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ARTIGO Letrônica v. 2 , n. 2 , p. 02- 21, dezembro 2009 O processo de palatalização na fala de florianopolitanos nativos em corpus de fala espontâneo e controlado Carine Haupt 1 André Berri 2 1 Introdução O presente trabalho é um estudo fonético-fonológico da realização do arquifonema /S/, tanto em sílaba medial quanto final, numa perspectiva sincrônica, na fala de moradores nativos de Florianópolis. A variação entre a realização alveolar e palato-alveolar da fricativa coronal /S/ é um fenômeno já bastante discutido em todo território brasileiro, haja vista a quantidade de trabalhos realizados em diversas regiões, inclusive em Florianópolis (BRESCANCINI, 1996, 2003a, 2003b). Contudo, resolvemos estudar sua ocorrência na fala de florianopolitanos, usando um outro tipo de corpus – um corpus lido – a fim de comparar os resultados com aqueles que encontramos em trabalhos feitos com fala espontânea, como, por exemplo, com dados do Projeto VARSUL (Variação Linguística Urbana da Região Sul) (Id. 2003a, 2003b). Acreditamos que, por a palatalização ser um processo bastante difundido em Florianópolis 3 , a realização palato-alveolar de /S/ seja predominante até em um corpus com um grau de monitoramento de fala maior, como é o caso da leitura. Com o objetivo central de oferecer explicações linguísticas e/ou sociolinguísticas, o fenômeno da palatalização será analisado sob a perspectiva da sociolinguística quantitativa de 1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC- e professora efetiva da Universidade Federal do Tocantins – UFT. 2 Doutor em Linguística e professor efetivo da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC 3 Brescancini (2003a) atesta que o uso da variante palato-alveolar é predominante em Florianópolis, chegando a 83% das ocorrências analisadas.

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  • ARTIGO Letrnica v. 2 , n. 2 , p. 02- 21, dezembro 2009

    O processo de palatalizao na fala de florianopolitanos nativos em corpus de fala espontneo e controlado

    Carine Haupt1 Andr Berri2

    1 Introduo O presente trabalho um estudo fontico-fonolgico da realizao do arquifonema /S/,

    tanto em slaba medial quanto final, numa perspectiva sincrnica, na fala de moradores nativos de Florianpolis.

    A variao entre a realizao alveolar e palato-alveolar da fricativa coronal /S/ um fenmeno j bastante discutido em todo territrio brasileiro, haja vista a quantidade de trabalhos realizados em diversas regies, inclusive em Florianpolis (BRESCANCINI, 1996, 2003a, 2003b). Contudo, resolvemos estudar sua ocorrncia na fala de florianopolitanos, usando um outro tipo de corpus um corpus lido a fim de comparar os resultados com aqueles que encontramos em trabalhos feitos com fala espontnea, como, por exemplo, com dados do Projeto VARSUL (Variao Lingustica Urbana da Regio Sul) (Id. 2003a, 2003b). Acreditamos que, por a palatalizao ser um processo bastante difundido em Florianpolis3, a realizao palato-alveolar de /S/ seja predominante at em um corpus com um grau de monitoramento de fala maior, como o caso da leitura.

    Com o objetivo central de oferecer explicaes lingusticas e/ou sociolingusticas, o fenmeno da palatalizao ser analisado sob a perspectiva da sociolingustica quantitativa de

    1 Doutoranda do Programa de Ps-Graduao em Lingustica da Universidade Federal de Santa Catarina

    UFSC- e professora efetiva da Universidade Federal do Tocantins UFT. 2 Doutor em Lingustica e professor efetivo da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

    3Brescancini (2003a) atesta que o uso da variante palato-alveolar predominante em Florianpolis, chegando a 83% das ocorrncias analisadas.

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    Letrnica, Porto Alegre v.2, n.2, p. 03, dezembro 2009.

    origem laboviana. Interessa a essa pesquisa no somente fazer um levantamento das ocorrncias de palatalizao, mas tambm tentar explicar esse fenmeno. Para tanto, usamos como referencial terico os estudos em fonologia multilinear, mais especificamente o modelo da Fonologia da Geometria de Traos (GT), e a Teoria da Variao. O modelo da GT parece ser o mais apropriado, uma vez que estuda a organizao dos traos de cada segmento de forma independente e hierarquizada, o que permite entender como um trao pode se estender alm de um segmento ou como o apagamento de um segmento no implica necessariamente o desaparecimento de todos os traos. Alm disso, esse modelo est profundamente comprometido com a realidade fontica. A pesquisa se valer tambm do apoio da fontica acstica para sanar dvidas em relao transcrio fontica.

    O trabalho se constitui de partes distintas. Primeiramente, feita uma reviso bibliogrfica tratando de caracterizar fonologicamente os segmentos em questo, isto , as

    sibilantes [s, z, , ], de acordo com a Fonologia da Geometria de Traos. Ainda na reviso bibliogrfica, descrevemos os resultados das pesquisas de Brescancini (1996, 2003a), que sero objeto de nossa comparao. Num segundo momento, apresentamos algumas discusses sobre o estudo da variao que norteia a metodologia adotada na pesquisa. Trazemos, tambm, detalhes sobre as variveis envolvidas e os informantes. Por fim, analisamos os resultados das ocorrncias de palatalizao a partir do referencial terico proposto e das hipteses levantadas.

