Dom Manoel João Francisco - em Nuvens

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Encontros Teológicos nº 44 Ano 21 / número 2 / 2006 Eucaristia e unidade da Igreja Percepção de um católico Dom Manoel João Francisco* * O Autor é Bispo de Chapecó, SC. Nos inícios do movimento ecumênico, a Igreja católica teve resistências para nele integrar-se. Os fiéis católicos foram, por muito tempo, proibidos de participarem das iniciativas ecumênicas oriundas no meio protestante. Apenas a partir do Concílio Vaticano II, a adesão da Igreja católica ao movimento ecumênico foi explícita. A partir de então, o catolicismo desenvolve relações ecumênicas com quase todas as Igrejas do ramo protestante, do anglicanismo e da ortodoxia. A Eucaristia encontra-se no centro do diálogo teológico entre essas Igrejas por entender-se que a unidade eucarística é o caminho, a expressão e a meta da unidade da Igreja. Dentre as questões abordadas nesse tema, destacam-se a presença real de Cristo nas espécies do pão e do vinho, o caráter sacrifical da missa, a hospitalidade eucarística e a intercomunhão. Abstract: At the beginning of the ecumenical movement, the Church was reluctant to take an active part. In fact, Catholics were not allowed, for quite a long time, to participate in ecumenical initiatives, which originated in Protestantism. Only since the II Vatican Council a decisive step forward was taken by the Catholic Church, which from then on explicitly embraced the ecumenical movement by entering into an ecumenical relationship with almost all Protestant churches, including Anglicanism and those from Early Protestantism. It is to be noted that the Eucharist is the central theme of the theological dialogue among these churches because by sharing in the Eucharist the faithful express the aim at obtaining unity in the Church. The fundamental issues being discussed in the ecumenical dialogue deal with the real presence of Christ under the species of bread and wine, as well as the sacrificial rite of the Mass for the purpose of ratifying Christ’s Covenant with the faithful, and finally Eucharistic hospitality in the faith community in view of inter- communion.

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Ano 21 / número 2 / 2006

Dom Manoel João Francisco

Eucaristia e unidade da Igreja

Percepção de um católico

Dom Manoel João Francisco*

* O Autor é Bispo de Chapecó, SC.

Nos inícios do movimento ecumênico, a Igreja católica teve resistências paranele integrar-se. Os fiéis católicos foram, por muito tempo, proibidos departiciparem das iniciativas ecumênicas oriundas no meio protestante. Apenasa partir do Concílio Vaticano II, a adesão da Igreja católica ao movimentoecumênico foi explícita. A partir de então, o catolicismo desenvolve relaçõesecumênicas com quase todas as Igrejas do ramo protestante, do anglicanismoe da ortodoxia. A Eucaristia encontra-se no centro do diálogo teológico entreessas Igrejas por entender-se que a unidade eucarística é o caminho, aexpressão e a meta da unidade da Igreja. Dentre as questões abordadasnesse tema, destacam-se a presença real de Cristo nas espécies do pão e dovinho, o caráter sacrifical da missa, a hospitalidade eucarística e aintercomunhão.

Abstract: At the beginning of the ecumenical movement, the Church wasreluctant to take an active part. In fact, Catholics were not allowed, for quite along time, to participate in ecumenical initiatives, which originated inProtestantism. Only since the II Vatican Council a decisive step forward wastaken by the Catholic Church, which from then on explicitly embraced theecumenical movement by entering into an ecumenical relationship with almostall Protestant churches, including Anglicanism and those from EarlyProtestantism. It is to be noted that the Eucharist is the central theme of thetheological dialogue among these churches because by sharing in theEucharist the faithful express the aim at obtaining unity in the Church. Thefundamental issues being discussed in the ecumenical dialogue deal with thereal presence of Christ under the species of bread and wine, as well as thesacrificial rite of the Mass for the purpose of ratifying Christ’s Covenant with thefaithful, and finally Eucharistic hospitality in the faith community in view of inter-communion.

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Eucaristia e unidade da Igreja

1. Introdução

No início a Igreja católica teve muita dificuldade de aderir àproposta da caminhada ecumênica. Sua concepção era que “fora daIgreja (católica romana) não havia salvação”. União de cristãos, porisso, significava “catolicização” dos não católicos. Daí a proibição aosfiéis e ao clero de participarem de qualquer ato promovido pelo movimentoecumênico.

O Papa Pio IX, por exemplo, em 1864, fez publicar um elenco dosprincipais erros do tempo, intitulado Silabo. Entre os tais erros estava ode se considerar “o protestantismo uma forma diversa da verdadeirareligião cristã e de achar que nele se podia agradar a Deus, da mesmaforma que na Igreja católica” (Dz 1718).

