DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Há muito se discute a necessidade de...

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA MEIOS ALTERNATIVOS À JURISDIÇÃO PENAL Por: Rafael Cunha Barbosa Orientador Prof. Jean Alves Rio de Janeiro 2014 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

Transcript of DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Há muito se discute a necessidade de...

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

MEIOS ALTERNATIVOS À JURISDIÇÃO PENAL

Por: Rafael Cunha Barbosa

Orientador

Prof. Jean Alves

Rio de Janeiro

2014

DOCUMENTO PROTEGID

O PELA

LEI D

E DIR

EITO AUTORAL

2

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

MEIOS ALTERNATIVOS À JURISDIÇÃO PENAL

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em Direito Penal e Processual

Penal.

Por: . Rafael Cunha Barbosa

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AGRADECIMENTOS

....àquela a quem tudo devo por ser o

que sou e o que busco ser, minha

verdadeira joia rara, minha mãe Maria

Zita Magalhães Cunha, à minha

companheira de todas as horas e

sempre presente Sabrina, aos meus

queridos mestres Ana Mauro e André

de Felice com quem aprendi a

verdadeira essência do direito de

defesa, e a todos que ao longo da vida

me mostraram a importância da luta

pelos direitos.

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DEDICATÓRIA

.....dedica-se à mãe, o ser humano mais

puro e amável que tive a honra de

conhecer, a minha companheira, mulher

impar que brinda diariamente minha vida

com muita alegria e perseverança, a

meus familiares que sempre estiveram ao

meu lado ao longo desta jornada, e a

Maria Clara, minha princesa, maior

presente que já recebi de Deus.

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RESUMO

Há tempos, no Brasil e no mundo, vem sendo propagado pensamento

voltado à criminalização de condutas, diminuição dos direitos e garantias

individuais do ser humano, com nítido intuito de resolver problemas sociais,

que deveriam ser “curados” a partir de políticas públicas, sociais e investimento

público e privado.

Busca-se com isso a evolução a partir do retrocesso, o que por óbvio

não resolve nem de longe o aumento da população que jaz no cárcere, muito

menos serve como meio eficaz de controle social.

Nem de longe a criminalização de condutas e o encarceramento do ser

humano, o que deveria ser a literal “ultima ratio”, resolverá o grande retrocesso

social que estamos vivendo, muito pelo contrário a proliferação e continuidade

deste pensamento representará a “falência” do Estado Democrático de Direito.

Somente a modificação drástica de tal pensamento modificará o atual

quadro social que estamos vivendo, e para isso deve-se afastar a ideia de que

o Direito Penal concerta o ser humano, pois a criminalização de condutas e o

encarceramento jamais funcionarão como instrumentos de controle social.

Por isso, somente a criação de alternativas à jurisdição penal modificará

significativamente a atual situação carcerária de nosso país de dimensões

continentais, afinal não é razoável muito menos proporcional “enjaular” seres

humanos, sob o argumento de que a prisão tem função além de repressiva,

ressocializadora.

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METODOLOGIA

A presente monografia versa sobre meios alternativos à jurisdição penal

como solução ao crescente aumento da banalização na criação de novos tipos

penais, bem como do aumento do encarceramento em território nacional.

Na elaboração da pesquisa monográfica, sob a ótica metodológica,

foram utilizadas como fontes de pesquisa obras doutrinárias nacionais e

alienígenas, artigos especializados, consultas a sites especializados,

jurisprudência dos tribunais superiores.

A metodologia utilizada deu subsídios para a avaliação apurada dos

dados coletados visando precipuamente demonstrar a importância da criação

de meios alternativos a jurisdição penal e sua importância no progresso social.

Na primeira etapa da pesquisa foram analisadas a Constituição Federal,

legislação infraconstitucional em vigor, fontes doutrinárias, bem como a

relevância do princípio da dignidade da pessoa, razoabilidade e da

proporcionalidade na criação de alternativas à jurisdição penal.