    2 A caracterizao fonolgica das sibilantes /s, z, , / de acordo com a GT A diferena entre as sibilantes alveolares e palato-alveolares e a livre variao entre as

    duas categorias podem ser bem explicadas atravs da Geometria dos Traos, uma vez que esse modelo est comprometido com a realidade fontica. De acordo com essa teoria, proposta por Clements e Hume (1993), essas sibilantes so classificadas como coronais, devido ao seu ponto de articulao, e diferenciam-se por // ser uma consoante do tipo

    complexa, enquanto que /s/ uma consoante simples, plena. Isso significa que a palato-

    alveolar apresenta dois traos de articulao oral. Ela apresenta o n dos pontos de consoantes (pontos de C) e o n dos pontos de vogal (pontos de V), que ficam sob o domnio do n voclico. Sob o domnio do n voclico fica tambm o n de abertura, que apresenta como dependentes os traos ab1, -ab2, -ab3, que caracterizam uma vogal alta. Essa representao defendida por Hernandorena (1994) e fundamentada por dados de aquisio. Segundo essa autora, todas as consoantes palatais do portugus so complexas, enquanto que as alveolares

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    Letrnica, Porto Alegre v.2, n.2, p. 04, dezembro 2009.

    so simples e, redundantemente, [+anterior]. s complexas, por sua vez, atribui-se o valor [-anterior] como decorrncia da estrutura desses segmentos pela seguinte razo: h a incorporao do n voclico e dos pontos de V que representam a articulao secundria. Quando h o trao [coronal] sob o domnio do n dos pontos de V, dele s pode depender o trao [-anterior], pois o trao [coronal] das vogais implica redundantemente o trao [-anterior]. Esse valor, [-anterior], faz com que o trao [coronal] sob o domnio do n dos pontos de C passe a ter o mesmo valor, isto , ocorre uma converso do valor desse trao. De

    acordo com essa explicao, temos a seguinte representao para a consoante complexa // e

    para a consoante plena /s/.

    Fig. 1 - Representao da consoante complexa // e da consoante plena /s/

    Corroboram a afirmao de que // e // so consoantes complexas estudos de

    aquisio de linguagem. Segundo Hernandorena (1994), tem-se observado que as consoantes palatais so adquiridas mais tardiamente no processo de aquisio da fonologia do portugus.

    O que se constatou em Hernandorena (1990) e Lamprecht (1990) que // e // tendem a ser substitudos por /s/ ou /z/, como em [], ou por uma semivogal, num processo de semivocalizao, []. Isso pode evidenciar o fato de que as crianas esto atribuindo o comportamento de consoantes complexas s fricativas palato-alveolares // e //.

    A partir desse entendimento, o processo de substituio s s& e z z, atribudo s crianas em fase de aquisio da fonologia assim definido com base no sistema fonolgico adulto passa a ser visto como uma no ligao do n VOCLICO estrutura complexa das consoantes palatais, enquanto o processo de semivocalizao das fricativas complexas passa a ser entendido como a no ligao do trao

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    Letrnica, Porto Alegre v.2, n.2, p. 05, dezembro 2009.

    [coronal] imediatamente dominado pelo n do ponto de C desse segmento. (HERNANDORENA, 1994, p.166)

    Podemos concluir, ento, que o desligamento do n VOCLICO transforma //, uma consoante complexa, em /s/, uma consoante simples. Portanto, um processo fonolgico, o

    desligamento de um n4, explica como possvel a livre variao entre as alveolares e as palato-alveolares em coda silbica, em que no h alterao de significado.

    3 Estudos sobre palatalizao O estudo de Brescancini (1996) de especial interesse para o nosso trabalho, uma vez

    que trata do fenmeno na mesma cidade em que fizemos o nosso estudo. Ela analisou dados de 36 informantes de trs regies de Florianpolis (Freguesia do Ribeiro da Ilha, Serto do Ribeiro da Ilha e o Distrito de Florianpolis- centro) em entrevistas por ela mesma gravadas. A aplicao total de ocorrncias de palatalizao da fricativa coronal em coda foi de 61%. Em relao s variveis analisadas, os resultados foram os seguintes (listados em ordem e relevncia estatstica, obtida com a anlise realizada com o pacote de programas VARBRUL): 1) trao [voz], em que o trao [-voz] favoreceu a aplicao da regra; 2) sexo, com uma incidncia maior de palatalizao entre as mulheres; 3) posio na slaba, em que a posio medial foi a mais favorecedora para a aplicao da regra;

    4) contato externo, que apontou para uma maior incidncia do fenmeno em indivduos com um grau de interao scio-cultural maior; 5) regio, com mais ocorrncias de fricativas palatalizadas na Freguesia do Ribeiro da Ilha; 6) escolaridade, em que o fator 0 4 anos de escolaridade mostrou-se como favorecedor da aplicao da regra; 7) tipo de item lexical, em que os numerais, especialmente dois, condicionaram mais a palatalizao;

    8) contexto precedente, em que a realizao palato-alveolar da fricativa coronal /S/ foi favorecida pela vogal dorsal [a]; 9) tonicidade, que apontou para uma maior aplicao da regra da palatalizao em contextos pr-tnicos e tnicos;

    4 O desligamento de ns tambm explica processos fonolgicos categricos.

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    Letrnica, Porto Alegre v.2, n.2, p. 06, dezembro 2009.

    10) contexto seguinte, entre o qual, as consoantes dorsais [g, k, x] foram favorecedoras;5 11) a varivel idade no foi considerada estatisticamente relevante.

    Em relao varivel contexto seguinte, interessante mencionar o trabalho de Hora (2003), que analisa dados de fala de Joo Pessoa. Segundo seus resultados, a palatalizao s favorecida em contexto de consoante coronal [+anterior], ou seja, [t, d]. A aplicao da regra em outros contextos praticamente nula. O mesmo autor afirma que, no Rio de Janeiro, a palatalizao j gramaticalizada, sendo indiferente o contexto seguinte. Hora (2003) afirma que, em Joo Pessoa, trata-se de um processo dissimilatrio, enquanto no Rio de Janeiro, os dados revelam um processo assimilatrio. J em Florianpolis, como pudemos ver, o fenmeno ocorre preferencialmente em contexto de consoantes dorsais. Essas diferenas nos fazem crer que podem existir diferentes motivaes para a aplicao da palatalizao.

