Dom casmurro

19
Obras Literárias UFSC 2007 VIDA E OBRA DE MACHADO DE ASSIS Mulato, pobre, órfão, magro... MULATO - Origem humilde: o pai era mulato, pintor de paredes do Morro do Livramento, no Rio de Janeiro. A mãe era portuguesa e lavava roupa para ajudar nas despesas da casa. Machado teve, pois, uma infância paupérrima, de menino de morro, com as dificuldades comuns de uma família pobre. ÓRFÃO - O pai, a mãe e a irmã logo morreram. Maria Inês, a madrasta, deu-lhe carinhos de mãe e foi quem o alfabetizou, auxiliada por um padre da Igreja de Lampadosa. Escola: um sonho distante BUSCA DE CONHECIMENTOS - Maria Inês trabalhava na cozinha de uma escola dirigida por senhoras. Graças a isso, o menino Machado de Assis pôde ali se matricular. A disciplina incluía palmatória e castigos corporais, mas Machado era aluno exemplar, ávido por conhecimento. VENDEDOR DE DOCES - No período em que não estava na escola, o garoto pobre, magro, franzino vendia balas e doces (fabricados pela madrasta) nas ruas de São Cristóvão. Francês na padaria EVOLUÇÃO ESPANTOSA - A proprietária da padaria do bairro (São Cristóvão) logo simpatizou com Machado de Assis. Começou, então, a dar-lhe aulas de francês. A evolução foi espantosa: Machado dominou rapidamente a nova língua. No futuro, valeu-se desses conhecimentos para ser revisor de provas na Imprensa Nacional. Primeiro emprego INÍCIO HUMILDE - Machado de Assis, já rapaz, precisava trabalhar. A Livraria e Tipografia Paula Brito era a mais famosa da época, no Rio de Janeiro. Ali Machado foi atrás do seu primeiro emprego. Não sabia fazer nada, mas queria estar em contato com livros e escritores. Aprendiz de tipógrafo PROTETOR CÉLEBRE - Depois de uma certa experiência, foi admitido na Imprensa Nacional como Aprendiz de Tipógrafo. Às vezes, deixava de fazer o seu trabalho para entregar-se a leituras. Os colegas logo o denunciaram ao diretor da Casa. Nasceu, assim, a amizade com Manuel Antônio de Almeida, o festejado autor de Memórias de um Sargento de Milícias. Revisor LÍNGUA PORTUGUESA - Com a idade de 19 anos, Machado já granjeara fama de intelectual e estudioso: foi contratado por Paula Brito para atuar como revisor de provas na livraria e editora. Além de dominar o francês, Machado dera provas de conhecer em profundidade a língua portuguesa. Colaboração em jornais CONTOS E CRÔNICAS - Conhecido no meio intelectual carioca, Machado começou a colaborar em vários jornais e revistas do Rio de Janeiro, escrevendo contos, crônicas e críticas literárias. Primeiro livro POETA ROMÂNTICO - Com vinte e cinco anos de idade, Machado publica o seu primeiro livro: um volume de poemas intitulado Crisálidas (1864), ainda sob influência do Romantismo. A fama, aos poucos, vai-se espalhando - graças à intensa atividade literária registrada nos jornais e nas revistas. Funcionário Público Em 1867, ingressou no funcionalismo público, ocupando um cargo no Diário Oficial. Já gozava, então, da admiração e do respeito do público. Já tinha fama de escritor. Era conhecido no Rio de Janeiro como homem sério, inteligente e esforçado. Primeira e única namorada Machado conheceu Carolina. Moça branca, já na casa dos trinta, livre de compromissos amorosos, recém-chegada de Portugal, conquistou imediatamente o coração de Machado de Assis. A paixão tinha o aval do irmão de Carolina, o poeta Xavier de Novais, mas esbarrava no preconceito da família branca: Machado era mulato. Vitória do amor Machado e Carolina casaram-se no fim do ano de 1869. Não tiveram filhos. Viveram 35 anos um para o outro. Quando ela morreu, em 1904, Machado dedicou-lhe um soneto - talvez o mais célebre de sua carreira poética. Veja- o na íntegra: À Carolina Querida, ao pé do leito derradeiro, Em que descansas desta longa vida, Aqui venho e virei, pobre querida, Trazer-te o coração do companheiro. Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro Que, a despeito de toda a humana lida, Fez a nossa existência apetecida, E num recanto pôs o mundo inteiro. Trago-te flores, - restos arrancados Da terra que nos viu passar unidos E ora mortos nos deixa separados. Que eu, se tenho nos olhos malferidos Pensamentos de vida formulados São pensamentos idos e vividos. Fama ainda em vida

Transcript of Dom casmurro

Page 1: Dom casmurro

Obras Literárias − UFSC 2007

VIDA E OBRA DE MACHADO DE ASSIS

Mulato, pobre, órfão, magro... MULATO - Origem humilde: o pai era mulato, pintor de

paredes do Morro do Livramento, no Rio de Janeiro. A mãe era portuguesa e lavava roupa para ajudar nas despesas da casa. Machado teve, pois, uma infância paupérrima, de menino de morro, com as dificuldades comuns de uma família pobre.

ÓRFÃO - O pai, a mãe e a irmã logo morreram. Maria

Inês, a madrasta, deu-lhe carinhos de mãe e foi quem o alfabetizou, auxiliada por um padre da Igreja de Lampadosa.

Escola: um sonho distante BUSCA DE CONHECIMENTOS - Maria Inês trabalhava

na cozinha de uma escola dirigida por senhoras. Graças a isso, o menino Machado de Assis pôde ali se matricular. A disciplina incluía palmatória e castigos corporais, mas Machado era aluno exemplar, ávido por conhecimento.

VENDEDOR DE DOCES - No período em que não

estava na escola, o garoto pobre, magro, franzino vendia balas e doces (fabricados pela madrasta) nas ruas de São Cristóvão.

Francês na padaria EVOLUÇÃO ESPANTOSA - A proprietária da padaria

do bairro (São Cristóvão) logo simpatizou com Machado de Assis. Começou, então, a dar-lhe aulas de francês. A evolução foi espantosa: Machado dominou rapidamente a nova língua. No futuro, valeu-se desses conhecimentos para ser revisor de provas na Imprensa Nacional.

Primeiro emprego INÍCIO HUMILDE - Machado de Assis, já rapaz,

precisava trabalhar. A Livraria e Tipografia Paula Brito era a mais famosa da época, no Rio de Janeiro. Ali Machado foi atrás do seu primeiro emprego. Não sabia fazer nada, mas queria estar em contato com livros e escritores.

Aprendiz de tipógrafo PROTETOR CÉLEBRE - Depois de uma certa

experiência, foi admitido na Imprensa Nacional como Aprendiz de Tipógrafo. Às vezes, deixava de fazer o seu trabalho para entregar-se a leituras. Os colegas logo o denunciaram ao diretor da Casa. Nasceu, assim, a amizade com Manuel Antônio de Almeida, o festejado autor de Memórias de um Sargento de Milícias.

Revisor LÍNGUA PORTUGUESA - Com a idade de 19 anos,

Machado já granjeara fama de intelectual e estudioso: foi contratado por Paula Brito para atuar como revisor de provas na livraria e editora. Além de dominar o francês, Machado dera provas de conhecer em profundidade a língua portuguesa.

Colaboração em jornais CONTOS E CRÔNICAS - Conhecido no meio

intelectual carioca, Machado começou a colaborar em vários jornais e revistas do Rio de Janeiro, escrevendo contos, crônicas e críticas literárias.

Primeiro livro POETA ROMÂNTICO - Com vinte e cinco anos de

idade, Machado publica o seu primeiro livro: um volume de poemas intitulado Crisálidas (1864), ainda sob influência do Romantismo. A fama, aos poucos, vai-se espalhando - graças à intensa atividade literária registrada nos jornais e nas revistas.

Funcionário Público Em 1867, ingressou no funcionalismo público,

ocupando um cargo no Diário Oficial. Já gozava, então, da admiração e do respeito do público. Já tinha fama de escritor. Era conhecido no Rio de Janeiro como homem sério, inteligente e esforçado.

Primeira e única namorada Machado conheceu Carolina. Moça branca, já na casa

dos trinta, livre de compromissos amorosos, recém-chegada de Portugal, conquistou imediatamente o coração de Machado de Assis. A paixão tinha o aval do irmão de Carolina, o poeta Xavier de Novais, mas esbarrava no preconceito da família branca: Machado era mulato.

Vitória do amor Machado e Carolina casaram-se no fim do ano de

1869. Não tiveram filhos. Viveram 35 anos um para o outro. Quando ela morreu, em 1904, Machado dedicou-lhe um soneto - talvez o mais célebre de sua carreira poética. Veja-o na íntegra:

À Carolina Querida, ao pé do leito derradeiro, Em que descansas desta longa vida, Aqui venho e virei, pobre querida, Trazer-te o coração do companheiro. Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro Que, a despeito de toda a humana lida, Fez a nossa existência apetecida, E num recanto pôs o mundo inteiro. Trago-te flores, - restos arrancados Da terra que nos viu passar unidos E ora mortos nos deixa separados. Que eu, se tenho nos olhos malferidos Pensamentos de vida formulados São pensamentos idos e vividos. Fama ainda em vida

Page 2: Dom casmurro

Obras Literárias − UFSC 2007

Diferentemente de outros mulatos da Literatura Brasileira, Machado não precisou morrer para tornar-se célebre. A despeito da origem humílima, da cor, da doença (era epiléptico), o talento transformou-o em celebridade bem antes da morte. Tanto a carreira de escritor, como a de funcionário público, quanto a literária evoluíram vertiginosamente. Numa época em que o escritor não ganhava dinheiro, machado soube dosar a atividade profissional com a vocação literária. Além de escritor festejado, tornou-se o primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras, sem dúvida uma das maiores glórias do escritor ainda em vida.

Um escritor completo Poucos autores na literatura brasileira foram tão

ecléticos quanto Machado. Fez incursões pela prosa (romance, conto, crônica, teatro, crítica literária e social) e pela poesia, com sucesso em ambos. Tudo o que Machado escreveu fez sucesso. Mas foi, sem dúvida, no romance e no conto que o escritor tornou-se mestre. Ainda vivo, foi aclamado por todos como o maior escritor da literatura brasileira - título que perdura até hoje.

Obras de Machado de Assis 1. OBRAS ROMÂNTICAS POESIAS: Crisálidas (1864) Falenas (1870) Americanas (1875) ROMANCES: Ressurreição (1872) A Mão e a Luva (1874) Helena (1876) Iaiá Garcia (1878) CONTOS: Contos Fluminenses (1870) Histórias da Meia-Noite (1873) 2. OBRAS REALISTAS POESIAS: Ocidentais (1901). ROMANCES: Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) Quincas Borba (1891) Dom Casmurro (1899) Esaú e Jacó (1904) Memorial de Aires (1908) CONTOS: Papéias Avulsos (1882)

Histórias Sem Data (1884) Várias Histórias (1896) Relíquias da Casa Velha (1906) 3. CONTOS FAMOSOS O Alienista Dr. Simão Bacamarte, D. Evarista, Crispim Soares A Cartomante Camilo, Rita, Vilela Um Apólogo Diálogo filosófico entre uma agulha e uma linha. A Missa do Galo Cantiga de Esponsais Noite de Almirante A Igreja do Diabo O Segredo do Bonzo Teoria do Medalhão 4. POEMAS FAMOSOS Suave Mari Magno A Carolina Círculo Vicioso A Mosca Azul Soneto de Natal Cronologia biográfica

1928 A Bagaceira, de José Américo de Almeida.

1930 O Quinze, de Rachel de Queiroz.

1839 Em 21 de junho, nasceu Joaquim Maria Machado de Assis, no Morro do Livramento, na cidade do Rio de Janeiro. Pai: o mulato Francisco José de Assis, pintor de paredes. Mãe: D. Maria Leopoldina Machado de Assis, portuguesa, lavadeira. No Morro do Livramento, passou a primeira infância.

1845 Morre-lhe a irmã.

1849 Fica órfã de mãe.

1850 O pai de Machado casa-se novamente, dessa vez com a mulata Maria Inês, que passa a a ser sua madrasta e primeira professora.

