e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

112
FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016 1 e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2 - jul.-dez. 2016 ISSN 2179-8222

Transcript of e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

Page 1: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

1

e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2 - jul.-dez. 2016ISSN 2179-8222

Page 2: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

2

Page 3: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

3

EditorProf. Ms. Waldir de Pinho Veloso

Organização, padronização e revisão linguísticaProf. Ms. Waldir de Pinho Veloso

Conselho EditorialPorf.ª Dr.ª Alessandra Galli ApráProf. Ms. Edson Pires da Fonseca

Prof. Ms. Rafael Soares Duarte de MouraProf. Ms. Richardson Xavier BrantProf. Ms. Waldir de Pinho Veloso

e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho

ISSN 2179-8222

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho,v. 6, n. 2, jul.-dez./2016 – ISSN 2179-8222 – Semestral – Montes Claros

Page 4: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

4

FAS@JUS : e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho / Faculdade de Direito SantoAgostinho. – Vol. 6, n. 2, 2016 - . - Montes Claros, MG. Fundação Santo Agostinho, 2016-

v. : il. 21 x 29cm.SemestralISSN 2179-8222

1. Direito. I. Faculdade de Direito Santo Agostinho. II. Título. CDU: 34 (05)

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho

EditorProf. Ms. Waldir de Pinho Veloso

Organização, padronização e revisão linguísticaProf. Ms. Waldir de Pinho Veloso

Conselho EditorialProf.ª Dr.ª Alessandra Galli Aprá (Centro Universitário de Curitiba - Unicuritiba, e da Escola da

Magistratura do Paraná)Prof. Ms. Edson Pires da Fonseca (Faculdade UBRES – Bahia)

Prof. Ms. Rafael Soares Duarte de Moura (Faculdade de Direito Santo Agostinho – Minas Gerais)Prof. Ms. Richardson Xavier Brant (Universidade Estadual de Montes Claros – Minas Gerais)

Prof. Ms. Waldir de Pinho Veloso (Faculdade de Direito Santo Agostinho – Minas Gerais)

Diagramação/ Editoração GráficaMaria Rodrigues Mendes

CapaAdriano Magno de FreitasMaria Rodrigues Mendes

Page 5: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

5

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................

ENTREVISTAJuiz Federal Antônio César Bochenek..........................................................................................................

ARTIGOS DO CORPO DISCENTE

Princípio da Irrelevância Penal do Fato: medida político-criminal sob o enfoque funcionalistaIgor Emanuel Pereira Silva........................................................................................................................

A Evolução dos Direitos Humanos e da Democracia com Enfoque em uma Análise AtualLucas Antonio Rodrigues LimaLucas Milton Prates Cruz.........................................................................................................................

O Regime Flexibilizante dos Tempos Líquidos: a mudança perpétua como único aspecto permanentedas relações trabalhistasLucas Versiani Cardoso..................................................................................................................................

A Obrigação da Convivência Paterno-FilialMarlaine do Carmo Silva Martins.................................................................................................................

O Constitucionalismo no Brasil e a Separação dos PoderesRicardo Oliveira MartinsThaís Carolina Sousa Guedes.....................................................................................................................

Corrupção Embasada no Individualismo Social BrasileiroValquíria Gomes de Moura........................................................................................................................

Apreciação do Princípio da Dignidade Humana para Garantir o Mínimo Social Constitucionalizadoàs Pessoas com DeficiênciaWerley Pereira de Oliveira.......................................................................................................................

ARTIGOS DE EGRESSOS

A Tutela Antecipada no Estado Democrático de DireitoEdmilson Araújo RodriguesCynara Silde Mesquita Veloso.................................................................................................................

Dissolução Irregular e Responsabilidade Tributária: quando os sócios-gerentes passam a seresponsabilizar pelos débitos fiscaisIgor Coelho Antunes Ribeiro....................................................................................................................

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO......................................................................................................

7

13

19

31

39

53

61

69

77

87

97

107

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho,v. 6, n. 2, jul.-dez./2016 – ISSN 2179-8222 – Semestral – Montes Claros

Page 6: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

6

Page 7: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

7

APRESENTAÇÃO

Este segundo semestre de 2016 representa ofim do sexto ano seguido, com publicaçõesextremamente em dia sem qualquer atraso demeses ou semestres, da Fas@Jus, a e-Revista doCurso de Direito da Faculdade de Direito SantoAgostinho. Neste volume 6, número 2, a Fas@Jusse mostra cheia de boa qualidade.

A seção Entrevista volta e o faz comqualidade. A entrevista do semestre é com o JuizFederal Antônio César Bochenek, da JustiçaFederal da Quarta Região, lotado no Estado doParaná. Professor Universitário, com doutoradoem Direito, o Juiz Federal César Bochenek falada Associação dos Juízes Federais do Brasil,entidade que presidiu por dois anos, da carreirade Juiz Federal, da competência da Justiça Federale, como não poderia deixar de ser, ainda fazreferência à atuação da Justiça Federal em causasnotórias atuais em que a União participa.Notadamente, quanto aos processos que envolvemcorrupção.

Uma seção da Fas@Jus, a e-Revista do Cursode Direito da Faculdade de Direito SantoAgostinho, é destinada aos Acadêmicos da Casa.Esta é a comprovação, reiteradamente impressa,de que o Curso de Direito da Faculdade de DireitoSanto Agostinho tem a iniciação científica comofator verdadeiro, não figurando apenas em sua“missão” apresentada aos órgãos encarregados darenovação de reconhecimento do Curso e dorecredenciamento da Faculdade.

Dispondo-se a escrever sobre o tema“Princípio da Irrelevância Penal do Fato: medidapolítico-criminal sob o enfoque funcionalista”, oAcadêmico Igor Emanuel Pereira Silva descreveinvocando a Filosofia do Direito e as Ciênciaspróximas do Direito Penal, sobre o Princípio da

Bagatela ou Princípio da Irrelevância Penal. Umtexto bem construído, fundamentado com autoresde diversas nacionalidades e que busca informaraos leitores acerca do assunto com a máximacompetência. Uma oportunidade de uma leituracomparável com as grandes doutrinas, presenteneste volume e número da Fas@Jus, da lavra deum Acadêmico que demonstra ser, antes deescritor, um grande leitor.

Uma parceria entre os Acadêmicos LucasAntonio Rodrigues Lima (da Faculdade deDireito Santo Agostinho) e Lucas Milton PratesCruz (da Faculdade Pitágoras de Montes Claros),faria com que o artigo denominado “A Evoluçãodos Direitos Humanos e da Democracia comEnfoque em uma Análise Atual” pudesse serencaixado tanto na seção dos autores pertencentesao corpo discente da Faculdade de Direito SantoAgostinho quanto na seção de Elo com outrasInstituições de Ensino Superior. A opção pela seçãodos Acadêmicos é em valorização aos cientistasda Casa. Os Acadêmicos analisam a democraciaem suas modalidades de DemocraciaRepresentativa e Direta desde a antiga Grécia,passando por fenômenos de exceção como aSegunda Grande Guerra até chegar à discriminaçãode alguns que deveriam participar ativamente, emtermos de Brasil. E ainda apontam quais os debatesnecessários à continuidade do sistema democráticoe a consolidação do Estado Democrático deDireito.

Em um artigo científico denominado “ORegime Flexibilizante dos Tempos Líquidos: amudança perpétua como único aspecto permanentedas relações trabalhistas”, o Acadêmico LucasVersiani Cardoso revela-se mais do que umestudante entusiasmado e comprometido: mostra-

Page 8: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

8

-se doutrinador, pesquisador e pessoa dotada decapacidade de expor, com qualidade, um textocientífico. Ao tratar da Modernidade Líquida comotema principal do seu texto científico, o autor fazreferência do Direito do Trabalho de longas eras,analisa toda a situação atual e o porquê de haverinstabilidade de emprego e demonstra, em umtexto de fluência rara, o tanto que estudou e sepreparou para produzir o artigo. Uma pesquisaverdadeira.

Um artigo científico constante deste númeroé de autoria da Acadêmica Marlaine do CarmoSilva Martins. Ela escreve sobre “A Obrigaçãoda Convivência Paterno-Filial”. Parte dosconceitos e ensinamentos de diversos autores doDireito de Família no Brasil, analisa o Estatuto daCriança e do Adolescente e chega até uma decisãodo Superior Tribunal de Justiça para fundamentaros seus argumentos quanto à responsabilidade queos pais têm em relação aos filhos.Responsabilidade que ultrapassa questões comoguarda ou alimentos, chegando à necessidade daoferta de afeto e criação. A ponto de o abandonoparental ser passível de ser objeto de indenizaçãopelo dano moral causado.

Em um texto com dados valiosos dadoshistóricos, os Acadêmicos Ricardo OliveiraMartins e Thaís Carolina Sousa Guedesescreveram sobre “O Constitucionalismo no Brasile a Separação dos Poderes”. A discussão científicaé acerca dos poderes Executivo, Legislativo,Judiciário e Moderador (quando este últimoexistia), com traços de todas as Constituiçõesbrasileiras desde 1824, e em todas sendo estudadoo valor que cada Poder tinha. O artigo aindaapresenta a valiosa cooperação no sentido deexplicar que o ato de terem vindo a lume umaConstituição, pelo menos nos casos brasileiros,nem sempre teve o fito de atender aos anseios dopovo, pois já houve Constituição outorgada apenaspara legitimar o Poder instituído e, maisrecentemente, uma nova Constituição com afinalidade de eliminar da memória brasileira outro

tempo constitucional.Disposta a demonstrar o quanto a sociedade

individualista se torna corrupta, por pensarsomente em si em vez de socializar conhecimentose atitudes, a Acadêmica Valquíria Gomes deMoura descreve sobre “Corrupção Embasada noIndividualismo Social Brasileiro”. No texto, aautora faz uma visita à origem da sociedadecoletiva e demonstra os caminhos da mutação parauma época em que o individualismo impera. Tratade questões filosóficas e sociológicas e, ao fim,comunica que os tempos modernos, de liquidezde atitudes e de comportamentos, estátransformando as pessoas tão donas de si própriasque passam a agir de forma desonesta em todas assearas, partindo das atitudes dentro de casa, naescola e, principalmente, na administração da coisapública.

Em artigo científico de nome longo equalidade idem, o Acadêmico Werley Pereira deOliveira se dispõe a escrever sobre “Apreciaçãodo Princípio da Dignidade Humana para Garantiro Mínimo Social Constitucionalizado às Pessoascom Deficiência”. Com a experiência de já ter nocurrículo outro Curso de graduação e um Mestrado(pós-graduação stricto sensu), o autor ainda secalça nos amplos estudos já feitos para produziroutros artigos científicos com temática parecida.O que comprova ser ele um estudante das questõesrelacionadas ao Benefício de PrestaçãoContinuada, sistema de assistência social que éofertada a pessoas que, mesmo jamais tendocontribuído para com o Instituto Nacional doSeguro Social, sobrevive com até um quarto dosalário mínimo como renda familiar e que,comprovadamente, encontra-se impossibilitadapara o exercício profissional por deficiência ouidade avançada.

Há uma seção na Fas@Jus, a e-Revista doCurso de Direito da Faculdade de Direito SantoAgostinho, que é destinada aos Egressos. O Cursode Direito, de fato, valoriza os seus ex-alunos,mantendo com eles constante diálogo e lhes

Page 9: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

9

abrindo páginas de oportunidades para publicaçõescientíficas. Sobretudo, o que se deseja é que oespírito de pesquisador, de cientista, que o Cursode Direito da Faculdade de Direito SantoAgostinho prega, continue firme no pensamentodos seus ex-alunos. Como apenas desejar é pouco,há a oferta de oportunidade de publicações. E é,para este veículo de publicação científica, umprivilégio manter esta seção ativa, porqueprivilégio mesmo é o contato permanente com oegresso.

O egresso Edmilson Araújo Rodrigues seassociou à Professora Doutora Cynara SildeMesquita Veloso e produziram o artigo científicodenominado “A Tutela Antecipada no EstadoDemocrático de Direito”. Trata-se de estudoprofundo acerca da nova modalidade deantecipação de tutela constante do Código deProcesso Civil de 2015, que entrou em vigor em2016. O estudo, um dos primeiros e mais bemelaborados do Brasil, fala da tutela provisória deurgência antecipada, em suas duas concepçõesdefinidas no Código de Processo Civil e concluemos autores que a medida não se prestar à garantiados princípios do Estado Democrático de Direito,pois, ao serem concedidas medidas, ainda queprovisórias, sem ouvir a parte contrária, faz comque haja a inaceitável supressão das garantiasprocessuais do contraditório, da isonomia e daampla defesa.

Um outro ex-aluno do Curso de Direito daFaculdade de Direito Santo Agostinho é IgorCoelho Antunes Ribeiro. Ao escrever sobre otema “Dissolução Irregular e ResponsabilidadeTributária: quando os sócios-gerentes passam a se

responsabilizar pelos débitos fiscais”, o egressoem Direito da Faculdade de Direito SantoAgostinho demonstra ser um pesquisador degrande marca. Desfila conhecimento acerca doDireito Empresarial e do Direito Tributário, ebusca subsídios jurídicos nas decisões do SupremoTribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.Quanto a este último, o principal foco é quanto àSúmula 435, que, ao fim da explicação, o autorexplica não poder ser, segundo normasconstitucionais e infraconstitucionais, aplicado emtodo e qualquer caso de dissolução irregular desociedade, a situação em que o empresário, semconseguir pagar os tributos - muitas vezes,exatamente porque, honesto, pagou tributo demaisenquanto pôde - vê-se obrigado a encerrar asatividades sem que, legalmente, possa dar baixana empresa. Baixa essa que a lei impõe quesomente existirá quando paga todos os tributosdevidos.

Neste segundo semestre de 2016, aocompletar o volume 6, número 2, a Fas@Jus,e-Revista do Curso de Direito da Faculdade deDireito Santo Agostinho, mostra-se completae consciente de que traz em seu bojo umavariada gama de pesquisadores, cientistas,estudantes e comprometidos para com oprocesso de escrever com arte.

E deseja que seja grande a contribuição paraseus leitores, porque todo o esforço foi feito nestesentido.

Prof. Ms. Waldir de Pinho VelosoEditor

Page 10: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

10

Page 11: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

11

ENTREVISTA

Page 12: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

12

Page 13: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

13

ENTREVISTA

Juiz Federal Antônio César Bochenek

A Justiça Federal tem competência parajulgar as causas nas quais atuam a União, asentidades autárquicas e as Fundações de âmbitofederal. A importância da Justiça Federal tem seelevado a cada instante, em razão dos julgamentosque ganham cada vez mais espaço na imprensafalada, escrita e televisionada. Está agora, aoalcance de todos.

Mas, ainda há um razoável desconhecimento,por parte da população como um todo, detalhesespecialmente quanto à competência da JustiçaFederal e da Justiça Estadual.

A Revista Fas@Jus apresenta uma entrevistacom o Juiz Federal Antônio César Bochenek, queé Professor Universitário, tem Doutorado emDireito e, até abril de 2016, foi Presidente daAssociação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe),entidade atuante e que tem um sistema de mandatode Diretoria dos mais democráticos que existementre as entidades de classe.

O Professor César Bochenek está nosquadros da Justiça Federal desde o ano 1999, tendochegado à direção mais elevada da Ajufe por tersido um destaque entre os seus Colegas JuízesFederais. Atua no Estado do Paraná.

Modesto, evitou citar em sua entrevista a suaproximidade com o Juiz Sérgio Moro, com quemtem textos científicos escritos em parceria e comquem tem boa amizade.

A seguir, a entrevista.

Fas@Jus: Fale sobre a experiência de terpresidido a Ajufe e o que é Ajufe.

Juiz Federal César Bochenek: A presidência daAssociação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe)foi uma experiência incrível, ainda mais pelomomento vivido pelo país. A associação foichamada, por diversas vezes, tanto para esclarecercomo para manifestar sobre diversos pontos

relacionados aos processos judiciais emandamento, como a operação Lava Jato e de outrasem tramitação na justiça federal brasileira.

Compartilhar com valorosos colegas da diretoriaa tomada de decisões do rumo da associação foium exercício de paciência e aprendizado constantena busca da melhor prestação jurisdicional,possibilitando a oferta de condições físicas eestruturantes para os juízes federais de todo oBrasil realizarem suas atividades.

Fas@Jus: Qual a data da eleição de VossaExcelência para a Presidência da Ajufe?

Juiz Federal César Bochenek: O processoeleitoral da Ajufe é sempre realizado no mês deabril dos anos pares, ou seja, eu fui eleito em abrilde 2014 para exercer a presidência por dois anos.

Fas@Jus: Quando Vossa Excelência foiaprovado em concurso para a Justiça Federal?

Juiz Federal César Bochenek: Fui aprovado noVIII concurso público de Juiz Federal Substitutodo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, noano de 1999.

Fas@Jus: É possível descrever a competênciada Justiça Federal?

Juiz Federal César Bochenek: A competênciada Justiça Federal está definida no artigo 109 daConstituição Federal. Apenas as demandas que seencaixarem numa das hipóteses do artigo 109poderão ser processadas e julgadas pela JustiçaFederal. A Justiça do Trabalho aprecia as demandasque tem relações trabalhistas. As demais demandassão de competência residual da Justiça Estadual,excluídas ainda as demandas que envolvem

Page 14: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

14

militares e eleitorais. Em regra, quando houveralgum bem, serviço ou interesse de qualquer enteda Federação numa disputa judicial, serácompetente o Juiz Federal para apreciar ademanda.

Fas@Jus: Os Juízes Federais de todo o Brasiltêm uma entidade de classe da qual VossaExcelência foi Presidente. Como é presidir umaentidade de nível nacional e de tantaimportância, por ser a Justiça Federalcompetente para julgar causas em que, diríamos“o Governo Federal” é parte?

Juiz Federal César Bochenek: Foi uma honrapor estar a frente da Ajufe. Um privilégio poderjunto com a Diretoria e ouvindo os Colegas detodo Brasil tomar decisõesque são significativas parao futuro da Instituição epodem beneficiar muitaspessoas, principalmentepara melhorar o sistema deJustiça brasileiro.

Fas@Jus: Em outubrode 2015, a Ajufe foiparceira do I CONSINTER, um Simpósio deDireito realizado em Barcelona, na Espanha.Lá a Ajufe esteve presente com quase atotalidade dos brasileiros que compareceramao Simpósio. Como foi o procedimento paraconseguir reunir tantos brasileiros, de tantaspartes do Brasil, em Barcelona, para discutirsobre Direito?

Juiz Federal César Bochenek: As atividadesacadêmicas brasileiras avançaram muito nosúltimos anos e a possibilidade de reunir noutrospaíses acadêmicos e juristas brasileiros é,sobretudo, uma forma de melhorar ainda mais oDireito a partir da integração de conhecimentos.Também é uma oportunidade de fazerintercâmbios. A Ajufe sempre incentivou eparticipou de iniciativas relevantes com oConsinter como forma aperfeiçoar e aprimorar aqualificação dos magistrados federais.

Fas@Jus: A carreira de Juiz da JustiçaFederal, como é previsto na Constituição paratodo e qualquer Juiz de Direito, tem processoinicial por meio de concurso de provas e títulos.Quais os requisitos para que o operador doDireito (Advogado ou outro segmento doDireito) possa fazer o concurso para o cargo deJuiz Federal?

Juiz Federal César Bochenek: Atualmente, paraparticipar de um concurso de Juiz, é necessárioser bacharel em Direito e ter três anos de práticaforense. Além disto, é preciso gostar das atividadese funções realizadas no concurso que se pretendeprestar e trabalhar.

Fas@Jus: Os chamados “Juízes de Segundo Grau”estão em grau de recurso,nos Tribunais (RegionaisFederais). É possívelexplicar esta competência,a competência dosTribunais?

Juiz Federal CésarBochenek: Todas asdecisões proferidas pelos

Juízes são passíveis de falhas ou até mesmo deoutra interpretação judicial. O Direito não éestático e os aplicadores apresentaminterpretações, nem sempre uniformes, aos casosque lhes são submetidos. Neste caso, a parte quenão estiver contente com a decisão do Juiz dePrimeira Instância e tiver argumentos jurídicos efáticos pode apresentar ao Tribunal um recursopara rever a decisão. É uma forma de harmonizare uniformizar os entendimentos e dar coerênciaao sistema judicial.

Fas@Jus: Os Juízes da Justiça Federal têmparticipação no Superior Tribunal de Justiça(STJ)?

Juiz Federal César Bochenek: Sim. De acordocom a previsão constitucional, um terço das vagasdo STJ são reservadas aos DesembargadoresFederais. Outro terço aos Desembargadores

“Todos os brasileirosesperam um país melhor,mas infelizmente muitas

coisas estão erradas.”

Page 15: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

15

Estaduais. E o restante é dividido entre advogadose membros do Ministério Público.

Fas@Jus: A imprensa influencia muito a todosos brasileiros. Em razão do julgamento deprocessos que têm a União como parteenvolvida, como o denominado “Petrolão”, eassim como foi o caso do “Mensalão”, a JustiçaFederal está muito em evidência no noticiáriodos últimos tempos. E o público brasileiro, emsuas manifestações, têm o Juiz Federal SérgioMoro, seu Colega tanto da Justiça Federalquanto por serem coestaduanos, até como umherói nacional. Esta evidência do Juiz SérgioMoro e da Justiça Federal como um todopoderá atrair mais candidatos aos próximosconcursos para a Justiça Federal?

Juiz Federal César Bochenek: Todos osbrasileiros esperam um país melhor, masinfelizmente muitas coisas estão erradas. Acorrupção é um exemplo do atraso e causa muitosprejuízos à sociedade. O melhor seria que nãotivéssemos mitos ou heróis nem que o Judiciárioestivesse em tanta evidência. Se isto acontecesse,estaríamos em melhores condições. Contudo,como a realidade não é a prática, os Juízes têmdesempenhado seu papel e dado respostas aosproblemas e demandas que lhes são submetidas.Oxalá, em breve, outros brasileiros despontem porsua ações noutros campos como na ciência ousaúde. E, quanto à parte final da pergunta, de fatohá uma divulgação maior da competência daJustiça Federal, o que pode colocar os próximosconcursos públicos de provas e títulos com maiornúmero de candidatos por vaga. O que é bom parao serviço público. E sem qualquer possibilidadede falar que os processo seletivos de até hoje foramcom poucos concorrentes, pode-se antever que omaior número de candidatos atende mais bem aosprincípios constitucionais como publicidade,impessoalidade e eficiência. O país como um todo

tem muito o que ganhar.

Fas@Jus: Como explicar, pela vivência de JuizFederal que Vossa Excelência é, a frase “O Juizde Direito é um eterno estudante”?

Juiz Federal César Bochenek: Todos somos oudeveríamos ser eternos estudantes, pois aquelesque não se atualizam ou não se capacitampermanentemente, ficam no tempo. O estudoconstante é muito importante para todos osprofissionais.

Fas@Jus: A Justiça Federal tem muitosprocessos para cada Juiz, como a JustiçaEstadual o tem?

Juiz Federal César Bochenek: O Judiciáriobrasileiro tem mais de cem milhões (isto mesmo:mais de cem milhões) de processos em andamento.Um número elevadíssimo. Penso que é necessárioincentivar a pacificação social por diversos meios,seja para evitar a demanda judicial, ou pararesolvê-la por qualquer outro meio alternativo deresolução de litígios. O Código de Processo Civilde 2015 avançou neste sentido, assim como outraslegislações recentes. Contudo, é preciso mudar acultura e a mentalidade dos operadores do Direito.

Fas@Jus: Há como melhorar a celeridadeprocessual, e um processo judicial chegar aoseu fim mais rapidamente?

Juiz Federal César Bochenek: Sim. Sempre épossível melhorar. Por exemplo, a partir deexperiências práticas locais é possível expandir paraoutras regiões. Esta é uma forma barata e eficientede melhor administrar a Justiça. A Ajufe realizou em2016 o primeiro Fórum Nacional de Administraçãoe Gestão Estratégica (FONAGE), justamente paraidentificar e propagar as boas práticas de gestão,estratégia e administração da Justiça.

Page 16: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

16

Page 17: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

17

ARTIGOS DOCORPO DISCENTE

Page 18: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

18

Page 19: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

19

RESUMO

O presente artigo visa expor as principaisparticularidades atinentes ao Princípio daIrrelevância Penal do Fato, que se encontra emfase relativamente embrionária na doutrinabrasileira. Ademais, busca-se relacionar seuconceito e aplicação com o Princípio daInsignificância, distinguindo fundamentalmente osinstitutos. Para tanto, analisa-se, com base nadoutrina e jurisprudência, a maneira como tem secomportado a comunidade jurídica brasileiradiante da diferenciação dos princípios em estudo,dando especial relevo às consequências daincidência das infrações bagatelares impróprias.Outrossim, objetiva-se contextualizar ospostulados em tela com fulcro na teoriafuncionalista da culpabilidade proposta por ClausRoxin. Por fim, são tecidas considerações acercados parâmetros objetivos e subjetivos que vemadotando os tribunais para o reconhecimento dainfração bagatelar imprópria e a desnecessidadeda pena.

Palavras-chave: Princípio da Irrelevância Penaldo Fato. Princípio da Insignificância. InfraçõesBagatelares.

ABSTRACT

The present study aims to exhibit the mainparticularities concerning the Principle of CriminalIrrelevance, that is found in a relatively incipientstage in Brazilian doctrine. In addition, it seeks torelate its concept and application with the Principleof Criminal Insignificance, fundamentally

PRINCÍPIO DA IRRELEVÂNCIA PENAL DO FATO:medida político-criminal sob o enfoque funcionalista

Igor Emanuel Pereira Silva1

distinguishing the institutes. Therefore, it isanalyzed, based on the doctrine and jurisprudence,the way has behaved the Brazilian legalcommunity before the differentiation of theprinciples under consideration, with specialemphasis to the consequences of the impact ofimproper bagatelle offenses. Furthermore, theobjective is to contextualize the principles at stakebased on the functionalist theory of culpabilityproposed by Claus Roxin. Finally, considerationsare made about the objective and subjectiveparameters that has taken the courts for recognitionof improper bagatelle offenses and unnecessarypenalty.

Keywords: Principle of Criminal Irrelevance.Principle of Criminal Insignificance. BagatelleOffenses.

1 INTRODUÇÃO

O Brasil, enquanto Estado Democrático deDireito, deve zelar pelo estabelecimento de umaestrutura penal legítima, democrática e em estritaobservância dos princípios que a regem. Nessaóptica, tem-se que o Direito Penal deve interferirno curso da sociedade somente na medida em quenão se vislumbra possível a tutela dos bensjurídicos por meio dos demais ramos do Direito,visto que representa uma medida de urgência paraa manutenção da ordem social. Pela gravidadeintrínseca da sanção penal, que representa o ímpetoestatal na esfera dos direitos individuais, suainterposição só se justifica enquanto indispensável,isto é, atua sob a noção de ultima ratio, por ser

1 Acadêmico do Quarto Período do Curso de Direito da Faculdade de Direito Santo Agostinho. Integrante do Programa Especialde Tutoria.

Page 20: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

20

tida como último recurso à proteção do bemjurídico tutelado.

No contexto social testemunhadohodiernamente, com a intensa massificação detipos penais, corroborados pelo descomunalmontante de presos compondo a populaçãocarcerária, faz-se mister a implementação de umapolítica criminal focalizada nas técnicas dedescriminalização. Isso se justifica ao realizar umareflexão alusiva à realidade social brasileira notocante à justiça criminal. Com vista nisso, aadoção de um Direito Penal mínimo confereextremado relevo aos Princípios da Insignificânciae da Irrelevância Penal do Fato, corolários docaráter subsidiário da aplicação da pena.

O presente estudo tem por fito a instauraçãode uma análise sobre o Princípio da IrrelevânciaPenal do Fato, correlacionando sua base teóricacom o incipiente delito bagatelar impróprio. Paratanto, cuida-se, primeiramente, do exame acercadas particularidades do Princípio daInsignificância, haja vista sua recepção doutrináriae sua constante incidência na jurisprudência pátria.

Ademais, tratar-se-á do instituto daIrrelevância Penal do Fato, trazendo à lume asprincipais posições doutrinárias atinentes à suaaplicabilidade, bem como dos aspectos gerais queo circundam. A fim de demonstrar a posiçãojurisprudencial que, embora principiante, jáexprime certas tendências quanto ao molde a seradotado na aplicação do instituto, levar-se-á aefeito, exemplificativamente, julgados quecorroborem com a ideia central do estudo.

Num momento posterior, é examinada acongruência existente entre as noções precípuasconstantes nos princípios analisados e a teoriadesenvolvida pelo pensador alemão Claus Roxinalusiva ao Funcionalismo Penal Moderado.Outrossim, são levados à apuração elucubraçõescomplementares a respeito da referida teoria. Tudopara, finalmente, culminar-se na verificação sobrequal a forma mais consentânea de emprego dosprincípios em exame nos casos práticos, sobretudodiante do fenômeno da infração bagatelarimprópria.

2 O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

No que diz respeito à origem do Princípioda Insignificância, encontra-se amplamentedifundida na doutrina a ideia de que foi com oDireito Romano, que legou o brocardo minimisnon curat praetor, que se verificou sua gênese.Manãs (1994) salienta que, naquele tempo,enquanto regra geral vigorava o entendimento deque o pretor não devia se ocupar de causas oudelitos de pouca expressão, indo de encontro aouso excessivo da sanção penal.

Contudo, há os que refutam a origem romanado princípio em tela, podendo-se enumerar, dentreos críticos, Lopes (2000), que entende serdemasiadamente escassa a noção concernente aoPrincípio da Legalidade penal àquele tempo.Assim sendo, o autor aduz que o aludido brocardovisualizava somente situações envoltas pelo direitoprivado, porquanto característico do civilismoromano, desconhecendo o real significadoconferido à máxima.

Ainda no julgamento de Lopes (2000), alegítima origem do princípio em análise se deucom o entendimento liberal decorrente dosjusfilósofos iluministas, tendo íntima conexão como Princípio da Legalidade. Deste modo, seriainviável o ponto de partida romano da doutrina dainsignificância, sendo, em realidade, um decursodo caráter fragmentário que comporta o DireitoPenal.

No ano de 1964, por intermédio da doutrinade Claus Roxin, em território alemão, tem-se comoformulado o Princípio da Insignificância comohodiernamente se entende. Conforme reza adoutrina do alegado princípio, tambémdenominado Princípio da Bagatela, a lesão a umbem juridicamente tutelado que se configurainexpressiva, insignificante, não demandaintervenção estatal por meio do Direito Penal. Talconceituação decorre, nomeadamente, da falta detipicidade material existente no delito. Em vistadisso, mostra-se imperioso aclarar a concepção doque constitui a tipicidade enquanto elementocomponente do delito.

Page 21: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

21

Tendo em vista que, para aqueles que assimo consideram, o crime em seu conceito analítico écomposto por um fato típico, ilícito e culpável,urge evidenciar, preliminarmente, o que se entendepor fato típico. Conforme assevera Greco (2015),para que se possa comprovar a incidência de umfato típico, há de serem preenchidos todos oselementos para sua composição, quais sejam,conduta, resultado, nexo de casualidade e,finalmente, a tipicidade. Esta última subdivide-se,na classificação que adota Greco (2015), emformal e conglobante.

Entende-se por tipicidade formal aqueladescrição imposta pelo legislador, que assume ostatus de incriminadora no momento em que seencontra preenchida no mundo exterior. Naspalavras de Greco (2015, p. 113), “Tipicidadeformal é a adequação perfeita da conduta do agenteao modelo abstrato (tipo) previsto na lei penal.”.Ainda segundo o autor, a tipicidade conglobantese verifica quando, dentre outros elementos, o fatoé materialmente típico. Mostra-se necessária aavaliação quanto à relevância do bem violado paraque realmente se evidencie a tipicidade materialem determinado delito. É nesse ponto que resideo Princípio da Insignificância. Tal concepção ébem aclarada por Capez (2011, p. 222):

Deste modo, se a lesão for insignificante, senão houver lesão ao bem jurídico, se nãoexistir alteridade na ofensa, se não for traídaa confiança social depositada no agente, se aatuação punitiva do Estado não fordesproporcional ou excessivamenteinterventiva, dentre outros, o fato serámaterialmente atípico [...].

Como bem ensina Greco (2015), é por meiodo Princípio da Razoabilidade, sustentáculo dopós-positivismo jurídico, que se deve apreciar asignificância material do bem jurídicodesrespeitado. Nesse prisma, tenta-se distinguirquais lesões seriam verdadeiramente merecedorasda intervenção estatal por meio do Direito Penal.Nessa significação, preleciona Gomes (2009, p.60) que “[o] Direito penal moderno não é um puroraciocínio de lógica formal. É necessárioconsiderar o sentido humanístico da norma

jurídica. Toda lei tem um sentido teleológico.”.Seguindo esse mesmo enfoque, Zaffaroni

(apud BITENCOURT, 2013, p. 61) assevera que

a insignificância só pode surgir à luz dafunção geral que dá sentido à ordemnormativa e, consequentemente, a norma emparticular, e que nos indica que essespressupostos estão excluídos de seu âmbitode proibição, o que resulta impossível de seestabelecer à simples luz de sua consideraçãoisolada.

Greco (2015), contudo, faz uma ressalva,salientando que para uma doutrina de cunho maisradical e formalista, o Direito Penal nãocompreende uma análise do real valor do bemtutelado, haja vista conste na legislação que suaviolação enseja prática delituosa. Por conseguinte,mesmo nas mais ínfimas lesões aos benspenalmente abarcados, há de se concretizar atipicidade enquanto segmento do crime. Afirma oautor, todavia, que tal entendimento ocasionariasituações absurdas no ordenamento.

Relativamente à natureza jurídica que adotao Princípio da Insignificância, é majoritário oentendimento de que se trata de uma excludentede tipicidade, conforme já se constatou no examedo que figura a tipicidade, em suas vertentesformais e materiais. Capez (2007) alega,entretanto, que não obstante a atipicidade do fatoser suficiente para desfigurar o crime, o ilícitoainda pode se caracterizar nos demais ramos doDireito, como no âmbito cível ou administrativo.Assim, uma vez afastada a incidência do DireitoPenal em virtude da punição desarrazoada, oagente, ainda assim, não estaria impune, vez queseria alvo de sanção diversa da penalmenteestabelecida. Conseguintemente, logra-se êxito àproporcionalidade da punição para com o ato porele cometido.

Uma vez consolidado doutrinariamente emterritório pátrio, o Princípio da Insignificância vemsendo aplicado pelo Poder Judiciário há algunsanos. Cumpre realçar que, na esfera prática deaplicação do princípio em tela, foram traçados,pelo transcurso do tempo, certos parâmetrosempregados tanto pelos juízes singulares quanto

Page 22: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

22

pelos tribunais ao recorrerem ao aludido princípio.Com efeito, conforme o disposto pelo

Ministro Celso de Mello no Habeas Corpus84.412/SP:

Tal postulado [o Princípio da Insignificância]– que considera necessária, na aferição dorelevo material da tipicidade penal, a presençade certos vetores, tais como (a) a mínimaofensividade da conduta do agente, (b) anenhuma periculosidade social da ação, (c)o reduzidíssimo grau de reprovabilidade docomportamento e (d) a inexpressividade dalesão jurídica provocada – apoiou-se, em seuprocesso de formulação teórica, noreconhecimento de que o caráter subsidiáriodo sistema penal reclama e impõe, em funçãodos próprios objetivos por ele visados, aintervenção mínima do PoderPúblico (Supremo Tribunal Federal. HC84.412/SP. Rel. Min. Celso de Mello.Segunda Turma. Brasília, 19 de outubro de2004).

Outrossim, pode-se visualizar, agora noâmbito do Superior Tribunal de Justiça, a aplicaçãodo Postulado da Insignificância sob a óptica deatipicidade material do fato. No Habeas Corpus192534/SP, por meio do voto prolatado peloMinistro então Relator Napoleão Nunes MaiaFilho, a Quinta Turma do Superior Tribunal deJustiça (STJ) reconheceu a insignificância comocausa supralegal de exclusão de tipicidade. Aindano voto do Relator, constou-se que o aludidoprincípio se encontra intimamente conectado comas premissas de fragmentariedade e intervençãomínima do Direito Penal

Destarte, mostra-se razoável a ilação de que,conforme compreensão adotada pelos tribunaissuperiores, bem como pela doutrina predominante,o simples encaixe de determinada conduta em ummolde tipificado pela lei penal não enseja,meramente pela subsunção, o enquadramento doato como crime. Há de se extrair a real relevânciado fato no plano material, isto é, o factual prejuízoao bem jurídico tutelado.

Sob essa égide, é seguro afirmar que oPrincípio da Insignificância não pode servislumbrado abstrata e genericamente, a julgarpela aferição realizada tão somente diante do caso

concreto. O acurado exame dos vetoresapresentados pelo Ministro Celso de Mello noexcerto supramencionado exerce papel primacialno momento de se optar pela aplicação ou não dainsignificância.

Vale ressaltar que, nos termos em que lecionaMasson (2011), não comportam a aplicação datambém intitulada Criminalidade de Bagatela oscrimes que se sirvam de violência à pessoa ougrave ameaça. A justificativa é de que os reflexose repercussões decorrentes dessa prática não estãoaptos a ser tomados como insignificantes, aindaque o valor material do bem jurídico subtraído sejairrisório.

Ainda de acordo com os ensinamentos deMasson (2011), não se confundem os chamadoscrimes bagatelares, isto é, insignificantes, com asinfrações penais de menor potencial ofensivo,prescritas no art. 61 da Lei 9.099/1995. Ademais,complementa Masson (2011, p. 31): “Nessasúltimas, tanto não há falar em insignificância daconduta que a situação foi expressamente previstano art. 98, I, da Constituição Federal [...], revelandoa existência de gravidade suficiente para justificara intervenção estatal.”.

O Princípio da Insignificância encontraaplicação nas infrações de menor potencialofensivo, mas não se limita a elas. Conformeacentua Gomes (2009), não é necessário que ocrime se encaixe nos de menor potencial ofensivo,que são os de pena máxima cominada em doisanos, para que se adote a insignificância. Aindasegundo o autor, já há jurisprudência que admitea insignificância no furto simples, que tem penamáxima de quatro anos.

Levando em conta que, para os fins a que sepropõe o presente estudo, considera-se aclassificação que adota o Principio daInsignificância como distinto do Princípio daIrrelevância Penal do Fato, não se pode confundira bagatela própria com a bagatela imprópria. Asminúcias acerca da disparidade existente entre asbagatelas serão abordadas subsequentemente,quando da análise do Princípio da IrrelevânciaPenal do Fato.

Page 23: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

23

3 O PRINCÍPIO DA IRRELEVÂNCIAPENAL DO FATO

Como já demonstrado previamente, oPrincípio da Insignificância, embora não possuaprevisão legal, salvo certas exceções pontuais, éadmitido consistentemente pela jurisprudênciapátria. Contudo, conforme apregoa Gomes (2001),há uma diferença fundamental entre o principiomencionado e outro, o Princípio da IrrelevânciaPenal do Fato.

Este trabalho de distinção vem seconcretizando através da própria jurisprudência,que se incumbe de defrontar esse novel, porémpatente, princípio sutilmente dissímil do Princípioda Insignificância. Acerca dos aspectos basilaresdos princípios, Gomes (2001, p. 2) pontua:

De qualquer maneira, não ocupam, os doisprincípios, a mesma posição topográficadentro do fato punível. O princípio dainsignificância é causa de exclusão datipicidade do fato; o princípio da irrelevânciapenal do fato é causa de dispensa da pena(em razão da sua desnecessidade no casoconcreto).

Assim sendo, consoante classificaçãopreconizada pelo professor e jurista Luiz FlávioGomes, pode-se atribuir aos crimes relacionadosa tais princípios a denominação de infraçõesbagatelares próprias e infrações bagatelaresimpróprias. Enquanto aquelas têm íntima conexãocom o Princípio da Insignificância, estas secorrelacionam com o Princípio da IrrelevânciaPenal do Fato.

Vale mencionar que, no âmbito jurispru-dencial, é conspícua a existência de uma correntemais tradicional, que adota o Princípio daInsignificância considerando tão somente odesvalor do resultado. Isto significa que, para quese determine a atipicidade da conduta, basta que ograu de violação ao bem jurídico tutelado, ou doperigo concreto, seja de ínfimo porte.

Em contrapartida, como bem assinala Gomes(2001), uma outra vertente jurisprudencial, que seapresenta cada vez mais manifesta, considera nãosó o desvalor do resultado para a caracterização

da infração bagatelar. Há de se conjecturar,outrossim, o desvalor da ação em conjunto com odesvalor da culpabilidade do agente. Nesse últimoquesito, levam-se em conta as circunstânciasjudiciais, quais sejam, culpabilidade, antecedentes,conduta social, personalidade, motivos do crime,consequências, circunstâncias, etc. Uma vezfavoráveis tais elementos, aprecia-se apossibilidade de aplicação do Princípio daIrrelevância Penal do Fato.