    Em estudo posterior, Brescancini (2003a) analisou o processo de palatalizao, tambm em Florianpolis, com dados do banco de dados do VARSUL. Os resultados aos quais ela chegou foram bastante similares aos de 1996, com um valor diferente para a aplicao total da variante palato-alveolar, 83%. A primeira varivel lingustica estatisticamente relevante foi o trao [voz], em que [-voz] favoreceu a palatalizao, seguida da varivel contexto precedente, que teve a vogal dorsal [a], em segunda posio, como condicionadora, ao lado do fator ausncia de vogal, que foi predominante. Em terceiro lugar ficou a varivel contexto seguinte, que teve como fator condicionante a consoante coronal [-anterior] [t], seguido das dorsais [k, g, x]. No entanto, a autora considerou esse resultado de modo relativo, visto que a ocorrncia das coronais [t] representou apenas 3% do total. Em quarto lugar, encontramos o acento, com uma maior aplicao da regra em contextos pr-tnicos e, por fim, a varivel posio da fricativa na palavra, em que a posio medial foi favorecedora. Em relao tonicidade, a autora amalgamou todos os fatores em apenas dois forte e fraco e obteve um resultado que confirmou o que j havia sido constatado no estudo anterior, isto , de que a posio forte maior indutora da produo da consoante palato-alveolar. Quanto s variveis sociais, houve taxas mais altas para os mais escolarizados, enquanto que para idade, a variante mostrou-se estvel. Outra observao interessante a se fazer sobre esse estudo de que todas as variveis, tanto as lingusticas quanto as sociais, foram relevantes, porm o programa de anlise estatstica privilegiou, de modo geral, as variveis lingusticas. (BRESCANCINI, 2003a, p.322).

    5 A anlise dos dados mais complexa do que a breve exposio que aqui fizemos. A autora cruza variveis,

    realiza rodadas por regies, e com isso chega a concluses mais consistentes. A leitura do trabalho na ntegra recomendada para o leitor interessado num maior detalhamento dos resultados.

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    Letrnica, Porto Alegre v.2, n.2, p. 07, dezembro 2009.

    Acreditamos que, de posse da leitura desses dois trabalhos (BRESCANCINI, 1996, 2003a), temos parmetros interessantes para fazer comparaes como o nosso estudo que, embora tenha o mesmo objeto, de natureza diferente, pois feito a partir de dados de um corpus lido.

    4 Metodologia O presente estudo constitui-se das seguintes etapas: definio das variveis lingusticas

    e sociais com base nos estudos tericos; elaborao do corpus; coleta de dados atravs do corpus lido junto aos informantes; levantamento das ocorrncias da palatalizao usando um programa de estatstica VARBRUL e interpretao dos resultados a partir da fonologia da Geometria dos Traos e das informaes acerca das variveis sociais.

    Para realizar a pesquisa, tomamos alguns princpios e mtodos da sociolingustica, mais especificamente, da Teoria da Variao, apresentada, inicialmente, por Labov (1972) em estudos sobre variaes fonticas em Nova Iorque, entre 1963 e 1964, e na ilha de Marthas Vineyard, em 1963. O princpio fundamental que norteia o trabalho da sociolingustica de que as foras sociais operam continuamente sobre a lngua. Assim, atitudes lingusticas so as armas usadas pelos residentes para demarcar seu espao, sua identidade cultural, seu perfil de comunidade, de grupo social separado (TARALLO, 1986, p. 14).

    Estudar a variao e as mudanas na lngua significa olhar trs questes: i) a origem das variaes; ii) a extenso e a propagao das mudanas; iii) a regularidade das mudanas. As variaes lingusticas podem ser estruturalmente motivadas, introduzidas por diferentes processos como assimilao, dissimilao, analogia, entre outros. Essas variaes podem ser espordicas e extinguir-se ou entrar em conflito com uma outra forma j existente. No caso de uma das duas formas deixar de ser usada, dizemos que houve uma mudana, isto , uma variante tornou-se regular e a outra extinguiu-se.

    No presente estudo, estamos lidando com uma regra varivel, a palatalizao. Ela pode ser resultado de um processo dissimilatrio ou de assimilao, fato que pretendemos apurar no decorrer do estudo e das anlises dos dados. A aplicao ou no da regra pelos falantes pode ser favorecida ou no por contextos lingusticos e sociais diversos. No caso da regra de palatalizao do arquifonema sibilante /S/, temos como varivel dependente o /S/ ps-voclico que pode realizar-se como alveolar surda (fe[s]ta), alveolar sonora (me[z]mo),

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    palatal surda (fe[]ta), palatal sonora (me[]mo), fricativa larngea (me[h]mo) ou zero fontico (memo). No entanto, o que ser de fato analisado nesse trabalho so as ocorrncias alveolares e palato-alveolares dessa consoante. Como variveis independentes, temos os diferentes contextos lingusticos em que a consoante ocorre e as variveis sociais. Acreditamos que estamos lidando com uma variao estvel, e no com processos que evidenciam uma mudana fontica e/ou fonolgica.

    As variveis lingusticas escolhidas, que constituem os diferentes contextos em que a consoante fricativa /S/ ocorre, foram definidas de modo a abranger diversos fatores que poderiam ser relevantes na palatalizao ou na sua inibio. Essas variveis so as seguintes:

    a) Posio na slaba Engloba as posies em que o /S/ ps-voclico pode ocorrer: contextos mediais e os

    contextos de final de palavra absoluto ou seguido de outra palavra, envolvendo processos de ressilabao. Essas posies so: posio medial, posio final absoluta, posio final no absoluta seguida de vogal e consoante.

    Partimos da hiptese de que a posio medial ser a favorecedora, visto que, na maioria dos estudos j feitos, como Callou e Marques (1975), Callou e Moraes (1995), Brescancini (1996), Scherre e Macedo (2000), essa posio foi destaque. A motivao lingustica para esse fato pode no estar exclusivamente nessa varivel, mas pode estar relacionada a outras variveis, tais como contexto seguinte e vozeamento.

    b) Contexto seguinte Procura englobar o maior nmero de contextos que seguem o /S/ em posio de coda.