1853 Faleceu-lhe o pai. Machado e Maria Inês mudam-se para o bairro de São Cristóvão. O garoto passa a freqüentar uma escola de senhoras, onde a mãe trabalha como cozinheira. Nas horas vagas, vende balas e doces fabricados pela madrasta.

1855 Publica, no jornalzinho Marmota Fluminense, na edição de 21 de janeiro, seu primeiro trabalho literário, o poema Ela.

Page 3: Dom casmurro

Obras Literárias − UFSC 2007 1856 Começa a trabalhar na Imprensa Nacional como

Aprendiz de Tipógrafo. Ali conhece o diretor da repartição, o escritor Manuel Antônio de Almeida (autor de Memórias de um Sargento de Milícias).

1858 Torna-se revisor da Tipografia e Livraria Paula Brito. Faz amizade com vários intelectuais e começa a escrever assiduamente em jornais e revistas cariocas (contos, crônicas e crítica) - atividade que manterá por quase toda a vida.

1864 Publica seu primeiro livro: Crisálidas (poesias românticas).

1867 Ingressa no funcionalismo público: nomeado auxiliar de diretor do Diário Oficial.

1867 Conhece Carolina Xavier de Novais, por quem se apaixona. Ela, recém-chegada de Portugal, é irmã de Faustino Xavier de Novais, poeta e amigo de Machado de Assis.

1868 Machado enfrenta grande oposição da família de Carolina, por ser mulato. Tem, porém, a simpatia e a amizade do irmão, que tudo faz para que os dois se casem.

1869 Casa-se com Carolina, mudando-se para o bairro de Cosme Velho, onde vive até a morte.

1870 Publica o livro Contos Fluminenses.

1870 Publica o livro de poesias românticas Falenas.

1872 Machado publica seu primeiro romance: Ressurreição.

1873 É nomeado para o cargo de Primeiro Oficial da Secretaria de Estado do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.

1874 Publica o romance romântico A Mão e a Luva.

1875 Publica o livro de poemas Americanas (poesias românticas).

1876 Publica o romance romântico Helena.

1879 Publica o romance romântico Iaiá Garcia.

1881 Machado publica o romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, que marca o início da fase realista de sua obra e inaugura o Realismo na Literatura Brasileira.

1882 Publica o volume de contos Papéis Avulsos, em cujas páginas temos o famoso conto O Alienista.

1888 É nomeado Oficial da Ordem da Rosa, por decreto imperial.

1891 Publica o romance realista Quincas Borba.

1892 É nomeado Diretor-Geral da Viação.

1897 Auxilia na fundação da Academia Brasileira de Letras, da qual é eleito o primeiro presidente.

1899 Publica seu romance mais lido e admirado: Dom Casmurro.

1904 Publicação do romance realista Esaú e Jacó.

1904 Falece sua esposa, Carolina, em 20 de outubro.

DOM CASMURRO Dados técnicos GÊNERO ROMANCE DE COSTUMES - Dom Casmurro é um

romance de costumes. Por causa do ambiente em que a história transcorre (Rio de Janeiro), pode também ser classificado de romance citadino ou urbano.

ROMANCE INTROSPECTIVO - A exibição do homem

urbano, que expõe sua interioridade psíquica, marcada pelo ciúme, pela angústia e pela frustração, faz de Dom Casmurro um romance introspectivo. A intenção do narrador é explorar os espaços interiores do ser, atingindo suas reflexões mais íntimas e existenciais.

TÍTULO ENSIMESMADO - O título do romance sugere a

evolução do narrador: Bentinho (ingênuo e crédulo), Bento (adulto e ativo) e Dom Casmurro (descrente e desconfiado).

CAPÍTULOS CAPÍTULOS CURTOS - O romance contém 148

capítulos curtos (às vezes, como diria José Dias, curtíssimos). O critério do narrador para encerrá-los é, quase sempre, o tamanho. Ele muda de capítulo porque não quer cansar o leitor.

ESCOLA LITERÁRIA REALISMO - Dom Casmurro foi publicado em 1899;

pertence, pois, ao Realismo - movimento inaugurado no Brasil pelo próprio Machado de Assis.

ADULTÉRIO - A principal característica do Realismo

presente no livro é a temática de adultério. Diferentemente das histórias românticas, em que as mulheres só mantêm ligações amorosas com a pessoa com quem se comprometeram, os romances realistas/naturalistas fazem questão de exibir um comportamento feminino diverso, numa tentativa de chocar a sociedade.

NEGAÇÃO DA FELICIDADE - Outra característica do

Realismo presente no romance Dom Casmurro é a negação da felicidade. O narrador tem todas as condições socioeconômicas para ser feliz, mas não consegue vencer os conflitos interiores.

CENÁRIO RIO DE JANEIRO - O cenário principal do livro é a

cidade do Rio de Janeiro. O narrador destaca o bairro de Engenho Novo, subúrbio carioca, para onde se mudou depois de velho.

EUROPA - A referência à Europa é constante. Capitu e

Ezequiel ficaram na Suíça por muitos anos. TEMÁTICA SUSPEITA DE ADULTÉRIO - O tema principal do

romance é o drama interior de Bentinho. Todas as vitória conseguidas desde a infância (namorar Capitu às escondidas, romper a barreira social que os separava, fazer-se advogado em vez de padre) desmoronam diante da suspeita de adultério.

Page 4: Dom casmurro

Obras Literárias − UFSC 2007

FOCO NARRATIVO NARRADOR-PERSONAGEM- O romance é narrada na

primeira pessoa. Bento é o herói-narrador: viveu toda a história contada. Depois de velho, tentando "atar as duas pontas da vida" - na verdade, tentando atar a adolescência à velhice - narra os acontecimentos.

LINGUAGEM FRASES CURTAS - Machado vale-se das frases curtas

e bem-elaboradas, às vezes filosóficas, para narrar tudo que viu e sentiu.

CORREÇÃO GRAMATICAL - A submissão de todas as

frases à norma culta da língua, desde os diálogos aos trechos mais complexos, é marca de um Machado que serviu de modelo a muitas gerações futuras.

METALINGUAGEM - O narrador-personagem

questiona constantemente o próprio escrever, apresentando ao leitor o plano do livro, discutindo a mudança de um capítulo para outro, incitando-o a ler capítulos anteriores.

INTERTEXTUALIDADE - Na confecção do texto

literário, Machado absorve trechos de outros autores, exibindo uma erudição incomum. Há referências a Shakespeare (1564-1616), dramaturgo e poeta inglês, e a textos de autores gregos. Dos autores da Literatura Brasileira, o narrador dá destaque a dois poetas (Álvares de Azevedo e Junqueira Freire) e a um romancista (José de Alencar).

IRONIA FINA - Tanto a narração quanto a descrição

recheiam-se de fina ironia, deixando transparecer ao leitor as críticas do narrador às pessoas e, por tabela, à sociedade da época.

TEMPO PRESENTE x PASSADO - O narrador, depois de

explicar ao leitor os motivos do livro, fixa uma data para início de toda a história: 1857 (quando se questionava a necessidade de metê-lo no seminário com urgência). Toda a história se situa, pois, da metade para o fim do século XIX.

TEMPO PSICOLÓGICO - Em Dom Casmurro, o tempo

psicológico (o que se passa dentro do narrador-personagem) é bastante valorizado.

PERSONAGENS DENSAS, ESFÉRICAS - As personagens de Machado

de Assis são densas, esféricas, complexas. Quer isso dizer que o autor põe em evidência mais o lado interno que o externo, valorizando-lhes o perfil psicológico, os dramas íntimos que se vão revelando de acordo com a evolução da história. Opõem-se, nesse caso, às personagens estereotipadas, cujos comportamentos e caráter não variam.

GALERIA - Vamos à galeria de personagens do livro

com suas respectivas características e/ou atuação. 1. PERSONAGENS PRINCIPAIS BENTO

Herói-narrador, filho de Dona Glória. Mostra-se ciumento em excesso. Antes da decepção amorosa, mostra-se ingênuo e religioso; depois, tornou-se calado e recluso. Pouco se sabe de sua fisionomia.

CAPITU Capitolina Pádua: namorada de Bento desde a infância.

Era morena, com olhos claros e grandes. José Dias achava que Capitu tinha "olhos de cigana oblíqua e dissimulada, olhos de ressaca". Os olhos "traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca."

ESCOBAR Ezequiel de Sousa Escobar era esbelto, olhos claros,

um pouco fugitivos, como as mãos, os pés, a fala, como tudo. Não falava claramente nem seguido. Exibia sorriso instantâneo e olhar curioso e rápido. Inteligente e amigo, conseguia penetrar no âmago das pessoas e saber o que se passava com elas. Era três anos mais velho que Bento; filho de um advogado de Curitiba.

EZEQUIEL Filho de Capitu e... Quando pequeno, gostava de imitar

os outros. Segundo o narrador, à medida que ia crescendo, tornava-se cada vez mais semelhante a Escobar. Por imposição de Bento, viveu e estudou na Suíça, interessando-se por Arqueologia. Depois de adulto, veio ao Rio de Janeiro conhecer Bento. Morreu de uma febre tifóide e foi enterrado nas imediações de Jerusalém.

2. PERSONAGENS SECUNDÁRIAS DONA GLÓRIA Mãe de Bentinho. Provinha do interior (Itaguaí). Depois

da morte do marido, continuou no Rio de Janeiro. Religiosa ao extremo, queria que Bento se fizesse padre. Aos poucos, foi aceitando a idéia de vê-lo casado com Capitu.

JOSÉ DIAS Amava os superlativos, usava "calças brancas

engomadas, presilhas, rodaque e gravata de mola". "Era magro, chupado, com um princípio de calva; teria os seus cinqüenta e cinco anos. Homem prestativo, tratava Bentinho com "extremos de mãe e atenções de servo."

José Dias era lido, amigo de todos e, com o tempo, foi

adquirindo certa autoridade na família do narrador. "Não abusava, e sabia opinar obedecendo."

PÁDUA Era o pai de Capitu. Baixo e grosso de corpo, tinha

pernas e braços curtos, costas abauladas - daí a alcunha de "Tartaruga". Dava-se bem com a família de Bentinho, exceto com José Dias, que o considerava inferior. Era empregado em uma repartição dependente do Ministério da Guerra.

PEDRO SANTIAGO Pedro de Albuquerque Santiago: pai Bentinho. Era

dono de uma fazendola em ltaguaí; mudara-se para a cidade do Rio de Janeiro por volta de 1844, ao ser eleito deputado. Alguns anos depois, falece, deixando a família em boa situação financeira.

A respeito do pai o narrador confessa: "Não me lembro

nada dele, a não ser vagamente que era alto e usava

Page 5: Dom casmurro

Obras Literárias − UFSC 2007 cabeleira grande; o retrato mostra uns olhos redondos, que me acompanham para todos os lados..."

3. OUTRAS PERSONAGENS PRIMA JUSTINA No início da história, era quadragenária (na casa dos

quarenta anos). Vivia na casa de D. Glória de favores. Para ela, todos tinham algum defeito.

TIO COSME "Era gordo e pesado, tinha a respiração curta e os

olhos dorminhocos." Advogado, ia para o escritório todas as manhãs montado em uma besta - presente da mãe do narrador. Era exímio jogador de gamão.

Quando jovem, tinha fama de conquistador

exaltado."Mas os anos levaram-lhe o mais do ardor político e sexual, e a gordura acabou com o resto de idéias públicas e específicas."

D. FORTUNATA Era a mãe de Capitu. Mostrava-se sempre amiga;

apoiava a filha no relacionamento com Bentinho. SANCHA Amiga de Capitu da época de colégio. Casou-se com

Escobar. Depois da morte do marido, foi viver com uns parentes no Paraná.

PADRE CABRAL Amigo e conselheiro da família de Dona Glória.

Gostava de uma mesa farta e bem variada, razão por que freqüentava amiúde a casa de Bentinho.

GURGEL Pai de Sancha, "homem de quarenta anos ou pouco

mais, com propensão a engrossar o ventre". MANDUCA Manduca padecia do mal de Hansen. Quando morreu,

teria uns dezoito anos. "Vivo era feio; morto pareceu-me horrível." Era vizinho de Bento.

BARBEIRO Morava perto da casa de Bentinho. Tocava rabeca e

tinha uma mulher muito bonita.