Com o avanço da pesquisa, foi necessário consultar artigos mais

recentes, sítios eletrônicos especializados e a jurisprudência dos tribunais

superiores, para verificar a evolução e qual a relevância atual em nosso

ordenamento jurídico do tema pesquisado.

O método utilizado para o levantamento e armazenamento dos dados é

o resumo do material escolhido na doutrina, jurisprudência, artigos

especializados e sítios eletrônicos especializados.

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Por fim, a análise e a interpretação das fontes desta pesquisa servirão

para responder as questões norteadoras e para demonstrar a relevância do

tema pesquisado diante da crescente banalização na tipificação de condutas e

do encarceramento de seres humanos por condutas penalmente irrelevantes.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 09

CAPÍTULO I - Evolução Histórica dos Meios 12

Alternativos à Jurisdição Penal

CAPÍTULO II - Relevância dos Meios Alternativos 20

à Jurisdição Penal

CAPÍTULO III - Do Retrocesso em Razão 25

da Criação Novos Tipos Penais como Resposta

à Problemas Sociais

CAPÍTULO IV – Do Aumento da População Carcerária 31

e Soluções Plausíveis a Esse Problema Social

CONCLUSÃO 37

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 41

ÍNDICE 44

FOLHA DE AVALIAÇÃO 45

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INTRODUÇÃO

Há muito se discute a necessidade de imposição da pena privativa

liberdade como forma de restabelecer a paz social, e, o verdadeiro papel do

Direito Penal na consecução desse fim.

Seria a pena privativa de liberdade uma amarga necessidade de uma

comunidade de seres imperfeitos como são os homens?

Cezar Roberto Bitencourt respondendo a tal indagação, afirma no livro

Juizado Especiais Criminais e Alternativas à Pena de Prisão, Editora Livraria

do Advogado, Porto Alegre, 1ª edição, 1995, pag. 14, que:

“Por conhecermos bem as críticas que o encarceramento merece, acreditamos que os princípios de sua progressiva humanização e liberalização interior são a via de sua permanente reforma, caminho intermediário entre o conservadorismo e a convulsão abolicionista, não seguidas, claro, por nenhum país do mundo, independentemente dos seus regimes jurídico e político.”

É indispensável que se encontrem novas penas compatíveis com os

novos tempos, mas tão aptas a exercer suas funções quantos as antigas, que

se na época, não forem injustas, hoje o são.

Assim, é necessário aperfeiçoar a pena privativa de liberdade, quando

necessária, e substituí-la, quando possível e recomendável, pois, pouco mais

de dois séculos foram mais do que suficientes para se constatar sua mais

absoluta falência em termo de medidas retributivas e preventivas.

Será mesmo que a natureza retributiva e preventiva da pena privativa

de liberdade representa solução a problemas sociais ligados a criminalidade?

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“Enjaular” seres humanos pelo simples fato fazerem parte da classe

menos favorecida é a melhor solução?

Com certeza a criação de novos tipos penais incriminadores, a

imposição de penas privativas de liberdade não significa solução aos

problemas sociais que nosso país de dimensões continentais vem enfrentando.

Milhares de detentos, provisórios (que sequer foram condenados) ou

definitivos (sentença condenatória já transitada em julgado), já cumpriram suas

penas, e estão apenas esperando a boa vontade dos órgãos estatais de

efetivarem sua soltura.

Por outro lado, em consonância com a triste realidade que vivemos,

muitos presidiários preferem continuar dentro do cárcere, pois sabem que não

encontrarão lugar na sociedade “extramuros”, e provavelmente serão

obrigados a voltarem a delinquir.

Para Cezar Roberto Bitencourt os chamados substitutivos penais

constituem alternativas mais ou menos eficazes na tentativa de

desprisionalizar, além de outras medidas igualmente humanizadoras desta

forma arcaica de controle social, que é o Direito Penal. (BITENCOURT, Cesar

Roberto. Juizados Especiais Criminais e Alternativas à Pena de Prisão, 1995,

Porto Alegre, pág. 22)

Uma coisa é certa, o Direito Penal não pode ser visto como forma de

controle social, e hoje nossa sociedade é o maior exemplo disso, vez que além

de não ressocializar o criminoso, a taxa de criminalidade no país ao invés de

diminuir, só aumentou nos últimos anos.

