- --
--
---- --
--
----
� � TOMAR-CAFÉ TOMAR-ÁGUA
� � ��������������������������������BEBER-PINGA / BEBER-CACHAÇA
� � ������������������������������������������CORTAR-TESOURA
� � CORTAR-CABELO � �������������������������CORTAR-UNHA
67
----
‘‘ ’’
----
----
----
----
68
� � CORTAR-PAPEL
CORTAR-FACA
� CORTAR-CORPO – “operar”� � CORTAR-FATIA
TROCAR
---- ----
----
----
----
----
69
TROCAR-BEIJO, TROCAR-TIROS
TROCAR-COPO � � ���������������������������TROCAR-CADEIRA
�
Ancorados no corpo: são verbos realizados com contato muito próximo com
o corpo. Podem ser verbos de estado cognitivo, emotivo ou experienciais, como
pensar, entender, gostar, duvidar, odiar, saber; e verbos de ação, como conversar,
pagar, falar.
PENSAR
GOSTAR
ENTENDER
DUVIDAR
----
-------- ----
----
--------
----
----
‘‘ ’’ ‘‘ ’’
----
----
Para produzirmos uma frase em LIBRAS nas formas afirmativa, exclamativa,
interrogativa, negativa ou imperativa, é necessário estarmos atentos às
expressões faciais e corporais a serem realizadas simultaneamente às mesmas.
Afirmativa: a expressão facial é neutra.
Interrogativa: sobrancelhas franzidas e um ligeiro movimento da cabeça,
inclinando-se para cima.
70
ODIAR SABER
CONVERSAR FALAR
----
Exclamativa: sobrancelhas levantadas e um ligeiro movimento da cabeça,
inclinando-se para cima e para baixo.
Forma negativa: a negação pode ser feita através de três processos:
a)�incorporando-se um sinal de negação diferente do afirmativo:
71
TER NÃO-TER
NÃO-GOSTAR
---- ----
---- ----
72
b)�realizando-se um movimento negativo com a cabeça simultaneamente à ação
que está sendo negada.
c)�acrescentando-se o sinal NÃO (com o dedo indicador) à frase afirmativa.
Observação: em algumas ocasiões, pode ser utilizada a dupla negação
simultaneamente.
NÃO-CONHECER
NÃO-PODER
Quando se deseja especificar as noções temporais, acrescentam-se sinais que
informam o tempo presente, passado ou futuro, dentro da sintaxe da Libras.
Ex.:Presente (agora / hoje)
Libras
Português
Libras
Português
HOJE EU-IR CASA MULHER^BENÇÃO ME@
«Hoje vou à casa da minha mãe»
AGORA EU EMBORA
’’Eu vou embora agora"
Passado (ontem / há muito tempo / passou / já)
Libras
Português
Libras
Português
Libras
Português
DEL@ HOMEM^IRMÃ@ VENDER CARRO JÁ
"O irmão dela vendeu o carro»
ONTEM EU-IR CASA ME@ MULHER^BENÇÃO
"Ontem, eu fui à casa da minha mãe»
TERÇA-FEIRA PASSADO EU-IR RESTAURANTE COMER^NOITE
’’Na terça-feira passada eu jantei no restaurante"
---- --
--
----
----
‘‘ ’’‘‘ ’’
Presente (agora / hoje)
Libras
Português
Libras
Português
HOJE EU-IR CASA MULHER^BENÇÃO ME@
«Hoje vou à casa da minha mãe»
AGORA EU EMBORA
’’Eu vou embora agora"
Passado (ontem / há muito tempo / passou / já)
Libras
Português
Libras
Português
Libras
Português
DEL@ HOMEM^IRMÃ@ VENDER CARRO JÁ
"O irmão dela vendeu o carro»
ONTEM EU-IR CASA ME@ MULHER^BENÇÃO
"Ontem, eu fui à casa da minha mãe»
TERÇA-FEIRA PASSADO EU-IR RESTAURANTE COMER^NOITE
’’Na terça-feira passada eu jantei no restaurante"
Futuro (amanhã / futuro / depois / próximo)
Libras
Português
Libras
Português �
Libras
Português
Libras
Português
EU ESTUDAR AMANHÃ
"Amanhã irei estudar»
PRÓXIMA QUINTA-FEIRA EU ESTUDAR
"Estudarei na quinta-feira que vem»
DEPOIS EU ESTUDAR
"Depois irei estudar»
FUTURO EU ESTUDAR FACULDADE MATEMÁTICA
"Um dia farei faculdade de matemática"
73
Como já vimos anteriormente, na LIBRAS os sinais são formados a partir de
parâmetros principais e secundários e através de alguns componentes não
manuais. Há, também, uma série de outros sinais que são formados por
processos de derivação, composição ou empréstimos do português. Vejamos
alguns exemplos:
Sinais compostos: da mesma forma que no português, teremos compostos de
palavras no qual um elemento será o principal – o núcleo – e um elemento o
especificador – o adjunto. É interessante observar que na LIBRAS a estrutura não
será apenas binária e, neste caso, teremos dois ou mais elementos
especificadores de uma palavra-núcleo.
Ex.:� Simples:�
CAFÉ AMIGO
CONHECER
� Composto:�
“zebra”:�CAVALO^LISTRAS
“açougueiro”: HOMEM^VENDER^CARNE
74
----
----
----
----
CAVALO LISTRAS
----
----
----
----
----
----
HOMEM VENDER CARNE
“faqueiro”:�CAIXA^GUARDAR^COLHER^FACA^GARFO
�
Ex.: � pílula
� PÍLULA^EVITAR^GRÁVIDA “pílula anticoncepcional”
75
CAIXA GUARDAR
COLHER FACA GARFO
PÍLULA EVITAR
GRÁVIDA
76
� PÍLULA^CALMA “calmante”
� PÍLULA^DOR DE CABEÇA “analgésico”
médico
� MÉDIC@^SEXO “ginecologista’
� MÉDIC@^OLHO “oftamotologista”
----
----
‘‘ ’’
� � MÉDIC@^CRIANÇA “pediatra”
� � MÉDIC@^CORAÇÃO “cardiologista”
Sinais compostos podem indicar categorias. Para classificar um sinal por
categoria ou por grupo, acrescentamos à palavra-núcleo o sinal VARIADOS.
� � MAÇÃ^VARIADOS “frutas”
� � CARRO^VARIADOS “meios de transportes”
77
----
----
--------
--------
78
� COR^VARIADOS “colorido”
� COMER^VARIADOS “alimentos”
� LEÃO^VARIADOS “animais”
Gênero (feminino / masculino): é interessante observar que não há flexão de
gênero em Libras. Os substantivos e adjetivos são, em geral, não marcados.
Entretanto, quando se quer explicitar substantivos dentro de determinados
contextos, a indicação de sexo é feita pospondo-se o sinal "HOMEM / MULHER",
indistintamente, para pessoas e animais, ou a indicação é obtida através de
sinais diferentes para um e para outro sexo:
Exemplos:
HOMEM “homem” MULHER “mulher”
----
HOMEM^VELH@ “vovô”
MULHER^VELH@ “vovó”
Adjetivos, artigos, pronomes e numerais não apresentam flexão de gênero,
apresentando-se em forma neutra. Essa forma neutra está representada pelo
símbolo @.
Ex.: ��������� � � ����AMIG@ FRI@
MUIT@ CACHORR@ SOLTEIR@
79
----
----
----
----
Numerais e quantificação: a Libras apresenta diferentes formas de sinalizar
os numerais, a depender da situação:
cardinais: até 10, representações diferentes para quantidades e cardinais;
a partir de 11 são idênticos.
ordinais: do primeiro até o nono tem a mesma forma dos cardinais, mas os
ordinais possuem movimento, enquanto que os cardinais não possuem. Os
ordinais do 1º ao 4º têm movimentos para cima e para baixo, e os ordinais
do 5º até o 9º têm movimentos para os lados. A partir do numeral dez não
há mais diferenças.
