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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
AVM – FACULDADE INTEGRADA
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
OS POR QUÊS DOS CONFLITOS
Maria Isabel Cinelli do Amaral
ORIENTADOR: Prof. William Rocha
Rio de Janeiro 2016
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
AVM – FACULDADE INTEGRADA
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
Apresentação de monografia à AVM Faculdade Integrada como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Mediação de Conflitos com ênfase em Família.
OS POR QUÊS DOS CONFLITOS
Rio de Janeiro 2016
3
AGRADECIMENTOS
À turma de Pós-Graduação Lato Sensu Mediação
de Conflitos que ingressaram na minha vida de
uma forma sorrateira para nunca mais sair.
4
DEDICATÓRIA
Aos meus filhos, Joana e Bruno, que foram
sempre meus maiores incentivadores para a
realização desse curso.
5
RESUMO
Esse trabalho foi desenvolvido para trazer reflexões acerca da
natural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente
quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada na dinâmica que é a
própria vida.
Dentro desta dificuldade humana em lidar com a mudança, surgem
os conflitos intersubjetivos a dar vida à necessidade de sublimação do ser. Por
isso, são demonstradas as corriqueiras formas de ação e reação do homem na
sua tendência a guerrear com si próprio em função da sua própria dificuldade
em dialogar em momentos de pressão e cobrança durante a sua vivência com
os demais.
Neste pano de fundo, entram em atuação diversas
técnicas/ferramentas da Mediação Transformativa a dar-nos habilidades ao
trato, sobretudo entre casais que constroem pela repetição padrões
disfuncionais no âmbito do sistema familiar que compõem, chamando para eles
a metodologia autocompositiva da mediação de conflitos com ênfase em
família como resposta e possibilidade a dar Luz para o fim de ilusória
incapacidade, sofrimento e angústias.
6
METODOLOGIA
Para a presente monografia foi necessária pesquisa bibliográfica
mais diversificada, que leva o leitor não só ao problema proposto, mas também
a questionamentos pessoais e, aos conseqüentes ensinamentos
oportunamente expostos como resposta sobre conflitos humanos, algo tão
vivencial, real na vida de todas as pessoas, extremamente complexo e que
sobretudo, afeta muito qualquer indivíduo.
Foram pelas razões acima expostas que, em prol do
aprofundamento do objeto deste estudo, foram consultados livros diretamente
relacionados com conteúdo da mediação de conflitos com ênfase nas
controvérsias familiares, tais como manuais de metodologia autocompositiva da
mediação ou sobre o perfil criativo de um facilitador que se coloca como um
grande agente de mudanças neste contexto, o que conduziu à utilização de
obras de outra natureza que possuíram o foco além das relações familiares
como por exemplo, a Teoria do Conflito e sobre a arte da guerra, capacidade
que todo ser humano, de forma direta ou indireta, se predispõe.
Por isso, como citado acima, indispensável se fez a inclusão de
demais conteúdos, tais como o domínio da arte de guerrear para vencer o
adversário, de se ter o conhecimento sobre o bom conflito e a potência de
transformação que os mesmos propõem para a vida de qualquer indivíduo, de
se dispensar o cuidado numa construção de diálogo como liga ou ingrediente
essenciais de interconexão entre as pessoas, a compreensão sobre a
correspondência entre a inteligência humana e o saber relacionar-se de forma
harmônica, sobre as habilidades essenciais do relacionamento e, finalmente,
sobre as boas perspectivas ofertadas pela Mediação Transformativa dentro
deste amplo contexto.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I
A Parceria da Mediação de Conflitos com as Controvérsias Humanas 11
CAPÍTULO II
Entendendo a Dinâmica dos Conflitos 28
CAPÍTULO III
O Modelo Transformativo 38
CONCLUSÃO 49
BIBLIOGRAFIA 51
ÍNDICE 53
8
INTRODUÇÃO
Por quê os indivíduos possuem tantas dificuldades de compreender-
se uns aos outros e de relacionar-se absolutamente livres de conflitos? Por
quê o homem sofre tanto em suas relações durante o transcorrer de sua vida,
em interação com os demais? Qual a real essência e função do conflito na
vida do homem? O indivíduo realmente necessita passar por sofrimentos para
obtenção de aprendizado ou amadurecimento pessoal? Como pode a
mediação de conflitos com ênfase em família proporcionar uma melhor
elaboração nas relações entre indivíduos que formam um núcleo tão íntimo
como é a célula da família?
O trabalho pretende, antes de tudo, uma tradução da essência
humana no tocante à sua gerência e administração dos conflitos que vivencia
nas suas múltiplas relações travadas com os demais, entendido o conflito não
só como barreira mas, sobretudo, como um elemento inevitável na vida de
qualquer pessoa, o que se apresenta, desde logo, como uma das maiores
razões filosóficas a justificar a relevância social desta pesquisa.
Qualquer pessoa que faz reflexão e procura autoconhecimento
como indivíduo que almeja a liberdade já se interrogou sobre como ocorreu,
por quê e qual foi sua parcela de colaboração à formação do conflito por que
passa ou que já vivenciou, ou se ele próprio, como sujeito, teria tido condições
para trilhar outro caminho que evitasse determinada problemática.
Essas considerações já tecidas por todos, pelo menos uma vez na
sua existência, de um jeito ou de outro, e de uma maneira individual, é o que se
pretende apresentar como objeto, de relevância social, que merece estudo
nesta monografia, de maneira pontual, nos Capítulos I e II.
Neste sentido, a pesquisa apresenta outros dois pontos de relevo à
análise, considerados condutores ao amadurecimento do homem, quais sejam,
a compreensão pela Teoria do Conflito, no Capítulo II, sobre as controvérsias
humanas como elemento-parte na vida de uma pessoa e, como o Modelo de
9
Mediação Transformativa pretende dar cabo ao quadrinômio conflito-
sofrimento-amadurecimento-aprendizado, vivido e sentido, pessoal e
subjetivamente, de forma ininterrupta pela pessoa por se constituir num ser
vivente, dinâmico, capaz de transformar-se perante e em função de suas
relações com os outros, conteúdo esse que fará parte do Capítulo III.
Neste passo, se tem como objetivo investigar sobre a natureza
humana mas sobretudo, pesquisar a maneira como o indivíduo está
relacionado com o conflito, este último indicado como um elemento
constantemente presente na vida do homem tendo em vista os seus
sofrimentos intrínsecos e o dinamismo social que vivencia, já que o conflito é
entendido também como ingrediente construído por ele próprio e, assim,
considerado forte elemento de interferência abrangente nas relações que trava
no trabalho, na família, na comunidade.
Analisar o papel dos conflitos na vida do homem pela perspectiva do
quadrinômio conflito-sofrimento-amadurecimento-aprendizado pode ser
considerado um objetivo específico no contexto desta pesquisa, sem prejuízo
da investigação de como a Teoria do Conflito pode ajudar na compreensão
desta perspectiva.
Tudo o que foi exposto justifica-se no entendimento de que o conflito
pode ser encarado como um fenômeno social não só absolutamente natural,
mas como um real componente vivo ou, como produto das relações
interpessoais e, principalmente, das relações familiares, intensamente
subjetivas e muito íntimas, o que confere aos conflitos familiares um
protagonismo e atributo de puro elemento potencializador das transformações
operadas no ser.
Durante o desenvolvimento desta pesquisa, a assimilação e o
aproveitamento do conteúdo teórico-filosófico da Teoria do Conflito podem ser
considerados direcionamentos fundamentais e suficientes a constatar e
confirmar a hipótese ora apresentada por servir a mencionada teoria na
compreensão sobre esse fundamental papel fenomenológico dos conflitos por
concederem novas versões à personalidade, aos traços particulares do
10
indivíduo já que todo homem é um ser social, político, que se coloca, até em
nível subconsciente, em desafios permanentes e em estado de sublimação de
seu ser durante sua vivência e interação com a sociedade no qual está
inserido.
Tendo me vista o conflito estar sendo apontado na presente
pesquisa como um elemento que não só gera sofrimento aos indivíduos, mas
que também pode conduzir ao seu amadurecimento, a presente pesquisa vai
propor delimitar o seu estudo sobre os conflitos interpessoais familiares no
âmbito da Mediação de Conflitos de Família no Modelo Transformativo, que
propõe dinâmicas terapêuticas que oxigenam a célula familiar que, vivenciando
uma fase disfuncional, se reorganiza, podendo trazer significativas mudanças
na vida de cada membro de um núcleo familiar. A partir desta delimitação, o
estudo pretende dar cabo às reflexões sobre as possibilidades de gerência e
administração não só dos conflitos familiares, mas da própria capacidade de
sublimação do ser durante a sua vivência social e familiar.
11
CAPÍTULO I
A PARCERIA DA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS COM AS
CONTROVÉRSIAS HUMANAS
Para o devido start desta pesquisa, inicialmente se deve ter em
conta que todo indivíduo quer ser considerado livre, independente, autônomo e,
legítimo com relação à sua natureza perante aos demais. Saber disso do ponto
de vista conceitual representa a vontade de todos, pois, quem não quer ser
respeitado em suas próprias características e personalidade? A resposta
positiva para essa indagação não evita o conflito que as diferenças de
personalidade entre as pessoas sugerem. Isso porque saber que um indivíduo
é bem distinto do outro é um entendimento geral e bastante notório, mas lograr
êxito num convívio harmônico e saudável com essas diferenças já é um outro
nível de entendimento e de sublimação a ser alcançado por cada um.1
Uma das mais importantes reflexões que se deve constar também
do início desta monografia é que os relacionamentos construídos pelas
pessoas assumem as características que lhes são atribuídas e que são
sustentadas com as emoções que lhes basearam.2
Isso quer dizer que, se o indivíduo, de fato, quiser sustentar um
relacionamento saudável, terá que ser capaz de geri-lo com mais efetividade e,
se o seu objetivo for o de melhorar a sua convivência social, na família ou no
trabalho, terá que compreender que lidar com os outros é tão difícil quanto lidar
consigo próprio, pois melhorar seus relacionamentos representa, sobretudo,
sublimar-se em suas dificuldades próprias, driblar suas fragilidades, o que
demandará, naturalmente, o autoconhecimento e a libertação de suas
sombras, do domínio que os estados de comportamento exercem sobre si
próprio.3
1 REIS, Homero. Gente inteligente sabe se relacionar. Brasília: Thesaurus, 2015, p. 61 2 REIS, Homero. Op. Cit., p. 63 3 REIS, Homero. Op. Cit., p. 63
12
A mediação de conflitos, com sua metodologia autocompositiva,
forma uma parceria assertiva com ambos os disputantes ao possibilitar novas
elaborações por meio da análise do conflito construído entre os mediados a
partir da identificação das emoções das partes e, principalmente, pela
constatação das dificuldades das partes em falar sobre os incômodos gerados
pelas emoções vivenciadas na mesa de negociação.4
Quando o mediador experiente nota a linguagem corporal que os
mediados apresentam, com os braços cruzados muito cerrados próximos ao
corpo e calados mediante uma situação que lhes incomoda, toma ciência da
imediata alteração de seus padrões emocionais, o que, dependendo da
intensidade do incômodo, foi a grande causa da inviabilidade do
relacionamento harmonioso entre eles.5
Identificado o incômodo pelo facilitador da metodologia
autocompositiva, para fazer ressurgir a estabilidade emocional das partes o
mediador treina o desenho de uma conversa efetiva entre ambos entendidos
como os causadores do incômodo compartilhado, concedendo-lhes o exemplo
da escuta ativa que é posta à disposição dos mesmos. Desta forma, é
garantida a proximidade entre as partes, considerando que as diferenças entre
as pessoas podem ser fonte de grande aprendizagem.6
Isso porque a tendência normal é o afastamento ou, ainda, a ruptura.