DOM CASMURRO Capítulo I

Do título DOM CASMURRO - O narrador esclarece como

ganhou a alcunha de "Dom Casmurro". Vindo da cidade para o bairro do Engenho Novo, de trem, um rapaz que ele conhecia de vista e de chapéu sentou-se ao seu lado e começou a recitar uns versos. Dado o cansaço, o narrador cochilou umas duas vezes enquanto ouvia. Foi o bastante: o rapaz, no outro dia, entrou a difamá-lo na vizinhança, chamando-lhe Dom Casmurro. Os vizinhos gostaram do apelido: combinava com os modos reclusos e com a sisudez do narrador. Os amigos também aderiram à alcunha, e o apelido fixou-se.

Capítulo II Do livro MOTIVOS - Depois de explicar o título, o narrador fala

dos motivos que tem para escrever o livro. A casa em que mora no Engenho Novo foi feita, de propósito, à semelhança de outra em que viveu no passado: mesmo tamanho, mesmas janelas, mesma decoração. Os móveis e as louças são velhos.

ATAR AS PONTAS DA VIDA - A tentativa de reviver o

passado fazendo construir uma casa que ressuscitasse a época da adolescência não funcionou. O narrador julga-se velho e desiludido. Tem plena consciência do que mudou. Não lhe faltam só as pessoas do passado: falta ele próprio, e essa lacuna atormenta-o.

POUCA DIVERSÃO - O narrador leva uma vida pacata,

com raras diversões. Come bem e não dorme mal. Gasta boa parte do tempo a ler, a cuidar de hortas e jardins.

ESCREVER UM LIVRO - A vida monótona tornou-se

cansativa. Nasceu, então, a idéia de escrever um livro para fugir da rotina. Jurisprudência, filosofia, política, história dos subúrbios... Idéias boas, mas trabalhosas. Passando os olhos pelos bustos pintados nas paredes, a título de decoração, surgiu a idéia de pôr no papel as reminiscências do passado. "Deste modo, viverei o que vivi, e assentarei a mão para alguma obra de maior tomo. Eia, comecemos a evocação por uma célebre tarde de novembro, que nunca me esqueceu. Tive outras muitas, melhores e piores, mas aquela nunca se me apagou do espírito. É o que vais entender, lendo."

Capítulo III A denúncia RETROSPECTO - O narrador começa finalmente a

história. Tudo começou em 1857. Sem querer, ouviu um diálogo entre a mãe (D. Glória) e José Dias. Este alertava a mãe do narrador sobre o cumprimento de uma promessa feita no passado: tornar Bentinho padre. Ele já estava com quinze anos e mostrava-se bastante interessado na filha do vizinho. D. Glória não via maldade nisso, mas prometeu que, no ano seguinte, o Bento seguiria para o seminário. Tio Cosme era contra, mas D. Glória levava muito a sério essa história de promessa, tanto que começou a chorar. Todos tentavam acalmá-la, principalmente José Dias. "Se soubesse, não teria falado, mas falei pela veneração, pela estima, pelo afeto, para cumprir um dever amargo, um dever amaríssimo..."

Capítulo IV Um dever amaríssimo

Page 6: Dom casmurro

Obras Literárias − UFSC 2007

DESCRIÇÃO DE JOSÉ DIAS - O narrador aponta aqui as principais características de José Dias. Amava os superlativos, usava "calças brancas engomadas, presilhas, rodaque e gravata de mola". "Era magro, chupado, com um princípio de calva; teria os seus cinqüenta e cinco anos."

Capítulo V O agregado AGREGADO ANTIGO - José Dias era agregado: vivia

com a família de Bentinho desde muitos anos, quando ainda moravam numa fazenda, em Itaguaí. Um dia, fez-se passar por médico e curou a febre de um feitor e de uma escrava. Não quis receber remuneração. O pai do narrador convidou-o para ficar morando com a família. Muito tempo depois, confessou a verdade: não era médico. Não foi despedido: já se fizera necessário, era pessoa da família.

LEGADO - Quando o pai do narrador morreu, deixou-

lhe "um pequeno legado no testamento, uma apólice e quatro palavras de louvor. Copiou as palavras, encaixilhou-as e pendurou-as no quarto, por cima da cama. 'Esta é a melhor apólice', dizia ele muita vez."

AMIGO - José Dias era lido, amigo de todos e, com o

tempo, foi adquirindo certa autoridade na família do narrador. "Não abusava, e sabia opinar obedecendo."

VIAGEM À EUROPA - José Dias "contava muita vez

uma viagem que fizera à Europa, e confessava que a não sermos nós, já teria voltado para lá; tinha amigos em Lisboa, mas a nossa família, dizia ele, abaixo de Deus, era tudo." D. Glória gostava do "abaixo de Deus".

Capítulo VI Tio Cosme GORDO E PESADO - "Era gordo e pesado, tinha a

respiração curta e os olhos dorminhocos." Advogado, ia para o escritório todas as manhãs montado em uma besta - presente da mãe do narrador.

TENTATIVA DE EQUITAÇÃO - Certa vez, Tio Cosme

pegou o narrador e, de chofre, montou-o na besta. O mundo quase veio abaixo, tamanho foi o susto. Apesar de nascido na roça, Bentinho só veio a aprender equitação bem mais tarde.

EFEITOS DA VELHICE - Quando jovem, tinha fama de

conquistador exaltado."Mas os anos levaram-lhe o mais do ardor político e sexual, e a gordura acabou com o resto de idéias públicas e específicas. Agora só cumpria as obrigações do ofício e um amor. Nas horas de lazer vivia olhando ou jogava. Uma ou outra vez dizia pilhérias."

Capítulo VII Dona Glória VIÚVA AOS TRINTA E UM - A mãe do narrador estava

com trinta e um anos quando ficou viúva. Em vez de voltar para Itaguaí, de onde provinha, preferiu ficar perto da igreja em que o marido fora sepultado. "Vendeu a fazendola e os escravos, comprou alguns que pôs ao ganho ou alugou, uma dúzia de prédios, certo número de apólices, e deixou-se estar na casa de Mata-cavalos, onde vivera os dois últimos anos de casada."

FIDELIDADE ATÉ A MORTE - Apesar de o tempo

conservar-lhe a beleza por muitos anos, Dona Glória, depois

de viúva, não mais se envolveu com outro homem. Levava vida simples, administrando os bens deixados pelo marido e promovendo a felicidade dos outros.

RETRATOS NA PAREDE - O narrador, depois de

velho, conserva os retratos do pai e da mãe na perede. Ali, a ação do tempo não conseguiu apagar a felicidade que os dois estampam nas faces.

Capítulo VIII É tempo RETORNO À NARRATIVA - Depois de falar do

agregado (José Dias), do Tio Cosme e da mãe (Dona Glória), o narrador volta àquela tarde de novembro, quando ele e Capitu começaram a viver de verdade. Tudo que lhes aconteceu antes foram só preparativos para a vida verdadeiro. "Agora é que eu ia começar a minha ópera."

Capítulo IX A ópera A VIDA É UMA ÓPERA - O narrador abre espaço para

contar a visão de Marcolini. Já bastante velho e sem voz, teimava em dizer que era tenor. Ia sempre jantar com o narrador. Certa noite, depois de beber um pouco, fez uma explanação metafórica entre a vida na Terra e uma ópera. Todo o Planeta foi criado por Deus para ser o palco. Os seres humanos são os atores, Deus escreveu a ópera e Satanás é o maestro. O fim de tudo é imprevisto: a peça vai durar enquanto durar o teatro.

Capítulo X Aceito a teoria NARRADOR: PARTE DA PEÇA - O narrador confessa

que acredita na teoria do velho Marcolini. A própria vida do narrador casa-se bem á definição de que a vida é uma ópera. Prova disso é a denúncia de José Dias à Dona Glória. Era preciso entrar em cena.

Capítulo XI A promessa DESTINADO AO CELIBATO - Como o primeiro filho de

Dona Glória nasceu morto, ele se apegou a Deus para que o segundo vingasse. Prometeu que, se fosse homem, metia-lhe na igreja para ser padre. Era promessa secreta: nem ao marido contou. Veio a viuvez, e muitos parentes e amigos ficaram sabendo da história. Houve muito incentivo da mãe para que o filho se apegasse às coisas da igreja.

Capítulo XII Na varanda DESCOBERTA DO AMOR - Depois da denúncia de

José Dias, o narrador descobriu que amava Capitu e concluiu que ela o amava também. Parado na varanda, Bentinho foi ligando coisas passadas. A intimidade que tinha com Capitu, os carinhos que trocavam, os elogios mútuos, a intensidade com que pensava nela ultimamente. Sim, ele a amava. E era a descoberta do primeiro amor.

Capítulo XIII Capitu

Page 7: Dom casmurro

Obras Literárias − UFSC 2007

DESCRIÇÃO - Bentinho, a muito custo, foi ter com Capitu, que estava riscando o muro do quintal com um prego. Ali, frente a frente com ela, era como se a visse pela primeira fez: "quatorze anos, alta, forte e cheia, apertada em um vestido de chita, meio desbotado. Os cabelos grossos, feitos em duas tranças, com as pontas atadas uma à outra, à moda do tempo, desciam-lhe pelas costas. Morena, olhos claros e grandes, nariz reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo largo. As mãos, a despeito de alguns ofícios rudes, eram curadas com amor; não cheiravam a sabões finos nem águas de toucador, mas com água do poço e sabão comum trazia-as sem mácula. Calçava sapatos de duraque, rasos e velhos, a que ela mesma dera alguns pontos."

ESCONDENDO A INSCRIÇÃO - Quando Bentinho quis

ver o que estava escrito no muro, Capitu tentou apagar, aumentando mais ainda a curiosidade do narrador.

Capítulo XIV A inscrição BENTO E CAPITOLINA - Antes que Capitu apagasse

inteiramente a frase do muro, Bentinho pôde ler duas palavras abertas a prego, uma sobre a outra: BENTO CAPITOLINA. Não houve palavras. As mãos encontraram-se, apertaram-se, fundiram-se por um tempo que o narrador não mediu com precisão. O que as bocas não conseguiram pronunciar, as mãos e os olhos transmitiram com emoção.

Capítulo XV Outra voz repentina FLAGRADOS PELO PAI - Os dois estavam de mãos

dadas, olhando-se fixamente, quando foram surpreendidos pela voz do pai de Capitu. Pádua - homem baixo e grosso, pernas e braços curtos, costas abauladas, donde lhe veio a alcunha de Tartaruga, que José Dias lhe pôs - não se mostrou zangado. Queria apenas saber se os dois jogavam o siso. Capitu apressou-se em dizer que sim. O pai fez elogios à beleza da filha e convidou o narrador para ver pássaros criados em cativeiro.

Capítulo XVI O administrador interino PÁDUA E FAMÍLIA - Pádua era funcionário público.

"Não ganhava muito, mas a mulher gastava pouco, e a vida era barata." Morava em casa própria, parecida com a casa da mãe do narrador, embora menor. Comprou-a com um prêmio de loteria.

ANTES E DEPOIS DA ADMINISTRAÇÃO - Pádua ficou

algum tempo como administrador da repartição em que trabalhava, no lugar do efetivo que viajara ao Norte. O aumento de ordenado subiu-lhe à cabeça: roupas finas, móveis caros, bilhetes para o teatro, sapatos de verniz. Um dia, porém, o efetivo voltou, e Pádua, envergonhado porque ia ganha menos, ameaçou suicidar-se. Dona Glória salvou-o da morte incitando-o à vida, chamando-o à responsabilidade de pai e de marido. O vexame passou, o bom humor voltou, e Pádua agora citava sempre a época em que foi administrador.

Capítulo XVII Os vermes

FILOSOFIA DOS VERMES - Buscando inspiração para produzir um texto dissertativo, o narrador deparou-se com livros velhos cujas páginas estavam roídas. Um verme velho e gordo disse-lhe:

"- Meu senhor, nós não sabemos absolutamente nada

dos textos que roemos, nem escolhemos o que roemos, nem amamos ou detestamos o que roemos; nós roemos."

Capítulo XVIII Um plano REAÇÃO DE CAPITU - Finalmente, Bentinho contou a

Capitu a história do seminário. Ela reagiu com fúria, chamando Dona Glória de carola, de beata e de papa-missas. O narrador também se alterou, prometendo vingança contra José Dias. Depois, veio a calma e a compreensão.