    Os contextos de consoantes foram divididos de acordo com o ponto de articulao. - labiais: [p, b, f, v, m] - coronais: [t, d, l, n], todas com o trao [+anterior] -dorsais: [k, g, x] Alm desses contextos seguintes, temos ainda , quando a fricativa coronal estiver em

    final absoluto, e vogal, encontrada no incio da palavra seguinte. Em termos fonticos, h a retrao do corpo da lngua na realizao das palato-

    alveolares, por isso acreditamos que as consoantes dorsais, por tambm promoverem a retrao do corpo da lngua, sejam favorecedoras. O contexto labial, como atestam os estudos de Bhat (1978), tambm pode ser favorecedor, uma vez que h o envolvimento de uma articulao labial, tambm presente na consoante palato-alveolar.

    c) Contexto precedente

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    Incluem-se nesse contexto todas as vogais que podem preceder o /S/ e as semivogais

    /j/ e /w/. As vogais so agrupadas em labiais [,, ], coronais [,,], dorsal [] (conforme o modelo de Geometria dos Traos), de modo que no sero analisadas as ocorrncias em relao a uma vogal em especfico.

    Acreditamos que a vogal dorsal, assim como as consoantes dorsais, seja favorecedora. Por outro lado, as vogais labiais tambm so [+posteriores], isto , h a retrao do corpo da lngua, alm de terem a protuso labial, o que nos permite levantar a hiptese de que elas tambm podem favorecer a aplicao da regra. Resta saber em que medida as vogais labiais e a dorsal so condicionadoras da produo palato-alveolar da fricativa coronal /S/.

    d) Vozeamento Essa varivel diz respeito ao trao [voz] da consoante seguinte. Para a produo de

    uma consoante como o trao [-voz] usado mais fora articulatria do que para uma consoante [+voz]. Esse fato nos permite levantar a hiptese de que o contexto [-voz] ser favorecedor, visto que a consoante palato-alveolar tem intensidades maiores que a alveolar.

    e) Tonicidade Para essa varivel no criamos novas frases, fazemos apenas um reagrupamento das

    frases usadas para as variveis anteriores. As frases so divididas de acordo com a slaba em que o /S/ da palavra em questo ocorreu, isto , em trs grupos: tnicas, monosslabas e tonas. No caso das tonas, no se considerou relevante dividi-las em pretnicas e postnicas, pois a ocorrncia destas ltimas foi muito pequena.

    Partindo do mesmo princpio usado para tratar da varivel vozeamento de que [, ] so mais intensas, acreditamos que contextos mais fortes sejam favorecedores, ou seja, as slabas tnicas.

    Conscientes da necessidade de tambm avaliar as questes sociais nos fenmenos da linguagem, temos os seguintes grupos de fatores:

    a) idade: indivduos de 15 a 24 anos, de 25 a 50 anos e de mais de 50 anos; b) grau de escolaridade: at 8 anos, inclusive, e mais de 8 anos. Pensamos em incluir o

    fator at 4 anos, mas devido natureza do corpus, decidimos deixar esse fator de lado; c) sexo: masculino e feminino. Tecemos as seguintes hipteses:

    1- o fenmeno no estigmatizado e, portanto, no esperamos encontrar diferenas significativas entre homens e mulheres;

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    Letrnica, Porto Alegre v.2, n.2, p. 10, dezembro 2009.

    2 - trata-se de um fenmeno de variao estvel, de modo que acreditamos que tanto os mais jovens quanto os mais velhos palatalizem em propores semelhantes;

    3 - quanto ao nvel de escolaridade, acreditamos que possa haver preferncia pela variante alveolar em sujeitos mais escolarizados, visto que essa varivel pode estar associada a outro fator: maior contato com pessoas no nativas do municpio, quer na escola, quer no trabalho, que no usam a variante palato-alveolar.

    Os informantes foram escolhidos de modo a preencher as variveis sociais delimitadas acima. Alm disso, eles ainda tinham que ser nascidos na regio estipulada para o estudo; ser filhos de pais tambm originrios da regio e descendentes de aorianos (a fim de evitar influncia de outras culturas) e ter vivido no mnimo 2/3 da sua vida na regio. A comunidade estipulada para o estudo foi a do distrito do Ribeiro da Ilha, por ser uma localidade com um grande nmero de pessoas nativas do municpio e descendentes de aorianos. O nmero de informantes de 24 pessoas, 12 homens e 12 mulheres.

    5 Resultados e discusso No total, foram analisadas 1833 palavras. O trabalho com o pacote de programas do

    VARBRUL nos mostrou quais foram os fatores estatisticamente mais relevantes para o

    fenmeno. A ocorrncia total da variante palato-alveolar, em nosso corpus, foi de 66%, correspondendo nossa expectativa de que a palatalizao um fenmeno recorrente em Florianpolis, alm de estar de acordo com os estudos anteriores de Brescancini (1996, 2003). O programa IVARB do pacote VARBRUL considerou as seguintes variveis estatisticamente relevantes: escolaridade, contexto seguinte, gnero, idade e contexto antecedente, nesta ordem.

    A escolaridade foi o grupo de fatores mais significativo. Observando a tabela abaixo, constatamos que o fator at 8 anos de escolaridade favorece o fenmeno, pois o peso relativo bem alto, enquanto que o fator mais de 8 anos, no.

    Tab. 1 - Resultados referentes ao grupo de fatores escolaridade no processo de palatalizao Fator- escolaridade Aplicao Total % Peso relativo At 8 anos de escolaridade 895/1066 83 .75 Mais de 9 anos de escolaridade 534/1072 49 .25

    Imput: 0,73 Significncia: 0.000

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    Letrnica, Porto Alegre v.2, n.2, p. 11, dezembro 2009.