No que tange à relação que cada um dosprincípios trabalhados mantém com as espéciesde infrações bagatelares também já reportadas,Gomes (2009, p. 24) relata:

O Princípio da Insignificância está para ainfração bagatelar própria assim como o daIrrelevância Penal do Fato (e dadesnecessidade da pena) está para a infraçãobagatelar imprópria. Cada princípio tem seuespecífico âmbito de incidência. O dairrelevância penal do fato está estreitamentecoligado com o princípio da desnecessidadeda pena.

Cumpre examinar, com efeito, a que o autorse refere quando menciona o princípio dadesnecessidade da pena. Consoante ensinamentode Gomes (2005), tal princípio encontra-seprevisto na legislação pátria no caput do art. 59do Código Penal, valendo-se de uma interpretaçãoa contrario sensu. Segundo preceitua, omagistrado, ao fixar a pena, deve se ater à suaestrita necessidade, isto é, esta deve ser suficientepara a reprovação e prevenção do crime.

Acentua ainda o autor a importância de umadecisão embasada nos princípios daproporcionalidade e razoabilidade. Contudo, devese restringir o alcance do princípio dadesnecessidade da pena somente ao âmbito prático.Desse modo, não há de se falar em umadesnecessidade abstrata da pena, mas somentediante das circunstâncias concretas do caso.

Ademais, cabe exarar que, sob a égideroxiniana, não obstante seja verificada aculpabilidade do agente, fica a cargo do juiz, deacordo com a necessidade concreta da pena, optarpela sua aplicação ou não.

Page 24: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

24

Saliente-se que, ainda extraindo-se as liçõesde Gomes (2009), uma vez evidenciados quaisquerdos dois princípios em apreciação, quais sejam, oPrincípio da Insignificância e o Princípio daIrrelevância Penal do Fato, é forçoso, ainda na faseinvestigativa, arquivar-se o inquérito policial. Nocaso da insignificância, isso se deve à atipicidadematerial do fato, enquanto que na ocasião dairrelevância penal, o fato não é punível. Alegaainda o referido autor que em caso de denúncia,deve o juiz rejeitá-la, sendo que se não o fizer cabeà parte a impetração de habeas corpus no sentidode trancar a ação penal.

Todavia, é válido consignar que há oposiçãoacerca da aplicação dos princípios em exame pelaautoridade policial. Rangel (2009) sustenta queincumbe à autoridade policial o mero exercíciode seu encargo investigatório, não devendo seocupar de atribuições típicas do Ministério Púbicoe do juiz. Desta forma, não compete à autoridadepolicial a emissão de juízo de valor quanto aosfatos apurados. Porém, tendo em vista asfinalidades a que se propõe a moderna concepçãodo Direito Penal e Processual Penal, mostra-sedesarrazoado impedir, num caso em que não seexige tutela penal, que possa se extinguir apersecução criminal.

Em síntese, o que se deve ter em mente ao tratardo Princípio da Irrelevância Penal do Fato é que suaproposta visa a não-aplicação da pena a um certogrupo de infrações, enquanto que o Princípio daInsignificância concede autorização para se excluira tipicidade das condutas de dano irrisório. Outroponto a se enfatizar, é o de que o primeiro princípiotende a considerar quesitos de ordem subjetiva doagente, como a culpabilidade, vida pregressa,ressarcimento do dano, etc. Já o Postulado daInsignificância, em tese, não deve se ocupar decritérios pessoais, haja vista a exclusão da tipicidadematerial se configurar com base em fatos objetivos,sem a apreciação das qualidades do agente.

4 O FUNCIONALISMO TELEOLÓGICODE CLAUS ROXIN

A fim de contextualizar os dois princípios jáabordados e suas bases teóricas, é mais que

consentânea a elucidação acerca do FuncionalismoModerado ou Teleológico, posto que mantémíntima relação com as ideias evidenciadas pelosprincípios em pesquisa.

Mostra-se, segundo Costa (2006), incorretaa afirmação de que somente há uma espécie defuncionalismo, uma vez que, essencialmente,diferem-se em duas orientações básicas, quaissejam, a teoria moderada, preconizada por ClausRoxin, e a teoria radical (sistêmica) derepresentação sociológica alvitrada por GüntherJakobs.

Concisamente, os fatores de diferenciaçãodas concepções citadas são apresentados daseguinte forma por Prado (2011, p. 121):

[...] na construção teleológica funcional[moderada], o sistema é orientado àsfinalidades político-criminais, levando-se emconsideração valores e princípios garantistas.Já na construção funcionalista sistêmica[radical], isso não ocorre, visto que leva emconsideração simples necessidadessistêmicas, às quais deve-se ajustar o sistemapenal. Divergem, ademais, em relação àmissão do Direito Penal.

Levando-se em conta os fins a que se propõeo presente estudo, não se analisará com minúcia ofuncionalismo proposto por Günther Jakobs, tendocomo objeto de estudo somente a teoriafuncionalista moderada, já que sua essência se ligaintrinsecamente com as noções político-criminaisde ambos os princípios ora trazidos a lume.

A ideia precípua a que se ocupa oFuncionalismo Teleológico é a de que o sistemapenal deve ter como substrato critérios valorativosde política criminal. Nas palavras do próprio Roxin(apud PRADO, 2011, p. 122), “[...] as finalidadesreitoras que constituem o sistema jurídico-penalsó podem ser de tipo político-criminal, já quenaturalmente os pressupostos de punibilidadedevem ser orientados aos fins do Direito Penal.”

Para o doutrinador, o Direito Penal tem comoescopo a tutela e proteção dos bens jurídicos demaior importância. Não cabe ao sistema penal oamparo de questões triviais, muito menos questõesmeramente morais, haja vista seu carátersubsidiário e de ultima ratio.

Page 25: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

25

Como bem assinala Souza Júnior (2010),com fulcro na doutrina funcionalista moderada,há uma remodelação das Ciências Penais comoum todo, até mesmo no tocante à sua interconexãocom as Ciências de cunho acessório, como aCriminologia e a política criminal. Assim sendo,a seara penal se divorcia de seu caráter puramentedogmático e positivista, alcançando umadinâmica que permite a inserção de axiomaspolítico-criminais, corroborando com a noção deamparo aos problemas e funções do Direito Penal.

É válido consignar que, no que se refere àfinalidade da sanção penal, existem duas correntesteóricas que fundamentalmente divergem entre si,as teorias absolutas ou retributivas, e as teoriasrelativas ou preventivas. “As teorias absolutas ouretributivas partem de uma exigência de justiça ese encaminham para a realização do justo naretribuição na pena.” (PANTONI, 2008, p. 1). Paraessa corrente, a reparação do mal decorrente docrime basta para que a pena cumpra sua função.Tem como sustentáculo a teoria kantiana de que apena é uma retribuição ética legitimada pelo valormoral da norma penal transgredida. Isto é, o castigotem como justificativa a infringência da lei, nãose examinando a consequência valorativa de talviolação.

Por seu turno, as teorias relativas oupreventivas adotam o entendimento de que a penatem sua missão cardeal centrada na obtenção defins úteis, preventivos, em que a manutenção dogrupo social ostenta caráter prioritário. Pantoni(2008) frisa a constatação de que a pena, sob oponto de vista preventivo, justifica-se a partir domomento em que faz uso do “mal” que traduz paraatingir a finalidade primacial da política criminal,isto é, a profilaxia criminal.

Feitos tais apontamentos, cumpre sublinharque, relativamente à teoria funcionalista moderada,é evidente seu assentimento para com as teoriasrelativas ou preventivas da função da pena.Ademais, essa versão do funcionalismo apregoauma maior abrangência do conceito deculpabilidade, abarcando uma noção sincrônica deresponsabilidade e necessidade. Quanto àconfiguração do delito segundo tal entendimento,

é imperioso consagrar-se não somente umaconduta reprovável e cometida por agenteimputável, que tinha consciência da potencialilicitude do fato e que agiu sem que houvesseinexigibilidade de conduta diversa. Além de taisrequisitos, é indispensável que ao agente sejanecessária a aplicação da sanção penal.

Como bem aduz Ribeiro (2012), no âmbitodoutrinário pátrio, é preponderante a ideia de queas finalidades da pena se voltam à prevençãoindividual negativa, isto é, evitar a reincidência,bem como a positiva, a saber, ressocializar odelinquente. Ademais, consagra-se, outrossim, aprevenção geral negativa, que consiste naintimidação da coletividade, e a positiva, que é agarantia da eficiência social do Direito Penal.Destarte, presencia-se uma preeminência dafunção preventiva da pena em detrimento daretributividade da sanção penal.

Ainda segundo Ribeiro (2012), uma daspossíveis causas dessa preponderância daprevenção no âmbito nacional é o atual quadro dosistema penitenciário do país, que exige aimplantação de medidas de política criminal quevisem atenuar a conjuntura de revés que se observano momento atual.

Contudo, conforme leciona Bitencourt(2013), tem-se feito críticas acerca da diminuiçãoda dogmática penal ao se inserir axiomas político--criminais no âmbito das decisões do legislador.Isso porque as decisões legislativas pautadas empolítica criminal nem sempre garantem aconsecução da justiça material. Um possívelexemplo se caracteriza quando essas decisões vãode encontro às garantias fundamentais do DireitoPenal em um Estado Democrático de Direito.Nesse prisma, a Ciência Penal que se fundahegemonicamente em preceitos político-criminaispode proporcionar excessos inadequados.

A esse pensamento, também de acordo comBitencourt (2013), Roxin certifica que taisdecisões desarrazoadas devem ser obstruídasatravés da invocação de liberdades invioláveis quesão hodiernamente consolidadas nas Constituiçõesdemocráticas, bem como os Direitos Humanos.Nesses ordenamentos, como é o caso do Brasil,

Page 26: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

26

não há medida político-criminal que suplante taispostulados, que tem caráter cogente para qualquerdogmática penal.

Outrossim, Roxin (2002) sustenta que aextração de axiomas político-criminais deve provirda própria ordem jurídica. Isto é, o trabalho dointérprete estaria demarcado pelas concepções jádelineadas pela legislação, buscando se atingir oreal sentido da lei. Roxin defende ainda que osistema dogmático que se funda em políticacriminal não deve admitir em seu meio soluçõescontra legem, porém, tem capacidade de fornecersubsídios para uma aplicação mais equânime dalegislação.

Como bem elucida Gonçalves (2010), trata--se de uma proposta de mudança na perspectivade argumentação na esfera jurídico-penal. Dessemodo, Roxin almeja afastar as críticas no sentidode que sua teoria atenta contra a segurança jurídica.

Através dessa linha de pensamento, queinclui na dogmática penal um viés valorativo, depolítica criminal, Roxin desenvolveu uma novaconcepção da teoria do delito. Com efeito, Gomes(2009) assevera que por meio da Teoria daImputação Objetiva, de grande prestígio jurídico,o crime passa a ser a realização de um risco nãoconsentido. Nesse prisma, o delito não se fundameramente no resultado, tendo de se valorar, noplano material, se a conduta do agente infringiu abarreira de risco permitido pelo ordenamento.

Já no plano da culpabilidade, ponto precípuoda doutrina roxiniana aos fins do presente estudo,a inovação incorporada por Roxin é a de que apena não se mostra suficientemente justificada pelamera aferição da culpabilidade do agente. Comobem exprime Gomes (2009), a pena tem por guiaas exigências preventivas, tendo sentido somenteenquanto necessária a esses fins. A necessidadepreventiva, nesse sentido, é um dos parâmetrospara a imposição da sanção penal, ao passo que aculpabilidade é o máximo limite da pena. No dizerdo próprio Roxin (2006, p. 74):

A categoria sistemática da responsabilidadepor mim desenvolvida fundamenta-se,portanto, sobre a ideia de uma dupla limitaçãodo direito estatal de punir: através da

culpabilidade e das necessidades preventivasde punição. Se faltar um destes doispressupostos, ficará excluída a punibilidade.Esta conclusão decorre da teoria dos fins dapena, segundo a qual a pena não pode serfundamentada nem pela culpabilidade, nempor sua finalidade preventiva, tomadasseparadamente, pois a pena pressupõe, paraser legítima, tanto a necessidade social (istoé, preventiva) quanto uma reprovação pessoaldo agente pela existência de culpabilidade.

Percebe-se, pelas palavras de Roxin, aexpansão do conceito de culpabilidade, atingindo--se uma categoria de responsabilidade. Na análisedesse último elemento componente do delito, ointérprete deve ampliar sua noção acerca da realnecessidade de se sancionar criminalmente oagente. Nesse processo, além dos pontosdogmáticos a se considerar, como a imputabilidadee potencial consciência da ilicitude do fato, aaferição da pena sob o ponto de vista preventivo éindispensável à sua devida imposição.

Na esteira funcionalista, a despeito de préviaautorização legal, o magistrado deve absolver oacusado sempre que se deparar com adesnecessidade concreta da pena, seja por razõesde política criminal, seja por razões dogmáticas.No ramo da Ciência Penal, esse novodirecionamento vislumbra um significativoavanço, propalando, igualmente, uma união entrea teoria do delito e a teoria da pena, habitualmentecompreendidas separadamente.

5 DELITOS BAGATELARESIMPRÓPRIOS E SUA INCIDÊNCIAPRÁTICA

Nesse ponto, é possível evidenciar acorrelação imanente entre a teoria teleológico--funcional e os princípios já examinados, a saber, oda Insignificância e o da Irrelevância Penal do Fato.Com fulcro nessa versão moderada doFuncionalismo é que se encaixam os delitosbagatelares, tanto próprios quanto impróprios.Como já abordado, os delitos de bagatela própria,que se inserem na noção do postulado dainsignificância, já têm uma incidência maisrecorrente no ordenamento pátrio.

Page 27: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

27

Por outro lado, os delitos de bagatelaimprópria, recentemente introduzidos em territóriobrasileiro, encontram maiores dificuldades em seconsolidar. No entanto, alguns Tribunais já vêmacatando sua necessidade diante de casosconcretos. É o que se percebe, por exemplo, nocrime de descaminho, em decisão do TribunalRegional Federal da 4.ª Região:

PENAL E PROCESSUAL. ART. 334 DO CP.DESCAMINHO. INSIGNIFICÂNCIA.DESCABIMENTO. ART. 18, § 1.º DA LEI10.522/02. CULPABILIDADE. PRINCÍPIODA IRRELEVÂNCIA PENAL DO FATO.DESNECESSIDADE DE APLICAÇÃO DAREPRIMENDA NO CASO CONCRETO.[...] 2. Incabível a aplicação do princípio dainsignificância [...] 3. Sendo a conduta típicae antijurídica e não havendo excludentes,mostra-se de rigor o reconhecimento daculpabilidade da agente. 4. Todavia, sendofavoráveis todas as circunstâncias judiciais,bem como ter sido esta a primeira e únicavez em que se reconheceu a culpabilidadeda acusada pela prática de descaminho, nãopesando contra ela qualquer outraresponsabilização, por razões de políticacriminal e, em face do princípio daproporcionalidade e irrelevância penal dofato, excepcionalmente, torna-sedesnecessária a aplicação da pena no casoconcreto, conforme estatuído na parte finaldo artigo 59 do CP (TRF4. ACR n.º2005.72.03.000224-6/SC, Rel. Des. ÉlcioPinheiro de Castro. Grifos nossos).

No caso em tela, verifica-se a incidência dainfração bagatelar imprópria, invocada a partir daimpossibilidade de se atribuir à conduta a bagatelaprópria, visto que não insignificante. Nabagatela imprópria, como bem ensina Gomes eGarcia-Pablos de Molina (2007, p. 303), a condutado agente “nasce relevante para o Direito Penal(porque há desvalor da conduta bem como desvalordo resultado), mas depois se verifica que aincidência de qualquer pena no caso concretoapresenta-se totalmente desnecessária.”. In casu,o que se presencia são circunstâncias judiciaisplenamente favoráveis à agente, malgrado oresultado não se mostrar insignificante. Porconseguinte, com esteio em preceitos político--criminais, bem como no Princípio da Irrelevância

Penal do Fato, afasta-se a imposição da repreensãopenal ao indivíduo.

Ao percorrer o processo de diferenciação dasduas espécies de bagatela, é preciso ter em menteque a imprópria somente se caracteriza quando hádesproporcionalidade entre o mal gerado pelocrime e os efeitos perniciosos oriundos daaplicação da pena. Procedendo-se de outro modo,isto é, impondo-se a sanção penal, contraria-se suaprópria finalidade preventiva, quer geral, querespecial, uma vez constatada a desnecessidade dareprimenda.

No ponto de vista dos que refutam aexistência, e possível aplicação, da bagatelaimprópria na ordem jurídica pátria, alega-se jáexistir um instituto legalmente instituído e queserve aos mesmos propósitos que essa espéciebagatelar, qual seja, o perdão judicial. Ainda nesseentendimento, somente é cabível o perdão quandoa lei expressamente o autorizar, nos moldes doartigo 107, inciso IX do Código Penal brasileiro.

A essa corrente, Gomes (2007) argumentatratarem o perdão judicial e a bagatela imprópriade institutos diversos, embora partilhem do mesmofundamento, a desnecessidade da punição. Noperdão judicial, à lei cabe definir a situaçãoconcreta que ensejará ao juiz a não aplicação dapena. Nessa hipótese, o magistrado examina evalora as circunstâncias concretas a fim deaveriguar o preenchimento dos requisitos legaisque acarretam o perdão judicial.

Já nas situações consonantes com a bagatelaimprópria, é o juiz que realiza a valoração tantodo fato, perquirindo acerca do desvalor da ação edo resultado, quanto do agente, sondando odesvalor da culpabilidade. Nesse procedimento, oacurado exame de tais fatores promove a conclusãode que a pena se tornou desnecessária ao casoconcreto. Isso se dá por força do artigo 59 doCódigo Penal. Ademais, no perdão judicial nãonecessariamente se requer um autor com baixoíndice de reprovação, enquanto que, em contraste,a culpabilidade se localiza no bojo da bagatelaimprópria, sendo essencial à sua composição.

Além da mera análise da reprovabilidade doagente, para que se faça uso da bagatela imprópria,

Page 28: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

28

é imperiosa a apreciação de outros fatores. Assim,devem concorrer, segundo Gomes (2007, p. 303),“ínfimo desvalor da culpabilidade, ausência deantecedentes criminais, reparação dos danos oudevolução do objeto, reconhecimento da culpa,colaboração com a justiça, o fato de ter o agentesido processado, preso ou ter ficado preso por umperíodo etc.”

Nada obstante, ainda consoante o juízo deGomes, não tem de necessariamente concorreremtodas as condições referenciadas a fim de se aplicara bagatela imprópria. Tudo vai se sujeitar àsvariantes do caso concreto, sendo conferida aomagistrado a incumbência de apurar ascircunstâncias do fato sob avaliação, tantoconcomitantes quanto posteriores, tal como as deseu autor.

Outro julgado de extremo relevo ao exameda incidência da bagatela imprópria se encontraem decisão proferida pelo Tribunal de Justiça doMato Grosso do Sul. Na Revisão Criminal2008.002829-1, da qual se transcreve a ementa,ficou decidido o seguinte:

REVISÃO CRIMINAL – ROUBO SIMPLES– FATOS OCORRIDOS HÁ MAIS DECINCO ANOS – AGENTE QUEPRATICOU ASSALTO POR SER VICIADO– RÉU RECUPERADO – AMEAÇAMÍNIMA – RES FURTIVA DE PEQUENOVALOR – RÉU PRIMÁRIO – DEMAISCIRCUNSTÂNCIAS FAVORÁVEIS –DEMORA EXCESSIVA EINJUSTIFICÁVEL NA CONCLUSÃO DOPROCESSO – APLICAÇÃO DOPRINCÍPIO DA BAGATELA IMPRÓPRIA– DESNECESSIDADE DE APLICAÇÃODA REPRIMENDA – DEFERIMENTO.(TJMS. RC n.º 2008002829-1. Rel. Des.Romero Osme Dias Lopes.)

Constata-se, no precedente em alusão, apresença do Princípio da Irrelevância Penal doFato num caso em que o autor havia cometidocrime de roubo com vistas a saciar seu vício emdrogas. O crime já havia sido praticado há maisde cinco anos, sem que se efetivasse o trâmiteprocessual. Nesse lapso, o acusado se recuperoude seu vício, adquiriu uma ocupação digna,constituiu família e, ademais, ingressou num

trabalho voluntário na Casa de Apoio aDependentes e Familiares, o CADEF, que se voltaà recuperação de viciados em tóxicos.

Trata-se, portanto, de um caso em que os finspreventivos a que se propõe o Direito Penal já seencontram cumpridos, haja vista, antes mesmo dacondenação, o acusado já revelar readequação aomeio social. Isso se atesta ao se refletir acerca deeventos que, a posteriori, exprimem o caráterregenerado do indivíduo. Em virtude da cumulaçãode episódios supervenientes, que fortificam aconstatação de efetividade social, evidencia-sedesnecessária a imputação de pena.

Masson (2011) bem ressalta que,diferentemente do que se nota no Princípio daInsignificância, ao se incorrer num delito debagatela imprópria o sujeito é regularmentesubmetido a um processo. Tem de se dar início àação penal, contudo, durante o trâmite processual,por meio de análise circunstancial, recomenda-sea exclusão da pena. Gomes (2009), como já sediscorreu, entende, porém, que deva haver oarquivamento, mesmo no caso de bagatelaimprópria, ainda na fase do inquérito policial.

A julgar pela própria natureza da infraçãobagatelar imprópria, que consiste em uma dispensasupralegal e superveniente da punição, Ribeiro(2012) alerta que poderá brotar um sentimento deimpunidade no meio social. Por esse ângulo, oDireito Penal sofrerá de um insuperável descrédito,afetando sua efetividade, o que degrada o próprioEstado de Direito.

Nessa acepção, deve se recorrer novamenteà razoabilidade, a fim de obstar o uso demasiadoe excessivo do princípio, garantindo acredibilidade do sistema penal. Considere-se, verbigratia, deparar-se com um crime de latrocínio.Nesse caso, mesmo estando o acusado socialmentereadaptado, e sendo desnecessária a punição penalsob o panorama individual, a pena ainda deveriaser imputada. Isso devido a um diagnósticoassentado sob o ponto de vista global, em que areprimenda tem como escopo intimidar acoletividade e assegurar a proteção dos bensjurídicos mais preciosos na sociedade.

Page 29: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

29

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depreende-se dos princípios em exame nopresente trabalho, que num cenário constituído,sobretudo, por uma dogmática penal engessada,que por muitas vezes transmite uma sensação dedesesperança no meio social, é mais queconveniente a adoção de medidas que minimizemtal conjuntura. A alternativa aventada por Roxin éa de se valer da política criminal, que insere nomeio dogmático um viés axiológico, de valores aserem ponderados.

Tanto o Princípio da Insignificância quantoo Princípio da Irrelevância Penal do Fato, sendoesse último mais contemporâneo, abarcam o ideala que se propõe concretizar a teoria funcionalistateleológica. Isto é, o ius puniendi do Estado só selegitima quando, além da averiguação daculpabilidade do agente, percebe-se a necessidadeconcreta do ímpeto estatal no campo penal.

Trata-se, portanto, de uma concepçãoutilitarista do Direito Penal, em que há orompimento da dogmática pura, sem princípios,que outrora compôs a sistemática penal. Tudo como desígnio de proteger os bens juridicamentetutelados, relativizando-se, com base em preceitospolítico-criminais, certas situações concretas emque a intervenção estatal por via penal não semostra necessária ou oportuna.

O reconhecimento do delito bagatelarimpróprio, ainda em caráter inaugural tanto nadoutrina como na jurisprudência pátria, traduzprecisamente a teoria funcionalista de Roxin emseu domínio pragmático. O juízo baseado emincidentes que, post factum, contribuíram para acorroboração de que não mais se necessita da penapara atingir os fins do Direito Penal, em um quadropenitenciário deteriorado como o brasileiro, éperfeitamente cabível. Contudo, deve se ter adevida cautela de que tal mecanismo de políticacriminal tem de ser empregado em caráter deexceção, sob pena de depreciação do própriosistema penal.

No transcorrer paulatino da bagatelaimprópria no Brasil, cabe à jurisprudência, que jávem se manifestando positivamente quanto à suaincidência em casos pontuais, desenvolverparâmetros que respeitem as particularidades decada situação concreta. Para tanto, é indispensável

o apoio da doutrina nacional, que também já seposiciona sobre o tema, mesmo que de formatímida.

Com a acurada adoção do Princípio daIrrelevância Penal em situações, com já dito,excepcionais, é crível entender a obtenção maissensata do real intento da norma penal. Issosignifica que, partindo-se de pressupostos do casoconcreto, coligados com a lei abstrata, e emconsonância com axiomas de política criminal, apossibilidade de se alcançar a justiça material setorna cada vez mais admissível.

REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado dedireito penal: parte geral. v. 1. 20. ed. rev., ampl.e atual. São Paulo: Saraiva, 2013.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HabeasCorpus 84.412/SP. Relator Ministro Celso deMello. Segunda Turma. Julgamento em: 19 out.2004. Publicado no Diário Oficial [da]República Federativa do Brasil, Diário daJustiça, de 19 nov. 2004.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HabeasCorpus 192534/ SP, Relator Ministro NapoleãoNunes Maia Filho. Quinta Turma, Julgamentoem: 7 abr. 2011. Publicado no Diário Oficial[da] República Federativa do Brasil, Diário daJustiça, de 13 abr. 2011.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4.ªRegião. Apelação Criminal n.º2005.72.03.000224-6/SC. Relator Des. ÉlcioPinheiro de Castro. Julgamento em: 30 jul. 2008.Disponível em: <http://www2.trf4.jus.br/>.Acesso em: 6 jul. 2016.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: partegeral. São Paulo: Saraiva, 2007.

______. Curso de direito penal: parte geral: arts.1.º a 120. v. 1. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

COSTA, Flávio Ribeiro da. Sistema penalfuncionalista. Boletim Jurídico, Uberaba/MG,ano 5, n.º 195, 2006. Disponível em: <http://

Page 30: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

30

www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1542> Acesso em: 3 jul. 2016.

GOMES, Luiz Flávio; GARCÍA-PABLOS DEMOLINA, Antonio. Direito penal: parte geral. v.2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

GOMES, Luiz Flávio. Delito de bagatela:princípios da insignificância e da irrelevânciapenal do fato. Revista Diálogo Jurídico,Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica,v. 1, n.º 1, 2001. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 2 jun.2016.

______. Direito penal: parte geral: culpabilidadee teoria da pena. São Paulo: Revista dosTribunais, 2005. (Série Manuais para Concursose Graduação, 7).

______. O direito penal antes e depois deRoxin. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 14,n. 2066, 26 fev. 2009. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/12370>. Acesso em: 4 jul.2016.

______. Princípio da insignificância e outrasexcludentes de tipicidade. São Paulo: Revistados Tribunais, 2009.

GRECO, Rogério. Curso de direito penal: partegeral, Rio de Janeiro: Impetus, 2015.

LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio dainsignificância no direito penal: análise à luz dalei 9.099/95, juizados especiais criminais, lei n.º9.503/97, código de trânsito brasileiro e dajurisprudência atual. 2. ed. rev. atual. e ampl.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

MAÑAS, Carlos Vico. O princípio dainsignificância como excludente da tipicidadeno direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994.

MATO GROSSO DO SUL. Tribunal de Justiçado Mato Grosso do Sul. Revisão Criminal2008.002829-1. Relator Des. Romero OsmeDias Lopes. Julgamento em: 19/05/2008.Publicado no DJMS, de 18 de junho de 2008.

MASSON, Cléber Rogério. Direito penalesquematizado: parte geral. v.1. 4. ed. rev., atual.e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:Método, 2011.

PANTONI, Roberta Alessandra. As finalidadesda pena a partir de uma concepçãocontemporânea do direito penal: ofuncionalismo moderado. In: Âmbito Jurídico,Rio Grande, XI, n. 54, jun 2008. Disponível em:<http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2789>. Acesso em: 3 jul.2016.

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. v. 1. São Paulo: Revista dosTribunais, 2011.

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 16.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2009.

RIBEIRO, Bruno Servello. A atual importânciado princípio da insignificância no direito penal.In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, ano XV, n. 96,jan. 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/fckblank.html?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10976&revista_caderno=3>. Acesso em: 3 jul.2016.

ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputaçãoobjetiva no direito penal. Tradução de LuísGreco. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

______. Estudos de direito penal. Organizaçãode Luís Greco e Fernando Gama de MirandaNetto. Tradução de Luís Greco. Rio de Janeiro:Renovar, 2006.

SOUZA JÚNIOR, Carlos Miguel Villar de.Funcionalismo penal: aportes sobre uma teoriaaxiológica do direito penal. In: Anima: RevistaEletrônica do Curso de Direito da Opet, v. IV, p.62-73, 2010. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/sistemapenaleviolencia/article/view/7865/6415>Acesso em: 2 jul. 2016.

Page 31: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

31

RESUMO

O presente artigo objetiva analisar o surgimento ea evolução histórica da Democracia e dos DireitosHumanos, com enfoque na análise em um contextoatual. A pesquisa é exploratória, bibliográfica equalitativa, utilizando-se como objeto de pesquisalivros e artigos de autores consagrados na área. Aanálise do texto expõe a eminente exclusão demembros minoritários dos corpos sociais, mesmoquando estes se utilizavam de supostosDemocráticos. Isso se mostrou na Grécia Antiga,quando se utilizava o modelo Direto deDemocracia, mas, ainda assim, apenas homenslivres, maiores e não-estrangeiros eramplenamente representados. Tal herança, advindadeste modelo primeiro de Democracia perdura atéos dias atuais, mostrando-se de maneira clara eevidente na sociedade brasileira, através de suasdiscussões políticas e sociais.

Palavras-chave: Democracia. Direitos Humanos.Representatividade. Evolução Histórica.

THE EVOLUTION OF HUMAN RIGHTSAND DEMOCRACY WITH FOCUS ON A

CURRENT ANALYSIS

ABSTRACT

This article aims to analyze the emergence andhistorical development of Democracy and HumanRights, focusing on the analysis on the currentcontext. The research is exploratory,bibliographical and qualitative, using as an object

A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E DA DEMOCRACIACOM ENFOQUE EM UMA ANÁLISE ATUAL

Lucas Antonio Rodrigues Lima1

Lucas Milton Prates Cruz2

1 Acadêmico do Segundo Período do Curso de Direito da Faculdade de Direito Santo Agostinho (FADISA)2 Acadêmico do Segundo Período do Curso de Direito das Faculdades Integradas Pitágoras (FIPMoc)

of research books and authors of articles containedin the area. The text analysis exposes the imminentexclusion of minority members of the governingbodies, even when they used is supposedDemocratic. This is shown in ancient Greece,when it used the direct model of democracy, butstill only free, higher and non-foreign men werefully represented. This heritage, arising this firstmodel of democracy endures to the present day,showing a clear and obvious way in Braziliansociety, through its political and social discussions.

Keywords: Human Rights. Democracy.Evolution. Exclusion.

1 INTRODUÇÃO

Entende-se por Democracia um governo emque todos os cidadãos participam da vida políticado país, de maneira direta ou representativa. Opresente artigo analisa a evolução histórica daDemocracia, deixando de ser um modelo Direto,para o sistema Representativo – com enfoque nanovidade do modelo Representativo: os DireitosHumanos. Além disso, analisam-se as dificuldadesde implementação do modelo Direto, as vantagense desvantagens do modelo Representativo e suacontextualização no Brasil atual.

Sabe-se que o que se entende por DemocraciaDireta tem início na Grécia, mais especificamenteem Atenas. Com o desenvolvimento da Pólis, e apopularização de conceitos como isegoria – queaborda a igualdade na votação, em que cadacidadão tem o mesmo “peso” no seu voto; além

Page 32: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

32

disso, as leis passam a ser escritas – e a isonomia– princípio que fundamenta o uso do “logos”, ouseja, da razão, da discussão, para que os cidadãoscheguem, em conjunto, a uma conclusão, oscidadãos passam a obter grande poder político,participando diretamente das decisões públicas.

Contudo, não se pode confundir o modeloateniense de democracia com os DireitosHumanos. Em primeiro lugar, os DireitosHumanos visam defender os direitos de todos oscidadãos, sem distinção de raça, cor, etnia oureligião. Em Atenas, por outro lado, as pessoasconsideradas Cidadãs são os homens, livres,maiores e não-estrangeiros. Ou seja, enquanto umtem por princípio ser universalizante, o outrofomenta a exclusão das minorias.

Os Direitos Humanos de fato, surgem – longeda sua configuração atual, mas de maneira muitomais tímida –, segundo Ribeiro (2001), por voltado século XVII, quando em um conflito políticona Inglaterra, que visava a redução dos poderesdo Rei e a adoção dos direitos para os cidadãos, oRei Jaime II cai e sua filha e seu genro, Maria eGuilherme, são instituídos Reis por intermédio deuma lei. Esta mesma lei, por sua vez, institui pontosem que os cidadãos recebem direitos, para quepossam se defender do poder autoritário dos Reis.Essa lei é conhecida como Bill of Rights.

A partir daí, com o advento da RevoluçãoFrancesa e a assinatura da Declaração dos Direitosdo Homem e do Cidadão, em 1789, que seguiamos princípios de Igualdade, Liberdade eFraternidade, os Direitos Humanos finalmentecomeçam a surgir de maneira sistemática. Isso seevidencia quando, em 1948 há a assinatura daDeclaração Universal dos Direitos Humanos, pelaOrganização das Nações Unidas.

Vale ressaltar ainda, que o modelo monárquicoa ser adotado no período de Jaime II, na Inglaterra,é o Absoluto. Dessa maneira, quando houve a quedado supracitado Rei e a substituição do trono pelasua filha e genro, e a assinatura do Bill of Rights,ocorreu o início da discussão que mais tarde levoua França a derrubar o modelo Monárquico Absolutoe instituir o modelo Republicano, que viriaacompanhado da representatividade.

2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DADEMOCRACIA

É sabido que a Democracia Direta tem iníciona Grécia, mais especificamente em Atenas. Porlá, era comum a existência de Ágoras, que eramlocais aonde os cidadãos se reuniam para realizaros debates acerca de temas pertinentes – ou não –no que diz respeito à vida política da Cidade-Estado.

Além disso, os cidadãos viviam em regimede igualdade, uma vez que nenhum tinha podersuperior ao outro, fato evidenciado pelo princípioda isegoria, em que o voto de cada cidadão tinhao mesmo “valor”, sendo necessária uma maioriadeles para que uma decisão fosse tomada. Adiscussão política também era fomentada, dentrodas próprias Ágoras, e isso era evidenciado peloprincípio da isonomia.

Apesar disso, e tendo em vista o aumento dacomplexidade da sociedade – principalmenteocasionado pela forte expansão no número deindivíduos –, o modelo Direto não mais se mostraeficiente. Outro ponto, mostrado por Ribeiro(2010) é que a Democracia Direta é impossíveluma vez que o atual desinteresse pela política, porparte da população, torna esse modelo ineficiente.

Contudo, há de se ressaltar que antes de omodelo Representativo ser instaurado, o mundofoi submetido a regimes Monárquicos Absolutose diversos outros regimes autoritários. Nessespaíses, não havia qualquer respeito a qualquerdireito dos cidadãos, ou a qualquer pessoa que nãofosse “amiga do Rei”. De fato, os reis e osditadores, entendiam o Estado como suapropriedade, e as pessoas como seus súditos.

Cedo ou tarde, esses regimes passaram a cair,sendo que dois momentos históricos se destacamcomo mais importantes neste sentido: a Inglaterra,de 1689; e a França, em 1789, com a RevoluçãoFrancesa.

Ocorre que, em 1689, na Inglaterra, oParlamento lutava para a redução dos poderes doRei, que naquele momento se tratava de Jaime II,e a consequente instauração de uma Constituiçãoque viesse a limitar o poder de maneira mais

Page 33: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

33

sistemática. O Rei, contudo, não permitia que issoocorresse e, nesse embate, Jaime II acaba caindo,em 1688. Já em 1689, o Parlamento permite asubida ao poder de Maria e Guilherme, filha egenro de Jaime II, respectivamente. Contudo, paratal, é necessário que eles aceitem o Bill of Rights,que foi traduzido como Declaração de Direitos.Esse documento visa dar aos cidadãos algunsdireitos para que eles se protejam do autoritarismodo Rei, como a impossibilidade de o Monarcacobrar impostos sem lei e que este deve reunir oParlamento com regularidade para ouvir asopiniões dos seus membros – ressalta, ainda, queo Rei deve cumprir as sentenças judiciais e leisvigentes.

Dessa maneira, observa-se que os DireitosHumanos surgem no século XVII, com o objetivode limitar o poder do Rei. Neste momento, oMonarca perde o pleno controle do Judiciário edo Legislativo, garantindo maior liberdade aoscidadãos. Contudo, ainda está longe de este serum modelo plenamente Democrático.

O segundo momento histórico, e talvez o maisimportante, ocorre na França, em 1789. Após aqueda da Bastilha, é assinado a Declaração dosDireitos do Homem e do Cidadão, que tem oobjetivo de garantir direitos aos cidadãos em geral,e não somente a um povo – neste sentido, já sediferencia da Democracia Grega, uma vez que aquinão são apenas homens, maiores e não-estrangeiros.Com o dado de que, para a época, todo não--ateniense era estrangeiro, pois vivia-se a época daCidade-Estado. Logo, a democracia era maisateniense, apenas, do que grega como um todo.

A assinatura dessa declaração é de extremaimportância até hoje. A diferença dela para ainglesa está justamente no fato de que a que foraassinada na Inglaterra diz respeito a umconhecimento muito prático dos juristas daquelaregião, fazendo com que o documento adquirissecaracterística regionalista, impedindo que ele fosseexportado para outros lugares do mundo. Contudo,o modelo francês é mais geral, uma vez que osteóricos franceses de então, de maior qualidadeque os ingleses, conseguiram redigir umdocumento que conseguia se adaptar a diversas

realidades ao redor do globo, segundo Ribeiro(2010, p. 19-20):

A Inglaterra, no século 17, e suas colôniasnorte-americanas, cem anos depois, contamcom longa experiência de autogoverno. [...]Já a França, ao começar a revolução, carecede uma classe ilustrada, capaz de tomar emmãos assuntos públicos. [...]Ora, a França terá um contingente deintelectuais afastados do poder. [...]A Inglaterra terá uma política prática, aFrança, uma teórica. [...]

Dessa maneira, a França conseguiu incitaroutros países a tomarem o mesmo rumo que ela,e lutar por Democracia. Além disso, após instituiro modelo republicano, pela primeira vez, estepassou a se popularizar por outros países, que aoadotarem este modelo, passam a utilizar domodelo representativo de Democracia, quenaquele momento estava umbilicalmente ligadoao sistema. Nesse sentido, diversos embatesforam travados até que, novamente no século XX,o mundo fosse marcado por enormes lutas emfavor da Democracia, como dito por Costa (2010,p. 146):

O breve século XX, [...] caracterizou-se pelaluta vitoriosa contra os governos de força econtra a falta de liberdade em todos os cantosdo mundo. As nações que surgiam dodesmantelamento das relações coloniais eraminstadas a instituir sistema políticosrepresentativos e participativos para seenquadrarem no ideal político democrático.

Ou seja, apesar de surgir no século XVII, opensamento democrático toma muita força noséculo XX. Isso ocorre porque muitas naçõesestavam subjugadas a sistemas autoritários muitofortes, sendo que sua libertação demandariaenorme tempo. Isso se evidencia, por exemplo, narelação entre colonizador/colonizado.

Conclui-se, portanto, que após o século XX,o sistema representativo passou a ser adotado namaioria dos países do mundo, tendo o sistemadireto sido quase extinto, sendo hoje mantido emalguns poucos países. Vale ressaltar ainda que,junto com o modelo representativo vieram os

Page 34: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

34

Direitos Humanos, que surgem como forma de oscidadãos se defenderem do poder absoluto dosmonarcas.

3 DIFICULDADE DE IMPLEMENTAÇÃODO MODELO DE DEMOCRACIADIRETA

Por Democracia Direta, entende-se umaforma de organização política na qual todos oscidadãos podem participar de maneira direta natomada de decisões. As primeiras democracias,portanto, foram Diretas. De fato, existem diversosdefensores da Democracia Direta, e um dos maisimportantes deles é Jean-Jacques Rousseau.Bonavides (2000) expressa a opinião de Rousseau,quando expõe que este desprezava arepresentatividade e sua estrutura, uma vez queele acreditava que a vontade geral de um povodeveria ser exercida por este próprio povo, e nãopela representação. Para Rousseau, não haviarepresentação da vontade.

Apesar disso, a argumentação contra aDemocracia Direta é, quase sempre, a de que estaé inaplicável no contexto contemporâneo, uma vezque há uma sociedade altamente complexa, cominúmeras relações sociais diferentes ocorrendosimultaneamente, e uma enorme quantidade depessoas. Dessa maneira, fazer com que cada um,por exemplo, dos duzentos milhões de habitantesdo Brasil vá a uma urna decidir sobre cada Projetode Lei a ser aprovado mostra-se ineficiente.