PLANO DE CAPITU - Bentinho ia apostar todas as

fichas em José Dias. Ia falar sério com ele, explicar-lhe o quanto seria lucrativo para ele (José Dias) fazer que Dona Glória desistisse de mandar o filho para o seminário.

Capítulo XIX Sem falta ENSAIO - De volta para casa, Bentinho ficou ensaiando

as palavras que usaria para fazer o pedido a José Dias. Escolhida a frase, ele achou-a muito ríspida, imprópria para uma criança que se vai dirigir a um homem adulto. Depois, achou-a normal, desde que proferida com mais brandura.

Capítulo XX Mil padres-nossos e mil ave-marias PROMESSA - A aflição era tanta que Bentinho apelou

para os céus, prometendo rezar mil padre-nossos e mil ave-marias se José Dias dissuadisse Dona Glória de mandar o filho para o seminário. A quantia era exagerada, mas Bentinho já vinha prometendo há algum tempo sem cumprir.

Capítulo XXI Prima Justina DESCRIÇÃO - "Era quadragenária, magra e pálida,

boca fina e olhos curiosos. Vivia conosco por favor de minha mãe, e também por interesse; minha mãe queria ter uma senhora íntima ao pé de si, e antes parenta que estranha."

NEGATIVA - Bentinho resolveu consultar Prima

Justina. Era seria capaz de falar com Dona Glória... A resposta foi imediata: isso não. Jamais falaria. Essa coisa de promessa, Glória tinha na cabeça há muito tempo.

Capítulo XXII Sensações alheias ELOGIOS A CAPITU - Prima Justina começou a fazer

elogios a Capitu: beleza, mode de se comportar, mode de tratar os outros... Bentinho, no início, apenas ouvia. Depois, foi aprovando aqui, aprovando ali e terminou fazendo elogios abertos à filha do Pádua. Arrependeu-se depois. Podia ser que Prima Justina estivesse apenas especulando os seus sentimentos.

Capítulo XXIII

Page 8: Dom casmurro

Obras Literárias − UFSC 2007

Prazo dado ULTIMATO A JOSÉ DIAS - Na primeira oportunidade,

Bentinho disse a José Dias: "- Preciso falar-lhe amanhã, sem falta; escolha o lugar

e diga-me." O tom era sério, mas a frase foi dita com brandura.

José Dias combinou que seria no outro dia, na rua. Capítulo XXIV De mãe e de servo ZELO EXTREMO - José Dias tratava bentinho com

zelo extremo. Fez-se pajem; cuidava dos sapatos, dos livros, da higiene pessoal e da prosódia. Mais tarde, passou a acompanhar as lições de latim. Vivia elogiando-lhe a inteligência; chamava-o "um prodígio".

Capítulo XXV No passeio público OLHOS DE CIGANA - No passeio público, José Dias

começou a falar da família do Pádua. Capitu tem olhos de cigana oblíqua e dissimulada, D. Fortunata merece estima, mas o Pádua tem tendência para gente reles.

O PEDIDO ENFIM - Depois de algum tempo, Bentinho

criou coragem e expôs seu dilema a José Dias. Fez um discurso aos pedaços, mastigado e concluiu com a frase "Conto com o senhor para salvar-me." José Dias ficou estupefato. O que podia fazer? A idéia de ver o filho padre era projeto antigo, além de promessa... Bentinho tentou demonstrar que José Dias podia salvá-lo. Era só querer.

Capítulo XXVI As leis são belas PROMESSA DE LUTA - Depois de refletir bastante,

José Dias cedeu: ia falar com D. Glória. Não prometia vencer, mas lutar. Ia incutir nela a idéia de que Bentinho nascera para as leis. Precisavam de reforço. Era melhor que Bento se pegasse com tio Cosme e com Deus.

Capítulo XXVII Ao portão MENDIGO - "Ao portão do Passeio, um mendigo

estendeu-nos a mão. José Dias passou adiante, mas eu pensei em Capitu e no seminário, tirei dois vinténs do bolso e dei-os ao mendigo. Este beijou a moeda; eu pedi-lhe que rogasse a Deus por mim, a fim de que eu pudesse satisfazer todos os meus desejos.

- Chamo-me Bento, acrescentei para esclarecê-lo. Capítulo XXVIII Na rua

MUDANÇA DE COMPORTAMENTO - Na rua, José Dias mostrou-se contente em demasia. Falava e gesticulava muito, exibindo um comportamento que não lhe era peculiar. Bentinho, em contrapartida, procurava ser mais carinhoso com o amigo.

Capítulo XXIX O Imperador IDÉIA FANTÁSTICA - De volta para casa, o narrador

assistiu à passagem do Imperador. Nasceu-lhe uma idéia fantástica: pedir ao Imperador que intercedesse junto a D. Glória na questão do seminário. Fantasiou logo a intervenção: o Imperador chegando a casa, a rua toda com inveja, o pedido à mãe do narrador... Tudo sonho. Tudo fantasia de quem está apaixonado.

Capítulo XXX O Santíssimo MISSÃO RELIGIOSA - Em meio do caminho, os sinos

tocaram, e espalhou-se a notícia de que ia sair o Santíssimo. José Dias pegou Bentinho pelo Braço: iam participar da cerimônia. Quando o sacristão foi distribuir os apetrechos, um impasse: havia apenas uma vara do pálio, e duas pessoas disputavam-na: José Dias (que a queria para Bentinho) e Pádua (pai de Capitu). José Dias venceu, criando um clima de constrangimento. Pádua ia participar da missão religiosa, mas em posição subalterna.

Capítulo XXXI Curiosidade de Capitu CAPITU ERA ÚNICA - O narrador traça o perfil de

Capitu: criatura especial, curiosa, viva. "Capitu era Capitu, isto é, uma criatura mui particular, mais mulher do que eu era homem." Interessava-se por tudo: história antiga, música, política, afazeres domésticos. Queria saber tudo sobre a família de Bentinho, principalmente os detalhes da história de amor entre D. Glória e o marido, já falecido.

Capítulo XXXII Olhos de ressaca PERCEBENDO DETALHES - Passados alguns dias do

ajuste entre Bentinho e José Dias, o narrador foi ver Capitu. Encontrou-a na sala, penteando os cabelos. Pela primeira vez, Bento mirou demoradamente os olhos da namorada, relembrando a definição que José Dias dera a eles: "olhos de cigana oblíqua e dissimulada, olhos de ressaca". "Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca."

Capítulo XXXIII Penteado PRIMEIRO BEIJO - Bentinho propôs a Capitu pentear-

lhe os cabelos. A tarefa foi executada com calma e carinho, ele tirando desse ato prazeres indescritíveis. Terminada a tarefa, os dois trocaram o primeiro beijo. Depois, ficaram mudos, meio tímidos e envergonhados. As palavras fugiram. Bentinho não sabia o que dizer.

Capítulo XXXIV Sou homem

Page 9: Dom casmurro

Obras Literárias − UFSC 2007

DESCOBERTA - Logo depois do beijo, apareceu D. Fortunada. Capitu fingiu que nada estava ocorrendo, mostrando-se natural. Bentinho não deu conta de fingir: ficou cosido ao muro, quieto, mudo, em atitude suspeita. Em casa, a salvo dos olhos da mãe de Capitu, ele concluiu em voz alta: "Sou homem!". Repetiu eufórico essa frase umas três vezes. Via fora, Bentinho experimentou outras emoções, mas nenhuma superou a sensação do primeiro beijo.

Capítulo XXXV Protonotário Apostólico PADRE CABRAL PROMOVIDO - Quando Betinho

chegou-se aos seus, depois do primeiro beijo, o assunto era a nomeação do padre Cabral. O Papa nomeou-o Protonotário Apostólico, título pomposo que a todos encheu de admiração e de inveja. O próprio homenageado não cabia em si de contente. Tentaram prever o futuro: Bentinho um dia haveria de ser também Protonotário Apostólico.

Capítulo XXXVI Idéia sem pernas e idéia sem braços DE VOLTA À CASA DE CAPITU - Depois de calmo,

Bentinho teve ímpeto de correr à casa de Capitu e beijá-la novamente. Só idéia. Muito tempo depois, as pernas levaram-no à casa da vizinha, mas ela estava meio retraída. A vontade de Bento era agarrá-la, abraçá-la, beijá-la. Mas ficou na vontade. Capitu não lhe deu chance para isso.

Capítulo XXXVII A alma é cheia de mistérios LUTA POR UM BEIJO - Bentinho e Capitu travaram

uma luta silenciosa: ele puxava-a para si, tentando abraçá-la e beijá-la. Ela resistia tanto ao abraço quanto ao beijo. Depois, os corpos uniram-se, mas as bocas continuaram a desencontrar-se. Estavam nisso, quando chegou o pai de Capitu. Antes que ele entrasse em casa, Capitu, inesperadamente, deu um beijo em Bentinho.

Capítulo XXXVIII Que susto, meu Deus! ENCENAÇÃO PERFEITA - Entrou e pai de Capitu, e

ela, como fizera na cena do primeiro beijo, fingiu com a mesma facilidade.

Capítulo XXXIX A vocação VISITA DE CAPITU - Capitu foi à casa de Bentinho.

Queria cumprimentar padre Cabral pelo título de protonotário. José Dias aproveitou para discutir com o padre a questão da vocação religiosa. Podia-se servir a Deus sem ser padre. Cabral concordou. E disse mais: o fato de ir para o seminário não implicava ordenação. Quando Capitu se despediu, Bentinho tentou acompanhá-la, mas foi rejeitado. Ela preferiu voltar sozinha.

Capítulo XL Uma égua

NOVA FANTASIA - O narrador leu em um escritor antigo que as éguas iberas engravidavam pelo vento. A imaginação de Bentinho era assim, fértil em demasia. Pensou em ir ter com a mãe e expor-lhe a falta de vocação para o seminário e a paixão que sentia por Capitu.

Capítulo XLI A audiência secreta CONVERSA COM A MÃE - Bentinho iniciou uma

conversa com a mãe. Sem planejar, desviou-se para outro ponto, não falando da paixão que sentia por Capitu. Especulou a data em que iria para o seminário e, de leve, sondou se existia a possibilidade de não ir. D. Glória estava firme: ele iria sim, mas estaria de volta nos fins de semana e nas férias. Perspicaz como era, Bentinho notou que ela, no íntimo, não queria mandá-lo para o seminário. Se houvesse jeito de pagar a promessa com outra moeda...

Capítulo XLII Capitu refletindo SANCHA - Um dia depois da conversa com a mãe,

Bentinho foi à casa de Capitu. Conheceu ali Sancha, filha de um comerciante. No futuro, ela irá casar-se com Escobar, melhor amigo de Bento.

REAÇÕES DE CAPITU - Bentinho contou à namorada

a conversa que tivera com D. Glória. A reação de Capitu incluiu choro, mas o narrador não tem certeza se eram lágrimas verdadeiras. Pensativa, ela exigiu que Bento contasse outra vez a história. Ele obedeceu, mas amenizou um pouco, temendo que Capitu se zangasse mais ainda.

Capítulo XLIII Você tem medo? PERGUNTA INESPERADA - De repente, sem motivo

palpável, Capitu perguntou a Bentinho se ele tinha medo. Ele não soube responder. Entrou a cogitar de que teria medo, imaginar razões. Capitu tranqüilizou-o, mas chamou-lhe de medroso. Quis despedir-se sem troca de carinhos, Bento reclamou.

Capítulo XLIV O primeiro filho ESCOLHA DIFÍCIL - Antes de ir embora, outra

pergunta difícil a Bentinho: se tivesse que escolher entre a própria mãe e Capitu, quem escolheria? Ele demorou a responder, titubeou, mas finalmente disse que escolheria Capitu. Ela escreveu no chão a palavra "mentiroso". Ele, sem nada para dizer,sugeriu a Capitu que a vida de padre não assim tão ruim. Ela levou isso para a lado da ironia, prevendo que ele chegaria a cônego. Sempre em tom futurístico e irônico, previram ali a primeira missa e o batizado do primeiro filho de Capitu.

Capítulo XLV Abane a cabeça, leitor DILEMA DE BENTO - Aqui, o narrador cogita a

possibilidade de o leitor, por tédio, abandonar o livro. Mas ele jura ser verdade tudo que está narrando. Aproveita para confessar a sua aflição diante da possibilidade de Capitu casar-se com outro e ter filhos.