    Por que a maior escolaridade teria tanta influncia no desfavorecimento da palatalizao? A nossa hiptese de que, junto com um maior grau de escolaridade podemos associar ainda um outro fator - o maior contato com pessoas de outras localidades, e at de outros estados, que no tm em seu dialeto a variante palato-alveolar, visto que na localidade no h cursos tcnicos nem cursos de nvel superior, o que obriga as pessoas a sarem do local de moradia para estudar. Alm disso, muitos professores da prpria escola local tambm no so nativos, o que tambm poderia j gerar algum tipo de interferncia. O contato com outras culturas e outros falares , juntamente com o grau de escolaridade, um fator de peso na inibio do processo de palatalizao, ainda mais se considerarmos que esse ocorre em algumas cidades de SC, mas no ocorre nos estados vizinhos, de onde vm muitos dos imigrantes que se instalam em Florianpolis.

    A anlise de contexto seguinte ao arquifonema sibilante resultou na seguinte tabela.

    Tab. 2 - Resultado referente ao grupo de fatores contexto seguinte no processo de palatalizao Contexto seguinte Aplicao total % Peso relativo Consoantes labiais hos[p]ital nibus [p]ara

    387/541 72 .60

    Consoante coronal his[t]ria / diz [t]er

    394/570 69 .54

    Consoante dorsal ves[g]o / rapaz [k]eu

    212/302 70 .56

    Final absoluto capaz

    176/236 75 .59

    Vogal diz [i]sso

    36/178 20 .07

    Input: 0.73 Significncia: 0,000

    Conforme nossa hiptese, as consoantes dorsais e labiais favoreceriam a aplicao da regra de palatalizao. De fato, em nosso corpus, o fenmeno foi favorecido por esses dois contextos de consoante seguinte, com um peso maior para as consoantes labiais. Por outro lado, a consoante coronal no foi inibidora, apenas teve um peso um pouco menor que as outras duas classes, fato que no espervamos, pois essas consoantes no compartilham dos traos [-anterior] e [+alto] das consoantes palato-alveolares, de modo que, em termos articulatrios, no favoreceriam a retrao do corpo da lngua necessria para a palatalizao. Parece-nos que essa varivel foi estatisticamente relevante pelo fato de o fator vogal ser altamente inibidor, visto que os demais fatores tiveram pesos relativos e uma aplicao da regra em porcentagem bastante prximos.

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    Percebemos, portanto, que o fator que mais inibe o processo de palatalizao a vogal. Lembremos que a vogal ocorre sempre em palavra seguinte e que o arquifonema se encontra em posio de final de palavra. O que ocorre que esse contexto favorece um outro processo, o sndi, ou seja, a formao de uma nova slaba com o /S/ final e a vogal seguinte. Nesses casos no ocorre palatalizao, pois para a formao da nova slaba usa-se a consoante alveolar. Os espectrogramas, que nos auxiliaram na transcrio, mostraram que, nos poucos

    casos em que ocorreu uma consoante palato-alveolar antes da vogal, houve uma pequena pausa, que podia ser percebida por um pequeno espao de tempo em que no aparecem formantes no espectrograma, o que evidencia que no houve a formao de uma nova slaba.

    Voltemos, brevemente, questo das consoantes coronais. Apenas um de nossos

    informantes usou como variante coronal a consoante [t]. Essa consoante caracteriza-se por ser coronal [-anterior], assim como o [] e o []. Poderamos, ento, esperar que essas duas consoantes fossem favorecidas nesse contexto. No entanto, no foi isso que aconteceu o informante usou apenas a consoante alveolar em coda. Esse fato interessante e pode nos indicar que a opo do falante no foi condicionada por fatores lingusticos, mas por fatores extralingusticos, de natureza social. Ou estaramos diante de um processo de dissimilao em que o falante acentua as diferenas entre as duas consoantes adjacentes, escolhendo uma consoante que compartilha menos traos com o contexto seguinte?

    O contexto seguinte tambm foi favorecedor. No havamos lanado nenhuma hiptese para esse fator, mas o resultado, considerando que podemos atribuir por regra default o trao [-voz] fricativa sibilante em posio de coda final absoluta, est dentro de nossas expectativas.

    Tomando os resultados referentes ao contexto seguinte em nosso corpus, podemos dizer, resumidamente, que todos os fatores so favorecedores, com exceo do fator vogal, devido ao processo de ressilabao.

    O terceiro grupo de fatores estatisticamente mais relevante foi o sexo. Ao contrrio do que espervamos, houve diferenas expressivas na palatalizao para os dois fatores. Vemos que o grupo dos homens favorece a aplicao da regra, enquanto que o das mulheres a desfavorece.

  • Haupt, Carine; Berri, Andr

    Letrnica, Porto Alegre v.2, n.2, p. 13, dezembro 2009.

    Tab. 3 - Resultado referente ao grupo de fatores sexo no processo de palatalizao Fator- sexo Aplicao total % Peso relativo Feminino 590/1080 53 .30 Masculino 839/1058 79 .70 Input: 0,73 Significncia: 0.000

    Ao cruzarmos esse grupo de fatores com a escolaridade, vemos que as mulheres mais escolarizadas palatalizam bem menos do que os homens. J no grupo dos menos escolarizados, isto , com at 8 anos, no houve diferenas entre homens e mulheres, ambos preferem a varivel palatalizada.

    Tab. 4 - Cruzamento dos fatores escolaridade e sexo Aplicao da regra At 8 anos de

    escolaridade Mais de 8 anos de escolaridade

    Sim 82% 25% Mulheres No 18% 75% Sim 85% 73% Homens No 15% 27%

    Esses dados podem ser melhor visualizados no grfico abaixo, em que fica evidente que o grau de escolaridade atua no sentido da no palatalizao para as mulheres, enquanto que para os homens quase no h diferena.