Contudo, esse não é o único argumento nestesentido. Ribeiro (2001, p. 30) discursa no sentidode que, uma vez que as pessoas se mostram,atualmente, completamente (ou quase) alheias àpolítica, o sistema Democrático Direto se tornainviável. Em suas palavras,

O desinteresse moderno pela política é umdos grandes fatores que impossibilitam ademocracia direta. Alguns dizem que ademocracia direta hoje é impossível porquenossos países são maiores que as cidadesgregas e fica inviável reunir os cidadãos napraça. Esse argumento, embora correto, ésuperficial. Se o problema fosse só o dotamanho do território, as pessoas votariamanimadas, participariam de organizações

voluntárias; enfim, a política estaria em nossosangue

Dessa maneira, a Representação se mostracomo a mais eficiente das opções, uma vez que odesinteresse pela política, no contextocontemporâneo, faria com que a adesão popularàs assembleias fosse quase nula. Dessa maneira,eleger alguém que represente suas vontades, apesarde não ser correto para Rousseau, mostra-seeficiente e funcional no mundo contemporâneo.Isso, somado à questão da complexidade dasociedade, faz com que o modelo representativose apresente como o ideal e, dessa forma, é o maisutilizado em todo o mundo.

4 VANTAGENS E DESVANTAGENS DOMODELO REPRESENTATIVO

Como já exposto, o modelo representativode Democracia nasceu juntamente com aconcepção dos Direitos Humanos – ainda quenuma concepção mais embrionária –, visando acombater o poder absoluto dos reis europeus. Ouseja, o sistema representativo nasce para dar aopovo poder sobre as decisões políticas que venhama influenciar em suas próprias vidas – além dapossibilidade de se defender da tirania dos reis.

Apesar do seu contexto de surgimento, arepresentatividade acompanhou uma longaevolução histórica, alcançando os dias atuais.Nesse sentido, a representatividade se adapta àsnecessidades da sociedade contemporânea: umavez que a política deixou de ser o centro dasatenções, dada a sua aparente estabilidade, aspessoas passaram a envolver-se com outrosassuntos. Dessa maneira, o descomprometimentoda sociedade quanto à política faz com que osistema representativo seja mais vantajoso, umavez que não seria possível, para as pessoas, irematé as assembleias.

Um dos argumentos mais importantes acercadas vantagens do sistema representativo vem deRibeiro (2001, p. 14). Ele argumenta que muitos,na atualidade, encaram o sistema direto deDemocracia como melhor que o representativo.Contudo, a adoção do último se dá pela sua

Page 35: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

35

novidade mais importante: o surgimento dosDireitos Humanos. Discorre assim:

[...] a democracia antiga é vista, geralmente,como superior à moderna. Invejamos osatenienses. Perdemos muito da dimensãopública. Acabou a democracia direta,começou a representação. Mas entremos nademocracia moderna pelo que ela tem demelhor. Porque ela não é uma degradação daantiga: traz uma novidade importante – osdireitos humanos (RIBEIRO, 2001, p. 14).

A dimensão pública nos tempos atuais seperde pela mudança de protagonismo dasociedade. Antes, buscavam-se direitos civis eliberdade; atualmente busca-se liberdadeeconômica. Ou seja, a luta que antes era embasadana esfera política, tendo como foco a sociedadecomo um todo, passou a ter como foco o indivíduoe suas necessidades econômicas, apenas.

Apesar de seus pontos positivos, ademocracia representativa tem seus problemas.Como apontado por Medeiros, a DemocraciaRepresentativa tem em seus fundamentos a atençãoem atender às necessidades da maioria. Contudo,é comumente corrompida, por aqueles que sãoeleitos para representarem esta maioria:

Deste modo a democracia representativa éuma forma de governo que visa atender asnecessidades de uma grande maioria, mas queinfelizmente é corrompida, aqueles quedeveriam defender o povo em busca de umbem comum [...] (MEDEIROS, 2016).

Assim, apesar de se apresentar como omodelo de Democracia mais eficiente a seradotado, a representatividade também apresentaproblemas. Ainda assim, a grande maioria dospaíses utiliza deste modelo em sua política,deixando apenas para uma minoria muito restritao uso da democracia direta.

5 A DEMOCRACIA REPRESENTATIVA NOBRASIL ATUAL – BREVE ANÁLISE

Ao iniciar uma análise acerca do sistemarepresentativo no Brasil atual, o primeiro ponto ase observar é justamente a falta de

comprometimento e participação da populaçãoquanto ao sistema político. Isso se evidencia, comoexposto por Ribeiro (2001, p. 28):

Essa disposição a discutir a coisa pública hojeé rara. Encontra-se em estudantes, emsindicalistas, em militantes, e mais nos jovensque nos mais velhos. É frequente que quemvá às assembleias se queixe da falta deinteresse dos demais. Ouve-se isso emreuniões de condomínio, de alunos, deprofessores, de simpatizantes de candidatos.A queixa expressa o ideal de que todosestivessem presentes. Reclama-se dodesinteresse dos outros, mas se entende essedescaso: afinal, a política de hoje é tão falsa,tão afastada das pessoas, que elas perdem oempenho por ela. Tudo isso tem seu grau derazão. Seria ótimo aumentar a participação.

Dessa maneira, Ribeiro evidencia aquilo quese iniciou na Grécia Antiga e perdura até os diasatuais: os governantes, utilizando-se de discursossupostamente democráticos, executam manobraspolíticas visando ao afastamento de determinadasparcelas da população, e buscando transformar apolítica em um campo em que suas ideias eobjetivos sejam executados plenamente.

Embora tida como a Democracia Diretaclássica e original, ocorreu na Grécia uma espéciede exclusão, porque apenas homens, maiores,livres e não-estrangeiros poderiam participar dasdiscussões e da vida pública. Ocorreu também emoutro tempo passado, na Segunda Guerra, quandoos judeus foram impedidos de exercer vida pública(e inclusive “caçados”). E ocorre no Brasil atual,quando índios, gays, negros e outras minorias têmseus direitos ceifados a partir de discursosamplamente aceitos na sociedade.

Essa exclusão leva, justamente, aodesinteresse das pessoas pela política. Dessaforma, o voto se torna uma obrigação semimportância; a fiscalização da vida pública dospolíticos se torna algo desnecessário, afinal “todossão corruptos” e, assim, a política se torna cadavez mais distante da população.

Outro ponto importante é a diferença decultura entre as duas sociedades. Conformeapontado por Ribeiro (2001), a sociedade gregaprezava pelo ócio. Ou seja, uma vez que alguém

Page 36: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

36

tinha a oportunidade de não precisar exercertrabalho braçal, esse deveria participar da vidapública, das discussões políticas, seja na Ágora ounas Assembleias. A cultura atual, contudo, funcionade uma maneira diferente: tudo gira em torno daeconomia. O mundo hoje gira em torno daeconomia. Se antes, ao se obter o ócio, a necessidadeera de realizar grandes discussões políticas eteóricas, hoje o objetivo é adquirir produtos, realizarviagens e consumir serviços. Ainda nesse sentido,observa-se que hoje a economia influencia – e muito– na vida política. Dessa feita, a discussão não maistem caráter unicamente social, mas também eprincipalmente econômico.

Desse modo, é justificado o desinteresseatual pela política, não só no Brasil, mas no mundocomo um todo. Para modificar esse cenário, há anecessidade de se modificar a cultura mundial – acultura do consumo, a cultura individualista –; háa necessidade de novamente enobrecer a discussãoacerca da vida pública, do bem comum, dasociedade como um todo.

6 A CRISE DA DEMOCRACIAREPRESENTATIVA NO BRASIL

Como já exposto algumas vezes, no Brasilnão existe uma forte adesão popular no que dizrespeito a questões políticas. Desse modo, não édifícil imaginar que, assim sendo, partidospolíticos e os próprios políticos passaram, com otempo, a utilizar da máquina pública para bempróprio, sem se preocupar com os interessespopulares.

É isso que se observa claramente hoje noBrasil. Os Poderes Legislativo e Executivo, quehistoricamente têm uma ligação muito forte poraqui, não mais representam a população, sendoestes os maiores responsáveis pelos grandesescândalos que ocorrem hoje na nação.

Isso é corroborado através das inúmerasoperações de combate à corrupção executadas pelaPolícia Federal em todo o país, estas encabeçadaspelo Ministério Público – instituições estas que,nos últimos anos, vêm fazendo um trabalhosistêmico de combate à corrupção.

Contudo, não é somente a corrupção o pontodesta crise. A perda dos Direitos Fundamentais porparte dos cidadãos é ainda mais gritante. Isso sedeve em parte pelo aparelhamento do Estadovisando atender às necessidades dos políticos, seuspartidos e eventuais financiadores de suascampanhas. E, em outra parte, ao atendimento depautas conservadoras pelo Congresso, as quaisrestringem cada vez mais direitos voltados àsminorias.

Dessa forma, toda a evolução consagradapelos Direitos Humanos corre enorme risco noBrasil, uma vez que deixou de ser observada paraque questões econômicas e puramente de estratégiapolítica fossem analisadas com maior fervor. Ouseja, o maior risco futuro é, na verdade, a eventualperda do Estado Democrático de Direito que foiconsagrado nesta nação após a Constituinte quedeu origem à Constituição Federal de 1988.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como exposto, o embrião dos DireitosHumanos surge ainda no século XVII, de maneiramuito tímida, como consequência de um embatepolítico entre o Rei inglês da época e o Parlamento.A Democracia Representativa surge em seguida,uma vez que o povo passa a ansiar por exercer opoder político e o Parlamento garante este direito,ao elaborar o chamado Bill of Rights. Mais tarde,a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão(1789) passa a fundamentar documentalmente aquestão direcionada aos Direitos Fundamentais,de maneira mais universal. Com base nestaDeclaração, surgem outros documentos e umanseio mundial por Direitos, até que em 1948 surgea Declaração Universal dos Direitos Humanos(DUDH).

Fato é que a DUDH não encerra a luta pelosDireitos Fundamentais, que marcou quase quatroséculos na história da humanidade, mas inauguraum novo momento, marcado pelo diálogo e pelagarantia dos direitos, pelo protagonismo do povoem face de grandes políticos, pelo uso do Estadoe de sua força coercitiva para garantia dos direitosfundamentais.

Page 37: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

37

No Brasil, essa discussão se deuprincipalmente após o Período Militar (1964-1985), que marcou o país com uma mancha dedesrespeito aos Direitos Humanos. Em 1988, tem--se a promulgação da Constituição Cidadã, quevem dar fim aos desrespeitos aos DireitosHumanos e fundar no Brasil um EstadoDemocrático de Direito, visando a garantir aoscidadãos os Direitos Fundamentais e serviçospúblicos que garantam a dignidade de cada um.

Ainda assim, o que está previsto naConstituição não é plenamente cumprido. Ocorreque é comum observar, principalmente por partedas forças Estatais, forte desrespeito aos DireitosHumanos e outros preceitos fundamentais da CartaMagna brasileira. Além disso, apesar de aConstituição de 1988 objetivar dar fim a açõesviolentas e ditatoriais que outrora eram impostasà sociedade, dois pontos são importantes: a) leisinfraconstitucionais anteriores a essa Constituiçãoe, portanto, que refletem anseios ditatoriais,permanecem em vigor; b) os DireitosFundamentais, os Direitos Humanos e a própriadignidade da pessoa humana, resultado de séculosde luta, correm enorme risco no Brasil atual, emque a criminalidade a crise política e moral dasociedade fazem com que a população apoieposturas violentas e firmes, deixando que suasliberdades sejam ceifadas.

Dessa forma, é importante ter em mente que,apesar de a DUDH e as Constituições que asucederam fomentarem o respeito ao Ser Humano,não é incomum nos dias atuais observar gravedesrespeito aos Direitos Humanos. Assim, éimportante manter o debate sempre aberto,objetivando ceifar, o quanto antes, práticas quedescumpram o previsto nas Constituições e naDUDH. Ainda é importante frisar que o Brasilnecessita, o quanto antes, de uma reforma amplaem suas leis, objetivando implementar novasnormas que não atendam mais a anseios de

governos autoritários.Por fim, é igualmente importante fortalecer

as instituições brasileiras, uma vez que somente cominstituições fortes e autônomas, os governos podemser investigados e pressionados a cumprir com seusdeveres; dessa forma, deve-se abandonarcompletamente o pensamento de eleger “heróisnacionais”, e pensar mais em instituições firmes quegarantam a iniciativa particular de cada um, comvistas aos Direitos Humanos e demais preceitosconstitucionais que garantam a dignidade humana.

REFERÊNCIAS

COSTA, Cristina. Democracia e direitoshumanos. In: COSTA, Cristina. Sociologia:introdução à ciência da sociedade. São Paulo:Moderna, 2010. Cap. 11, p. 147 – 150.

BONAVIDES, Paulo. O sistema representativo.In: BONAVIDES, Paulo. Ciência política. SãoPaulo: Malheiros, 2000. Cap. 15, p. 270-271.

MEDEIROS, Alexsandro M. Democraciarepresentativa: consciência política. Disponívelem: <http://www.portalconscienciapolitica.com.br/ciber-democracia/democracia-representativa/>.Acesso em: 17 abr. 2016.

OLIVEIRA SOBRINHO, Afonso Soares de. Acrise de legitimidade das instituições:democracia, constitucionalismo e acesso àJustiça. Disponível em: <http://ambitojuridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12850&revista_caderno=9>. Acesso em: 23maio 2016.

RIBEIRO, Renato Janine. A democracia. SãoPaulo: Publifolha, 2001, p. 13-36.

Page 38: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

38

Page 39: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

39

RESUMO

O presente artigo, estruturado em três partes, faráuma abordagem inicial acerca dos desdobramentosque subvencionaram a união entre capital e trabalho.Em um segundo momento, será trazido à baila osurgimento do Direito do Trabalho e os movimentospropulsores de institucionalização das relaçõesjuslaborativas. Por derradeiro, a pesquisa tratará daconcepção líquido-moderna esquadrinhada pelosociólogo Zigmunt Bauman, desvelando osparadigmas trabalhistas advindos do regimeflexibilizante dos tempos líquidos.

Palavras-chave: Trabalho. Capital. Flexibilização.

THE FLEXIBILIZING REGIME OFLIQUID TIMES: the change as the single

aspect of permanent labor relations

ABSTRACT

This article, divided into three parts, will make aninitial approach about the developments that havesubsidized the union between capital and labor. Ina second stage, it will be brought to the fore theemergence of labor law and the movementpropellants institutionalization of labor relations.By last, the research will address the modern-liquidconception scanned by Zygmunt BaumanSociologist, investigating the labor paradigmsarising from the flexibilizing regime of liquidtimes.

Keywords: Work. Capital. Flexibility.

1 INTRODUÇÃO

Em um ambiente holisticamente adverso à

O REGIME FLEXIBILIZANTE DOS TEMPOS LÍQUIDOS: a mudança perpétuacomo único aspecto permanente das relações trabalhistas

Lucas Versiani Cardoso1

solidez nas relações sociais, o modo tradicionalde vida foi desmantelado pela descoberta dotrabalho como uma fonte de riqueza, um objeto aser explorado de modo mais eficiente possível. Avelha e já defunta ordem foi substituída por umanova ordem. Os constantes revisionismos dasinsuficiências da modernidade propõem,necessariamente, uma metáfora, sugestionada pelosociólogo polonês Zigmunt Bauman: ModernidadeLíquida. Nesse contexto, verifica-se a precarizaçãoe o contingenciamento do valor social atribuídoao trabalho. As contratações a termo se tornarama regra, fomentando o desemprego estrutural. Asnormas de convivência do casamento entre capitale trabalho estão em pauta, e a flexibilidade serevela como a panaceia de todos os problemas.

Este artigo, estruturado em três partes, faráuma análise acerca dessa nova feição das relaçõesjustrabalhistas, com enfoque na flexibilização dasnormas e das condições de trabalho. Inicialmente,serão perquiridas as raízes da união entre capitale trabalho, desde seus incipientes contornos. Emum segundo momento, realizar-se-á umaabordagem acerca do surgimento do Direito doTrabalho em uma Modernidade “Sólida”, com ointuito de cotejar as relações de emprego de outroracom os novos paradigmas trabalhistas. Porderradeiro, a pesquisa examinará a aplicabilidadeda chamada “Flexissegurança”, que vindica umaconciliação entre as variantes do mercado e asegurança dos trabalhadores contra o desemprego.

2 MODERNIDADE SÓLIDA: OCASAMENTO ENTRE CAPITAL ETRABALHO

Iniciada com a introdução das máquinas, aModernidade Sólida contextualiza-se naautorregulamentação do mercado, com a intensadivisão e especialização das tarefas das forças

1 Acadêmico do Décimo Período do Curso de Direito da Faculdade de Direito Santo Agostinho (FADISA).

Page 40: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

40

produtivas. Fervilhada pelas noções do liberalismoeconômico smithiano, que se revelava comoveículo de acesso ao poder político, a burguesiase revestia do anelo de que as relaçõessocioeconômicas não poderiam sofrer umaintervenção estatal. Essa mudança de perspectivacorporificada pelos burgueses resultaria naRevolução Francesa, em 1789, que, nas palavrasde Hobsbawm (1996, p. 20) “foi um episódio designificado profundo e sem paralelo na históriade todo mundo moderno, qualquer que seja o modocomo essa significação é posta.”. À medida quesoavam os ecos da marselhesa2, ocorria atransferência de poder de uma classe à outra, e ovalor outorgado ao trabalho já não era o mesmo.

Através das dobras do tempo, a RevoluçãoIndustrial advinda dos movimentos burguesestransformou o trabalho em emprego, surgindo“uma nova cultura a ser aprendida e uma antiga aser desconsiderada.” (MARTINS, 2012, p. 6).Preleciona Hobsbawm (1996, p. 28) que algunsestudiosos, dentre eles Saint-Simon, concebiam aindústria e os industrialistas recém-chegados comoa “fundação do futuro.”. De fato, a RevoluçãoIndustrial fundaria uma nova dimensão para asrelações sociais, jamais experimentada até então.

Nessa conjectura, pontifica Cavalcanti(2008, p. 37) que “a máquina que parece no atoaumentar a produção e multiplicar a riqueza étambém produtora de miséria ao privar os homensde trabalho.”. A censura prescrita pela ideologialiberal no tocante aos custos totais dascontratações, deixava os empregados à mercê dosempregadores, pois o Estado intervia, apenas, paragarantir a aptidão de compra e manutenção deobreiros. Assim, gerava-se um contingente dedesempregados, em outras palavras, dedesesperados. Afirma Bauman (2001, p. 183) que“os desempregados eram inteira e verdadeiramenteo ‘exército reserva de trabalho’, e tinham que sermantidos em Estado de prontidão, caso fossemchamados de volta à ativa.”.

De acordo com Bauman (2001, p. 179-182),o modo tradicional de vida havia se desmantelado

pela descoberta do trabalho como uma fonte deriqueza, um objeto a ser explorado de modo maiseficiente possível. A “velha e já defunta ordemdeveria ser substituída por uma nova ordem.”. Erao “delírio intoxicante do novo começo”: fábricasgigantescas equipadas com maquinaria“monstruosa”, verdadeiros monumentos feitospara representar a eterna glória dos homensmodernos, capazes de pensar, descobrir, planejare agir, sempre com o escopo de “acomodar” o quehavia sido “desacomodado” pelos antepassados.

Obtempera Bauman (2001, p. 179),comentando sobre obra de Tocqueville, que a“bomba plantada pelo capital” para implodir ossólidos criados pelas corporações/comunas doAncien Régime3, convulsionou o engajamentoentre capital e trabalho, “fortificado pelamutualidade de sua dependência”.

À guisa de exemplo, vindica Martins (2012)que Henry Ford criou a linha de montagem naindústria automobilística, incentivando aumentode salários para que os empregados comprassemtambém os automóveis que fabricava. No entanto,em que pese a aparência despretensiosa do desejode Ford, Bauman (2001) elucida as estratégiasnecessariamente funcionais do empresário paravinculação entre capital e trabalho. Sublinha osociólogo que ao atar os empregados às empresasFord, os gastos com a preparação e treinamentode novos trabalhadores eram extirpados, o que serevelava producente, pois aumentava a “vida útil”dos obreiros, detendo a constante mobilidade damão de obra. Tendo em vista sua dependência emmantê-los enraizados, Ford tentava tornar osempregados submissos à sua fábrica, disponíveispara a perpetuação de seu poderio econômico. Erauma perspectiva de casamento, destinado a durarpara sempre.

Nessa esteira, Castel (2009), ao esmiuçar asmetamorfoses da questão social, consigna queeram conferidos serviços assistencialistas aosempregados, em uma tentativa de criar laçosfamiliares entre trabalhador e fábrica. Contudo,prossegue o autor, por trás deste paternalismo

2 Canção que impulsionou a Revolução Francesa, composta por Claude Joseph Rouget de Lisle, em 1792. Tornou-se o hinofrancês.

3 O Ancien Régime foi um sistema sociopolítico aristocrático, estabelecido na França e demais sociedades europeias, nos sécu-los XVI e XVII. Caracterizava-se pela divisão social em estamentos (desnivelamento social) e na concentração de poder nasmãos de um rei.

Page 41: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

41

estavam os interesses da classe dominante, quaissejam: aliviar as pressões acerca dos problemasadvindos da exploração sem limites; fixar oempregado na fábrica e desestimular asorganizações corporativistas, gremiais ou sindicaisque se insurgiam face às mazelas do EstadoLiberal.

Em suma síntese, assevera Bauman (2001,p. 182):

Os trabalhadores dependiam do emprego parasua sobrevivência; o capital dependia deempregá-los para sua reprodução ecrescimento. Seu lugar de encontro tinhaendereço fixo; nenhum dos dois poderia semudar com facilidade para outra parte – osmuros da grande fábrica abrigavam emantinham os parceiros em uma prisãocompartilhada. Capital e trabalhadoresestavam unidos, pode-se dizer, na riqueza ena pobreza, na saúde e na doença, até que amorte os separasse. A fábrica era seu habitatcomum – simultaneamente o campo debatalha para a guerra de trincheiras e larnatural para esperanças e sonhos.

Diante o exposto, verifica-se que “oshorizontes do capitalismo pesado eram de longoprazo.” (BAUMAN, 2001, p. 183). Quem iniciassesua carreira em empresas como a Ford,dificilmente desenharia perspectivas de trabalharem outras fábricas. O destino dos trabalhadores eempregadores confluía para a “eternidade”, emverdadeira conjugação de vidas.

Porém, a caixa de pandora do capitalismoestava aberta, e os males da insalubridade,insegurança, desemprego, envilecimento da taxasalarial, jornadas extenuantes, dentre outros,escapara. Logo, para que não ocorresse umpernicioso “divórcio”, deveriam ser desenvolvidase sistematizadas normas de convivência, aptas aproporcionar a conservação dos interesses docapital e, de certa forma, assegurar que otrabalhador não fosse tratado como “coisa”. Era oinício, pois, das discussões dos “recém-casados”capital e trabalho.

Assim, pressionado pelo vertiginosodesequilíbrio entre as classes sociais, o Estado jánão mais podia se manter vendado frente às

intempéries da economia liberal, e o movimentosocialista anunciaria a urgência da regulamentaçãodas relações de emprego. A chamada “questãosocial”, aguçada pelo clamor da classe proletária4

nas grandes cidades industriais, havia passado desimples névoa de querelas para um temporal dereivindicações, e o sistema capitalista precisaria,necessariamente, conciliar os interesses entrecapital e trabalho.

Feitas essas breves digressões histórico--sociológicas, o próximo passo da pesquisa será aanálise dos principais fatores que fizeram emergiro Direito do Trabalho, perscrutando a fase de“solidificação” das regras e princípiosjustrabalhistas para, em momento oportuno,tracejar indagações quanto às causas queestandardizaram a “flexibilidade” dos direitostrabalhistas.

3 SURGIMENTO DO DIREITO DOTRABALHO

É obra da ciência a descoberta de métodospara a análise dos diversos campos florescidos pelasideias. Nessa perspectiva, para o estudo das faseshistóricas do Direito do Trabalho na searainternacional, será utilizado o cronograma propostopor Delgado (2012), consubstanciado em trêsetapas: manifestações incipientes ou esparsas,consolidação e sistematização (institucionalização),e, por fim, a fase de crise e transição do DireitoJustrabalhista.

3.1 Manifestações Incipientes e Esparsas

A transição entre o paradigma trabalhistavigente na Revolução Industrial até ainstitucionalização do Direito do Trabalho ocorreude forma gradual, iniciando-se, substancialmente,com o Peel’s Act inglês e com a edição doManifesto Comunista, de Marx e Engels, em 1848.

Lecionam Gomes e Gottschalk (2001, p. 1-2) que:

A concentração do proletariado nos grandescentros industriais nascentes; a exploração deum capitalismo sem peias; a triunfante

4 Segundo Martins (2012, p.08): “ Proletário é o trabalhador que trabalha jornadas extensas (14 a 16 horas), morava em condi-ções subumanas, tinha muitos filhos e recebia salário ínfimo”.

Page 42: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

42

filosofia individualista da RevoluçãoFrancesa; os falsos postulados da liberdadede comércio, indústria e trabalho, refletidosno campo jurídico na falaz liberdade decontratar; o largo emprego das chamadas“meias-forças”, isto é, o trabalho da mulhere do menor; a instituição das sociedades porações, sociedades anônimas propiciando, aprincípio, a reunião de grandes massas decapital necessário aos empreendimentosindustriais, e seu posterior desdobramento emcapitais monopolizadores (trust, cartéis,holdings), a ideia vigorante do nãointervencionismo estatal, por mais precáriasque fossem as condições econômicas esociais, tudo isso, gerando um estado demiséria sem precedentes para as classesproletárias, resultou no aparecimento, nahistória do movimento operário, de umfenômeno relevantíssimo: a formação de umaconsciência de classe.

Nesse toar, anota Cavalcanti (2008) que areação às dificuldades vividas pelos trabalhadoressurgiria com a tomada de consciência de suacondição, pela compreensão da necessidade de seunirem frente ao desnível contratualproporcionado pelo liberalismo. Assim, com orecrudescimento dos movimentos de protesto e dosindicalismo, fulge à exaltação quanto aos direitossociais. Conforme Hobsbawm (2015, apud Burke,p. 15) “a ação revolucionária” significava que“toda a roupagem decente da vida deve serarrancada violentamente”, para deixar “nossanatureza nua, trêmula revelada em todos os seusdefeitos.”. O escafandro rompia-se, como ametáfora da borboleta, que se transforma ao sairdo casulo.

Em reflexão filosófica, acentua Arendt(2007, p. 226-227) que a convergência axiológicados membros do labor conduz à mitigação doconceito de individualidade e identidade, parasobrelevar a uniformidade (sociabilidade).Completa a autora que:

A uniformidade predominante na sociedadedo labor e do consumo, e que se manifestaem sua conformidade, tem íntima relação coma experiência somática de labutar emconjunto, na qual o ritmo biológico une detal forma o grupo de operários que cada umpassa a sentir-se como simples membro dogrupo, e não mais como indivíduo. Não restadúvida que isso atenua o esforço e a fadigado labor, como a marcha em conjunto atenua,para cada soldado, o esforço de caminhar.

Nessa linha de raciocínio, asseveram Gomese Gottschalk (2001, p. 2) que a desigualdade socialcriou “sólidos” liames de solidariedade entre osobreiros, isto é, uma consciência grupal, um “nóssuperior e distinto de cada eu que se dispersa efragmenta a força grupal.”. Era o início, aindapaulatino, dos métodos associacionistas da classetrabalhadora frente à inerente força oposta,denominada burguesia.

Dessa forma, sobretudo com o movimentooperário, encabeçado no marxismo, desencadeou--se uma resposta de autotutela coletiva. ApontaDelgado (2012) que a revolução na França, em1848, traduziria a primeira grande ação coletivados dominados perante os dominadores da ordeminstitucional vigorante, e, por conseguinte, ospleitos de reconhecimento dos direitos deassociação, greve e fixação de jornada de dez horasincorporariam o estuário jurídico daquele país,influenciando todo o mundo ocidental.

3.2 Consolidação e Sistematização

Em consonância com o exposto, os influxosda Igreja Católica, sob influência das encíclicaspapais, também teriam participação no galgar dasegunda dimensão dos direitos fundamentaistrabalhistas. Em tom humanístico, conformeafirma Grillo (2012), as manifestações da Igrejaidealizavam a colaboração e não a luta entre si,pois seria inevitável a desigualdade entre oshomens e as classes sociais. Narra Martins (2012)que as Encíclicas não possuíam poder coercitivo,isto é, não obrigavam a ninguém. No entanto, omagistério papal servia como um catalizador paraas reformas das legislações mundo afora.

Essa incipiente consciência revisionista doLiberalismo para prospecção de um Estado Socialde Direito seria ratificada, substancialmente, apartir do fim da Primeira Guerra Mundial, em1919. Preleciona Cavalcanti (2008) que nesseperíodo houve a sistematização e consolidação doDireito do Trabalho, pois a aprovação do Tratadode Versailles teria por corolário a criação daOrganização Internacional do Trabalho (OIT),depositária de princípios norteadores das relaçõesjustrabalhistas. Assim, as normas heterônomas setornam o centro de gravidade dos direitostrabalhistas, confraternizando-se com as normasbilaterais autônomas na resolução de conflitossociais.

Page 43: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

43

Nessa conjectura, agigantou-se aconstitucionalização dos direitos relativos a defesasocial da pessoa humana, isto é, de garantias aosdireitos fundamentais. Segundo Delgado (2012),ocorre a densificação do estuário normativotrabalhista, detentor, a partir desse momento, deautonomia no universo jurídico. À guisa deexemplo, tem-se a Constituição do México (1917),a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador eExplorado, da então República Soviética Russa(1918), a Constituição de Weimar (1919), daAlemanha, e a Carta Del Lavoro (1927), na Itália.Essas constituições colacionaram em seu bojonormas fundamentais para a ascensão da dignidadedo trabalhador.

Como se vê, a mudança de paradigmaprovocada pela constitucionalização dos direitostrabalhistas impõe ao Estado uma nova forma deorganizar o capitalismo, preconizando não apenaso pleno emprego e a igualdade, senão a assistênciasocial, saúde, educação, etc., “revelando umatransição das liberdades formais abstratas para asliberdades materiais concretas.” (SARLET, 2012,p. 57).

Conforme ensina Cavalcanti (2008) auniversalização dos direitos sociais se deu após aSegunda Guerra Mundial. A partir desse marco, oDireito do Trabalho se internacionalizou,transbordando das relações internas dos Estadospara alcançar as questões concernentes ao Estadode Bem-Estar em âmbito extracontinental. Com aDeclaração da Filadélfia, de 1944, o campo deatuação da OIT se ampliou, e as normas protetivasse irradiaram por todos os demais tratados eDeclarações internacionais de Direitos Humanos.O Direito do Trabalho do pós-guerra trouxe aautonomia das forças sociais como meio deresolução dos conflitos de interesses, o queiluminou os anseios pela distribuição da riquezaproporcionada pelo capitalismo. Como anotaSennett (2012, p. 23), só depois da Segunda Guerraque a desordem do capitalismo foi substituída, ecriaram-se “sindicatos fortes, garantias do estadoassistencialista [...] empresas em grande escalacombinaram-se e produziram uma era de relativaestabilidade.”. Noutras palavras, consagrou-se aliberdade sindical como direito fundamental emâmbito internacional, o que solidificou as relaçõesentre capital e trabalho, cada vez maiscodependentes.

3.3 Crise e Transição

Após a fase histórica de afirmação eaperfeiçoamento do Direito Justrabalhista, chega--se ao momento de sua crise, de questionamentosquanto aos “limites éticos” até então impostos aosistema capitalista.

Conforme preleciona Roesler (2014), a partirda década de 1970, com a crescente desvalorizaçãodo dólar e os persistentes déficits na balança norte--americana, com a crise do petróleo, guerra noVietnã, acirramento da concorrência internacional,dentre outros fatores, ocorre, paulatinamente, ofenômeno da precarização e do contingenciamentodo valor social atribuído ao trabalho. Nessecontexto, é trazida a celeuma da flexibilização dasnormas e princípios justrabalhistas, encouraçadanos ideais do neoliberalismo.

4 OS NOVOS PARADIGMASTRABALHISTAS ADVINDOS DAMODERNIDADE LÍQUIDA

O ramo juslaborativo se aperfeiçoa com adinamicidade das relações socioculturais, políticase econômicas. Assim, indispensável ao seu estudoa comunicação com outras vertentes do saber paraum entendimento holístico da realidade em queas normas heterônomas e autônomas seflexibilizam. O presente tópico adentrará àfenomenologia do mercado capitalista, naperspectiva sociológica de uma “ModernidadeLíquida”, desvelando os impactos da globalizaçãoe do neoliberalismo frente ao valor social dotrabalho. Após, constatados os pressupostos daliquidez das relações trabalhistas, serão tratadasas implicações do mantra “flexibilidade”, em suasextensões sociais e jurídicas.

4.1 Modernidade Líquida: a Era dasIncertezas

Preleciona o historiador britânico EricHobsbawm que a história do mundo se divide em“eras”. Era das revoluções, do capital, dos impériose dos extremos. Nessa senda, poder-se-ia dizer queo mundo moderno-líquido, esquadrinhado porBauman (2001), repousa-se em uma nova época,iniciada pós-Segunda Guerra e perpetuamente em

Page 44: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

44

construção: a era da incerteza5. Consoante Heller(1999, p. 21) “viver na incerteza é traumático.Viver na incerteza de significados e de valores éainda mais.”. Se antes a poesia da música deBelchior era tenaz em dizer que “ainda somos osmesmos e vivemos como nossos pais”, parafrasearDebord (1997, p. 24) mostra-se mais compatívelcom a realidade, pois “os homens parecem-se maiscom os seus tempos do que com os seus pais.”.Esses tempos líquidos se revelam novos,desconhecidos de muitas maneiras, pelo que sãonecessários maiores apontamentos paracorrelacioná-los às relações trabalhistas.

Em um mundo globalizado, a mudançaperpétua é o único aspecto permanente da vidahodierna. Assim, os constantes revisionismos dasinsuficiências da Modernidade propõem,necessariamente, uma metáfora: ModernidadeLíquida. O estado líquido é um estado da matériano qual a distância entre suas moléculas é capazde se adequar a qualquer meio. Os líquidospossuem a qualidade de ter moléculas arranjadasem poucos diâmetros moleculares, ao contrário dossólidos, que são formados por átomos estruturados,aglomerados, fortemente unidos (BAUMAN,2001). Logo, a fluidez é a “principal metáfora parao estágio presente da era moderna.” (BAUMAN,2001, p. 8). Nesse sentido, observa Lyotard (2015,p. 28) que se segue a “dissolução do vínculo sociale a passagem das coletividades sociais ao estadode uma massa composta de átomos individuaislançados num absurdo movimento browniano.”.

Em uma sociedade fluida “o que conta é otempo, mais do que o espaço que lhes toca ocupar;espaço que, afinal, preenchem apenas por ummomento.” (BAUMAN, 2001, p. 8). O tempo setornou uma arma na conquista do espaço, pois avelocidade de acesso e mobilidade são as molas--mestra do poder e da dominação. Ao passo quena Modernidade Sólida o tempo poderia serignorado, na Modernidade Líquida deixar o tempode fora configura um grave erro (BAUMAN,2001). Nesses tempos líquidos, os entulhos de umavelha ordem são substituídos pela progressivalibertação da economia. As formas tradicionais das

relações de emprego tornam-se episódicas.Bauman (2009, p. 35-36) aduz que:

[...] o ingrediente crucial da mudança é a novamentalidade de “curto prazo” que veiosubstituir a de “longo prazo”. Casamentos“até que a morte nos separe” passaram a seruma raridade: os sócios não esperam maisficar muito tempo na companhia uns dosoutros. De acordo com os últimos cálculos,um jovem norte-americano com um nívelmoderado de educação espera mudar deemprego pelo menos onze vezes durante suavida – e essa expectativa de “mudança deemprego” certamente continuará crescendoantes que a vida laboral da atual geraçãotermine. “Flexibilidade” é o slogan do dia, equando aplicado ao mercado de trabalhosignifica fim do emprego “como oconhecemos”, trabalhar com contratos decurto prazo contratos precários ou semcontratos, cargos sem estabilidade e comcláusula de “até novo aviso”.

Em outras palavras, o trabalhador se encontraem um mundo destinado a contingências,incertezas e imprevisibilidades, e a soluçãofornecida é reinventar-se em um destinoaparentemente irreversível. Obtempera Bauman(2001) que o trabalhador perdeu espaço para oconsumidor, sendo irrelevantes suas aspirações.Eis que os olhares se voltaram para o aumento doprojeto econômico consumista em detrimento dovalor do trabalho humano, perseguido econquistado durante séculos, conformeevidenciado alhures.

Passa-se a análise das conjunturasmacroeconômicas que proporcionam a liquefaçãodas relações justrabalhistas, para, após, indagar--se como adequar as exigências de um mercadoglobal aos limites éticos que patrocinam asegurança das relações trabalhistas.

4.2 Os Pressupostos da Liquefação dasRelações Justrabalhistas: Globalização eNeoliberalismo

É cediço que a era do capitalismo pesadoresta ultrapassada. A velocidade das informações,

5 “A era da incerteza” é título de um livro de John Kenneth Galbraith. O autor disserta sobre a história do pensamento econômi-co, com implicações políticas no âmbito global. As ideias do economista ressoaram em todas as partes do mundo. Como se vê,o nome da obra é bastante atual.

Page 45: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

45

a dinamicidade das relações intersubjetivas, acriação de necessidades “descartáveis”, o consumoexacerbado, à amorfia de tudo o quanto eraduradouro, fazem aflorar uma indagação: até queponto as “estruturas” das relações trabalhistaspoderão ser, assim chamadas? Nesses temposincertos, as “estruturas” supõem outro nome, maisadequado: conexões. A esse particular, pontificaBauman (2007, p. 9) que:

A “sociedade” é cada vez mais vista e tratadacomo uma “rede” em vez de uma “estrutura”(para não falar em uma totalidade sólida): elaé percebida e encarada como uma matriz deconexões e desconexões aleatórias e de umvolume essencialmente infinito depermutações possíveis.

A globalização, encouraçado pela ideologianeoliberal, proporciona mudanças significativas nasociedade, exigindo modificações, flexibilizaçõesdiante da fluidez, liquidez, contrárias à solidez eengessamento das estruturantes das sociedadesantigas (SOUZA; COELHO, 2013). A tecnologiada velocidade redistribuiu a soberania, o poder ea liberdade, em verdadeiro “processo dereestratificação mundial, no qual se constrói umanova hierarquia sociocultural em escalaplanetária.” (BAUMAN, 1999, p. 67).

Em análise acerca das perspectivasglobalizantes, Santos (2001) propõe a existênciade três mundos num só. O primeiro seria o mundotal como fazem vê-lo: a globalização como umafábula. Essa concepção propõe o surgimento deuma “aldeia global”, em que todas as pessoaspossuem acesso à informação. As distâncias nãomais existiriam, pois o mundo está ao alcance dasmãos. Fala-se, até mesmo, na morte do Estado. Osegundo seria o mundo tal como ele é: aglobalização como perversidade. “O desempregocrescente torna-se crônico. A pobreza aumenta eas classes médias perdem em qualidade de vida.O salário médio tende a baixar. A fome e odesabrigo se generalizam em todos oscontinentes.” (SANTOS, 2001, p. 19). Por fim, oterceiro seria o mundo como ele pode ser, isto é,uma outra globalização, imbuída de discursos quereconheçam a emergência de se construir uma novahistória.

Após a Segunda Guerra Mundial, oentrelaçamento das economias em âmbito global

se tornou latente. Decerto que as relaçõeseconômicas capitalistas não se contentariam como dinheiro que produziam. Seria necessária aextensão do poder econômico para além dasfronteiras financeiras, isto é, para as relaçõesculturais, políticas e, sobretudo, sociais. A esserespeito, anota Cavalcanti (2008, p. 107) que:

O modelo que o capitalismo imprimiu nomundo atual colocou como exigência amundialização das finanças, do capital e dosmercados, a adaptação aos processostecnológicos, a desregulamentação daeconomia, e as privatizações de setoresinteiros. Tais exigências fazem com que osindivíduos trabalhem na perspectiva de setornarem mais fortes e melhores, substituindoo princípio de cooperação entre eles ou entregrupos sociais pelo princípio da competição,o que tende a aguçar as contradições sociaise os conflitos internacionais em um ambienteque se caracteriza pela guerra econômicaentre as empresas, nações e blocoseconômicos.

Conforme aduz Roesler (2014, p. 44), “aacirrada competitividade internacional diante dagrande oferta de produtos disponíveis no mercadoglobalizado força uma redução de salários dostrabalhadores e a precarização do trabalho emescala mundial.”. Esses fenômenos conduzem àproclamação do fim da soberania e do Estado,caracterizando, assim, o regime neoliberal. Nessesentido, ao passo em que ocorre a dinamização domercado global, o avanço tecnológico e científico,a criação de “necessidades”, a revoluçãocomunicativa, a substituição do homem pelamáquina, dentre outros fatores, aumenta-se adesintegração social.

