Drepanocitose

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Caso Clínico - DREPANOCITOSE TP8 Prof. Dr. Mário Mascarenhas Carolina Correia Fernando Azevedo Telma Calado Vânia Caldeira Mecanismos da Doença 3.º ano Medicina 2008/09

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Apresentação das hemoglobinopatias e fisiopatologia, manifestações clínicas, diagnóstico, tratamento e prevenção da anemia falciforme. Discussão de caso clínico de doente de raça negra com drepanocitose. Análise de 2 artigos científicos sobre o tema.

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Caso Clínico - DREPANOCITOSETP8 Prof. Dr. Mário Mascarenhas

Carolina CorreiaFernando Azevedo Telma CaladoVânia Caldeira

Mecanismos da Doença3.º ano Medicina

2008/09

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História Clínica

•Cristiano, 20 anos•Angolano (raça negra)

•Motivo de ida à urgência:▫Dor profunda na coxa direita, de iníco

súbito, 6h de duração▫Tomou paracetamol, sem melhoras▫Sem referência a traumatismo

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•História Pregressa▫Drepanocitose diagnosticada na infância

▫Episódio de dactilite aos 5 anos

▫Pneumonia aos 16 anos

▫Episódio de hematúria aos 19 anos

Anamnese

Fig.1 – Criança com dactilite.

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Exame Objectivo

•Aparente sofrimento do doente

•Relutância em mobilizar a perna direita

•Na zona de queixas sem quaisquer alterações

•Febril: temperatura axilar de 37,8 ºC

•Escleróticas amarelas

Fig.2 – Escleróticas amarelas.

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Análises Laboratoriais• Sangue

• Radiologia▫ Coluna lombar e fémur direito sem alterações

significativas

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ANEMIA DAS CÉLULAS FALCIFORMES OU DREPANOCITOSE

Diagnóstico

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Hemoglobina•Proteína globular tetramérica

•4 cadeias polipeptídicas▫2 cadeias α▫2 cadeias β

•4 grupos heme

•Alguns tipos Hb:▫HbA (α2β2)▫HbA2 (α2δ2)▫HbF (α2γ2)

Fig.3 – Estrutura tridimensional da Hb.

Fig.4 – Estrutura da Hb.

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Hemoglobinopatias

•Defeito genético – estrutura anormal de uma das cadeias

de Hb•2 tipos:

▫Qualitativas (estruturais)▫Quantitativas

•Mais frequentes: drepanocitose e

talassémias•Sintoma principal:

anemia

Fig.5 e 6 – Morfologia das células falciformes (círculos verdes em 6) e não falciformes.

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Hemoglobinopatia Hereditária

•Doença autossómica recessiva

HETEROZIGÓTICOS

HOMOZIGÓTICOS

35-40% HbS Praticamente toda a Hb é HbS

55-60% HbA 2-25% HbF

Problemas clínicos mínimos:

• Anemia moderada• Episódios

hematúria dolorosa

• Isostenúria

Manifestações clínicas graves:

• Anemia grave• Hemólise crónica• Crises

vasoclusivas• Úlceras na perna• Litíase biliar• Hiperbilirrubiné

mia crónica

Protecção contra a malária

(Plasmodium falciparum)

_______________

Fig.7 – Transmissão hereditária da anemia falciforme.

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Hemoglobinopatia Hereditária

• 6ª posição cadeia β-globina

substituição resíduo

de glutamato por valina

HbS

• Mutação braço curto do cromossoma 11

Fig.8 – Localização genética das cadeias de HbA, HbA2 e HbF

Fig.9 – Substituição do glutamato pela valina.

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Falcemização – Como ocorre?

Desoxigenação HbS

Interacções hidrofóbicas com outras moléculas HbS

Agregação em polímeros

Polimerização em fibrilhas insolúveis

Distorção da célula

↓ deformabilidade

• Reversível com oxigenação• Irreversível quando episódios repetidos causam dano

na membrana eritrócitos Fig.10 – Processo de falcemização (1).

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Desregulação do volume do eritrócito

DESIDRATAÇÃO

Danos membranares

Influxo de Ca2+

Activação canais Gardos

2ª via:

- Saída H2O

- Co-transporte de K+/Cl- (efluxo)

Fig.11 – Desregulação do volume eritrocitário (1).

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Interacção células falciformes - endotélio

• Oclusão vascular depende:▫ Taxa polimerização

HbS▫ Tempo trânsito nos

capilares• Reticulócitos:

▫ α4β1 integrina liga-se à fibronectina e VCAM-1

• Células endoteliais e subpopulação de reticulócitos:▫ CD36 liga-se à

trombospondina▫ Trombospondina liga-se

a glicano-sulfatos

Fig.12 – Interacção entre as células falciformes e o endotélio (1).