80
valores monetários, pesos e medidas: para representar valores monetários
de 1 até 9, usa-se o sinal do numeral correspondente ao valor, incorporando
a este o sinal VÍRGULA ou, também, após o sinal do numeral
correspondente, acrescenta-se o sinal de R-S “real”. Para os valores de
1.000 até 9.000, usa-se a incorporação do sinal VÍRGULA ou PONTO.
1 2 3 4 5
6 7 8 9 0
Experimente praticar a sinalização dos números:
A placa de seu carro:
_______________________________________________________________
O número de sua casa:
_______________________________________________________________
O número de seu telefone residencial:
_______________________________________________________________
O número de seu telefone celular:
_______________________________________________________________
81
Essa descrição sucinta da Libras não é suficiente para conhecê-la na sua
estrutura linguística como um todo e, muito menos, em suas especificidades
enquanto língua de uma comunidade. No entanto, parece ser um primeiro passo
para que observemos que a Libras é uma língua natural, com toda a
complexidade dos sistemas linguísticos que servem à comunicação, socialização
e ao suporte do pensamento de muitos grupos sociais.
Enfim, há uma riqueza de elementos na Libras, baseados na cultura visual dos
surdos, que nos oferecem um amplo universo de possibilidades de representar o
mundo, encadeando as palavras, não de forma linear e sequencial, como
estamos acostumados na comunicação oral e também escrita, mas de modo
simultâneo e multidimensional.
Toda essa riqueza cultural que, infelizmente, ainda é desconhecida pela grande
maioria das pessoas, traz uma nova compreensão das pessoas surdas como
integrantes de uma minoria linguística, tal como ocorre com comunidades
indígenas e de imigrantes.
Obviamente, a oficialização da Libras em nível nacional é apenas o primeiro
passo para a definição de políticas linguísticas que contemplem a cidadania
bilíngue dos surdos brasileiros.
Nesta unidade houve uma breve descrição dos aspectos que caracterizam a
estrutura gramatical da Libras, de modo a oferecer subsídios teóricos para a
ampliação do conceito de linguagem verbal para além da fala.
Reconhecer a Libras como língua das comunidades surdas brasileiras e conhecer
aspectos de sua organização linguística permite compreender sua função no
desenvolvimento da linguagem das crianças surdas, bem como favorece a relação
entre Libras como primeira língua e português como segunda língua.
Os principais conceitos sistematizados neste módulo foram:
modalidade visual-espacial da Libras;
parâmetros principais: configuração de mão(s), movimento e ponto de
articulação;
sinais simples e compostos;
estrutura frasal da Libras.
Utilize o dicionário de Libras para praticar os sinais exemplificados na unidade.
82
AUTOAVALIAÇÃO
Agora que você aprendeu algumas regras de organização gramatical dos sinais
em Libras, vamos tentar responder algumas questões? Com base no Dicionário
D i g i t a l de L i b ra s , que pode se r a ce s sado no ende re ço :
http://www.acessobrasil.org.br/libras/
Tente dar respostas às questões abaixo:
Ao abrir o dicionário, clique na guia “mão”, para sua pesquisa em Libras.
83
Pesquise três sinais para cada uma das configurações de mão indicadas:
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
Observe que a configuração de mãos deve ser respeitada, para que o sinal seja
realizado com sucesso.
Passemos agora a outro exercício, em que você deverá indicar em qual dos
espaços de articulação os sinais são articulados. Considerando que a região de
contato onde o “toque” das mãos é realizado é o que determina o espaço de
Locação (L), distribua os sinais segundo os espaços de articulação:
DIFERENTE, SENTAR, SEMPRE, OBRIGAD@, ÔNIBUS, CONHECER,
FAMÍLIA, SURD@, SAÚDE, PESSOA, CURSO, EDUCAD@, GALINHA,
PASSEAR, SAPO, BOI, PASSARINHO.
84
Por fim, um último momento de estudo. Pesquise sinais que apresentem
movimento:
EDUCAÇÃO BILINGUE
PARA SURDOS: DESAFIOS
AOS SISTEMAS DE ENSINO
UN
IDA
DE
3
87
Unidade 3 EDUCAÇÃO BILINGUE
PARA SURDOS: DESAFIOS
AOS SISTEMAS DE ENSINO
3 EDUCAÇÃO BILÍNGUE PARA SURDOS: DESAFIOS AOS SISTEMAS DE
ENSINO
Esta unidade tem como base compilações de publicações anteriores da autora
FERNANDES (1999, 2007a, 2007b).
Para início de conversa...
O pesquisador argentino Carlos Skliar (1998) nos ensina que a educação bilíngue
para surdos é algo mais do que o domínio, em algum nível, de duas línguas. Ele
nos alerta para a armadilha de reduzirmos o complexo debate da educação
bilíngue para o plano estrito das línguas – Libras e língua portuguesa –, correndo
o risco de transformar esse processo em um mero dispositivo pedagógico
"especial", em mais uma utopia a ser rapidamente abandonada e substituída por
outra nova invenção metodológica.
O que Skliar nos alerta é para o fato de que, ao reconhecer que os surdos são
potencialmente integrantes de uma minoria linguística, desde o seu nascimento,
isso significa que sua situação de bilinguismo extrapola os muros da escola e
contempla um debate político, econômico e cultural que deve envolver inúmeras
instâncias sociais.
A disputa pela língua em que a educação é ministrada é também uma disputa por
espaços de poder na sociedade incorporando variáveis que não se limitam ao
debate sobre qual a melhor língua na educação de surdos.
O projeto de educação bilíngue tem como foco inicial a infância surda, suas
vivências familiares e sociais para a Educação Infantil, mas se espraia para
tantos outros contextos sociais e fases da vida em que o direito à diferença
88
linguística deve ser observado, sob pena de marginalização, preconceito e
exclusão.
Imbuídos dessa diretriz filosófica, nesta unidade trataremos de conceitos,
reflexões e práticas que constituem os fundamentos da educação bilíngue para
surdos.
Tenho um filho surdo! E agora?
Depoimentos de inúmeros pais relatam que, após um diagnóstico clínico de
surdez, anunciado pelo médico, um futuro obscuro e incerto é traçado, no qual
circulam fantasmas futuros anunciando os problemas da falta de audição, da
impossibilidade da fala, dos problemas de comunicação. A notícia da
DEFICIÊNCIA AUDITIVA (já estudamos a carga semântica negativa que essa
expressão carrega), não raro é dada por um profissional da saúde, quase sempre
um médico, cuja visão clínica (com sorte acompanhada de doses de
humanismo...) pretende esclarecer aos pais as limitações que o defeito
circunscrito à “orelha” poderá desencadear ao desenvolvimento desse bebê.
Para os pais, nenhuma explicação posterior faz sentido, pois a palavra
DEFICIÊNCIA é a que mais lhe chama a atenção nesse momento. O que os pais
deveriam saber, e quase sempre não lhes é dito, é que o aspecto mais importante
em se ter um filho surdo é que ele apresentará uma diferença na comunicação.
Apenas isso! Poderá ser uma criança inteligente, questionadora e feliz, como
milhares de outras tantas... Mas necessita aprender um sistema de comunicação
adequado às suas necessidades visuais, e não auditivas, como é comum entre a
imensa maioria das pessoas.
Vamos recorrer à imagem de uma viagem, para ilustrar o quanto a experiência
de ter um filho surdo pode ser positiva, se não enxergarmos nela a frustração de
não ter tido um filho ouvinte.
“BEM VINDO À HOLANDA”...
Esperar um bebê é como planejar a fantástica viagem de férias com
que você sempre sonhou – para a Itália. Você compra um monte de
guias e faz planos maravilhosos. O Coliseu. O David de Michelangelo.
