Dossiê de Pesquisalia Meireles Apropriarmo-nos de alguém. Escolher uma personalidade compatível...

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Dossiê de Pesquisa

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Dossiê de

Pesquisa

“Um poemário corresponde a um conjunto de poemas agregados em torno de uma ideia comum. O poemário para poemas além-tédio pretende ser um livro de poemas visuais materializado através dos recursos tecnológicos de manipulação do texto ao dispor dos alunos. As referências para a concretização do objecto proposto, advêm em termos históricos do manancial gráfico produzido pelas primeiras vanguardas, nomeadamente os futuristas e os dadaístas. “

Poema

Motivo

“Eu canto porque o instante existe

e a minha vida está completa.

Não sou alegre nem sou triste:

sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,

não sinto gozo nem tormento.

Atravesso noites e dias

no vento.

Se desmorono ou se edifico,

se permaneço ou me desfaço,

— não sei, não sei. Não sei se fico

ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.

Tem sangue eterno a asa ritmada.

E um dia sei que estarei mudo:

— mais nada.”

Cecília Meireles

Poeta

Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa

Nestes versos, o uso do tempo presente indica a valorização do instante, do momento, o que importa é a plenitude da vida no agora. É quase um aviso, o eu lírico mostra que não se apega ao passado ou ao futuro, a vida é boa no presente.

Não sou alegre nem sou triste sou poeta.

Primeira aparição de antíteses, nesse caso as conjunções não e nem mostram a indiferença e a imparcialidade do eu lírico.

Irmão das coisas fugidias; não sinto gozo nem tormento

Neste momento, o eu lírico se coloca no mesmo patamar das coisas passageiras, breves, ilusórias; a esfera em que se encontra é efêmera. O eu lírico é livre, não se prende. Novamente a oposição de dois elementos: gozo e tormento. Mais uma vez aparecem as conjunções não e nem, o que me faz pensar em um eu lírico quase que impenetrável.

Atravesso noites e dias no vento.

Antítese. A inconstância do viver, o tom melancólico, a leveza e a delicadeza com que é tematizada a passagem do tempo, verso imagético, como se estivesse representando a transitoriedade da vida. Nessas duas primeiras estrofes percebemos a ocorrência de rimas ricas, entre palavras de classes gramaticais diferentes.

Se desmorono ou edifico, se permaneço ou desfaço

As oposições entre os elementos juntamente com a conjunção se, demonstram a inquietação do eu lírico acerca da importância de sua poesia – é algo que fica ou que se perde?

- não sei, não sei. Não sei se fico ou se passo.

Aqui, a indefinição, a dúvida do eu lírico mostra-se sem resposta. A repetição da expressão não sei mostra que ele não consegue dar conta de achar uma resposta que satisfaça seu questionamento. A oposição entre fico e o passo.Podemos dizer que as antíteses representam as dúvidas ou as incertezas do eu lírico, ou ainda o que ele não consegue ou não quer definir sobre si mesmo. 

Sei que canto. E a canção é tudo. Tem sangue eterno a asa ritmada

O eu lírico, como se de repente encontrasse respostas para as suas indecisões, demonstra certeza: “Sei que canto” (consciência de que a vida se completa pelos instantes de que é feita) e essa “canção é tudo” (a poesia é a sua razão de viver) que se perpetua no tempo (a “asa ritmada” que “tem sangue eterno”). A expressão “Asa ritmada” sugere não apenas o trabalho de construção sonora e rítmica do poema, mas também a ideia de que há um voo, uma elevação espiritual quando se elabora o texto poético.

Num dia sei que estarei mudo - mais nada.

O poeta – ser efêmero e passageiro – estará mudo em breve (eufemismo que simboliza a morte). A certeza de seu canto e de que “a canção é tudo”. O eu lírico também sabe que um dia estará mudo. Podemos dizer que ele se define a partir de seu fazer poético: sugere que a única coisa que importa na sua existência é a criação poética.A poesia de Cecília Meireles é baseada então num discurso de musicalidade suave e subtil, cujo contato com a realidade é o ponto de partida para uma experiência de transcendência, de superação dessa realidade pela ascese do espírito.