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Factores que afectam a falcemização

•Quantidade de HbS e a interacção com outras cadeias de Hb na célula

•[Hb] na célula (MCHC)

•pH

•↑ 2,3 – BPG

•Tempo a que os eritrócitos são expostos à baixa tensão de O2

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Fisiopatologia da Drepanocitose

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Fisiopatologia da Drepanocitose

Eritrócitos falciformes

Sequestração por macrófagos

no baço

Lise e Fagocitose

ANEMIA HEMOLÍTICA

→ Hemólise extravascular

Maior susceptibilidade à

contenção

OCLUSÃO MICROVASCULAR

Lesão isquémica

• ↑ expressão moléculas adesão• Taxa polimerização Hb• Atraso veloc. microcirc.

Fig.13 – Oclusão microvascular.

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Fisiopatologia da Drepanocitose

Lise e Fagocitose de eritrócitos falciformes

RETICULOCITOSE

↓ nº eritrócitos

+

Baixa pressão O2 tecidual

↑ produção EPO

Estimulação precursores eritróides

Hemólise prematura das células falciformes

↑ degradação do heme

↑ produção bilirrubina

HIPERBILIRRUBINÉMIA

+

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Fisiopatologia da Drepanocitose

Inflamação (necrose tecidual)

Libertação de mediadores inflamatórios

↑ produção de leucócitos - leucocitose

Oclusão microvascular

↑ adesão vascular

↑ neutrófilos e eosinófilos – LEUCOCITOSE COM NEUTROFÍLIA E

EOSINOFÍLIA

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Fisiopatologia da Drepanocitose

Lise e fagocitose de eritrócitos falciformes

Eritropoiese acelerada

↑ consumo proteico

metabolitos de excreção proteica

Início de HIPOURÉMIA

+

Síntese de Hb acelerada

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Os fenómenos de sequestração eritrocitária e congestão levam à hipóxia, tromboses esplénicas e isquémia com enfartes.

Atrofia do parênquima esplénicoFibrose de reparação das zonas com enfarte

AUTOESPLENECTOMIA

Fisiopatologia da Drepanocitose

Fig.14 – Baço numa situação de drepanocitose.

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Fisiopatologia da Drepanocitose

Com o tempo, o baço atrofia e transforma-se numa cicatriz de tecido fibroso

Deixa de ser palpável e perde funcionalidade

AUTOESPLENECTOMIA

Fig.15 – Remanescente esplénico após autoesplenectomia.

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Fisiopatologia da Drepanocitose

Elevada quantidade de eritrócitos sequestrados

Crescimento esplénico

Hipovolémia

Choque circulatório

CRISES DE SEQUESTRAÇÃ

O+

Acumulação de grande quantidade de sangue no baço

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Fisiopatologia da Drepanocitose

Actividade esplénica

Susceptibilidade para infecções (especialmente Pneumococcus)

PNEUMONIA (16 anos)

• autoesplenectomia• enfarte esplénico• sequestração esplénica

Fig.16 – Raio X de tórax - pneumonia.

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Fisiopatologia da Drepanocitose

Microclusão vascular

Edema nas mãos

Inflamação

DACTILITE (5 anos)

Necrose nas papilas renais

Hemorragia na urina

HEMATÚRIA (19 anos)

Fig.17 – Dactilite.

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Fisiopatologia da Drepanocitose

Microclusão vascular

Medula óssea

Necrose em caso de enfarte

DOR ÓSSEA

Libertação de factores

inflamatórios

Eritropoiese acelerada

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Fisiopatologia da Drepanocitose

Inflamação

Produção de proteínas de fase aguda pelo fígado

PROTEÍNA C REACTIVA

Activação da via clássica de

complemento

+

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Manifestações clínicas

A partir do 6º mês, a maior parte de HbF foi substituída por HbS

Início dos sintomas

probabilidade de infecções (Pneumococcus)

Estimulação da actividade do baço

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Manifestações clínicas

Anemia hemolíticaSobrevivência reduzida das hemácias – 10 a

15 diasHemossiderose

Anemia muito agravada em situações de eritropoiese suprimida

Ácido fólico Infecção (Ex: parvovírus B19)Fig.18 – Parvovírus.

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Manifestações clínicas

Hiperplasia eritróide – estimulação na produção de eritrócitos

Fig.19 – Medula óssea contendo eritrócitos normais.

Fig.20 – Hiperplasia eritróide.

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Manifestações clínicas

Fenómenos vasoclusivos(Micro ou macroenfartes)

Podem ocorrer em variados locais do organismo

Difícil distinção entre enfarte e inflamação aguda

Fig.21 e 22 – Fenómenos de vasoclusão.