As gôndolas, em Veneza. Você pode aprender frases úteis em italiano.
Tudo é uma festa.
Depois de meses de expectativas, finalmente chega o dia da viagem.
Malas prontas, você entra no avião e, algumas horas depois, a aeromoça
89
vem e diz:
– “Bem-vinda à Holanda”.
– “Holanda?! Como assim, Holanda?, você se espanta. “Meu vôo era
para a Itália. Sonhei a vida inteira em ir para a Itália”.
Mas houve uma mudança no plano de voo. Aterrissaram na Holanda e
este é seu destino agora. Importante é que não te levaram a um lugar
horrível, desagradável e sujo, cheio de epidemias, fome e doença. É só
um lugar diferente.
Então você tem de sair e comprar novos guias. E aprender uma língua
nova. E conhecer pessoas que nunca teria conhecido. É só um lugar
diferente. O ritmo é mais lento que o da Itália; a luz menos brilhante. Mas,
depois de estar lá por algum tempo, você toma fôlego, olha em volta... e
começa a notar que a Holanda tem moinhos... e a Holanda tem tulipas. A
Holanda tem até Rembrandts.
Mas todo mundo que você conhece foi e voltou da Itália, contando
maravilhas do tempo passado lá. Pelo resto da vida você dirá:
– “É, era para lá que eu deveria ter ido. Era isso que eu tinha
planejado”.
Mas, se você passar a vida lamentando o fato de não ter ido para a Itália,
talvez não possa descobrir o que existe de tão especial e todas as coisas
adoráveis que há... na Holanda.
FONTE: Emily Perl Knisley (1987) extraído de Cerebral Palsy Association of
Western Austrália Ltda. e traduzido pela Drª Ávila de Carvalho, Minas Gerais, em
30/12/1995.
Essa é a perspectiva que devemos ter em mente como pais e professores de
surdos. É preciso vivenciar a experiência para descobrir novidades a aprender:
uma nova língua, uma forma de ver o mundo totalmente determinada pela visão,
enfim, uma experiência que exige de nós a máxima sensibilidade visual, sob
pena de perdermos algum detalhe importantíssimo dessa viagem...
Carlos Sánchez, um famoso médico venezuelano e estudioso da educação de
crianças surdas, fala sobre a notícia mais importante a ser comunicada aos pais,
no momento do diagnóstico da surdez. Ele relata que, em seu consultório, no
momento de informar o diagnóstico de surdez de um filho aos pais, costumava
oferecer uma explicação muito clara e simples: ter um filho surdo equivalia a
acolher um “estrangeiro” no seio familiar. Essa explicação, embora estranha,
ajudava os pais a entenderem que, mesmo nascendo no país, a aprendizagem de
seu idioma como língua materna estaria inviabilizada pela surdez.
Segundo Sánchez (1993), essa constatação eliminaria metade dos problemas a
90
que têm sido submetidas às crianças surdas e suas famílias. Ao compreender que
seus filhos NÃO SÃO DEFICIENTES (mesmo que possuam uma perda auditiva),
mas necessitam de uma outra língua para sua comunicação e desenvolvimento,
assim como estrangeiros, imigrantes, ou grupos indígenas, os pais receberiam a
notícia de forma menos sofrida e mais equilibrada para tomar as decisões
acertadas.
Assim, para que a criança surda se sentisse integrada à família, era preciso que
os pais aprendessem o quanto antes, e da melhor maneira possível, a língua de
sinais, que lhes permitiriam a comunicação com seu filho. Para o médico, essa
condição, aliada à possibilidade de contato e interlocução com surdos adultos,
cria um ambiente linguístico favorável à comunicação e à interação, já na
infância.
Myrna Salermo professora auxiliar da UFRJ, especialista em Linguistica,
pesquisadora surda, pioneira da língua de sinais no Brasil, em seus estudos,
denuncia o fato de que, há pouco tempo, famílias ouvintes “escondiam” os filhos
surdos pela “vergonha” de ter concebido uma criança fora dos padrões
considerados normais. Com isso, muitos surdos não saíam de casa, ou só o
faziam acompanhados dos pais. Assim como ocorreu com ela, a comunicação na
família era muito difícil, pelo desconhecimento e não aceitação dos pais da língua
de sinais. Myrna assegura que esse fato conduziu filhos surdos ao isolamento,
gerando sérios problemas de comportamento, como nervosismo, agressividade
e crises de identidade (MONTEIRO, 2006). A pesquisadora acredita que muitas
conquistas já foram efetivadas, mas que é na família que a transformação deve
começar a acontecer. A principal luta é quanto à garantia de que crianças surdas
tenham a língua de sinais como língua materna, no seio familiar, e,
posteriormente, lhes seja oferecido o direito de optar pelo uso da modalidade
oral, além da obrigatoriedade do aprendizado da língua portuguesa escrita.
O contato de uma criança com o mundo é mediada por símbolos e palavras pelas
quais ela interage com outras pessoas, tem acesso às informações e desenvolve
funções psicológicas cada vez mais complexas, ou seja, a abstração, o raciocínio
lógico, a memória e o planejamento antes da ação, entre tantas outras
possibilidades.
Para nós que utilizamos a palavra falada como principal meio de interação com o
mundo, é difícil supor que gestos desenhados no ar possam realizar tarefas tão
complexas do ponto de vista simbólico e cognitivo. É comum que crianças surdas
utilizem gestos para se comunicar, apontando, dramatizando situações, criando
91
uma forma de linguagem própria para se comunicar, pela impossibilidade de
ouvir a fala de seus pais e demais membros da sociedade.
Como afirma o pesquisador russo Vygotsky (1991), a linguagem verbal é um
sistema simbólico fundamental para o desenvolvimento e aprendizagem da
criança, posto que encerra os conceitos generalizados e elaborados pela cultura
humana. Para o autor, o surgimento da linguagem imprime três mudanças
essenciais nos processos psíquicos humanos:
a)�permite lidar com os objetos do mundo exterior mesmo quando eles
estão ausentes (representação);
b)�possibilita os processos de abstração e generalização;
c)�exerce a função de comunicação entre os homens, que garante como
consequência a preservação, transmissão e assimilação de informações
e experiências acumuladas pela humanidade ao longo da história.
Portanto, são os gestos naturais e a mímica (linguagem gestual) que
correspondem à linguagem não verbal. A língua de sinais é um sistema linguístico
complexo, verbal, portanto, que oportuniza aos surdos as mesmas condições de
desenvolvimento e aprendizagem, à semelhança do que ocorre com a fala para
as demais crianças.
O mito de que a língua de sinais não permite a representação de palavras e
conceitos abstratos faz com que pais e professores insistam na ideia de que todas
as crianças surdas devem aprender a falar, o que, quase sempre, não acontece.
Há pesquisas demonstrando que, em média, nos últimos cinquenta anos, apenas
15% das crianças surdas que ingressaram em programas de reabilitação da
audição e da fala aprenderam a falar. Esse aprendizado, no entanto, não é similar
ao das crianças não surdas. Quase sempre, apenas a família e pessoas do círculo
de relações da criança surda conseguem entender sua forma peculiar de
expressão oral.
A principal implicação que esse mito tem para o desenvolvimento e
aprendizagem dessas crianças é que elas, ao serem impedidas de sinalizar,
acabam por não aprender nenhum sistema linguístico que lhes possibilite se
comunicar e representar a realidade, nem a fala, nem a escrita e, a mais
importante forma de comunicação para elas: a língua de sinais.
Os pais e professores de surdos devem estar atentos a todos os movimentos
92
realizados por seus filhos. Um gesto, uma apontação, a fixação do olhar para
determinados objetos são, muitas vezes, a forma que os filhos encontram para
informar que querem saber sobre uma pessoa, ou situação. São sinais de
intenção comunicativa que não podem ser desprezados.