Pessoas inábeis na gestão de relacionamentos optam por romper, se afastar,
minimizar o problema ou ignorá-lo. Feito isso, a possibilidade de reconstrução
fica bem mais distante.7
Contudo, vencer essa tendência é adquirir uma competência na
gestão de relacionamentos que, cada vez mais, têm se tornado rara e, aqueles
que a têm, são considerados privilegiados por terem mais chances de tomarem
4 REIS, Homero. Op. Cit., p. 64. 5 REIS, Homero. Op. Cit., p. 64. 6 REIS, Homero. Op. Cit., p. 64. 7 REIS, Homero. Op. Cit., p. 64.
13
para si a riqueza das diferenças que compõem determinado grupo de pessoas
que se interrelacionam.8
Por isso o papel tão importante que é desempenhado pelo mediador
de conflitos, porque é um real agente de mudanças que lança perguntas e
reflexões sobre tudo o que diga respeito ao conflito e sobre o que incomoda as
partes, descobre o fator gerador dos incômodos e sofrimentos para com os
mediados exercitar a conversa efetiva, o que torna as relações interpessoais
menos conflitivas.9
Isso deve ser feito em todos os domínios da vida. Para todo
incômodo há sempre uma conversa possível que deve ser tida para tornar mais
efetivos os relacionamentos. Conversar, esse é o segredo dos bons
relacionamentos, mesmo porque haverá um tempo que conversar será a única
coisa que nos restará fazer.10 Por isso, acredita-se que a mediação de conflitos
será a melhor parceira das controvérsias humanas.
Uma boa maneira de começar a analisar uma situação de conflito é
identificar as variáveis, nelas existe uma possibilidade real de mudança ou
ajuste. Quando se é uma das partes do conflito, às vezes, se consegue
enxergar essas áreas mas, em outras ocasiões, naturalmente, apenas algumas
em função do envolvimento emocional.11
Alguns elementos do conflito são fáceis de serem mudados pelo
indivíduo, a saber, seus próprios pensamentos, sentimentos, emoções e
reações, pois é quem os vivencia por encontrar-se diretamente envolvido com
o conflito. Existem certos passos assertivos que o indivíduo poderá dar quando
estiver diretamente ligado a uma relação conflituosa mas sobretudo, quando
estiver na qualidade de participante da metodologia autocompositiva da
8 REIS, Homero. Op. Cit., p. 64. 9 REIS, Homero. Op. Cit., p. 64. 10 REIS, Homero. Op. Cit., p. 64. 11 CARNEGIE, Dale Training. As cinco habilidades essenciais do relacionamento: como se expressar, ouvir os outros e resolver conflitos. - Tradução por Emirson Justino. - São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2011, pg. 277.
14
mediação de conflitos.12 É justamente esse ponto que deverá ser explorado
nos próximos Itens 1.1 e 1.2 da pesquisa.
Isso porque com a ajuda do facilitador, o mediado empodera-se
através da articulação de técnicas e/ou ferramentas comunicacionais e
deliberativo-dialógicas aplicadas pelo mediador, nascidas num contexto
multidisciplinar que é o da mediação de conflitos. Ou seja, o mediado poderá
exercer influência positiva na relação intersubjetiva desenvolvida com o outro
mesmo que a outra parte do conflito pareça estar totalmente indisposta à
mudança. Isso passa a ser possível pela demonstração de uma postura de
flexibilidade por parte do mediado que está pré-disposto, que irá desenvolver o
diálogo produtivo como opção à assertividade, em detrimento da agressividade
ou da passividade.13
1.1. Falando do que é normal: a construção do conflito por
ambos os disputantes e, como desconstruir a situação
controvertida.
Falando do que é absolutamente normal quando um adulto se
encontra numa situação conflituosa, podem ser facilmente constatadas
posturas e/ou comportamentos comuns praticadas até pelas crianças, tais
como, o falar palavras feias ao outro e em voz alta, o apontar o dedo em
direção à outra pessoa, tentativa de apresentação de si próprio como
totalmente inocente à custa da outra parte, táticas que só aumentam a
autojustificação e a postura defensiva.14
Portanto, quando o assunto é sobre passos assertivos os quais a
parte pode dar à boa vivência cotidiana e à desconstrução do conflito, ela
deverá organizar a sua fala, relativa ao seu próprio comportamento sempre em
12 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 277. 13 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 278. 14 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 281.
15
primeira pessoa, em vez de falar sobre o comportamento dos outros mantendo
o discurso em terceira pessoa.15
Outra postura que se deve exercitar é a troca da fala e do foco sobre
o passado e se enfatizar a contribuição que pode ser feita ao presente e ao
futuro caso o conflito chegue a um fim satisfatório. Esse é o verdadeiro trunfo
que pode mostrar que o atendimento das necessidades de si próprio também
pode levar em conta o que importa ao outro e, assim, também incluir os
melhores interesses de todos.16
Outra postura positiva que pode ser exercitada pela parte é deixar
entender que as necessidades do outro poderão ser atendidas com a
contribuição dela e que esse ponto está fazendo parte, inclusive da sua meta.
O que somente se espera é o reforço de um diálogo cuidadoso a possibilitar
esse resultado e, a colaboração entre ambos é que deve ser o foco.17
Ainda sobre o assunto relativo ao passado, as partes envolvidas
num embate devem evitar usar certas palavras ou frases com conotação
negativa, que tendem a perpetuar problemas em andamento arrastando-os
para a situação presente, pois assim se reforça uma possível escalada do
conflito. Por isso deve ser evitada a utilização de descrições ou generalizações
negativas porque tendem a autorrealizar-se. Ou seja, na tentativa de resolver
um conflito é muito melhor perceber quaisquer mudanças positivas, por
menores que sejam, e reforçá-las do que se focar no negativo. Esse princípio é
assertivo e extremamente eficiente para a desconstrução de uma
controvérsia.18
A parte que já obteve algumas vitórias anteriores no âmbito do
panorama cíclico da situação controvertida deverá ser, na ocasião de sua
vitória, graciosa ao final da fase instaurada porque, quase com certeza, poderá
arrepender-se de seu comportamento. Afinal de contas, o propósito da
resolução assertiva de conflitos não é dizer "venci", mas ao contrário, poder
15 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 281. 16 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 282. 17 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 282 18 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., pp. 282/283.
16
festejar uma vitória conjunta, o que atrai o espírito de colaboração. Desta
forma, se dará um enorme passo no tocante ao domínio das habilidades
interpessoais e, não simplesmente, o domínio das pessoas. Isso porque se não
for permitida uma retirada honrosa ao indivíduo que fracassou em algum
sentido, certamente o conflito recomeçará no futuro.19
Finalmente, e talvez de tanta significância quanto os passos
assertivos anteriores sobre comunicação que constituíram pontos sobre o que
se pode dizer à uma solução de conflitos, é o foco na execução da linguagem
corporal. Na verdade, 90% das interações humanas acontecem por meio da
comunicação não verbal. Isso inclui expressões faciais, gestos, que formam a
linguagem corporal como um todo. Também pode incluir as roupas que você
escolhe, o que pede no almoço ou se chega cedo ou tarde numa reunião.20
As pessoas tendem a reagir mais àquilo que pensam que alguém
disse do que àquilo que a pessoa quis dizer ou de fato disse e, isso é
especialmente verdadeiro em situações de conflito. Por isso deve-se fazer uma
leitura aguçada dos sinais não verbais apresentados.21
O poder da linguagem corporal é tão forte que pode criar confiança
ou exterminá-la quase que instantaneamente e, sendo assim, a boa leitura e as
representações formadoras da comunicação não verbal podem ser
consideradas uma habilidade crítica eficiente para a resolução de conflitos.22
No nível mais óbvio, linguagem corporal positiva significa sorrir, fazer
contato visual, colocar-se nem tão perto e nem tão longe da outra pessoa,
realizar espelhamento sutil através da reprodução das posturas, gestos e do
tom de voz da outra parte, tudo o que pode enquadrar-se no sentido
comportamental para que o cérebro do receptor dos sinais corporais os receba
como fatores tranquilizadores.23
19 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 284. 20 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 284. 21 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 285. 22 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 285. 23 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 285.
17
A mensagem que a linguagem corporal espelhada irá sugerir ao
receptor é a de que o emissor pertence ao seu grupo porque se identificará
com ele e se sentirá pertencente a um meio no qual as pessoas lhe são
confiáveis, já que lhe são iguais e, familiarizadas consigo próprio. Desta forma,
o emissor destas mensagens não verbais poderá até assumir a liderança da
situação, o que impede a cristalização do conflito ou, até mesmo, se possibilita
a solução da controvérsia, se já instaurada.24
O propósito de espelhar o outro é tranqüilizá-lo, durante a sua
qualidade de receptor, pela captação do significado de suas próprias ações.
Contudo, o emissor mantém sua observação despercebida, dentro da sutil
sincronização que reproduz neste contexto de leve interação. Não se pode
olvidar de que palavras e tom de voz devem estar compatíveis com os do
receptor. Se a pessoa estiver falando de maneira mais suave ou mais enfática,
é assim que deve ser reproduzida a fala do emissor.25
A avaliação da atmosfera e do espírito da interação também são
fontes ricas à adaptação eficiente da energia e estado emocional da outra
pessoa. Por isso, ações espelhadas só podem ser reproduzidas quando
executadas pelo observado, tais como, se levantar, caminhar ou, sentar-se. Ou
seja, serão necessárias sutis adaptações, de forma gradual, das posições
executadas pelo observado para que sejam reemitidas a ele de modo que elas
combinem ou espelhem a sua pessoa, sem que isso fique obvio.26
A resolução assertiva de conflitos deve contagiar os indivíduos
positivamente. Pessoas sempre são influenciadas por energia positiva. Por
mais difícil que possa ser, a resolução assertiva de conflitos significa sorrir e
aparentar confiança não importa o que aconteça. O bom humor deve ser um
ingrediente presente no trato entre emissor e receptor do diálogo e da
interação.27
24 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 285. 25 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., pp. 285/286. 26 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 286. 27 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 287.