    0102030405060708090

    at 8 anos deescolaridade

    mais de 8 anosde escoalridade

    mulhereshomens

    Grfico 1 Aplicao da regra de palatalizao por homens e mulheres segundo seu grau de escolaridade

    De acordo com muitos estudos sociolingusticos, como Guy (1981) e Oliveira (1982), as mulheres tendem a ser mais conservadoras, ou seja, aplicam menos a regra quando esta forma no for a prestigiada, preferindo a forma padro. J em processos em que a regra se refere a processos em mudana em que a varivel em questo padronizada, elas tendem a liderar o processo.

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    Letrnica, Porto Alegre v.2, n.2, p. 14, dezembro 2009.

    Cabe a ns, agora, pensar a respeito do nosso fenmeno. Trata-se de uma forma no padro, estigmatizada? Poderamos pensar que as mulheres aplicam menos a regra porque esta no a forma prestigiada. No entanto, no acreditamos que a variante palato-alveolar no seja prestigiada, mas, como afirmamos acima, trata-se de um processo no muito difundido no sul do pas, o que faz dele uma marca capaz de identificar um nativo de Florianpolis. E como essa cidade est recebendo muitas pessoas de outras cidades e estados, os resultados obtidos nos fazem levantar a hiptese de que os homens mostram uma tendncia de manter a marca tpica da regio, enquanto que as mulheres tendem a se aproximar do padro dos falantes de fora, de forma a minimizar as diferenas. Por outro lado, podemos dizer que as mulheres mais escolarizadas palatalizam menos, o que nos permite considerar a possibilidade de que elas estejam sendo mais suscetveis ao da escola (SILVA, 1996), que, por ser um local onde se encontram muitos alunos e professores de outras localidades, pode influenciar no sentido da no-palatalizao. Essa hiptese pode ser facilmente verificada na tabela 5, que mostra que as mulheres com mais de 8 anos de escolaridade preferem a variante alveolar, enquanto os homens aplicam a regra da palatalizao.

    O grupo de fatores idade foi listado como sendo o quarto grupo estatisticamente mais relevante.

    Tab. 5 - Resultados referentes ao grupo de fatores idade no processo de palatalizao Fator- idade Aplicao total % Peso relativo 15 a 25 anos 321/607 53 .29 26 a 50 anos 453/610 74 .65 Mais de 50 anos 431/179 71 .56 Input: 0.73 Significncia:0.000

    Percebemos que a variante no ocorre igualmente em todas as faixas etrias. Observamos que a aplicao da regra bem inferior entre os mais jovens e se mantm relativamente no mesmo nvel entre o grupo dos adultos com at e mais de 50 anos. A variao no parece to estvel como espervamos. Talvez estejamos diante de um processo de mudana em que a variante palato-alveolar esteja perdendo espao. Para fundamentar essa afirmao, teramos que fazer um estudo mais aprofundado de questes sociais, como: o grande nmero de pessoas que chegam de outras cidades e estados para morar em Florianpolis; o crescimento econmico; a explorao turstica mais intensa da localidade; o maior contato com centros urbanos, especialmente por parte dos jovens que procuram novas oportunidades de estudo e trabalho, entre outros. Com os dados que temos no momento, podemos apenas considerar a possibilidade de o processo de palatalizao estar diminuindo

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    Letrnica, Porto Alegre v.2, n.2, p. 15, dezembro 2009.

    em funo de fatores extralingusticos diversos, o que se retrata na inibio do processo pelo grupo de pessoas mais jovens.

    O ltimo grupo de fatores considerado estatisticamente relevante foi aquele referente ao contexto antecedente. Tab. 6 - Resultados referentes ao grupo de fatores contexto antecedente no processo de palatalizao Fator- contexto seguinte

    Aplicao total % Peso relativo

    Vogal labial h[o]spital

    221/300 74 .62

    Vogal coronal [e]spelho

    669/1018 66 .45

    Vogal dorsal c[a]stigo

    170/226 75 .60

    Semivogal /w/ de[w]s

    59/93 63 .57

    Semivogal /i/ se[j]s

    86/190 45 .43

    Input: 0.73 Significncia:0.000

    Ao observarmos a tabela, percebemos que a vogal e a semivogal coronais apresentam pesos relativos bem prximos. O mesmo ocorre com a vogal e semivogal labiais. Como as vogais e semivogais apresentam as mesmas caractersticas articulatrias, decidimos amalgamar as semivogais com o fator vogal correspondente, reduzindo, assim, a varivel contexto antecedente a trs fatores: vogal coronal, vogal labial e vogal dorsal.

    Para termos certeza de que no estaramos perdendo informaes significativas com a amalgamao, realizamos o teste do X2, que nos permitiu testar se a distino entre vogal coronal/labial e semivogal coronal/labial relevante ou no. Para tanto, estabelecemos duas hipteses: a hiptese nula, na qual os fatores em questo so significativos e, portanto, devem permanecer separados; e a hiptese alternativa, em que admitimos que a distino entre os fatores no significativa, podendo ser amalgamados. hiptese nula corresponde a primeira rodada no programa de estatstica, com todos os fatores; e hiptese alternativa, a segunda rodada, com os fatores amalgamados. O resultado a que chegamos foi de 0,422, com grau de liberdade 2. A tabela de X2 consultada indica que a chance da diferena entre as vogais e semivogais no ser significativa bastante alta, de modo que aceitamos a hiptese alternativa, ou seja, amalgamamos os fatores.

    Assim, temos agora a seguinte tabela:

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    Letrnica, Porto Alegre v.2, n.2, p. 16, dezembro 2009.

