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| POR ALINE LILIAN DOS SANTOS E ADRIANA WILNER

Poucos conseguem captar as mudanças do mercado de trabalho como Sofia Esteves. Filha de comerciantes, viver o mundo empreendedor está em seu DNA, como ela mesma diz. Visionária e disruptiva, com apenas 26 anos, fundou a Cia de Talentos (hoje Grupo Cia de Ta-lentos), uma das principais consultorias de recursos humanos, edu-cação para a carreira e seleção de candidatos do Brasil.

Só em 2018, foram geradas cerca de 5000 vagas, por meio da realização de 92 programas para jovens, entre estágios, trainees e ações de atração de talentos. Além disso, a empresa é conhecida por seus estudos na área, como a pesquisa Carreira dos sonhos, e ferramentas inovadoras, como a Bettha, plataforma gra-tuita que auxilia os profissionais em seu conhecimento pessoal e desenvolvi-mento socioemocional para se prepararem melhor para o mercado de trabalho.

Nesta entrevista à GV-executivo, Sofia destaca que, em pesquisa da Cia de Ta-lentos, 45% dos líderes do topo das organizações afirmaram que sabem exata-mente o que fazer para lidar com as mudanças no mercado. Para ela, esse dado é assustador, pois ninguém está preparado para o que virá pela frente. A respos-ta desses gestores, a seu ver, indica que “ou não estão enxergando um palmo à frente, ou estão negando, por medo”.

Por fim, a empresária enfatiza a importância do autoconhecimento para o sucesso na carreira: “Em um mundo que muda rapidamente, os profissio-nais precisam, antes de tudo, olhar para dentro de si próprios, pois o conhe-cimento técnico fica obsoleto em poucos anos, mas os aspectos socioemo-cionais são perenes”.

AUTOCONHECIMENTO: O PASSO PARA A REALIZAÇÃO

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| ENTREVISTA • SOFIA ESTEVES

GV-executivo: Em sua opinião, o que é talento?

Sofia: Todo mundo nasce com um di-ferencial, só que, infelizmente, a maior parte de nós passa a vida sem desco-brir qual é esse talento e emprega seu potencial de maneira errada. A chave está em aplicar o talento, aquilo que lhe traz brilho nos olhos, no tipo de cultura certa, na empresa certa, na área certa, no momento certo de vida para você. Se estivermos em um espaço que va-lorize os nossos pontos positivos, va-mos demonstrar mais o nosso talento e ter sucesso.

GV-executivo: Tem até aquela fa-mosa frase: “Faça o que gosta e não trabalhará um dia”...

Sofia: Sem conhecer nossa principal habilidade, pensamos: “Tenho de estar no mercado de trabalho formal”, ou “Tenho de ser empreendedor”, porque agora a moda é ter startup. Resposta er-rada! Não fique valorizando o que sai nas mídias. Vai acabar se frustrando, não crescendo e, o pior, não ajudan-do a empresa em que está a crescer. Tudo começa com o autoconhecimen-to e é obrigação das empresas ajudar os profissionais nesse processo, assim como fazer um trabalho de revisão da sua cultura. Existem valores e crenças que permeiam a companhia para o res-to da vida, mas outros podem mudar. Tomando como exemplo a Cia de Ta-lentos, somos aficionados por qualidade e excelência, pela profundidade daqui-lo que fazemos. Só aceitamos trabalhar para empresas com valores comuns... Ao mesmo tempo, quando montei o grupo, há 30 anos, eu tinha de ter o meu escritório, pois isso mostrava que minha empresa era séria. Agora, estamos dentro de um coworking. O mundo requer que eu tenha mais foco no meu core business do que cuidar se queimou a lâmpada, ou se a copeira ou a faxineira faltou.

GV-executivo: Em sua visão, quais são as principais diferenças entre a geração atual e as anteriores em relação ao trabalho?