A mesma atitude de condenação ainda pairava em Roma no anode 1928, quando o Papa Pio XI, em sua Encíclica Mortalium animos,reafirmava as razões pelas quais a Santa Sé não dava aos seus fiéis e aoclero a permissão de participar dos congressos e encontros de acatólicos:“A reunião de cristãos só pode ser permitida se for em vista do retornodos dissidentes à única e verdadeira Igreja de Cristo (isto é a Igreja deRoma), da qual, precisamente um dia, eles tiveram a infeliz idéia dese separar” (AAS 10/1/1928).

Em 1948, diante da crescente participação de católicos emencontros ecumênicos, o Santo Ofício, através de um documento, Cumcompertum, chamou atenção para que fosse escrupulosamente observadoo que estava prescrito no Código de Direito Canônico proibindo oscatólicos, sem uma especial autorização, de participar e, especialmente,de organizar encontros com não católicos para discutir temas de fé e demoral (AAS 15/06 e 10/7/1948).

Aos poucos no entanto, esta atitude rígida foi mudando. Em 1949,com a Instrução, De motione oecumenica, o Santo Ofício reconheceuoficialmente o Movimento Ecumênico como fruto das orações comunsdos fiéis e da ação do Espírito Santo. Consentiu, outrossim, que católicosparticipassem de seus encontros, sob o estreito controle das autoridadescompetentes, ou seja, dos bispos diocesanos. Declarou, no entanto, quea única via para atingir a verdadeira unidade era a volta à Roma doscristãos separados.

Finalmente o Concílio Vaticano II reconheceu que a unidade doscristãos é graça do Espírito Santo alcançada pela oração, pela palavra e

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pela ação dos fiéis. Por isso, exortou os católicos a participarem ativamenteno trabalho ecumênico (UR 4).

Chegada a autorização, iniciaram-se os trabalhos de forma muitointensa, tendo como conseqüência a proliferação de acordos ecumênicossobre os mais diversos temas. Vários sobre a Eucaristia.

2. Acordos Ecumênicos sobre a Eucaristia

Anglicano-Católico

– ARCIC, Doutrina sobre a Eucaristia, Declaração deWindsor 1971.

– ARCIC, Esclarecimento de Salisbury a respeito da Dou-trina sobre a Eucaristia, 1979.

– ARCIC, Esclarecimentos sobre Eucaristia e Ministério,1993.

– ARCIC, Esclarecimento sobre Eucaristia e Ministério (De-claração dos coo-presidentes) 1994.

– Cardeal Cassidy (carta), Esclarecimento sobre Eucaristia eMinistério, 1994.

– Grupo Misto Anglicano-Católico da Escócia, Relatório sobrea natureza eclesial da Eucaristia, 1973.

– Grupo Misto Anglicano-Católico da Escócia, Declaração con-junta sobre o sacerdócio e a eucaristia, 1978.

– Consulta Anglicana-Católica nos USA, Reflexões a respeitoda Declaração da ARCIC sobre a Doutrina Eucarística,1972.

Catolico-Luterano

– Comissão Mista Católico-Romana/Evangélico-Luterana, A Ceiado Senhor, 1978.

– Instituto de Pesquisas Ecumênicas de Straburgo, Declaraçãosobre a hospitalidade eucarística entre católicos eluteranos, 1973.

– Comissão Mista Católico-Romana/Evangélico-Luterana da Aus-trália, Sacramento e sacrifício, 1985.

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Eucaristia e unidade da Igreja

– Grupo de Diálogo Católico-Luterano da Noruega, A Ceia doSenhor – A Eucaristia, 1982

– Comissão Mista Católico-Romana/Evangélico-Luterana dosUSA, A Eucaristia como sacrifício, 1967

– Comissão Mista Católico-Romana/Evangélico-Luterana dosUSA, Eucaristia e Ministério, 1970

– Católicos e Luteranos de Nova Iorque, Sumário sobre a dou-trina e sobre a prática eucarística, 1981.

– Comissão bilateral Católico-Luterana do Brasil, Hospitalida-de Eucarística. Subsídios de um Seminário, 1998.

– Comissão bilateral Católico-Luterana do Brasil, Hospitalida-de Eucarística. Declaração de um Seminário, 1998

Católico-Metodista

– Igreja católica – Igreja Metodista Unida dos USA, A Eucaris-tia e as Igrejas, 1981.

Católico-Luterano-Reformados

– Comissão Mista Católico-Protestante (França), Reflexões equestionamentos relacionados com a “communicatio insacris” que a Comissão Mista Católico-Protestante colo-ca para os responsáveis e para os teólogos da Igreja cató-lica e das Igrejas da reforma na França, 1969.