Assim, professor, é necessário que você conheça a história de vida de seu aluno
surdo quando ele chegar à escola. Se ele for filho de pais ouvintes (caso de mais
de 95% dos surdos) e resida em uma localidade onde não haja surdos adultos
sinalizadores, é bem provável que a estratégia que utilize na comunicação seja a
linguagem gestual, com gestos naturais e/ou sinais codificados criados para sua
interação com a família. Essa forma de comunicação se desenvolve
naturalmente, mesmo isolada do contato com outros surdos, mas restringe as
possibilidades de formação de conceitos abstratos, limitando o desenvolvimento
do pensamento e da linguagem.
3.1�PAIS OUVINTES, FILHOS SURDOS: O QUE FAZER?
Crianças que ouvem têm o português como língua materna, já que seus pais se
comunicam com ela, muito antes que ela entenda uma palavra sequer nessa
língua. À medida que vão crescendo, ouvem muitas conversas na família e,
mesmo que não saibam dizer uma palavra, entendem muitas das coisas que lhes
são ditas, diariamente. Aprendem nomes de pessoas e objetos da casa,
constroem hipóteses sobre o mundo que as cerca, aprendem limites e regras
sobre o que é certo e errado, o que podem e não podem fazer em determinadas
situações. Ou seja, são as primeiras lições para conviver em sociedade, fazer
amigos, ser aceito pelo grupo.
O aprendizado mais importante dessa fase é que as crianças se sentem membros
daquele grupo de referência; elas se sentem parte de uma família.
Como a grande maioria das crianças surdas é filha de pais não surdos e como o
português não pode ser aprendido naturalmente, devido ao impedimento
auditivo, permanecem em uma condição de carência linguística e de informações
durante toda a infância, até que cheguem à escola e aprendam a língua de sinais
com outros surdos e seus professores (FERNANDES, 2006).
Assim, mesmo que os pais não dominem completamente a Libras e estejam se
esforçando para que isso aconteça, é fundamental que as interações na família
priorizem a comunicação gestual, as apontações, as fotos, os desenhos e todas
as possibilidades de comunicação visual que estiverem ao alcance dos pais.
93
É comum que em casa pais ouvintes e crianças surdas criem um sistema gestual
de comunicação próprio, cujos códigos geralmente têm seus sentidos
negociados apenas no restrito grupo familiar, não servindo a contextos mais
abrangentes de interação. No entanto, é necessário que ela conheça a língua de
sinais convencional, com a qual poderá se comunicar com quaisquer pessoas que
a dominem no território brasileiro, sejam surdas ou não.
Ainda que seja difícil para os pais compreenderem, o contato com surdos adultos,
que já dominam a língua de sinais, será imprescindível e facilitará a imersão da
criança nesse ambiente linguístico que as crianças que ouvem vivenciam,
naturalmente, em sociedade. Nos Estados Unidos, experiências de contratação
de babás surdas nas famílias que dispõem de condições para esse serviço têm
apresentado ótimos resultados para essa finalidade.
É uma das formas para garantir que a língua materna seja a Libras, ainda que os
pais sejam falantes da língua portuguesa.
E se os pais forem surdos também,
como será o desenvolvimento da criança?
Inúmeros estudos de pesquisadores, no mundo todo, desenvolvidos com
crianças surdas filhas de pais surdos, ou que desde o primeiro ano de vida
tiveram contato com a língua de sinais, demonstram que elas passam por todas
as etapas de aquisição da linguagem, sem prejuízos. Isso demonstra que, para o
cérebro, não importa se a língua é falada ou sinalizada, pois o importante é que
haja um sistema linguístico organizado em regras convencionais para a
representação da realidade. Essa língua, fruto da convenção social, possibilitará
a formação de conceitos e a compreensão da necessidade de também aprender o
português, língua da grande maioria das pessoas que nascem no Brasil, o que
caracteriza o bilinguismo dos surdos (FERNANDES, 2007a).
Portanto, para que não haja barreiras de comunicação entre pais e filhos surdos,
a língua de sinais construirá o elo de interação e o vínculo afetivo familiar e
possibilitará o aprendizado da língua portuguesa, para ampliar seu círculo de
relações sociais.
94
FONTE: http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=download&id=911950
Você sabia que crianças surdas, filhas de pais surdos, que desde o nascimento
estiveram expostas à língua de sinais, têm um desenvolvimento linguístico,
cognitivo, afetivo e social adequados, demonstrando melhores resultados nas
atividades escolares, menores dificuldades em aprender o português e menor
incidência de problemas emocionais na adolescência, em relação àquelas que não
tiveram acesso à língua de sinais na infância?
Aprendendo a língua de sinais, os pais ampliam as possibilidades de oferecer
informações e conhecimentos às crianças, antes mesmo de elas chegarem à
escola.
Sabemos que a participação dos pais, estabelecendo uma relação de confiança
mútua com os filhos surdos, contribui para a elevação da autoestima e para que
eles não se sintam diferentes, rejeitados ou incapazes ao ingressarem em uma
escola e iniciar os primeiros contatos com a leitura e escrita.
É exatamente essa a principal mensagem que pais de crianças surdas devem
aprender. Seu filho surdo, impedido de aprender a falar, pela perda auditiva que
apresenta, terá um potencial para aprender uma língua visual-espacial: a língua
brasileira de sinais. A Libras, aprendida no período de 0 a 3 anos, ou assim que a
surdez for diagnosticada, possibilitará um desenvolvimento nos mesmos padrões
das crianças ouvintes. Depois disso, poderá aprender outras línguas, como o
português e o inglês, além de línguas de sinais de outros países, se tiver a
oportunidade, caracterizando uma situação de bilinguismo.
95
Conheça alguns endereços interessantes:
www.libraselegal.com.br
www.libras.org.br
www.acessobrasil.org.br
Onde posso aprender a língua de sinais?
Pais e professores podem aprender a língua de sinais estando em contato com
surdos adultos que a utilizam, ou realizando cursos de Libras.
As Secretarias de Educação devem ter como diretriz da política de inclusão a
oferta de Libras para toda a comunidade escolar nos estabelecimentos onde
estejam matriculadas crianças e jovens surdos.
Há, também, diversos materiais disponíveis no mercado que possibilitam a
aprendizagem da Libras, como vídeos, DVD's e dicionários digitais e impressos.
Todos esses materiais são produzidos com a participação direta de educadores
surdos e outros especialistas. É uma excelente ferramenta de apoio ao
aprendizado de Libras, por contar com jogos didáticos e atividades lúdicas,
bastante apropriadas à interação de pais e filhos surdos.
A literatura infantil é uma forma lúdica de abordar essa temática tão séria que é a
diferença cultural que envolve o nascimento de uma criança surda no seio de
famílias ouvintes.
O livro Tibi e Joça, Uma história de dois mundos, de Cláudia Bisol é uma
referência importante para ser lido e debatido com as crianças e seus pais em
sala de aula.
96
3.2�EDUCAÇÃO BILÍNGUE PARA SURDOS NA INFÂNCIA
Em uma situação de bilinguismo considerada ideal, as crianças surdas deveriam
aprender a língua de sinais como língua materna, no ambiente familiar, e ter
plenamente desenvolvida suas necessidades de comunicação, sem barreiras ou
impedimentos, por meio da interação em uma língua de modalidade visual (para
ser aprendida) e espacial (para ser produzida).
A partir dessa base linguística consolidada, o português seria ensinado na escola,
tendo como parâmetro metodologias de ensino de segundas línguas, desde a
Educação Infantil, de zero a seis anos.
Diante dessa situação, atualmente as políticas oficiais emanadas apontam que a
educação dos surdos deva ser bilíngue, assegurando o direito de acesso à Libras
e à língua portuguesa escrita, ensinadas no contraturno com a participação de
educadores surdos e professores bilíngues.