18
Além de tudo, qualquer pessoa, para uma boa interação, pode
realizar o espelhamento vestindo-se adequadamente à reunião na qual se
discutirão as questões concernentes ao conflito. Vestindo-se da maneira que a
situação exige.28
A seguir, deve-se valorizar e dispensar atenção especial ao aperto
de mãos. Esse é um gesto consagrado pelo tempo que tem profunda
ressonância na cultura, especialmente na resolução de conflitos. A intenção
original do aperto de mãos firme é um sinal especialmente assertivo, um gesto
significativo a dizer sobre a colaboração que gerou acordo e que resolveu o
conflito.29
Por fim, compreendendo que a resolução de conflitos está baseada
fundamentalmente na intenção, todo indivíduo deve se lapidar internamente
para fazer cessar a briga e, do mesmo modo, deve estar alerta aos sinais da
outra parte de que ela está pronta para seguir na direção da solução da
controvérsia, nesta parceria.30
1.2. Metodologia da mediação de conflitos: qual é o seu
trabalho?
O Item anterior tratou de fazer colocações sobre a assertividade,
que possui o foco na desconstrução dos conflitos por quaisquer pessoas que
estejam na postura positiva de desconstruir uma controvérsia e que, portanto,
está imbuída em como se expressar bem, ouvir com atenção o outro para
chegar ao passo da resolução de um impasse. Contudo, esse Item 1.2 tratará,
então, das colocações sobre a metodologia autocompositiva da mediação de
conflitos, o seu trabalho e sobretudo, em como se dá a participação do
mediador nesta seara.
28 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 287. 29 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 287. 30 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 288.
19
A mediação, como proposta, é um meio de solução de controvérsias
dirigido por um facilitador, que se coloca na qualidade de condutor imparcial e
neutro, num contexto de sigilo, para auxiliar as partes a restabelecerem,
conjuntamente, um diálogo produtivo com o foco nos reais interesses dos
mediados por meio de técnicas/ferramentas à criação de opções, até a escolha
da melhor, pelas próprias partes diretamente envolvidas com o conflito para
que cheguem à solução do problema, o que assim conduz no maior
comprometimento pelas mesmas com a solução que criaram para si próprias31.
Sendo assim, o mediador como terceiro imparcial deverá buscar a
reconstrução da comunicação entre os mediados e, destrinchar as
características do conflito instaurado estimulando a negociação num contexto
cooperativo para possibilitar a coconstrução autocompositiva pelas próprias
partes.32
Aprofundando nesta análise, a mediação de conflitos é um processo
cooperativo que se desenvolve por meio de uma metodologia estruturada na
oralidade, que também inclui o trabalho com as emoções, dificuldades, de
comunicação e a necessidade de equilíbrio e respeito dos participantes e que
pode resultar num entendimento viável para todos os mediados envolvidos,
fruto do comprometimento e, sobretudo da participação dos mesmos com a
solução alcançada.33
Com isso, exige-se que os mediados sejam plenamente capazes de
decidir e, que estejam imbuídos nesta tarefa. Por essa razão, a mediação por
meio de sua metodologia autocompositiva, é pautada na autonomia das partes
e sobretudo, na livre manifestação da vontade dos mediados, para o trabalho
no contexto da boa-fé, na livre seleção do mediador por ambos, no trato
31 LUCHIARI, Valeria Ferioli Lagrasta. Mediação Judicial: análise da realidade brasileira: origem e evolução até a Resolução n. 125, do Conselho Nacional de Justiça. - Coordenadores Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe. - Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 14. 32 LUCHIARI, Valeria Ferioli Lagrasta. Op. Cit., página 14. 33 LUCHIARI, Valeria Ferioli Lagrasta. Op. Cit., página 14.
20
respeitoso e cooperativo durante o transcorrer da metodologia para o foco no
tratamento do conflito, num ambiente acolhedor e confidencial.34
Para que seja possível a ambientação e conversão da mediação em
um ambiente além de acolhedor, também confidencial necessário se faz para a
discussão a pressuposição de que todas as suas questões que foram
remetidas devam ser discutidas ou ventiladas tão somente durante a sessão de
mediação, na presença de ambos os mediados e que estejam, principalmente,
cobertas pelo sigilo, que deve compreender o do mediador e, inclusive, o sigilo
das partes.35
Em princípio, a mediação de conflitos é uma metodologia adequada
à solução de conflitos interpessoais e, para relações de cunho continuado que
sofreram desgastes por falta de diálogo ou de comunicação produtiva, o que
pode conduzir a um ótimo efeito que represente a participação das partes na
mesma, ainda que sem o alcance de um termo de entendimento por ambas,
pois já terão obtido a excelente oportunidade de esclarecimento do conflito por
si próprias, obtido o aprendizado e o treino do diálogo respeitoso e produtivo
justamente por estarem num ambiente com um novo contexto, muito mais leve
e cooperativo.36
Isso porque o verdadeiro objetivo que deve ser concretizado pelo
mediador em sua prática e, na qualidade de facilitador e comunicador é
restabelecer o diálogo entre as partes para implementação do relacionamento
interpessoal de ambas, mas sempre por si próprias para que alcancem, juntas,
as soluções de seus impasses. Sendo assim, a tarefa do mediador excede o
foco num eventual acordo.37
Por isso, a mediação não ser procurada tão somente para o alcance
de uma autocomposição. Isso porque a mediação visa, em última análise, a
pacificação dos indivíduos que demandam o alcance de um consenso ou até
34 LUCHIARI, Valeria Ferioli Lagrasta. Op. Cit., página 14. 35 LUCHIARI, Valeria Ferioli Lagrasta. Op. Cit., página 14. 36 LUCHIARI, Valeria Ferioli Lagrasta. Op. Cit., página 14. 37 LUCHIARI, Valeria Ferioli Lagrasta. Op. Cit., página 14.
21
mesmo de uma reflexão conjunta sobre um determinado assunto. As suas
ferramentas e recursos técnicos poderão ser utilizados como estratégia
preventiva, dentro deste contexto propício à colaboração recíproca, evitando-se
além de uma escalada do conflito, a sua cristalização na conversão a uma
controvérsia instaurada ou na quebra da relação entre as partes.38
Neste passo, a concepção da mediação de conflitos insere-se num
contexto interdisciplinar e, assim, representa uma fusão de teorias e práticas
oriundas de diversas disciplinas, tais como da psicologia, do direito, da
assistência social, da semiótica, da matemática, da antropologia, da sociologia,
uma influência do campo das ciências humanas e sociais para potencializar
positivamente as relações humanas.39
No tocante à mediação de conflitos com relação ao papel judiciário
na seara da resolução de controvérsias, a metodologia da mediação pode ser
vista como um dos vários modelos ou métodos chamados de alternativos para
trazer uma solução a um problema e, por isso, a mediação pode ser
considerada uma metodologia alternativa por se constituir em uma opção ao
sistema tradicional de justiça.40
Embora remontem a tempos antigos, após pesquisas nesta área, se
constatou que a mediação de conflitos recebeu uma nova edição por meio de
nova formatação teórico-prática, tendo sido adaptada para a realidade das
últimas décadas do Século XX, vez que a sua metodologia é milenar. O que é
mais surpreendente em seu estudo é a conclusão de que a sua metodologia,
até os dias de hoje, não se exauriu tampouco se esgotou e, assim, permanece
em aberta construção permitindo constante aperfeiçoamento sobretudo, a
direta influência de novos conhecimentos oriundos das ciências humanas,
sociais e, possibilitando a adição de conhecimentos de outras áreas do saber
humano, que ainda poderão vir a se consagrar.41
38 LUCHIARI, Valeria Ferioli Lagrasta. Op. Cit., página 14. 39 LUCHIARI, Valeria Ferioli Lagrasta. Op. Cit., página 14. 40 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. O que é mediação de conflitos. - São Paulo: Brasiliense, 2014, página 10 41 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit., página 10
22
No Brasil, apesar da franca utilização da mediação de conflitos na
modalidade judicial e incidental à ação judicial, conforme o estabelecido após o
advento do mais recente Diploma Processual Civil brasileiro de 2015, o Novo
CPC, a prática da sua metodologia autocompositiva na via extrajudicial ainda é
extremamente incipiente no país, embora esteja em avançado estágio de
desenvolvimento, principalmente e, até nos Estados Unidos da América, bem
como na Argentina, neste último país, a Mediação Pré-Processual exercitada
pelos Tribunais de Justiça argentinos.42
O método aqui abordado é fruto de uma tendência liberal em todo o
mundo, pois vários países, indistintamente e de modo muito peculiar,
perceberam as dificuldades do formalismo judicial estatal e sua pouca
aspiração diante do dinamismo exigido pelas diversas áreas do inter-
relacionamento afetivo, profissional ou comercial entre pessoas físicas e
jurídicas, e as consequentes dificuldades entre elas na gestão e na resolução
de conflitos de maneira rígida, eficaz e eficiente.43
A tendência liberal também pode ser correntemente constatada nas
novas configurações e/ou arranjos familiares no âmbito do direito de família,
área do direito que provoca, a partir desta tendência e de seus novos
paradigmas, uma dificuldade da sociedade em aceitar e, principalmente, em
lidar com eles, pelos próprios indivíduos da nova célula familiar, pela sociedade
e, pelos próprios operadores de direito em lidar com esses novos arranjos.
Há que se notar que essa tendência liberal mantém estreita relação
com a retirada cada vez maior do Estado nos assuntos de interesse dos
particulares, situando-se no bojo do reconhecimento da plenitude do cidadão
como objeto de deveres e direitos, que por si só pode melhor administrar,
transformar ou dissolver suas próprias pendências ou conflitos.44
Além disso, constatou-se também que as fórmulas tradicionais de
resolução de controvérsias, principalmente na área do direito de família que
42 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit., página 11. 43 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit., página 11. 44 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit., página 11.
