Doutorsmith®_ Umberto Eco - Rápida Utopia
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Umberto Eco - Rpida Utopia
te xto publicado e m 1993.
Ao distncia, velocidade, comunicao, linha de montagem, triunfo das massas,
Holocausto: atravs das metforas e das realidades que marcaram esses 100 ultimos anos,
aparece a verdadeira doena do progresso
Primeira regra: no se pode julgar um sculo, sobretudo alguns anos antes do seu fim, sem
recoloc-lo na dev ida perpectiva histrica. Pensem no que teria respondido um gegrafo
do sculo XV se lhe tivesse pedido uma sntese de seu sculo em 1 de janeiro de 1490. Ou
no que teramos respondido se nos tivessem pedido um balano de 1989 um ms antes da
queda do Muro de Berlim e da revoluo da Romnia.
Segunda regra: quem julga ? O julgamento de um cidado do mundo ocidental diferente
do de um biafrense que morre de fome. Mas, se essa regra vlida para casa sculo, ela o
um pouco menos para o nosso. Para o bem ou para o mal, o modelo ocidental se impe
gradativamente sobre uma grande parte do planeta. Um campons chins esta hoje, para
o bem ou para o mal, mais prximo de um campons francs do que estava a dois sculos.
Terceira regra: no se pode avaliar emocionalmente um sculo estando dentro dele e sem
proceder a comparaes estatsticas. O nmero de pessoas que hoje morrem de fome no
mundo causa horror. Mas o nmero de pessoas que morreriam de fome no sculo passado
tambm nos deve causar horror, sobretudo se o comparamos populao mundial da
poca. Segundo relatos de vrios legados pontficos, o prncipe
Vlad Tepes de Valaquia (cognominado Dracula), que empalava
mulheres e crianas enquanto se divertia com seus cortesos,
hav ia ordenado, so no ano de 147 5, o massacre de 100.000
pessoas. Considerando que seu principado contava com
500.000 habitantes, como se hoje o governo italiano
ordenasse o massacre de 10.000 milhes de cidados. O
Sculo que chega ao fim o que presenciou o Holocausto,
Hiroshima, os regimes dos Grandes Irmos e dos Pequenos
Pais, os massacres do Camboja e assim por diante. No um
balano tranquilizador. Mas, como veremos, o horror desses
acontecimentos no reside apenas na quantidade, que, certamente, assustadora.
Numa Europa com apenas algumas dezenas de milhes de habitantes, os pogrons das
Cruzadas, as cidades saqueadas durante a Guerra dos Trinta Anos representam um
nmero de v timas que deveria deixar-nos sem voz. Ainda mais que os responsaveis eram
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honrados como heris tanto nos livros de Histria quanto nos relatos suntuosos que
fazem a grandeza da histria da arte.
Pode-se julgar um sculo pela distncia existente entre seu sistema da valores e sua
prtica cotidiana. Como se sabe, a hipocrisia permite dispor compromissos entre o
reconhecimento terico dos valores e sua v iolao. Ora, nosso sculo talvez tenha sido
menos hipcrita que os outros. Ele enunciou regras de convivncia ; certamente as
v iolou, mas moveu e move processos pblicos contra essas v iolaes. Isso no impede
que elas se repitam, mas teve alguma influncia sobre nossos comportamentos cotidianos
e sobre as probabilidades de um grande nmero de cidados, sobretudo no mundo
ocidental, v iver por mais tempo, ev itando abusos de poder de toda ordem.
Hoje posso andar pela rua sem me fazer matar por algum que queira manter sua
trajetria na mesma calada que a minha, e sei que meus filhos no recebero cacetadas
do filho de um duque como meio de aprendizagem do poder. Indiv iduos prepotentes
tentam ainda expulsar uma mulher negra do nibus, mas a opinio pblica os condena: ha
apenas dois sculos, teramos pensado agir como honestos cidados se tivssemos
investido uma parte de nosso peculio numa empresa que teria vendido essa mulher como
escrava aos Estados Unidos. Parece que foi o que aconteceu com o Voltaire.
Vejamos agora os aspectos ambguos deste sculo. Ele ter sido o sculo das massas.
Para o bem e para o mal. Os direitos das massas foram reconhecidos: muito importante
que um cidado que no possua terra ou no tenha prerrogativa eclesistica possa ter o
direito palavra, contestao, ao voto, exercer um cargo poltico, e no avaliarmos o
que isso representa porque no v ivemos em sculos que era normal um arteso morar
num casebre imundo e um senhor que no tinha dinheiro para pagar-lhe mandar seus
serv idores baterem nele. Experimente tratar a murros seu encanador que exige
pagamento e compreender que alguma coisa mudou. As conquistas morais e politicas
desse sculo, graas s quais no pode mais engrav idar impunemente uma camponesa so
porque se dono de terras, se pagam hoje pelo sistema de estrelato : aquela que, em
outros tempos teria sido uma camponesa indefesa hoje assediada com a promessa de
aparecer nua na capa de uma rev ista famosa.