Sofia: Fui uma das precursoras das pesquisas sobre gerações, mas minha grande descoberta é que os pontos mais importantes são o momento que o mundo está vivendo, a história de vida e o perfil das pessoas. Na época da Segunda Guerra Mundial, de gran-de escassez, as pessoas precisavam agarrar o emprego que tinham. Hoje, não existe mais o mundo em que se trabalha por obrigação. As pessoas querem ser felizes em seu trabalho. Há quem pense que os jovens não querem mais trabalhar em grandes empresas, só em startup, mas, em nossas pes-quisas, só 10% deles disseram isso. E, para nossa surpresa, 12% dos pre-sidentes e diretores falaram que que-rem trabalhar emstartup.

GV-executivo: É uma quebra de pa-radigma, não?

Sofia: É a história de vida do in-divíduo que faz ele ser mais ou me-nos empreendedor. Eu, por exemplo, sou filha de comerciantes. Viver o mundo empreendedor está no meu DNA. Quem é filho de funcionário público, que sempre teve aquela vida estável, pode ter mais dificul-dade de se lançar em um empreendi-mento. Mas também tem a ver com as características pessoais. O filho de funcionário púbico pode ter um perfil inquieto e querer empreender. O mundo precisa de gente com to-dos os perfis. Estou achando muito interessante o fato de que, hoje, uma fatia da população diz que não quer ser líder. Por quê? Porque já enten-de que ser líder tem ônus e bônus. Antes, essa consciência não existia; todo mundo tinha de ser líder para ter sucesso.

GV-executivo: Como você vê a ques-tão da diversidade nas empresas hoje?

Sofia: A diversidade está tão em alta porque o mundo mudou muito. Antes, a empresa decidia: “O refrigerante vai ser assim”. Hoje, o consumidor dita se quer mais ou menos açúcar, ou ele simplesmente deixa de consumir. Se na minha empresa tenho só pessoas que pensam igual a mim, não vou capturar a essência do novo consumidor. Então, preciso ter diversidade. Nas corpora-ções, levo muito a discussão de que, às vezes, se olha a diversidade de fachada, de casca, e não a diversidade interna. “Eu aceito ter pessoas assim e assim, desde que pensem igual a mim”. Quem pensa dessa forma está fadado ao fra-casso. A maior diversidade que se pode ter é a de mindset, trazendo formas di-ferentes de pensar, lembrando que é necessário que as pessoas tenham os mesmos valores ─ isso é inegociável. Para a liderança, é muito mais difícil lidar com essas diferenças. Tenho fun-cionários que querem estar totalmente livres e outros que precisam seguir re-gras. Você tem de aprender a mesclar modelos de acordo com a necessida-de das pessoas e respeitar o que elas têm de melhor.

GV-executivo: Como é selecionar e desenvolver profissionais na atual situação de crise do Brasil?

Sofia: O mercado de trabalho re-cuou muito. Pelo menos na parte dos jovens, está cerca de 20% menor do que era há três anos. Por outro lado, antes tínhamos muito mais inscritos em programas do que hoje. As pessoas saíam metralhando para todos os la-dos. Hoje, estão mais focadas, buscam aquilo que tem a ver com elas. O que percebemos é que cada vez se formam mais pessoas no mercado brasileiro em nível superior e cai o número de

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RAIO X Sofia Esteves.

Nascida em 17/09/1961.

Graduada em Psicologia pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU).

Pós-graduada em Gestão de pessoas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Fundadora e presidente do conselho do Grupo Cia de Talentos.

aprovação nos processos seletivos por motivos socioemocionais. Há 28 anos, quando fiz o primeiro progra-ma de trainee, os candidatos só po-diam ser de cinco escolas. Hoje, 65% dos programas que a Cia de Talentos desenvolve podem ter candidatos de qualquer faculdade. Muitos desses programas, inclusive, já quebraram o paradigma de exigir inglês, porque a língua você ensina, os valores de vida e a cultura não.

GV-executivo: São grandes mudan-ças, não?