A esse horizonte, Bauman (2007, p. 13)elucida que a “globalização negativa, ou seja, umaglobalização seletiva do comércio e do capital, davigilância e da informação, da violência e dasarmas, do crime e do terrorismo [...] é umasociedade aberta aos golpes do destino.”. O ritmoé de desregulamentação econômica e desubstituição da solidariedade social pelaautorresponsabilidade individual (BAUMAN,2007).

Vislumbra-se, assim, a precarização e ocontingenciamento do valor social atribuído aotrabalho. As contratações a termo se tornaram a

Page 46: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

46

regra, fomentando o desemprego estrutural. Asnormas de convivência do casamento entre capitale trabalho estão postas em pauta, e a flexibilidadese revela como a panaceia de todos os problemas.

O destronamento do passado leva àprogressiva libertação da economia neoliberal. Osinvestimentos especulativos promovem acompetitividade através da sistemáticatransnacional que, em relação simbiótica, desnudao neodarwinismo social em um mundofinanceiramente globalizado (PRADO, 1998).Logo, não é viável frear os retrocessos sociaisquando os negócios flutuam para além doespeculado nas bolsas de valores.

Nota-se que os efeitos globalizantes emperspectivas neoliberais transformam a vida dostrabalhadores, verdadeiros protagonistas naampliação do poderio econômico de seusempregadores. Todavia, os obreiros ainda sãoalçados ao papel de coadjuvantes dos seus própriosprojetos de vida. É a modernidade líquida e oflorescimento de suas ambivalências.

4.3 O Regime Flexibilizante

Em aprofundamentos quanto a corrosão docaráter e as consequências pessoais do trabalhono novo capitalismo, Sennett (2012) esmiúça asorigens do regime flexibilizante dos novos tempos.Quanto a origem da palavra “flexibilidade”,pontifica Sennett (2012, p. 53) que:

Seu sentido derivou originalmente da simplesobservação de que, embora a árvore sedobrasse ao vento, seus galhos semprevoltavam à posição normal. “Flexibilidade”designa essa capacidade de ceder e recuperar--se da árvore, o teste e restauração de suaforma. Em termos ideais, o comportamentohumano flexível deve ter a mesma forçatênsil: ser adaptável a circunstânciasvariáveis, mas não quebrado por elas. Asociedade hoje busca meios de destruir osmales da rotina com a criação de instituiçõesmais flexíveis. As práticas de flexibilidade,porém, concentram-se mais nas forças quedobram as pessoas.

As mudanças ocorridas em âmbito globaltornaram as estruturas empresarias complexas. Sãoapresentadas, assim, modernas formas deflexibilidade, sem as quais não seria possível a

produção lucrativa e, por consectário, o exercíciodo poder. Sennett (2012) elenca três elementosprincipais: reinvenção descontínua dasinstituições; especialização flexível de produçãoe concentração de poder sem centralização.

O primeiro consubstancia-se em umareengenharia das operações, isto é, em redução deempregos para mitigação da rotina burocrática dopassado. É preciso fazer mais com menos. AfirmaViana (2016, f. 159) que “para vender, já não bastaproduzir. É preciso produzir barato, para que sepossa vender barato, e ao mesmo tempo descobrir(ou inventar) novos nichos para as ofertas: hojeuma lanterna que fala, amanhã um rádio quepisca.”. Em estudos acerca do mundo globalizado,sindicaliza Viana (2016, f. 157) que:

Como um animal sempre faminto, o sistemacapitalista depende de porções crescentes dealimento. Seu verbo é acumular. Todaempresa quer crescer, dominar o vizinho,controlar o mercado. A concorrência parecebuscar o monopólio. Mas os lucros nascemda mais-valia, diferença entre o que se pagapara que a força-trabalho se reproduza e oque se ganha com a venda do que ela cria. Eessa diferença depende, em boa parte, docontrole da mesma força. Isso implica nãosó reduzir espaços de resistência, como trocar,em grau crescente, o trabalho vivo pelotrabalho morto, ou seja, o homem pelamáquina. Essa lógica não impede, entretanto,que de tempos em tempos afloremcontradições adormecidas. Fala-se, então, emcrise, e embora, na essência, o sistemacontinue o mesmo, mudam as suas estratégiasde domínio.

A velocidade imprimida pelas máquinassubstituiu a necessidade da contratação de muitostrabalhadores. As tarefas rotineiras podem serexecutadas por robôs, “que trabalham no calor,no frio, no claro, no escuro, no ar poluído, emlocais insalubres, dispensando iluminação,refrigeração e purificadores de ar e atuando nosfins-de-semana com o mesmo entusiasmo dos diasúteis.” (PASTORE, José. O dumping da robótica.In: O Jornal da Tarde, 6 abr. 1994, apud FARIA,1995, p. 68).

A lógica microcósmica das empresas sefundamenta na racionalização de seu modusoperandi, reestruturando sua produtividade.Enquanto “enxuta”, mostra-se qualificada para as

Page 47: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

47

disputas no sistema global do capital. Por outrolado, produz uma sociedade de descartáveis, coma precarização e eliminação de postos de trabalho(ANTUNES, 2005). Nesse sentido, Bauman(2001, p. 202) sindicaliza que não há maissegurança nos empregos, pois a qualquer tempoocorre “nova rodada de ‘redução de tamanho’,‘agilização’ e ‘racionalização’, contra mudançaserráticas da demanda do mercado e pressõescaprichosas, mas irresistíveis de ‘competitividade’,‘produtividade’ e ‘eficácia’.”. Assim, conformepreleciona Nogueira (2010), a empresa se tornaoscilante tão como os seus produtos. Ecoam-se,pois, os brados do desemprego estrutural.

O segundo elemento proposto por Sennett(2012) merece destaque, pois em uma sociedadede consumo exacerbado é indispensável ofornecimento de produtos variados. Assim, aespecialização flexível implica um novo processoprodutivo em que “as mutantes demandas domundo externo determinam a estrutura interna dasinstituições.” (SENNETT, 2012, p. 60). Aplica-seà alta tecnologia, com programadores capazes deacompanhar as inovações do mercado para que ostrabalhadores produzam a “nova necessidade” dosconsumidores. O trabalho adquire uma“significação estética”, subvertendo todo oestuário normativo tuitivo, inerente ao ramojustrabalhista.

De acordo com Faria (1995), a lógicaimplementada pela especialização flexível exige trêsníveis simultâneos de trabalhadores, quais sejam:os polivalentes estáveis, dotados de flexibilidadefuncional, com direitos trabalhistas assegurados; osperiféricos de baixa qualificação, contratados edemitidos à conveniência da empresa,representantes da famigerada “flexibilizaçãonumérica”; e os “externos”, aqueles eventuais outemporários, contratados por tarefas, em que a firmatrata como se invisíveis fossem, pois não lheatribuem maiores obrigações jurídicas.

Por fim, o terceiro elemento do regimeflexibilizante consubstancia-se na concentração depoder sem sua centralização. Ensina Sennett(2012) que os novos sistemas de informaçõesproporcionam aos administradores controlesdescentralizados, de maneira que “deixa aindivíduos em qualquer parte da rede pouco espaçopara esconder-se.”. A dominação passa a ser fortee informe.

Nesse ínterim, pontifica Viana (1999, p. 161-162):

Por outro lado, se é verdade que a empresaenxuta exige de cada empregado um certoespírito de iniciativa e vai suprimindo, emprogressão crescente, vários níveishierárquicos, não menos certo é que o própriomodo de produzir acentua a taxa dedominação. [...] a visibilidade deve serperfeita, como num tubo de cristal. Ao mesmotempo, procura-se fazer com que otrabalhador se tome censor dos colegas e atéde si próprio – utilizando-se de váriasestratégias, como o salário-produção, osprêmios, os encontros de fins de semana, aassistência psicológica, os apelos emocionais.E também nesse sentido, de envolver ohomem inteiro – músculos, cérebro, coração– que a qualidade deve ser total.

Em síntese, os elementos do regimeflexibilizante (reinvenção descontínua dasinstituições; especialização flexível; concentraçãosem centralização) implicam na corrosão do valorpessoal e social atribuído ao trabalho. Aslimitações deste tempo da flexibilidade geramdesordem e conduzem a uma “liberdade enganosa”(SENNET, 2012). Nesse passo, conforme sublinhaBauman (2001, p. 204), “a política de‘precarização’ conduzida pelos operadores dosmercados de trabalho acaba sendo apoiada ereforçada pelas políticas de vida, sejam elasadotadas deliberadamente ou apenas por falta dealternativas.”. O resultado é a decomposição doslaços humanos oriundos das relações de trabalho.Nesse toar, afirma Bauman (2001, p. 175) que:

Despido de seus adereços escatológicos earrancado de suas raízes metafísicas, otrabalho perdeu a centralidade que se lheatribuía na galáxia dos valores dominantesna era da modernidade sólida e do capitalismopesado. O trabalho não pode mais oferecer oeixo seguro em torno do qual envolver e fixarautodefinições, identidades e projetos devida. Nem pode ser concebido com facilidadecomo fundamento ético da sociedade, oucomo eixo ético da vida individual.

Nessa linha de intelecção, Nogueira (2010,p. 9.067) assevera que “os contratos temporáriosganharam força com as exigências transitórias domercado de grande circulação de mercadoriasdescartáveis. Frente a produtos descartáveis, mão

Page 48: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

48

de obra também descartável.”. No próximo tópico,serão demonstradas as consequências jurídicasdecorrentes das mudanças perpétuas daflexibilização das relações juslaborativas.

4.4 Flexibilização das NormasJustrabalhistas: Propósitos Declarados eOcultos

A precarização e contingenciamento do valoratribuído ao trabalho na sociedade contemporâneafortaleceram a flexibilização desenfreada dasnormas trabalhistas, o que promove os contratos atermo, a prazo determinado. No entanto, essaideologia não condiz com a função não-eventuale protetiva do direito do trabalho.

Conforme anota Sennett (2012, p. 10), “hojese usa a flexibilidade como outra maneira delevantar a maldição da opressão do capitalismo.”.Deste modo, são atacadas as formas rígidas deburocracia para que a atividade laborativa sejamais ágil, aberta a transformações a curto prazo,apta à riscos contínuos, cada vez menosdependente de leis e procedimentos formais(SENETT, 2012).

Preleciona Faria (1995, p. 55) “que é por essemotivo que as decisões vinculadas do direitopositivo já não penetrariam mais de maneiraimediata, automática e plenamente eficaz naessência do sistema econômico.”. A racionalidadematerial do sistema capitalista revela-seincompatível com a racionalidade lógico formaldo direito (FARIA, 1995). Logo, com normasjurídicas rígidas, não há que se falar em adequação,quiçá eficiência para com a fenomenologia domercado mundial.

Nessa busca por aperfeiçoamento,argumentam os neoliberais que as legislaçõesprotetivas aos trabalhadores devem se amoldar àsnovas realidades das sociedades ocidentaisindustrializadas, e por isso, devem ser reduzidasas “excessivas” garantias sociais para aumento dospostos de emprego. Em meio a diversas formas deflexibilizar, consequências nefastas já seenraizaram na legislação trabalhista brasileira.Gizam-se as seguintes: criação do contratoprovisório para estímulo a novos empregos – Lei9.601/98; ampliação das hipóteses de terceirizaçãopela Jurisprudência, com relativização desubordinação – Súmula n.º 331 do TST; suspensão

do contrato de trabalho para realização de curso –art. 476-A da Consolidação das Leis do Trabalho(CLT); redução das hipóteses de salário utilidade– art. 458, § 2.º da CLT; redução de percentual doFundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS)para os aprendizes e exclusão das hipótesesprevistas nos arts. 479 e 480 da CLT; dentre váriasoutras.

A perspectiva era que essas adaptações aomercado restabelecessem o pleno emprego, comdesenvolvimento social pari passu com à livreiniciativa de mercado. Resultado: dados doInstituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas(CURY; CAOLI, 2016) informam que odesemprego no Brasil ficou em 10,2% no trimestreapurado em fevereiro de 2016. Esse é o maioríndice desde 2012. Pela primeira vez, a taxa daPesquisa Nacional por Amostra de DomicíliosContínua (Pnad Contínua) atingiu dois dígitos. Apopulação desocupada somou 10,4 milhões depessoas. Esse indicador mostrou vertiginosocrescimento, principalmente na comparação como mesmo período de 2015, quando o contingentesubiu 40%. Como se vê, os números anunciam aineficiência da política de precarização dotrabalho, pois a desocupação alcança patamaresinimagináveis.

Diante de todo o exposto, uma perguntainsiste em aflorar à superfície: nestes temposlíquidos, em que a mudança perpétua é o únicoaspecto permanente das relações trabalhistas,como flexibilizar e garantir os direitos trabalhistasconquistados durante séculos?

4.5 A Flexissegurança à Brasileira

A palavra “flexibilidade” é grito de ordem,pelo que sua aplicação deve prestigiar os efeitosmenos danosos aos trabalhadores. Dentre asmodalidades de flexibilização das relaçõestrabalhistas, a chamada “flexissegurança” conciliaas variantes do mercado à segurança dostrabalhadores contra o desemprego. AsseveraDallegrave Neto (2007) que a flexissegurança seriauma combinação de flexibilidade com segurança.Noutros termos, é uma espécie de terceira via entrea desregulamentação oriunda do modeloneoliberal, de um lado, e a segurança do empregoconquistada através da constitucionalização dosdireitos sociais, de outro.

Page 49: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

49

Pioneiramente versada em países comoDinamarca, Holanda e Suécia, a flexissegurançapreconiza um robusto seguro-desemprego (trade--off) mesclado a uma política de reintegração detrabalho (outplacement). Segundo Cassar (2010),trata-se de uma relação triangular: mercadoflexível pela desregulamentação das regrastrabalhistas; sistemas de indenização generosos eproporcionados por um Estado social; política deativação do mercado de trabalho, com oferta decursos de qualificação e métodos de motivação àprocura de novo emprego.

Contudo, em que pese as pretensõesauspiciosas da flexissegurança como panaceia paraa crise do desemprego, há autores que acreditamque o modelo “é mais do mesmo” problema, e suaaplicação no Brasil deve ser vista com parcimônia.Martins (2009, p. 20) leciona que a flexissegurançaé eficiente na Dinamarca, pois “o sistema édiferente, diz respeito a um país pequeno, combaixo índice de pobreza e grau elevado deeducação da população.”. Ramalho (2009, p. 40)pontifica que “flexissegurança não é a segurançano emprego, mas, essencialmente, a segurança nodesemprego dos trabalhadores.”.

O direito do trabalho deve sobrelevar seusprincípios protetivos no intuito de valorar osanseios da coletividade, evitando a precarização efragmentação das relações de emprego. A partirda conjugação das novas exigências do mercadoà luz da principiologia trabalhista, será possívelvislumbrar o equilíbrio indispensável entre aflexibilidade, a proteção e a indisponibilidade dosdireitos justrabalhistas. Assim, o regimeflexibilizante das normas não pode desvirtuar ocaráter protetivo do Direito do Trabalho, pois éfundamental o caráter de permanência das relaçõestrabalhistas, deixando como exceções ascontratações temporárias, que possuem ainsegurança como maior característica.

Os intentos da flexissegurança tratada nospaíses europeus deve ser parâmetro quanto aseguridade existente em seu bojo. Todavia, não sevislumbram melhoras com a maior rotatividade doempregado ao longo da vida. O Estado deve primarem combater o desemprego crescente, com oresgate do valor social atribuído ao trabalho. Paratanto, salutar uma organização tributária comfincas no aquecimento da economia, isto é, comredução de cargas expressivas de tributos, com o

contingenciamento de altos salários dos PoderesExecutivo, Legislativo e Judiciário, associado aoaumento da qualidade dos empregos, dadistribuição equitativa de renda, de investimentosem universidades que desenvolvam tecnologiaavançada e da especialização dos trabalhadores.

Nesse sentido, a hipótese de uma“flexissegurança” deve se amoldar àscaracterísticas do Brasil, em uma espécie detratamento médico, com diagnósticos precisos eremédios econômicos eficazes. Dessa forma, épossível preservar a saúde das empresas e doscontratos de trabalho, traçando prognósticosprósperos para a sociedade em que a vida estásendo escrita.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

É cediço que as condições de trabalhorefletem diretamente no projeto de vida dostrabalhadores, bem como na regulamentação desuas relações com a complexa fenomenologia dosmercados globais. Na formação do pensamentojurídico-científico há que se levar em conta asregras de todos os gêneros, dentre eles, osociológico. Oportunas, assim, as releituras docontexto social do trabalho esquadrinhadas pelohumanista Zigmunt Bauman, quanto àModernidade Líquida, epicentro da presentepesquisa.

Em meio a um capitalismo “selvagem”, deve--se buscar a compreensão das constantes mudançaslegislativas, apontar críticas e posicionar-se emdefesa dos princípios norteadores do EstadoSocial, pois as necessidades das grandesmultinacionais estão prevalecendo sobre osdireitos dos trabalhadores, pelo que é indubitávelmaiores esclarecimentos dos fenômenoseconômicos que estão diminuindo o valor socialdo trabalho.

Ao adentrar nas vicissitudes do mercadocapitalista, na perspectiva sociológica de umaModernidade Líquida, os operadores do Direitose libertarão da camisa de força invisível que osabraça, tornando-se críticos das mazelas dosistema econômico atual, que aumenta odesemprego, reduz o valor da mão de obra,prospera a desigualdade e multiplica a riqueza depoucos homens, detentores do domínio políticoglobal. É com a força desse sentimento que a

Page 50: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

50

pesquisa procurou desvelar o quanto necessário éa introdução aos pensamentos do humanistaZigmunt Bauman, raciocinando a partir de suadenúncia de tempos líquidos, de consumismoexacerbado, de liquidez das relações de empregoe, sobretudo, da individualização, fatores queacarretam na perda de chances de se construir umprojeto de vida digno e estável.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Ricardo L. O caracol e sua concha:ensaios sobre a nova morfologia do trabalho.São Paulo: Boitempo, 2005.

ARENDT, Hanna. A condição humana.Tradução de Roberto Raposo. 10. ed. Rio deJaneiro: Forense, 2007.

BAUMAN, Zygmunt. Globalização: asconsequências humanas. Tradução de MarcusPenchel. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.

BAUMAN, Zygmunt. A sociedadeindividualizada. Tradução de José Gradel. Riode Janeiro: Zahar, 2009.

BAUMAN, Zygmunt. Capitalismo parasitário.Tradução de Eliana Aguiar. Rio de Janeiro:Zahar, 2010.

BAUMAN, Zygmunt. Legisladores eintérpretes. Tradução de Renato Aguiar. Rio deJaneiro: Zahar, 2010.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida.Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro:Zahar, 2001.

BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos.Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio deJaneiro: Zahar, 2007.

CASSAR, Vólia Bomfim. Princípiostrabalhistas, novas profissões, globalização daeconomia e flexibilização das normastrabalhistas. Rio de Janeiro: Impetus, 2010.

CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão

social: uma crônica do salário. Tradução de IraciD. Poleti. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.

CAVALCANTI, Lygia Maria de Godoy Batista.A flexibilização do direito do trabalho noBrasil: desregulação ou regulação anética domercado? São Paulo: LTr., 2008.

CURY, Anay; CAOLI, Cristiane. Desempregofica em 10,2% e é o maior da série da Pnad, doIBGE. Globo.com, Economia, Rio de Janeiro,20 abr. 2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/04/desemprego-fica-em-102-no-trimestre-encerrado-em-fevereiro.html>.

DALLEGRAVE NETO, José Affonso.Flexissegurança nas relações de trabalho.Disponível em: <http://www.calvo.pro.br/media/file/colaboradores/jose_affonso_dallegrave_neto/jose_dallegrave_neto_flexiseguranca.pdf>.Acesso em: 3 abr. 2016.

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo:comentários sobre a sociedade do espetáculo.Tradução de Estela dos Santos Abreu. Rio deJaneiro: Contraponto, 1997. 4.ª reimpressão.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso dedireito do trabalho. 11. ed. São Paulo: LTr.,2012.

FARIA, José Eduardo. Os novos desafios dajustiça do trabalho. São Paulo: LTr., 1995.

FINCATO, Denise Pires; NASCIMENTO,Carlota Bertoli. Teletrabalho e direitosfundamentais sociais: entre a modernidadesólida e a pós-modernidade líquida. In: RevistaDireitos Fundamentais e Justiça, ano 7, n. 24, p.196-215, jul.-set. 2013.

GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson.Curso de direito do trabalho. 16. ed. rev. e atual.Rio de Janeiro: Forense, 2001.

GRILLO, Guilherme Levien. O conteúdojurídico do valor social do trabalho na

Page 51: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

51

Constituição Federal de 1988. 2012. 152 f.Dissertação (Mestrado em Relações Sociais eNovos Direitos)–Faculdade de Direito,Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012.

HELLER, Agnes. A crise dos paradigmassociais e os desafios para o século XXI. Rio deJaneiro: Contraponto, 1999.

HOBSBAWM, Eric. Ecos da marselhesa: doisséculos revêem a revolução francesa. Traduçãode Maria Celia Paoli. São Paulo: Cia. das Letras,1996.

HOBSBAWM, Eric. Os trabalhadores: estudossobre a história do operariado. Tradução deMarina Leão Teixeira Viriato de Medeiros. 5.ed. São Paulo: Paz e Terra, 2015.

LYOTARD, Jean-François. A condição pós--moderna. Tradução de Ricardo Corrêa Barbosa.16. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 2015.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho.28. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

MARTINS, Sérgio Pinto. Flexibilização dascondições de trabalho. 4. ed. São Paulo: Atlas,2009.

NOGUEIRA, Lilian Katiusca Melo. Asinterfaces da flexibilização trabalhista àbrasileira. In: ENCONTRO NACIONAL DOCONPEDI, XIX., Fortaleza, 9, 10, 11 e 12 jun.2010. Anais... Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3945.pdf>. Acesso em: 25 out. 2015.

PINTO, José Augusto Rodrigues. O trabalhocomo valor. Revista LTr., São Paulo, Ed. LTr., v.12, n. 64, 2000.

PRADO, Maria Noemi Gonçalves do. Na eradas incertezas: perspectivas do diálogo dosfragmentos no resgate da integração –comunicação e educação. Disponível em: <http://www.usp.br/nce/wcp/arq/textos/22.pdf>.Acesso em: 5 abr. 2016.

RAMALHO, Maria do Rosário

Palma. Modernizar o direito do trabalho para oséculo XXI: notas breves sobre o livro verde daComissão Europeia, de 22 de novembro de2006, e sobre os desafios da flexisegurança. In:NAHAS, Thereza Christina. Princípios dedireito e processo do trabalho: questões atuais.Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.

ROSLER, Átila da Rold. Crise econômica,flexibilização e o valor social do trabalho. SãoPaulo: LTr., 2014.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização:do pensamento único à consciência universal. 6.ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dosdireitos fundamentais: uma teoria geral dosdireitos fundamentais na perspectivaconstitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2012.

SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: asconsequências pessoais do trabalho no novocapitalismo. Tradução de Marcos Santarrita. 17.ed. Rio de Janeiro: Record, 2012.

SOUZA, Claudete de; COELHO, ValdireneBonatto Mendonça. Beligerânciacontemporânea: princípios constitucionais,direitos fundamentais e estado democrático dedireito X modernidade líquida e a ameaçadoraflexibilização principiológica. In: Revista doCurso de Direito da Faculdade de Humanidadese Direito da Universidade Metodista de SãoPaulo, São Paulo, v. 10, n. 10, 2013.

VIANA, Márcio Túlio. A proteção social dotrabalhador no mundo globalizado: o direito dotrabalho no limiar do século XXI. Disponívelem: <http://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/viewFile/1145/1078>.Acesso em: 21 jul. 2016.

ZAMBOTTO, Martan Parizzi. Os limites e osriscos da flexibilização das normas trabalhistas.In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 107,dez. 2012. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/abrebanner.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12541&revista_caderno=25>. Acessoem: 21 out. 2015.

Page 52: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

52

Page 53: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

53

RESUMO

O dever de cuidado com os filhos é o dever jurídicoou apenas um dever decorrente do afeto? Osignificado de cuidado no ordenamento jurídicobrasileiro tem alterado alguns paradigmas,inclusive sociais. Na atualidade, o conceito temabarcado o próprio afeto, proteção dos genitores,que são indispensáveis para o desenvolvimento daprole, e o descumprimento desse dever temresultado na aplicação de sanções aos genitores,até mesmo, na perda do poder familiar. Diantedisso, o presente estudo objetiva delinear o valorjurídico do cuidado e as consequências jurídicasdo descumprimento desse dever, mediantepesquisa bibliográfica e jurisprudencial, pretendedemonstrar a convivência como um dever dos paisem relação aos filhos.

Palavras-chave: Dever de Cuidado. AbandonoAfetivo. Danos Morais

THE OBLIGATION COEXISTENCE OFPARENTAL–BRANCH

ABSTRACT

The duty of care with the children is the legal duty,or just a duty from the affection? The meaning ofcare in the Brazilian legal system has changedsome paradigms, including social. Today, theconcept has embraced the affection itself,protection of parents, which are indispensable forthe development of the offspring, and the breachof that duty has resulted in the application ofsanctions to parents, even the loss of family power.Therefore this study aims to outline the legal status

A OBRIGAÇÃO DA CONVIVÊNCIA PATERNO-FILIAL

Marlaine do Carmo Silva Martins1

of care and the legal consequences of the breachof this duty by bibliographic and jurisprudentialresearch, aims to demonstrate the coexistence asa duty of parents to their children.

Keywords : Duty of Care. AbandonmentAffective. Moral damages.

1 INTRODUÇÃO

Quanto à formação e organização dacivilização, o homem buscou proteger seu núcleofamiliar, no modelo patriarcal, regulando a famíliacom plena autoridade, além de lhe ofertaralimentos, proteção e cuidado.

A Constituição da República Federativa doBrasil de 1988 incorporou o dever de cuidadocomo valor jurídico, tendo como fundamento oprincípio da dignidade da pessoa humana. Assim,os pais têm de estabelecer convívio familiar comos filhos, promovendo o desenvolvimento delescom responsabilidade, além das obrigaçõesmateriais, como alimentação, vestimenta,educação e outras necessidades próprias ecompatíveis com a idade.

Apesar de as relações familiares conteremalto grau de subjetividade, a jurisprudência vemtraçando novos rumos para aqueles quedescumprirem para com as obrigações inerentes àsua condição de genitor, e asseguradosconstitucionalmente aos filhos.

Com amparo nos princípios da paternidaderesponsável, afetividade e levando emconsideração que os laços devem ser cultivadosem prol do desenvolvimento físico, psíquico emental das crianças e adolescentes, esse

1 Acadêmica do Sétimo Período do Curso de Direito da Faculdade de Direito Santo Agostinho.

Page 54: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

54

descumprimento do dever pode abalar o plenodesenvolvimento dos filhos, além de ser passívelà fixação de indenização pelo abandono afetivo econduta irresponsável.

O presente trabalho objetiva delinear o valorjurídico do dever de cuidado, e as consequênciasjurídicas da ruptura desse dever mediante pesquisabibliográfica e jurisprudencial, pretendedemonstrar a convivência como um dever dos paisem relação aos filhos, desenvolvido em três itens.

O primeiro item é dedicado ao dever decuidado e ao princípio da paternidade responsável.O segundo, cuida da importância da convivênciafamiliar para que se estabeleçam os vínculosafetivos e sua respectiva consequência paraaqueles que se encontram em plena fase dedesenvolvimento. E o terceiro, aborda o princípioda afetividade e as sanções jurídicas deledecorrentes.

2 DEVER DE CUIDADO E PRINCÍPIO DAPATERNIDADE RESPONSÁVEL

No Direito brasileiro, há inúmeros princípiosque consagram as relações familiares. Um deles éo princípio da proteção integral à criança e aoadolescente, reconhecido como direitofundamental.

A proteção concedida aos menores éconsequência de sua peculiar fase dedesenvolvimento físico e psicológico, nãoprescinde de tratamento especial, por isso sãoreconhecidos como sujeitos de direitos.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei8.069/90, conforme sua base normativa eprincipiológica, resguarda ao menor o direito deque seus genitores atuem de forma responsávelem seu cuidado. É cediço que o poder familiartem como titular do interesse o filho e é o genitoro titular do dever (DIAS, 2013).

Desse modo, direito à vida, à saúde, àalimentação, à educação, ao lazer, àprofissionalização, à cultura, à dignidade, aorespeito, à liberdade e à convivência familiar ecomunitária é um dever dos pais para com osfilhos, como dispõe o artigo 227 da Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88). Esse é o mesmo raciocínio da redação doartigo 229, da mesma Constituição, in verbis “ospais têm o dever de assistir, criar e educar os filhosmenores, e os filhos maiores têm o dever de ajudare amparar os pais na velhice, carência ouenfermidade.”.

Ademais, o Estatuto da Criança eAdolescente acrescenta o dever de cuidado comodireito fundamental que assegura a dignidade parao desenvolvimento saudável, tanto físico quantopsicológico, ipis litteris:

Art. 3.º A criança e o adolescente gozam detodos os direitos fundamentais inerentes àpessoa humana, sem prejuízo da proteçãointegral de que trata esta Lei, assegurando--se-lhes, por lei ou por outros meios, todasas oportunidades e facilidades, a fim de lhesfacultar o desenvolvimento físico, mental,moral, espiritual e social, em condições deliberdade e de dignidade.

No entendimento de Diniz (2013, p. 1.162),o dever dos pais descritos no artigo 1.634, incisosI e II, do Código Civil brasileiro de 2002 (CCB/02) vai além da subsistência dos filhos; incluem odever de colaborar na formação de suapersonalidade. Segundo a autora,

os pais deverão dirigir a criação e educaçãodos filhos menores, proporcionando-lhesmeios para a subsistência e instrução, deacordo com suas posses econômicas econdição social, amoldando suapersonalidade e dando-lhes formal morale intelectual [...] os pais têm o poder-deverde ter os filhos menores em sua companhia eguarda para poder dirigir-lhes a formação,regendo seu comportamento, vigiando-os,uma vez que são civilmente responsáveispelos atos lesivos por eles praticados (DINIZ,2013, p. 1.162).

Vê-se que o que visa a autora em destaque échamar a atenção para o dever dos pais para comos filhos, no sentido de que este dever vai além dotom material. Demonstra que o aspecto relevanteé a importância de estabelecer condiçõesfavoráveis para o desenvolvimento da formaçãomoral e intelectual dos filhos, assim como

Page 55: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

55

condições para melhor adaptação social no futurocom intenção de preservá-los, já que se encontraem estado de fragilidade.

Assevera-se, ainda, que os mencionadosdireitos fundamentais sejam assegurados comprioridade absoluta, e não poderão sofrer qualquerforma de negligência, mesmo que por ação ouomissão, conforme previsão expressa nos arts. 4.ºe 5.º, do Estatuto da Criança e do Adolescente(ECA).

No que se refere ao dever de companhiadescrito no art. 1.589, CCB/02 tem por finalidadeestabelecer vínculos entre pais e filhos, como seobserva no ensinamento de Camargo Neto (2011,p. 23):

Pressupõe, assim, que haja convivência entreambos, para que, conforme o caso, o vínculose estabeleça ou se consolide,gradativamente, e que a criança ou oadolescente possa receber o afeto, a atenção,a vigilância e a influência daquele ou daquelaque não detém sua guarda, de modo aalcançar a plena higidez física, mental,emocional e espiritual, que, como se sabe,depende, entre outros fatores, do contatoe da comunicação recíproca e permanentecom seus dois progenitores.

Destaca-se que o poder familiar decorre dopoder-dever, do cumprimento das obrigaçõesmateriais e morais para com os filhos, preparando--lhes para o convívio social e familiar, nãoadmitindo a omissão e qualquer forma denegligência.

O artigo 7.º da Convenção dos Direitos daCriança, Decreto 99.710/90, dispõe que “a criançaserá registrada imediatamente após seu nascimentoe terá direito, desde o momento em que nasce, aum nome, a uma nacionalidade e, na medida dopossível, a conhecer seus pais e a ser cuidadapor eles.”. Corroborando, ainda, há o teor do artigo22 do ECA ao prever que os pais têm por obrigaçãoo sustento, guarda e educação dos filhos, bemcomo o cumprimento de outras obrigações a elesestabelecidas.

As crianças e adolescentes, protegidas pelasnormas descritas no ECA e com amparo noprincípio da paternidade responsável, implícito no

art. 226, § 7.º da CRFB/88, tem por objetivo queos genitores os guiem de forma responsável paraque cresçam sendo sujeitos da própria vida.

A concepção jurídica é de que os genitorestenham responsabilidade ao exercer seus deverescomo pais e façam iniciar uma relação de laçosbiológicos ou afetivos. Os pais devem propiciarelementos para que os filhos cresçam de formasaudável e desenvolvam sua personalidade, naforma mais íntima do afeto.

3 CONVIVÊNCIA FAMILIAR: DIREITOOU DEVER?

Inicialmente cumpre esclarecer que o serhumano, na maioria das vezes, nasce inserido noseio de uma família, na qual inicia odesenvolvimento da convivência comunitária embusca de realização, da felicidade. Atualmente, afamília assume “estrutura psíquica e que possibilitaao ser humano estabelecer-se como sujeito edesenvolver relações na polis.” (PEREIRA, 1997,p. 35).

Assim, a família é compreendida não maiscom uma visão econômica, mas com o sentido desolidariedade e afetividade com o intuito depromover o desenvolvimento de seus membros(FARIAS; ROSENVALD, 2014).

Paralelo a isso, reconhece-se que a garantiada convivência familiar, que tem por intuito ofortalecimento dos vínculos na família natural,devendo ser construída no afeto. Dias (2013, p. 73)enfatiza que “os laços de afeto e de solidariedadederivam da convivência familiar.”. Assim, o direitode convivência é assegurado entre pais e filhos, demanter contato com o qual não convive diariamente,com o fim de reforçar os vínculos paterno-filial.Trata-se de direito da personalidade, necessidadede cultivar o afeto (DIAS, 2013).

Enfatiza ainda a autora que o direito e deverde convivência deve ser respeitado inclusive naguarda unilateral, apesar de a guardacompartilhada ser a regra. O consenso entre osgenitores é fundamental para propiciar ao filho:afeto e valores decorrentes da convivência comambos os genitores.

Page 56: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

56

Na visão de Farias e Rosenvald (2014, p.148), a função social das famílias é a sua integraçãosocial e boa convivência, além da dignificação deseus membros através de laços de afetividade,dignidade de todos.

Para Dias (2013), a convivência entre pais efilhos não é somente um direito, mas um dever dogenitor. E, complementa:

O conceito atual de família, centrado no afetocomo elemento agregador, exige dos pais odever de criar e educar os filhos sem lhesomitir o carinho necessário para a formaçãoplena de sua personalidade. A grandeevolução das ciências que estudam opsiquismo humano veio a escancarar adecisiva influência do contexto familiar parao desenvolvimento sadio de pessoas emformação (DIAS, 2013, p. 469).

O sentimento de dor e de abandono é capazde deixar sequelas permanentes na vida dosindivíduos, sejam elas psicológicas ou emocionais,merecedoras de reparação. Desse modo, haverá oreconhecimento da obrigação indenizatória pelafalta da convivência e apoio necessário a suaformação, já que a perda do poder familiar, nãobasta, e, às vezes, privilegia o genitor negligente.

A guarda, disciplinada no artigo 1.566, incisoIV, do Código Civil brasileiro de 2002, é uminstituto-atributo do poder familiar hábil a gerarvínculo entre as pessoas envolvidas, no caso afamília. Os pais têm o dever de manter consigo acriança para o seu devido cuidado. Além do mais,a guarda dos menores é a regularização daconvivência de fato, logo, contribui para reforçaros vínculos existentes ou criar laços para aquelesque ainda não os tem.

Além da guarda, verifica-se a imposição devisitas ao genitor não detentor da guarda unilateralpara que não perca a convivência com o filho epossa auxiliar no seu saudável desenvolvimento,seja físico ou emocional. O bem-estar e a proteçãodas crianças devem ser protegidos conjuntamente,através do convívio, razão pela qual traz segurançae conforto para os filhos.

A habitualidade da visitação do genitor quenão tem a guarda do menor deve ser organizadapra não causar prejuízo à rotina familiar. O genitortem o direito-dever à convivência independente

de ser diária. Daí a necessidade da concordânciade ambos os pais para garantir o convívio com omenor, quando separados. O que se busca é ointeresse essencial da prole, já que é um direitogarantido pela legislação, no artigo art. 1.632 doCódigo Civil (DIAS, 2013).

Maior atenção deve ser concedida aosmenores de dezoito anos, atentando para asnecessidades pessoais a fim de assegurar plenodesenvolvimento. Quando há falha noprocedimento de um dos genitores na criação eoferta de condições para o desenvolvimento dosfilhos, pode ocorrer indenização. Tem aindenização mais efeito de sanção quanto aogenitor omisso do que função compensatória.

No Direito de Família, vem ocorrendoverdadeira e sensível mudança de paradigma,conforme entendimento jurisprudencial a partir doentendimento firmado pela Ministra NancyAndrighi, o qual impôs indenização pelo abandonodo pai em relação ao filho.

Na palestra proferida pelo o Promotor deJustiça Jaques Souto Ferreira, no dia 13 de janeirode 2016, na Clínica Terapêutica Quintino, aondeé realizado tratamento contra drogas, álcool e depsiquiatria na cidade de Patos de Minas-MG,Comarca em que atua na Vara da Infância eJuventude, constatou-se que o perfil dos menoresinfratores nessa Comarca é de 90% (noventa porcento) dos adolescentes e, incide sobre os jovensque não usufruem de estrutura familiar adequadapara seu desenvolvimento.

O perfil comum entre os adolescentes é dosentimento de carência pela falta da devida atençãoe afeto dos pais. Logo, sentem-se rejeitados e,consequentemente, têm comportamento contrárioao que determina a lei. Ressalta que pessoassensíveis são as mais propensas a sofrer com arejeição, motivo pelo qual são instigadas a entrarna criminalidade.

4 PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE ESANÇÕES DELE DECORRENTES

Convém mencionar o princípio daafetividade como princípio assegurador do afetotanto pelos cidadãos quanto pelo Estado, mesmo

Page 57: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

57

não constando expressamente no textoConstitucional. Este princípio traz a igualdadeentre irmãos biológicos e adotivos, assim como odireito à convivência familiar como prioridadeabsoluta da criança, adolescente e jovens (DIAS,2013).

Discorre a autora que a posse do estado defilho nada mais é que do que o reconhecimentojurídico do afeto, com o claro objetivo de garantira felicidade, como um direito a ser alçando. Aafetividade é a nova vertente para explicar asrelações familiares atuais, sendo-lhe atribuídovalor jurídico.

O princípio da afetividade se insere nocontexto do amor, propulsor de todas as relaçõesfamiliares, moldada pelo afeto. “Se o pai nãoalimenta, não dá amor, é previsível a deformaçãoda prole.” (SÃO PAULO, TJSP, 2008). Acrescenta,ao argumento, que “o afastamento, o desamparocom reflexos na constituição de abalo psíquico, éque merecem ser ressarcidos, diante do surgimentode nexo de causalidade” (GAGLIANO;PAMPLONA FILHO, 2013).

No Direito de Família, o objeto não é àvontade, como nos demais ramos do DireitoPrivado e sim o afeto, o amor é uma via de mãodupla na qual os dois sujeitos da relação sãoresponsáveis pelos seus atos e suas escolhas(DIAS, 2013).

Ausências propositadas na vida dos filhostêm repercussões e consequências psíquicas sérias.Não se pode exigir amor, entretanto, os pais devemagir com compromisso e responsabilidade,evitando-se atitudes de negligência, indepen-dentemente se o filho tenha sido planejado ou não.

A sanção para os deveres de pais ouresponsáveis pela criança e adolescente é adestituição do poder familiar, conforme previsãodo artigo 1.638 do CCB/02. Ocorre que para aqueleque não quer ser pai, a referida sanção se tornaum prêmio. O que se busca é o melhor interesseda criança.

Além do mais, quanto à previsão expressados artigos 186 e 927, CCB/02, todo aquele quecometer ato ilícito por omissão ou negligência tema obrigação de reparar.

Novo paradigma vem sendo formado noDireito de Família com a decisão da MinistraNancy Andrighi que afirma que não háimpedimento legal dentro do Direito que impeçaa aplicação da responsabilidade civil. Nesta esteira,foi julgado procedente pela Ministra os danosmorais decorrentes do abandono afetivo pela faltado dever de cuidado, afastou a possibilidade de opátrio poder suprimir ou afastar a indenização.

No entendimento da Ministra não se discuteamar e, sim o dever jurídico de cuidar. “Em suma,amar é faculdade, cuidar é dever.”. O amor fogeaos liames jurídicos, mas o cuidado tem elementosobjetivos que o distingue e possibilita suaverificação e comprovação.

É impossível impor que os pais amem seusfilhos, porém o abandono afetivo é um critérioobjetivo. Desse modo, o descumprimento do deverde educar e conviver são merecedores de tutelacom os devidos cuidados por parte do PoderJudiciário, para não contribuir com aindustrialização dos danos morais.

Assim, a indenização pela falta de convívioé cabível, tendo o condão de papel pedagógico nasrelações familiares. O afeto tem um preço bemmaior no novo entendimento conceitual familiar,“se os pais não conseguem dimensionar anecessidade de amar e conviver com os filhos quenão pediram para nascer, imperioso que a Justiçaimponha coactamente essa obrigação.” (DIAS,2013, p. 472).