Page 10: Dom casmurro

Obras Literárias − UFSC 2007

Capítulo XLVI As pazes AMOR PURO - Capitu deu o primeiro passo: pediu

perdão pelo clima ruim criado por ela. Bentinho também pediu perdão, e tudo terminou em abraços e em ameaça de choro, mais por parte dele. A mãe de Capitu ameçou aparecer uma duas vezes, mas os dois continuaram abraçados.

Capítulo XLVII "A Senhora saiu" MENTIRA OU VERDADE? - Feitas as pazes, Bentinho

questionou por que Capitu falou em medo. Ela colocou a culpa no seminário, e a desculpa pareceu plausível. Mas havia a idéia da mentira clássica que as cridas dão, alegando que "a Senhora saiu" quando, na verdade, estava em casa. Talvez fosse esse o caso de Capitu.

Capítulo XLVIII Juramento do poço FACILIDADE DE JURAR - Bentinho, de chofre, exigiu

que Capitu jurasse que não se casaria com outro homem. Ela jurou com facilidade duas ou três vezes, mas propôs um outro modo de jurar: que casaríamos um com o outro, acontecesse o que acontecesse. Juramos.

Capítulo XLIX Uma vela aos sábados PLANOS DE FELICIDADE - Depois das juras, vieram

os planos de felicidade: lugar onde iam morar, casa, dependências, oratório, jardins... E uma vela aos sábados.

Capítulo L Um meio-termo IDA PARA O SEMINÁRIO - Meses depois, Bentinho foi

para o seminário. As lágrimas foram muitas, exageradas até. Padre Cabral achara um meio-termo: no fim de dois anos, se Bento não demonstrasse vocação eclesiástica, seguiria outra carreira.

CAPITU E D. GLÓRIA - Capitu aceitou com

naturalidade a idéia de Bentinho passar dois anos (quem sabe só um) no seminário. Ela se tornou amiga de D. Glória. A mãe de Bento passou a tê-la em alta conta, elogiando-lhe qualidades e atitudes e dando-lhe presentes.

DOM CASMURRO Capítulo LI Entre luz e fusco DESPEDIDA - Na sala de visitas da casa de Capitu,

aconteceu a despedida. Trocaram novamente juras de amor: casar-se-iam no futuro. Para selar o compromisso, beijo na boca.

Capítulo LII O velho Pádua

DESPEDIDA DE PÁDUA - Pádua foi à casa de Bentinho para dele se despedir. Falou muito, insinuou que José Dias era um parasita e pediu uma lembrança para guardá-la com carinho. Bento deu-lhe um embrulho com cachos de cabelos cortados recentemente. Tinham sido guardados para Capitu, mas estariam bem com o velho Pádua. No fim, houve muitos abraços e algumas lágrimas.

Capítulo LIII A caminho! ÚLTIMAS DESPEDIDAS - Na saída para o seminário,

vieram as últimas despedidas. D. Glória, prima Justina, tio Cosme, José Dias - todos tinham alguma recomendação para Bentinho. O mais grave era José Dias. Garantia que tudo ficaria arranjado em, no máximo, dois anos. Quem sabe o tormento duraria um ano só.

Capítulo LIV Panegírico de Santa Mônica LEMBRANÇAS DO SEMINÁRIO - O narrador evita

falar do dia-a-dia do seminário. Os anos passaram. Certo dia, encontrou-se com um ex-seminarista que havia escrito um livreto para elogiar Santa Mônica - O Panegírico de Santa Mônica. Bento vasculhou na memória e conseguiu lembrar-se da publicação. Confessou que perdeu o volume e ganhou outro.

Capítulo LV Um soneto SONETO NÃO ESCRITO - O narrador dedica um

capítulo a um soneto que tentou compor no seminário. Saíram só dois versos: o primeiro e o último. Há ironia acerca de inspiração, numa visível sátira aos românticos. Por mais que Bento se esforçasse, o soneto não saiu.

Capítulo LVI Um seminarista PERSONAGENS DO SEMINÁRIO - Ainda sob efeito

do panegírico, Bento relembra alguns seminaristas: os irmãos Albuquerques, o Bastos (magricela), o Luís Borges (padre e político).

EZEQUIEL SOUSA ESCOBAR - Escobar aparece na

narrativa pela primeira vez, com nome completo e com descrição: "era um rapaz esbelto, olhos claros, um pouco fugitivos, como as mãos, como os pés, como a fala, como tudo. Era mais velho que eu três anos, filho de um advogado de Curitiba."

INTIMIDADE - Não aconteceu rápido, mas Escobar foi

invadindo a intimidade de Bentinho. Fizeram-se amigos. Capítulo LVII De preparação SUSPENSE - O narrador, remexendo a memória à

procura de lembranças do seminário, encontrou uma história que pode chocar as pessoas castas. O capítulo é só para preparar o espírito dos leitores para a história que vai contar logo em seguida.

Capítulo LVIII

Page 11: Dom casmurro

Obras Literárias − UFSC 2007

O tratado VISÕES ATORMENTADORAS - Bento viu cair em

plena rua uma mulher elegante que andava à francesa. Na queda, apareceram as meias e outras partes íntimas. Aquela visão atormentou o narrador por muito tempo, perturbando-o acordado e durante o sono. Nasceu, então, a idéia de fazer um pacto entre a imaginação e a consciência. Doravante, as visões de mulheres seriam encaradas como deleites normais, aprendizado para futuras batalhas.

Capítulo LIX Convivas de boa memória MEMÓRIA FALHA - O narrador tenta explicar que tem

memória boa para coisas antigas e ruim para coisas recentes. Consegue lembrar-se de detalhes da época do seminário e não atina com a cor das calças usadas no dia anterior. Confessa que detesta o amarelo.

Capítulo LX Querido opúsculo AGRADECIMENTO AO PANEGÍRICO - Bento

reconhece que o livreto à Santa Mônica, composto por um colega de seminário, acordou recordações adormecidas. Por isso, faz a ele um capítulo de agradecimento.

Capítulo LXI A vaca de Homero CONVERSA COM JOSÉ DIAS - Numa visita de José

Dias ao seminário, Bentinho ficou sabendo de tudo: preocupações excessivas da família, principalmente da mãe. E um plano novo de José Dias para tirá-lo do seminário: fingir-se doente. Uma tossezinha aqui, um fastio ali e a obrigatoriedade de viajar em busca de ares melhores. José Dias foi comparada à vaca de Homero por causa da preocupação excessiva com a cria. Já no fim da visita, uma pergunta inesperada: e Capitu?

Capítulo LXII Uma ponta de Iago PERALTAS NA VIZINHANÇA - A resposta de José

Dias sobre Capitu causou grande impacto em Bentinho: "- Tem andado alegre, como sempre; é uma tontinha.

Aquilo, enquanto não pegar algum peralta da vizinhança, que case com ela..."

O coração disparou, o sangue sumiu. Enquanto ele,

Bento, chorava todas as noites, ela andava alegre... E a ameaça maior: os peraltas da vizinhança. Seria possível. A vontade era sair correndo e ir conferir tudo isso. Só vontade. Ficou combinado que no sábado seguinte Bento faria uma visita à mãe.

Capítulo LXIII Metades de um sonho

SOB O IMPACTO DOS PERALTAS - Ainda sob o impacto do que dissera José Dias, Bentinho teve um sonho terrível à noite. Sonhou que via um dos peraltas fazendo a corte a Capitu. Ele tentava intervir, mas o pai dela, Pádua, estava lá, com um bilhete de loteria nas mãos. O peralta ia atrás do prêmio, mas o bilhete estava vazio. Depois sumiam Pádua e peralta. Bento e Capitu, sozinhos, fitavam-se. A boca dos dois iam unir-se, mas Bento acordou. E haja esforço para dormir outra vez e continuar o sonho.

Capítulo LXIV Uma idéia e um escrúpulo APERTAR OS OLHOS - O narrador quer discutir uma

idéia, mas considera-a tão banal que tem escrúpulo de apresentá-la. A idéia ainda é resquício do que lhe aconteceu no sonho anterior, quando acordou, tentou dar continuidade ao sonho e não conseguiu. Concluiu, então, "que um dos ofícios do homem é fechar e apertar muito os olhos, e ver se continua pela noite velha o sonho truncado na noite moça."

Capítulo LXV A dissimulação DE SÁBADO EM SÁBADO - Virou rotina: todos os

sábados, Bentinho ia visitar a família. A vida transcorria normal. Além da admiração dos padres e dos professores, quem mais o estimava era Escobar. Num sábado, Bento ventilou a idéia de abrir-se com Escobar, contando a ele sua paixão por Capitu. Ela mostrou-se contra, proibindo-o de fazer isso. Bento obedeceu.

EQUILÍBRIO DE IDÉIAS - Em tudo, Capitu mostrava-se

superior e dissimulada. Certa feita, D. Glória queria que opinasse sobre a vocação de Bentinho para padre. Capitu disse com convicção que Bentinho daria um bom padre. Depois, explicou-se para Bento: fazia tudo para demonstrar que nada havia de comprometedor entre os dois. Daí a aparência alegre que fazia questão de exibir para D. Glória e família.

Capítulo LXVI Intimidade CAPITU E DONA GLÓRIA - Capitu, aos poucos, foi

penetrando a alma de Dona Glória. Passavam boa parte do dia juntas. A amizade das duas provocava ciúmes em prima Justina, que sempre encontrava um modo de ficar contra a menina.

Capítulo LXVII Um pecado DONA GLÓRIA DOENTE - Certa feita, D. Glória

adoeceu gravemente. Veio o medo de morrer sem se despedir do único filho. Mandou, então, buscar Bentinho no seminário. José Dias foi, e, no caminho, Bentinho começou a pensar que a mãe estivesse morta. De repente, em meio ao desespero que o afligia, um pensamento egoísta: "Mamãe defunta, acaba o seminário." Nem bem terminou de pensar, ele já estava arrependido. O remorso e o desespero juntaram-se, e Bento terminou chorando em plena rua. José Dias tentou confortá-lo, mas com sua mania de superlativos, piorou mais ainda a situação. Dona Glória estava muito doente, mas tudo não passou de um grande susto.

Capítulo LXVIII

Page 12: Dom casmurro

Obras Literárias − UFSC 2007

Adiemos a virtude METALINGUAGEM - Mas uma vez, o narrador utiliza-

se da metalinguagem (a linguagem utilizada para questionar o próprio ato de escrever) para dizer ao leitor que não se furta de colocar no papel os bons e os maus pensamentos. Tenta lembrar-se de uma virtude para contrapor ao pecado do capítulo anterior. Não lhe vem nenhuma à memória.

Capítulo LXIX A missa PAGANDO DÍVIDAS PASSADAS - Depois que D.

Glória recuperou a saúde, Bentinho foi ouvir uma missa de domingo. Foi só. Queria agradecer a Deus, pedir perdão pelas promessas descumpridas e começar vida nova. Não prometeria mais. Se prometesse, pagaria imediatamente.

Capítulo LXX Depois da missa SEGUNDO ENCONTRO COM SANCHA - Depois da

missa, na saída, Bento reviu Sancha, amiga de Capitu. Estava com o pai, Gurgel, "homem de quarenta anos ou pouco mais, com propensão a engrossar o ventre".

Capítulo LXXI Visita de Escobar ESCOBAR NA CASA DE BENTO - Por causa da

notícia da doença de Dona Glória, Escobar fez uma visita ao amigo. Convidado para jantar, resistiu um pouco, mas ficou. Na casa, todos simpatizaram com o moço. Só prima Justina viu nele algum defeito, ou cuidou que viu, pois não soube dizê-lo. Na despedida, Capitu, da janela, chegou a ver Escobar, mas os dois não foram apresentados.

Capítulo LXXII Uma reforma dramática DESTINO E DRAMATURGOS - O narrador compara o

destino aos dramaturgos: nenhum deles anuncia as peripécias nem o desfecho. A respeito disso, D. Casmurro propõe uma mudança: que as peças podiam começar pelo fim.

Capítulo LXXIII O contra-regra PAPEL DO DESTINO - O narrador faz mais

considerações sobre o destino: ele é também contra-regra: "designa a entrada dos personagens em cena, dá-lhes as cartas e outros objetos, e executa dentro os sinais correspondentes ao diálogo, uma trovoada, um carro, um tiro".