23
sofreu muitas mudanças no âmbito liberal da sociedade contemporânea,
passaram a não mais satisfazer os usuários do sistema judiciário, também em
diversos outros contextos, cada vez mais envolvidos em conflitos de distintas
naturezas e formas, dada a complexidade das nuances e das numerosas inter-
relações existentes nos nossos tempos atuais.45
Por meio desse método autocompositivo pacífico tenta o facilitador
conhecer mais profundamente sobre a inter-relação de cunho continuado que
foi construída pelos mediados e, a partir desse conhecimento, se tenta
propiciar momentos de criatividade para que as partes possam analisar qual
seria a melhor opção do brainstorming produzido na mesa de negociação.46
Conforme citado por Christopher Moore, dentro deste entendimento,
o acordo pode ser fácil e flagrantemente visto como uma mera consequência
natural e lógica desta boa interação interpartes, resultante de um bom trabalho
de cooperação realizado ao longo de todo o procedimento de mediação. Ou
seja, o acordo não será contextualizado na mediação como sua premissa
básica nem ser o seu foco principal.47
Fundamental se faz a humildade do mediador quanto ao seu auxílio
como coordenador do procedimento, tão somente, uma vez que as partes são
os atores principais por serem os únicos a estarem envolvidos diretamente com
o conflito e, portanto, são os mais indicados a solucionar suas próprias
questões, pois sabem o que é o ideal para si mesmos, embora a perturbação
natural gerada pelo conflito seja o elemento dificultoso e que lhes retire o
equilíbrio necessário para colocarem em prática esse conhecimento.48
Essa é a mais bela e mais relevante peculiaridade do tratamento que
é dispensado pelo procedimento flexível da mediação de conflitos: a
humanização no cuidado com o ser humano em crise ou, numa vivência com o
conflito.
45 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit., página 11. 46 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit., página 22. 47 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit., página 22. 48 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit., pp. 22/23.
24
Também pode ser constatada a beleza da mediação de conflitos
através da rica existência de diversas abordagens e habilidades de intervenção
a intermediários que se especializaram em assistência à rede social49, por
exemplo, com autoridade e interesse investidos na metodologia
autocompositiva da mediação de conflitos, o que ocorre no atendimento de ex-
casal conjugal que segue num processo de divórcio colaborativo, durante o
transcorrer das Práticas Colaborativas, e que necessita, portanto, de um time
multidisciplinar parceiro composto por mediador, coaches (adultos), profissional
infantil (crianças) para trazer estrutura, numa ampla concepção, a este ex-casal
conjugal que sofre com a ruptura do casamento.
Mediante diversas experiências que se têm realizado com a
mediação, como ocorre nos Tribunais de Justiça brasileiros com a Mediação
Judicial Incidental e, conforme dito acima na parceria com as Práticas
Colaborativas para a realização de um divórcio extrajudicial colaborativo, pode
ser reconhecido o valor, as complexidades, as variações e a adaptação das
várias orientações, de acordo com a situação e o contexto nos quais a
metodologia autocompositiva da mediação de conflitos pode ser utilizada,
usufruída e elaborada.50
Portanto, seria muito difícil, se não impossível, traçar um plano que
abrangesse todos os tipos de mediadores e de mediação. Por isso, Christopher
Morre em sua obra ora citada nesta pesquisa se foca na descrição de
abordagem, de estratégias e de táticas dos mediadores independentes que
tendem para a extremidade do orquestrador, ou do mediador moderadamente
diretivo, no espectro do controle e que se concentra na resolução dos
problemas e também no relacionamento entre as partes.51
Durante o transcorrer da mediação, como durante uma negociação,
cada movimento ou ação que um negociador, por exemplo, realiza envolve
uma tomada de decisão racional em que as ações possíveis são avaliadas em
49 MOORE, Christopher W. O processo de mediação: estratégias práticas para a resolução de conflitos. - Tradução por Magda França Lopes. - 2ª ed. - Porto Alegre: Artmed, 1998, pg. 58. 50 MOORE, Christopher W. Op Cit., p. 58. 51 MOORE, Christopher W. Op Cit., pp. 58/59.
25
relação aos seguintes fatores: os movimentos das outras partes, seus padrões
de comportamento, seus estilos, as perceptividades e habilidades envolvidas,
as necessidades e preferências que surgem, a determinação dos envolvidos, a
quantidade de informações que o negociador possui sobre o conflito, os
atributos pessoais do negociador, os recursos disponíveis.52
Sendo assim, o trabalho da metodologia autocompositiva da
mediação poderá ser iniciado por meio do mediador, como realizam os
negociadores, através de movimentos. Para um mediador, um movimento é um
ato específico de intervenção caracterizado como uma técnica de influência,
sempre focalizada nas pessoas que participam da disputa.53
Conforme frisa Galtung na obra de Moore, livro que serve de
consulta à presente pesquisa, o mediador deverá possuir a sensibilidade na
seleção de ações a encorajar a escolha de ações positivas e a inibir a escolha
de ações negativas em relação às questões em conflito e que podem causar
um retrocesso no entendimento entre os participantes.54
Essa forma de proceder também é bastante ressaltada por Bonner
na mesma obra de Moore quando explica que o mediador, entendido como um
negociador especializado, normalmente não efetua mudanças diretas nos
disputantes ao iniciar os movimentos, como o fazem as próprias partes porque
ele atua como um catalisador. E isso é absolutamente compreendido por meio
do pensamento sistêmico, já que o facilitador se torna uma peça mobilizadora
do sistema familiar disfuncional para levantamento de questões que trarão
dinamização e, possível acomodação, pelos próprios mediados.55
A esta altura, nota-se que as mudanças implementadas numa
mediação de família, por exemplo, no contexto do pensamento sistêmico, são o
fruto da dinamização dirigida à disfuncionalidade do sistema familiar no qual se
encontram inseridos os mediados e, observando esse núcleo, o mediador,
52 MOORE, Christopher W. Op Cit., p. 59. 53 MOORE, Christopher W. Op Cit., p. 59. 54 MOORE, Christopher W. Op Cit., p. 59. 55 MOORE, Christopher W. Op Cit., p. 59.
26
compreendido como um mero interventor, implementará essas mudanças,
provenientes da atuação combinada desses movimentos implementados pelo
interventor (mediador) com as ações e respostas produzidas pelos
negociadores (ex-par conjugal).56
Os mediadores fazem dois tipos de intervenções em resposta a
situações críticas observadas por ele como interventor no contexto da
mediação sistêmica de família: movimentos ou atividades gerais ou não-
contingentes e, movimentos ou atividades contingentes, conforme Kochan e
Jick, na obra de Moore.57
Os movimentos não-contingentes são intervenções gerais que um
mediador inicia em praticamente todas as disputas. Estas atividades são
respostas às mais amplas categorias de situações críticas e correspondem aos
estágios da mediação. Elas estão ligadas ao padrão geral de desenvolvimento
e resolução de conflitos.58
Os movimentos não-contingentes permitem ao mediador ter acesso
à disputa, ajudar as partes a selecionar a abordagem e o local adequados à
solução da controvérsia, coletar dados e analisar o conflito, projetar um plano
de mediação, iniciar a conciliação, ajudar as partes a iniciar negociações
produtivas, identificar questões importantes e fazer uma agenda, identificar os
interesses subjacentes das partes, ajudar as partes a desenvolver opções de
resolução, ajudar a avaliar opções, promover a barganha final e a realização do
acordo, ajudar no desenvolvimento de um plano de implementação e
monitoramento.59
Estão relacionadas algumas atividades rotineiras dentro desta
categoria de movimentos não-contingentes as atividades para construir
credibilidade para o processo, para promover Rapport entre as partes e o
mediador e estruturar as questões de uma forma manejável, assim como para
56 MOORE, Christopher W. Op Cit., p. 59. 57 MOORE, Christopher W. Op Cit., p. 60. 58 MOORE, Christopher W. Op Cit., p. 60. 59 MOORE, Christopher W. Op Cit., p. 60.
27
desenvolver procedimentos à condução de avaliações sobre as opções de
acordo.60
Os movimentos contingentes são respostas aos problemas especiais
ou idiossincráticos que ocorrem em algumas negociações. As intervenções
para se lidar com raiva intensa, aspereza, negociações de má-fé, desconfiança
ou problemas de comunicação estão todas nesta categoria de intervenções
específicas. Exemplo desse tipo de intervenção é a condução das partes, na
qualidade de ex-casal conjugal, para atendimento apartado, em sessões
privadas junto ao mediador. Embora sejam comuns, ainda estão na categoria
de contingentes porque não ocorrem em todas as negociações tratadas pela
mediação de conflitos.61
60 MOORE, Christopher W. Op Cit., p. 60. 61 MOORE, Christopher W. Op Cit., p. 60.
28
CAPÍTULO II
ENTENDENDO A DINÂMICA DOS CONFLITOS
Todos os organismos vivos buscam o que se denomina homeostase
dinâmica, uma tendência considerada instintiva que é a preservação do
equilíbrio do seu próprio sistema. Ou seja, os organismos exercem em si
próprios uma autorregulação que alia a manutenção do estado em consonância
com o cumprimento do ciclo vital da sua evolução.62
A dinâmica da homeostase ou do equilíbrio é, paradoxalmente
contrária à dinâmica da própria evolução natural que se impõe a todos os seres
vivos. Em outras palavras, existe o desconforto do ser pela tendência natural à
permanência numa situação já conhecida pelo ser, mesmo que traga
transtornos, uma vez que se lançar ao desconhecido numa nova situação ainda
não vivenciada, passa a ser evitada, ignorada.63
Contudo, essa tendência ao comodismo e permanência num estado
estático interrompe o movimento contínuo e inevitável da evolução que se
impõe a todos os organismos vivos. A partir desta colisão gerada pela intenção
de segurança ao ponto de fazer resistência à natural dinâmica da evolução que
ruma ao desconhecido, já se constata um inevitável conflito, que passa a ser,
assim, inerente à própria vida de todo ser.64
Falar de conflito, então, é falar de vida. Ao longo de sua existência o
ser humano busca permanentemente satisfazer suas motivações e, para tanto,
estabelece relações afetivas, profissionais e comerciais com uma ou outra
pessoa, que encontram-se, muitas vezes, na mesma situação, isto é, buscam
também satisfazer suas motivações. Assim é que todo relacionamento contém,
implicitamente, um contrato psicológico, baseado nas expectativas tácitas,
62 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. O que é mediação de conflitos. - São Paulo:
Brasiliense, 2014, pg. 27. 63 64 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit, p. 27
29
conscientes e inconscientes que cada pessoa tem a respeito das outras nele
envolvidas.65
O contrato psicológico pode existir entre duas pessoas ou mais.
Logo, pode ser também coletivo, como nas equipes de trabalho em
organizações. Ele implica que cada pessoa, no desempenho de determinado
papel ou função, também tenha expectativas, explícitas ou implícitas, em
relação a uma série de coisas.66
O contexto do contrato psicológico, ocorrente na relação familiar,
gera expectativas quanto à fidelidade, respeito, compreensão, atenção, etc.67
Os conflitos, naturalmente, aumentam em complexidade ao longo da
vida e, entre outros, são decorrentes, como citado anteriormente, de relações
interpessoais efetuadas em contextos cada vez mais complexos, em
decorrência da ampliação da rede e da quantidade de relacionamentos fruto do
aumento de possibilidades de ofertas, em função da diversidade de situações,
em razão de crescente conscientização dos direitos individuais e coletivos
etc.68.