Dias (2013, p. 471) diz ainda que:

a lei obriga e responsabiliza os pais no quetoca aos cuidados com os filhos. A ausênciadesses cuidados, o abandono moral, viola aintegridade psicofísica dos filhos, bem comoo princípio da solidariedade familiar. Valoresprotegidos constitucionalmente. Esse tipo deviolação configura dano moral. E quem causadano é obrigado indenizar.

A tutela deste dever merece o referidoamparo legal, já que a falta do vínculo entre pais efilhos pode trazer aos infantes prejuízo em seusaudável desenvolvimento além de outrasconsequências negativas para toda a vida.

Page 58: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

58

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nota-se que os menores na fase dedesenvolvimento necessitam de cuidadosespeciais. O Estado tem o dever de normatizar epromover meios para que os princípios jurídicosinerentes à proteção das crianças e adolescentestenham efetividade.

Os pais têm o dever de prover e amparar aosfilhos de forma material e moral e intelectualpromovendo sua dignidade, conforme explicitadonos vários artigos do arcabouço jurídico queasseguram aos menores a plena e absolutaprioridade. A convivência entre os membros dafamília é para estreitar os vínculos sociais efamiliares, além de ser um direito das crianças. Abase normativa não permite que sejam tratados,em hipótese nenhuma, de forma omissa enegligente. Desse modo, o dever de cuidado entrepais e filhos tem como finalidade fortalecer osvínculos de afeto e colaborar para que seestabeleçam como sujeitos de direito.

Assim, é imperioso o cuidado dos genitorescom a prole. O descumprimento das obrigações aeles impostas pode acarretar o reconhecimentopelo Poder Judiciário da prática do ato ilícito egera consequente reparação através da imposiçãoda necessária indenização.

Verifica-se da análise da decisão da MinistraNancy Andrighi que o ser humano necessita bemmais que meios materiais sua manutenção básicapara o pleno desenvolvimento. Necessita, ainda,de elementos imateriais. O que se resguarda é odever de cuidado. O direito de amar é umafaculdade.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição daRepública Federativa do Brasil. Brasília:Senado, 1988.

BRASIL. Decreto 99.710, de 21 de novembro de1990. Promulga a Convenção sobre os Direitosda Criança. Diário Oficial [da] RepúblicaFederativa do Brasil, Brasília, DF, 22 nov. 1990.

BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990.Dispõe sobre o Estatuto da Criança e doAdolescente e dá outras providências. DiárioOficial [da] República Federativa do Brasil,Brasília, DF, 16 jul. 1990. Retificado no DiárioOficial [da] República Federativa do Brasil,Brasília, DF, 27 set. 1990.

BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002.Institui o Código Civil. Diário Oficial [da]República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11fev. 2002.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n.°1.159.242/SP. 3.ª Turma. Relatora: Min. NancyAndrighi. Julgamento: 24 abr. 2012. DiárioOficial [da] República Federativa do Brasil,Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 10maio 2012.

CAMARGO NETO, Theodureto de Almeida. Aresponsabilidade civil por dano afetivo. In:SILVA, Regina Beatriz Tavares da;CAMARGO NETO, Theodureto de Almeida(Coord.). Grandes temas de direito de família edas sucessões. São Paulo: Saraiva, 2011.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito defamília. 9. ed. rev. atual e ampl. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2013.

DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 17.ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD,Nelson. Curso de direito civil: famílias. v. 6.Salvador: Juspodivm, 2014.

FERREIRA, Jaques Souto. A importância daatenção e afeto do pai para os filhos. MPMGJurídico, Belo Horizonte, Ed. Centro de Estudose Aperfeiçoamento Funcional do MinistérioPúblico do Estado de Minas Gerais, ano II, n. 6,jul.-ago.-set. 2006.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONAFILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:

Page 59: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

59

direito de família: as famílias em perspectivaconstitucional. v. 6. 15. ed. rev. atual. e ampl.São Paulo: Saraiva, 2013.

HAPNER, Adriana Antunes Maciel Aranha et al.O princípio da prevalência da família: apermanência do cuidar. In: OLIVEIRA,Guilherme de; PEREIRA, Tânia da Silva(Coord.). O cuidado como valor jurídico. Rio deJaneiro: Forense, 2008.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito defamília: uma abordagem psicanalítica. Belo

Horizonte: Del Rey, 1997.

PIRES, Thiago José Teixeira. Princípio dapaternidade responsável. Revista Jus Navigandi,Teresina, ano 18, n. 3.586, 26 abr. 2013.Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/24305>. Acesso em: 28 mar. 2016.

SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado deSão Paulo. Apelação 552.574-4/4-00. 8.ª Câmarade Direito Privado. Relator Des. CaetanoLagrasta. Diário Oficial [do] do Estado de SãoPaulo, Diário da Justiça, 17 maio 2008.

Page 60: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

60

Page 61: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

61

RESUMO

O presente artigo objetiva é estabelecer umpanorama histórico do constitucionalismo no Brasil,sob a visão do princípio da separação dospoderes, buscando entender a proeminência doPoder Executivo nas Constituições outorgadas, ouso do pretexto constitucional para legitimarregimes totalitários e a pouca efetividade dasconstituições democráticas. Foi realizada umaanálise crítica da harmonia e independência entreos Poderes ao longo da história constitucionalbrasileira através de estudos realizados nasConstituições brasileiras, observando,especialmente, as relações entre os PoderesLegislativo, Executivo e Judiciário, no intuito dedemonstrar como o modelo tripartite de poder setornou um dogma constitucional, embora nãoaplicado em todo o período histórico. Alémdisso, foi discutido o destaque político e social doPoder Judiciário após a Constituição vigente, bemcomo os riscos que o ativismo judicial podecausar à harmonia e independência entre os poderes.Também foi debatido se isso poderia afetar o EstadoDemocrático de Direito e em que medida o controlejudicial pode interferir no cenário político. Palavras-chave: Harmonia e independência entreos poderes. Constituições brasileiras. PoderesLegislativo, Executivo e Judiciário.

O CONSTITUCIONALISMO NO BRASIL E A SEPARAÇÃO DOS PODERES

Ricardo Oliveira Martins1

Thais Carolina Sousa Guedes2

1 Acadêmico do Terceiro Período do Curso de Direito da Faculdade de Direito Santo Agostinho.2 Acadêmica do Quinto Período do Curso de Direito da Faculdade de Direito Santo Agostinho. Participante do Programa

Especial de Tutoria (PET).

THE CONSTITUTIONALISM IN BRAZILAND THE SEPARATION OF POWERS

ABSTRACT

The aim of this article is to establish a historicaloverview of constitutionalism in Brazil, in the viewof the principle of separation of powers, seekingto understand the prominence of executive powerin the imposed constitutions, the use ofconstitutional pretext to legitimize totalitarianregimes and the little effectiveness of democraticconstitutions. Was accomplished a critical analysisof harmony and independence between the powersalong the Brazilian constitutional history throughstudies conducted in Brazilian constitutions, notingespecially the relationship between the legislative,executive and judicial powers in order todemonstrate how the tripartite model of power itbecame a dogma constitutional, though not appliedto the entire historical period. In addition,discussed the political and social highlight of thejudiciary after the current constitution, and therisks that judicial activism can cause harmony andindependence of powers. It was also debatedwhether this could affect the democratic rule oflaw and to what extent the judicial control caninterfere in the political scenario. Keywords: Harmony and independence ofpowers. Brazilian constitutions. Legislative,Executive and Judicial Powers.

Page 62: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

62

1 INTRODUÇÃO

No decorrer da história, o poder seconsubstancia como a forma ordenadora dasociedade e que se reinventa ao longo das eras.Entender a institucionalização do poder comoforma de o Estado impor regras para um fimsocial só reafirma o ideal de que a sociedadenecessita ser ordenada por um poder político. Estepoder é entendido como superior a todos os outrospoderes sociais, mesmo que para isso sejanecessário que o povo se submeta a determinadaslimitações em nome da ordem e da harmonia doEstado.

A ideia de separação de poderes surge dessanecessidade de ordenação institucional, através dafragmentação do poder político, geralmente em ummodelo tripartite, em funções atribuídas ao próprioEstado. Contudo, segundo a ideia de limitaçãode Montesquieu, o poder deve frear o poder, paraque não ocorra a centralização em um deles.

No Brasil, a teoria foi adotada desde aprimeira Constituição, datada de 25 de março de1824, ainda sob o regime imperial. Desde então,tem-se, gradualmente, ampliado a sua abordagem,proporcionando mais autonomia eindependência para os Poderes. Nesse aspecto, foianalisada a ideia de separação de poderes em todosos textos constitucionais brasileiros, com intuitode realizar um estudo crítico sobre a ideia deseparação de poderes, demonstrando aproeminência, principalmente do Poder Executivo,sob os outros Poderes e o uso do pretextoconstitucional para justificar arbitrariedades eregimes totalitários, como no caso da Constituiçãode 1824.

A discussão se inicia com as definiçõesda ideia de separação de poderes, segue todo ocontexto histórico do constitucionalismo brasileiro(1824 a 1988) e passa pelas importantes mudançasda Constituição vigente, na qual são debatidos osavanços do princípio da separação de poderes, odestaque do Poder Judiciário e as divergênciasentre os doutrinadores sobre o ativismo judicial.

Utilizando de método dedutivo e pesquisasbibliográficas, objetiva-se com presente trabalho

analisar a harmonia e independência entre ospoderes ao longo da história constitucionalbrasileira e como o modelo tripartite de Poder,principalmente a proposta por Montesquieu,tornou-se um dogma constitucional, ainda que nãoaplicado em todo o período histórico.

2 A IDEIA DE SEPARAÇÃO DOS

PODERES

A ideia de separação dos poderes é sugeridaainda na Grécia Antiga, em Aristóteles, já com ummodelo tripartite, conhecidos como PoderDeliberativo, Executivo e Judiciário que atuavamseparadamente como órgãos na decisão do Estado.Já para John Locke (1632-1704) a divisão consistiaem poderes Legislativo, Executivo e Federativo, emque o Legislativo deveria ser considerado um podersupremo, ou seja, superior aos outrosdois retrocitados. Contudo, só na RevoluçãoFrancesa, através de Montesquieu (1689-1755) quea separação de poderes se torna um dogmaconstitucional, fato é que a Declaração dos Direitosdos Homens e dos cidadãos de 1789 a consideravade grande importância para a garantia dos direitosdos homens e da elaboração de umaconstituição (MORAES, 2014).

Quando se tem o poder concentrado em umúnico ente, há uma grande tendência de este setornar arbitrário. A doutrina de separaçãode poderes surge da demanda de fragmentar estepoder, de forma que não necessariamente voltepara a sociedade, mas fracionando-o em funçõesatribuídas ao próprio Estado, como é demonstradoa seguir:

Entretanto, é o temor dos americanos à tiraniado legislativo (já presente em Locke eMontesquieu), manifestado nos artigosfederalistas – na verdade, justificativa ex postfacto da Constituição que ajudaram a elaborar– que inspirou Madison, Hamilton e Jay, emespecial os primeiros, tendo em mira as liçõesde Montesquieu, a alinhavarem a construçãode um modelo de separação dos poderes quemitigasse a supremacia do Poder Legislativo,conferindo maior equilíbrio à relação entreos poderes, objetivando, na realidade, o

Page 63: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

63

fortalecimento do Poder Executivo.Afastando-se, desta forma, do modeloeuropeu que outorgava ao Legislativo papelproeminente (MALDONADO, 2003, folhas6).

O autor Bulos (2014) define o princípio daseparação de poderes e sua relevância para aconstituição atual, da seguinte forma:

Trata-se, pois, de um conceito que tem porbase a ideia de limitação, baseada na fórmulaclássica de Montesquieu segundo a qual opoder deve frear o poder. Resultado:quaisquer tentativas no sentido de instaurarinstâncias hegemônicas de poder padecerãodo vício de inconstitucionalidade, pois oescopo do constituinte foi claro: neutralizar,no âmbito político-jurídico do Estado,qualquer possibilidade de dominaçãoinstitucional por parte dos Poderes daRepública. O pórtico em análise funcionacomo parâmetro de observânciaindispensável à exegese das normasconstitucionais, sendo uma das vigas-mestrasda Constituição de 1988 (BULOS, 2014, p.516).

Neste sentido, a separação de poderes é umsistema que busca o equilíbrio entre a harmoniae independência dos poderes. A garantia deindependência se dá por meio das funçõestípicas e da colaboração de um Poder com ooutro, ou seja, a harmonia, através de suasfunções atípicas, consolidando-se a teoriadefendida por Montesquieu de freios econtrapesos. E, somando-se a isso, os controlesrecíprocos – cooperação, consentimento,fiscalização e correção – trazidos de formaesparsa na própria Constituição vigente.

Observa-se que as discussões históricassobre a separação dos Poderes influenciaramgrandemente a sociedade atual, principalmentecom fundamento em Montesquieu, na maneiracomo cada Poder foi dividido e definido.Contudo, segundo Silva (2005), atualmente não seconfigura a rigidez percebida nessas épocas e pormeio de uma nova visão sobre a teoria, seriapreferível falar em colaboração de Poderes.

3 UM PANORAMA HISTÓRICO DOCONSTITUCIONALISMO NO BRASIL

No Brasil dos anos de 1820,devido à influência do constitucionalismoinstaurado em outros países e as grandes pressõessociais do recém e frágil Império brasileiro, éoutorgada a primeira Constituição, a “ConstituiçãoPolitica do Imperio do Brazil”3. A Constituiçãofoi considerada liberal para a época e traziaimportantes inovações, como a liberdade de culto ede imprensa. A separação dos Poderes também foiadotada, porém com mais um Poder além doLegislativo, Executivo e o Judiciário, denominadocomo Poder Moderador.

O art 98 da Constituição de 1824 define afunção do Poder Moderador:

Art. 98. O Poder Moderador é a chave detoda a organisação Politica, e é delegadoprivativamente ao Imperador, como ChefeSupremo da Nação, e seu PrimeiroRepresentante, para que incessantemente velesobre a manutenção da Independencia,equilibrio, e harmonia dos maisPoderes Politicos.

Pode-se observar que o Poder Moderador, nafigura do Imperador, garantiria a independência,equilíbrio e harmonia entre os poderes. O ChefeSupremo da Nação seria o representante doPoder Executivo e do Moderador, que lheasseguravam o controle dos demais poderese proteção constitucional sobre quaisquer atos,principalmente quando é observado o art. 99 quetraz a pessoa do monarca como inviolável esagrada, não estando sujeito a responsabilidadenenhuma.

O Imperador poderia, ainda, dentre outrasfunções, segundo o art. 101, nomear e demitirlivremente os Ministros do Estado, dissolver aCâmara dos Deputados e convocar novas eleiçõesparlamentares, ou seja, todos os outros poderesestavam submetidos à sua vontade, no pretextode garantir a harmonia entre eles. Contudo, o quese configurava era um modelo limitado dos

3 Optou-se, nesta citação direta, pela ortografia da época da publicação.

Page 64: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

64

Poderes, devido à força impositiva do PoderModerador e do Executivo, que, por vezes, nãorepresentava a vontade do povo, mas unicamentea do seu primeiro representante.

Após a Proclamação da República em 1889,principalmente devido ao desgaste do sistemamonárquico de governo e à forte influência dopresidencialismo norte-americano, em 24 defevereiro de 1891 é promulgada a “Constituiçãoda República dos Estados Unidos do Brasil”.

A primeira Constituição republicana do paístrazia inovações importantes para o ordenamentojurídico nacional. Sobre esse aspecto, faz-serelevante as seguintes ponderações:

A Constituição de 1891 criou a JustiçaFederal, ao lado da Estadual, situandoo Supremo Tribunal Federal no ápice doPoder Judiciário. Ao STF cabia, além decompetências originárias, julgar recursos dedecisões de juízes e tribunais federais erecursos contra decisões da Justiça estadualque questionassem a validade ou a aplicaçãode lei federal. Também lhe foi atribuídacompetência recursal para os processos emque atos estaduais fossem confrontados coma Constituição Federal. Os juízes não maispoderiam ser suspensos por ato do Executivo,tendo-lhes sido asseguradas a vitaliciedade ea irredutibilidade de vencimentos. [...] Asantigas Províncias passaram a ser chamadasde Estados-membros, e a elas se reconheceucompetência para se regerem porconstituições próprias, respeitados, sob penade intervenção federal, osprincípios constitucionais daUnião (MENDES; BRANCO, 2015, p. 99).

Sobre a divisão dos Poderes, a Constituiçãode 1891 retira o Poder Moderador e mantém aforma tripartite (Legislativo, Executivo eJudiciário), como pode ser observado no art. 15da referida Constituição:

Art. 15. São órgãos da soberania nacional oPoder Legislativo, o Executivo e o Judiciário,harmônicos e independentes entre si.

Apesar das importantes medidas elencadasna Constituição 1891, as sucessivas crises políticase econômicas enfrentadas na época dão aberturaao que ficou conhecida como a “Revolução de

1930” e, como consequência, é promulgada em 16de julho de 1934 uma nova Constituição.

A Constituição de 1934 decide manter aseparação de Poderes da Constituição anterior,todavia, com algumas alterações em seu texto:

Art. 3.º São órgãos da soberania nacional,dentro dos limites constitucionais, os PoderesLegislativo, Executivo e Judiciário,independentes e coordenados entre si.

Sobre o tema, há as seguintes explicações:

Ao mesmo tempo em que a Carta de 1934retirou do Senado a iniciativa ampla emmatéria legislativa (art. 91, I,VII), reservando-a à Câmara dos Deputados,destinou-lhe competências importantesrelativas aos assuntos de interesse dosEstados-membros (alíneas “b”, “c” e “d”, doart. 90), conferindo-lhe, ainda, a supremaciapara exercitar o sistema de freios econtrapesos (arts. 90, “a” a “d”, 91, II37, III,IV38 e VII39) (MALDONADO, 2003, folhas11).

A Constituição de 1934 não vigorou por

muito tempo e já sob a presidência de GetúlioVargas, após um golpe de Estado, é outorgada aConstituição de 1937. Assim como observado porMendes e Branco (2015), tal Constituição sofreuinfluência da Constituição polonesa ditatorial de1935 e tinha como característica o fortalecimentodo Poder Executivo.

O ponto de destaque da Constituição de 1937está na figura do Presidente da República como“autoridade suprema do Estado”, sobrepondo-seaos outros dois Poderes, podendo até dissolver aCâmara dos Deputados em determinados casos(art. 75, alínea “b”), o que remete novamente aomodelo imperialista.

As casas legislativas foram dissolvidas e oparlamento não funcionou no regimeditatorial, desempenhando o Presidente daRepública, por si só, todas as atribuições doLegislativo, inclusive a de desautorizar adeclaração de inconstitucionalidade de leipelo STF. Com isso, tornaram-se irrisórios osjuízos de inconstitucionalidade que oTribunal se animasse a formular sobre atosnormativos do Presidente da República(MENDES; BRANCO, 2015, p. 100).

Page 65: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

65

Com o fim da ditadura de Vargas e de voltaao regime democrático é promulgada aConstituição de 1946, marcada pela tentativa deredemocratização e de reconstitucionalização dopaís.

Como é observado pelo autor Maldonado(2003), importantes avanços foram implementadosao princípio da separação dos Poderes, expressosno art. 36 da referida Constituição, que inauguraa técnica de redação utilizada nas Constituiçõesposteriores, retirando o termo “coordenação” daConstituição de 1934 e implementando o termo“harmonia”, usado em Constituições anteriores.

Bulos (2014) faz ressalvas sobre aConstituição de 1946, principalmente sobre suaextensão e sua efetividade. Para Bulos (2014),apesar de ter sido restaurado o regime democrático,não correspondia, inteiramente, às exigências easpirações de seu tempo.

Em 1964, as Forças Armadas tomam o poderatravés de mudanças na Constituição de 1946. Emdecorrência disso, é promulgada em 1967 a“Constituição do Brasil” e em 1969 é imposta aEmenda Constitucional n. 1, consideradapor alguns doutrinadores como uma NovaConstituição.

A Constituição de 1967 priorizava garantira segurança nacional e tinha um viés centralizador,principalmente no Poder Executivo. A referidaConstituição não trouxe grandes alterações àseparação de Poderes, com exceção da volta doPoder Executivo em legislar, através de Decreto--Lei.

Por fim, o enfraquecimento do regime militarabre espaço para a promulgação da Constituiçãode 1988, que tem como destaque aredemocratização e os direitos individuais esociais.

A Constituição de 1988 não traz mudançasno princípio de separação dos poderes, contudo,vale pontuar as seguintes considerações:

A despeito, entretanto, da excessivaparticipação do Poder Executivo no processolegislativo, inclusive com a possibilidade daedição de medidas provisórias peloPresidente da República, com força de lei, etambém da concentração exagerada de

matérias reservadas ao legislador federal,por força da repartição vertical (entre União,Estados e Municípios) decompetências, adotadas pelo constituinte de88, a limitação do poder no Brasilexperimentou uma importante evolução, emespecial com o reforço do papel do PoderJudiciário e do Ministério Público na tutelados interesses coletivos e difusos, da tarefade defesa da ordem jurídica, do regimedemocrático e dos interesses sociais eindividuais indisponíveis (art.127, C.F.) (MALDONADO, 2003, folhas15).

Diferentemente do que foi observado em

outros períodos, é evidente a maior autonomia dosPoderes, a ausência de um Poder superiorsuprimindo os demais Poderes e a ideia deharmonia consideravelmente mais presente naConstituição de 1988.

4 OS CONFLITOS POLÍTICOS E A

HARMONIA ENTRE OS PODERES

Através do contexto histórico aquiapresentado é possível pontuar divergências nadefesa da Teoria da Separação dos Poderes aolongo do constitucionalismo no Brasil, que porvezes foi utilizada apenas como instrumentodoutrinário.

A Constituição de 1824 tinha o PoderModerador como responsável pela harmonia entreos Poderes e era o próprio Imperador querespondia pelo Poder Executivo e pelo PoderModerador. Nesse aspecto,

Não cuidou, pois, a Constituição do Impériode separar os Poderes, mas antes de unificá--los, não só pela reunião, na pessoa domonarca, de dois poderes (o Executivo e oModerador), como ainda no relevoextraordinário que deu ao Poder Moderador(LEAL, 1946, folhas 1).

Ainda que a separação de Poderes

estivesse presente na Constituição do Império, asua aplicação inexistia, tendo em vista que setratava de um modelo unitário de poder, nãoexistindo, portanto, nem harmonia, independênciae tão pouco a limitação de Poder.

Page 66: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

66

Embora o assunto comporte maioresexplanações, parece desnecessário insistir nademonstração de que, no Império, a divisãode poderes não passava de um mero princípiodoutrinário. Não teve equivalência, nem naprática política, nem nas aplicações que delepretendeu fazer o próprio textoconstitucional (LEAL, 1946, folhas 2).

Já na Constituição de 1937, outorgada por

Getúlio Vargas, e na Constituição de 1967, sob oRegime Militar, os problemas na aplicação daseparação de Poderes são devidos ao modelototalitário, que também tem seu centro no PoderExecutivo e não atende aos direitosfundamentais. Sobre isso, Moraes (2014) afirmaque existe uma estreita interligação constitucionalentre a defesa da separação de poderes e dosdireitos fundamentais para existência de um EstadoDemocrático de Direito e ressalta queos órgãos exercentes das funções estatais, paraserem independentes, conseguindo frear uns aosoutros, com verdadeiros controles recíprocos,necessitavam de certas garantias e prerrogativasconstitucionais.

Se a harmonia entre os Poderes, bem comosuas prerrogativas constitucionais não sãoobservadas e isso incorra em prevalência em umdos Poderes, não se pode dizer em um EstadoDemocrático de Direito.

[...] O legislador constituinte previu diversasimunidades e garantias para os exercentes defunções estatais relacionadas com a defesados direitos fundamentais e gerência dosnegócios do Estado, definindo-as noscapítulos respectivos dos Poderes Legislativo,Executivo e Judiciário e, também, daInstituição do Ministério Público. E taisgarantias são invioláveis e impostergáveis,sob pena de ocorrer desequilíbrio entre elese desestabilização do governo. E, quando odesequilíbrio agiganta o Executivo, instala--se o despotismo, a ditadura, desaguando nopróprio arbítrio, como afirmava Montesquieuao analisar a necessidade da existência deimunidades e prerrogativas para o bomexercício das funções do Estado (MORAES,2014, p. 426).

Uma provável consolidação da harmonização

e independência dos poderes é observada

na Constituição de 1988 que adotou o princípio daseparação de Poderes (art. 2.º) e define o Brasilcomo República e Estado Democrático deDireito (art. 1.º). Além disso, Moraes(2014) considera que o objetivo da ConstituiçãoFederal de 1988 foi, através da divisão de funçõesdo Estado em Poderes Legislativo, Executivo eJudiciário, a defesa do regime democrático, dosdireitos fundamentais e da própria separaçãodos Poderes.

Em contrapartida, o que se discuteatualmente é o destaque social e político do PoderJudiciário, que alguns autores têm entendidocomo ativismo judicial. Moraes (2014) explica asprincipais razões para a proeminência do PoderJudiciário:

No Brasil, a partir do fortalecimento do PoderJudiciário e da Jurisdição Constitucional pelaConstituição de 1988, principalmente peloscomplexos mecanismos de controle deconstitucionalidade e pelo vigor dos efeitosde suas decisões, em especial os efeitos ergaomnes e vinculantes, somados à inércia dosPoderes Políticos em efetivar totalmente asnormas constitucionais, vem permitindo quenovas técnicas interpretativas ampliem aatuação jurisdicional em assuntostradicionalmente de alçadas dos PoderesLegislativo e Executivo (MORAES, 2014, p.789).

Bulos (2014) define ativismo judicial como oato em que os juízes criam pautas legislativas decomportamento, como se fossem os própriosmembros do Poder Legislativo e o considera comoum perigoso veículo de fraude constitucional e deviolação do princípio da separação de Poderes.

Já Mendes e Branco (2015) argumentamque apesar de o Supremo Tribunal Federal alternarmomentos de maior ou menor ativismo judicial, oPoder Judiciário não pode ser omisso asdiscricionariedades das medidas políticas queviolem direitos assegurados pela Constituição.

Apesar de que, muitas vezes, é tarefademasiado complicada precisar os limites queseparam uma questão política de outra denatureza jurídica ou não política, tal fato nãodeve servir de subterfúgio para que o PoderJudiciário se abstenha do cumprimento de seu

Page 67: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

67

dever constitucional na defesa dos direitosfundamentais (MENDES; BRANCO, 2015,p. 593).

É importante ressaltar que o modelo adotadono Brasil ainda está em construção e correçõesdevem ser feitas, porém a discussão sobre essanova abordagem é muito recente, diferentementede outros países de democracias já sólidas eamadurecidas.

O bom-senso entre a ”passividade judicial” eo “pragmatismo jurídico”, entre o “respeitoà tradicional formulação das regras de freiose contrapesos da Separação de Poderes” e “anecessidade de garantir às normasconstitucionais a máxima efetividade” deveguiar o Poder Judiciário, e, em especial, oSupremo Tribunal Federal na aplicaçãodo ativismo judicial, com a apresentação demetodologia interpretativa clara efundamentada, de maneira a balizar oexcessivo subjetivismo, permitindo a análisecrítica da opção tomada, com odesenvolvimento de técnicas deautocontenção judicial, principalmente,afastando sua aplicação em questõesestritamente políticas, e, basicamente, com autilização minimalista desse métododecisório, ou seja, somente interferindoexcepcionalmente de forma ativista, mediantea gravidade de casos concretos colocados eem defesa da supremacia dos DireitosFundamentais (MORAES, 2014, p. 791).

A defesa da democracia se faz necessária,

preservando principalmente as vertentes daseparação dos Poderes, ainda que isso demandetempo e amadurecimento institucional.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A prevalência do Poder Executivo na históriapolítica do Brasil é inequívoca e essa característicaafeta o atual sistema político, na qual apreocupação na escolha do chefe do Executivo émuitas vezes maior que com a escolha dos quecompõe o Poder Legislativo. Ideologia esta quepassa também sobre o Poder Judiciário, que sobreo pretexto de controle judicial, exerce forteinfluência no cenário político, podendo causarsérios prejuízos à harmonia e à independência dosPoderes.

Apesar da ideia de tripartição de Poder estarpresente desde a primeira Constituição nacional,a sua efetividade se vê mais presente naConstituição atual, sendo que discussões sobreativismo judicial só foram possíveis através daharmonização dos Poderes. É na Constituição atualque a ideia de separação de Poderes, bem como aharmonia e a independência entre eles, mostram--se mais presentes.

Uma questão que deve ser observada dizrespeito à quantidade de Constituições outorgadasno Brasil, o que demonstra o uso daConstituição não como a consolidação da vontadede um povo, mas como um simples objetopolítico, utilizada como instrumento formal paralegitimação de governos impostos. Em outroaspecto estão as Constituições promulgadas quemais parecem transições para os regimesautoritários e que geralmente sentiramdificuldades para serem efetivamente seguidas,como é o caso das Constituições de 1891 e de1946.

Essa discussão é essencial para os futurosoperadores do direito e também para a sociedade,pois é necessário evitar que tais arbitrariedadesafetem a Constituição Federal de 1988,especialmente para que seja preservada ademocracia, o Estado Democrático de Direito e oPrincípio da Separação dos Poderes.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1824). ConstituiçãoPolitica do Imperio do Brazil. Rio de Janeiro,1824. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm>. Acesso em: 8 jul. 2016.

BRASIL. Constituição (1891). Constituição daRepública dos Estados Unidos do Brasil. Rio deJaneiro, 1891. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm>. Acesso em: 8 jul. 2016.

BRASIL. Constituição (1934). Constituição daRepública dos Estados Unidos do Brasil. Rio de

Page 68: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

68

Janeiro, 1934. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao34.htm>. Acesso em: 8 jul. 2016.

BRASIL. Constituição (1937). Constituição dosEstados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, 1937.Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao37.htm>. Acesso em: 8 jul. 2016.

BRASIL. Constituição (1946). Constituição dosEstados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, 1946.Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao46.htm>. Acesso em: 8 jul. 2016.

BRASIL. Constituição (1967). Constituição daRepública Federativa do Brasil. Brasília, 1967.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao67.htm>.Acesso em: 8 jul. 2016.

BRASIL. Constituição (1967). EmendaConstitucional n.1, de 24 de janeiro de1969. Brasília, 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm>. Acesso em: 8 jul. 2016.

BRASIL. Constituição (1998). Constituição da

República Federativa do Brasil. Brasília: SenadoFederal, 1988.

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direitoconstitucional. 8. ed. rev. atual. São Paulo:Saraiva, 2014.

LEAL, Victor Nunes. A divisão dos poderes nodireito constitucional brasileiro. Rio de Janeiro,1946. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/10391/9388>. Acesso em: 8 jul. 2016.

MALDONADO, Maurílio. Separação dospoderes e sistema de freios e contrapesos:desenvolvimento no estado brasileiro. SãoPaulo, 2003. Disponível em: <http://www.al.sp.gov.br/repositorio/bibliotecaDigital/503_arquivo.pdf>. Acesso em: 8 jul. 2016.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, PauloGustavo Gonet. Curso de direito constitucional.10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015.

MORAES, Alexandre de. Direitoconstitucional. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

SILVA, José Afonso da./ Curso de direitoconstitucional positivo. 25. ed. rev. atual. SãoPaulo: Malheiros, 2005.

Page 69: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

69

RESUMO

O presente artigo objetiva analisar a construçãodo ser predominantemente individualista no seiosocial e as reais consequências que têm surgidona sociedade, no indivíduo e para a coletividade.E uma dessas consequências seria, principalmente,a corrupção tão presente não só no âmbito político,como também, em muitas outras vertentes sociais.Como se dão as relações humanas em todo oâmbito social? Estão preocupados com osinteresses coletivos? A modernidade influencia aconstrução do ser humano? Essas são indagaçõesque podem ser levantadas e até mesmo respondidasao analisar a sociedade na sua totalidade. Assim,o presente trabalho buscará abordar inicialmenteas dimensões históricas, culturais e sociais daconstrução do indivíduo, além da evolução dosideais e dos interesses que o ser humano passou apossuir. Novos paradigmas e valores são criadosem prol do sucesso e de resultados individuais.Além disso, o texto levanta uma discussão de umbreve estudo sobre como este indivíduo atuava nasociedade antes e hoje, perpassando peloscontextos históricos destacando elementosessenciais que nortearão uma análise sobre oindividualismo que se faz presente namodernidade, assim como seu impactona educação, nas relações familiares e naconstrução do ser social.

Palavras-chave: Individualismo; modernidade;construção do ser social.

ABSTRACT

This article analyzes the construction of thepredominantly individualistic social sinus and the

A CORRUPÇÃO EMBASADA NO INDIVIDUALISMO SOCIAL BRASILEIRO

Valquíria Gomes de Moura1

1 Acadêmica do sexto Período de Direito da Faculdade de Direito Santo Agostinho.

real consequences that have arisen in society, inthe individual and for the community. And one ofthose consequences would be mainly corruptionas this not only in the political sphere, but also inmany other social aspects. What is the shapehuman relationships in every social context? Areconcerned about the collective interests?Modernity influence the construction of the humanbeing? These are questions that can be raised andeven answered by analyzing society as a whole,thus, this paper aims to initially address thehistorical, cultural and social dimensions of theconstruction of the individual, in addition, theevolution of ideals and interests that man went onto own. New paradigms and values are createdfor the sake of success and individual results. Still,the article posing a discussion with an analysis onhow this individual was acting in society beforeand today, passing by historical contextshighlighting essential elements that will guide ananalysis on the individualism that is present inmodernity as well as their impact on education,family relations and the construction of socialbeing.

Keywords: Individualism; modernity;construction of social being.

1 INTRODUÇÃO

O presente texto objetiva a compreensão e areflexão de como as relações humanas estãodefasadas. Atualmente, a sociedade vive em umconflito de identidade. Ter uma convivência derelações saudáveis é um desafio. Muitas pessoas,no decorrer da sua trajetória, fecham seus olhosou só veem por um anglo, limitando a sua visão

Page 70: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

70

de mundo, e, principalmente, visualizandosomente aquilo que lhes convém.

Há uma cultura da frieza enraizada naspessoas no que diz respeito às relações humanas.Muitas vezes, são indiferentes e individualistas emrelação ao sofrimento familiar, às mazelas sociais.Reagem indiferentes às incapacidades humanas,aos medos alheios. São frias em relação ao maudirecionamento do país, o que tanto atrasa odesenvolvimento social. Um individualismo queconstrói hierarquias e destrói a vivência mútuaentre os seres, que se veem capazes de criar umabarreira entre o que é ser um cidadão e o que é serindivíduo. Quando a pessoa é bem educada econscientizada, torna-se uma cidadã. Casocontrário, pode se transformar em umindividualista que semeia a corrupção e pensasomente no seu “eu”, sobrepõe seus interesses aquaisquer outros de caráter coletivo.

A partir de todo o processo discursivo notexto sobre o tema, será possível perceber como aconstrução da cidadania é tão complexa, porenvolver vários fatores que vão desde a basefamiliar até o mais elevado grau social do serhumano. Complexidades que dificultam oprocesso de desenvolvimento coletivo. Porém,mesmo em uma sociedade tão pluralística, épossível ter uma boa convivência e construir laçose atitudes verdadeiras, que sejam em prol dasociedade construída por reais cidadãos, e não, deindividualistas. Para isso, é necessário que seabram os olhos para enxergar o outro, compreendê--lo e valorizá-lo interiormente. Não apenas o queele representa materialmente.

2 FUNDAMENTO HISTÓRICO DACULTURA INDIVIDUALISTA

Para dar início sobre essa temática históricada cultura individualista, pode-se dizer que teriasurgido a partir do momento em que os indivíduospassaram a voltar para si mesmos. Isso pareceóbvio, mas vai muito além. Em uma dada relaçãosocial em que predominava o coletivismo, arudimentaridade material e cultural, a necessidadede sobreviver enfrentando os desafios da natureza,

e a interdependência entre as pessoas, pensarsomente em si próprio era algo sobrenatural nestasociedade.

Essa mesma sociedade inicialmente coletivae que foi se individualizando foi se expandindo,surgindo demandas, concepções enraizadas,surgindo a necessidade de mudança. Assim, pode--se considerar que o mais ínfimo fruto doindividualismo teria surgido nesse período arcaico,transformada de uma sociedade que era constituídae embasada no coletivismo, quando tudo era detodos, e na qual não existia fronteira entre o “meu”e o “seu”.

Com o individualismo em lugar do coletivo,nasce a propriedade privada. O homem que eratotalmente coletivo, cordial e bom, vislumbra seuolhar para a possibilidade de “ter”, ou seja, possuirpara si o que lhe convém, pensandonumericamente no singular, em si mesmo. A partirdisso, surge a segregação social, econômica e adominação do mais forte sobre o mais fraco, umaconcepção capitalista que dá ênfase aoindividualismo.

No decorrer desse processo histórico, asociedade se transforma. Novos paradigmas sãocriados. A outros foram dada a ênfase especialenquanto outros caíram no desuso. Fatos queocorreram na cultura, nos costumes, nas relaçõesinterpessoais, valores, e, principalmente, narelação Estado-sociedade.

Para melhor entendimento, o conceito deindividualismo pode ser entendido como,

[...] um conceito político, moral e social queexprime a afirmação e a liberdade doindivíduo frente a um grupo, à sociedade ouao Estado. O Homem do renascimentopassou a apoiar a competição e a desenvolveruma crença baseada em que o homem tudopoderia, desde que tivesse vontade, talento ecapacidade de ação individual. Oindividualismo, em princípio, opõe-se a todaforma de autoridade ou controle sobre osindivíduos e coloca-se em oposiçãoao coletivismo, no que concerneà propriedade. O individualista podepermanecer dentro da sociedade e deorganizações que tenham o indivíduo comovalor básico – embora as organizações e associedades, contraditoriamente, carreguem

Page 71: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

71

outros valores, não necessariamenteindividualistas, o que cria um estado depermanente tensão entre o indivíduo e essasinstâncias de vida social.2

Tal conceito tanto dá continuidade ao que ohomem da pré-história havia dado início quantoremete o individualismo para a comparação como existente no fim da Idade Média e início a IdadeModerna, passando pelo Renascimento. Esteúltimo, um movimento artístico, cultural e demudanças de valores, em que o homem se torna ocentro do mundo, sobrepondo até a força do DeusCristão. Um momento em que o homem descobrea sua capacidade, e como essa capacidade podelhe dar poder. E ainda, percebe a valorização dasações humanas, sendo um importante momentoque serviu para enaltecer o ego da burguesia e daclasse artística da época.

É possível identificar as questõesda liberdade e da autonomia, fundamentaispara a emergência do individualismo, jáno humanismo renascentista e, maisclaramente, no racionalismo e no iluminis-mo. É quando se estabelece a diferenciaçãoentre o indivíduo pré-moderno, orientado poruma ordem transcendente, religiosa, e oindivíduo moderno, orientado sobretudo pelarazão e pela vontade. [...] A ideia do homemcomo centro do universo, que usufrui deautonomia do espírito, liberdade da razão eexercício da vontade, é central na passagemdo mundo medieval ao mundo moderno.Assim, o individualismo remonta ao contratosocial e às origens do pensamentodemocrático, com Hobbes, Locke eRousseau, e a rejeição do poder políticolegitimado pelo direito de dinástico, herançaou pela vontade divina. Consolida-se assim aconcepção de indivíduo como um ser uno,livre e responsável por seus próprios atos.Trata-se do cidadão moderno, célula mínimado Estado democrático, que lhe garantecontratualmente direitos e deveres (COSTA,2015).

Como bem explicado acima, o processohistórico do individualismo é muito além da pré--história, do Renascimento ou da simples assertivaque surgiu quando o homem começou a pensarem si mesmo, mas requer um longo processo, que

adentra também ao período do Racionalismo, doIluminismo, da ideia do contrato social quedelimita e muda a relação Estado e sociedade, atéo surgimento do Estado Democrático de Direito.E com essa concepção de Estado, vão surgindodireitos e deveres, anseios e liberdades, nos quaisa razão e a vontade têm um liame com oindividualismo.

3 A SOCIEDADE NA SUA TOTALIDADE

A cada momento que passa a sociedade semoderniza, industrializa, cresce a liberdadeindividual, os costumes e culturas se modificam,a autonomia amplia a perspectiva humana e ohomem se enxerga como onipotente. Porém,vislumbra no olhar um indivíduo diferente daqueleda pré-história, um indivíduo menos coletivista emais individualista, somente verbalizando o “ter”e o “ser”.

Esse é um dos assuntos que tanto afligepessoas comuns, religiosos, sociedades eassociações solidárias, pois a sociedade está cadavez mais se preocupando consigo própria,preocupando com o consumo, a evolução. E assim,as relações ficam cada vez mais superficiais. Ouseja, é o mal da modernidade.