Como vimos, como grande parte das crianças surdas nascem em famílias não
surdas, elas necessitam que a escola seja o espaço comunitário para o
aprendizado da Libras. Por isso se justifica a necessidade da organização do
bilinguismo no espaço escolar, para oportunizar o acesso, o mais brevemente
possível, não a um, mas a dois sistemas linguísticos convencionais. Para que a
criança surda não tenha prejuízos em seu desenvolvimento linguístico, afetivo-
emocional, cognitivo e social, ou seja, a fim de se igualar, em oportunidades de
acesso à comunicação e ao conhecimento, às demais crianças brasileiras, será
necessário que seja organizado um espaço institucional para que sua educação
linguística se concretize.
Assim, considera-se a educação bilíngue como o processo em que família,
sistema educacional e comunidade desenvolvam ações articuladas para
assegurar que a Libras seja a língua materna das crianças surdas,
preferencialmente de zero a três anos. O acesso à língua portuguesa, como
segunda língua, possibilitará a ampliação de suas relações sociais e a apropriação
de elementos da cultura nacional, comuns a todos os brasileiros.
A legislação vigente abre a possibilidade para a organização de classes e escolas
bilíngues na Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental, em que a
Libras seja língua principal na comunicação, para o acesso ao conhecimento
formal, e língua mediadora no processo de ensino e aprendizagem do português
escrito. A modalidade oral da língua portuguesa, caso seja opção da família, será
97
desenvolvida por fonoaudiólogos bilíngues, no contraturno da escolarização, em
políticas de interface entre a Saúde e a Educação.
Para que esse processo tenha continuidade, além dessas classes e escolas
funcionando com professores bilíngues habilitados, assegura-se a presença de
intérpretes de Libras/Língua Portuguesa nas salas regulares de séries finais do
Ensino Fundamental, Ensino Médio e Superior. Além disso, compete ao Poder
Público promover a formação e capacitação de profissionais bilíngues para dar
sustentação ao processo de inclusão social e escolar de alunos surdos.
A regulamentação da Lei de Libras pelo Decreto Federal nº 5.626, em 2005,
(BRASIL, 2005) trouxe avanços para as pessoas surdas, visto que amplia os
domínios da língua de sinais para diferentes segmentos sociais. Vejamos os
avanços mais importantes:
Reconhece a pessoa surda como aquela que compreende e interage com o mundo por
meio de experiência visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da
Língua Brasileira de Sinais - Libras
Torna a Libras componente curricular obrigatório nos cursos de formação de
professores, em nível médio e superior, e de Fonoaudiologia, em dez anos (até 2016).
Estabelece diretrizes para a formação de docentes para o ensino de Libras na Educação
Básica e Superior, em nível superior, em curso de graduação de licenciatura plena em
Letras-Libras.
Assegura a oferta obrigatória do ensino e uso da Libras e o ensino da Língua Portuguesa,
como segunda língua, desde a Educação Infantil, para alunos surdos.
Propõe a capacitação e contratação pelos sistemas de ensino de professor ou instrutor
de Libras, tradutor e intérprete de Libras-Língua Portuguesa e professor para o ensino
de Língua Portuguesa como segunda língua para pessoas surdas.
Indica a adoção de mecanismos de avaliação coerentes com aprendizado de segunda
língua, na correção das provas escritas, valorizando o conteúdo, independentemente
de possíveis incorreções gramaticais, reconhecendo a singularidade linguística dos
surdos.
Demonstra a importância de se desenvolverem mecanismos alternativos para a
avaliação de conhecimentos expressos em Libras pelos surdos, por meios do uso de
tecnologias da educação.
AUTOAVALIAÇÃO
É comum que a população manifeste resistência ao estudo das leis, tanto pelo fato
de serem escritas em uma norma muitas vezes incompreensível para a maioria
como pelo fato de que resultam, quase sempre, em “letra morta”, não efetivando
direitos na prática social.
Mesmo ciente dessas limitações, podemos exercer o direito à reivindicação do que
é assegurado como conquista no corpo do sistema jurídico. Nesse sentido, o
Decreto Federal 5.626/2005 apresenta uma série de diretrizes que, efetivadas,
consubstanciariam inúmeras oportunidades de os surdos exercerem sua
cidadania bilíngue no contexto nacional.
Sugerimos um roteiro de estudo para conhecer os direitos assegurados aos
surdos pela regulamentação da Lei de Libras no Brasil:
1.�Como o Decreto define a pessoa surda? O que essa definição traz de novo,
em relação à legislação anterior? (Capítulo I)
2.�Qual a formação dos docentes de Libras (Capítulo III):
a)�para a Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental?
b)� para as séries finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio e
Superior?
c)�Na falta de profissionais com essa formação, quem poderá ensinar
Libras?
3.�O que é e qual o objetivo do Exame de Proficiência em Libras (Prolibras)?
Quais os profissionais que serão certificados? Quem fará parte da banca de
avaliação? Qual deverá ser a sua frequência? (Capítulos I e V)
4.�Qual a diferença entre o docente de Libras e o instrutor? A docência pode ser
oexercida por qualquer pessoa, surdos ou ouvintes? (Capítulo III, art. 7 )
5.�Segundo a lei, o que os sistemas de ensino devem assegurar no processo
oeducacional de alunos surdos? (Capítulo IV, art. 14 )
6.�Quais os pré-requisitos para atuar como profissional tradutor e intérprete?
(Capítulo V)
7.�Como são definidas as classes e escolas bilíngues? (Capítulo VI)
8.�A quem compete o ensino das modalidades oral e escrita do português?
o o(Capítulo IV, art. 15 e art. 16 )
Que implicações as diretrizes político-pedagógicas
do Decreto Federal têm para a
organização da escola e dos sistemas de ensino?
98
99
Como vou ensinar em Libras, se não domino essa
língua e a maioria dos alunos se comunica pela fala?
3.3�BILINGUISMO E ESCOLA INCLUSIVA
Em uma escola inclusiva para surdos, português e Libras têm o mesmo valor e
são línguas utilizadas por todos os alunos e professores, a única forma para que o
aluno surdo participe ativamente do processo de ensino e de aprendizagem, na
interação efetiva com todos os atores da escola.
As mudanças exigidas envolvem a totalidade do sistema de ensino, com ações
ordenadas e sistemáticas desde a Educação Infantil até o Ensino Superior,
envolvendo o Ministério da Educação, as Secretarias Estaduais e Municipais de
Educação, o projeto político-pedagógico da escola e a comunidade escolar.
Justamente porque a inclusão de alunos surdos não depende apenas de recursos
técnicos, materiais e na arquitetura, como ocorre em outras áreas, a formação
inicial e continuada deve ser o foco das ações a serem desenvolvidas, visto que o
que muda é a situação linguística da escola.
Diante disso, as principais mudanças no currículo dizem respeito à garantia da
acessibilidade na comunicação, oportunizada pela aprendizagem da Libras como
língua materna e, consequentemente, da língua portuguesa escrita, como
segunda língua. Ambas as línguas irão mediar o acesso aos conteúdos
acadêmicos e as interações que envolverem o aluno surdo no contexto escolar.
A essa altura, o professor deve estar se perguntando:
Sou a professora bilíngue. Minha função
é ensinar o português como segunda
língua para surdos, por meio de práticas
de letramento.
Sou a tradutora e intérprete de Libras. Atuo na
mediação linguística entre alunos surdos e os
demais membros da comunidade escolar.
Minha função principal é interpretar os
conteúdos trabalhados pelos professores das
disciplinas para que os alunos possam
aprender em igualdade de condições
linguísticas.
Novos personagens devem habitar a escola para que o bilinguismo se efetive:
Sou o professor de libras. Minha função é
contemplar aspectos culturais da
comunidade surda no currículo escolar.