A violação nos contratos psicológicos constitui um conflito comum,
pois há de se lembrar que com o tempo ocorrem mudanças nas expectativas e
nos interesses das pessoas.69
A mudança é a causa-raiz de todos os conflitos, sejam familiares,
organizacionais, societários, comunitários, sejam comerciais, internacionais etc.
Quando algo ou alguém intervém em um sistema ou célula, que pode ser
desde um indivíduo até uma sociedade completa, surge uma mudança
sistêmica e, e, consequência, desata uma ação em cadeia que acaba por
gerar, eventualmente, um conflito de forma absolutamente imprevisível.70
65 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit, pp. 28 e 29. 66 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit, p. 29. 67 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit, p. 30. 68 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit, p. 30. 69 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit, p. 30. 70 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit, p. 30.
30
Desta forma, os elementos que podem constituir em mudanças
imprevistas e que podem, assim, ser considerados como grandes
potencializadores de conflitos são as relações interpessoais; os bens,
compreendendo patrimônio, direitos, haveres pessoais; poder, em suas
diferentes acepções; princípios, valores, crenças de qualquer natureza:
políticas, religiosas, científicas etc.71
Mudanças exercem seus efeitos na vida dos indivíduos. Ela afeta a
percepção do "eu" que cada indivíduo possui. Essa percepção é uma complexa
soma de elementos, como: corpo físico e fisiológico, afetos, relacionamentos,
propriedades materiais, valores morais e éticos, crenças, experiências,
identidade profissional, competências e habilidades etc.72
No que concerne ao conflito e comunicação, a comunicação nas
inter-relações reflete os mecanismos de pensamento envolvidos nos processos
de emissão e recepção dos estímulos verbais ou não-verbais, e encontra-se
diretamente associada às construções mentais advindas da experiência, dos
conceitos e preconceitos e das intenções dos envolvidos.73
Comunicação e emoção encontram-se intrinsecamente interligadas.
A emoção delimita, restringe ou amplia a intenção do comunicador e a
compreensão do receptor. Assim é que quando existe um conflito, seja ele
latente ou manifesto, o fluxo natural do diálogo é interrompido. Tal fato acarreta
falhas na comunicação, que muitas vezes resultam em interpretações
equivocadas ou intenções atribuídas que levam a uma escalada do conflito.74
A comunicação entre as partes é um elemento a ser
permanentemente entendido em uma perspectiva histórica entre elas. Além
disso, tudo e qualquer conflito envolve um elemento importante na vida das
pessoas, o poder. O poder de mudança. O poder de fazer as coisas evoluírem
71 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit, p. 31. 72 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit, p. 32. 73 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit, p. 32. 74 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit, p. 33.
31
sob sua própria ótica. O poder de influenciar as pessoas e o de ser influenciado
por elas.75
O homem é capaz de responder às ameaças simbólicas decorrentes
da interação social, e não apenas às ameaças concretas biológicas, como os
microrganismos, e/ou físicas e químicas, por exemplo. Assim, situações como
quebra de laços familiares e da estrutura social, privação de necessidades
básicas, obstáculos à realização pessoal, separação, perda do emprego,
viuvez, aposentadoria, dificuldades na equipe de trabalho e com o superior,
entre outras, são tão potencialmente danosas à pessoa quanto os fatores
concretos já citados.76
2.1. As contribuições acerca da Teoria do Conflito
Em regra, intuitivamente, se aborda o conflito como um fenômeno
negativo nas relações sociais por proporcionar perdas para, ao menos, uma
das partes envolvidas. Contudo, pela visão ampliada das práticas de resolução
de conflitos, poderia se sustentar que as controvérsias sempre consistem em
um fenômeno negativo nas relações humanas? Na área dos métodos
resolutivos de conflitos já é sabido que a resposta é negativa.77
Constata-se que do conflito podem surgir mudanças e resultados
positivos. A possibilidade de se perceber o conflito de forma positiva consiste
em uma das principais alterações da chamada moderna Teoria do Conflito.
Isso porque a partir do momento em que se percebe o conflito como um
fenômeno natural na relação de quaisquer seres vivos é que é possível se
perceber o conflito de forma positiva.78
Por outro lado, o simples fato de se perceber o conflito de forma
negativa desencadeia uma reação denominada de retorno de luta ou fuga, ou
75 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit, p. 33. 76 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit, p. 33. 77 AZEVEDO, André Gomma de. (org.). Manual de Mediação Judicial. Brasília:/DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, 2012, pp. 27/28. 78 AZEVEDO, André Gomma de. (org.). Op. Cit, pp. 28/29.
32
resposta de estresse agudo. O retorno de luta ou fuga consiste na teoria de
que animais reagem a ameaças com uma descarga ao sistema nervoso
simpático impulsionando-o a lutar ou fugir.79
Por sua vez, ao se perceber o conflito como algo positivo, ou ao
menos potencialmente positivo, tem-se que o mecanismo de luta ou fuga tende
a não ser desencadeado ante a ausência de percepção de ameaça, o que, por
sua vez, facilita que as reações positivas, tais como moderação, equilíbrio,
naturalidade, serenidade, compreensão, simpatia, amabilidade, consciência
verbal, sejam alcançadas.80
2.2. A negatividade da guerra efetiva nas relações familiares de
cunho continuado
Todos sabem que a guerra não compensa. Quando uma pessoa se
empenha numa guerra verdadeira, seja num campo de batalha, numa guerra
interna identificada no divã do consultório do psicanalista, ou perante a um
magistrado para julgar um divórcio litigioso, o fato é que se a vitória custa a
chegar, as armas tornam-se pesadas e o entusiasmo de quem participa como
soldado nesta batalha enfraquece.81
Quando o indivíduo se coloca situado no local de batalha, gasta a
sua força e se essa campanha se prolonga no tempo, como ocorre durante os
processos judiciais perante a Corte nas causas de desentendimentos
conjugais, os seus recursos mínguam e se desigualam em comparação ao
enorme esforço emocional e o entusiasmo despendidos, revertidos em mal-
estar emocional, na tristeza e na "derrota" pessoal.82
Nunca se pode esquecer que quando as armas do indivíduo passam
a ficar pesadas para ele, o seu entusiasmo diminuído, força exaurida e seus
79 AZEVEDO, André Gomma de. (org.). Op. Cit, p. 30. 80 AZEVEDO, André Gomma de. (org.). Op. Cit, p. 30. 81 TZU, Sun. A arte da guerra. - Adaptação e prefácio por James Clavel. Tradução por José Sanz. - 38ª ed. - Rio de Janeiro: Record, 2010, pgs. 21/24
33
fundos gastos, coloca-se numa condição de cansaço e fragilidade, o que gera o
aparecimento de oportunistas para tirar ainda mais vantagens na penúria. E,
nenhum homem, por mais sábio, será capaz de evitar as consequências que
advirão desta guerra.83
Assim, apesar de termos ouvido falar de precipitações estúpidas na
guerra, a inteligência nunca foi tão associada a decisões demoradas. Não há,
na história, notícia de um país que se tenha beneficiado com uma guerra
prolongada. Só quem conhece os efeitos desastrosos de uma guerra longa
pode compreender a suprema importância da rapidez em levá-la a termo. Só
quem estiver familiarizado com os males da guerra pode compreender
perfeitamente o quanto ela é desastrosa.84
Isso porque os percalços da guerra entre um ex-par conjugal não se
relacionam só às questões emocionais, tampouco somente referência aos
problemas financeiros ou penúria para a célula familiar, mas também se
relacionam ao ritmo do Judiciário, que é lento, fatores esses que, juntos,
potencializam sobremaneira a negatividade desta guerra.
Uma vez declarada a guerra, os envolvidos não perderão tempo
precioso esperando reforços, desejarão atravessar a fronteira inimiga sem
demora. O valor do tempo, ou seja, colocar-se de forma ligeira, adiante do
adversário, vale mais que a superioridade numérica ou os cálculos mais
perfeitos com relação ao abastamento material, emocional etc.85
Neste passo, o ex-casal conjugal e, muitas vezes também parental
por ter sua prole, acaba por trazer mais material bélico, mas também inicia um
processo de tomada de provisões de seu inimigo.86 Neste contexto, acredita
que o seu exército, formado por patronos e outros profissionais da área de
saúde preocupados com laudos e enquadramentos à remição de culpas e
responsabilizações ao outro, vai necessitar de provisões e recursos financeiros
82 TZU, Sun. Op. Cit, pgs. 21/24 83 TZU, Sun. Op. Cit, pgs. 21/24. 84 TZU, Sun. Op. Cit, pgs. 21/24. 85 TZU, Sun. Op. Cit, pgs. 21/24. 86 TZU, Sun. Op. Cit, pgs. 21/24.
34
e, repassa esse ônus ao inimigo, o seu ex-cônjuge, que se espelha nas brigas
que recaem sobre o patrimônio comum.
Essa contribuição permanente para estruturar o exército, que
permanece próximo da célula familiar disfuncional e em decadência de seu
antigo arranjo, leva o povo ao empobrecimento ou penúria, como ocorre na
queda do padrão de vida de um núcleo familiar inteiro, e os filhos sofrem as
consequências desta guerra, tanto pela diminuição de proventos financeiros ou
materiais no lar que podem ficar vazios no amor e com renda dissipada, bem
como, com a diminuição de afeto ou atenção em função do desgaste emocional
vivenciado pelos pais que se colocam como inimigos.
Um general inteligente estabelece um ponto de reabastecimento por
saque no território inimigo, o que geralmente é de forma espontânea e natural
revisto por clientes e seus patronos, já que se investe na guerra. Ex-mulher e
ex-marido, como ex-casal conjugal, virão tentar remeter os gastos, em algum
momento, para o seu inimigo.
Agora, no que toca a matar o inimigo, os soldados devem ser
levados a ira. Para que percebam a vantagem de derrotar o adversário, devem
também ser recompensados. Assim, patronos que conseguem capturar os
bens do inimigo, esses bens são usados como prêmios, de forma a que todos
os soldados tenham um forte desejo de lutar, cada um por sua conta. Divórcios
litigiosos, para advogados, são mais compensadores.87
As próprias bandeiras são substituídas pela do inimigo e os carros
misturados e usados em conjunto com os do cônjuge vencedor. Os soldados
capturados devem ser mantidos e tratados com bondade, para retratar que o
soldado ou o patrono vencido deve sentir a vitória do outro cliente, vencedor,
sobre o outro. Chama-se a isso usar o inimigo aprisionado para aumentar
nossa própria vitória.88
87 TZU, Sun. Op. Cit, pgs. 21/24. 88 TZU, Sun. Op. Cit, pgs. 21/24.
35
Na guerra, portanto, o adversário deixa que seu grande objetivo seja
a vitória e não campanhas extensas. Por isso deve ser sabido que o
comandante dos exércitos é o árbitro do destino do povo, o homem de quem
depende que a nação fique em paz ou em perigo. Isso retrata bem a guerra
familiar, que não tem preço tampouco alcança vitória.89 Ex- cônjuges viram
inimigos e, se arruínam juntos porque quando o assunto é família, na guerra
não existe vencedor e, o árbitro ou comandante, nesta esfera abstrata,
representa o magistrado, que deve ser substituído pela autocomposição
prestada pela mediação, caso os inimigos se sintam preparados para levantar
a bandeira da paz em prol do diálogo.