Em muitas situações se ouve que os “paissão o espelho da criança”. Esta frase já foi repetidaalgumas vezes pela maioria das pessoas. A verdadeé que os mínimos detalhes nos comportamentosdos pais são transmitidos aos filhos em umavelocidade assustadora, sem que mesmo seperceba. E isso torna ainda mais indiferente a vidacotidiana, recheada de maus hábitos que tornam asociedade mais individualista ainda. Hoje se vivediante de comportamentos desregrados de muitosfilhos e pais. Pode-se dizer que quase já não existemais a família tradicional, com educação ecomportamentos regrados. Mas, sim, a falta deregras, limites, valores sociais que façam pensarno outro e no ambiente. Como exemplo, o atosimples de jogar o lixo na lixeira, o ato de sair da

2 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Individualismo>. Acesso em: 19 mar. 2015.

Page 72: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

72

mesa do fast food, sair do cinema e recolher seulixo, algo tão comum e que na teoria seria muitoprático, mas diante de como se vive, torna-se muitocomplexo. Os pais não se preocupam em ensinaraos filhos atitudes corretas, que são importantespara o indivíduo e a coletividade, como respeitaro ambiente. Assim, com essa falta de compromisso,os filhos reproduzem ações inconscientes,antissociais. Reproduzem as mesmas atitudes,características sociais irrelevantes, mas que sãoperpetuadas.

Atualmente, presencia-se um estilo deconvivência familiar com os filhos dominandotodos os espaços, todas as atenções estão voltadaspara o interesse da criança ou adolescente, fazendoassim que cresçam individualistas,impossibilitados de lidar com os “nãos” da vida.Os próprios pais incubem seus filhos deimobilidade de escolha e de tomada de decisões,pois tudo é dado de imediato diretamente em suasmãos. Os novos arranjos familiares vão surgindoem meio às tecnologias, à abertura democráticadas relações humanas afetivas, costumesenaltecidos e outros em desuso. Arranjosfamiliares que surgem na sociedade brasileira, naqual o espírito republicano democrata se encontrainerte devido ao comodismo e, principalmente, oespírito individualista que vem perpetuando nasociedade brasileira.

A existência do individualismo pode ser umacaracterística tanto estimulada quanto inibida, poisno respaldo antropológico, os costumes e asnecessidades eram outras. Mas, no decorrer doprocesso evolutivo, muda todo o sistema, muda asociedade. E com isso, nasce a desigualdade, oopressor e oprimido, a pobreza, disparidadeseconômicas e sociais, a corrupção, etc. Este último,devido a tantas ocorrências no Brasil, merecedestaque nesta discussão que será abordado emdetalhes mais adiante. O que se pode notar é queos governantes, legisladores, administradores doEstado brasileiro não se preocupam em discutiras reais necessidades existentes, não se preocupamem pensar no bem de todo povo brasileiro, mas,sim, nos seus próprios interesses.

Durante as campanhas eleitorais, prometem

até o que não está o seu alcance. Com isso, elegem--se. E, a partir de então, só procuram desenvolverindividualmente seus objetivos, deixando pairarsobre a sociedade a miséria, a pobreza, asdesigualdades, a exploração capitalista sob osoprimidos. Enfim, esquecem-se do povo e de suasreais carências.

Segundo Sennett (2009) o capitalismomoderno prega a indiferença, as pessoas não sãovalorizadas, mas, sim, descartáveis quando forconveniente. Muitos se relacionam por umobjetivo econômico, irradiando no pensamentoque não são importantes para os outros e que muitomenos os outros o são para eles. Não há a visão deque a boa vida não se resume em poder comprar ocarro do ano, a casa dos sonhos, o colégio desejadopelos filhos, mas, principalmente, construir laçosde amor verdadeiro. Assim aborda o autor:

“Quem precisa de mim?” é uma questão decaráter que sofre um desafio radical nocapitalismo moderno. O sistema irradiaindiferença. Faz isso em termos dosresultados do esforço humano, como nosmercados em que o vencedor leva tudo, ondehá pouca relação entre risco e recompensa.Irradia indiferença na organização da falta deconfiança, onde não há motivo para se sernecessário. E também na reengenharia dasinstituições, em que as pessoas são tratadascomo descartáveis. Essas práticas, óbvia ebrutalmente reduzem o senso de quecontamos como pessoa, de que somosnecessários aos outros (SANNETT, 2009, p.174).

Além disso, o mundo capitalista exige, demuitos, comportamentos que distanciam aspessoas e individualiza atitudes para obter sucessopessoal. Como bem exposto por Bauman (2007)o mercado promove a competição com objetivoprimordial de obter lucros, uma vez que, ao terprofissionais competitivos ampliará infinitamenteseu capital. Porém, essa competição desfavoreceo crescimento, rebaixa o trabalho, a união emgrupo que se tornaria essencial para odesenvolvimento humano da sociedade como umtodo. Contudo, esse desenvolvimento éimpossibilitando, pois o capitalismo potencializainteresses individuais. Isto porque,

Page 73: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

73

A exposição dos indivíduos aos caprichos dosmercados de mão-de-obra e de mercadoriasinspira e promove a divisão e não a unidade.Incentiva as atitudes competitivas, ao mesmotempo em que rebaixa a colaboração e otrabalho em equipe à condição deestratagemas temporários que precisam sersuspensos ou concluídos no momento em quese esgotarem seus benefícios. A “sociedade”é cada vez mais vista e tratada como uma“rede” em vez de uma “estrutura” (para nãofalar em uma “totalidade sólida”): ela épercebida e encarada como uma matriz deconexões e desconexões aleatórias e de umvolume essencialmente infinito depermutações possíveis (BAUMAN, 2007, p.9).

Vivem-se, atualmente, em um mundo em quea imprensa controla pensamentos, ações e reações,estilos de vida e comportamentos, impondo seudesejo sob a sociedade. Hoje, as famílias já nãose reúnem, já não alimentam à mesa, não dialogam.Cada um parte para seu cantinho individual, emuitas vezes esse cantinho é na frente do televisorou do computador. Os pais já não têm o controlesob os seus filhos, não sabem o que eles fazem nainternet horas e horas. Muitos desses pais estãopreocupados com o relatório do chefe, com aprovável promoção no trabalho ou com a reuniãoimportante de amanhã. E se distanciam dos seusfilhos. Os telejornais controlam o pensamento. Osprogramas mostram uma realidade perfeita quepode ser resolvida por pelos ouvintes. As novelasditam costumes e espalham modas. E, além disso,mostram o amor na sociedade sendo banido. E tudoisso reflete nos comportamentos individualistasdas pessoas na sociedade.

Criam-se assim relações humanassuperficiais. Muitas vezes, as pessoas se usam, masnão se completam ou se valorizam. Famíliasdesunidas, casamentos de aparências, amoressuperficiais. A sociedade individualista só pensaem si mesma, não sendo capaz de pensar no outroe amá-lo. Como é elucidado por Bauman (2004),a sociedade enxerga as relações humanas comoum produto do mercado consumista. Não é capazde ver que a construção do amor sólido deve serembasado em relações sólidas, relações humildes,e, principalmente, o olhar e o coração humildes

para que estejam pronto para construir relaçõesverdadeiras.

E assim é numa cultura consumista como anossa, que favorece o produto pronto parauso imediato, o prazer passageiro, a satisfaçãoinstantânea, resultados que não exijamesforços prolongados, receitas testadas,garantias de seguro total e devolução dodinheiro. A promessa de aprender a arte deamar é a oferta (falsa, enganosa, mas que sedeseja ardentemente que seja verdadeira) deconstruir a “experiência amorosa” àsemelhança de outras mercadorias, quefascinam e seduzem exibindo todas essascaracterísticas e prometem desejo semansiedade, esforço sem suor e resultados semesforço. Sem humildade e coragem não háamor. Essas duas qualidades são exigidas, emescalas enormes e contínuas, quando seingressa numa terra inexplorada e não--mapeada. E é a esse território que o amorconduz ao se instalar entre dois ou mais sereshumanos (BAUMAN, 2004, p.11-12).

Os laços humanos serão duradouros,fortificados à medida que as pessoas se abrem paraestar perto do outro, enxergando-o na sociedade erelacionando mutuamente. E, principalmente,valorizando a si próprio para amar o outro, então,ter-se-á uma sociedade mais unida, solidária emenos individualista.

4 O PREÇO DO INDIVIDUALISMOSOCIAL: A CORRUPÇÃO

A partir das abordagens sobre os contextoshistóricos, a evolução social e o avanço acentuadodo individualismo, é possível agora apresentar asconsequências e os males que esse individualismovem ocasionando na sociedade brasileira.

E como dito inicialmente, uma dessasconsequências seria o mal da corrupção.

Vivem-se em um mundo onde há umacentuado crescimento da desvalorização do serhumano, da violência, da sede de poder, dacriminalidade, da corrupção. Um mundo decompetição letal, no qual sobrevive o mais forte.

Com o desenvolvimento da sociedadecapitalista, o individualismo aumentou fortementedevido à busca de poder, de riqueza, de consumo,

Page 74: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

74

de prazer. Os instintos humanos começaram asuplantar a razão. Estão cada vez mais à flor dapele. Pouco se pensa antes de agir. As atitudes sãomais pela vontade de poder, pelos desejosdesenfreados. E tudo acaba no fato de muitosadultos buscarem satisfazer suas próprias vontadese com isso acabam se tornando corruptos, poisdeixam aflorar plenamente os instintos. E já nãoestão sentindo mais culpados, escondidos que seacham na sociedade cada vez maior edesconhecida pelos seus membros. E, assim, criamtambém sua própria moral, a moral individualista,aquela que diz que se “é bom para mim não importao que o outro pensa”. Ao contrário, portando, doque havia desejado Nietzsche (1998, p. 59) nestetrecho sobre a questão da culpa;

A relação de direito privado entre o devedore seu credor, da qual já falamos longamente,foi mais uma vez, e de maneira historicamentecuriosa e problemática, introduzida numarelação na qual talvez seja, para nós, homensmodernos, algo inteiramente incompre-ensível: na relação entre os vivos e seusantepassados. Na originária comunidadetribal – falo dos primórdios – a geração quevive sempre reconhece para com a anterior, eem especial para com a primeira, fundadorada estirpe, uma obrigação jurídica (e não ummero vínculo de sentimento: seria lícitoinclusive contestar a existência deste últimodurante o mais longo período da espéciehumana). A convicção prevalece de que acomunidade subsiste apenas graças aossacrifícios e às realizações dos antepassados– e de que é preciso lhes pagar isso comsacrifícios e realizações: reconhece-se umadívida [Schuld], que crescepermanentemente, pelo fato de que osantepassados não cessam, em sua sobrevidacomo espíritos poderosos, de conceder àestirpe novas vantagens e adiantamentos apartir de sua força. [...] os ancestrais dasestirpes mais poderosas deverão afinal, porforça da fantasia do temor crescente, assumirproporções gigantescas e desaparecer na trevade uma dimensão divina inquietante einconcebível – o ancestral terminanecessariamente transfigurado em deus.Talvez esteja nisso a origem dos deuses, umaorigem no medo, portanto!...

Assim, o sentimento de culpa teria, segundoNietzsche, nascido a partir do conceito de dívida,

pois através da firmação de algum compromisso,o seu descumprimento ou a não observânciaocasionaria no sentimento de culpa. O trechoaborda que a relação de credor e devedor mostrafacilmente esse preceito da culpa. O nãopagamento da dívida acarreta de umairresponsabilidade de que dependendo poderáconverter em culpa, além de que a produção daculpa, qual seja, o receio do poder dosantepassados, podendo até converter em umaanálise de lealdade para com seus antepassados.A dívida material seria apenas um complementoinserido, mas o que se exalta é notadamente adívida para com os antepassados.

Essa explanação é importante para mostrarque na atualidade a cultura individualista, comoabordada antes, muitas das vezes faz cair por terraa preocupação com o outro, com as culturas, osantepassados, etc.

O político corrupto não se preocupa com asmazelas sociais por não dar a devida importânciapara sociedade. Simplesmente, por apenas querersatisfazer desejos próprios. Não enxergam quecuidar da coletividade seria dar assistência ao todo,seria mudar a realidade de muitos. Mas, essadicotomia não permeia o pensamento de muitosgovernantes, pois está enraizada na cultura doindividualismo a falta da culpa, a falta doressentimento de ter a consciência que a corrupçãoé ilícito e atrasa o desenvolvimento social.

No meio social, para existir a corrupção énecessário que haja o corrupto e o corrompido. Seno sistema em geral, como família, a rua, a escola,as instituições religiosas, enfim, a sociedade, nãopermeassem essas duas figuras, por menor queseja, seria possível que também não existisse ograu maior da corrupção que é realizada pelosgovernantes. A (grande) corrupção é reflexo dospequenos atos que são também corrupção, masque, por serem considerados pequenos, amentalidade social as aceitam. O famoso “jeitinhobrasileiro”, representado aqui pela popularmentefrase “levar vantagem” sobre algo que é ou podeaté ser um bem coletivo, é o mal maior, ainda quese apresentando como de menor potencialofensivo. Sobre o tema, há o trecho seguinte:

Page 75: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

75

No Brasil, o jeitinho está tão impregnado nocotidiano como uma tinta de tingir roupa quejá se tornou comum, alcançando desde ocidadão que busca alguém para lançar seuspontos da carteira de habilitação ou o frentistado posto de gasolina que lhe pergunta o valorque deve colocar na nota fiscal docombustível até empresários e políticos quese tornaram protagonistas do que foiconhecido como “mensalão”. Como épossível observar, o jeitinho brasileiro é aimposição do conveniente sobre o certo. É afilosofia do “se dá certo, é certo”, desde, éclaro, que “dar certo” signifique “resolvermeu problema”, ainda que nãodefinitivamente (REGA, 2015).

Assim, remetem-se a abordagens anteriores,pois se apenas interessa o que é bom pra alguém,não há como pensar que irá se importar com avantagem levada sobre o bem coletivo, com a realconsequência disso para o coletivo.

Porém, os cidadãos brasileiros tambémcultuam esse individualismo exacerbado. Serianecessário existir a consciência de elegergovernantes que se preocupem com o coletivo, quedemonstrem interesses para com o social. Asconsequências de um mau governo, uma máadministração, voltam-se contra a população queo elegeu, como mostra um estudo realizado peloDepartamento de Competitividade eTecnologia (Decomtec) da Federação dasIndústrias do Estado de São Paulo (FIESP). Otrabalho revelou os prejuízos econômicos e sociaisque a corrupção causa ao País. O valor chega a69 bilhões de reais por ano.

As denúncias de corrupção vêm de todos oscantos do país e de todos os setores – públicose privados. Denunciadas em parte pelaimprensa, em parte por setores privadosfiscalizadores, não se havia medido ainda otamanho do rombo e o mais alarmante: oprejuízo que este montante de dinheiro causaem setores fundamentais, como educação,saúde, infraestrutura, habitação e saneamento.O relatório da Fiesp informa que o custo dissochega até R$69 bilhões de reais ao ano.Segundo o levantamento, a renda per capitado País poderia ser de US$9 mil, 15,5% maiselevada que o nível atual.Segundo dados de 2008, a pesquisa apontaque o custo médio anual da corrupção noBrasil representa de 1,38% a 2,3% do Produto

Interno Bruto (PIB), ou seja, gira em tornode R$41,5 bilhões a R$69,1 bilhões (FIESP,2015).

Ou seja, a falta de consciência do cidadãobrasileiro juntamente com a falta de preocupaçãocom o coletivo e, principalmente, a falta da moral,da culpa e do ressentimento que faça frear a faltade escrúpulos do governante corrupto, faz com queo Brasil SEJA enfraquecido economicamente, quesua estrutura seja abalada. Assim, segmentossociais tão importantes são prejudicados como aeducação, a saúde. O preço que se paga pelacorrupção é alto. E quem está pagando caro e sendoprejudicada é a população brasileira.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de tudo que foi exposto, percebe-se anecessidade de uma sociedade mais integrada, comindivíduos e coletividade conscientes.

Somente haverá uma sociedade unida a partirdo momento que se deixar as diferençaseconômicas e sociais de lado, a partir do momentoque se passar a respeitar o indivíduo, o ambienteem toda a sua totalidade. E que o todo perceba aimportância de ter a consciência de se preocuparem agir em favor da sociedade, buscandomelhorias não só para o sucesso individual comotambém o desenvolvimento coletivo. A partir domomento que se tenha a consciência que o aparatoconsumista é passageiro, alienador e destruidor derelações humanas. É importante que o homemdesfaça o pensamento que só o poder econômicoé decisivo na sociedade, que desfaleçam os padrõesdo “ter” e do “ser”. Padrão que só individualiza edistancia as pessoas.

Necessária a mentalidade de que é possívelviver dignamente tendo seu aparato econômicoindividual, mas, principalmente, não se podedeixar que o sistema econômico seja o protagonistadas relações humanas.

Além disso, que o cidadão brasileiroreconheça a dimensão do problema da corrupçãoque pode surgir do seio familiar até o mais altograu de poder. Que reconheça que para extinguirou minimizar o mal da corrupção é preciso que a

Page 76: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

76

população haja como cidadãos de verdade, capazesde derrubar a barreira do individualismo fazendocom que fortifique a relação entre o que é ser umcidadão e o que é ser indivíduo. Vale repetir que oindivíduo, quando é bem educado econscientizado, torna-se um cidadão. Casocontrário, pode se transformar em umindividualista que semeia a corrupção e que seexclui como parte do coletivo com objetivo deconquistar seus interesses. É necessário desfalecero individualismo para pelo menos controlar acorrupção no Brasil.

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre afragilidade dos laços humanos. Tradução deCarlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: JorgeZahar, 2004.

_______. Tempos líquidos. Rio de Janeiro: JorgeZahar, 2007.

COSTA, Fernando Nogueira. Cidadania ecultura. Sobre o individualismo e o liberalismo.

Disponível em: <https://fernandonogueiracosta.wordpress.com/2013/08/04/sobre-o-individualismo-e-o-liberalismo/>.Acesso em: 10 abr. 2015.

FIESP – Federação das Indústrias do Estado deSão Paulo. Departamento de Competitividade eTecnologia. O preço da corrupção no Brasil:valor chega a R$69 bilhões de reais por ano.Disponível em: <http://sindjufemt.jusbrasil.com.br/noticias/2925465/o-preco-da-corrupcao-no-brasil-valor-chega-a-r-69-bilhoes-de-reais-por-ano>. Acesso em: 16abr. 2015.

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Genealogiada moral: uma polêmica. Tradução, notas eposfácio Paulo César de Sousa. São Paulo: Cia.das Letras, 1998.

SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: asconsequências pessoais do trabalho no novocapitalismo. Tradução de Marcos Santarrita. 14.ed. Rio de Janeiro: Record, 2009.

Page 77: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

77

RESUMO

O direito constitucional do salário mínimonacional concedido às pessoas com deficiência noBrasil volta-se aos direitos econômicos, sociais eculturais; portanto, alicerçado na cidadania. Emuma abordagem dedutiva e de procedimentomonográfico, tendo-se como técnicas de pesquisaa revisão de literatura, o exame doutrinário e aanálise de documentos oficiais, este artigointeressa abarcar esse benefício assistencial comodireito social garantido pela Constituição de 1988e analisar dispositivos infraconstitucionais quedesvirtualizam tal direito quando se adequamdeterminadas exigências para que as pessoas comdeficiência tenham acesso ao amparo social.Constata-se que a legislação infraconstitucionalnão suplanta as concepções minimalistas erestritivas. Surge a necessidade de apreciar oprincípio da dignidade humana como balizadorpara garantir o mínimo social constitucionalizadoa estas pessoas.

Palavras-chave: Benefício constitucional.Pessoas com deficiência. Dignidade humana.

DIGNITY OF THE HUMAN PRINCIPLEAPPRECIATION TO ENSURE MINIMUM

SOCIAL CONSTITUTIONAL PEOPLEWITH DISABILITIES

ABSTRACT

The constitutional right of the national minimumsalary granted to people with disabilities in Brazil

APRECIAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA PARA GARANTIR OMÍNIMO SOCIAL CONSTITUCIONALIZADO ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Werley Pereira de Oliveira1

turns to economic, social and cultural rights;therefore, based on citizenship. In a deductive andmonographic procedure approach, taking asresearch techniques literature review, the doctrinalexamination and analysis of official documents,this article encompass this welfare benefit as asocial right guaranteed by the 1988 Constitutionand analyze infraconstitutional devices disfigurethat such right when it suited certain requirementsfor people with disabilities have access to socialprotection. It appears that the infraconstitutionallegislation does not supplant the restrictive andminimalist designs. The need arises for appreciatethe principle of human dignity as base to ensuresocial minimum constitutional these people.

Keywords: Constitutional benefit. People withdisabilities. Human dignity.

1 INTRODUÇÃO

As discussões do fenômeno da desigualdadeforam limitadas pelo paradigma estrutural atépouco antes de 1970. Debatiam a posição demercado e a divisão do trabalho que determinavama estratificação social. Com isso, todos os debatesque estavam fora da dimensão econômica foramativamente ausentados das discussõessociológicas, caracterizando, por assim dizer, aprodução de não-existência das individuações degênero, de raça, de capacitismo, dentre outraspautas da agenda política, social e cultural; o quepor sua vez, silenciava a Sociologia do cotidianoe as experiências sociais de base intersubjetiva dos

1 Mestre em Desenvolvimento Social pela Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Graduando do Curso deDireito da Faculdade de Direito Santo Agostinho.

Page 78: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

78

atores em tentativa de autorrealização na condiçãode sujeito em sociedade.

A partir de 1970, sob a elasticidade doconceito de exclusão social, a face não reconhecidada sociedade, materializada pelos vários tipos deprivações (social, política, econômica e cultural)foi denunciada. Desta forma, fala-se, nestecontexto, de dois tipos de injustiças (desigualdadesocial e exclusão social). Na década de 1990,teóricos empreenderam pela identificação dosconflitos sociais que são justificáveis, numagramática moral, para superação do desrespeito eda injustiça (HONNETH, 2009; FRASER, 2007).

Compreender as discussões acerca dassituações de desigualdades e exclusão enfrentadaspelas pessoas com deficiência requer compreensãoda forma híbrida de hierarquização da integraçãoe da exclusão. Na modernidade, a desigualdadesofrida por estas pessoas aumentousignificativamente com relação ao acesso aomercado de trabalho; ocasionando, desta forma,novas formas de dominação e desigualdades.

Em uma dimensão moral e intersubjetiva dapolítica, a teoria do reconhecimento com os seuspropósitos de reconhecimento recíproco e deredistribuição possibilitam a discussão da questãodas pessoas com deficiência na medida em que adenegação do princípio de autorrealização pessoal(autoconfiança, autorrespeito e autoestima) geraas lutas por reconhecimento; objetivando-se, comestes conflitos, combater a violação e maus-tratos,a privação de direitos e a desvalorização pessoal.Por sua vez, pelo princípio da paridadeparticipativa, a teoria do reconhecimento viabilizaaos movimentos sociais das pessoas comdeficiência condições para subsidiar,empiricamente, as políticas de redistribuição e dereconhecimento, tanto para justificar as lutas porjustiça destas pessoas, quanto para avaliar aspropostas que solucionarão as injustiçasacometidas a elas.

Este artigo objetiva abarcar o Salário MínimoNacional (SMN) destinado às pessoas comdeficiência como direito social garantido pelaConstituição da República Federativa do Brasilde 1988 (CRFB/1988), bem como analisar

dispositivos infraconstitucionais quedesvirtualizam tal direito quando se adaptam adeterminadas exigências para que as pessoas comdeficiência tenham acesso ao SMN, denominadoposteriormente como Benefício de PrestaçãoContinuada (BPC). Para isto, este trabalho foiorganizado em quatro seções. Esta introdução éseguida pela discussão que coloca a questão dadeficiência como propósito da teoria doreconhecimento, alicerçada pelo princípio dadignidade humana. A terceira seção apresenta omínimo social e as pessoas com deficiência noregramento da Assistência Social brasileira. Aúltima seção consiste nas considerações finaisdeste estudo.

2 AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E OPRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA:UMA BUSCA TEÓRICA À SOCIEDADEMAIS JUSTA

O inciso I do artigo 3.º da CRFB/1988fundamenta a construção de uma “sociedade livre,justa e solidária” de modo a “promover o bem detodos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,idade e quaisquer outras formas de discriminação”(inc. IV, art. 3.º da CRFB/1988). Alicerçados peloprincípio da dignidade da pessoa humana,apreende-se, destes fundamentos, que dentre osobjetivos necessários da República Brasileira aliberdade, a justiça e a solidariedade, bem como oprincípio ético em que todos são dignos de igualatendimento por parte do Estado e de seus iguais,apresentam-se como valores que constituem aefetivação da dignidade humana.

A dignidade emana da própria condiçãohumana. Portanto, vale destacar que o princípioda dignidade humana não imagina um direito àdignidade humana, mas ao direito a uma existênciahonesta, apelando ao reconhecimento, ao respeito,à proteção, à promoção e ao desenvolvimento dadignidade. Para Sarlet (2001), há dupla função doprincípio da dignidade humana, a saber: defensivae prestacional. Na primeira, ele remata preceitosque concedem direitos subjetivos de cunhonegativo, isto é, a não violação da dignidade. Na

Page 79: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

79

função prestacional, o princípio comina condutaspositivas, indo ao encontro da proteção e promoçãoda dignidade.

Debater sobre uma sociedade justa,emancipada e livre de formas de exploração,dominação, subordinação cultural e exclusãosocial esteve presente nas discussões acerca dainjustiça econômica com o discurso da igualdade.Em harmonia com esta mentalidade, oenquadramento da deficiência nas ciências sociaisprecisa ser compreendido nas discussões sobre ainjustiça cultural ou simbólica com perspectiva àdiferença.

Pereira (2007) busca a convergência2 entreBhabha e Said para chegar à conclusão de Ghai(2002) que pensa a questão da deficiência a partirdo Sul.

O pós-colonialismo pode desestabilizar astendências totalizantes dos discursosocidentais. [...] [Ele] serve também como umveículo à emancipação, decorrente de suacapacidade de questionar as pretensõesuniversalistas de uma identidade comdeficiência e uma cultura universal dedeficiência (GHAI, 2002, p. 96, apudPEREIRA, 2007, p. 6).

Esta autora inclui as pessoas com deficiênciano sítio do pós-colonialismo para desconstruirteorias totalizantes que o Ocidente produziu sobrea questão da deficiência. Pereira ressalta que estaquestão tem sido abordada sob diferentesperspectivas, tanto pelas sociologias apontadas

acima, quanto pelos estudos sobre a deficiência.O seu esforço, por entender que as diversasperspectivas, não são adversas nem totalitárias.Consiste em demonstrar que o conceito detradução3 proposto por Santos (2002) deve serutilizado para criar uma inteligibilidade dentre asvárias perspectivas de abordagem da deficiênciacomo forma de pensar uma sociedade maisinclusiva e emancipadora. Frisa-se, ainda Pereira,que este autor deixa no exterior de sua análise aquestão da deficiência, focando apenas o racismoe o sexismo, na pós-modernidade, como as duasformas de hierarquização dos eixos dedesigualdade e exclusão.

Por estar de acordo com Anita Ghai4,professora indiana e ativista dos direitos da pessoacom deficiência, Pereira (2007) afirma que amodernidade implantou novas formas de exclusãoe dominação às pessoas com deficiência. ParaGhai, citada por Pereira (2007), a mudança deparadigma no entendimento da deficiência comofenômeno de análises correlacionadas comexclusão, dominação e opressão na sociedade, bemcomo com as teorias emancipatórias que apontamuma sociedade mais livre de formas de opressão,nasceu na década de 60 do século XX com aorigem dos disability studies. Os estudos sobre adeficiência contestaram o modelo médico,questionando o poder da biomedicina e, também,enfocando o social como gerador de incapacidadee fonte essencial de exclusão. A relevância domodelo social se deve ao desenvolvimento teórico

2 Segundo Pereira, na literatura dos estudos pós-colonialistas a questão da deficiência é nula. Para Bhaba (BHABHA, Homi K.The location of culture. London: Routledge, 1994), o pós-colonial tem, por natureza, o terreno do questionamento sobre amodernidade ocidental que, com seus discursos tentam normalizar as forças desiguais e irregulares da representação cultural.Na lista de Bhabha constam mulheres, negros, homossexuais e imigrantes do Terceiro Mundo. Said (SAID, Edward W. Cultureand imperialism. London: Vintage, 1994) defende que um dos principais papéis da teoria pós-colonial está em desocultar oque foi silenciado e dar voz àqueles que nas relações de poder impositivas e desiguais foram apagados. Na lista de Saidaparecem as feministas, os escritores africano-americanos, intelectuais, artistas, entre outros.

3 Santos (2002), diante do problema da extrema fragmentação ou atomização do real e o problema, derivado do primeiro, daimpossibilidade de conferir sentido à transformação social – decorrentes da multiplicação e diversificação das experiênciasdisponíveis e possíveis –, apresenta como alternativa a teoria geral o trabalho de tradução, a saber: “a tradução é o procedimen-to que permite criar inteligibilidade recíproca entre as experiências do mundo, tanto as disponíveis como as possíveis, revela-das pela sociologia das ausências e a sociologia das emergências. Trata-se de um procedimento que não atribui a nenhumconjunto de experiências nem o estatuto de totalidade exclusiva nem o estatuto de parte homogênea. As experiências do mundosão vistas em momentos diferentes do trabalho de tradução como totalidades ou partes e como realidades que se não esgotamnessas totalidades ou partes. Por exemplo, ver o subalterno tanto dentro como fora da relação de subalternidade” (SANTOS,2002, p. 262).

4 GHAI, Anita. Disability in the indian context: post-colonial perspectives. In: CORKER, Mairian; SHAKESPEARE, Tom(Org.). Disability/postmodernity; embodying disability theory. London: Continuum, 2002.

Page 80: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

80

de abordagem da deficiência pelas própriaspessoas com deficiência, assim como à dimensãopolítica que se deu com a politização e aorganização política das pessoas com deficiência.

As narrativas sobre as pessoas comdeficiência demonstram que estes indivíduosseguiram um trajeto de dominação, consoante àevolução das sociedades. Sob a narrativatotalizante do modelo médico5, no contexto damodernidade, estas pessoas foram vistas comotransgressoras e os seus corpos como o lugar quecarecia de ser normalizado. Nesta abordagemmédica, a questão da deficiência não estárelacionada com as estruturas econômicas esociais, mas se focam nos fatores da deficiência,vitimizando as pessoas com deficiência e assentenciando à regularização ou normalização deseus corpos. Contrapondo esta narrativa, Sassaki(1997) refere ao modelo médico de deficiênciaàquele que atribui aos fatores encontrados pelapessoa com deficiência à sua própria condição depossível incapacidade de preencher as condiçõesnecessárias para a participação social. Sendo adeficiência compreendida como um problema doindivíduo, tendo ele próprio que se adequar àsociedade ou passar pelo poder da biomedicina.O modelo social, por sua vez, chama a sociedadea ver que ela cria problemas para as pessoas comdeficiência, causando-lhes desvantagens no sociale econômico.

Para atender ao princípio da dignidade dapessoa humana, é necessário pensar as situaçõesvivenciadas pelas pessoas com deficiência demodo multidisciplinar, examinando os aspectossociais, políticos, econômicos e culturais. Paraalém dos debates de desigualdades e exclusão, quea discussão da integralidade destas pessoasperpasse pelas ideias do reconhecimento recíprocoe da redistribuição; e, desta forma, contribuir àpolítica da redistribuição e do reconhecimentomutuamente.

3 DESVIRTUALIZAÇÃO DO BENEFÍCIOCONSTITUCIONAL PORDISPOSITIVOSINFRACONSTITUCIONAIS

Compreender o Benefício de PrestaçãoContinuada (BPC) como direito social, garantidopela CRFB/1988, requer, minimamente, conhecero lugar das pessoas com deficiência na Lei Magnado país.

No Brasil, o princípio de igualdade foiconsagrado pela CRFB/1988, tanto pela vertenteformal (igualdade perante a lei – direitosgenéricos), quanto pela vertente material(tratamento diferenciado para as situações dedesigualdades), de modo a alinhar asdesigualdades evidenciadas (QUARESMA, 2001;FÁVERO, 2011). Com interesse maior ao viés davertente material, destaca-se a norma deimplementação do princípio da dignidade humanaatravés do Estado que, estabelecendo regras deproteção e promoção dos direitos das pessoas comdeficiência, visem à integração social destaspessoas.

Silva (2003) assinala que o tratamentodesigual na CRFB/1988 existe porque hádesigualdades – social, econômica e cultural. Éjustamente com a busca pela igualdade dascondições desiguais, que se diminuem asimplicações decorrentes das desigualdades notadasempiricamente. Destarte, as pessoas comdeficiência são amparadas pelo tratamento legaldiferenciado, de modo que seja garantida a elas asolidificação real e efetiva do princípio deigualdade.

Diversos dispositivos constitucionais deixamnítido o dever do Estado brasileiro em proteger,promover e integrar as pessoas com deficiência.Quanto à prestação de assistência social, o artigo203 da CRFB/1988 assinala que, independente decontribuição à seguridade social, é obrigação do

5 Pereira (2007) lembra que o modelo trazido pela modernidade e pela biomedicina foi chamado por Nettleton de modelobiomédico e, depois ficou conhecido, conforme Barnes (2003; 2005), como modelo individual.

Page 81: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

81

Estado garantir a promoção da pessoa comdeficiência à vida comunitária por meio dahabilitação e reabilitação, bem como garantir umsalário mínimo de benefício mensal para a pessoacom deficiência que comprove não possuirrecursos para aprovisionar sua própria manutençãoou de tê-la provida por sua família.

Apreende-se deste preceito a relevância daimplementação de um direito social que conferebem estar e redução das desigualdades das pessoascom deficiência, realizando, de certa forma, ajustiça social.

Com base nisto, pode-se dizer que desde1988, ainda que na dimensão programática de umdireito constitucional, e por isto de eficácialimitada, o Brasil se insere no cabeamento dospaíses que garantem transferência de renda de basenão contributiva a cidadãos (pessoas idosas epessoas com deficiência) que necessitam dessedireito social. A materialidade desse direito“concretizou-se” com a regulamentaçãoinfraconstitucional da Lei Federal n.º 8.742, de 7de dezembro de 1993 (Lei Orgânica da AssistênciaSocial – LOAS/1993) que, no artigo 20,estabeleceu o BPC. Grafa-se a expressão“concretizou-se” entre aspas porque com essa leisurgiram e surgem reflexões que permitemconsagrar o BPC como uma política de direito deproteção para além da seguridade social, ou comoum mínimo de proteção social da cidadania quefavoreça a inclusão de pessoas idosas e de pessoascom deficiência no Brasil (SPOSATI, 2011). Deacordo com esta autora, no âmbito do contratosocial brasileiro, o direito constitucional domínimo social destinado às pessoas comdeficiência e pessoas idosas representou o caráterinaugural do acesso destas a um salário mínimo.Apesar de ter sido constituído em 1988, o mínimosocial, denominado posteriormente como BPCpela LOAS/1993, foi implementado apenas eparcialmente, em janeiro de 1996.

A partir da regulamentação do mínimo social

por esta lei6 foram sobrepostas restrições na formade acesso ao benefício assistencial de prestaçãocontinuada. Assim, o conjeturado avançoconstitucional de regulação social desvirtualiza oalcance a um direito social e de cidadania. De talmodo, Sposati (2011) afirma que o BPC é ummínimo social que se tornou “um quase direito”,na medida em que seu acesso é submetido a novasformas de regulação ad hoc.

No âmbito do Sistema Único de AssistênciaSocial (SUAS), o BPC está associado à ProteçãoSocial Básica, sendo coordenado pelo Ministériodo Desenvolvimento Social e Combate à Fome(MDS) e operacionalizado pelo Instituto Nacionalde Seguro Social (INSS), responsável pelaconcessão e revisão desse benefício. Os serviçosbásicos de proteção social básica são coordenadose organizados pela Secretaria Municipal deAssistência Social (SMAS) ou órgão congêneree/ou Centro de Referência de Assistência Social(CRAS). Esse benefício é provido pelo Estado7,financiado com recursos provenientes doorçamento da Seguridade Social e é repassado aoINSS pelo Ministério do Desenvolvimento Sociale Combate à Fome (MDS), por meio do FundoNacional de Assistência Social (FNAS).

O BPC é uma prestação socialexclusivamente pecuniária, sendo seu repasseefetuado diretamente ao beneficiário. Ele não podeser acumulado com outro benefício na esfera daSeguridade Social como, por exemplo, aaposentadoria. A assistência à saúde e à pensãoespecial de natureza indenizatória8 são exceçõesdesta regra. Todavia, o valor da pensão especialde natureza indenizatória será considerado paracálculo da renda mensal familiar per capita. Pararequerer o BPC, a pessoa solicitante ourepresentante legal deverá apresentar, junto aoINSS, documentação de identificação dorequerente e dos componentes da família e decomprovação de renda. A concessão do benefícioassistencial de prestação continuada ficará com

6 O Decreto Federal n.º 1.744, de 8-12-1995 e a Medida Provisória n.º 1.426/96 (posterior Lei n.º 9720, de 30-11-1998)complementam e retificam a regulamentação do BPC.

7 Nesse caso, Estado refere-se à União, que é a maior financiadora.8 A pensão que as pessoas atingidas pela hanseníase recebem é um exemplo de pensão especial de natureza indenizatória.

Page 82: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

82

deferimento condicionado a exame médico periciale laudo realizado pelos serviços de perícia médicae equipe técnica daquele Instituto. O INSScomunica ao requerente se o benefício foiconcedido ou negado. A cada dois anos, paraavaliação da continuidade, o BPC é revisto. Opagamento do benefício cessa no momento em queforem superadas as condições que lhe deramorigem ou em caso de óbito do beneficiário, bemcomo quando constar irregularidade na concessãoou utilização do benefício assistencial de prestaçãocontinuada, pois se trata de um benefícioindividual, não vitalício e intransferível.

A exigência para conceder o mínimo socialàs pessoas com deficiência e pessoas idosas,conforme inciso V do artigo 203 da CRFB/1988,era e ainda é, tão somente a ausência de meios desubsistência própria e/ou provida por sua família.Em vez de definir a insuficiência de meios desubsistência para saber quais seriam as pessoascom deficiência que teriam direito ao BPC, aLOAS/1993, no parágrafo 2.º do artigo 20, paraefeito de acessar ao benefício, definiu pessoa comdeficiência como pessoa “incapacitada para a vidaindependente e para o trabalho.” (FÁVERO,2011). Além desta incompatibilidade einconveniência da exigência de incapacidade paraa vida independente e para o trabalho, previstanesta Lei, há a condição de não ser sustentávelpela família, de modo que, com essa gestão doBPC, a pessoa com deficiência que requerer odireito é duplamente vitimizada, pois além de terque comprovar sua miserabilidade, para ter acessoao BPC, a pessoa solicitante deverá provar amiserabilidade de sua família. Outra crítica forteao poder disciplinador se refere à regra de rendafamiliar per capita de um quarto de saláriomínimo, transformando, com isto, o direitoconstitucional do cidadão em benefício familiar.Além disso, o recebimento do benefício por ummembro da família impede a outro de acessá-lo.

Sposati (2011) destaca que o caráter daregulação tardia do BPC é forte, tanto pela suacompleição, somente na década de 90 do séculoXX, quanto pela demora de sua regulamentação.O BPC é caracterizado pela forma de regulação

que garante um rendimento mínimo de provisãopública, isto é, independe de contribuição préviapara obter tais direitos, fazendo parte do regimeassistencial de base não contributiva. Este mínimosocial não é caracterizado como política detransferência monetária condicionada, ou seja, nãoexige contrapartida de seus beneficiários. Ele seapresenta como um direito social, baseado emavaliação de recursos.

No âmbito dos mínimos sociais, o BPC fazparte dos sistemas categoriais que definem apopulação atendida (pessoas idosas e pessoas comdeficiência) associada à pobreza e exclusão social.Quanto ao critério de elegibilidade, a gestão doBPC é muito questionada, como já foi dito, aodisciplinar o acesso ao direito a partir do atestadode invalidez absoluta.

Defende-se que quanto maior for o públicode pessoas com deficiência beneficiado com omínimo social, melhor contribuirá na luta contraa pobreza e exclusão social. Mais uma vez, valeressaltar que o poder disciplinador da LOAS/1993,em vez de deliberar ausência de meios desubsistência das pessoas com deficiência,conforme a CRFB/1988 que garante um saláriomínimo a estes cidadãos, apresenta aincompatibilidade e inconveniência da exigênciade incapacidade para a vida e para o trabalho. Alémde ir contra o movimento mundial pela inclusãodas pessoas com deficiência que se esforçam paraadvertir os potenciais e as capacidades destaspessoas, a definição de pessoas com deficiência,proposta pela lei em questão, não faz menorsentido no tocante a crianças e adolescentes,quando o poder disciplinador da LOAS/1993analisa o conceito de incapacidade com um pesoe duas medidas. Por um lado, se o BPC forrequerido por crianças e adolescentes de atédezesseis anos de idade que possuam algum tipode deficiência, basta verificar se tal deficiênciaconsta nas legislações vigentes. Aos requerentesmaiores de dezesseis anos de idade, por outro lado,o acesso ao direito constitucional é praticamenteinviabilizado, quando para a obtenção do BPC,exige-se um atestado de incapacidade. Neste caso,em lugar de o mínimo social assumir a sua função

Page 83: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

83

de transformar uma situação de exclusão em umasituação inclusiva, ele funciona parainstitucionalizar as piores situações detectadas daspessoas com deficiência; isto é, o BPC setransformou numa política de naturalização daspiores situações detectadas por cidadãos,obscurecendo a potencialidade de encadeamentoda luta por reconhecimento social das pessoas comdeficiência.