Sofia: Há cada vez mais profissio-nais no mercado, mas menos pessoas preparadas para os desafios das organi-zações. Por isso, enfatizo a necessidade enorme do autoconhecimento. Hoje, a necessidade de ter as pessoas certas é tão grande que a chance de você se co-locar é muito pequena se não passar se-gurança na entrevista, porque não sabe exatamente o que está buscando. Atu-almente, a primeira coisa que olhamos nos processos seletivos é o match de cultura e de valores.

GV-executivo: Você acha que as em-presas e os profissionais estão pre-parados para lidar com as transfor-mações que estão por vir no mercado de trabalho?

Sofia: Se alguém disser que está totalmente preparado, está mentindo. O próprio corpo humano não foi pro-jetado para mudanças tão drásticas e velozes como as que estão acontecen-do. Um dado me chocou muito na últi-ma edição da pesquisa sobre carreiras que fazemos: 45% da alta liderança disse que sabe exatamente o que tem de fazer. Duas são as possibilidades de quem responde dessa forma: ou não está enxergando um palmo à frente, ou está negando, por medo. As duas são muito ruins.

GV-executivo: É mesmo impressionante!Sofia: Porque aceitar que não sabe é

a coisa mais bonita. Tenho usado uma comparação com os super-heróis. Antes, o Superman era perfeito. Sua única fra-queza era a kryptonita, que ficava fora dele. Isso não existe mais. Hoje temos a Liga da Justiça, que mostra os pontos positivos e as fragilidades de cada herói. Se um deles se deu mal, o outro vai lá e ajuda. Há essa humanização e quebra de visão de que o líder precisa saber tudo. Por mais que estude, não vai estar atu-alizado o tempo inteiro. Sem essa cla-reza, ele não vai entrar em contato com o medo que sente nem fazer algo para que isso o impulsione a ir para frente.

GV-executivo: Temos muito o que aprender sobre as relações de tra-balho no futuro, não?

Sofia: Uma das perguntas que fi-zemos na pesquisa é o que as pesso-as precisam desaprender. Os jovens falaram a respeito da liderança: “Ele

precisa desaprender que só a opinião dele é suficiente”. A média gerência disse o mesmo. Os 2% da alta lideran-ça não transformam se não tiverem os outros 98%. Essa humildade de dizer “eu preciso do outro” é uma coisa de desaprender. O jovem é mais honesto, ele diz: “É muito legal fazer todas essas transformações, mas eu estou morrendo de medo. Isso gera ansiedade”. A an-siedade já é o terceiro maior motivo de afastamento do mercado de trabalho. Daqui a dois anos, vai ser o primeiro.

GV-executivo: Também existe a questão de o gestor colocar em prática o que fala. Como você vê o desenvolvimento de uma relação de confiança entre líderes e cola-boradores?

Sofia: Hoje, o tema confiança é fun-damental para o desenvolvimento e a perenidade da empresa. Se você não confia, não vai dar o seu melhor nem falar o que pensa. Ter a liberdade de

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dar um ponto de vista diferente está automaticamente ligado à confiança. O ambiente corporativo não aprendeu que um líder pode errar e dizer: “Pisei na bola, desculpa”. O fato de você pedir desculpa é muito poderoso. O diálogo leva à confiança, mas as empresas es-tão tão pressionadas que vira um monte de gente correndo atrás de resultado e há pouco espaço para conversas ver-dadeiras e trocas.

GV-executivo: Como devemos nos preparar para um cenário em que nossos conhecimentos se tornarão rapidamente obsoletos e trabalha-remos mais tempo?