– Comissões Ecumências das Dioceses da Alsácia e de Lorena(Strasburgo e Metz), Acordo ecumênico sobre o significadoda Eucaristia, 1972

– Grupo de Dombes, Na direção de uma mesma fé eucarística?Acordo entre católicos e protestantes. 1971

– Grupo de Dombes, O significado da Eucaristia. Acordo pas-toral, 1972

– Grupo Misto de Trabalho Teológico do Secretariado de Ativi-dades Ecumênicas da Itália, A presidência na Eucaristia,,1976.

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Católico-Ortodoxo Calcedonense

– Comissão Mista Romano-Ortodoxa, O mistério da Igreja eda Eucaristia à luz do mistério da Santa Trindade, 1982.

– Consulta Ortodoxa – Católico-Romana dos USA, Declara-ção conjunta sobre a Eucaristia, 1969.

– Consulta Ortodoxa – Católico-Romana dos USA, Declara-ção de acordo sobre o documento de Lima, “Batismo, Eu-caristia, Ministério”, 1984.

Católico-Ortodoxo Oriental

– Consulta Ortodoxa Oriental – Católico Romana nos USA, De-claração conjunta sobre a Eucaristia, 1983.

– Comissão Mista de Diálogo Católica – Ortdoxo Sírio Malancar,Matrimônio e comunhão eucarística (Relatório provisório),1990.

Católico-Reformado-Velhos Católicos

– Comissões Ecumênicas para o Diálogo na Suiça, Para um co-mum testemunho eucarístico das Igrejas (Documento deTrabalho) 1973.

Católico e Velhos Católicos

– Comissão de Diálogo da Igreja católica cristã da Suiça e daIgreja católica romana da Suiça, Declaração Comunhãoeucarística, Comunhão eclesial, 1986.

Conselho Mundial de Igrejas

– Comissão Fé e Constituição, Um só Batismo, uma só Euca-ristia e um só Ministério mutuamente reconhecido, 1974.

– Comissão Fé e Constituição, Batismo, Eucaristia,Ministério,(Documento de Lima), 1982.

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Eucaristia e unidade da Igreja

Igreja Católica

– Pont. Conselho para a Unidade dos Cristãos, Batismo, Euca-ristia, Ministério, Resposta oficial da Igreja Católica aoBEM, 1987.

– Pont. Conselho para a Unidade dos Cristãos, Instrução sobrea Intercomunhão.

Alguns destes acordos são de caráter particular. (Dombes, porexemplo). A maioria deles, porém, foram elaborados por Comissõesoficialmente nomeadas. Resta saber se eles conseguem expressar nossafé na Eucaristia, pois ainda não têm caráter oficial. São geralmenteapresentados nestes termos: “Depois de ter sido unanimemente adotadopelos membros da Comissão o documento é agora oferecido para suadiscussão”. Segundo declarações do Cardeal Willebrands, primeiro seprocura expô-los ao conhecimento e à crítica dos teólogos e especialistas.Só então, poderão ser declarado oficiais1.

Não me consta que alguns dos documentos acima citados já foramoficialmente assumidos. Continuamos, portanto, em fase de reflexão. ÀsIgrejas compete fazer suas críticas e observações. Este nosso simpósioinsere-se neste contexto.

Devido a exigüidade de tempo, não vai ser possível analisar cadaum dos documentos, nem abordar todos os temas neles contidos. Vamosnos deter apenas naqueles que são comuns a todos: presença real, carátersacrifical, hospitalidade eucarística e a intercomunhão.

3. Presença Real

Durante os nove primeiros séculos de sua história os cristãosacreditaram, sem maiores sobressaltos, na presença real de Cristo sobas espécies de pão e de vinho. São muitos os testemunhos que comprovamesta fé. “A Eucaristia é a carne de nosso Salvador Jesus Cristo, quesofreu por nossos pecados e que, em sua bondade, o Pai ressuscitou”(Inácio de Antioquia, Esmirn. 7,1). “Não recebemos a Eucaristia comopão ordinário ou como uma bebida comum. Mas precisamente comonosso Salvador Jesus Cristo se fez carne pela Palavra de Deus e teveuma carne e sangue para a nossa salvação, da mesma forma também

1 Documentation Catholique 69(1972)523-524.

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nós aprendemos que o alimento eucaristizado pela palavra de oraçãorecebida dele é a carne e o sangue de Jesus encarnado, alimento quesendo assimilado alimenta a nossa carne e o nosso sangue” (Justino, 1Apol. 66,2).