Isso porque, para sair do caos e de todo sofrimento abrupto gerado
pela guerra familiar judicial necessário que se substitua o comandante
entendido como o juiz que desempenha uma função de árbitro para a decisão
heterocompositiva a dar destino à vida de terceiros, pela decisão
autocompostiva do ex-casal conjugal e parental. Isso porque, inevitavelmente,
a natural demora da Justiça, nesta competição destrutiva negativa, arrasa com
o núcleo familiar. E isso sempre conduz, inevitavelmente, à uma situação de
perigo ou à ausência absoluta de paz à célula-família.
2.3. Entendendo a existência da dinâmica das relações
familiares entre parceiros
A convivência é o maior desafio que enfrentamos durante a vida e,
ela ocorre em todos os níveis: entre nações, cidades, povos, vizinhos, amigos,
colegas de profissão, de trabalho e, principalmente, dentro da família.90
A célula familiar constitui-se de um determinado grupo pequeno,
restrito e íntimo na relação entre pessoas e, o indivíduo isolado e integrante
deste grupo, neste contexto e desde o seu nascimento e crescimento
reproduzirá uma mini sociedade a partir da qualidade exercitada nesta vivência
89 TZU, Sun. Op. Cit, pgs. 21/24.
36
e inter-relação como ser nascido e inserido em seu ninho. E, esta célula
familiar na qual está inserido lhe servirá, eternamente, como referência de
padrão comportamental com todos os demais indivíduos na macrosociedade
que lhe cerca.91
Nascemos e crescemos em algum tipo de família ou em uma
instituição que a substitua. As experiências e convivências que vamos ter nela
nos marcarão para o resto da vida e determinarão a forma com que iremos nos
relacionar fora da família e na futura família, ou em uniões que viermos a
constituir.92
A primeira família, berço no qual se origina, poderá ser a única até a
morte do indivíduo, e é chamada família de origem. E a que surgirá com o
nascimento ou a adoção de um filho, quando esse indivíduo se unir ou casar
com alguém, se constituirá, assim, a sua família nuclear.93
A família também poderá nascer de um progenitor único, a família
uniparental, em que, geralmente, a mãe tem o fiho, fruto de uma relação
passageira, e ela e o pai não chegam a se unir ou casar, ou pela adoção de um
filho por parte de um homem ou uma mulher e, ainda, por meio de uma barriga
de aluguel.94
Por isso, é importante ressaltar que quando um homem e uma
mulher se unem ou casam, eles não são duas pessoas soltas no espaço. Cada
um deles tem atrás de si uma respectiva família, mais ou menos próxima, mais
ou menos organizada, mais ou menos numerosa.95
Esse encontro de famílias, com os seus integrantes - pais, avós,
bisavós, primos, tios, cunhados - forma o que chamamos de família extensa,
uma verdadeira constelação familiar que representará uma variedade de
relações, que implicará numa série de regras de convivência. Através de
90 GROISMAN, Moises. O código das famílias: mandamentos que devem reger as relações familiares. - 2ª reimp. - Rio de Janeiro: Núcleo Pesquisas, 2011, p. 77. 91 GROISMAN, Moises. Op. Cit., p. 77. 92 GROISMAN, Moises. Op. Cit., p. 77. 93 GROISMAN, Moises. Op. Cit., p. 77. 94 GROISMAN, Moises. Op. Cit., p. 77.
37
ligações e associações entre esses diferentes personagens vai ocorrer um
conjunto de arranjos e combinações que redundará em novas relações,
satisfatórias ou insatisfatórias.96
No momento em que se unem então, esse homem e essa mulher
não iniciam juntos uma nova vida como dois produtos de fábrica zero
quilômetro que não possuem nenhuma história de vida. Portanto, casais
costumam se iludir afirmando, por estarem apaixonados, que serão capazes,
ilusoriamente, de moldar um ao outro à sua maneira e ao seu jeito. Por isso,
quando surge as primeiras diferenças cotidianas começam a perceber que não
são tão idênticos, ou almas gêmeas como acreditavam ser.97
Neste pano de fundo, começam a se defender sempre se isentando
dos problemas que se apresentam cotidianamente, inclusive sem considerarem
nenhuma parcela de responsabilidade de cada um nas brigas iniciadas por um
deles ou, por ambos.98
Desta maneira, vivemos, na realidade, numa intrincada rede de
relações familiares na qual haverá um cruzamento de várias famílias,
correspondentes aos diferentes integrantes da constelação familiar. Isso
implicará na necessidade de regras de convivência básica que possibilitarão
um nível de relacionamento satisfatório entre todos os seus personagens. Caso
essas regras não sejam do conhecimento dos envolvidos poderão haver
perturbações familiares mais ou menos severas, que se exprimem em toda a
família, ou no casal, ou num dos membros do casal ou, ainda, num dos filhos.99
Mais complexo ainda é compreender que além da necessidade de
se determinar regras de convivência é a determinação de que tipo de
organização familiar que se estuda ou analisa, eis que atualmente a família não
é a mais a mesma.100
95 GROISMAN, Moises. Op. Cit., p. 78. 96 GROISMAN, Moises. Op. Cit., p. 78. 97 GROISMAN, Moises. Op. Cit., p. 78. 98 GROISMAN, Moises. Op. Cit., p. 78. 99 GROISMAN, Moises. Op. Cit., p. 80. 100 GROISMAN, Moises. Op. Cit., pp. 80/81.
38
Com a liberação de costumes, principalmente a liberdade sexual, e
com a implementação da lei do divórcio, a família adquiriu outras configurações
e novos arranjos. Não que esteja melhor ou pior, ou que a Instituição Família
esteja acabando porque esse processo social se deu conforme as
necessidades e de forma natural. Ela apenas vem se adaptando às mudanças
sociais e se adequando aos novos tempos e a nova forma de organização
familiar, para ser melhor compreendida e para tornar-se cada mais funcional,
deve ser muito bem destrinchada.101
Como a nossa vida se inicia e desenvolve em algum tipo de família
permitindo a vivência e a experiência com seus vários segmentos, é
fundamental que se paute regras básicas de convivência que formarão os
pilares de funcionamento familiar daquela célula ou de uma futura queainda vai
se constituir em iminente união e, isso poderá ser bem compreendido e tratado
nos próximos pontos 3.1, 3.2 e 3.3.102
Isso é de imperiosa importância porque conflitos familiares e inter-
relacionais surgem facilmente com a natural imprevisibilidade da vida, de
ruídos na comunicação e, da falta de habilidade em lidar com as mudanças.
CAPÍTULO III
O MODELO TRANSFORMATIVO
O modelo transformativo, diferentemente de outros modelos como o
modelo circular-narrativo por exemplo, tem como meta a transformação da
interação entre os mediandos e o respectivo padrão sistêmico-relacional
101 GROISMAN, Moises. Op. Cit., p. 81. 102 GROISMAN, Moises. Op. Cit., p. 82.
39
disfuncional que reproduzem, mediante empoderamento e reconhecimento das
partes neste processo de mudança.103
Assim, as escutas e perguntas de esclarecimento ou de
contextualização abordadas pelo mediador estão voltadas para o
empoderamento das partes, e não, diretamente, para a desestabilização das
narrativas.104
Nessa perspectiva, o protagonismo dos mediandos vai se ampliando
à medida que vai sendo reconstruída a sua autoestima. O mediador se legitima
não como um técnico, mas como um colaborador ou facilitador desse processo
em que os mediandos constroem o debate e o diálogo.105
A capacitação e o consequente protagonismo responsável dos
mediandos vão reforçando as possibilidades de contextualização e empatia. O
problema relacional e o problema material são considerados em seu conjunto,
mas sujeitos a abordagens distintas, com prioridade para a superação dos
bloqueios emocionais e padrões repetitivos disfuncionais que, além de
comprometerem a comunicação, prejudicam as relações intersubjetivas.106
Esse processo evolui com autonomia e sem amarra a etapas, pois
se trata de processo informal, em que a oralidade vai construindo os seus
resultados. N a mediação transformativa, o mediador não é diretivo, adotando,
inclusive, o afastamento ou o silêncio, quando percebe que os mediandos
estão discutindo ou dialogando em sua linguagem natural.107
3.1. Os padrões de interação
Conforme Stephen Littlejohn e Kathy L. Domenici na obra de
referência do autor Carlos Eduardo de Vasconcelos, os padrões de interação
103 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. - 1ª ed., rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015, p. 192.
104 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Op. Cit., p. 192. 105 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Op. Cit., p. 192. 106 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Op. Cit., p. 192. 107 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Op. Cit., p. 192.
40
devem ser observados pelo facilitador. A fim de colaborar para a obtenção de
resultados transformativos, os mediadores devem aprender a pensar na
disputa em termos sistêmicos e consoante abordagens múltiplas.108
Em primeiro lugar, os mediadores precisam procurar conexões. Os
eventos na disputa devem ser vistos como parte de algum padrão maior. E
nunca há apenas um padrão. O que está ocorrendo entre pessoas e não é
criação de apenas uma delas. Portanto, o argumento de um mediando é parte
de um episódio; é parte de uma relação ou de uma série de interações que,
juntas, definem a forma como se desenrola a relação, produto inacabado de
muitos padrões.109
Em segundo lugar, os mediadores devem observar as regras
implícitas em cada um desses padrões. Como em gramática, as afirmativas
que fazem parte de um sistema de interações incluem um vocabulário de
direitos, deveres, obrigações, proibições, possibilidades, etc.110
Essas regras, esses códigos de conduta, dão forma e estrutura à
realidade que vai sendo criada e, ao mesmo tempo, constituem um indicativo
de como se comportar em cada situação.111
Em terceiro lugar, o mediador deve, ainda, perceber que esses
padrões, regras e códigos de conduta estão situados num contexto ou conjunto
de contextos. O conjunto de regras pode variar de um contexto para outro, que
podem estar relacionados a outros contextos. É importante observar de que
forma esses contextos se relacionam, se reforçam ou se repelem.112
Em quarto lugar, o mediador deve perceber que um sistema de
interações constitui ações interligadas, e deve observar como uma ação se liga
à outra.113
108 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Op. Cit., p. 190. 109 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Op. Cit., p. 190. 110 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Op. Cit., p. 190. 111 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Op. Cit., pp. 190/191. 112 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Op. Cit., p. 191. 113 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Op. Cit., p. 191.