ALENCAR E ÁLVARES DE AZEVEDO - Contando um

episódio de um cavaleiro que passou na rua e olhou demasiadamente para Capitu, o narrador cita Alencar e Álvares de Azevedo: ambos escreveram cenas dando provas de que era comum, na época, namorar a cavalo.

CIÚMES - A troca de olhares entre o cavaleiro e

Capitu, a qual estava à janela, provocou ciúmes em Bento. Ele correu para casa.

Capítulo LXXIV

A presilha LEMBRANÇA DOS PERALTAS - Na sala de visitas,

Bento, ainda sob impacto do ciúme, teve ímpeto de perguntar a José Dias sobre uma frase que o agregado dissera no seminário, associando Capitu aos peraltas do bairro: "Aquilo, enquanto não pegar algum peralta da vizinhança, que case com ela..." Não teve coragem. De repente, José Dias aproximou-se dele e, vendo-o alterado, quis saber o que estava acontecendo. A saída foi falar de uma presilha solta nas calças de José Dias.

Capítulo LXXV O desespero EXCESSOS DE BENTO - Ainda abalado pela idéia de

Capitu envolver-se com outro homem, Bento trancou-se no quarto. Chorou e fez promessas vãs: nunca mais iria ver Capitu, ordenar-se-ia padre de vez... Capitu, logo depois, veio ter com Dona Glória. Ria e falava alto, como a avisar que estava ali, mas Bento fez-se surdo, pensando em matá-la.

Capítulo LXXVI Explicação REMORSO - Bento acalmou-se da crise de ciúmes,

mas deixou-se ficar no quarto, abatido. Depois de uma noite maldormida, veio o receio de haver exagerado.

DEFESA DE CAPITU - Capitu explicou-se a Bentinho,

chegando às lágrimas. Se Bento quisesse, ela deixaria de ir à janela, como fazia todas as tardes. Tudo ficou bem. Mas Capitu impôs uma condição: se Bento dela suspeitasse mais uma vez, tudo estaria acabado entre os dois.

Capítulo LXXVII Prazer das dores velhas ESTRANHO PRAZER - O narrador confessa que as

dores do seu amor de adolescente dão-lhe certo prazer. Já outros desprazeres que vieram mais tarde, causam-lhe tormento.

Capítulo LXXVIII Segredo por segredo CONFISSÕES A ESCOBAR - Bentinho, de volta ao

seminário, sentiu necessidade de compartilhar com alguém seu amor proibido por Capitu. Terminou contando a Escobar, mas omitiu detalhes íntimos. Por sua vez, Escobar também contou-lhe um segredo: não podia ser padre porque tinha paixão pelo comércio.

Capítulo LXXIX Vamos ao capítulo SUSPENSE - O narrador vai tocar em ponto grave:

"grave e complexo, delicado e sutil". Antes de dizê-lo, faz uma espécie de introdução.

Capítulo LXXX Venhamos ao capítulo

Page 13: Dom casmurro

Obras Literárias − UFSC 2007

SÍNTESE - O narrador faz uma síntese do que já contou ao leitor: religiosidade da mãe, a questão da promessa, a morte do pai, o envolvimento dos parentes no cumprimento da promessa... Veio a entrada de Bento no Seminário São José e a conseqüente solidão de D. Glória. No íntimo, Dona Glória não queria ver o filho padre. Por sua vez, Capitu foi fazendo-se necessária na vida de Dona Glória. No íntimo, a mãe de Bento foi entendendo que Capitu era capaz de fazê-lo feliz.

Capítulo LXXXI Uma palavra INCENTIVO DA MÃE - Certa vez, quando Bentinho

chegou do seminário, Dona Glória incentivou-o a ir ver Capitu: ela estava na casa de Sancha. Prima Justina insinuou que Capitu podia está namorando; Bento desejou matá-la. No outro dia, domingo, foi ter à Rua dos Inválidos. Sancha estava doente, e Capitu servia-lhe de enfermeira. Gurgel, pai de Sancha, era pura tristeza e preocupação, falando até em suicídio.

Capítulo LXXXII O canapé FELICIDADE À VISTA - O canapé, em casa de

Sancha, foi testemunha única do diálogo entre Capitu e Bento. Ele contou a ela que estava ali por incentivo de D. Glória. Custou a ela acreditar. Os olhos brilharam muito, e ela concluiu: "Seremos felizes".

Capítulo LXXXIII O retrato CAPITU E A MÃE DE SANCHA - Gurgel voltou de

repente: Sancha queria a presença de Capitu. Mais uma vez, Bento ficou atrapalhado enquanto Capitu fingia naturalidade. Como Bento olhasse a miúdo para uma fotografia de mulher na parede, Gurgel perguntou-lhe se via semelhança entre o retrato e as feições de Capitu. Ele disse que sim, e Gurgel concordou: Capitu tinha traços que lembravam a mãe de Sancha.

Capítulo LXXXIV Chamado MORTE DE MANDUCA - Saindo da casa de Gurgel, já

na Rua de Mata-cavalos, Bentinho foi chamado por um senhor que se achava à porta de um armazém. Era um pai aos prantos informando da morte do filho Manduca. Queria que Bento entrasse para ver o defunto. Bento não queria, mas terminou fazendo o que o pai choroso pedia.

Capítulo LXXXV O defunto MAL DE HANSEN - Manduca padecia do mal de

Hansen. Quando morreu, teria uns dezoito anos. "Vivo era feio; morto pareceu-me horrível." Era vizinho de Bento.

Capítulo LXXXVI Amai, rapazes!

INCENTIVO AO AMOR - Bento deixou apressado o armazém onde velavam o corpo de Manduca. Já em casa, voltou a pensar em Capitu. Depois de velho, o narrador aconselha: "Amai, rapazes! E, principalmente, amai moças lindas e graciosas; elas dão remédio ao mal, aroma ao infecto, trocam a morte pela vida... Amai, rapazes!"

Capítulo LXXXVII A sege LEMBRANDO O PASSADO - Neste capítulo, a pretexto

de ir ao enterro de Manduca, Dom Casmurro volta no tempo para contar o prazer que lhe dava andar de sege - uma velha carruagem deixada por seu pai e tratada com muito carinho por D. Glória. Bentinho, menino, adorava os passeios, principalmente quando a sege ia bem devagar. Gostava de apreciar as ruas, as casas, as pessoas.

Capítulo LXXXVIII Um pretexto honesto PLANO DE VER CAPITU - A secundária verdadeira era

pedir à mãe para ir ao enterro do Manduca. Porém a razão verdadeira era não voltar para seminário e, assim, poder visitar novamente Sancha e rever Capitu.

Capítulo LXXXIX A recusa PLANO FRUSTRADO - Apesar da insistência do

pedido, Dona Glória não consentiu. Bento não podia perder um dia de seminário. Prima Justina também se manifestou contra.

Capítulo XC A polêmica BENTO E MANDUCA - A amizade entre Bento e

Manduca deu-se em torno de uma polêmica. Na época, os jornais cariocas noticiavam a guerra da Criméia (estendeu de 1854 a 1856). Manduca pôs-se a favor dos aliados, e Bento defendia os russos. Passaram a polemizar por escrito, e a troca de papéis deu vida nova a Manduca, que sempre terminava os seus escritos com a frase "Os russos não hão de entrar em Constantinopla!"

Capítulo XCI Achado que consola CONSCIÊNCIA TRANQÜILA - Agora, depois de

produzir o capítulo anterior, Dom Casmurro conclui que deu felicidade a um pobre-diabo. A troca de correspondência deu ânimo novo a seu vizinho Manduca.

Capítulo XCII O diabo não é tão feio como se pinta IRONIA - O narrador, relembrando o enterro de

Manduca, conclui que a natureza se diverte com os contrastes. O leproso, defendendo a Rússia, dava uma certa espiritualidade às suas carnes podres. É como se as flores, para exalar perfume, precisassem alimentar-se de esterco.

Capítulo XCIII Um amigo por um defunto

Page 14: Dom casmurro

Obras Literárias − UFSC 2007

VISITA DE ESCOBAR - A tristeza pela morte de Manduca foi substituída pela alegria de receber Escobar, que já era queiro de todos. Bentinho mostrou-lhe detalhes do quintal, alguns escravos, além de contar-lhe algumas reminiscências da infância.

Capítulo XCIV Idéias aritméticas AMOR AOS NÚMEROS - Escobar fazia contas com

rapidez assustadora. Amava os números: achava-os mais úteis que as letras. Essa facilidade para os números fez crescer a admiração de Bento pelo amigo. No seminário, chegaram a ser censurados porque foram flagrados trocando abraços.

Capítulo XCV O Papa IDÉIA DE JOSÉ DIAS - José Dias veio com idéia nova

para tirar Bentinho do seminário: ir a Roma pedir ao Papa que desobrigasse D. Glória da promessa feita. Bento não podia concordar com isso sem antes consultar duas pessoas: Capitu e Escobar.

Capítulo XCVI Um substituto REAÇÃO DE CAPITU - Capitu ouviu com atenção, mas

não aprovou. Achava que Bento, indo para Roma, esquecê-la-ia. Porém não atinou com idéia melhor.

IDÉIA DE ESCOBAR- Depois de ouvir atentamente

Bentinho, Escobar teve uma idéia genial: dar a um órfão a oportunidade de ser padre, ou seja, a promessa de D. Glória seria cumprida, e a igreja ganharia um sacerdote. Se tudo desse certo, sairiam os dois do seminário.

Capítulo XCVII A saída PLANOS REALIZADOS - Tudo deu certo: o plano de

Escobar virou realidade. Bentinho, no fim do ano, saiu do seminário. Contava, então, dezessete anos.

Capítulo XCVIII Cinco anos BACHAREL AOS 22 - Com 22 anos, Bento Santiago

era Bacharel em Direito. CAPITU SEM MÃE - Muitas coisas mudaram em cinco

anos. A mãe de Capitu morreu. ESCOBAR E SANCHA - Escobar seguiu a vocação:

engajou-se no comércio com a ajuda do dinheiro de Dona Glória. Terminou casado com Sancha, que Capitu tinha como irmã.

Capítulo XCIX O filho é a cara do pai

DOUTOR BENTO - Quando Bento se fez Bacharel, Dona Glória ficou felicíssima. Achava que o filho tinha as mesmas feições do pai. Todos concordaram. E para agradar à mãe e ao filho, chamavam-no de doutor.

Capítulo C "Tu serás feliz, Bentinho!" VOZ DE UMA FADA - Enquanto desfazia a mala, Bento

julgou ouvir a frase "tu serás feliz, Bentinho". José Dias jurou que quem a disse foi o próprio Bentinho. Aproveitaram o equívoco e falaram de Capitu. José Dias fez muitos elogios à moça e terminou contando a Bento que D. Glória já a julgava nora. Bentinho não cabia em si de felicidade. Semanas depois, Bento pediu à mãe permissão para casar.

Capítulo CI No céu ENFIM, CASADOS - Bento e Capitu casaram-se em

1865. A felicidade era tanto que o ex-seminarista, poeticamente, achou que São Pedro, que tem as chaves do céu, abriu as portas do paraíso e abençoou-os.

Capítulo CII De casada FIM DA LUA-DE-MEL - Uma semana depois, Capitu

estava ansiosa para voltar. Falava do pai, de Dona Glória, da falta de notícias. Bentinho descobriu tudo: ela queria mesmo era mostrar-se casada. A lua-de-mel durou apenas uma semana.

Capítulo CIII A felicidade tem boa alma ELOGIOS DE JOSÉ DIAS - José Dias foi visitar o casal

na Tijuca. Fez elogios rasgados aos dois, comparando-os a pássaros criados em dois vãos de telhados contíguos.

Capítulo CIV As pirâmides ENTRE GLÓRIA E ANDARAÍ - Escobar e Sancha

estavam casados e moravam em Andaraí. Bento e Capitu iam sempre visitá-los, visita de um dia inteiro para matar as saudades.

UMA FILHA - Escobar e Sancha viviam felizes. Tinham

uma filhinha. Bentinho soube de uma aventura do amigo com uma atriz ou bailarina, mas tudo terminou bem, sem escândalo.

REZANDO POR UM FILHO - Bento e Capitu, no afã de

um filho, pediam-no em orações. Capítulo CV Os braços VIDA PLÁCIDA - Bento e Capitu viviam felizes.