No século IV: “O próprio Paulo proclama precisamente: ‘Na noiteem que foi entregue, Nosso Senhor Jesus Cristo, tomando o pão e depoisde ter dado graças, partiu-o e o deu a seus discípulos dizendo: Tomai,comei, isto é meu corpo. E tomando o cálice e tendo dado graças, disse:Tomai, bebei, isto é o meu sangue’. Se ele em pessoa declarou e disse dopão: ‘Isto é meu corpo’, quem se atreveria a duvidar doravante? E quandoele afirma categoricamente e diz: ‘Isto é o meu sangue’, quem duvidariadizendo não ser seu sangue? [...]. Portanto, com toda certeza recebemo-los como corpo e sangue de Cristo. Em forma de pão te é dado o corpo,e em forma de vinho o sangue, para que te tornes, tomando o corpo e osangue de Cristo, concorpóreo e consangüíneo com Cristo” (Cirilo deJerusalém, 4ª Cat. Mist. 1 e 3). “Suplicamos ao Deus benigno que envieo Espírito Santo sobre os dons colocados, para fazer do pão corpo deCristo e do vinho sangue de Cristo. Pois tudo o que o Espírito Santo tocaé santificado e transformado” (Cirilo de Jerusalém. 5ª Cat. Mist. 7).

A partir do século IX começam a surgir dúvidas e problemas.Alguns teólogos, na tentativa de explicar o “como” Cristo está presentenas espécies de pão e vinho, chegaram a à conclusões muito duvidosas,para não dizer errôneas.

Alguns, representados por Pascásio Radberto, optando por umrealismo antropofágico, afirmaram que “o pão e o vinho depois daconsagração são não só sacramento, mas também o verdadeiro corpo eo verdadeiro sangue de nosso Senhor Jesus Cristo que sensivelmente,não só no sacramento, mas em realidade, são tocados e partidos pelasmãos dos sacerdotes e triturados pelos dentes dos fiéis” (DS 690).

Outros, capitaneados por Berengário de Tours, aderindo a umsimbolismo nominalista, teriam afirmado que a Eucaristia não é verdadeirae substancialmente corpo do Senhor, mas é chamada assim só de nome,porque seria como sombra e figura representativa do corpo e sangue doSenhor.

A posição realista carnal antropofágica caiu no gosto popular epermitiu o aparecimento de uma literatura de caráter miraculoso onde senarram diversos fatos de transformação do pão em carne e do vinho em

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sangue. Fazem parte desta literatura os famosos milagres de Lancianoe Orvieto2.

Fugindo da radicalidade de uma e de outra posição, e ao mesmotempo, mantendo todo o realismo da presença de Cristo na Eucaristia,alguns teólogos, entre eles Tomás de Aquino, auxiliados pela teoria dohilemorfismo, desenvolveram a concepção substancialista que levará àdoutrina da transubstanciação, acolhida pelo Magistério da Igreja católica,como expressão mais adequada para explicar o mistério da presençareal de Cristo sob as espécies de pão e de vinho.

“Em primeiro lugar, o santo Concílio ensina e professa aberta esimplesmente que, no sublime sacramento da santa Eucaristia, depois daconsagração do pão e do vinho, Nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiroDeus e [verdadeiro] homem, está contido verdadeira, real esubstancialmente sob a aparência daquelas coisas sensíveis. Poisnão há contradição em que o mesmo nosso Salvador esteja sempre sentadoà direita do Pai nos céus, segundo o modo natural de existir, e que, nãoobstante, esteja para nós sacramentalmente presente em suasubstância, em muitos outros lugares, segundo um modo de existênciaque, embora mal possamos exprimir em palavras, podemos reconhecerpelo pensamento iluminado pela fé como possível para Deus e devemoscrê[-lo] firmemente (Concílio de Trento, Dz 874).

“Se alguém negar que no santíssimo sacramento da Eucaristia,está contido verdadeira, real e substancialmente o corpo e o sangue,juntamente com a alma e a divindade de nosso Senhor Jesus Cristo e,portanto, o Cristo inteiro, mas disser que só estão como que em sinal ouem figura ou na eficácia, seja anátema” (Dz 883).

“Se alguém disser que no sacrossanto sacramento da Eucaristia,permanece a substância do pão e do vinho juntamente com o corpo e osangue de Nosso Senhor Jesus Cristo e negar aquela e singularmudança de toda a substância do pão no corpo e de toda asubstância do vinho no sangue, permanecendo só as espécies depão e vinho; mudança que a Igreja católica chama com muitapropriedade transubstanciação, seja anátema” (Dz 884).

2 C. BERRI, Jesus no santíssimo sacramento, Ed. Vozes, Petrópolis, 1954. Publicaçãofeita em preparação ao 36º Congresso Eucarístico Internacional, realizado em 1955no Rio de Janeiro. Contém 122 histórias de caráter miraculoso.

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“Se alguém disser que, depois da consagração, o corpo e o sanguede Nosso Senhor Jesus Cristo não estão no admirável sacramento daEucaristia, mas que [eles estão] somente no uso, enquanto são recebidos,mas não antes nem depois, e que o verdadeiro corpo do Senhor nãopermanece nas hóstias ou partículas consagradas que se guardam ousobram depois da comunhão, seja anátema” (Dz 886).