41
Em quinto e último lugar, deve o mediador ter e conta que os
eventos de um sistema são cíclicos e refletem uns aos outros. Não se deve
assumir determinado ponto de vista a respeito de um sistema com base em
padrões causais simples. Será necessário compreender os circuitos causais
complexos em sua causalidade mútua.114
Ao perceber esses eventos e adoando questionamentos, resumos e
espehamentos, com instantes em que pratica o apoio e instantes em que
pratica um afastamento, o mediador pode ajudar os mediandos a
ultrapassarem padrões de interação repetitivos e insalubres.115
3.2. O mediador de conflitos: um agente de mudanças
Este Item 3.2 da pesquisa abre a questão acerca dos que estão
envolvidos, de uma forma ou de outra, com a inovação. Seja por vontade
própria ou pelas circunstâncias que estimulam nos demais indivíduos, seja, ao
contrário, envolvidos por processos próprios de mudança. Em qualquer
hipótese, todo mediador de conflitos se preocupa, em algum grau, com o
desenvolvimento de sua criatividade no que tange à aplicação de diversas
técnicas/ferramentas oriundas de metodologias deliberativo-dialógicas com
eficiência durante a escuta da sua sensibilidade pessoal que aflora essas
habilidades em si e nas outras pessoas.116
Sabe-se que pessoas criativas possuem um grande potencial no
desenvolvimento próprio e, inclusive para desenvolver-se como um agente de
mudanças, uma das formas de exercer o potencial criativo mais
intensamente.117
114 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Op. Cit., p. 191. 115 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Op. Cit., p. 191. 116 PREDEBON, José. Criatividade hoje: como se pratica, aprende e ensina. - 2ª ed. - São Paulo: Atlas, 2001, pg. 14. 117 PREDEBON, José.. Op. Cit., p.14.
42
Esse ângulo do assunto criatividade também interessa bastante a
quem dirige cursos, treinamentos 118e, trabalhos em metodologias como a da
mediação de conflitos. Isso porque não só o mediador ocupa uma posição de
agente de mudança, mas também porque como facilitador da metodologia
autocompositiva une sensibilidade, improviso, habilidade de comunicação e
sobretudo, habilidade pedagógica.
Neste ponto, cabe focalizar a dinâmica social e sua relação com a
inovação e a criatividade. Os que abrem caminho para a inovação são
maquinistas do trem. Artífices das mudanças, exercem sua competência pela
familiaridade que têm com as ideias novas. Como na metáfora de um trem,
com as pessoas de vanguarda viajando no primeiro vagão e as estagnadas no
último, os trens viajam renovando seus vagões.119
O que se pode, por certo, afirmar é que nem todos os agentes de
mudança são grandes criativos, mas todos os grandes criativos são agentes de
mudança.
Existe, permeando o campo da criatividade, a figura do realizador,
líder ou pioneiro São agentes de mudança pela sua capacidade de criar
condições favoráveis para novos acontecimentos, catalisando energias de um
grupo para a conquista, ou para superar desafios.120
É neste ponto que reside a preciosidade da atuação do mediador
neste contexto prospectivo e, com certeza, é o que corresponde, de maneira
direta, com a filosofia prospectiva que ensina a metodologia autocompositva da
mediação para os indivíduos que se encontram num contexto de crise e
sofrimento em função da disfuncionalidade ocorrente, por exemplo, entre um
ex-casal conjugal e parental. Portanto, neste contexto, todo mediador, de uma
forma ou de outra, também rezam pelo prazer da conquista e se alimentam do
desafio de criar o novo.121
118 PREDEBON, José. Op. Cit., p.14. 119 PREDEBON, José. Op. Cit., p.15. 120 PREDEBON, José. Op. Cit., p.15. 121 PREDEBON, José. Op. Cit., p.15.
43
Quando o mediador faz referência à técnica da geração de opções
criando uma ambientação aos mediados para suas novas colocações, as mais
improvisadas e excêntricas ao alcance de uma autocomposição, coloca-se num
lugar de desapego ao que poderia ser considerado como adequado em
determinado momento e em determinadas circunstâncias como algo que já
possui, para algo que possa vir a ser, atitude que corresponde a um forte traço
das pessoas criativas.122
Isso assim é porque as pessoas criativas, também como um
mediador de conflitos, precisa saber renunciar ao que se tem como certo para
poder trabalhar ideias novas. Caso contrário, o próprio subconsciente agirá
como censor, fazendo abortar eventuais ideias que modifiquem uma rotina,
ainda que disfuncional dos mediados, mas "confortável" já conquistada e tida
como "certa".123
Todavia, é a partir deste momento que o mediador de conflitos já
deve ter feito a construção de seu rapport junto aos mediados, a confiança
deles na sua pessoa e na sua liderança neste processo de mudança, eis que
como um facilitador, mas ainda no contexto de agente de transformação social,
precisa ser motivador dessas transformações e, para empoderar-se da
capacidade de influenciar pessoas, deve transmitir muita firmeza, lidar bem
com as improvisações, surpreender os participantes na mesa de negociação. A
assertividade, que no caso se articula com o desapego, é um valor contagiante
para a defesa da ideia nova.124
Sobre a sensibilidade ou a intuição, o mediador, na qualidade de um
agente de mudanças que contacta com o futuro, sente no ar as tendências e
correntes. Para tornar essas mudanças a espinha dorsal do processo inovador
concretizando a prospectividade que comporta a mediação de conflitos, precisa
estar conectado com a dinâmica do sistema no qual está inserido com os
demais participantes.125
122 PREDEBON, José. Op. Cit., pp.15/16. 123 PREDEBON, José. Op. Cit., p.16. 124 PREDEBON, José. Op. Cit., pp.16 e 18. 125 PREDEBON, José. Op. Cit., p. 16.
44
Não se estabelece mudança alguma em qualquer ambiente se o
processo não tiver consonância com a dinâmica do sistema em que ele irá se
inserir. De acordo com o tipo e a profundidade da mudança demandada pela
mediação a influenciar na vida dos mediados, ela só se efetivará se a
ambientação estiver comportando este fato novo, embrionariamente. Isso
porque a inovação, para ser incluída na dinâmica sistêmica já existente, precisa
ter um forte comprometimento dos mediados e do mediador neste processo e
com o que pode ser chamado de "realidade", ou mesmo, vida cotidiana.126
Para acrescentar, nos processos de transformação em todos os
campos ou áreas do saber humano as verdades estão abaixo da superfície dos
fatos aparentes, das declarações ou, no contexto da mediação de conflitos,
escondidas por detrás das narrativas contadas pelos mediados. Só a escuta
ativa exercitada num contexto sensível e intuitivo do facilitador como agente de
mudanças poderá identificar quais são, de fato, os interesses subjacentes que
compõem a pauta subjetiva dos participantes e, quais serão essas novas
verdades, que poderão ou deverão nascer das profundezas dos seres ali
envolvidos.127
Por isso, o mediador é uma criatura demasiadamente determinada.
Sem a paciência, confiança e persistência de um lutador, dificilmente as coisas
novas acontecerão de fato. Um agente de mudanças precisa ter a
determinação de um pioneiro a dar concepção vanguardista e prospectiva para
interrupção nos padrões repetitivos e que causam a disfuncionalidade de
determinado sistema familiar, por exemplo. Se não for assim, as mudanças que
perceber necessárias a serem trabalhadas não se implementarão.128
Os processos de mudança acontecem mais facilmente quando
liderados por uma ótica mais idealista do que utilitária e, daí advém a afirmação
de que a mediação transformativa não foca no acordo, mas sim no seu ideal de
transformação do relacionamento entre as pessoas.129
126 PREDEBON, José. Op. Cit., p. 16. 127 PREDEBON, José. Op. Cit., p. 16. 128 PREDEBON, José. Op. Cit., p. 16. 129 PREDEBON, José. Op. Cit., p. 16.
45
O fato novo, sempre de alguma forma, modifica o mundo das partes
e o mediador como facilitador e agente de mudanças será mais eficiente se
não estiver lutando em causa própria, não se esmerando mais que as partes
para um fechamento de um termo de entendimento, não fazendo pré-
julgamentos. Ou seja, não tendenciando a nenhum dos lados e essa postura é
o que estrutura a sua neutralidade e imparcialidade para o bom proceder
durante o transcorrer da metodologia autocompositiva.130
Por fim, em decorrência da dinâmica intensa que se procede na
base da oralidade e da flexibilidade para a condução da metodologia
autocompositiva que representam duas dentre as características mais belas e
leves da mediação de conflitos, pode-se citar seis habilidades que caracterizam
um mediador bastante perspicaz no contexto da mesma: habilidades para
novos paradigmas nos campos da afetividade e para compreender os novos
arranjos familiares da sociedade contemporânea; habilidade para traçar novas
estratégias nascidas de desafios antes inexistentes e durante os encontros de
mediação; habilidade para o cultivo de competências interdisciplinares já que a
mediação comporta utilização de outras metodologias em seu processo;
habilidade para compreensão da filosofia da felicidade pela valorização do
"aqui-agora", conforme a visão prospectiva da sua metodologia; habilidade
para trazer revoluções e avanços do mundo externo para o grupo da
mediação.131
3.3. Particularidades do Modelo Transformativo para a metodologia autocompositiva da mediação de conflitos
De uma maneira geral, em toda mediação se tenta resolver o
problema pela atuação própria dos participantes, em colaboração, construindo
novas possibilidades para enfrentar e resolver o conflito que os aflige. Neste
sentido, método autocompositivo de resolução de controvérsias podem tomar
130 PREDEBON, José. Op. Cit., p. 16. 131 PREDEBON, José. Op. Cit., p. 19.
46
duas correntes principais: a mediação que possui como foco a solução de um
problema com um acordo satisfatório para o impasse específico e, um outro
estilo de metodologia de mediação transformativa, que procura a melhoria do
relacionamento.132
A mediação transformativa, o foco desta pesquisa, procura aumentar
o poder de autodeterminação e o reconhecimento mútuos das pessoas
envolvidas no impasse, capacitando-as para resolver o problema imediato e
também as questões futuras.133
Para Bush e Folger, os precursores do estilo da mediação
transformativa, conforme a obra que ora se toma para o estudo deste ponto 3.3
do trabalho, o objetivo da mediação não é apenas resolver o embate, mas
também aperfeiçoar a qualidade do relacionamento, eis que se não for possível
transformar adversários em bons amigos, que sejam pelo menos capazes de
estabelecer um relacionamento respeitoso. A meta real não é apenas ficar
melhor, mas ser melhor.134
Isso porque, quando o assunto é interação humana, as disputas não
precisam ser consideradas como problema, podem ser vistas como
oportunidades de crescimento pessoal e transformação positiva do indivíduo. E
são por estas razões que a metodologia da mediação transformativa para
solução de dificuldades na seara familiar é tão adequada e atraente, pois não
vai se esgotar na busca da resolução do problema aparente, mas vai continuar
ajudando para a transformação das pessoas e do relacionamento numa célula
familiar que possa estar em desequilíbrio funcional.135
Na mediação transformativa isso é possível através da reavaliação,
uma técnica que capacita as pessoas para a definição ou redefinição das
questões e, assim, posteriormente, gerar soluções. Outra forma que se traz
uma nova dinâmica, mais funcional para as relações que estão em abalo, é
132 MALDONADO, Maria Teresa. O bom conflito. - São Paulo: Integrare Editora, 2008, p. 157. 133 MALDONADO, Maria Teresa. Op. Cit., p. 157. 134 MALDONADO, Maria Teresa. Op. Cit., pp. 157/158. 135 MALDONADO, Maria Teresa. Op. Cit., pp. 157/158.