Cecília MeirelesApropriarmo-nos de alguém. Escolher uma personalidade compatível com a de outra pessoa. Foi o que nos foi pedido… De acordo com os traços mais característicos do alter ego que criámos anteriormente, teremos de inserir esta personagem numa outra personalidade já existente, não de uma pessoa qualquer mas de um poeta, mais propriamente um poeta que utilize a língua portuguesa para se exprimir e que se insira no Modernismo.

Dado à natureza musical e melancólica do meu alter ego escolhi encarnar a poeta brasileira Cecília Meireles.

Esta nasceu a 7 de Novembro de 1901, filha de Carlos Alberto de Carvalho Meireles e de Matilde Benevides Meireles, em Tijuca no Rio de Janeiro. Infelizmente os seus pais morreram ainda na sua infância, o seu pai três meses antes de Cecília nascer e a mãe quando já tinha três anos, ficando a viver com a avó Jacinta Benevides.Logo no inicio da história de vida da escritora vemos claras semelhanças com a personagem que criei, pois também João perdeu ambos os pais num incêndio quando ainda morava na Azenha, sendo o desfecho ir morar com a avó materna para Lisboa. 

“ Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão. Essa foi sempre a área da minha vida. Área mágica, onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os relógios revelaram o segredo do seu mecanismo, e as bonecas o jogo do seu olhar. Mais tarde foi nessa área que os livros se abriram, e deixaram sair suas realidades e seus sonhos, em combinação tão harmoniosa que até hoje não compreendo como se possa estabelecer uma separação entre esses dois tempos de vida, unidos como os fios de um pano."

Escreveu o seu primeiro livro de poesia em 1919, “Espectro”, com apenas 18 anos, para além de poesia também escreveu peças de teatro e ensaios (alguns com ilustrações feitos pela própria autora - “Batuque, samba e Macumba").Chegou a publicar artigos em jornais e revistas (como no jornal “Diário de Noticias” e “A Manhã”; na revista “Observador Econômico” e “Ocidente”; entre outros), leccionou na Universidade do Distrito Federal, no Brasil, e na Universidade do Texas, nos USA e foi produtora e redatora de programas

culturais na “Rádio Ministério da Educação. De entre os vários prémios que lhe foram atribuídos pode-se referir o Prémio de Poesia Olavo Bilac, o Prémio de Tradução/Teatro e Prémio Jabuti de Tradução de Obra Literária.A escritora acaba por falecer a 9 de Novembro de 1964 no Rio de Janeiro, sendo-lhe prestadas enormes homenagens publicas.“ Em toda a vida, nunca me esforcei por ganhar nem me espantei por perder. A noção ou o sentimento da transitoriedade de tudo é o fundamento mesmo da minha personalidade.”

A escrita da poeta embora seja simples e acessível é repleta de simbolismo. A utilização de imagens sensoriais remete para uma visualidade poética, abordando temas tão universais como a própria questão da existência, a morte, a solidão, a melancolia, a tristeza (entre outros) e tendo sempre presente o lirismo que lhe é tão característico cheio de sentimentalismo e emoções. O tema da morte é trabalhado exaustivamente pela escritora, onde nos apercebemos das mazelas que a morte dos pais deixaram na sua vida. Como foi comentado por Walmir Ayala: “Sente-se que o aprendizado da morte começou muito cedo para ela (...), uma visão muito dura e precoce em direção ao grande enigma”

"Considero o lirismo de Cecília Meireles o mais elevado da moderna poesia de língua portuguesa.  Nenhum outro poeta iguala o seu desprendimento, a sua fluidez, o seu poder transfigurador, a sua simplicidade e seu preciosismo, porque Cecília, só ela, se acerca da nossa poesia primitiva e do nosso lirismo espontâneo...A poesia de Cecília Meireles é uma das mais puras, belas e válidas manifestações da literatura contemporânea.”