Em tempos recentes, por causa da crise da teoria do hilemorfismoe da opinião que o termo transubstanciação já não é o mais apropriadopara expressar a “singular mudança de toda a substância do pão nocorpo e de toda a substância do vinho no sangue, permanecendo apenasas espécies de pão e vinho”, foram propostos como alternativa os termostransiginficação e transfinalização.

Os defensores desta mudança de terminologia argumentam que opróprio, o ser íntimo das coisas materiais é aquilo que elas são para ohomem. “Ora, na Santa Missa, este ser íntimo do pão vem a serfundamentalmente outro: torna-se o Corpo de Jesus, como alimento paraa vida eterna. “Corpo” indica, na mentalidade hebraica, a pessoa em suatotalidade. Quer dizer que o pão tornou-se toda a pessoa de Jesus.Presença cheia de mistério! Não ajuda aqui a imaginação! Não devemos,por exemplo, imaginar-nos que, por assim dizer, o Corpo de Cristo entra,em medida extremamente pequena, em nossa boca, como Ele entrava,em Nazaré, em casa de Maria, em suas dimensões naturais. Por outrolado, devemos guardar-nos do contrário, isto é, de explicação meramentesimbólica, como se Jesus não estivesse “realmente” presente. Melhorvale dizer: o pão é retirado de seu uso humano normal e torna-se o pãoque o Pai nos dá: o próprio Jesus”3.

Diante destas opiniões o Magistério da Igreja, através do PapaPaulo VI, embora reconheça como legítimo, e até mesmo aprove, o desejode perscrutar tão alto mistério, desentranhando as suas inexauríveisriquezas e desvelando-lhes o sentido, sente o dever de premunir do graveperigo que elas representam para a fé autêntica (Mysterium Fidei 14).

A Eucaristia é um mistério de fé, continua o Papa. Dele precisamosnos aproximar com humilde respeito, não dominados por pensamentoshumanos. “Salva a integridade da fé, é necessário salvar também amaneira exata de falar, não aconteça que, usando nós palavra ao acaso,

3 INSTITUTO CATEQUÉTICO SUPERIOR DE NIJMEGEN, O novo catecismo. A fé paraadultos. (Catecismo Holandês) Ed. Herder, S. Paulo, 1972, p. 398.

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entrem em nosso espírito – o que Deus não permita – idéias falsas comoexpressão da crença nos mais altos mistérios”. Lembra em seguidaa advertência de Santo Agostinho, que nos orienta a falar segundouma regra determinada, para evitar que a liberdade de linguagemvenha causar maneiras de pensar ímpias, mesmo quanto ao sentidodas palavras (MF 23).

“Donde se conclui que se deve observar religiosamente a regrade falar, que a Igreja durante longos séculos de trabalho, assistida peloEspírito Santo, estabeleceu e foi confirmando com a autoridade dosConcílios, regra que, muitas vezes, se veio a tornar sinal e bandeira daortodoxia da fé. Ninguém presuma mudá-la, a seu arbítrio ou a pretextode nova ciência”(MF 24).

“Pode haver vantagem em explicar essas fórmulas com maiorclareza e em palavras mais acessíveis, nunca, porém, em sentido diversodaquele em que foram usadas. Progrida a inteligência da fé, contantoque se mantenha a verdade imutável da fé” (MF 25).

Diante destas premissas declara o Papa que “Não é lícito insistirtanto sobre o conceito de sinal sacramental, como se o simbolismo – quetodos, é claro, admitimos na Sagrada Eucaristia – exprimisse, única esimplesmente, o modo de presença de Cristo neste sacramento; ou aindadiscutir sobre o mistério da transubstanciação sem mencionar a admirávelconversão de toda a substância do pão no corpo e de toda a substânciado vinho no sangue de Cristo, conversão de que fala o Concílio Tridentino;limitar-se apenas à transignificação e transfinalização, conforme seexprimem. Nem é lícito, por fim, propor e generalizar a opinião que afirmanão estar presente Nosso Senhor Jesus Cristo nas hóstias consagradasque sobram, depois da celebração do Sacrifício da Missa” (MF 11).

“Para que ninguém entenda mal este modo de presença que superaas leis da natureza e constitui no seu gênero o maior dos milagres énecessário escutar com docilidade a voz da Igreja docente e orante.Esta voz, que repete continuamente a voz de Cristo, ensina-nos que nesteSacramento Cristo se torna presente pela conversão de toda a substânciado pão no seu Corpo e de toda a substância do vinho no seu Sangue;conversão admirável e sem paralelo, que a Igreja católica chama, comrazão e propriedade, “transubstanciação”. Depois da transubstanciaçãoas espécies do pão e do vinho tomam nova significação e nova finalidade,deixando de pertencer a um pão usual e a uma bebida usual, para setornarem sinal de uma coisa sagrada e sinal de um alimento espiritual;mas só adquirem nova significação e nova finalidade por conterem novarealidade, a que chamamos com razão ontológica (MF 48).