47
através da técnica do reconhecimento, que capacita as pessoas a entender os
respectivos pontos de vista e os motivos que geraram o conflito.136
O sucesso ou eficiência da mediação poderá ser medido pelo grau
de reavaliação e reconhecimento alcançado, mesmo quando as partes em
conflito não tenham chegado a um acordo imediato. Portanto, o objetivo que é
tentado para ser alcançado é a minimização do potencial de crescimento das
pessoas e dos relacionamentos.137
Neste pano de fundo, o mediador estimula as pessoas a colocar o
foco do que desejam no futuro e na descoberta de caminhos que possam
conduzir a uma solução satisfatória para si próprias e, isso é possível por meio
da visão que a mediação transformativa propõe sobre o conflito e seu papel:
oportunidade de crescimento das pessoas e, conseqüentemente, do
relacionamento que estabelecem entre si. A forma de exercício da metodologia
transformativa propõe mudanças mais profundas nos indivíduos além da mera
solução pontual de um conflito, que, na realidade, foi construído por elas
mesmas.138
A proposta de trabalho apresentada pelo mediador se estrutura por
meio de uma conversa bem elaborada à obtenção de melhores
esclarecimentos sobre o ponto de vista de cada mediado com relação à
problemática vivenciada e, gerada por ambos, com o intuito de se descobrir
outras possíveis maneiras de lidar com o problema instaurado.139
Nesta esteira, chegar a um acordo é apenas uma possibilidade e
não o objetivo principal da mediação transformativa, eis que a grande meta é a
sublimação do indivíduo, mesmo que seja por meio do conflito. Parece
esquisito para as pessoas comuns, mas atingir essa mudança pessoal para
melhor em benefício do indivíduo certamente é mais importante do que chegar
a um acordo específico porque as pessoas acreditarão mais na sua capacidade
de lidar com os desafios da vida. Essa abordagem é extremamente útil nos
136 MALDONADO, Maria Teresa. Op. Cit., p. 158. 137 MALDONADO, Maria Teresa. Op. Cit., p. 158. 138 MALDONADO, Maria Teresa. Op. Cit., p. 159. 139 MALDONADO, Maria Teresa. Op. Cit., p. 159.
48
casos de conflitos entre membros de uma família, entre vizinhos, colegas de
trabalho.140
E, relativamente às controvérsias construídas no seio de uma família
em disfuncionalidade, o que pode ser compreendido é que na resolução do
conflito o foco recairá no problema centrado no conteúdo e, na transformação
da célula familiar, o foco recai sobre os padrões de relacionamento da família
na qual o conflito está inserido e já cristalizado, flagrando a disfuncionalidade
da mesma. Vai além de um episódio isolado, buscando o epicentro do conflito
compreendido pela teia dos padrões de relacionamento familiar que se
formaram com o decorrer do tempo. O episódio é apenas uma oportunidade de
acessar o epicentro, é somente uma das cenas que se repete dentro da trama
ou da novela familiar.141
Ser reconhecido em suas habilidades e qualidades é uma
necessidade fundamental do ser humano. Por isso, a partir da escuta ativa
dispensada pelo mediador em benefício dos participantes da mediação
transformativa encoraja-os à expressarem seus sentimentos para dissolver
mágoas, ressentimentos, mal-entendidos no relacionamento.142
O elogio sob medida e, em momento oportuno é praticado pela
técnica do afago pelo mediador de conflitos. Ou, usando um termo técnico da
psicoterapia e de igual sentido, a conotação positiva, ele cria um clima de bem-
estar e de motivação para intensificar o comportamento apreciado e que foi
produzido pelo mediado, aumentando a competência e superando a resistência
dos participantes que estão vivenciando crises e sofrimento.143
140 MALDONADO, Maria Teresa. Op. Cit., p. 159. 141 MALDONADO, Maria Teresa. Op. Cit., p. 160. 142 MALDONADO, Maria Teresa. Op. Cit., p. 160. 143 MALDONADO, Maria Teresa. Op. Cit., p. 160.
49
CONCLUSÃO
No transcorrer da presente monografia pôde ser constatada a
importância crucial da presença de dois elementos na vida do ser humano, o
conflito e o diálogo.
Sem embates nem conflito o ser humano não chega a nascer e vir
ao mundo, eis que a vida lhe vem como um grande prêmio pela vitória
alcançada desde os primeiros momentos da concepção intra-uterina e,
principalmente, desde a anterior corrida do produto sexual hormonal da gônada
masculina para o único óvulo materno, uma fórmula universal que pode ser
constatada até nos tubos de ensaio dos laboratórios, em pesquisas científicas.
A partir do advento do desenvolvimento da sociedade
contemporânea e, inclusive, de diversas pesquisas deste campo, surgiram
diversos possíveis novos arranjos familiares, mas, o que prevaleceu e sempre
prevalecerá, a partir das mudanças sociais que se processam na dinâmica da
vida, são a capacidade de todo ser humano de interagir em seu meio e, da
atuação dos conflitos, neste contexto.
Sabe-se que essa interação respeita, inclusive, todas as
peculiaridades encontradas em cada indivíduo como ser pensante, com sua
história de vida familiar, numa miscelânea de linguagem corporal, verbal que
produz dentro de determinado contexto sócio-familiar junto a todas as
imprevisibilidades do campo no qual vivencia.
Devendo dar cabo às suas dificuldades e as dos outros que lhe
cercam no âmbito de um sistema familiar disfuncional, o indivíduo precisa
tomar para si a sua capacidade de detectar os padrões de interação que
produz de forma repetitiva e que podem ser as principais causas de choques e
colisões com os que convive mais intimamente e sobretudo, de se servir como
o seu próprio agente de mudanças, isso quando as emoções fortes não
aniquilam por completo as condições necessárias para incorporar-se como o
seu próprio agente de mudanças.
50
Já a esta altura, tendo em vista os problemas que se tornam
absolutamente perturbadores para o indivíduo em crise no seu núcleo familiar,
entra em cena e em atuação o terceiro imparcial e neutro, um facilitador que,
dotado de sensibilidade e empatia, mas livre das amarras, sofrimentos e
envolvimento emocional daquele contexto, procura, nas narrativas trazidas
pelos mediados na mesa de mediação transformativa, as questões, interesses,
necessidades, valores como pauta a ser tratada junto às melhorias na
comunicação entre o ex-cônjuge conjugal e se houver prole, ex-parental.
A metodologia autocompositiva da mediação, tanto a do Modelo
Linear de Harvard, bem como o Método Transformativo de Folger e Bush
propostos pela Mediação Transformativa são absolutamente aptos a promover
uma intensa reedição do ato de dialogar, sobretudo, entre as partes em conflito
trazendo-as para si próprias não só a escuta ativa, mas o consequente
empoderamento para si, libertando-se dos conflitos intra-gerados em seu
contexto disfuncional familiar.
Sendo assim, o mediador transformativo deverá possuir criatividade
no desempenho das técnicas/ferramentas que pinçará durante a metodologia
autocompositiva desta linha transformativa de mediação no tocante a deixar
flagrante que o conflito é inevitável, e até necessário para o aperfeiçoamento
das relações não só familiares, mas num contexto familiar, de trabalho,
empresarial, numa sociedade comercial, demonstrando a normalização que é o
embate nestas e tantas outras interações.
Com tudo isso, os mediados possuem meios e ferramentas para
sentirem-se capazes e preparados a substituir uma decisão heterocompositiva
de um contexto de enorme desgaste emocional, de tempo e de custos com
uma decisão paternalista judicial para seguirem seus próprios anseios, de
forma livre, podendo ensaiar e treinar essa capacidade de escuta e diálogo,
trazendo funcionalidade a seus novos arranjos familiares ao seguimento de seu
próprio caminho de vida, com todas as imprevisibilidades que advirão da
natural dinâmica da vida.
51
BIBLIOGRAFIA
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Brasília:/DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento - PNUD, 2012.
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como se expressar, ouvir os outros e resolver conflitos. - Tradução por
EmirsonJustino. - São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2011.
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LUCHIARI, Valeria Ferioli Lagrasta. Mediação Judicial: análise da realidade
brasileira: origem e evolução até a Resolução n. 125, do Conselho Nacional de
Justiça. - Coordenadores Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe. - Rio de
Janeiro: Forense, 2012.
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Alegre: Artmed, 1998.
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REIS, Homero. Gente inteligente sabe se relacionar. Brasília: Thesaurus, 2015.
SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. O que é mediação de
conflitos. - São Paulo: Brasiliense, 2014.
52
TZU, Sun. A arte da guerra. - Adaptação e prefácio por James Clavel. Tradução por José Sanz. - 38ª ed. - Rio de Janeiro: Record, 2010. VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. - 1ª ed., rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015.
53
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 01 AGRADECIMENTOS 03 DEDICATÓRIA 04 RESUMO 05 METODOLOGIA 06 SUMÁRIO 07 INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I
A parceria da Mediação de Conflitos com as controvérsias humanas 11
1.1. Falando do que é normal: a construção do conflito por ambos os disputantes e, como desconstruir a situação controvertida 14
1.2. Metodologia da mediação de conflitos: qual é o seu trabalho ? 18
CAPÍTULO II
Entendendo a dinâmica dos conflitos 28
2.1. As contribuições acerca da Teoria do Conflito 31
2.2. A negatividade da guerra efetiva nas relações humanas familiares de cunho continuado 32
2.3. Entendendo a existência da dinâmica das relações familiares entre parceiros 35
CAPÍTULO III
O Modelo Transformativo 38
3.1. Os padrões de interação 39
3.2. O Mediador de conflitos: um agente de mudanças 41
3.3. Particularidades do Modelo Transformativo para a metodologia autocompositiva da mediação de conflitos 45
CONCLUSÃO 49 BIBLIOGRAFIA 51 ÍNDICE 53