Gastavam o tempo com os amigos, visitando parentes ou apreciando, pela janela, o céu, as estrelas e o mar. Capitu, depois de casada, aprendera a tocar piano. Tentou cantar, mas a voz falhou.

Page 15: Dom casmurro

Obras Literárias − UFSC 2007

CIÚME DOS BRAÇOS - Bento tinha muito orgulho dos braços de Capitu. Achava-os divinos. Notou que os outros homens também os admiravam. Por ciúme, proibiu que Capitu os exibisse. Quando iam a bailes, ele vestia-se de modo a cobri-los.

Capítulo CVI Dez libras esterlinas MULHER ECONÔMICA - O narrador exalta as

qualidades de Capitu: ela tem amor às coisas usadas e não gasta dinheiro à toa. Depois de algum tempo de casados, uma surpresa: Capitu conseguira economizar dez libras esterlinas. Quem fez a conversão foi Escobar. A coisa era meio segredo, mas Bento descobriu tudo.

Capítulo CVII Ciúmes do mar MAIS INTIMIDADE - Capitu e Bento eram felizes um

pouco mais a cada dia. Ela se fazia mais meiga, ele mais compreensivo. A aproximação com Escobar e Sancha também progredia. Os dois amigos chegavam a trocar segredos.

Capítulo CVIII Um filho NASCE EZEQUIEL - As preces de Capitu e de Bento

foram ouvidas: nasceu-lhes um filho, não mirrado e amarelo como Bento às vezes pedia, mas robusto e bonito. Enfim, a felicidade do casal estava completa. Bento pensou em Escobar para padrinho, mas tio Cosme adiantou-se. Para suprir a falta de compadrio, o filho de Bento foi batizado com o nome de Ezequiel Escobar.

Capítulo CIX Um filho único CINCO ANOS - Ezequiel completou cinco anos. Apesar

de tentativas, outro filho não veio, e isso acentuou os cuidados de Bento e Capitu.

Capítulo CX Rasgos da infância COISAS DE CRIANÇAS - O narrador, como todo pai

que acompanha o crescimento do filho, conta as peripécias de Ezequiel: as brincadeiras, as preferências, as inúmeras tendências.

Capítulo CXI Contado Depressa ENVENENANDO CÃES - O narrador conta depressa

um incidente da época em que Ezequiel nasceu. Capitu com febre tinha Sancha ao seu pé. Ninguém conseguia dormir porque três cães latiam toda a noite. Bentinho resolveu envenená-los. Comprou carne e veneno, preparou três bolas de carne e foi para a rua, cumprir a tarefa de matar. Dois cães fugiram, mas o terceiro resolveu aproximar-se. Vendo-o alegre, abanando o rabo, Bento não teve coragem de envenená-lo.

Capítulo CXII As imitações de Ezequiel

PÉS E OLHOS DE ESCOBAR - Bento acha que

Ezequiel tem o defeito de imitar os outros. Acha também que os pés e os olhos do menino lembram os de Escobar. Capitu não comentou sobre a aparência, mas sugeriu que deveriam repreender o filho quanto às imitações.

Capítulo CXIII Embargos de terceiro CIÚMES - Mesmo depois do filho, Bento continuou

ciumento. Capitu gostava de mostrar-se, e ele sofria com isso. Bento vivia para Capitu: trabalhava pensando nela, não saía sem ela. Duas vezes foi ao teatro sozinho. Numa delas, voltou depois do primeiro ato e encontrou Escobar em casa. O amigo alegou que estava ali para tratar de uns embargos.

Capítulo CXIV Em que se explica o explicado JURAMENTO QUEBRADO - Bentinho e Capitu haviam

jurado, ainda na época de seminário, que não esqueceriam a música de um pregão de vendedor de doces. Ele próprio, apesar dos esforços, terminou esquecendo-a.

Capítulo CXV Dúvidas sobre dúvidas FRIEZA DE DONA GLÓRIA - Bentinho achava que a

mãe vinha mostrando-se fria em relação a Capitu e a Ezequiel. Capitu alegou que as sogras são assim mesmo: sentem ciúmes dos filhos, mas um dia mudam. Para desfazer mal-entendidos, foram jantar na casa de D. Glória. Apesar das lágrimas da mãe, a impressão de Bento continuou a mesma.

Capítulo CXVI Filho do homem FILHO DO HOMEM - Bento sondou José Dias a

respeito da frieza de D. Glória. O agregado espantou-se. Dona Glória vivia elogiando Capitu. Daquela vez, por influência da leitura da Bíblia, José Dias começou a tratar Ezequiel pelo epíteto de "filho do homem": "Como vai isso, filho do homem?" "Dize-me, filho do homem, onde estão os teus brinquedos?" "Queres comer doce, filho do homem?" Capitu não entendeu. Apesar das explicações de Bentinho, zangou-se com a brincadeira.

SESTRO DE IMITAR - Apesar das repreensões da

mãe, Ezequiel continuava a imitar os outros. Alguns gestos se repetiam, principalmente alguns próprios do Escobar.

Capítulo CXVII Amigos próximos CASA NO FLAMENGO - Escobar mudara-se de

Andaraí para o Flamengo, ficando mais próximo de Bentinho. Agora, separava-os apenas um pedaço de praia. O narrador confessa que os dois viviam um em casa do outro, sem cerimônia, tão amigos eram. As mulheres e os filhos aproximaram-se mais ainda. Sancha até achava que Ezequiel e Capituzinha estavam ficando parecidos. Escobar defendeu a teoria de que crianças que convivem ficam parecidas.

Capítulo CXVIII

Page 16: Dom casmurro

Obras Literárias − UFSC 2007

A mão de Sancha SANCHA E BENTO - No Flamengo, na casa de

Sancha e Escobar, uma cena inesperada: os olhos de Bento e os de Sancha cruzaram-se, e uma linguagem estranha surgiu entre os dois. Bento quis desviar os olhos dos de Sancha, mas havia ali uma atração nova, inexplicável. Pior ainda: na despedida, a mão de Sancha apertou muito e demoradamente a de Bento, reforçando o clima criado pelos olhares. Em casa, antes de dormir, Bentinho pensou muito sobre o episódio, teceu uma série de considerações e foi para a cama. Tinha esperança de acordar, no outro dia, sem as dúvidas da noite anterior.

Capítulo CXIX Não faça isso, querida! "A leitora, que é minha amiga e abriu este livro com o

fim de descansar a cavatina de ontem para a valsa de hoje, quer fechá-lo às pressas, ao ver que beiramos um abismo. Não faça isso, querida; eu mudo de rumo."

Capítulo CXX Os autos SEM ALUCINAÇÕES - Na manhã seguinte, Bento

acordou sem as alucinações da noite anterior. A figura de Sancha desapareceu completamente em meio às preocupações de trabalho.

Capítulo CXXI A catástrofe MORTE DE ESCOBAR - Escobar, como fazia sempre,

entrou no mar bravio, foi um pouco além e morreu afogado. "As canoas que acudiram mal puderam trazer-lhe o cadáver."

Capítulo CXXII O enterro PREPARATIVOS PARA O ENTERRO - Enquanto

Capitu e prima Justina ficaram ao lado de Sancha, Bentinho foi cuidar do enterro. Muita gente compareceu ao velório. Entre uma lágrima e outra, Bento ia recordando a amizade com Escobar desde os tempos de seminário. Veio a idéia de escrever umas palavras para serem ditas à sepultura. José Dias leu-as em voz alta e aprovou. Era março de 1871.

Capítulo CXXIII Olhos de ressaca O OLHAR DE CAPITU SOBRE O MORTO - Na hora da

encomendação e da partida, o choro desesperado de Sancha contaminou a todos. A confusão era geral. Só Capitu, amparando a viúva, parecia controlar a própria emoção. Momento houve, entretanto, em que ela fitou tão fixamente o defunto, com os olhos grandes e abertos, que parecia querer tragá-lo, como o fez o mar.

Capítulo CXXIV O discurso

VOZ DA EMOÇÃO - Descido o cadáver à cova, a multidão exigiu o discurso. Bento tirou o papel do bolso e leu o texto aos trambolhões, com voz trêmula pela emoção. Apesar de achar que leu mal, muitos o cumprimentaram pelo ato, elogiando-o.

Capítulo CXXV Uma comparação LEMBRANÇA DO OLHAR - O narrador compara seu

gesto - de elogiar o defunto que recebeu aquele olhar especial de Capitu - ao de Príamo, que se julgava o mais infeliz dos homens por ter de beijar a mão daquele que lhe matou o filho - uma cena descrita por Homero.

Capítulo CXXVI Cismando DÚVIDAS ATROZES - De volta para casa, Bento

relembrou a cena em que Capitu e o morto se despediram. A confusão cerebral era tão grande que ele resolveu percorrer a pé um trecho do caminho na tentativa de reorganizar os pensamentos. Será que Capitu, diante da multidão, tinha algo para dissimular?

Capítulo CXXVII O barbeiro BARBEIRO E MÚSICO - Naqueles momentos de

dúvidas e de aflições, Bentinho passou em frente à casa de um barbeiro que morava ali perto. O homem tocava rabeca. Tão logo viu o narrador, começou a tocar com mais ânimo, numa espécie de exibição. Bento demorou-se um pouco, o suficiente para notar que o babeiro tinha mulher e que havia perdido, por canta da música, alguns fregueses. Desse episódio, o narrador arrancou a seguinte máxima: "A gente esquece devagar as boas ações que pratica, e verdadeiramente não as esquece nunca."

Capítulo CXXVIII Punhado de sucessos LEMBRANÇA DE ESCOBAR - Bentinho começa a

recolher lembranças do amigo morto: "livros, um tinteiro de bronze, uma bengala de marfim, um pássaro, o álbum de Capitu, duas paisagens do Paraná e outras." Os dois viviam a trocar presentes a qualquer pretexto, um tentando agradar o outro.

NOTÍCIAS DE JORNAL - Os jornais de segunda-feira

noticiaram a morte de Escobar, elogiando-lhe qualidades morais e intelectuais, citando os negócios e a família.

TESTAMENTO - "Na terça-feira foi aberto o

testamento, que me nomeava segundo testamenteiro; o primeiro lugar cabia à mulher. Não me deixava nada, mas as palavras que me escrevera em carta separada eram sublimes de amizade e estima. Capitu desta vez chorou muito; mas compôs-se depressa."

SANCHA NO PARANÁ - "Testamento, inventário, tudo

andou quase tão depressa como aqui vai dito. Ao cabo de pouco tempo, Sancha retirou-se para a casa dos parentes no Paraná."

Capítulo CXXIX A D. Sancha

Page 17: Dom casmurro

Obras Literárias − UFSC 2007

AVISO A SANCHA - O narrador dá um aviso a Sancha: que ela não leia o livro; se estiver lendo, que pare a leitura; se, apesar do aviso, continuar lendo, o narrador não se responsabiliza pelos malefícios futuros.

Capítulo CXXX Um dia... TRISTEZA PREOCUPANTE - Como Bento se

mostrasse calado e triste, Capitu tentou animá-lo: propôs-lhe viagens e diversões. Ele alegou que os negócios iam mal. Ela tentou incentivá-lo: a fase ruim não devia durar muito, logo estariam bem outra vez. Tudo em vão: Bento não se reanimou.

Capítulo CXXXI Anterior ao anterior OLHOS À ESCOBAR - Certa vez, antes da tristeza

crônica de Bento, Capitu tentou mostrar-lhe que os olhos de Ezequiel lembravam os de Escobar. Ele achou que não: os olhos do filho eram lindos porque se pareciam com os olhos da mãe. Tudo terminou em beijos.

Capítulo CXXXII O debuxo e o colorido EZEQUIEL: CÓPIA DE ESCOBAR - Com o tempo,

Bento chegou a uma conclusão angustiante: Ezequiel era cópia de Escobar. Não eram só os olhos, "mas as restantes feições, a cara, o corpo, a pessoa inteira, iam-se apurando com o tempo."

DESEJOS RUINS - O convívio com o filho foi ficando

difícil. Bento via nele a figura do Escobar morto. "Quando nem mãe nem filho estavam comigo o meu desespero era grande, e eu jurava matá-los a ambos, ora de golpe, ora devagar, para dividir pelo tempo da morte todos os minutos da vida embaraçada e agoniada. Quando, porém, tornava a casa e via no alto da escada a criaturinha que me queria e esperava, ficava desarmado e diferia o castigo de um dia para outro."