Crítico Paulo Rónai

Modernismo

Visto que o Modernismo no Brasil se dividiu em três fases, onde a primeira se caracterizava por ser mais radical e contrária a tudo o que tinha sido feito até então, expressando-se de forma irreverente e escandalosa, a segunda mais amena dando lugar aos grandes romancistas e poetas e por fim a terceira, também chamada de Pós-Modernismo ou Parnasianismo, que de certa forma anula a primeira fase por ser mais intimista e séria.

As obras cecílianas inserem-se neste movimento modernista, mais propriamente na sua segunda fase (1930-1945), embora também sofram de influências simbolistas, românticas e parnasianas.A sua poesia é altamente marcada pelo ritmo, podendo ser lento ou acelerado, mas nunca perdendo a suavidade que lhe é característica. Este ritmo traduz-se então numa musicalidade, em que a escritora utiliza técnicas literárias tradicionais para compor os seus versos, como por exemplo a estruturação dos sonetos. A melodia ao lermos a poesia de Cecília Meireles não passou despercebida sendo adaptada para o mundo da musica por diverso artistas.É precisamente esta musicalidade que aproxima o alter ego que criei desta poeta, ambos partilham desta característica, sendo João Sapo através do seu violino, que utiliza para se exprimir e evidenciar no mundo, e Cecília por transpor para a escrita uma faculdade auditiva que rapidamente transforma os seus textos em algo extremamente cativante.

Tanto na Performance do “Bairro dos Poetas” como no Poemário, o poema distinto a ser tratado será “O Motivo”, de Cecília Meireles.Ao ser escrito, na sua totalidade, na primeira pessoa o “eu” lírico demonstra-se intimista e subjetivo. A morte, a perda de algo está bem presente na temática deste texto. Por entre tantas incertezas expressas no poema a escritora dá-nos duas certezas: a de que é poeta e de que um dia tudo desaparecerá (“estarei mudo”).

Poemário

Centrado-nos na personalidade e vida do alter ego anteriormente criado, seguimos a sua linha de vida até á sua ocupação. O caracter de violinista possuído por esta personagem reflete-se na capa deste Poemário Além-Tédio, onde o violino realmente se transforma em algo real libertando-se da tinta do papel. Esta capa, que pretende desde já ser um objeto único e afastado do que conhecemos commumente, será assim construída em três dimensões, tendo como base objetos como papel de jornal, cola branca, papel de cozinha e tintas acrílicas.

No interior do poemário foi então pedido que interpretássemos tanto as palavras do poema como o que está inerente ao poeta e ao contexto onde se insere utilizando a tipografia.Apelando á criatividade, era possível também o recurso à mancha, mas sendo proibido a utilização de fotografias ou elementos desenhados. As fontes têm de ser reais, temos de utilizar algo já existente, não podendo inventar tipografia. As técnicas maioritariamente utilizadas foram os carimbos em material eva, transfer, colagens de revistas/jornais e variados tipos de papel e cartão.A parte visual serve assim de interpretação para o que estava escrito.No final, o poema é assim representado na integra dando a conhecer ao leitor o seu aspeto original.

Referências

DadaísmoEste movimento surgiu com o intuito de transformar as formas artísticas tradicionais, servindo de alavanca para uma mudança na forma de os artista se expressarem. Os dadaístas pretendiam combater a arte institucionalizada, demonstrando uma irreverência e uma forte critica ao capitalismo e ao consumismo. Para isso, recorriam ao exagero, muitas vezes enfatizando o absurdo e temas sem lógica, utilizavam os mais diversos materiais para se exprimirem (como simples objetos do quotidiano, sons, fotografias, poesia, entre outros), tudo isto com o toque pessimista e irónico que lhes é característico. Para este projeto, irei ter como referencia alguns dos dadaistas que se apropriaram do caracter estético-semântico da escrita, de modo a transmitirem as suas ideias e pensamentos.