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É claro que nós, católicos, acolhemos com respeito esta orientaçãodo magistério. “Contudo, podemos dizer com certeza que este ensino -sustentado pela perspicácia dos teólogos, pelos homens de profunda fé ede oração e pelos ascetas e místicos, com toda a sua fidelidade ao mistérioeucarístico - permanece como que no limiar, sendo incapaz de captar ede traduzir em palavras aquilo que é a eucaristia em toda a sua plenitude,aquilo que ela exprime e aquilo que nela se realiza” (RH 20). Por isso,haverá sempre a possibilidade de se encontrar uma palavra mais adequadado que a palavra “transubstanciação” para expressar o mistérioeucarístico. Neste sentido, não existe nenhuma dificuldade da parte dosirmãos da Reforma para acolher a doutrina da presença real de Cristona Eucaristia. Também eles são conscientes de que “toda tentativa decompreensão deste grande mistério da presença real e viva de Cristo naEucaristia não pode ser mais do que uma aproximação, penetrada doespírito de adoração”4

4. Caráter sacrifical

Não podemos viver à parte e isoladamente a presença de Cristona Eucaristia. Ela precisa ser relacionada com as outras dimensões.Principalmente com a dimensão de sacrifício. Não existe uma presençareal separada da presença real do sacrifício da cruz. O pão da vida ésempre sacramento da comunhão com sacrifício redentor de Cristo, como seu mistério pascal no pleno sentido da palavra. A comunhão eucarísticanão significa apenas encontro pessoal com Cristo, mas acima de tudocomunhão com a sua auto-oblação e expressão de que somos seusseguidores, entregando-nos também, com ele, ao Pai em favor dos irmãos.Vários cantos de comunhão expressam de modo muito claro esta nossafé. Recordo apenas um: “Celebrar a Eucaristia com famintos ehumilhados/ como o pobre lavrador sem ter nada no roçado/ é estar emcomunhão com Jesus Crucificado. Celebrar a Eucaristia/ é também sertorturado/ é ser perseguido, e preso/. É ser marginalizado/ ser entregueaos tribunais/ numa cruz pra ser pregado”.

João Paulo II, na Encíclica Ecclesia de Eucharistia recorda quea Eucaristia nasceu “na noite em que o Senhor foi entregue” e que porisso carrega indelevelmente em si o evento da paixão e morte do Senhor.

4 M.THURIAN, O mistério da eucaristia. Uma abordagem ecumênica, Ed. Loyola, S.Paulo, 1986, p. 45.

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Eucaristia e unidade da Igreja

“É o sacrifício da cruz que se perpetua através dos séculos. Esta verdadeestá claramente expressa nas palavras com que o povo, no rito latino,responde a proclamação “mistério da fé” feita pelo sacerdote:“Anunciamos, Senhor a vossa morte”.[...].

Quando a Igreja celebra a Eucaristia, memorial da morte eressurreição do seu Senhor, este acontecimento central de salvação torna-se realmente presente e “realiza-se também a obra de nossa redenção”.Este sacrifício é tão decisivo para a salvação do gênero humano queJesus Cristo realizou-o e só voltou ao Pai depois de nos ter deixado omeio para dele participarmos como se estivéssemos presentes.” Istosó é possível porque “tudo o que Cristo é, e tudo o que Cristo fez e sofreupor todos os homens, participa da eternidade divina, e assim transcendetodos os tempos e em todos se torna presente” (EE 11).

Para compreender nossa participação no Sacrifício da Cruzprecisamos recorrer ao conceito de memorial. Fazer memória na Bíbliasignifica re-apresentar ou re-atualizar o passado que jamais permanecesimples passado, mas continua permanentemente e eficazmente presente.“Este dia será para vós um memorial, e o celebrareis como uma festapara Javeh; nas vossas gerações a festejareis; é um decreto perpétuo”(Ex 12,14). Na celebração da Ceia Pascal, o filho mais jovem perguntaao pai: “Por que esta noite é diferente de todas as outras noites?(Ex. 12,26). O pai então responde contando a história da libertação (Dt26,5-9). Conclui sua fala com uma solene exortação, atribuída ao RabbánGamaliel: “De geração em geração cada um é obrigado a ver-se a sipróprio como tendo ele mesmo saído do Egito... O Santo, bendito sejaele, não remiu só a nossos pais, mas também a nós com eles...”.

Trata-se, portanto, de uma re-apresentação real que é levada atermo em cada celebração ritual. Não no sentido de uma re-apresentaçãodo evento fundador a nós, mas no sentido de uma re-apresentação nossaao evento fundador.