    Tab. 7 Resultados referentes ao grupo de fatores contexto antecedente no processo de palatalizao fatores amalgamados Fatores Aplicao total % Peso relativo Labial h[o]spital

    280/393 71 .61

    Coronal [e]spelho

    755/1208 63 .45

    Dorsal c[a]stigo

    170/226 75 .60

    Input:0.73 Significncia:0.000

    Como podemos ver, os fatores vogal labial e vogal dorsal favoreceram a aplicao da regra, enquanto que o fator vogal coronal desfavoreceu. Esses resultados confirmam a nossa hiptese e esto de acordo com a constatao de Bhat (1978) de que a palatalizao favorecida por vogais posteriores e frontais, resultados que o autor obteve com a anlise desse fenmeno em 120 lnguas de diferentes famlias e dialetos.

    Em relao aos nossos dados, o fator labial foi mais favorecedor que o fator dorsal, porm com uma diferena de peso relativo muito pequena. Podemos concluir que, em nosso corpus lido, tanto um certo grau de elevao da lmina da lngua promovido pelas vogais labiais, quanto a retrao do corpo da mesma decorrente da articulao das vogais dorsais favorecem a aplicao da regra de palatalizao. Em termos articulatrios, as consoantes palato-alveolares e as vogais labiais tm em comum a protuso labial. O arredondamento, associado a outros fatores, contribui para que o som fricativo tenha picos espectrais em faixas de frequncias mais baixas, caracterstica das consoantes palato-alveolares, mais graves que as alveolares (JESUS, 1999).

    De posse desses resultados, passamos para uma discusso acerca do peso do detalhe fontico na aplicao da regra de palatalizao. Nossos resultados apontaram para o favorecimento da aplicao da regra em contextos seguintes de consoante dorsal [k, g, x] e labial [p, b, m, f, v]. A Fonologia da Geometria de Traos (GT), ao determinar a representao dos segmentos, leva em conta essas caractersticas fonticas, mas nem sempre especifica detalhadamente todos os traos, uma vez que determinados movimentos articulatrios esto sempre presentes em determinada classe de consoante, segundo seu ponto de articulao, sendo, portanto, redundantes. Segundo Clements & Hume (1993), o ponto da consoante pode ser labial, coronal ou dorsal. As consoantes labiais tm como articulador ativo os lbios, as coronais, a parte frontal da lngua e as dorsais envolvem o corpo da lngua. Outros traos que trazem maiores detalhes sobre o ponto de articulao, comumente usados nas matrizes fonticas do modelo gerativista, como [posterior] e [alto], no so especificados

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    Letrnica, Porto Alegre v.2, n.2, p. 17, dezembro 2009.

    na representao da GT. Na discusso apresentada por Clements (1985), o autor afirma que esses traos s precisam ser especificados quando eles so responsveis pela distino fonolgica entre segmentos, como o caso das consoantes com articulao secundria. Em consoantes plenas esses traos no so especificados.

    No entanto, consideramos o detalhe fontico e a questo articulatria importante para a nossa discusso. A consoante palato-alveolar [-anterior], trao que surge da presena da articulao secundria. As consoantes dorsais no tm nenhuma especificao a respeito do trao [anterior], mas sabemos que elas so produzidas com a retrao e elevao do corpo da lngua e, portanto, podemos dizer que so [-anteriores] e [+altas], assim como as consoantes palato-alveolares. Quando a sibilante palato-alveolar ocorre em maior frequncia nesses contextos, podemos dizer que a realizao de sons com traos em comum favorecida, como num processo de assimilao. Mas isso nem sempre ocorre. No caso do estudo feito em Joo Pessoa (HORA, 2003), a consoante palato-alveolar favorecida em contextos de consoante seguinte que no tem traos em comum, as consoantes coronais [t,d], [+anteriores], tratando-se, como o prprio autor diz, de um processo de dissimilao. Algo semelhante encontramos

    em nossa amostra, em que um dos informantes usou as variantes coronais [-anteriores] [t, d] e as consoantes alveolares [s,z], que so [+anteriores], em coda.

    Em relao ao contexto seguinte labial, novamente, o detalhe fontico tem papel importante. A configurao dos lbios para a produo dessas consoantes parece indutora para a produo de uma consoante palato-alveolar, pois estas apresentam uma configurao labial mais arredondada do que as alveolares [s, z]. Partindo dessas observaes, podemos dizer que as anlises do nosso corpus apontam para o fato de que o fenmeno da palatalizao est sendo motivado no sentido de enfatizar semelhanas articulatrias.

    Em relao ao contexto antecedente, tambm podemos fazer inferncias semelhantes. O processo de palatalizao favorecido em contextos antecedentes de vogais dorsais e labiais. As vogais dorsais favorecem a retrao do corpo da lngua, enquanto as labiais, alm de tambm serem posteriorizadas, so produzidas tendo como articuladores ativos os lbios, responsveis pelo arredondamento.

    A consistncia dessas anlises a partir da fonologia da GT e dos gestos articulatrios pode ser reforada se compararmos os nossos resultados com os de outros estudos, especialmente a respeito da palatalizao. Os resultados do estudo da Brescancini (1996) com comunidades florianopolitanas e os nossos apontam para comportamentos semelhantes em

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    Letrnica, Porto Alegre v.2, n.2, p. 18, dezembro 2009.

    relao s variveis estruturais, embora haja discrepncias acerca da relevncia estatstica delas. As semelhanas encontradas foram as seguintes: - as consoantes dorsais em contextos seguintes so favorecedoras, assim como a vogal dorsal em contextos antecedentes tambm; - contextos mais fortes, como slabas tnicas e consoantes [-voz] so favorecedoras6; - a posio silbica que favorece a aplicao da regra de palatalizao a medial;

    As diferenas entre esses dois trabalhos dizem respeito ordem de relevncia das variveis, tanto as lingusticas quanto as sociais, e ao peso do contexto seguinte labial. O contexto labial, em nossos dados, mostrou-se favorecedor, enquanto que na pesquisa de Brescancini, no. Os nossos resultados corresponderam s hipteses que tnhamos levantado. No entanto, a diferena que mais nos chamou a ateno diz respeito ordem de relevncia das variveis: duas variveis consideradas relevantes na anlise de Brescancini (1 e 3 posio) nem sequer foram consideradas significativas em nossa amostra trao [voz] e posio silbica, respectivamente. Alm disso, o fator vozeamento tambm foi o mais significativo no trabalho posterior da mesma autora (2003) com dados do Varsul. O mesmo aconteceu com o grupo de fatores tonicidade. Em relao s variveis sociais, tambm houve diferenas de ordem e o fator idade no foi significativo no trabalho de Brescancini, enquanto que no nosso, foi.