Ensino Libras para os alunos surdos e
ouvintes, além de pais, professores e
funcionários.
100
101
A provisão desses profissionais na escola constitui apenas o ponto de partida
para a implantação de propostas de educação bilíngue. Do ponto de vista das
práticas escolares, exige-se uma constante reflexão sobre os conteúdos, os
objetivos, as metodologias e as formas de avaliação em curso na escola e sua
adequação às possibilidades dos alunos surdos.
Observe nas ilustrações a seguir, duas possibilidades de a educação bilíngue ser
realizada nas escolas:
Nesse modelo, a língua de
instrução e de interação entre
professores e alunos é a Libras. É
o modelo ideal a ser adotado na
Educação Infantil e séries iniciais
do Ensino Fundamental, por
favorecer a relação direta entre
os interlocutores e favorecer o
processo de aquisição da
linguagem no período mais
importante para a criança surda –
a infância. Esse modelo está assegurado no Decreto Federal, quando se resguarda
a possibilidade de organização de classes e escolas bilíngues.
Nesse modelo, denominado
i n c l u s i vo , a l unos su rdos
frequentam as aulas em turmas
mistas, nas quais o português é a
língua principal nas atividades
curriculares e a tradução em
Libras é assegurada pela
presença do intérprete. É mais
recomendado e adotado nas
s é r i e s f i n a i s d o E n s i n o
Fundamental, Ensino Médio e
Ensino Superior, posto que, nas faixas etárias correspondentes, jovens e adultos
surdos já se apropriaram da Libras e estão mais maduros emocional e
academicamente para compreender as distintas funções de ambos os
profissionais em sala de aula.
A política de inclusão ainda garante a possibilidade de atendimento educacional
especializado (AEE), no contraturno escolar, para complementação curricular, no
qual se destacam três momentos didático-pedagógicos:
102
AEE em Libras na escola comum, em que todos os conhecimentos dos diferentes
conteúdos curriculares, são explicados nessa língua por um professor, sendo o mesmo
preferencialmente surdo. Esse trabalho é realizado todos os dias, e destina-se aos
alunos surdos.
AEE para o ensino de Libras na escola comum, no qual os alunos com surdez terão aulas
de Libras, favorecendo o conhecimento e a aquisição, principalmente de termos
científicos. Este trabalhado é realizado pelo professor e/ou instrutor de Libras
(preferencialmente surdo), de acordo com o estágio de desenvolvimento da Língua de
Sinais em que o aluno se encontra.
AEE para o ensino da Língua Portuguesa, no qual são trabalhadas as especificidades
dessa língua para pessoas surdas. Este trabalho é realizado todos os dias, à parte das
aulas da turma comum, por uma professora de Língua Portuguesa, graduada nesta
área, preferencialmente. O atendimento deve ser planejado a partir do diagnóstico do
conhecimento que o aluno tem a respeito da Língua Portuguesa. (BRASIL, 2007, p. 25)
Diante desses movimentos sociais, da mudança nas concepções de surdez e das
diretrizes legais, desde a década de 1990 que a inclusão social dos surdos é
dependente de políticas públicas que reconheçam sua situação de bilinguismo,
pelo uso irrestrito da língua de sinais na vida social e pela organização das
diferentes instâncias, com destaque à escola, para oportunizar-lhes o
aprendizado da língua portuguesa como segunda língua.
3.3.1�Português como segunda língua para surdos
Em função de sua situação de bilinguismo, a língua portuguesa será ensinada
como segunda língua na escola e seu aprendizado deverá mobilizar a adoção de
metodologias específicas de ensino, mediadas por professores bilíngues, tal qual
ocorre em situações de aprendizado de línguas estrangeiras.
Se já tecemos considerações sobre as dificuldades de os surdos estarem
incluídos em um ambiente escolar em que a língua portuguesa é dominante (nas
aulas, nas interações, nos livros...), em que há inúmeras dificuldades de os
surdos estabelecerem uma comunicação oral consistente com os ouvintes (se o
português for a opção para tal), ao considerar-se a escrita, suas produções
encontram inúmeros obstáculos que são potencializados na medida em que as
práticas pedagógicas convencionais preconizam o bom desempenho em
linguagem oral como requisito necessário à aprendizagem da linguagem escrita.
Como a maioria dos procedimentos metodológicos objetiva a oralidade como
requisito indispensável à alfabetização e estabelece-se uma relação causa-efeito
equivocada entre fala e escrita nesse processo, alunos surdos são duplamente
prejudicados, pois, além de não se integrarem aos debates prévios que
encaminham as atividades de leitura e escrita na escola, seu processo de
letramento escolar é repleto de descontinuidades.
Observe textos de alunos surdos em diferentes níveis de escolarização:
Texto I - Relato de experiência
Jardim Botânico
Aniversário de Curitiba
Eu gosto bom ele Jardim Botânico.
Eu foi vi ele bom rosa muito Jardim Botânico.
Eu fui passear vi muito frboi bom no cor.
Nós vamos e amigos na foi eu fui sim.
Eu gosto bom ele frboi.
Ele muito passirios.
Eu casado pé no calhor.
Eu comei um coca–cola de pissar.
Eu viu muito rio.
babaita amivisado bom Curitiba 305 anos.
(M, 19 nos, EJA séries iniciais.)
Texto II - Narrativa sobre um filme assistido em sala de aula sobre a aids
AIDS – HIV Positivo
Eu mulher para esta como eu passear homem de todo e sex.
O homem muito que namoralos o como você que mulheres de seu passaer
gosto estavam sex HIV.
Ela como muito você que gostos sex não gostas mulheres bom não um
nada.
A mulher amigo você que comverais nós gostos seu homem a muito para
comverias você que mais boa.
Eu como você converias deu jesus tomar curados sentes AIDS
A mulher você para que como muitos esta namorelas gostos não Positivo
HIV.
Eu mulher vosê que namorelo não para mais cama homem muitos esta
esquecer eu azar.
O homem muito gosto você que sexo mulheres de come mais todos para
nós camisinha sexo.
(C. 26 anos – Ensino Médio)
103
Em uma análise breve, qualquer professor indicaria, como principais, os
seguintes problemas:
-�palavras inadequadas;
-�troca ou omissão de artigos;
-�problemas no uso de preposições, conjunções e outros elementos de
ligação;
-�inexistência ou inadequação de concordância nominal (gênero, pessoa e
número);
-�uso inadequado ou falta de verbos;
-�alterações na estrutura frasal usual do português S-V-O (sujeito-verbo-
objeto).
Geralmente, essa escrita típica e singular é tratada de forma marginal e consiste
no vetor da exclusão e das avaliações arbitrárias a que são submetidos alunos
surdos na escola.
Em pesquisa anterior (FERNANDES, 1999), argumentamos sobre as duas
principais razões para que os textos dos surdos se apresentem de uma forma
bastante singular, quando comparados às produções de falantes nativos. A
primeira demonstra o papel ativo que a Libras ocupa na mobilização de
hipóteses na escrita do português pelos surdos. Metaforicamente,
poderíamos dizer que a Libras insiste em habitar a mesma casa do português,
ainda que haja uma ordem de despejo contra ela (FERNANDES, 2007a). A
segunda razão é de ordem metodológica e refere-se ao fato de que a escola não
sabe como ensinar os surdos a ler e escrever o português como segunda
língua.
As experiências não significativas com a língua portuguesa na escola,
desenvolvidas por métodos de ensino inapropriados, têm como consequência
produções textuais que não apenas não promovem o letramento dos surdos
como os “eternizam” em uma condição de analfabetismo funcional que perdura
ao longo dos vinte anos como alunos da Educação Básica (tempo médio de
escolarização de surdos), já que as reprovações são quase inevitáveis em sua
trajetória escolar.