Por ser um mínimo social que nasceu naCRFB/1988, visando combater a pobreza eexclusão social, o BPC, de fato, retira milhões depessoas da linha pobreza; todavia, não fossem acondição de incapacidade para vida e para otrabalho e o critério de um quarto do saláriomínimo de renda familiar per capita, previstosomente na LOAS/1993, esta política representariapotencialidade ao princípio da dignidade humanae à luta contra a pobreza e exclusão social.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreende-se o BPC como proteção dedimensão socioassistencial brasileira, alicerçadana justiça social, cujos princípios estãofundamentados. Incluir a questão das pessoas comdeficiência no sítio do pós-colonialismo tornapossível a desconstrução de teorias totalizantesproduzidos, no Ocidente, sobre a questão dadeficiência. Por conseguinte, possibilitará, comcerteza, maior emancipação das pessoas comdeficiência e uma sociedade mais livre de formasde dominação e exclusão.

A principal conclusão desta análise é que oprincípio constitucional da proteção da dignidadeda pessoa humana se torna necessário, poispossibilita ampliar os critérios infracons-titucionais, de modo a permitir ao aplicador, bemcomo ao intérprete da LOAS/1993 a utilização,em caso concreto, de elementos que prova anecessidade material mínima.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição daRepública Federativa do Brasil. Brasília, DF:Senado, 1988.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Sociale Combate à Fome. Loas anotada: lei orgânicade assistência social. Brasília: MDS, 2009.

FÁVERO, Eugênia Augusta Gonzaga. Avançosque ainda se fazem necessários em relação aobenefício assistencial de prestação continuada.In: SPOSATI, Aldaíza de Oliveira (Org.).Proteção social de cidadania: inclusão deidosos e pessoas com deficiência no Brasil,França e Portugal. 3. ed. São Paulo: Cortez,2011. p. 179-189.

FRASER, Nancy. From redistribution torecognition? dilemmas of justice in a‘postsocialist’ age. New Left Review, n. 212, p.68-93, july.-aug. 1995.

FRASER, Nancy. From redistribution torecognition? dilemmas of justice in a‘postsocialist’ age. In: SEIDMAN, Steven;ALEXANDER, Jeffrey C. (Org.). The newsocial theory reader. Londres: Routledge, 2001.p. 285-293.

FRASER, Nancy. A justiça social naglobalização: redistribuição, reconhecimento eparticipação. Tradução de Teresa Tavares.Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n.63, p. 7-20, out. 2002.

FRASER, Nancy. Reconhecimento sem ética?Lua Nova, São Paulo, n. 70, p. 101-138, 2007.

HONNETH, Axel. Redistribution asrecognition: a response to Nancy Fraser. In:FRASER, Nancy; HONNETH, Axel.Redistribution or recognition: a political-philosophical exchange. London: Verso, 2003.

HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: agramática moral dos conflitos sociais. Traduçãode Luiz Repa. São Paulo: Ed. 34, 2009.

PEREIRA, Ana B. O corpo (-) sentido: omal-estar da pós-modernidade: reflexões sobre

Page 84: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

84

“deficiência” e doença crônica (2007).Disponível em: <http://cabodostrabalhos.ces.uc.pt/n2/ensaios.php>.Acesso em: 30 abr. 2011.

QUARESMA, Regina. Comentários à legislaçãoconstitucional aplicável às pessoas portadoras dedeficiência. In: TEPERINO, Maria Paula.Comentários à legislação federal aplicável àspessoas portadoras de deficiência. Rio deJaneiro: Forense, 2001.

SANTOS, Boaventura de Souza. Para umasociologia das ausências e uma sociologia dasemergências. Revista Crítica de CiênciasSociais, Coimbra, n. 63, p. 237-280, out. 2002.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoahumana e direitos fundamentais na constituiçãofederal de 1988. Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2001.

SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão:construindo uma sociedade para todos. Rio de

Janeiro: WVA, 1997.

SEN, Amartya Kumar; KLIKSBERG, Bernardo.As pessoas em primeiro lugar: a ética dodesenvolvimento e os problemas do mundoglobalizado. Tradução de Bernardo Ajzemberg eCarlos Eduardo Lins da Silva. São Paulo:Companhia da Letras, 2010.

SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento comoliberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta.São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

SILVA, José Afonso da. Curso de direitoconstitucional positivo. 23. ed. São Paulo:Malheiros, 2003.

SPOSATI, Aldaíza de Oliveira. Benefício deprestação continuada como mínimo social. In:SPOSATI, Aldaíza de Oliveira (Org.). Proteçãosocial de cidadania: inclusão de idosos epessoas com deficiência no Brasil, França ePortugal. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2011. p. 125-178.

Page 85: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

85

ARTIGOS DEEGRESSOS

Page 86: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

86

Page 87: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

87

RESUMO

Esse trabalho tem por objetivo analisar a tutelaantecipada no Estado Democrático de Direito apartir da sua adequação aos princípiosconstitucionais do devido processo legal. Emtermos metodológicos, a pesquisa será classificadaquanto à forma de abordagem de qualitativa e doponto de vista dos seus objetivos será exploratória.No que se refere aos procedimentos técnicosadotados na análise, a pesquisa será definida comobibliográfica uma vez que será utilizado umreferencial teórico por meio de doutrinas. Em vistadisso, a investigação envolvendo a tutelaantecipada terá como intento verificar se o queestá sendo entabulado pela lei tem consonânciaou não com o devido processo legal na perspectivada teoria neoinstitucionalista do processo, matrizteórica que subsidiou a análise em comento. Osresultados da investigação levaram a considerarque, embora o instituto em destaque sejaimportante, há, pois, uma limitação em relação aoacesso à Justiça que não possibilita o contraditórioe a ampla defesa para o polo passivo da relaçãoprocessual. Essa restrição se refere àimpossibilidade da participação do réu na fasepreliminar do processo, uma vez que ao serconcedida a tutela provisória de urgênciaantecipada (TPUA) pelo modelo atual, odemandado fica submetido a uma decisão sem quetenha previamente participado do debateprocessual e contribuído com o resultado dadecisão em respeito ao princípio da cooperação econtraditório. Por conseguinte, o estudoconsiderou também que a tutela antecipada da

A TUTELA ANTECIPADA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Edmilson Araujo Rodrigues1

Cynara Silde Mesquita Veloso2

1 Doutorando em Direito pela Universidad Del Museo Social Argentino (UMSA). Graduado em Ciências Contábeis pela Uni-versidade Estadual de Montes Claros. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito Santo Agostinho.

2 Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Universidade Federal deSanta Catarina. Professora Universitária na Universidade Estadual de Montes Claros e nas Faculdades Integradas Pitágoras.Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros.

forma como é normatizada, embora seja umaalternativa para “o autor que tem razão”(MARINONI, 2006), não se mostra razoável,dentro da perspectiva do devido processo legal.Diante disso, pode-se concluir que a TPUA deveser aperfeiçoada e, com isso, acrescentar audiênciade justificação prévia obrigatória na fase inicialdo processo onde será respeitado o princípio docontraditório, da ampla defesa e isonomia.

Palavras-chave: Tutela provisória de urgênciaantecipada. Democracia. Devido processo legal.Teoria neoinstitucionalista do processo.

LA PROTECCIÓN TEMPRANA COMO LADEMOCRACIA LEY

RESUMEN

Este trabajo tiene como objetivo analizar la medidacautelar en el estado de derecho democrático desu adecuación a los principios constitucionales deldebido proceso. En cuanto a la metodología, lainvestigación se clasifica como al enfoquecualitativo y el punto de vista de sus objetivos seráexploratoria. Con respecto a los procedimientostécnicos utilizados en el análisis, la búsqueda seestablece en la literatura puesto que se utilizaráuna referencia teórica por doctrinas. En vista deesto, la investigación que implica una medidacautelar intentará verificar que lo que se estáinvolucrado en numerosos por la ley es compatibleo no con el debido proceso en el contexto de lateoría neo-institucionalista del proceso, marcoteórico que apoya el análisis en el comentario. Los

Page 88: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

88

resultados de la investigación llevaron a laconclusión de que, aunque el instituto másdestacado es importante, por lo tanto, no es unalimitación en el acceso a la justicia que no permitela defensa contradictoria y llena de relaciónprocesal del acusado. Esta restricción se refiere ala imposibilidad de la participación del acusadoen la etapa preliminar, ya que se haya estimadoprotección provisional temprana urgencia por elmodelo actual, el acusado está sujeta a unadecisión sin que previamente participó debate deprocedimiento y contribuyó con el resultado de laresolución en relación con el principio decooperación y contradictoria. Por lo tanto, elestudio también encontró que la medida cautelarde cómo es estandarizada, aunque es unaalternativa a “el autor que está bien” (MARINONI,2006). No parece razonable desde la perspectivade un debido proceso. Por lo tanto, se puedeconcluir que la protección provisional tempranaurgencia debe ser mejorado y, por lo tanto, añadirla justificación previa obligatoria de la audiciónen el caso de la fase inicial que respete el principiode contradicción, la gran defensa y la igualdad.

Palabras clave: Protección provisional aprincipios de urgencia. Democracia. El debidoproceso. La teoría neoinstitucionalista del caso.

1 INTRODUÇÃO

A tutela provisória é um conceito novo criadopara compor o rol de direitos processuais previstosno Novo Código de Processo Civil de 2015(NCPC) que entrou em vigor no ordenamentojurídico brasileiro em 18 de março de 2016 pormeio da Lei n.º 13.105/2015. Esta nova forma detutela jurisdicional de cognição sumária temprevisão indicada nos artigos 294 a 311 do NCPC.Embora com nomenclatura moderna, a nova Leiprocessual trouxe reminiscência da tutelaantecipada prevista no art. 273 da Lei processualrevogada de 1973 (CPC/73) e da tutela cautelaralocada no art. 796 e seguintes do CPC/73 outrorarevogado.

Cumpre destacar que dentro do gênero tutela

provisória que engloba as tutelas de urgência e deevidência, o campo de análise será atinente à tutelaprovisória de urgência, sendo esta ramificada pelastutelas provisórias de urgência cautelar eantecipada. Todavia, o foco do trabalho se abstémdas demais espécies para centrar a sua abordagemna tutela antecipada, objeto de estudo em questão.

É importante salientar, outrossim, que ointento desse trabalho é analisar a tutela provisóriana modalidade de urgência com ênfase na tutelaantecipada a partir da sua adequação aos princípiosconstitucionais do devido processo legal, quaissejam: os princípios constitucionais docontraditório, isonomia e ampla defesa. É de todoproveitoso ressaltar que o desiderato aduzido étrazer uma discussão sobre o tema susodito econfrontar a teoria instrumentalista que instituiua tutela provisória com a teoria crítica denominadateoria neoinstitucionalista do processo.

Ainda nesse linear, cabe ponderar que aTPUA é um instituto de suma importância para oordenamento brasileiro, na perspectiva da teoriainstrumentalista do processo vinculada aoestereótipo (do “autor que tem razão” e não podesuportar o ônus do tempo). Contrapondo essaanálise, entende-se que a TPUA, para sercompatível com o devido processo legal, necessitade adaptações, visto que a decisão liminarentabulada na lei, não cria como regra aparticipação da parte adversa no limiar doprocesso, precedente à decisão judicial.

Nessa perspectiva, a decisão solipsista nãotem compatibilidade com direito ao acesso àJustiça em sua plenitude, pensada em umadinâmica bilateral, isto é direito de ação e direitode exceção. Essa reflexão cria mecanismos deanálise sobre o princípio da igualdade de condiçõesentre as partes e também em relação àaplicabilidade da paridade de armas prevista noart. 7.º do NCPC e ao princípio da cooperação.

2 TUTELA ANTECIPADA NO NOVO DOCÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015

2.1 Conceito de tutela antecipada

O conceito de tutela antecipada pode serdelineado por um primeiro significado que, vindo

Page 89: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

89

à tona, pode-se questionar: o que se antecipa,antecipa-se o quê? Em termos de vocabulário,significa fazer chegar ou ocorrer antes do tempomarcado, adiantar-se. Como explica a doutrina, osentido de tutela antecipada: “[...] depreende-sedo próprio significado da palavra, adiantar osefeitos da tutela que será concedida, ao final,satisfazendo a própria pretensão do autor, aindaque provisoriamente [...].” (CARMIGNANI, 2000,p. 23).

Para Zavascki (2009), o que se antecipa aorequerer a tutela é a eficácia social e não a jurídico--formal. No mesmo itinerário, Lopes (2002, p. 40)destaca a natureza interlocutória da tutelaantecipada. Nota-se pois que a afirmação advémdo esclarecimento de que não se trata esse institutode uma sentença ou de julgamento antecipado doconflito, mas “de medida de caráter provisório quevisa tutelar mais eficaz e prontamente o direito doautor sempre que ele preencher os requisitosexigidos pela lei.” (LOPES, 2002, p. 40).

É de todo conveniente assentar que, paraconcessão da tutela antecipada, devem ser levadosem conta os pressupostos de admissibilidade,ancorados na probabilidade do direito e no perigode dano ou o risco ao resultado útil do processo.Sendo imprescindível destacar que o CPC/73elencava como requisito para a concessão da tutelaantecipada a prova inequívoca e a verossimilhançada alegação.

Melo (2010, p. 36) delineia a tutelaantecipada como sendo a proteção ou o amparoantes do tempo que lhe seria próprio. Convémmencionar por oportuno que a sobredita autoralembra que, para a maioria dos atores, a tutelaantecipada “é a decisão que antecipa alguns dosefeitos da sentença definitiva.” (idem, ibidem).

Adstrito nessa clivagem, Leal (2014, p. 158)define a tutela antecipada como a aplicação porantecedência dos “conteúdos tutelares da lei peloato sentencial interlocutório”.

Para Mol (2012), trata-se de uma técnicaprocessual de adiantamento da proteção da lei ouuma forma de precipitação do tempo para aproteção da parte, tendo em vista o seu direito

como visto por Carmignani (2000).Na teoria do processo, os vários conceitos

do que venha a ser a TPUA, parece haver umaunanimidade de que o seu significado estárelacionado a uma medida de urgência ou àprestação jurisdicional que visa satisfazer o direitodo autor antes do momento adequado, ou seja, dadecisão. Mas a definição de TPUA tem que serpensada e problematizada no prisma da pragmáticaem que o significado da controvérsia tem acentonos sujeitos e na linguagem por onde o leito dadiscussão se apresenta.

2.2 A tutela antecipada no novo Código deProcesso Civil

A TPUA no NCPC está sob incipienteabordagem. Sendo assim, com a nova legislação,a tutela antecipada se tornou uma espécie dogênero da tutela provisória. Desta maneira, anorma atualizada inusitou ao trazer outranomenclatura para as antigas denominações detutela antecipada e cautelar, por meio de outroviés denominado de tutelas provisórias deurgência e evidência. Na primeira divisão (tutelaprovisória de urgência), comporta as tutelas jáexistentes no ordenamento jurídico brasileiro quesão as tutelas antecipadas e cautelar que se dãode três maneiras (quanto ao peticionamento--protocolo-distribuição) que são as formasantecedente, cumulativa e incidental. Partindopara a segunda divisão da tutela provisória,encontra-se a tutela provisória de evidência quese efetiva por meio da distribuição de modocumulativo. A obviedade do peticionamento aoprocesso de tutela de evidência tem comodesiderato demonstrar que nessa tutela, conformemostra o quadro a seguir, não existe o institutonem na forma antecedente nem na formaincidental, visto que o pressuposto para atutela de evidência é a “prova inequívoca”,pré-constituída similar aos requisitos de mandadode segurança (direito líquido e certo).

De modo esquematizado, segue o quadrocom os institutos ora epigrafados:

Page 90: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

90

Conforme o Quadro 1, de uma maneira geralo legislador resolveu colocar debaixo de ummesmo aparato judicial a tutela provisória queengloba todas as espécies de tutelas, mas cada umadelas com as suas especificidades dentro do novoDireito Processual Civil.

Desse modo, encampadas na tutelaprovisória do novo texto processual, as váriasespécies de tutelas careceriam de um estudopormenorizado. Contudo, essa pretensão não éobjeto do presente trabalho que passará a descreverde forma perfunctória as espécies de tutelasrecaindo assim, especificamente, na análise datutela antecipada que receberá maior atenção.

Resulta assim confirmado que a tutelaprovisória é a soma de todas as tutelasdenominadas de tutela de urgência e tutela deevidência. Devido à natureza abrangente do gênerotutela provisória, cumpre registrar a sua definiçãoconforme está disciplinada pelo NCPC.

Nesse axial, conceitualmente, a tutelaprovisória é um aparato de técnicas quepossibilitam ao magistrado de posse dedeterminados pressupostos, que circundam apresença da “urgência” ou da “evidência”, prestartutela jurisdicional, seja de forma antecedente ouincidentalmente, com base em decisão instável(por isso, provisória) apta a assegurar e/ousatisfazer rapidamente, a pretensão do autor(BUENO, 2016).

Para Theodoro Junior (2016), além da formaantecedente prevista no art. 305 do NCPC eincidental alocada no art. 294, parágrafo único doNCPC, inclui-se também a forma cumulativa depeticionamento conforme o art. 308, § 1.º doNCPC.

No entendimento de Neves (2016, p. 411), atutela provisória é proferida mediante cognição

sumária porque o decididor “ao concedê-la, aindanão tem acesso a todos os elementos de convicçãoa respeito da controvérsia jurídica”. Não obstante,destaca Neves que “excepcionalmente, entretanto,essa espécie de tutela poderá ser concedidamediante cognição exauriente, quando o juiz aconcede em sentença”.

No que se refere à tutela provisória deurgência cautelar, essa está disposta no art. 294do NCPC e pode ser concedida mediante as trêsformas dispostas no Quadro 1 citadoanteriormente. Já a tutela de evidência se dásomente pela forma cumulativa conforme 311 doNCPC.

É de todo conveniente assentar que a tutelaprovisória de evidência tem suas particularidadesdivorciadas da tutela provisória de urgência,portanto ao fazer uma leitura mais apurada sobreo novo instituto (tutela provisória), descobre-seque a tutela provisória de evidência fora tratadapelo legislador com certo descuido que seráanalisado por meio de situações consignadas nasequência.

A primeira abordagem a ser feita sobre atutela provisória de evidência é em relação àimpossibilidade descrita sobre o pedidoantecedente. Nesse diapasão, a legislaçãoprocessual não autoriza pedido antecedente detutela provisória de evidência, embora, para Neves,o pedido antecedente é plenamente possívelconforme escólio tratado a seguir: “O aspectonegativo [...] fica por conta da exclusão da tutela[provisória] de evidência como passível de serconcedida de forma antecedente.” (NEVES, 2016,p. 413). E arremata o autor (2016) sobredito que atutela provisória de urgência satisfativa e a tutelaprovisória de evidência se aproximam de formasignificativa da TPUA, já que a única diferença

QUADRO 1: Tipologias de tutelas provisórias

Fonte: Elaboração própria (2016) com base no novo CPC, 2015.

Page 91: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

91

entre as tutelas se relaciona com os requisitos parasua concessão. Dessa forma, a satisfação fática éa mesma na tutela provisória de urgênciaantecipada e na tutela provisória de evidência.Insta destacar, pois que Neves (2016) entende quea tutela provisória de evidência seria similar àTPUA, uma vez que ambas as decisões em relaçãoaos institutos seriam acolhidos pela estabilidadeprevista no artigo 304 cumulado com artigo 303do NCPC.

Em relação à TPUA, objeto do presenteartigo, atualmente, está sob o manto da legislaçãodo NCPC, mas possui antecedentes históricos.Essa espécie de tutela surgiu no ordenamentobrasileiro no CPC/73 cuja reforma aconteceu, àépoca, por meio da Lei n.º 8.952, de 13-12-1994,que trouxe nova redação ao artigo 273 do CPC de1973, com a possibilidade de antecipação dosefeitos da tutela em todos os processos deconhecimento.

Curial asserir, portanto, que o instituto daantecipação dos efeitos da tutela, precedente daTPUA, representara prática forense corriqueira.

Dentro desse panorama, a tutela antecipadavai sendo construída e amoldada em busca de umaefetividade que coloca em conflito a razoávelduração do processo e o devido processo legal.

3 ESTUDO COMPARATIVO DASESPÉCIES DE TUTELA PROVISÓRIA

Para analisar a tutela provisória e suasespécies, é necessário um estudo comparativoentre os institutos a fim de evidenciar assimilitudes e diferenças entre as modalidades. Porconseguinte, nota-se que a tutela provisória deurgência cautelar objetiva a proteção do processo.Já a TPUA tem como intento a satisfação do direitomaterial.

Nessa direção, o ensinamento de Bueno(2016, p. 249) traz a definição de tutela provisóriade urgência cautelar e TPUA com o seguintecomentário: a tutela provisória cautelar deve sercompreendida como uma técnica que buscaassegurar o resultado útil ao processo. Em outroviés, a tutela provisória antecipada representa umatécnica que permite satisfazer, desde logo, apretensão obtemperada pelo autor da demanda.

É importante destacar que as tutelasprovisórias de urgência, sejam antecipadas oucautelares, podem ser concedidas de formaantecedente ou de forma incidental. Essapossibilidade constitui a redação do art. 294 doNCPC que assim obtempera, in verbis:

Art. 294. A tutela provisória podefundamentar-se em urgência ou evidência.Parágrafo único. A tutela provisória deurgência, cautelar ou antecipada, pode serconcedida em caráter antecedente ouincidental. (grifos nossos).

Crivado na mesma entonação, a tutelaprovisória de urgência antecedente é utilizadaquando ainda não há processo principal. Em outradireção, a tutela provisória de urgência incidentalé constituída por meio de uma mera petiçãoprotocolada nos autos do processo já em cursodenominado de processo principal.

Como consequência da abordagem da tutelade urgência que o NCPC trata como similares emtermos procedimentais (a tutela cautelar e a tutelaantecipada), não há dúvida de que a naturezajurídica das sobreditas espécies de tutela deurgência, conforme lições de Neves (2016), nãopodem ser modificadas pela vontade do legislador.Nessa quadra de ideias, a distinção do instituto,embora considerados similares em determinadarubrica, permanece inalterada a distinção entre atutela cautelar como garantidora do resultado útile eficaz do processo e a tutela antecipadarepresentando como desiderato fundamental àsatisfativa do direito da parte no plano fático.

4 A TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIAANTECIPADA E O DEVIDO PROCESSOLEGAL POSTECIPADO

O devido processo legal é um complexoamplo porque engloba todas as demais garantias“não somente processuais como também assubstanciais.” (LASPRO, 1999, p. 195). Noentendimento de Tucci (1997, p. 88) citado porLaspro (1999, p. 196), “a garantia constitucionaldo devido processo legal deve ser realizada durantemúltiplas etapas do processo judicial, de sorte queninguém seja privado de seus direitos [...].”.

Page 92: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

92

Se se examinar a partir desses pressupostosa tutela provisória de urgência antecipada e a teorianeoinstitucionalista do processo, constata-se queas duas perspectivas processuais têm uma nítidacontraposição. Conforme se denota, a teoriaprocessual instrumentalista que gestou a tutelaprovisória de urgência antecipada não considerouo direito à isonomia, ao contraditório e à ampladefesa defendidos pela teoria neoinstitucionalistado processo.

É digno de nota adjurar que a tutelaprovisória de urgência antecipada pode sercolocada em questionamento, uma vez que nãopossibilita a inserção de tais princípios adrededestacados na fase inicial da lide jurídica. Éinegável, outrossim, que essa não observação plenado devido processo legal tem causando, dessemodo, uma desobediência as garantiasconstitucionais. Conforme a teorianeoinstitucionalista do processo, deve-se adotaruma perspectiva “não hegeliana de Estado” comonorteadora do estudo atual do processo autônomojuridicamente (LEAL, 2014, p. 28). Dessa forma,o autor citado é defensor de um conceito deprocesso como instituição que se paute pelaautonomia jurídica constitucionalizada “querequer cidadania ao nível da igualdadeinstitucional.”.

Em relação ao devido processo legal,Madeira et al (2005) observam que não há comopensar em processo sem observar o respeito aosditames da Constituição Federativa do Brasil de1988.

Para o constitucionalista Baracho (2008), oprocesso constitucional somente se efetivamediante os pressupostos do contraditório,isonomia e ampla defesa. Nessa toada, assegura oProfessor que as partes devem ter a garantia dosseus direitos pela oportunidade de defesa fazendovaler assim suas provas. Defende a igualdade daspartes “em todas as fases de atuação do processo.”(BARACHO, 2008, p. 13).

Entre tais direitos, está o princípio daigualdade tão solicitado no presente trabalho emvirtude da sugestão de se transformar a tutela emalgo mais democrático. Desse modo: no estado dedireito, os cidadãos desfrutam, em condições deigualdade, das liberdades formais e materiais,

ressaltando-se que as funções exigidas ao PoderJudiciário sofrem mutações constantes(BARACHO, 2008, p. 228-229).

Olhando por outro ângulo, Leal (2014)acolhe uma postura divergente da preconizada porBaracho (2008), e adverte que a escolaconstitucionalista do processo ainda não coadunacom os fundamentos do Estado Democrático deDireito, uma vez que essas teorias se encontramcravadas nos marcos hermenêuticos dos Estadosliberal e social de direito.

A Constituição da República Federativa doBrasil de 1988 depõe no seu art. 5.º, inciso LIV,sobre o princípio do devido processo legal edestaca que “LIV - ninguém será privado daliberdade ou de seus bens sem o devido processolegal.”.

Com efeito, a ordem jurídico-constitucionalbrasileira, com essa determinação expressa,assume o propósito de contribuir para o melhorfuncionamento do processo civil e de outros ramosdo Direito. Todavia, a tutela provisória de urgênciaantecipada não é um instrumento democrático,uma vez que acaba por infringir a lei suprema doPaís não possibilitando o devido processo legal jágarantido constitucionalmente.

Para Mattos (2009), o devido processo legalé um direito fundamental vinculado ao intento deum processo justo ou decisão justa.

Na visão de Leal (2002), o debate sobre umadecisão justa é um trilema, visto que não se sabe aposição que diversas escolas metodológicas deinterpretação jurídica assumem. Nesse sentido,afirma o jurista: “A questão assume versões desaber se uma decisão justa integraria umajurisprudência de conceitos, valores ou interessessociais imediatos ou mediatos.” (LEAL, 2002, p.82, grifos originais).

Leal (2002) destaca que não é tarefa fácil,quiçá inalcançável, obter uma Teoria da Justiçaque mostre a melhor decisão definida por“metodologias complexas (fogos de linguagem)neutralizadas de qualquer suspeita sentimentalistaou ideológica.” (LEAL, 2002, p. 82-83).

Com esse norte e dentro de uma perspectivada hermenêutica jurídica (LEAL, 2014; 2002),conduz a um olhar mais crítico para as fontes deconhecimento do Direito. O jurista é adepto de

Page 93: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

93

um método crítico reconstrutivo que coloca aCiência Jurídica em pressupostos dialógicos emrespeito ao devido processo legal.

Ao que se percebe, a Constituição brasileirasomente estabelece a lei pertinente do devidoprocesso legal, mas não traz sua conceituação, oque será feito pela doutrina.

A começar pela teoria neoinstitucionalista doprocesso, o devido processo legal “quer significaro modo (processo) imposto (devido) pela leinatural de igualdade entre iguais revelado peloRei.” (LEAL, 2014, p. 41).

Na trajetória da hermenêutica, Mattosentende o princípio do devido processo legal(2009, p. 194), em primeiro lugar, como “umprocesso materialmente informado por direitosfundamentais [...] processuais como, por exemplo,o contraditório e a ampla defesa [...], a igualdadedas partes, o direito à prova, etc.”.

Nesse sentido, ressalta Leal (2014) que umalei tem sua legitimidade reconhecida quando nãofere os direitos fundamentais. Por isso, ao lesartal princípio, a tutela provisória de urgênciaantecipada assim concedida, prejudica o devidoprocesso legal inerente ao Estado Democrático deDireito.

É nesse quadro que Leal (2014) propõe odevido processo constitucional como norteador daspráticas jurisdicionais “e não mero instrumentoda jurisdição nos moldes idealizados pela escolainstrumentalista do processo.” (VELOSO, 2008,f. 302).

Nesse contexto, Leal (2014) faz uma críticaà figura do juiz controlador que mais se adapta àlinha teórica bulowiana, de aceitação de aspectosarcaicos do processo como relação jurídica nosmoldes instrumentalistas de um processoconstitucional.

Deve-se ressaltar que a tutela provisória deurgência antecipada está nesse contexto processualilustrado e combatido por Leal. Logo, sem aaderência a um devido processo constitucional, oinstituto não respeita o devido processo legal e,portanto, seus componentes: ampla defesa,contraditório e isonomia. Há de se observar que atutela provisória de urgência antecipada nãopossibilita ao requerido uma audiência dejustificação prévia. Esse mecanismo contraria o

princípio da cooperação e prejudica ocontraditório, rechaçando o devido processo legal.

Em uma perspectiva do contraditório,assevera Mol (2012, p. 13) que tutela antecipada,desde que foi modificado o artigo 273 do Códigode Processo Civil brasileiro de 1973, pela Lei8.952, de 13 de dezembro de 1994, vinha “[...]sendo deferida de forma indiscriminada pelosórgãos jurisdicionais [...]”.

Essa advertência de Mol tem que ser tomadaa sério porque não é possível admitir um institutocomo a tutela provisória de urgência antecipada,vista somente na perspectiva de unilateralidade.

Pelo que Leal adverte, as tutelas provisóriasde urgência, que incluem a tutela antecipada,passam por pressupostos solipsistas e, por isso,em nome de uma agilidade judicial, acaba por nãorespeitar o princípio da isonomia ou do devidoprocesso “a ser adotado e aberto a todos (difusa econcentradamente) desde o início da produção daconstitucionalidade” (LEAL, 2005, p. 8).

Diante de esse olhar envolvendo as partesno processo e em respeito à segurança jurídica eao princípio do contraditório, Mattos (2002)destaca que a bilateralidade e a reciprocidade é aconexão que propícia a reflexão armazenada naprocessualidade democrática, estruturada nodevido processo legal efetivo, visto que o processonão pode ser tratado como uma razão unilateral.

É importante destacar que o processodemocrático pressupõe a possibilidade decomunicação. Sendo assim, pensar diferentecontraria o processo do discurso. Por isso,Siebeneichler (1999) assevera que a comunicaçãoé a maioridade que contribui para a união entrefalantes e ouvintes, uma vez que, havendo ainterrupção da comunicabilidade, essa é silenciada,momento em que há o encontro do sujeito com asolidão.

Nessa perspectiva, a ideia aqui desenvolvida,vai ao encontro da visão kantiana de uma razãoindividual que seria suficiente para a ação dosujeito nos processos de “produção efundamentação da norma moral.” (GALLUPO,2002, p. 107).

Diferentemente dos postulados defendidospor Kant em sua teoria da Razão Prática quereconhece um “Solipsismo metódico” nas palavras

Page 94: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

94

Galuppo, há a defesa de Habermas que prima poruma filosofia da linguagem cujo foco é consciênciacoletiva de modo que inclua dois sujeitos naconstrução das regras de ação. Em outras palavras,mencionadas por Galuppo, regras de ação“pressupõem pelo menos duas pessoas, uma dasquais deve funcionar como critério paraverificação do cumprimento ou descumprimentoda regra.” (GALLUPO, 2002, p. 108).

Ademais, na perspectiva de Freud eNietzsche “[...] não existe a razão sem o seu‘outro’. E a razão torna-se necessária a partir deste‘outro’.” (SIEBENEICHLER, 1999, p. 65).

Dito de outro modo, o processo requer umamaturação que se efetiva com a participação doslitigantes. E mais, o conflito de interesse pressupõedualidade, ao reverso de uma decisão que éestabelecida com a participação apenas do autor àmargem do réu, vítima da celeridade temporalalheia ao contraditório.

Seguindo esse raciocínio, constitui fiocondutor da discussão a temática envolvendo aperspectiva da dualidade em contraste à decisãosolitária e sem o diálogo. Caminhar nesse viés éperceber uma democracia individualista, contráriaà participação das partes no processo.

Portanto, com essas colocações no âmbitodemocrático, a questão a ser pensada é sobre otratamento atento à celeridade que não podeantecipar à necessária maturação de um processo,sob pena de refutar o princípio do contraditóriocomo de parca importância.

Nesse sentido, é necessário destacar as liçõesde Galuppo (2006) que revelam o fenômenojurídico como um sistema ficcional em que aorganização da sociedade passa por dogmasjurídicos que reforçam a magia das instituições.Dessa forma, percebe-se que o Direito é umregramento pautado na incongruência de seudiscurso, isto é, ao mesmo tempo em que o Estadopor meio do Judiciário protege o cidadão daautotutela, contraria o discurso ao criar uminstituto que privilegia a unilateralidade.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, objetivou-se, de modo geral,analisar a tutela antecipada no Estado Democrático

de Direito a partir da sua adequação aos princípiosconstitucionais do devido processo legal. Taladequação leva a concluir que esse instituto nãoestá em consonância com abertura de um espaçodiscursivo processualizado, uma vez que não incluia participação do réu no processo em sua fase inicial.

O estudo constatou que a tutela provisóriade urgência antecipada não se ajusta aos princípiosdo Estado Democrático de Direito, visto que háuma supressão das garantias processuais docontraditório, da isonomia e da ampla defesa.

Ao que se percebe, a tutela provisória deurgência antecipada pensada na perspectiva daprobabilidade de o Direito contrariar os princípiosda isonomia, do contraditório e da ampla defesae, consequentemente, criar uma anomalia aodevido processo legal. Por conseguinte, esseselementos são essenciais para que seja garantidoum direito democrático em que haja a participaçãode todos os demandantes nos ritos procedimentais,principalmente na fase inicial do processo, comomecanismo de contribuir de forma democrática nadecisão a ser efetivada.

Tomando como pressupostos as teoriasneoinstitucionalista do processo de Leal, e teoriada discussividade de Habermas, foi possívelaveriguar que, uma vez instituídos dentro doarcabouço da instrumentalidade do processo, osaspectos normativos que regem a tutela provisóriade urgência antecipada não estão adequados a umcontexto de pós-modernidade.

Os resultados da pesquisa permitiramresponder que o campo do Direito é facilmentepassível de questionamentos das suas verdadesabsolutas, sobretudo quando não há, como seobservou, o devido processo legal no instituto datutela provisória de urgência antecipada, criadapela corrente instrumentalista, que valoriza aceleridade em prejuízo do devido processo legal.

Assim, com essa decisão solipsista, não serespeita o devido processo legal, uma vez que aspartes são tratadas em completo desrespeito aocontraditório, o que inviabiliza a discursividadeque pressupõe o outro, visto que “não existerazão sem o outro”. Necessária, pois, a suainclusão como forma de validar o Estado da pós--modernidade, não somente de Direito, mas doEstado Democrático de Direito.

Page 95: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

95

Revestida de uma ideologia ultrapassada, soba máxima da inaldita autera pars, diretriz impostano leito de Direito, a tutela provisória de urgênciaantecipada contraria o acesso à Justiça da parteadversa, tendo como intento a celeridadeprocessual à margem dos princípios democráticosdo contraditório, da isonomia e da ampla defesa.

De acordo com a teoria neoinstitucionalistado processo, o espaço processual deve dar garantiaao debate entre as partes, na medida em que devepossibilitar aquilo que já previa os romanos nobrocardo auditur auter pars. Essa perspectivaretira a figura do juiz Hércules que, com seuspoderes, decide não dar ao réu espaço dediscursividade. Desse modo, ao réu deve ser dadoo direito de participar de todas as fases do processode modo a ter uma ampla defesa que o permitaestar em paridade de armas com a parte adversa.

Considera-se nesse estudo que a tutelaprovisória de urgência antecipada deverá serapreciada mediante a participação do réu, sendo--lhe permitida uma audiência de justificação préviaobrigatória. Por isso é que se defende a necessidadeda audiência de justificação prévia obrigatóriacomo forma de o réu poder manifestar no processo,sob pena de uma decisão solipsista e desconectadacom a dialogicidade.

REFERÊNCIAS

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Direitoprocessual constitucional: aspectoscontemporâneos. Belo Horizonte: Fórum, 2008.

BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direitoprocessual civil. 2. ed. rev. atual. e ampl. SãoPaulo: Saraiva, 2016.

CARMIGNANI, Maria Cristina da Silva. Aorigem romana da tutela antecipada. São Paulo:LTr., 2000.

GALUPPO, Marcelo Campos. Igualdade ediferença:estado de democrático de a partir dopensamento de Habermas. Belo Horizonte:Mandamentos, 2002.

LASPRO, Oreste Nestor de Souza. Garantia doduplo grau de jurisdição. In: TUCCI, José

Rogério Cruz e (Coord.). Garantiasconstitucionais do processo civil. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1999.

LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual dadecisão jurídica. São Paulo: Landy, 2002.

LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral doprocesso: primeiros estudos. 12. ed. rev. e atual.Rio de Janeiro: Forense, 2014.

LOPES, João Batista. Tutela antecipada noprocesso civil brasileiro. 4. ed. São Paulo:Saraiva, 2009.

MADEIRA, Dhenis Cruz et al. Processo,jurisdição e ação em James Goldschmidt. In:LEAL, Rosemiro Pereira (Coord.). Estudoscontinuados de teoria do processo: a pesquisajurídica no curso de mestrado em direitoprocessual. v. 6. Porto Alegre: Síntese, 2005.

MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação detutela. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,2006.

MATTOS, Patrícia Castro. As visões de Weber eHabermas sobre direito e política. Porto Alegre:SAFE, 2002.

MATTOS, Sergio Luís Wetzel de. Devidoprocesso legal e proteção de direitos. PortoAlegre: Livraria dos Advogados, 2009.

MELO, Maria Rita de Carvalho. Aspectos atuaisda tutela antecipada. São Paulo: Verbatim,2010.

MÓL, Ana Lúcia Ribeiro. Antecipação detutela: sem a prévia oitiva do réu no estadodemocrático de direito. Montes Claros: Ed.Unimontes, 2012.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manualde direito processual civil. 8. ed. Salvador:JusPodivm, 2016.

SIEBENEICHLER, Flávio Beno. JurgenHabermas: Razão comunicativa e emancipação.3. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994.

Page 96: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

96

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso dedireito processual civil. 57. ed. Rio de Janeiro:Forense. 2016.

VELOSO, Cynara Silde Mesquita. Súmulasvinculantes como entraves ideológicos aoprocesso jurídico de enunciação de uma

sociedade democrática. 2008. Tese(Doutorado em Direito)–PontifíciaUniversidade Católica de Minas Gerais, BeloHorizonte, 2008.

ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação detutela. São Paulo: Saraiva. 2009.

Page 97: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

97

RESUMO

O presente estudo tem por escopo a análise daSúmula 435 do Superior Tribunal de Justiça,editada a partir do Recurso Especial 738.512, emque se pacificou o entendimento no sentido de adissolução irregular da empresa, provocada pelaausência de atividade empresarial no local em queo contribuinte elegeu como seu domicílio, sem aprévia comunicação ao Poder Público, enseja oredirecionamento da execução fiscal para o sócio--gerente. Pretende-se abordar ainda os diversospontos de vista acerca do tema, em especial noque tange à perspectiva da atividade fiscal no atualmomento brasileiro. Sabendo das dificuldadesexistentes na comparação entre institutospertinentes ao tema, pretende-se ainda, traçardistinções relevantes sobre o poder de gerênciano Direito Empresarial, bem assim da suaresponsabilização no campo tributário. Apresentaras principais correntes e posicionamentosmanifestados pelas teorias doutrinárias ejurisprudências do país, também são propostasdeste trabalho.

Palavras-chave: Dissolução irregular. Sócio--gerente. Redirecionamento.

DISSOLUTION ERRATIC AND TAXLIABILITY: when the managing partners

become responsible for fiscal debits

ABSTRACT

This study has the scope of the analysis of thesummary 435 of the Superior Court of Justice,edited from the Special Appeal 738.512, in whichpacified the understanding towards the irregular

dissolution of the company, caused by the lack ofbusiness activity in the place where the taxpayerhas chosen as his home, without prior notice tothe Government entails the redirection of taxenforcement for the managing partner. It also aimsto address the various views on the subject,especially regarding the prospect of fiscal activityin the current Brazilian time. Knowing thedifficulties in comparing relevant institutes to thesubject, it is intended to still make relevantdistinctions about power management in businesslaw, as well as its accountability in the tax field.Present the main currents and positions expressedby the doctrinal theories and country case law, arealso proposed in this work.