CONVIVÊNCIA DIFÍCIL - Bentinho e Capitu conviviam

a custo. A presença de Ezequiel causava mal a Bento. "Capitu propôs metê-lo em um colégio, donde só viesse aos sábados; custou muito ao menino aceitar esta situação."

EZEQUIEL EM COLÉGIO INTERNO - O próprio Bento

levou o filho para um colégio interno. O retorno do menino nos fins de semana ia reforçando a suspeita: "Até a voz, dentro de pouco, já me parecia a mesma."

Capítulo CXXXIII Uma idéia IDÉIA MACABRA - "Um dia, - era uma sexta-feira, -

não pude mais. Certa idéia, que negrejava em mim, abriu as asas e entrou a batê-las de um lado para outro, como fazem as idéias que querem sair." Começava a se formar no cérebro de Bento a idéia de morte.

Capítulo CXXXIV O dia de sábado

PREPARATIVOS PARA A MORTE - No outro dia, a idéia macabra continuou a atormentar Bentinho. Passou numa farmácia e adquiriu a substância que seria usada para o crime. "Quando me achei com a morte no bolso senti tamanha alegria como se acabasse de tirar a sorte grande, ou ainda maior, porque o prêmio da loteria gasta-se, e a morte não se gasta."

DESPEDIDA - "Fui à casa de minha mãe, com o fim de

despedir-me, a título de visita. Ou de verdade ou por ilusão, tudo ali me pareceu melhor nesse dia, minha mãe menos triste, tio Cosme esquecido do coração, prima Justina, da língua."

Capítulo CXXXV Otelo MORRER OU MATAR? - Bentinho jantou e, à noite, foi

ao teatro. Representava-se Otelo. Depois de assistir à peça, veio-lhe a idéia de matar Capitu. Se Desdêmona, mesmo inocente, foi assassinada, por que Capitu com toda a culpa continuaria viva?

DESPEDIDA POR CARTA - "Cheguei a casa, abri a

porta devagarinho, subi pé ante pé, e meti-me no gabinete; iam dar seis horas. Tirei o veneno- do bolso, fiquei em mangas de camisa, e escrevi ainda uma carta, a última, dirigida a Capitu."

Capítulo CXXXVI A xícara de café VENENO NO CAFÉ - O plano de Bento era simples:

dissolver o veneno no café, ingeri-lo e pôr fim à vida e ao sofrimento. "O copeiro trouxe o café." Bento dissolveu a droga no líquido quente, olhou para a fotografia de Escobar e dispôs-se a beber. Voltou atrás: "cogitei se não seria melhor esperar que Capitu e o filho saíssem para a missa; beberia depois; era melhor. Assim disposto, entrei a passear no gabinete. Ouvi a voz de Ezequiel no corredor, vi-o entrar e correr a mim bradando:

- Papai, papai!" Capítulo CXXXVII Segundo impulso A VIDA DE EZEQUIEL POR UM FIO - De repente, uma

idéia assassina: fazer que Ezequiel bebesse o café envenenado. O garoto alegou que já tomara café, mas o pai insistiu:

"- Toma outra xícara, meia xícara só." "Ezequiel abriu a boca. Cheguei-lhe a xícara, tão

trêmulo que quase a entornei, mas disposto a fazê-la cair pela goela abaixo, caso o sabor lhe repugnasse, ou a temperatura, porque o café estava frio... Mas não sei que senti que me fez recuar. Pus a xícara em cima da mesa, e dei por mim a beijar doidamente a cabeça do menino.

"- Papai! papai! exclamava Ezequiel." "- Não, não, eu não sou teu pai!" Capítulo CXXXVIII Capitu que entra

Page 18: Dom casmurro

Obras Literárias − UFSC 2007

TODA A VERDADE - Capitu exigiu uma explicação para o choro de Bento. Alegava não ter ouvido as últimas palavras. Bento repetiu o que acabara de dizer a Ezequiel, e a reação de Capitu foi enorme.

"Grande foi a estupefação de Capitu, e não menor a

indignação que lhe sucedeu, tão naturais ambas que fariam duvidar as primeiras testemunhas de vista do nosso foro."

O RESTO - Capitu exigiu que Bento lhe contasse o

resto, ou seja, a causa verdadeira da desconfiança. Ou ele contava, ou a separação era inevitável. Bento aproveitou para garantir-lhe que queria separar-se, mas evitou os detalhes das suas desconfianças.

ATÉ OS MORTOS - Quando Capitu entendeu que o

motivo de tudo eram os ciúmes de Bento em relação a Escobar, desabafou:

"- Pois até os defuntos! Nem os mortos escapam aos

seus ciúmes!" Depois de alguns instantes, ela concluiu: "- Sei a razão disto; é a casualidade da semelhança... A

vontade de Deus explicará tudo... Ri-se? É natural; apesar do seminário, não acredita em Deus; eu creio... Mas não falemos nisto; não nos fica bem dizer mais nada."

Capítulo CXXXIX A fotografia CONFISSÃO MUDA - Bento estava quase acreditando

em Capitu, quando entrou Ezequiel. Os dois olharam para o menino e para uma fotografia de Escobar. No entender de Bento, Capitu confessava ali o adultério. "De boca, porém, não confessou nada".

Capítulo CXL Volta da igreja DESISTINDO DE MORRER - Bento desistiu de morrer.

"A morte era uma solução; eu acabava de achar outra, tanto melhor quanto que não era definitiva, e deixava a porta aberta à reparação, se devesse havê-la."

PROPOSTA - Talvez apostando na fraqueza de Bento,

Capitu, ao voltar da igreja, disse-lhe que a separação dos dois era inevitável. Bento disse que ia pensar e que tudo se faria conforme ele decidisse. Seria a atitude de um novo homem?

Capítulo CXLI A solução PASSEIO PELA EUROPA - "Aqui está o que fizemos.

Pegamos em nós e fomos para a Europa, não passear, nem ver nada, novo nem velho; paramos na Suíça. Uma professora do Rio Grande, que foi conosco, ficou de companhia a Capitu, ensinando a língua materna a Ezequiel, que aprenderia o resto nas escolas do país. Assim regulada a vida, tornei ao Brasil."

CORRESPONDÊNCIA - Alguns meses depois, Capitu

começou a mandar cartas para Bento. Ele as respondia com brevidade e sequidão.

VIAGENS INVENTADAS - Um ano depois, Bento

embarcou com a desculpa de que ia ver Capitu e Ezequiel.

"Não a procurei, e repeti a viagem com o mesmo resultado. Na volta, os que se lembravam dela, queriam notícias, e eu dava-lhas, como se acabasse de viver com ela; naturalmente as viagens eram feitas com o intuito de simular isto mesmo, e enganar a opinião. Um dia, finalmente..."

Capítulo CXLII Uma santa MORTE DE DONA GLÓRIA - Dona Glória morreu

primeiro que José Dias. Na sepultura sem nome Bento mandou fazer a inscrição "Uma santa", não sem a natural resistência do padre. José Dias queria que a inscrição fosse "Santíssima".

Capítulo CXLIII O último superlativo MORTE DE JOSÉ DIAS - Com a morte de D. Glória,

José Dias passou a morar com Bento. "Posto que minha mãe lhe deixasse uma pequena lembrança, veio dizer-me que, com legado ou sem ele, não se separaria de mim." A doença foi rápida. "Morreu sereno, após uma agonia curta. Pouco antes ouviu que o céu estava lindo, e pediu que abríssemos a janela. (...) José Dias soergueu-se e olhou para fora; após alguns instantes, deixou cair a cabeça, murmurando: Lindíssimo! Foi a última palavra que proferiu neste mundo. Pobre José Dias! Por que hei de negar que chorei por ele?"

Capítulo CXLIV Uma pergunta tardia CASA DEMOLIDA - Bento tenta responder à seguinte

pergunta: por que não foi morar na antiga casa de Mata-cavalos se mandou construir outra igualzinha no Engenho Novo? E a resposta: depois da marte de D. Glória, o narrador foi visitar a casa, e ela a desconheceu, ou seja, tudo ali lhe era estranho. Deixou que a demolissem.

Capítulo CXLV O regresso VISITA DE EZEQUIEL - Um dia, já na casa nova, antes

do almoço, Bento recebeu do criado um cartão. Era de Ezequiel. "Não fui logo, logo; fi-lo esperar uns dez ou quinze minutos na sala. Só depois é que me lembrou que cumpria ter certo alvoroço e correr, abraçá-lo, falar-lhe na mãe. A mãe, - creio que ainda não disse que estava morta e enterrada. Estava; lá repousa na velha Suíça. Acabei de vestir-me às pressas. Quando saí do quarto, tomei ares de pai, um pai entre manso e crespo, metade Dom Casmurro."

COMPARAÇÃO COM ESCOBAR - "Ezequiel era nem

mais nem menos o meu antigo e jovem companheiro do seminário de S. José, um pouco mais baixo, menos cheio de corpo e, salvo as cores, que eram vivas, o mesmo rosto do meu amigo. Trajava à moderna, naturalmente, e as maneiras eram diferentes, mas o aspecto geral reproduzia a pessoa morta. Era o próprio, o exato, o verdadeiro Escobar. Era o meu comborço; era o filho de seu pai. Vestia de luto pela mãe; eu também estava de preto."

MAIS SEMELHANÇAS - "A voz era a mesma de

Escobar, o sotaque era afrancesado." (...) "O meu colega do seminário ia ressurgindo cada vez mais do cemitério. Ei-lo aqui, diante de mim, com igual riso e maior respeito; total, o mesmo obséquio e a mesma graça. Ansiava por ver-me. A mãe falava muito em mim, louvando-me

Page 19: Dom casmurro

Obras Literárias − UFSC 2007 extraordinariamente, como o homem mais puro do mundo, o mais digno de ser querido."

CABEÇA ARITMÉTICA DO PAI - Durante o almoço,

Bento notou que Ezequiel, enquanto falava de antiguidades - era apaixonado por arqueologia - não se perdia nos números. "Tinha a cabeça aritmética do pai. Eu, posto que a idéia da paternidade do outro me estivesse já familiar, não gostava da ressurreição. Às vezes, fechava os olhos para não ver gestos nem nada, mas o diabrete falava e ria, e o defunto falava e ria por ele."

MORTE DE PRIMA JUSTINA - Antes de morrer, prima

Justina, que estava enferma, queria ver Ezequiel. Temendo que a pressa de vê-lo era para fazer comparações, Bento evitou o encontro dos dois. "A morte levou-a dentro de poucos dias."

VIAGEM À GRÉCIA - "Ao cabo de seis meses,

Ezequiel falou-me em uma viagem à Grécia, ao Egito, e à Palestina, viagem científica, promessa feita a alguns amigos."

Capítulo CXLVI Não houve lepra MORTE DE EZEQUIEL - "Onze meses depois,

Ezequiel morreu de uma febre tifóide, e foi enterrado nas imediações de Jerusalém, onde os dous amigos da universidade lhe levantaram um túmulo com esta inscrição, tirada do profeta Ezequiel, em grego: "Tu eras perfeito nos teus caminhos." Mandaram-me ambos os textos, grego e latino, o desenho da sepultura, a conta das despesas e o resto do dinheiro que ele levava; pagaria o triplo para não tornar a vê-lo."

Capítulo CXLVII A exposição retrospectiva OUTRAS MULHERES - O narrador confessa que a

decepção amorosa não o levou à abstinência sexual. "Vivi o melhor que pude sem me faltarem amigas que me consolassem da primeira. Caprichos de pouca dura, é verdade. Elas é que me deixavam como pessoas que assistem a uma exposição retrospectiva, e, ou se fartam de vê-la, ou a luz da sala esmorece."

Capítulo CXLVIII Bem, e o resto? ETERNA CAPITU - "Agora, por que é que nenhuma

dessas caprichosas me fez esquecer a primeira amada do meu coração? Talvez porque nenhuma tinha os olhos de ressaca, nem os de cigana oblíqua e dissimulada."

PERDÃO - "E bem, qualquer que seja a solução, uma

coisa fica, e é a suma das sumas, ou o resto dos restos, a saber, que a minha primeira amiga e o meu maior amigo, tão extremosos ambos e tão queridos também, quis o destino que acabassem juntando-se e enganando-me... A terra lhes seja leve!"