Kurt Schwitters (1887 Hanover -1948 Ambleside, Reino Unido)

Conhecido pintor, escultor, tipografo e escritor alemão, criou em 1918 a sua própria forma Dada de nome “Merz” - a arte de tudo - profundamente influenciado pelo Expressionismo e pelo Cubismo. “Merz” era uma forma de colagem pessoal de Schwitters, onde inicialmente utilizou os mais diversos e banais materiais físicos e só depois começou a incluir atividades como a poesia e as performances. As suas obras foram tão inovadoras que se distanciaram de tudo o que tinha sido criado até então (expressionismo, cubismo e mesmo dada), sendo por isso considerado um pioneiro do dadaísmo e até mesmo fundador da arte de performance, chocando o

publico ao serem declamados poemas constituídos apenas por sons, “Ursonate”. A base de “Merz” é basicamente a de que qualquer objeto encontrado pode ser transformado em arte e pode servir corretamente os objetivos de um artista, assim sendo, uma corda pode ser vista como uma linha análoga numa composição e um pedaço de algodão pode transmitir a suavidade pretendida pelo artista. Deste modo, este pioneiro tentou derrubar as paredes entre a pintura, escultura e os detritos quotidianos de uma sociedade de consumo.

Cartaz projetado por Kurt Schwitters e Theo van Doesburg para o "Kleine Dada Soirée", um desempenho Dada uproarious realizada em Haia em 1922. New York, MOMA.

Excerto de “Ursonate”

Fümms bö wö tää zää Uu,                                          pögiff,                                                       kwii Ee.  1Oooooooooooooooooooooooo,

6dll rrrrr beeeee bö dll rrrrr beeeee bö fümms bö,                                      (A)      rrrrr beeeee bö fümms bö wö,              beeeee bö fümms bö wö tää,                         bö fümms bö wö tää zää,                              fümms bö wö tää zää Uu:

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primera parte:

tema 1: Fümms bö wö tää zää Uu,                                          pögiff,                                                  Kwii Ee.

1tema 2: Dedesnn nn rrrrr,                            Ii Ee,                                       mpiff tillff too,                                                               tillll,                                                                        Jüü Kaa?

2tema 3: Rinnzekete bee bee nnz krr müü?                                                      ziiuu ennze, ziiuu rinnzkrrmüü,

3          rakete bee bee, 

3atema 4 Rrummpff tillff toooo?

4

exposición:

Ziiuu ennze ziiuu nnzkrrmüü,  Ziiuu ennze ziiuu rinnzkrrmüü

ü3    rakete bee bee? rakete bee zee.

ü3a

desarrollo:

Fümms bö wö tää zää Uu, Uu zee tee wee bee fümms.

ü1rakete rinnzekete rakete rinnzekete                                                               (B) rakete rinnzekete rakete rinnzekete rakete rinnzekete rakete rinnzekete Beeeee bö

ü3+

Raoul Hausmann (1886 Viena, Austria - 1971 Limoges, França)

Desde novo Hausmann se deixou envolver pelo movimento expressionista alemão através de variadas revista como “Der Sturm” ou “Die Aktion” , algumas das quais chegou mesmo a publicar artigos. Cedo se interessou pela pintura, filosofia e literatura, mas foi só em 1917 que contactou como o dadaismo através do pub “Cabaret Voltaire” onde se reuniam os mais diversos artistas e praticamente se criou o dadaismo, e do médico-escritor Richard Huelsenbeck. A partir daí Hausmann começou a desenvolver vários projetos como fotomontagens, “poemas de cartaz” e poemas fonéticos, continuando sempre com as suas fotografias documentais e experiências fototécnicas. Em 1919 tornou-se editor da revista “Der Dada”, que apresenta artigos longos em que os dadaístas de Berlim se auto promoviam util izando linguagem “emprestada” de publicidades e propagandas de guerra, assim com de instituições burocráticas e religiosas. Cada edição da revista é revestida de declarações satíricas e até perversas, sendo no final assinada pelo “Escritório Central do Dadaísmo”, demonstrando o sentimento de independência dos dadaísta de Berlim. Hausmann acabou por se tornar num artista proibido em vários países devido à audácia das suas publicações, mantendo uma vida sempre em fuga por toda a Europa.