    Temos que considerar, em primeiro lugar, que havia mais variveis envolvidas na anlise de Brescancini, tanto sociais quanto lingusticas (classe de item lexical, regio e contato externo), do que no nosso trabalho. A relevncia dessas variveis poderia alterar a relevncia das demais, de modo que fica mais difcil estabelecer parmetros para uma comparao. No entanto, mesmos que os fatores vozeamento, posio silbica e tonicidade no tenham sido relevantes estatisticamente no nosso estudo, as porcentagens de aplicao da regra da palatalizao nesses casos conferem com os resultados obtidos por Brescancini,

    Mas a pergunta que nos fazemos a seguinte: o maior grau de monitoramento sobre a fala em nosso corpus teria influenciado em nossos resultados? Acreditamos que a resposta seja sim e alguns indcios podem fundamentar essa suspeita: - o trabalho de Brescancini (1996) registrou a ocorrncia de monotongaes em palavras como [sej]~[se], [maj]~[ma], [doj]~]do]. Essas palavras tambm apareceram em nossos dados, mas os ditongos foram sempre pronunciados;

    6 Essa comparao foi feita a partir dos valores absolutos da ocorrncia da palatalizao, pois os fatores

    tonicidade e vozeamento no foram considerados estatisticamente relevantes na nossa amostra. O mesmo aconteceu com o fator posio silbica.

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    Letrnica, Porto Alegre v.2, n.2, p. 19, dezembro 2009.

    - o fato de todas as variveis sociais terem sido relevantes no processo de palatalizao pode indicar que o falante, mais consciente de sua fala, acabou evidenciando caractersticas de sua faixa etria, escolaridade e gnero.

    Com base nesses indcios, poderamos, talvez, dizer que o fato de o corpus no ser de fala espontnea tenha influenciado nos resultados referentes relevncia estatstica das variveis. No entanto, mais estudos com dados de fala no espontnea teriam de ser feitos para podermos fazer afirmaes mais consistentes.

    O que podemos avaliar, no momento, se o uso varivel da palatalizao se comporta como marcador lingustico, isto , se h variao estilstica (TARALLO, 1985) na aplicao da regra. Para tanto, compararemos as porcentagens do uso da variante palato-alveolar nos contextos das variveis sociais gnero e escolaridade7. Consideramos o corpus de Brescancini (1996) como informal, mais prximo do vernculo; e o nosso, formal, como aquele que no representaria o vernculo. Segundo Tarallo (1985, p. 52) se a escolha entre as variantes for de natureza estigmatizada ou de prestgio, o estilo formal bloquear a variante supostamente estigmatizada. Temos, ento, os seguintes dados:

    Tabela 8: Aplicao da regra da palatalizao, segundo as variveis sexo e escolaridade, em estilo formal e informal.

    Informal Formal Homens 70% 79% Mulheres 78% 53% At 8 anos de escolaridade 75% 83% Mais de 8 anos de escolaridade 72% 49%

    Observando essa tabela, percebemos que h variao na aplicao da regra nos dois estilos. As mulheres mais escolarizadas palatalizam menos em situaes mais formais. Esses nmeros apontam para uma provvel estigmatizao da varivel, uma vez que as mulheres, conforme muitos estudos revelam, preferem a forma padro. O mesmo podemos dizer em relao s pessoas mais escolarizadas que, em situaes mais formais, em que h um maior cuidado com a fala, tendem a usar mais a variante prestigiada.

    Essas constataes nos fazem repensar a afirmao que fizemos anteriormente de que a variante palato-alveolar no seria estigmatizada. A questo complexa e um estudo de cunho social mais aprofundado da regio seria necessrio, no entanto, no nosso objetivo no

    7 No consideramos a varivel idade, pois usamos uma estratificao diferente da usada no trabalho de

    Brescancini (1996), de modo que no foi possvel estabelecer parmetros para a comparao. J em relao escolaridade, juntamos dois fatores, a saber, de zero a 4 anos e de 4 a 8 anos de escolaridade, da pesquisa da autora referida em um nico fator - at 8 anos - para poder fazer um paralelo com o nosso estudo.

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    Letrnica, Porto Alegre v.2, n.2, p. 20, dezembro 2009.

    momento. O que podemos dizer, a partir do que pesquisamos at ento, que a Freguesia do Ribeiro foi povoada por imigrantes aorianos, o que se reflete inclusive na arquitetura do lugar, e que a localidade do interior do municpio, tendo, ainda, como atividade econmica mais difundida a pesca. Mas o progresso/crescimento econmico, o turismo, a migrao esto atingindo o local. Resta saber em que proporo isso acontece e at que ponto isso influi na estigmatizao da variante palatalizada do arquifonema /S/.

    Vimos, portanto, com essa discusso acerca de nossos dados e da comparao dos mesmos com um estudo de fala espontnea, que a Fonologia da Geometria de Traos um modelo capaz de fornecer subsdios bsicos para explicar os fenmenos da palatalizao, mas, s vezes, interessante ir um pouco alm e se deter na questo dos gestos articulatrios envolvidos na produo dos sons para apresentar explicaes mais consistentes. Vimos tambm que, apesar desses temas j terem sido estudados, questes novas ainda podem ser discutidas, como por exemplo, o papel do monitoramento da fala nos processos envolvidos.

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    Recebido: 04.07.2009 Aceito: 16.09.2009 Contato: [email protected] / [email protected]