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Manifestações clínicas•Dano crónico nos órgãos, devido às várias

crises trombóticas

Sintomas gerais: Fadiga Fraqueza Palidez (das conjuntivas e palmas das mãos) Icterícia Vertigens Diminuição da concentração Edemas Esplenomegália

Sintomas agravados em situações de hipóxia (exercício físico, altitude…)

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Manifestações clínicas

Cardiopulmonar:▫ PO2

▫Insuficiência cardíaca (em homozigóticos)▫Ruídos de ejecção sistólico▫Síndrome torácica (frequente em crianças –

intensa dor no peito e falta de ar)

Hepatobiliar:▫Icterícia▫Litíase biliar▫Enfartes hepáticos

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Manifestações clínicas Génito-urinário:

▫Microenfartes dos túbulos renais▫Hematúria▫Incapacidade de concentrar a urina

(hipostenúria)▫Priapismo▫Insuficiência renal - raramente

Esqueleto:▫Dores ósseas por expansão da medula óssea▫Enfartes ósseos▫Osteomielites▫Vértebras bicôncavas

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Manifestações clínicas Sistema visual:

▫Palidez nas conjuntivas▫Enfartes retinianos▫Cruzamentos AV▫Hemorragias no humor vítreo

Pele:▫Úlceras crónicas

Sistema nervoso:▫Trombose cerebral▫ incidência de hemorragia subaracnoideia

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DiagnósticoDeve ser feito em qualquer paciente que

apresente anemia hemolítica

Diagnóstico de drepanocitose:Análise da forma / coloração dos glóbulos

vermelhosCélulas em forma de foicePresença de corpos de Howell-Jolly (inclusões

de DNA fragmentado) e siderócitosElectroforese da Hb

Fig.23 – Electroforese.

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Tratamento

Correcção da produção de Hb transplantação medular

Redução da quantidade de HbS circulante:Transfusões sanguíneas Quantidade de HbS intracelular por hidratação

Aumento da quantidade de HbF

Utilização de NOLiga-se à Hb do glóbulo lisado, produzindo

metahemoglobina e nitrato deixa de actuar como vasodilatador

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Tratamento

HidroxiureiaProvoca aumento da quantidade de HbFAnti-inflamatório pela inibição da produção de

leucócitosAumenta o volume celular do eritrócitoDiminui quantidade de HbSPode ser oxidada e produzir NO

Fig.24 – Hidroxiureia.

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PrevençãoAconselhamento genético

25 % de probabilidade de um casal heterozigótico ter um filho doente

Diagnóstico pré-natal – amniocentese

Fig.25 – Amniocentese.

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Reperfusion injury pathophisiology in sickle transgenic mice

Osarogiagbon UR, Choong S, Belcher JD, Vercellotti GM, Paller MS, Hebbel RP Blood 2000 Jul 1;96(1):314-20

OBJECTIVOS:• demonstrar que a fisiologia da lesão de reperfusão

contribui para a patogénese vascular da drepanocitose, em particular, no dano crónico dos órgãos.

RESULTADOS:  Ratinho controloRatinho transgénico de

drepanocitose

Falcemização reversível

Excreção de etano -------- ↑ na reoxigenação

Activação do NF-kB após H/R

Alopurinol ↓ excreção de etano ↓ excreção de etano

Hidroxilação do ác. Siálico

-------- ↑ 2,3-DHBA

XD → XO -------- ↑ após H/R

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Reperfusion injury pathophisiology in sickle transgenic mice

Osarogiagbon UR, Choong S, Belcher JD, Vercellotti GM, Paller MS, Hebbel RP Blood 2000 Jul 1;96(1):314-20

DISCUSSÃO:• A lesão de isquémia-reperfusão contribui para a evolução

das lesões características da drepanocitose.

• O aluporinol constitui uma potencial terapia para a drepanocitose.

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Hipoxia / reoxigenation causes inflamatory response in transgenic sickle mice but not in normal mice.

Kaul DK, Hebbel RPJ Clin Invest 2000 Aug:106(3):411-20

OBJECTIVOS:• demonstrar que hipoxia/reoxigenação desencadeia a

inflamação nos ratinhos transgénicos de drepanocitose.

RESULTADOS: 

Ratinho transgénico de drepanocitose

Nº de leucócitos e neutrófilos↑ 1,7x leucócitos

↑ 3x neutrófilos

2h hipoxia → 1h reoxigenação↑ fluxo turbulento e adesão leucocitária

extravasamento leucocitário

3h hipoxia → 1h reoxigenação ↑ adesão e emigração de leucócitos

H/R com uso de anti-Selectina P

↑ 2x a tensão de cisalhamento

“rolling” e adesão leucocitária

Produção oxidativa endotelial ↑↑

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Hipoxia / reoxigenation causes inflamatory response in transgenic sickle mice but not in normal mice.

Kaul DK, Hebbel RPJ Clin Invest 2000 Aug:106(3):411-20

DISCUSSÃO:• A hipóxia/reoxigenação induz uma resposta inflamatória

exagerada nos ratinhos transgénicos de drepanocitose.

• A resposta inflamatória destes ratinhos provocada pela hipóxia/reoxigenação, depende da duração da hipóxia.

• Nos ratinhos transgénicos, a condição pro-inflamatória crónica associada à deformação dos eritrócitos resulta na activação do endotélio.

• A interacção leucócito-endotélio contribui para eventos vasoclusivos nos ratinhos transgénicos e talvez na drepanocitose humana.

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