Cabaret Voltaire

John Heartfield (1891 Berlim, Alemanha - 1968 Berlim, Alemanha)

De nome verdadeiro Helmut Herzfeld, escolheu mudar o seu nome em termos artísticos para Heartfield de modo a criticar o nacionalismo irracional alemão durante a I Guerra Mundial. Introduzido à arte Dada por George Grosz, Heartfield tornou-se um membro influente do movimento Dada alemão no início do século XX.É conhecido como um dos fundador da montagem no design visual moderno, tendo por isso influenciado diversas gerações de artistas com as suas obras. Esta influência é visível em vários meios, como filmes ou no design gráfico digital.

Sendo um jovem em Berlim, John Heartfield foi considerado como um dos génios mais brilhantes na área do design gráfico comercial, sendo que também foi um verdadeiro inovador na tipografia.As palavras e imagens iluminam a sua vida através das diversas cartas, cartões ilustrados e documentos de compôs. Ele foi um pioneiro no uso da multimédia quer na publicidade como na arte, sendo por isso que a sua arte é considerada uma percursora para os conteúdos visuais na internet.Foi de certa forma inspirado pela loucura de Hitler e do Partido Nazista, construindo acusações artísticas ao fascismo e à guerra, “Fotomontagens do Período Nazi”, o que o tornou num artista mundialmente famoso. Estas complexas acusações à figura de Adolf Hitler promoveram-lhe o lugar de quinta pessoa mais procurada na lista da Gestapo (a polícia secreta do estado Nazi), acabando por ser perseguido por toda a Europa. No entanto, Heartfield continuou a utilizar a sua “arte como arma”, nunca se deixando sucumbir àqueles que o queriam deitar a baixo. Juntamente com George Grosz, criou uma revista satírica, Die Pleite. Chegou também a a trabalhar para duas publicações comunistas, o diário Die Rote Fahne e o semanário Arbeiter-Illustrierte-Zeitung (Aiz), sendo este ultimo onde publicou as suas obras.

FuturismoOs futuristas glorificam a máquina, exaltando-se com a era moderna. Os membros deste movimento tentam transmitir e expressar a velocidade, recriando o movimento real dos objeto no espaço através da bidimensionalidade, sendo por isso considerado uma subcategoria do Modernismo.. No fundo eles não pretendem copiar as tecnologia já existente, mas sim captar a forma plástica da velocidade descrita por um ou mais objetos mecânicos, transmitindo toda a agressividade que lhe estava associada. Deste modo, os artistas começam-se a inclinar para algo mais urbano e industrial, traduzindo-se na utilização de materiais como ferro, vidro, betão (na escultura) e de cores vivas e estaremos contrastes (na pintura), dando sempre uma sensação de dinâmica e movimento. Há assim uma completa desnaturalização da arte, em que se despreza a harmonia e se rejeita o tradicional.

Tal como diz Giacomo Balla: “É mais belo um ferro elétrico do que uma escultura”

O primeiro manifesto foi publicado no Le Fígaro de Paris, em fevereiro de 1909, e nele, o poeta italiano Marinetti, dizendo que “o esplendor do mundo enriqueceu com uma nova beleza: a beleza da velocidade. Um automóvel de corrida é mais belo que a Vitória de Samotrácia”. O segundo manifesto, de 1910, resultou do encontro entre este poeta e os pintores Carlo Carra, Russolo, Severini, Boccioni e Giacomo Balla.