De fato a passagem do Mar Vermelho permanece um evento únicoe irrepetível. Não se pode por isso querer que se faça presente, no sentidoque possa ser, por assim dizer “renovado”. É a comunidade cultual que,superando pela celebração do rito toda a barreira de tempo e de espaço,efetivamente se coloca à margem do Mar. Por isso, coerente com arealidade dessa re-apresentação de fé, o pai de família admoesta dizendo:“cada um é obrigado a ver-se a si próprio como tendo ele mesmo saídodo Egito”.

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“Se Jesus não tivesse instituído a Eucaristia, o evento de sua mortee ressurreição teria permanecido isolado naquelas coordenadas espaço-temporais que foram então as suas, e a Igreja das gerações subseqüentes,que somos nós, não teria tido maneira de voltar a imergir salvificamentena morte-ressurreição do Senhor[...].

Celebrar a Eucaristia quer dizer comungar com o Vivente, quecontinua a dar-se a nós no sinal de sua morte, para permitir-nos ser re-apresentados sacramentalmente à eficácia redentora do único sacrifício.Segue-se daí que devemos nos sentir teológicamente em movimentotoda vez que nos aproximamos da comunhão. Devemos habituar-nos atomar consciência do movimento sempre mais intenso de nossos pésteológicos. Enquanto os pés físicos continuam a deter-nos na igreja, ospés da fé eucarística nos transportam lá para o Calvário, para imergir-nos ainda uma vez na morte do Senhor Jesus, lá para diante da tumba doRessuscitado, para ressurgir ainda uma vez com ele para uma existênciarelacional sempre nova, já que nossa missa é todo o Calvário, é todo ofulgor da manhã de Páscoa”5.

No tempo de Lutero a doutrina sobre o caráter sacrifical daEucaristia foi muito contestada. Muito mais do que a doutrina da presençareal. Na opinião de Lutero, entender a celebração da eucaristia (missa)como sacrifício seria obscurecer o valor do sacrifício da cruz. Oferecermissa pelos pecados de vivos e defuntos seria uma injúria, “o maior emais terrível horror”, a “suprema e mais falaz idolatria papista”, uma“enorme monstruosidade”. Esta compreensão de Lutero não era simplespreconceito, ou fruto de má fé. Pelo contrário, era resultado de muitaspregações da época, das devoções populares e da falta de clareza porparte da teologia católica de então, que não tinha conseguido dar umaformulação razoável à sua fé. Não se tinha claro a relação entre o carátersacrifical da missa e a singularidade e a unicidade do sacrifício da cruz.Não se sabia estabelecer a conexão entre a ceia e o sacrifício da cruz6.

Hoje, a doutrina do caráter sacrifical da missa tem aceitaçãorazoavelmente tranqüila entre os irmãos e irmãs da Reforma. “Sem nadatirar do caráter único da cruz, do perdão, da reconciliação, da libertaçãorealizada por Cristo, a eucaristia é o sacramento ou a presença do sacrifícioúnico de Cristo, continuando hoje a aplicação da salvação para todos os

5 C. GIRAUDO, Num só corpo. Tratado mistagógico sobre a eucaristia, Ed. Liyola, S.Paulo, 2003, pp. 87 e 91.

6 H. JEDIN, Il concilio di Trento, Ed. Morcelliana, Brescia, 1982, pp. 479-484.

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Eucaristia e unidade da Igreja

homens. A eucaristia é a cruz presente na Igreja, estendendo a todos oshomens no espaço e no tempo, e em profundidade, a obra única e perfeitade Cristo. Na eucaristia, a Igreja encontra Cristo que comunica a cadacrente os frutos do sacrifício da cruz e da intercessão atual do Salvador”7.

“A noção de memorial, tal como era entendida na celebração pascalno tempo de Cristo – fazer efetivamente presente um acontecimento dopassado – abriu o caminho para uma melhor inteligência da relação entreo sacrifício de Cristo e a eucaristia”8.

“A eucaristia é o sacramento do sacrifício único, continuamentevivo para interceder em nosso favor. Ela é o memorial de tudo o queDeus faz pela salvação do mundo. O que Deus quis cumprir naencarnação, vida, morte, ressurreição e ascensão de Cristo, não volta afazê-lo; esses acontecimentos são únicos, não podem ser repetidos nemprolongados. No memorial da eucaristia, porém, a Igreja oferece a suaintercessão, na comunhão de Cristo, nosso Sumo Sacerdote”9.

5. Hospitalidade eucarística e Intercomunhão

Comecemos clareando os termos. Hospitalidade eucarística éa possibilidade de participar nas ceias celebradas por outra confissão.Acontece onde cada Igreja celebra o sacramento a seu modo, admitindo,em situações especiais, membros de outras Igrejas. Intercomunhão é acelebração conjunta da Ceia por duas ou mais Igrejas. Tanto ahospitalidade eucarística, quanto a intercomunhão merecem um estudoaprofundado, pois na realidade de nossas Igrejas elas pedem uma respostaurgente.