Os textos, na verdade, revelam não “erros”, mas momentos qualitativos de
etapas pelas quais aprendizes de segunda língua costumam passar em seu
processo de aprendizagem. Esse percurso que tem a língua materna como ponto
de partida (língua-base) e a segunda língua como ponto de chegada (língua-104
alvo) é denominado de interlíngua (SELINKER, 1972, apud BROCHADO, 2006)
e demonstra estágios de processo de aprendizado dinâmico, no qual a produção
escrita se modifica, progressivamente, com características que não representam
a língua-base, mas ainda não representam a língua-alvo.
Ocorre que é a ação mediadora organizada e sistematizada da escola que
contribuirá para que o aluno salte de um estágio a outro, ou seja, que não
fossilize sua produção.
REFLEXÃO
Façamos um exercício de análise em relação à observação de quais seriam os
principais problemas presentes no fragmento de texto abaixo:
Eu carro vende para $1600.00 ou posso para um pouco menos se
preciso talvez $1500 um pouco menos para familia. Eu gosto esse
computador muinto, eu compra uma pra me tambem and e
otimo!! Que voces pensa com esse notebook? Pode vende para
esse preso? Sabe alguma pessoa intersante?
Escreve para me por favor..tambem tem outro cam para
computador paricedo do que o cam eu compra para
Adriano....quanto voces pense eu possa venda pra? Um abraso
para todo mundo...Ron
Certamente você identificou problemas semelhantes aos dos textos anteriores. A
diferença a ser apontada é que o texto acima não foi escrito por uma pessoa
surda, mas por um norte-americano casado com uma brasileira, em um e-mail
endereçado a sua cunhada. Se compararmos essas produções a textos de
estrangeiros falantes de línguas cuja estruturação gramatical difere
consideravelmente do português, como é o caso de chineses, norte-americanos e
alemães, para exemplificar, perceberemos que eles apresentam dificuldades
semelhantes às dos surdos em relação ao uso de preposições, tempos verbais,
sufixação, prefixação, concordância nominal e verbal, entre outros aspectos. Ou
seja, nos aspectos gramaticais da segunda língua que são diferentes de sua
língua materna (base do aprendizado). Esse fato ocorre mesmo que os
aprendizes estrangeiros estejam imersos no universo da língua portuguesa, 105
tanto em sua modalidade oral quanto na escrita.
Muito interessantes as semelhanças, não é mesmo? Isso demonstra que não é
apenas o fato de o surdo não ter acesso a informações auditivas no português o
que interfere em suas produções escritas, mas principalmente o fato de sua
língua-base – a Libras – estar participando ativamente no processo de elaboração
discursiva (FERNANDES, 2002).
Portanto, ao elaborarmos qualquer juízo de valor em suas produções escritas,
devemos considerar que estamos diante do texto de um aprendiz de segunda
língua e que os critérios de avaliação adotados não poderão ser os mesmos que
aqueles utilizados para falantes do português como língua materna.
Como essa ação tem sido inconsistente, mediante o despreparo da escola
inclusiva perante alunos surdos, lançamos mãos de políticas afirmativas que
protegem seu direito de minoria linguística: os surdos têm direito a critérios de
avaliação diferenciados em relação à língua portuguesa. São inúmeros os textos
legais que asseguram esse direito aos estudantes surdos, inclusive sugerindo
que as instituições de ensino desenvolvam mecanismos de avaliação nas duas
línguas, e não apenas na língua escrita. Observem o que diz o Decreto Federal
5.626/2005 quanto a essa questão:
VI - adotar mecanismos de avaliação coerentes com aprendizado de
segunda língua, na correção das provas escritas, valorizando o
aspecto semântico e reconhecendo a singularidade linguística
manifestada no aspecto formal da Língua Portuguesa;
VII - desenvolver e adotar mecanismos alternativos para a avaliação de
conhecimentos expressos em Libras, desde que devidamente
registrados em vídeo ou em outros meios eletrônicos e tecnológicos.
(Art. 14. § 1º, Incisos VI e VII, do Decreto Federal 5.626/2005)
Diante do exposto, percebe-se que há vasta literatura abordando a questão da
avaliação diferenciada e que os direitos legais estão devidamente assegurados,
mas ainda é incipiente a capacitação dos professores em relação a essa ação.
Com base no que vem sendo reivindicado pela comunidade surda, debatido entre
professores e pesquisadores da área, apresentamos algumas contribuições para
o projeto político-pedagógico da escola bilíngue para surdos. Os itens que 106
seguem envolvem aspectos voltados à organização dos sistemas de ensino e
contemplam sugestões que poderão ser utilizadas como indicadores de ação no
âmbito das culturas, políticas e práticas inclusivas.
I -�Culturas inclusivas – ações que dizem respeito à sensibilização e
informação da sociedade em geral e comunidade escolar, em
particular.
Oportunizar diferentes situações que informem à comunidade escolar
(alunos, profissionais e familiares) sobre a surdez e suas implicações para o
desenvolvimento e aprendizagem das pessoas surdas.
Conhecer a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e sua importância nos
processos de interação e comunicação com pessoas surdas.
Divulgar, na comunidade escolar, especificidades culturais das comunidades
surdas relacionadas à sua produção linguística, literária, artística (teatro,
pintura, escultura) e tecnológica.
Viabilizar a presença de adultos surdos na escola, por meio de relações
formais ou informais, entre a escola e associações de surdos ou outras
referências comunitárias, favorecendo a experiência bilíngue e as trocas
culturais.
Oportunizar contato dos pais de crianças surdas com surdos adultos, para
relatos de experiências bem e mal sucedidas no “mundo dos surdos” e no
“mundo dos ouvintes”.
II -�Políticas inclusivas – ações que dizem respeito à organização
político-administrativa do órgão gestor da educação e interfaces
com outros segmentos governamentais e não governamentais.
Assegurar o desenvolvimento da proposta de educação bilíngue para surdos
– Libras e língua portuguesa, desde a Educação Infantil.
Viabilizar formas para a aquisição e desenvolvimento da Libras, como
primeira língua, pelas crianças surdas, preferencialmente de 0 a 3 anos.
Viabilizar a contratação de professores surdos para atuar nas escolas como
docentes de Libras e atendentes surdos nas creches, favorecendo a
formação de um ambiente bilíngue na infância.
Assegurar espaços e profissionais habilitados e qualificados para o
desenvolvimento da proposta de ensino de português como segunda língua
para surdos, no currículo escolar.
Viabilizar a oferta da disciplina de Libras como L2 para todos os alunos não
surdos da escola, além de cursos para os demais atores da comunidade
escolar (pais, professores, servidores).
Prever estratégias de formação continuada dos professores de alunos 107
surdos, destacando-se o aprendizado da Libras e o ensino de português
como segunda língua.
Capacitar educadores surdos (monitores, instrutores e/ou professores)
para atuação no contexto escolar, como modelos para identificação
linguístico-cultural das crianças surdas e sendo responsáveis pela difusão e
ensino da Libras na escola e comunidade.
Oferecer o tipo de apoio pedagógico especializado mais adequado às
necessidades dos alunos surdos: profissionais intérpretes de Libras/língua
portuguesa, educadores surdos, atendimento educacional especializado.
Assegurar a diferenciação curricular, de modo a contemplar as necessidades
linguísticas dos alunos, destacando-se o aprendizado da Libras como L1 e a
avaliação diferenciada em língua portuguesa como L2.
Promover a interação dos professores do ensino regular e da educação
especial para o desenvolvimento de atividades como orientações sobre
formas de comunicação/interação com os alunos surdos, indicação de
práticas pedagógicas alternativas e adoção de pedagogia visual, entre
outras.
Promover parcerias e interfaces com órgãos da comunidade para ofertar
atendimentos complementares de natureza terapêutica (fonoaudiologia e
psicologia, entre outros), como forma de garantir o desenvolvimento global
dos alunos surdos.