Alejandra Mohor e Victor Covarrubias, na obra El nuevo procedimento

penal em Chile, Editora Ril, 2007, pág.31, afirmam que:

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“Los factores sociales y econômicos que han sido considerados determinantes por la literatura especializada son – basicamente –la pobreza, la desigualdade, el empleo y l deserción escolar. Um estúdio del Banco Mundial, que comparaba países latino-americanos, encontró a um nível estadísticamente significativo que el ingresso per cápita se associa negativamente com la tasa de homicídios, que el grado de desigualdade econômica se correlaciona positivamente com el homicídio, que el nível de ingresso per cápita se associa negativamente com la tasa de robôs y que el nivel de desigualdade em el ingresso se associa positivamente com los robos.” [Traduzimos: Os fatores sociais e econômicos que tenham sido consideradas pelas determinantes da literatura são basicamente, a pobreza, desigualdade, desemprego e o abandono escolar. Um estudo do Banco Mundial, que comparava países latino-americanos, encontrou a um nível estatisticamente significativo que o ingresso per capita se associa negativamente com a taxa de homicídios, que o grau de desigualdade econômica se correlaciona positivamente com o homicídio, que o nível de ingresso per capita se associa negativamente com a taxa de roubos, e que o nível de desigualdade em o ingresso se associa positivamente com os roubos]

Assim, o aumento dos índices de criminalidade, o encarceramento e a

multiplicação dos tipos penais em nosso ordenamento jurídico jamais

solucionarão a crise social instalada no Brasil, somente uma reestruturação

estatal, com a criação de novos empregos, investimentos em educação,

saúde, habitação, distribuição mais equitativa de renda, repressão à corrupção

em razão do constante desvio do dinheiro da nação, darão ensejo a verdadeira

reforma que há tempos o Brasil necessita.

Aliado a tais soluções é necessária à criação de alternativas a

jurisdição penal, afastando do Direito Penal a obrigação de restabelecer a paz

social, afinal a intervenção do Direito Penal deve ser sempre mínima, quando

os demais ramos do direito se mostrarem ineficazes.

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CAPÍTULO I

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS MEIOS

ALTERNATIVOS À JURISDIÇÃO PENAL

O princípio da legalidade funciona como limitador ao arbítrio judicial,

mas não impede que o Estado, ainda que amparado na reserva legal, crie tipos

penais desnecessários e comine sanções cruéis e degradantes, o que além de

violar a dignidade da pessoa humana, afronta os princípios da razoabilidade e

da proporcionalidade.

Já o princípio da intervenção mínima como ensina Cezar Roberto

Bitencourt, na obra jurídica Juizado Especiais Criminais e Alternativas à Pena

de Prisão, Editora Livraria do Advogado, Porto Alegre, 1ª edição, 1995, pag.

14:

“orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para proteção de determinado bem jurídico”, ou seja, havendo medidas administrativas e cíveis que restabeleçam a ordem jurídica violada, somente estas devem ser empregadas, deixando o Direito Penal como ultima ratio, jamais como prima ratio ou sola ratio.”

Com a Revolução Francesa e o Iluminismo no século XIX nasceu o

princípio da intervenção mínima, entretanto ao longo da evolução social,

contrariando a ideia esculpida naquele postulado, a partir da segunda metade

do século XIX as normas penais incriminadoras cresceram desmedidamente, e

com isso a população carcerária cresceu assustadoramente.

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O cárcere estigmatiza o homem, uma vez preso, portas

automaticamente se fecham, empregos e oportunidades somem, e aquele que

um dia foi sujeito de direitos, ainda que a Constituição da República Federativa

do Brasil lhe garanta direitos fundamentais, jamais conseguirá seguir em frente

ao receber sua tão sonhada liberdade.