– Em certos lugares, cristãos de diferentes Igrejas, já se encon-tram, com certa freqüência, ao redor da mesma mesaeucarística.

– A comunhão de fé experimentada em certos grupos ecumênicos,em lares mistos e até mesmo em certas comunidades cristãs,faz com que vários destes cristãos solicitem a possibilidade deexpressar a fé comum na partilha da mesma mesa eucarística.

7 M. THURIAN, Op. Cit. p. 20-21.8 COMISSÃO MISTA CATÓLICA ROMANA/EVANGÉLICA LUTERANA, A ceia do

Senhor, n. 36.9 CONSELHO MUNDIAL DE IGREJAS, Batismo, eucaristia, ministério, item

Eucaristia, n. 8.

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Ano 21 / número 2 / 2006

Dom Manoel João Francisco

– A convergência teológica apresentada pelos acordosecumênicos, certas circunstâncias e determinadas condições,levam alguns fiéis a não ver mais motivos para que lhes sejavetada a possibilidade comungar em outra Igreja. Pelo contrá-rio, se sentem até na obrigação de fazê-lo e no direito de nãoserem julgados pelas autoridades ou pelos irmãos de suas Igre-jas, como se tivessem cometido uma ação repreensível.

Nestes dois pontos, hospitalidade eucarística e intercomunhão, nóscatólicos, temos ainda um longo caminho a percorrer. A posição de nossaIgreja, expressa em diversos documentos, não é favorável nem a uma,nem a outra.

“Não é lícito considerar a intercomunhão (communicatio in sacris) comoum meio a ser aplicado indiscriminadamente na restauração da unidadedos cristãos. Esta intercomunhão depende pricipuamente de doisprincípios: da unidade da Igreja que ela deve significar e da participaçãonos meios da graça. A significação da unidade proíbe, na maioria dasvezes, a intercomunhão. A busca da graça, às vezes, a recomenda. Sobreo modo concreto de agir decida prudentemente a autoridade do Bispolocal, considerando todas as circunstâncias dos tempos, lugares, pessoas,a não ser que outra coisa seja determindada pela conferência episcopal,segundo seus próprios estatutos, ou pela Santa Sé” (UR 8).

“Precisamente porque a unidade da Igreja, que a Eucaristia realiza pormeio do sacrifício e da comunhão do corpo e sangue do Senhor, comportaa exigência imprescindível de uma completa comunhão nos laços daprofissão de fé, dos sacramentos e do governo eclesiástico, não é possívelconcelebrar a liturgia eucarística enquanto não for restabelecida aintegridade de tais laços” (EE 44).

É claro que esta orientação precisa ser levada muito a sério, masao mesmo tempo, é preciso lembrar que,

– conforme o próprio Concílio Vaticano II, a celebração eucarísticapresidida por um ministro, cuja ordenação não é reconhecidacomo válida, não deixa de ter o seu sentido e o seu valor (cf.UR 22);

– se a significação da unidade quase sempre proíbe, a busca dagraça, às vezes recomenda a intercomunhão (cf UR 8);

– “temos o desejo ardente de celebrar juntos a única eucaristiado Senhor, [...e], às vezes, parece estar mais perto a possibili-dade de finalmente selar esta comunhão “real, embora aindanão plena” (UUS 45);

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Eucaristia e unidade da Igreja

– “o tesouro eucarístico que o Senhor pôs à nossa disposiçãoalenta-nos para a meta de compartilhá-lo com todos os irmãosaos quais estamos unidos pelo mesmo batismo”(EE 61).

6. Conclusão

O ecumenismo, além de ser fruto do esforço humano, é antes detudo graça e dom do Espírito Santo. Desde o seu início já deu passosprofundamente significativos. Da proibição taxativa, passou-se a exortarà participação dos católicos nos encontros ecumênicos. Pede-se inclusiveque sejam dos católicos os primeiros passos em direção aos irmãos eirmãs de outras Igrejas (UR 4). Da condenação ao pensamento quejulgava ser o protestantismo uma forma de agradar a Deus tão legítimaquanto o catolicismo, se passou, não só, a reconhecer a existência desantos e santas entre os irmãos da Reforma, mas, até mesmo, a citá-lose a homenageá-los10. Com relação a uma Igreja orante, Deus é sempreprovidente. Por isso, com certeza, não está longe o dia em que todos nós,cristãos de Igrejas diferentes, haveremos de celebrar juntos a Ceia doSenhor.

Endereço do Autor:Av. Getúlio Vargas, 171-S

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10 Cf. Homilia de Paulo VI, pronunciada na canonização dos mártires de Uganda.