Sofia: Primeiramente, você tem de saber qual é a sua forma de aprender. É mais teórica, de construção de co-nhecimento, autodidata, ou alguma outra forma? Outro ponto é que o co-nhecimento antes era na área, linear. Quem entrava como analista finan-ceiro precisava saber o que mudava sobre finanças no mundo. Hoje, tem de se atualizar sobre tudo de finanças, mas também precisa saber do negócio. Não pode ter um repertório só do seu campo de atuação. Além disso, é pre-ciso desenvolver outros tipos de habi-lidades. Está na moda falar em master of fine arts. Em vez de um master in business administration (MBA), você faz especialização nas áreas que en-volvem artes, para desenvolver sua sensibilidade, abrir seu olhar para coisas com que não estava acostuma-do. Então, você não tem só de fazer especialização na sua área, também precisa entender de tendência de ne-gócios e abrir seus poros para essa transformação que está acontecendo. De onde partir? De novo, de você com você mesmo. Onde eu estou mais de-fasado? É no conhecimento técnico da minha área, é em visão de negócios como um todo, ou é nessa questão de

olhar o indivíduo e as emoções de um jeito diferente?

GV-executivo: Mesmo com todas as mudanças, as estruturas orga-nizacionais não se mantêm muito hierárquicas?

Sofia: É um processo de constan-te evolução, não vai ser da noite para o dia. Mas eu acho que nós estamos muito atrasados perto do que deveria ser. A área de recursos humanos é es-tratégica para essa mudança, pois vai olhar para a seguinte questão: “Para a realidade da minha empresa, qual é a melhor forma de eu desenvolver os estilos de liderança?”. Não adianta dizer: “De uma empresa tradicional e hierárquica, agora vou ter uma em-presa horizontal e sem liderança”. Vai morrer antes do tempo, porque todo mundo vai se perder lá dentro. Eu não acredito nem no mundo hierárqui-co, que manda quem pode e obedece quem tem juízo, nem no mundo ho-rizontal, que não tem chefe, porque paralisa a organização. Acredito na liderança situacional. Eu posso ser um operador de fábrica; se vejo que algo está errado, naquele momento eu sou o líder que vai apertar o botão vermelho e parar a produção.

GV-executivo: Ninguém é bom em tudo, não é?

Sofia: É muito difícil para os líde-res, calcados na história de vida em que cresceram, enxergar que simples-mente podem deixar de liderar em al-guns momentos, que não serão menos importantes nem perderão seu poder. Pelo contrário, vão ser muito mais va-lorizados, porque estarão empoderan-do e desenvolvendo o outro. Também tem de saber a hora de sair de cam-po. Hoje sou presidente do conselho, não estou mais na presidência do dia a dia, porque tem gente muito melhor

do que eu para fazer isso. Eu tenho orgulho de ter desenvolvido pessoas preparadas para fazer isso. Também tenho outros sonhos. Criei uma orga-nização não governamental (ONG), o Instituto Ser Mais, que está sendo um sucesso. Me prender a só uma coisa seria muito triste. Viveria agarrada nos louros do que construí, focada só em mim. A maior parte das pessoas se prende ao status, ao poder, à imagem, à importância que o mundo dá e mor-re afogada nisso.

GV-executivo: O que você aconse-lha aos jovens que estão terminando a graduação e iniciando a carreira?

Sofia: Primeiramente, você só vai saber qual é o seu caminho dentro de você mesmo, não seguindo o que o professor, os pais ou o colega falou. Busque as suas verdades e necessida-des, e não tenha medo de pedir aju-da para fazer isso. Em segundo lugar, ouse. Essa é a fase de experimentar, acertar, errar. Às vezes, a gente cria um plano para nós mesmos: “Eu que-ro trabalhar só em multinacional de bens de consumo ou em um grande banco de investimentos”, e o mundo está mostrando que o seu caminho é outro. Se aparecerem oportunidades em áreas diferentes, coloque um “por que” antes do “não”: “Por que não?”.

GV-executivo: Tem de se permitir...Sofia: É melhor você errar e acertar

por sua decisão do que descobrir que foi na valsa do modismo, do que o ou-tro queria para você, e depois se des-cobrir extremamente frustrado, traba-lhando em um lugar que não tem nada a ver com você.

ALINE LILIAN DOS SANTOS > Jornalista da GV-executivo > [email protected] WILNER > Editora adjunta da GV-executivo > [email protected]

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