Esclarecer os pais sobre a importância do atendimento fonoaudiológico
precoce, para o aprendizado do português oral, indicando as alternativas na
área da Saúde, na comunidade.
III -�Práticas inclusivas - ações que envolvem o fazer pedagógico da
escola e ação direta dos professores e equipe técnico-pedagógica.
Utilizar a língua de sinais na mediação do processo ensino/aprendizagem e
desenvolvimento das atividades escolares, quando estiverem presentes
alunos surdos.
Desenvolver, desde a Educação Infantil, estratégias metodológicas para o
ensino da modalidade escrita do português, como segunda língua.
Introduzir métodos e estratégias visuais complementares ou alternativas
(língua de sinais, alfabeto manual, gestos naturais, dramatização, mímica,
ilustrações, vídeo/TV, retroprojetor etc.) no desenvolvimento das
atividades curriculares, a fim de assegurar a comunicação e a
aprendizagem dos alunos surdos.
Flexibilizar os critérios de avaliação nas diferentes áreas de conhecimento,
com ênfase à língua portuguesa, valorizando o conteúdo apresentado,
ainda que a escrita não corresponda aos padrões exigidos para o nível/série 108
em que o aluno se encontra matriculado (palavras inadequadas, omissão
ou trocas no uso de elementos de ligação, verbos...), decorrentes da
interferência da Libras ou da pouca fluência em língua portuguesa.
Utilizar estratégias de avaliação que permitam o uso de diferentes
linguagens, como é o caso da Libras e de outras linguagens e códigos
(desenho, pintura, escultura, teatro, dramatização, mímica etc.).
Eliminar critérios de avaliação que tenham como pré-requisito a oralidade
ou a percepção auditiva para sua perfeita compreensão (acentuação
tônica, tonicidade, pontuação, ditados e exercícios ortográficos,
discriminação de fonemas...)
Planejar atividades com diferentes graus de dificuldade e que permitam
diferentes possibilidades de expressão do conteúdo apropriado (pesquisa,
questionário, entrevista etc.) e expressão (apresentação escrita, desenho,
dramatização, maquetes etc).
Combinar diferentes tipos de agrupamento de alunos, facilitando a
visualização dos alunos surdos e sua consequente interação com o
professor e os colegas (círculos, duplas, grupos etc.).
109
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste material, buscamos apresentar de forma geral, porém consistente, as
variáveis históricas, linguísticas, culturais e sociais que desenham o complexo
desafio da inclusão escolar de alunos surdos em contextos de bilinguismo.
Desde a década de 1980, os movimentos surdos mundiais buscam protagonizar
as decisões político-pedagógicas que os envolvem, apontando para a necessária
apreensão da comunidade surda como integrante de minorias linguísticas.
Essa percepção desestabilizou as representações hegemônicas sobre os surdos,
no último século, que os mantinha conceituados, descritos e conformados ao
território discursivo da educação especial, alinhados a outras pessoas com
deficiências.
Se, por mais de um século, o objetivo da educação de surdos foi invisibilizar a sua
diferença, tratando-os como anormais, deficientes da fala e da audição, por meio
de práticas de reabilitação da audição e da fala, nesse momento histórico estão
problematizadas e negadas essas representações.
A educação bilíngue para surdos impõe aos educadores uma formação pautada
em conhecimentos socioculturais, cujas contribuições mais relevantes advêm da
Linguística, da Sociologia, da História e da Educação.
Muito mais que buscar aprender a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como
primeiro desafio a edificar uma relação pedagógica de confiança entre professor
e alunos surdos, buscamos construir um projeto de educação que considere em
sua proposta curricular o legado histórico e cultural das comunidades surdas,
novas tecnologias educacionais pautadas essencialmente em recursos visuais,
formação de professores edificada em concepções sócio-antropológicas e
protagonismo da comunidade surda na gestão de sua educação, entre outros
aspectos.
Não é apenas a mudança na língua em que são transmitidos os conteúdos ou
critérios de avaliação mais justos em relação às diferenças linguísticas que
apresentam o que vai garantir ou orientar uma nova abordagem curricular, mas a
compreensão do sujeito surdo em sua totalidade sócio-histórico-cultural
(FERNANDES, 1999).
111
REFERÊNCIAS
ARANHA, M. S. F. Projeto Escola Viva: garantindo o acesso e permanência de
todos os alunos na escola: necessidades educacionais especiais dos alunos.
Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2005.
BRASIL. Declaração de Salamanca. Brasília, 1994. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf>. Acesso em:
16/03/2010.
BRASIL. Decreto n. 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Dispõe sobre a Língua
Brasileira de Sinais – Libras, e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de
2000. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 23 dez.
2005.
BRASIL. Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de
Sinais – Libras e dá outras providências. Diário Oficial da República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 abr. 2002.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Atendimento
educacional especializado: pessoa com surdez. Brasília: MEC/SEESP, 2007.
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/aee_da.pdf>.
Acesso em: 02/10/2011.
FERNANDES, S. F.; STROBEL, K. L. Aspectos linguísticos da LIBRAS – Língua
Brasileira de Sinais. Curitiba: SEED/SUED/DEE, 1999. v. 1, 45 p.
FERNANDES, S. F. Conhecendo a surdez. In: Saberes e práticas da inclusão.
Desenvolvendo competências para o atendimento às necessidades educacionais
de alunos surdos. 1 ed. Brasília: Ministério da Educação/Secretaria de Educação
Especial, 2002. v. 5, p. 67-106.
FERNANDES, S. Bons sinais. In: Discutindo Língua Portuguesa. São Paulo:
Escala Editorial, 2006, ano I, v. 4.
FERNANDES, S. Avaliação em língua portuguesa para estudantes surdos:
algumas considerações. Curitiba: PDE/SEED/SUED, 2007a.
FERNANDES, S. F.; MOREIRA, L. C. Desdobramentos político-pedagógicos do
bilinguismo para surdos: reflexões e encaminhamentos. Revista Educação 113
Especial (UFSM), v. 22, p. 225-236, 2009.
FERNANDES, S. O que os surdos adultos têm a dizer aos pais de crianças
surdas? Curitiba: PDE/SEED/SUED, 2007b.
FERNANDES, S. É possível ser surdo em português? Língua de sinais e escrita:
em busca de uma aproximação. In: SKLIAR, C. (Org.) Atualidades na
educação bilíngue para surdos. Porto Alegre: Mediação, 1999. v2, p. 59-81.
FERREIRA BRITO, Lucinda. Por uma gramática da língua de sinais. São
Paulo: Artmed, 1985.
IBGE. Censo Demográfico 2000. Disponível em: <http://www.sidra.ibge.gov.br>.
Acesso em: 04/2008.
KNISLEY, E P. Bem-vindo à Holanda (1987). Disponível em:
<http://www.defnet.org.br/holanda.htm>.
MONTEIRO, M. S.. História dos movimentos dos surdos e o reconhecimento da
Libras no Brasil. Educação Temática Digital – ETD, Campinas, v. 7, n.2, p.
295-305, 2006.
PERLIN, G. Identidades surdas. In: SKLIAR (Org.). A surdez: um olhar sobre as
diferenças. Porto Alegre: Mediação, 1998.
PERLIN, G.; QUADROS, R. Ouvinte: o outro do ser surdo. In QUADROS, R. (Org.).
Estudos surdos I. Petrópolis: Arara Azul, 2006. p. 166-185.
QUADROS, R. M. de; KARNOPP, L. B. Língua de sinais brasileira: estudos
linguísticos. Porto Alegre: Artmed, 2006.
SÁNCHEZ, C. Vida para os surdos. Revista Nova Escola, set./1993.
SKLIAR, C. (Org.). A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre:
Mediação, 1998.
VYGOTSKY, L S. A formação social da mente. In: COLE, M. et al (Org.) 4.ed.
São Paulo, Martins Fontes, 1991.
114