Em Portugal, este movimente surge com a revista Orpheu, da qual faziam parte Fernando Pessoa e Mário Sá Carneiro. Nesta publicação estavam expostos trabalhos do pintor modernista português Santa-Rita Pintor, os poemas Manucure e Apoteose de Mário de Sá-Carneiro e a conhecida Ode Triunfal de Álvaro de Campos.

Portugal FuturistaEsta revista lançada em 1917, com apenas uma edição, devido a ter sido apreendida 15 dias após o seu lançamento, é considerada como o lugar por excelência da vanguarda portuguesa. Dirigida por Carlos Porfirio, conta com textos de Almada Negreiros (Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesa do Século XX) e de Álvaro de Campos (Ultimatum), homenageia Santa-Rita Pintor na qualidade de ser o introdutor do Futurismo em Portugal, apresentando algumas das suas obras (Abstração Congénita Intuitiva (Matéria Força); Orfeu nos Infernos; Perspetiva Dinâmica de um Quadro ao Acordar; Cabeça = Linha Força. Complementarismo Orgânico.) e conta ainda com quadros de Amadeo de Souza-Cardoso (Farol e Cabeça Negra).

Apesar de se exaltar este Futurismo português, são respostas também obras de futuristas estrangeiros, como transcrições de textos de Appollinaire, Blaise Cendrars e Marinetti.

Filippo Tommaso Marinetti (1876 Alexandria, Egipto –1944 Bellagio, Itália)

Escritor e poeta italiano fundador do Futurismo, cujo manifesto inaugural publica, a 20 de Fevereiro de 1909, no jornal parisiense Le Figaro. Se o Futurismo não se identifica exclusivamente com Marinetti, a figura do poeta italiano constitui no entanto, pelo seu contributo ideológico, teórico e criativo, a alma do movimento. Revolucionário pelo programa que defende, exaltando o futuro e os novos mitos da sociedade moderna (a máquina, a velocidade, o dinamismo, a vitalidade, a guerra) mas acima de tudo, pela sua vocação global e pelo modo insistente e agressivo como promove a sua estética, o Futurismo surge como pioneiro da vanguarda histórica.

Abrangendo todas as expressões da arte, o movimento ultrapassa, porém, a realidade artística, abordando temas diversos e envolvendo-se desde o início no meio político.O Futurismo ditado por Marinetti repercute-se imediatamente na arte e na literatura europeia, sobretudo, enquanto propulsor da vanguarda no âmbito das diversas realidades nacionais, marcando definitivamente a trajectória do nosso primeiro modernismo lisboeta.

Fortunato Depero(1892 Rovereto, Itália -1960 Rovereto, Itália)

Depero iniciou a sua carreira como um artista de belas-artes, progredindo mais tarde para a arte comercial. Com o tempo, acabou por se tornar no designer gráfico futurista mais reconhecido e bem sucedido. Aderiu ao movimento futurista em 1914, justamente quando o planeta enfrentava sua primeira guerra mundial. O fervor patriótico do artista está registrado num dos seus primeiros trabalhos, uma collage de 1915 em que Depero, simbolicamente, atira uma bomba na Áustria. No mesmo ano, ele e Giacomo Balla lançaram o manifesto Reconstrução Futurista do Universo, em que defendiam a ideia da produção artística como um campo expandido. Sendo o futurismo marcado pelo desprezo daquilo de tudo o que representa o passado, também Depero se afastava dos museus e

galerias, que espelhavam uma antiguidade e aristocracia. A rua seria o museu do futuro, a arte reinaria omnipresente no quotidiano. Caberia ao artista idealizar móveis, tecidos e cartazes publicitários para concretizar o ideal futurista.