Nosso sculo o da acelerao tecnolgica e cientfica, que se operou e continua operar
em ritmos antes inconcebveis. Foram necessrios milhares de anos para passar do barco
a remo caravela ou da energia elica ao motor de exploso ; e em algumas dcadas se
passou do dirigvel ao av io, da hlice ao turborreator e da ao fogete interplanetrio. Em
algumas dezenas de anos, assistiu-se ao triunfo das teorias revolucionrias de Einstein e a
seu questionamento. O custo dessa acelerao da descoberta a hiperespecializao.
Estamos em v ia de v iver a tragdia dos saberes separados: quanto mais os separamos,
tanto mais fcil submeter a cincia aos clculos do poder. Esse fenmeno esta
intimamente ligado ao fato de ter sido nesse sculo que os homens colocaram mais
diretamente em questo a sobrev ivncia do planeta. Um excelente qumico pode imaginar
um excelente desodorante, mas no possui mais o saber que lhe permitiria dar-se conta
conta de que seu produto ir provocar um buraco na camada de oznio.
O equivalente tecnolgico da separao de poderes foi a linha de montagem. Nesta, cada
um conhece apenas uma fase do trabalho. Privado da satisfao de ver o produto acabado,
cada um tambm liberado de qualquer responsabilidade. Poderia produzir, e isso ocorre
com frequncia, venenos sem que o soubesse. Mas a
linha de montagem permite tambm fabricar aspirina
em quantidade para o mundo todo. E rpido. Tudo se
passa num ritmo acelerado, deconhecido dos sculos
anteriores. Sem essa acelerao, o Muro de Berlim
poderia ter durado milnios, como a Grande Muralha
da China. bom que tudo se tenha resolv ido no
espao de trinta anos, mas pagamos o preo dessa
rapidez. Poderamos destruir o planeta num dia.
Nosso sculo foi da comunicao instantnea.
Hernn Corts pde destruir uma civ ilizao e, antes que a notcia se espalhasse, teve
tempo para encontra justificativas a seus empreendimentos. Hoje, os massacres da Praa
Celestial, em Beijing, tornaram-se atualidade no momento mesmo em que se desenrolam e
provocam a reao de todo o mundo civ ilizado. Mas informaes simultneas em excesso,
uma gerao
Cac Diegues - O Futuro
Passou
Scott Adams - A Evoluo
dos Idiotas
Umberto Eco - Rpida
Utopia
D O U T O R S M I T H
GOI N IA , GOI S,
BRA Z IL
V ISUALIZ AR M EU
PERFIL COM PLETO
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provenientes de todos os pontos do globo, produzem um hbito. O sculo da comunicao
transformou a informao em espetculo. Arriscamo-nos a confundir a todo instante a
atualidade e o divertimento.
Nosso sculo presenciou o triunfo da ao distncia. Hoje, aperta-se um boto e um
foguete lanado a Marte. A ao distncia salva numerosas v idas, mas irresponsabiliza
o crime.
Cincia, tecnologia, comunicao, ao distncia, princpio da linha de montagem:
tudo isso tornou possivel o Holocausto. A perseguio racial e o genocdio no foram uma
inveno de nosso sculo e herdamos do passado o hbito de brandir a ameaa de um
compl judeu para desv iar o descontentamento dos explorados. Mas o que torna to
terrvel o genocidio nazista que foi rpido, tecnologicamente eficaz e buscou o consenso
serv indo-se das comunicaes de massa e do prestgio da cincia.
Foi fcil fazer passar por cincia uma teoria pseudo cientfica, porque, num regime de
separao dos saberes, o qumico que aplicava os gases asfix iantes no julgava necessrio
ter opinies sobre a antropologia fsica. O Holocausto foi possvel porque se podia aceit-
lo e justific-lo sem ver seus resultados. Alm de um nmero, afinal restrito, de pessoas
responsveis e de executantes diretos (sdicos e loucos), milhes de outros puderam
colaborar distncia, realizando cada qual um gesto que no tinha nada de aterrador.
Assim, esse sculo soube fazer do melhor de si o pior de si. Tudo o que aconteceu de
terrvel a seguir no foi seno repetio, sem grande inovao.
O sculo do triunfo tecnolgico foi tambm o da descoberta da fragilidade. Um moinho de
vento podia ser reparado, mas o sistema do computador no tem defesa diante da ma
inteno de um garoto precoce. O sculo esta estressado porque no sabe de quem se
deve defender nem como: somos demasiado poderosos para poder ev itar nossos
enimigos. Encontramos o meio de eliminar a sujeira, mas no o de eliminar resduos.
Porque a sujeira nascia da indigncia, que podia ser reduzida, ao passo que os resduos
(inclusive os radioativos) nascem do bem-estar que ningum quer mais perder. Eis porque
nosso sculo foi o da angstia e o da utopia de cur-la. Com um superego mais forte, a
humanidade se embaraa num mal que conhece perfeitamente, confessa-o em pblico,
tenta purificaes expiatrias s quais se juntam as Igrejas e os governos e repete o mal
porque a ao distncia e linha de montagem impedem de indentific-la no inicio do
processo.
Espao, tempo, informao, crime, castigo, arrependimento, absolv io, indignao,
esquecimento, descoberta, crtica, nascimento, longa v ida, morte tudo em altssima
velocidade. A um ritmo de stress. Nosso sculo o do enfarte.
4 C O M E N T R I O S :
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Alguem tem a resposta da 2 q a janete passou ?
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