Keywords: Irregular dissolution. Managingpartner. Redirection.

1 INTRODUÇÃO

O desenvolvimento das atividades estataisna obtenção de recursos que viabilizem seusplanejamentos é o grande passo para a consecuçãodos anseios sociais. Nada mais natural, por ser aprópria beneficiária, que a sociedade devacontribuir para que isso ocorra.

Malgrado não seja o único sustentáculo daarrecadação estatal, os tributos ocupam maiorexpressão dentre os meios de financiamentopúblico. O Código Tributário Nacional, em seuartigo 3.º, define os tributos como sendo toda“prestação pecuniária compulsória, em moeda oucujo valor nela se possa exprimir, que não constituasanção de ato ilícito, instituída em lei e cobradamediante atividade administrativa plenamentevinculada.”.

1 Mestrando em Desenvolvimento Social pela Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Graduado em Direito pelaFaculdade de Direito Santo Agostinho (FADISA). Pós-graduado em Direito Público.

DISSOLUÇÃO IRREGULAR E RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA: quando ossócios-gerentes passam a se responsabilizar pelos débitos fiscais

Igor Coelho Antunes Ribeiro1

Page 98: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

98

Devido à força impositiva da carga tributárianacional, estão os contribuintes obrigados a quitá--los. Essa, entretanto, não é a única hipótese desujeição ao fisco. Além do contribuinte, oresponsável tributário também é sujeito à exaçãofiscal. O que não se espera dos entes tributantes,bem assim das autoridades judiciais, é aconcretização de medidas que imponham a estaso pagamento daquilo que não lhes é devido.

Ao lado das legislações que já dispõem sobreo tema, os principais Tribunais do país têmampliado as hipóteses de responsabilizaçãotributária, incluindo como obrigado tributáriopessoa alheia ao contribuinte direto.

O Superior Tribunal de Justiça, a exemplodo que acima se diz, introduziu nova hipótese deresponsabilização fiscal ao assentar que, ocorrendoa dissolução irregular da empresa executada,poderá o sócio-gerente ser pessoalmenteresponsabilizado. Esta noção está compreendidaatualmente na Súmula 435 deste referido Tribunal.

O rol de possibilidades, embora pareçataxativo no Código Tributário Nacional (CTN),vem sendo interpretado de maneira prejudicial aocidadão considerado hipossuficiente na relaçãotributária. Essas medidas, além de ilidiremqualquer manifestação em contrário, contribuemcom o atual momento brasileiro, em que asinsatisfações perante o sistema de tributos é, semdúvida, um dos maiores questionamentos dasociedade. Aplicar a legitimação passiva àquelesque não se enquadravam dentre das hipóteseslegalmente previstas é restringir a própria garantiade segurança e certeza dos membros da sociedade.

O objetivo do presente estudo passará,portanto, pela análise do enunciado da Súmula 435do Superior Tribunal de Justiça, em que sepacificou que nos casos de dissolução irregularda empresa, fica o sócio-gerente da empresadissolvida responsável pelas dívidas tributárias.Alguns objetivos específicos também serãodelineados, como compreender a sistemática daresponsabilidade tributária, tal como propõe oCódigo Tributário Nacional, analisar a distinçãoentre sócios e sócios com poderes gerenciais e,ainda, analisar os recentes aportes jurisprudenciaisno que tange à dissolução irregular da empresa.

2 DESENVOLVIMENTO

A relação obrigacional tributária, assim comoacontece no Direito Processual, também épolarizada em sujeito ativo e passivo. A sujeiçãoativa é compreendida pela atuação do Fisco,notadamente pela União, Estados, Municípios eDistrito Federal. Os entes tributantes possuem afunção de arrecadação de recursos que viabilizemfinalidades sociais diversas.

Esta arrecadação, de cunho eminentementepatrimonial, atinge as receitas auferidas pelossujeitos passivos destas obrigações, sejam elasjurídicas ou físicas, denominados, por própriadisposição legal, de contribuintes e responsáveis.

A competência tributária instituída ao fisco,no entanto, não pode ser aplicada de maneira amplae irrestrita. Por força dos comandos constitucionaisintitulados em sua redação de “Limitações aoPoder de Tributar”, vedar-se a ocorrência dealgumas situações sempre que a arrecadação devalores possa ser considerada ilegítima,desproporcional ou simplesmente fora dosparâmetros legais.

As finalidades do tributo caracterizam osmeios pelos quais o Fisco imporá a exação fiscal.Os signos da fiscalidade, extrafiscalidade eparafiscalidade representam os valoresteleológicos em que o legislador retira da lei ascategorias jurídicas que buscam cumpri-la.

O caráter fiscal centraliza a vontade doEstado em tão somente arrecadar recursos paraabastecer os cofres públicos, sem que outrosinteresses estatais venham convergir nodirecionamento de suas atividades. Do contrário,não se pode falar o mesmo da extrafiscalidade,eis que decorre do próprio objetivo do fisco emmanter a intervenção das situações econômicas esociais atinentes ao contribuinte. A parafiscalidadetributária, por sua vez, decorre da vontade da leiem nomear sujeito diverso do fisco para promoveras funções de arrecadação e fiscalização dostributos como forma de assegurar odesenvolvimento de algumas das suas entidades,a exemplo do que ocorre com o pagamento decontribuições sociais aos conselhos de classeprofissionalizantes.

Page 99: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

99

De toda sorte, a cobrança do tributo émecanismo eficaz para a arrecadação de capital e,por consequência, dos investimentos sociais quedestinam os anseios do cidadão. Sem a suacobrança, o Estado não consegue realizar suasatividades essenciais, levando à natural tendênciade realizá-las por intermédio da monopolizaçãodas atividades econômicas, o que não se afirmariacomo medida eficaz à reciprocidade dasprestações.

Assim, se a função desempenhada pelostributos é de essencial importância à consecuçãodas atividades sociais organizadas pelo PoderPúblico, a sua concretização é precípua a todos oscidadãos, sendo certo afirmar que a ausência depagamento pelos legitimados passivos tende aprovocar acentuados prejuízos à própriacoletividade.

O Direito Empresarial, tal como ciênciainterligada aos estudos tributários, traça algumasdistinções necessárias à compreensão dasresponsabilidades de cada sócio perante o fisco.Isso porque, a responsabilidade de cada sócio seráformulada de acordo com os seus poderesempresariais, vale dizer, se ao exercê-los, possuem,ou não, poderes para administração.

O Código Civil brasileiro preconiza em seuartigo 997, inciso VI, que o contrato social deconstituição da empresa deverá esclarecer as“pessoas naturais incumbidas da administração dasociedade, e seus poderes e atribuições”. Dispõeainda em seu artigo 1.013 que nada dispondo ocontrato social, a administração da sociedadecompetir-se-á separadamente a cada um dossócios, o que revela a obrigatoriedade de cadapessoa jurídica constituir pessoa com poderes degerência.

Malgrado atribua-se a denominação de sócio--gerente, nada obsta que a sociedade constituaapenas um administrador, sem, contudo, tervínculo societário perante essa empresa. Nessashipóteses, a responsabilidade dos administradoresde empresa será a mesma prevista para os sócios--gerentes quando ligadas a fatos decorrentes dassuas atividades.

A noção de administrador está legitimamenterelacionada ao caráter estrutural da empresa, na

qual possibilita que a ela exerça suas atividadesem detrimento das finalidades sociais almejadas.Daí se falar que os administradores poderãorealizar qualquer ato de gestão quando do exercícioregular dos poderes que lhe foram conferidos.

A preocupação legislativa em assegurar ofuncionamento regular da empresa pode servislumbrada também na disposição contida noartigo 1.011 e § 1.º, do Código Civil de 2002 (CC),que impossibilita o exercício dessa função emdeterminadas hipóteses, in verbis:

Art. 1.011. O administrador da sociedadedeverá ter, no exercício de suas funções, ocuidado e a diligência que todo homem ativoe probo costuma empregar na administraçãode seus próprios negócios.§ 1.º Não podem ser administradores, alémdas pessoas impedidas por lei especial, oscondenados a pena que vede, ainda quetemporariamente, o acesso a cargos públicos;ou por crime falimentar, de prevaricação,peita ou suborno, concussão, peculato; oucontra a economia popular, contra o sistemafinanceiro nacional, contra as normas dedefesa da concorrência, contra as relações deconsumo, a fé pública ou a propriedade,enquanto perdurarem os efeitos dacondenação.[...].

Os sócios detentores dos poderes de gerência,todavia, responderão solidariamente perante asociedade, bem assim de terceiros eventualmenteprejudicados por culpa no desempenho de suasfunções, segundo o art. 1.016 do CC. Ocorrendoqualquer ato culposo e prejudicial a terceiros ou àprópria sociedade, terá o sócio-gerente, pois, queresponder pelos eventos danosos.

Por outro lado, aquele que exerce apenas afunção de sócio perante a empresa, terá suaresponsabilidade declarada apenas por fatosconstantes em lei ou se dependentes do tiposocietário escolhido, como é o caso das sociedadesilimitadas.

Consistindo o pagamento de tributos em atopertinente à gestão da sociedade, o CódigoTributário Nacional instituiu em seu art. 135, apossibilidade de ensejo à responsabilização dossócios administradores, quando provocadas emdecorrência das suas funções.

Page 100: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

100

Consoante disposição expressa do art. 121,inc. II, do CTN, o sujeito passivo da relaçãotributária não se limita apenas à figura docontribuinte, mas também daquele que de algummodo, é compelido ao recolhimento dos tributos.Trata-se da figura do responsável, que perante alegislação tributária pátria pode ser interpretadamediante dois sentidos. Pelo sentido amplo dapalavra, entende-se que a sua responsabilidadedecorre do fato em que o fisco poderá exigir aprestação da obrigação tributária. Em sentidoestrito, por sua vez, é empregada em virtude dedisposição normativa àquele que, não sendocontribuinte, vincula-se ao fato gerador.

Para que lhe seja atribuída a responsabilidadetributária, porém, é necessário que este tenharelação, pessoal e indireta, com a situação jurídicadeflagradora da relação jurídico-tributária. Apessoalidade diz respeito à vinculação doresponsável com a pessoa ligada diretamente aofato gerador, o contribuinte. Por outro lado, seconsiderado direto o contato com o fato gerador,não restará configurada a sua responsabilidade,mas sim da existência do próprio contribuinte.Disso sucede que a relação pela qual o responsávelpossui com o aspecto material da relação jurídicahá de ser indireta.

O caráter indireto da responsabilidade,segundo Coelho (2009 p. 647), “dá-se portransferência do dever de pagar em razão desucessão causa mortis ou inter vivos, ou por sub--rogação legal de terceiros (responsáveis).”.

Sobre o tema, importante esclarecer, a teordo que salienta Sabbag (2009, p. 638), que

Em primeiro lugar, o responsável é umterceiro, mas o legislador não tem liberdadepara designar qualquer terceiro comoresponsável tributário, porque o mencionadodispositivo legal determina que esse terceirotenha uma vinculação de qualquer naturezacom o fato gerador da respectiva obrigação.Assim, esse vínculo pode ser de qualquerespécie, menos de natureza pessoal e direta,porque quem o tem é o contribuinte.Em segundo lugar, a atribuição daresponsabilidade tributária à terceira pessoasó pode ser por lei formal, porque oresponsável é espécie de sujeito passivo, eesse só pode ser determinado por lei emsentido estrito.

Em terceiro lugar, a lei, ao designar o terceirocomo responsável tributário, pode excluir aresponsabilidade tributária do contribuintepor meio da figura da “substituiçãotributária”, ou atribuí-la ao mesmocontribuinte em caráter supletivo documprimento da obrigação tributária, caso de“responsabilidade tributária propriamentedita”.

Em linhas gerais, a previsão daresponsabilidade no Código Tributário Nacionaldecorre da incidência nas relações jurídicas quelevam em conta o interesse comum, a inexigênciada prova de recolhimento de tributos pelostabeliães e escrivães, representação, extrapolaçãodos poderes de representação, posição de fontepagadora, bem como expedição indevida decertidões negativas.

Além da sujeição passiva direta,consubstanciada na figura do contribuinte, existiráainda, como é notório, a possibilidade deresponsabilização de pessoas alheias ao pagamentode tributos.

Em que se pese tantos outros dissensosapontados pelas críticas majoritárias, o aumentona criação de novas ocorrências do instituto daresponsabilização neste ramo do direito, apontaPaulsen (2010), vem sendo um dos principaisfatores que contribuem para os insatisfeitosquestionamentos da população nacional.

Diante de vários precedentes sobre o tema,em especial ao Recurso Especial 738.512, oSuperior Tribunal de Justiça, por meio da Súmula435, pacificou o entendimento que o sócio-gerentepoderá eventualmente ser responsabilizado se aempresa executada se dissolveu irregularmente,vale dizer, se deixou de exercer as suas atividadesno local em que o elegeu como seu domicíliofiscal, sem prévio aviso aos órgãos competentes.Veja-se:

Súmula 345. Presume-se dissolvidairregularmente a empresa que deixar defuncionar no seu domicílio fiscal, semcomunicação aos órgãos competentes,legitimando o redirecionamento da execuçãofiscal para o sócio-gerente.

De acordo com o entendimento do STJ, emsituações tais, não há de se falar em comprovação

Page 101: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

101

de dolo, fraude ou excesso de poderes pelo sócio,eis que a própria norma tributária, por meio doartigo 127 do CTN, impõe a necessidade deindicação do domicílio tributário do contribuinte.

Convém registrar as próprias palavras doSuperior Tribunal de Justiça, que considera que

Em se tratando de sociedade que se extingueirregularmente, impõe-se a responsabilidadetributária do sócio-gerente, autorizando-se oredirecionamento, cabendo ao sócio-gerenteprovar não ter agido com dolo, culpa, fraudeou excesso de poder. [...] uma empresa nãopode funcionar sem que o endereço de suasede ou do eventual estabelecimento seencontre atualizado na Junta Comercial eperante o órgão competente da AdministraçãoTributária, sob pena de se macular o direitode eventuais credores, in casu, a FazendaPública, que se verá impedida de localizar aempresa devedora para cobrança de seusdébitos tributários. Isso porque o art. 127 doCTN impõe ao contribuinte, como obrigaçãoacessória, o dever de informar ao fisco o seudomicílio tributário, que, no caso das pessoasjurídicas de direito privado, é, via de regra, olugar da sua sede. Assim, presume-sedissolvida irregularmente a empresa quedeixa de funcionar no seu domicílio fiscal,sem comunicação aos órgãos competentes,comercial e tributário, cabendo aresponsabilização do sócio-gerente, o qualpode provar não ter agido com dolo, culpa,fraude ou excesso de poder, ou ainda, queefetivamente não tenha ocorrido a dissoluçãoirregular. No direito comercial, há que sevalorizar a aparência externa doestabelecimento comercial, não se podendo,por mera suposição de que a empresa poderiaestar operando em outro endereço, sem quetivesse ainda comunicado à Junta Comercial,obstar o direito de crédito da Fazenda Pública.Ainda que a atividade comercial esteja sendorealizada em outro endereço, maculada estápela informalidade, pela clandestinidade.Assim, entendo presentes indícios dedissolução irregular, e neste caso, é firme ajurisprudência desta Corte no sentido de que,nesta hipótese, não há que se exigircomprovação da atuação dolosa, com fraudeou excesso de poderes, por parte dos sócios,para se autorizar o redirecionamento daexecução fiscal. Necessário apenas que hajaindícios da dissolução irregular. Portanto,reconhecida a ocorrência da dissoluçãoirregular da empresa é legítimo oredirecionamento da execução contra ossócios (REsp. 1017732/ RS, Rel. Ministra

Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em25-3-2008, Diário Oficial [da] RepúblicaFederativa do Brasil, Diário da JustiçaEletrônico, Brasília, DF, 7 abr. 2008).

Destaca-se, por oportuno, que embora o art.134, inciso VII, do CTN enuncie que existindoimpossibilidade de se exigir o cumprimento daobrigação principal pelo contribuinte, responderãoem solidariedade com este os sócios quando daliquidação de sociedade. Ocorre que ainterpretação dada ao tema não se embasou nestedispositivo, eis que a sua aplicação estaria restritaaos casos de liquidação de pessoas, excluindo-se,portanto, as hipóteses de liquidação de capitais,como é o caso das sociedades anônimas e por cotasde responsabilidade limitada.

É o artigo 135, inc. III, do Código TributárioNacional que serve de alicerce ao entendimentoformulado pelo Superior Tribunal de Justiça. Poresta norma:

Art. 135. São pessoalmente responsáveispelos créditos correspondentes a obrigaçõestributárias resultantes de atos praticados comexcesso de poderes ou infração de lei,contrato social ou estatutos:[...]III - os diretores, gerentes ou representantesde pessoas jurídicas de direito privado.

Note-se que a norma mencionada apresentaem seu rol uma responsabilidade pessoal. Ressalta--se, ademais, que a responsabilidade é afetadaapenas por atos comissivos, ora caracterizadoscomo “os atos praticados com excesso de poderesou infração de lei, contrato social ou estatutos.”.

A simples ausência no pagamento de tributo,portanto, não é capaz de alcançar a responsabilidadedo corresponsável. Este é, inclusive, o entendimentosumulado pelo STJ, em seu enunciado de n.º 430:“O inadimplemento da obrigação tributária pelasociedade não gera, por si só, a responsabilidadesolidária do sócio-gerente.”.

A rigor, sempre que no curso de uma açãode execução fiscal se verificar que a empresaexecutada não promoveu sua dissolução regular,o polo passivo do feito será redirecionado, epassará a constar também a qualificação dos sóciosque possuem o poder de gerência, promovendo-

Page 102: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

102

-se sua citação, bem como, quedando-se inerte, osatos constritivos necessários à satisfação do créditoda fazenda pública.

Esse redirecionamento da execução far-se--á, segundo jurisprudência pacífica, dentro doprazo de cinco anos, contados da citação da pessoajurídica, como se vê no julgado abaixocolacionado:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO.EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIO-NAMENTO AO SÓCIO-GERENTE.PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA. 1. A citaçãoda empresa executada interrompe a prescriçãoem relação aos seus sócios-gerentes para finsde redirecionamento da execução fiscal. Noentanto, com a finalidade de evitar aimprescritibilidade das dívidas fiscais, vem--se entendendo, de forma reiterada, que oredirecionamento da execução contra os sóciosdeve dar-se no prazo de cinco anos contadosda citação da pessoa jurídica. Precedentes:AgRg nos EREsp. 761.488/SC, Rel. Min.Hamilton Carvalhido, Primeira Seção, DJe de7-12-2009; AgRg. no REsp. 958.846/RS, Rel.Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJede 30-9-2009; REsp. 914.916/RS, Rel.Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJede 16-4-2009. 2. Agravo regimental nãoprovido (AgRg. no Ag. 1211213. Relator Min.Mauro Campbell Marques. 2.ª Turma. DiárioOficial [da] República Federativa do Brasil,Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 24fev. 2011).

Ao passo em que a jurisprudência do STJconsolida estes entendimentos no ordenamentojurídico brasileiro, o Supremo Tribunal Federal(STF) tem adotado posicionamentos queevidenciam maior rigor na aplicação doredirecionamento do feito fiscal diante de casosconcretos. Prova disso é a recente decisão em queo STF destacou que os princípios norteadores darelação processual devem ser respeitados tambémno âmbito do processo administrativo fiscal,conforme se verifica no julgado abaixo.

AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO.RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA.AUSÊNCIA DE CORRETACARACTERIZAÇÃO JURÍDICA PORERRO DA AUTORIDADE FISCAL.VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO, DAAMPLA DEFESA E DO DEVIDO

PROCESSO LEGAL. INEXISTÊNCIA NOCASO CONCRETO. Os princípios docontraditório e da ampla defesa aplicam-seplenamente à constituição do créditotributário em desfavor de qualquer espéciede sujeito passivo, irrelevante suanomenclatura legal (contribuintes,responsáveis, substitutos, devedoressolidários etc.). Porém, no caso em exame,houve oportunidade de impugnação integralda constituição do crédito tributário, nãoobstante os lapsos de linguagem daautoridade fiscal. Assim, embora o acórdãorecorrido tenha errado ao afirmar ser oresponsável tributário estranho ao processoadministrativo (motivação e fundamentaçãosão requisitos de validade de qualquer atoadministrativo plenamente vinculado), bemcomo ao concluir ser possível redirecionarao responsável tributário a ação de execuçãofiscal, independentemente de ele ter figuradono processo administrativo ou da inserção deseu nome na certidão de dívida ativa (Fls.853), o lapso resume-se à declaração lateral(obiter dictum) completamente irrelevante aodesate do litígio. Agravo regimental ao qualse nega provimento (Revista dos Tribunais,v. 101, n. 917, 2012, p. 629-633. SupremoTribunal Federal. Relator Min. JoaquimBarbosa. Diário Oficial [da] RepúblicaFederativa do Brasil, Diário da JustiçaEletrônico, Brasília, DF, 24 out. 2011).

Considerando que a Súmula 435 do STJadota a sistemática de responsabilidade subsidiáriaao prescrever em seu texto o teor“redirecionamento da execução fiscal”, nota-se, apartir disso, o grande dissenso provocado em voltado assunto após o entendimento do STF acimatranscrito. Ora, a constatação de que a empresa sedissolveu de forma irregular tem interesse tãosomente na fase processual, mormente em setratando do chamamento de nova pessoa àcomposição do litígio. Por outro lado, a pessoaobrigada ao pagamento do tributo será,ordinariamente, a empresa devedora do crédito,de modo que, durante a fase administrativa é estaque será chamada a participar da sua constituição,e não seu administrador. O sócio-gerente,justamente pelo caráter subsidiário do aludido teorsumulado, não configurará como responsável atéque se prove a dissolução irregular, o que significaque perante o contencioso administrativo fiscal,subsistirá apenas a figura do contribuinte, a pessoa

Page 103: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

103

jurídica. Assim, a sujeição passiva doadministrador fica caracterizadamente desvirtuadaem face da não observância dos princípiosprocessuais.

A súmula em questão, para certa parte dadoutrina, apresenta em sua redação uma verdadeirapresunção absoluta, não sendo possível a inclusãodo sócio administrador, pois restará configuradaviolação aos princípios processuais, em razão deimpossibilidade de contestação. Em contrapartida,Theodoro Júnior (2000, p. 38), além de sustentara possibilidade do redirecionamento, o faz com oseguinte raciocínio:

É claro que na dissolução da sociedade airregularidade do procedimento podeeventualmente ser praticada por outros sóciosalém dos administradores. Mas isto não é umasituação normal que sempre se possapresumir geradora de co-responsabilidadetributária nos termos do art. 135, III, do CTN.A presunção que se extrai do comum da vidae da sistemática seguida pelo CTN é a de queo abuso de gestão deve sempre ser imputadoaos sócios que se acham investidos naadministração da sociedade, e não a todosindistintamente.

Difícil será, nessas hipóteses, demonstrar agestão da sociedade por pessoa alheia àadministradora, devendo prevalecer, sempre quepossível, a função normativa em consonância coma veracidade dos fatos, e não por sua literalidadeintegral.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Muito se questiona acerca do aumento naspossibilidades de responsabilização tributária aentes que não os contribuintes, isto é, aqueles comvínculo direto em relação ao fato imponíveldeflagrador da relação jurídico-tributária. Taisconsiderações, embora dotadas de legitimidade,são facilmente rechaçadas sob o ponto de vistasocial que as reveste.

A princípio, salienta-se que oposicionamento do STJ ocorreu notadamenteatravés de manifestação expressa legal do art. 135,inc. III, do CTN. Por outro lado, considerando oteor da Súmula 435 do já referido SuperiorTribunal de Justiça, notar-se-á que a sua

interpretação, deverá ser analisada mediante umúnico entendimento, isto é, quando diz o seuenunciado que “presume-se dissolvidairregularmente”, na verdade, o que se denota étratar-se de presunção relativa, que comporta provaem sentido contrário.

Portanto, ainda que se admitam manifes-tações em contrário, a presente Súmula seencontra em respaldo pelas normas tributáriasconsolidadas, conforme faz questão de ressaltarMachado (2009).

Enfim, ponderando-se sobre a admissão daSúmula no ordenamento jurídico pátrio, mostra--se imperioso tecer algumas considerações no quediz respeito à sua aplicação no momento brasileiroatual.

O sistema tributário brasileiro deve serencarado sob uma nova óptica. O que se vê nosdias atuais é uma política voltada apenas para aampliação dos métodos de arrecadação estatal.Essa ampliação, que ocorre notadamente demaneira inversa, acontece tanto do sujeito ativo,quanto dos membros passivos da relação tributária.O fisco, além de aumentar a quantidade de tributos,eleva os seus cálculos mediante alíquotascrescentes.

Essa afronta, embora dotada de permissivoslegais, afetam os valores isonômicos garantidosna ordem constitucional brasileira, devendo-se,pois, deixar de lado as regras processuais atinentesao caso e obedecer aos ditames constitucionais,eis que disposto como direito fundamental e,portanto, de aplicação imediata.

A ofensa ao tratamento isonômico pode aindaser vislumbrada a partir da responsabilizaçãoapenas do sócio-gerente, já que a constituição dasociedade empresária ocorre justamente pelo sócionão administrador. A sujeição ao pagamento detributos é responsabilidade da sociedadeempresária como um todo, não apenas do sócio--administrador. Ora, embora se trate deresponsabilidade gerencial da empresa, seuadministrador não poderá fazê-lo se o sócio nãolhe repasse verbas para tanto.

O que se pondera com maior razoabilidadeseria a promoção de incentivos fiscais para aquelesque desejam pôr fim às suas empresas, uma vezque se o empresário não prosseguiu no exercício

Page 104: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

104

das suas atividades é de se concluir que eleencontrou dificuldades para tanto. Isso seintensifica ainda mais a partir da elevada cargatributária nacional.

Note-se a partir disso que o próprio Estado,ao dificultar seu encerramento, contribui para a faltade arrecadação de tributos ao erário e, ainda, e quasesempre, para a dissolução irregular da empresa.

Os benefícios impostos às sociedadesempresárias devem guardar certa ponderação comas exigências de mercado, eis que, do contrário,sua função social se torna inviável se levados emconsideração os ideais de desenvolvimento dapessoa jurídica.

A ânsia do Estado em arrecadar tributos vemse mostrando, portanto, incontroversa à suaefetivação. Algumas medidas, por mais quesustentadas legalmente, deixam de concretizar nopagamento dos tributos, quando, por outro lado,poderia ser de fácil de solução e beneficente paraambas as partes.

Não raras vezes, pois, é que a doutrina vemrelacionando o tributo como uma verdadeira normade rejeição social, onde a relação tributária entrefisco e contribuinte, a cada dia mais, vem sedeteriorando com o tempo.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição daRepública Federativa do Brasil. Brasília:Senado, 1988.

BRASIL. Lei n.º 10.406 de 10 de janeiro de2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial[da] República Federativa do Brasil, Brasília,DF, 10 jan. 2002.

BRASIL. Lei n.º 5.172 de 25 de outubro de1966. Dispõe sobre o sistema TributárioNacional e institui normas gerais de direitotributário aplicáveis à União, Estados eMunicípios. Diário Oficial [da] RepúblicaFederativa do Brasil, Brasília, DF, 25 deoutubro de 1966.

COELHO, Sasha Calmon Navarro. Curso dedireito tributário brasileiro. 10. ed. Rio deJaneiro: Forense, 2009.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direitotributário. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

PAULSEN, Leandro. Direito tributário:constituição e código tributário à luz da doutrinae da jurisprudência. 12. ed. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2010.

SABBAG, Eduardo. Manual de direitotributário. São Paulo: Saraiva, 2009.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Lei deexecução fiscal: comentários e jurisprudência. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

Page 105: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

105

NORMASPARA PUBLICAÇÃO

Page 106: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

106

Page 107: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

107

e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho

ISSN eletrônico: 2179-8222

Área: Direito

Editor: Prof. Ms. Waldir de Pinho Veloso

Endereço eletrônico (e-mail): [email protected]

Periodicidade: semestral

Idioma: Português

Forma de distribuição: eletrônica, constante napágina eletrônica direito.fasa.edu.br, com acessolivre. O formato é copiável, mas pede-se a citaçãode autor e fonte.

1 INFORMAÇÕES INICIAIS E TÉCNICASSOBRE A REVISTA

A Revista Eletrônica Fas@Jus é uma publicaçãosemestral do Curso de Direito da Faculdade deDireito Santo Agostinho. Tal Faculdade tem sedeem Montes Claros, Minas Gerais, na Av. DonatoQuintino, 90, Shopping Center, CEP 39400-546.Os telefones são (38) 3224-7905 (Coordenação),3224-7901 (recepção) e 3224-7900 (geral).A e-Revista Fas@Jus é uma publicação eletrônicae, em algumas oportunidades, são impressosalguns exemplares, com o fim de divulgação. Écomposta das seguintes seções fixas:

ENTREVISTA – destinada a divulgar assuntosrelacionados ao Direito, orientação profissional etemas ligados aos órgãos nos quais atuam osoperadores do Direito;

ARTIGOS DO CORPO DOCENTE – espaçodestinado a publicar artigos científicos de autoriade Professores do Curso de Direito da Faculdadede Direito Santo Agostinho (FADISA). Nesteponto, uma explicação. A Fas@Jus não publica

artigos e resenhas envolvendo parceria deProfessores e Acadêmicos porque:

há seção exclusiva para publicação detextos dos Acadêmicos da Casa;

é forma de incentivar aos Acadêmicos apublicarem de forma isolada;

é forma de evitar que Professores exijamque seus Alunos façam artigos científicos eincluam os seus (dos Professores) nomes;

parcerias, normalmente, não valempontuação, para os Acadêmicos, emconcursos públicos de provas e títulos;

no caso específico da FADISA, somentea publicação individual pode levar oAcadêmico autor a ser dispensado de feiturae apresentação de monografia comoTrabalho de Curso;

ARTIGOS DO CORPO DISCENTE – espaçodestinado a publicar artigos científicos de autoriade Acadêmicos do Curso de Direito da Faculdadede Direito Santo Agostinho (FADISA). São aceitasparcerias entre Acadêmicos, embora não sendoaconselhável porque tais publicações com mais deum autor, normalmente, não resultam empontuação em concursos públicos de provas etítulos e, no caso da FADISA, somente apublicação individual pode levar o Acadêmicoautor a ser dispensado de feitura e apresentaçãode monografia como Trabalho de Curso;

ARTIGOS DE EGRESSOS – seção destinadaaos ex-alunos do Curso de Direito da Faculdadede Direito Santo Agostinho;

ELO COM OUTRAS IES – espaço apropriadopara publicação de artigos científicos de autoria de:

Acadêmicos de outras Instituições deEnsino Superior de todo o Brasil;

Page 108: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

108

Egressos de outras Instituições de EnsinoSuperior de todo o Brasil;

Professores de outras Instituições deEnsino Superior de todo o Brasil;

AUTOR CONVIDADO – seção destinada aconter artigos científicos de autoria de pessoas queo Editor ou os componentes do Conselho Editorialconvidam a colaborar;

RESENHA – espaço destinado a publicação deresumo crítico, comparativo ou contendo emissãode juízo de valor por parte do autor sobre obrasartísticas que são da área do Direito ou são a talárea inter-relacionados. São exemplos: livros,filmes, peças teatrais, músicas e outras atividadesartísticas que tocam no tema dos segmentos doDireito.

2 NORMAS GERAIS E INICIAIS PARAQUAISQUER TIPOS DE MATERIALSUBMETIDO À ANÁLISE,APRECIAÇÃO E PUBLICAÇÃO

I – somente serão analisados, pelo ConselhoEditorial, materiais inéditos, entendo como inéditoo texto que tenha sido motivo de, em forma deresumo, eventuais apresentações orais, em eventoscientíficos;

II – a submissão de texto científico a ser analisadoe, se aprovado, publicado, importa em ciência deque há originalidade, não há plágios, fraude oucópias e que o material é inédito em termos depublicação, afirmações sob a responsabilidade, nassearas penais e civis, do autor;

III – a submissão dos trabalhos implica:

a) aceitação e autorização da publicação, seaprovado pelo Conselho Editorial, com cessão dosdireitos autorais de colaboração autoral inédita;

b) ciência de que o material, se aprovado parapublicação, poderá ser submetido a correçãolinguística, metodológica, de formatação epadronização;

c) ciência de que a não aprovação, por parte doConselho Editorial, não implica em responsabilidadede informar em que partes do texto foram notadasdeficiências (a reprovação do texto não se traduz por

oferta de correção ou sugestões);

d) ciência de que somente em casos excepcionaiso Conselho Editorial devolverá o material ao autor,para melhoramentos, adequações e adaptações,sendo a regra a reprovação do que não se encaixarnas regras ora fixadas.

3 NORMAS PARA PUBLICAÇÃO DEARTIGOS

A Revista Eletrônica Fas@Jus, do Curso de Direitoda Faculdade de Direito Santo Agostinho aceitaanalisar artigos científicos que lhe sejamsubmetidos, com as seguintes condições.

PRIMEIRA. TEMA

Os artigos científicos submetidos dever conter, aprincípio, exclusivamente temas de Direito. Mas,há como mesclar Direito e outros segmentos dosaber (Direito e Economia, Direito e Psicologia,Odontologia Legal, Medicina Legal, porexemplos) assim como são aceitos textosenvolvendo, também como exemplo, EducaçãoSuperior.

SEGUNDA. FORMATO DO DOCUMENTOO artigo científico submetido:

I – deve ser enviado exclusivamente em textodigitado, redigido em Língua Portuguesa, semenvio de material impresso;

II – deve estar digitado com tipos Times NewRoman (preferencialmente) ou arial;

III – exceto as citações longas, o texto deve tertipos tamanho 12, com espaço 1,5 entre linhas;

IV – as citações curtas, de até três linhas, devemvir dentro do texto, entre aspas;

V – as citações longas devem:

a) ser digitadas em tipos de tamanho 11;

b) ser recuadas em 2,5cm (duas vezes o espaço1,25cm do parágrafo normal);

c) ter espaço simples (espaço 1) entre linhas;

d) ter referência a autor – apenas pelo sobrenomee em letras maiúsculas – data e número da página;

VI – ter, no mínimo, dez páginas, incluindobibliografia e notas de rodapé;

Page 109: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

109

VII – estar redigido em formato word (não seadmitindo arquivo em PDF ou outro formato), comas seguintes especificações:

a) a página deverá ser padronizada com margenssuperiores e esquerda com 3cm e margenssuperiores e direita com 2cm;

b) os recuos de parágrafos devem ter 1,25cm, e aseparação entre parágrafos deve ser feita comutilização de espaço normal entre linhas;

VIII – o título do artigo deve ser digitado emtamanho 14 ou 16, com efeito negrito ecentralizado;

IX – se houver subtítulo do artigo, deve vir tododigitado em letras minúsculas – exceto em setratando de nomes próprios – e após o título, tendodois pontos imediatamente após a última letra dotítulo e antes do subtítulo;

X – o nome completo do autor do texto deve serdigitado em tamanho 12, alinhado à direita, comnota de rodapé contendo a qualificação resumidado autor (títulos e Instituições de Ensino às quaisse acha ligado ou nas quais obteve os títulos);

XI – o Resumo deve:

a) ter o máximo de 200 palavras, em únicoparágrafo;

b) estar digitado em espaço simples (espaço 1);

c) ser redigido em Língua Portuguesa;

d) conter até cinco palavras-chave, estas escritasna última linha;

XII – o Resumo deve ser traduzido,preferencialmente em inglês, na mesma condiçãodo Resumo, sob a forma de ABSTRACT, inclusiveas cinco correspondentes keywords;

XIII – os destaques devem ser feitosexclusivamente com utilização de tipos itálicos,não se admitindo negrito e sublinhado;

XIV – a Bibliografia deve:

a) ser inserta ao fim do texto, exclusivamente;

b) ter o subtítulo como, apenas, REFERÊNCIAS;

c) ter espaço simples entre as linhas;

d) estar alinhada à esquerda;

e) conter:

1) nome de família do autor, em letras maiúsculas,seguido de vírgula;

2) restante do nome do autor somente com iniciaismaiúsculas, exceto partículas de ligação que ficamescritas em minúsculas (exemplos: de, da, e),seguido de ponto final;

2) título da obra somente com a primeira inicialmaiúscula, exceto em se tratando de nomespróprios, com efeito itálico; seguido de dois pontosse houver subtítulo ou ponto final quando nãohouver subtítulo;

3) se houver, subtítulo da obra somente cominiciais minúsculas, exceto em se tratando denomes próprios, sem efeitos;

4) nome do tradutor, se houver, seguindo de pontofinal;

5) número da edição indicada apenas peloalgarismo arábico seguido de ponto final e somenteem sendo da segunda edição em diante, e seguidoda palavra “ed.”, em letras minúsculas seguidasde ponto final, como forma de abreviar “edição”;

6) o nome da cidade em que houve a publicação,seguido de dois pontos;

7) o ano da edição, seguindo de ponto final;

8) notas esclarecedoras como título original ou aqual coleção pertence, se houver;

XV – o material gráfico e ilustrações devem:

a) ter largura entre 8,5cm e 16cm;

b) ser numeradas sequencialmente em algarismosarábicos;

c) estar localizados(as) dentro do texto, quandotratado do assunto em que a ilustração, quadro,tabela ou outra forma de ilustração se referir;

d) ter legendas escritas em tipos Times NewRoman, tamanho 8, logo abaixo da figura.

TERCEIRA. O TEXTO E OS SUBTÍTULOS

O texto deve ser apresentado em estilo“justificado” (de um lado ao outro da página) eseparado por subtítulos, precedidos de algarismosarábicos.

Quando se tratar de numeração primária(exemplos: 1, 2, etc.), o subtítulo dever vir todo

Page 110: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

110

escrito em letras maiúsculas, com efeito negrito.Quando se tratar de numeração secundária(exemplos: 1.1; 1.2; 2.1; 2.2, etc.), o subtítulo deveter somente as iniciais maiúsculas, excetopartículas de ligação e palavras monossilábicas(exemplos: de, para, por, as), com efeito negrito.Subtítulo com numeração terciária (exemplos:1.1.1; 1.1.2, etc.) deve conter apenas a primeirainicial maiúscula, e sem efeito negrito.

QUARTA. NOTAS DE RODAPÉ

Somente são admitidas notas de rodapé paraidentificação resumida do autor (inciso X da notaSEGUNDA) e para notas explicativas. Não sãoadmitidas referências bibliográficas como nota derodapé. Os tipos das notas de rodapé devem serde números 9 ou 10.

QUINTA. ABREVIATURAS, ABREVIAÇÕESE SIGLAS

A primeira utilização de iniciais, abreviatura e siglasomente será admitida após o nome por extensoda sequência abreviada, e entre parênteses. A partirda primeira utilização de iniciais, abreviaturas esiglas, pode-se utilizar, opcionalmente, todo onome ou a forma diminuída. Não se admite o usode abreviações (exemplos: cine, fone).

Notar que não há pontos finais em iniciais ousiglas.

Exemplos de siglas: Faculdade de Direito SantoAgostinho (FADISA) ou Faculdade de DireitoSanto Agostinho (Fadisa) (nos exemplos, a palavraformada tem mais de quatro letras e, por isso, podeaparecer em caixa-alta ou somente com a primeiraletra em maiúscula; se fosse composta de atéquatro letras, o uso seria, exclusivamente,exclusivamente com letras maiúsculas).

Exemplos de iniciais: Fundo MonetárioInternacional (FMI); Núcleo Docente Estruturante(NDE).

SEXTA. NUMERAIS

No texto, os numerais são escritos por extensoentre um e vinte e a cada vez que a indicação forem números pronunciados com única palavra(exemplos: trinta, cem, quinhentos, mil) e emalgarismos nos demais casos (exemplos: 21, 45,135, 1.011). Deve-se notar que a partir de mil, háponto final entre o milhar e a centena. Não se usaponto final entre o milhar e a centena é em datas.Exemplos: 2015, 1968; 2045.

4 NORMAS ESPECÍFICAS PARAPUBLICAÇÃO DE RESENHAS

A Revista Eletrônica Fas@Jus, do Curso de Direitoda Faculdade de Direito Santo Agostinho aceitaanalisar resenhas que lhe sejam submetidas. Aelaboração de resenhas deve obedecer, em tudo,as normas para publicações de artigos, exceto asseguintes particularidades:

I – admite-se texto sem subtítulos ou com subtítulosem numeração;

II – o texto deve ter, no mínimo, cinco páginas;

III – não há resumo e/ou abstract;

IV – as obras resenhadas devem, obrigatoriamente,envolver o Direito, não se fixando quais asmodalidades intelectuais em que a arte analisadaé apresentada (exemplos: filmes, livros literário,peças teatrais e outras).

V – admite-se Referência com apenas dados daobra resenhada.

5 NORMAS DA ABNT

Em quaisquer textos submetidos à análise doConselho Editorial da Fas@Jus, a e-Revista doCurso de Direito da Faculdade de Direito SantoAgostinho, devem ser observadas as normas daAssociação Brasileira de Normas Técnicas(ABNT) em tudo que não ficou descrito nas regrasanteriormente descritas.

Page 111: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

111

Page 112: e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n ...

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 6, n. 2/2016

112