Construtivismo"Construtivismo significa: a ideia de que nada a rigor está pronto, acabado, e de que, especificamente, o conhecimento não é dado, em nenhuma instância, como algo terminado. É constituído pela interação do indivíduo com o meio físico e social, com o simbolismo humano, com o mundo das relações sociais; baseia-se na força da ação e não de qualquer dotação prévia, na bagagem hereditária ou no meio, de tal modo que podemos afirmar que antes da ação não há psiquismo nem consciência e, muito menos, pensamento." Fernando Becker

Este é um movimento de vanguarda artística (artes plásticas, escultura, arquitetura, cenografia, dança, fotografia, design) que surgiu no início do século XX na capital russa, Moscovo, durando até meados da década de 1920 e influenciando o movimento artístico da Bauhaus.Esta vertente de influência futurista, esteve preocupada em mostrar uma nova configuração da arte, imbuída dos aspectos da Revolução Industrial, ou seja, uma arte que rompia com o passado tradicional, trazendo à tona outras formas de apresentação, associadas aos avanços técnicos e tecnológicos modernos, por exemplo, as máquinas, engenharia, electrónica, evolução fabril, entre outros.Para isso, os artistas construtivistas, sobretudo os precursores e fundadores do movimento Vladimir Tatlin, Aleksandr Rodchenko, El Lissitzky e Naum Gabo, utilizaram a tridimensionalidade, o relevo, o objeto industrial, a fotografia, a tipografia e a moda para expressarem os ideais do movimento.

El Lissitzky e Mayakovsky “Para a voz”

Publicado em 1923, o livro de poesia concreta “Para a Voz” (Dlia Golosa em russo) feito por dois dos maiores artistas revolucionários do século XX, El Lissitzky com a colaboração de Vladimir Mayakovsky, que contribuiu com 13 dos seus poemas , é constituído por formas geométricas com conotações símbolicas (como o martelo e a foice comunista), com formato clip art (como o dedo apontador que pode ser encontrado em várias páginas do livro) e com o espaço negativo - todos estes elementos coloridos nos tons suprematistas de vermelho, preto e branco, de modo a criar um livro de poemas com o intuito de ser visto em vez de ouvido. O ritmo e a intensidade da leitura são assim traduzidos para a composição tipográfica através de diferentes tipos e grafismos, com recurso a jogos de verticais, horizontais e diagonais dos elementos nas páginas.

Publicado pela primeira vez em Berlim o livro de poesia é visto como uma das melhores conquistas do bookmaking russo de vanguarda - uma tradição na qual poetas e artistas colaboraram para criar livros que alcançaram o status de objetos de arte.

 O livro é um exemplo significativo do que é a fusão, aparentemente impossível, entre o Constructivismo e Suprematismo, junção esta que El Lissitzky ativamente aplicava à maioria das suas investigações criativas em design e arquitetura.

Os poemas de Matakovsky foram feitos para serem lidos em voz alta, refletindo alguns dos grandes temas construtivistas, como a raiva com a burguesia ociosa e saciada, a compaixão pela luta do povo comum e a chamada para a criação de um "exército de artes" de modo a lutar contra a ordem antiga.

 El Lissitzky, considerado o criador do livro, forneceu interpretações tipográficas dos poemas de Mayakovsky através de composições visuais dinâmicas, em que elementos geométricos foram infundidos com um significado simbólico. As letras impressas em tons vermelhos e pretos tornam-se sinais pictóricos, contribuindo para a identidade de cada poema. Como tal, o livro é considerado como um dos melhores exemplares da poesia concreta do início do século XX, embora de natureza colaborativa, pois não apenas o poeta mas também o designer, trabalharam juntos para alcançar o que é considerado a obra-prima de El Lissitzky de tipografia moderna, assim como um verdadeiro marco na história do design gráfico moderno.

“My pages stand in much the same relationship to the poems as an accompanying piano to a violin. Just as the poet unites concept

and sound, I have tried to create an equivalent unity using the poem and typography."