Com isso, lamentavelmente voltará a delinquir, restando somente a

ele, tal saída, vez que, além de virar estatística negativa, qualquer

oportunidade lícita de emprego ficou para trás, no dia em que lhe foi imposta

pena de prisão.

Por isso, há anos juristas, sociólogos e filósofos buscam formas

alternativas da não imposição da pena de prisão, onde a criação de

alternativas a jurisdição penal e a descriminalização de condutas passaram a

figurar como formas de solucionar o crescente problema social que paira sobre

o Brasil e no mundo.

Antes mesmo da criação da lei 9099/95, que regulamentou em nosso

ordenamento jurídico pátrio, os Juizados Especiais Criminais, competentes

para processar e julgar infrações penais de menor potencial ofensivo, no

Anteprojeto José Frederico Marques já existia no artigo 84 a possibilidade de

proposta pelo Ministério Público, do pagamento de multa que, se aceita pelo

acusado, levaria a extinção da punibilidade, por perempção.

Já no substitutivo ao Código de Processo Penal, aprovado na Câmara

dos Deputados, no artigo 207, inciso II, existia a previsão de que o processo se

extinguiria sem julgamento do mérito quando o acusado, primário, em sua

resposta, aquiescesse no pagamento da multa fixada pelo magistrado.

Naquela época, onde a população nacional era bem menor do que a

de hoje, existia a ideia da necessidade da criação de uma justiça consensual e

despenalizadora, e tal fato era visto em todo mundo.

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Em 1926, o Código Penal Russo nos artigos 20 e 30, trouxe à

possibilidade da prestação de serviço a comunidade como alternativa a

jurisdição penal, sendo esta, segundo Cezar Roberto Bitencourt em sua obra

Falência da Pena de Prisão - causas e alternativas, RT, São Paulo, página

142, a primeira manifestação de alternativa a pena de prisão.

Em 14 de novembro de 1981 foi criado na Itália a lei 689, intitulada

“Modificações ao sistema penal. Descriminalização”, permitindo que o juiz, no

artigo 77 e seguintes, a pedido do acusado e após manifestação favorável do

Ministério Público, aplicasse a sanção, com a subsequente extinção da

punibilidade, com o registro da pena exclusivamente para o efeito de impedir

um segundo benefício.

O Código de Processo Penal Português de 1987, no artigo 392 e

segs., permitia que o Ministério Público solicitasse ao tribunal a aplicação da

pena de multa ou pena alternativa, funcionando ao mesmo tempo como

representante da vítima para formular pedido de indenização.

A necessidade da criação de meios alternativos à jurisdição penal,

assim como a descriminalização de condutas e a ideia do abolicionismo do

sistema penal têm ganhado força em vários países, e cada vez mais a ideia do

“vigiar e punir” vem sendo deixada de lado, até porque a segregação do

indivíduo, ao longo dos séculos, além de representar violação de direitos

humanos, não se mostrou como a melhor solução no combate a criminalidade.

Muito pelo contrário, com a proliferação de novos tipos penais, e a

implementação do ideal de prender para não mais delinquir, a criminalidade

aumentou e a população carcerária aumentou assustadoramente.

Segundo Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães, Antonio

Scarance e Luiz Flávio Gomes, na obra Juizados Especiais Criminais, Editora

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RT, São Paulo,1995, página 18, a lei 9099/1995 trouxe em seu texto quatro

medidas despenalizadoras:

“Mas disciplinou isso sim, quatro medidas despenalizadoras(medidas penais ou processuais alternativas que procuram evitar a pena de prisão): 1ª) nas infrações de menor potencial ofensivo de iniciativa privada ou pública condicionada, havendo composição civil, resulta extinta a punibilidade(art.74, parágrafo único);2ª)Não havendo composição civil ou tratando-se de ação pública incondicionada, a lei prevê a aplicação imediata de pena alternativa(restritiva ou multa) (art.76); 3ª )as lesões corporais culposas ou leves passam a requerer representação(art.88); 4ª) os crimes cuja pena mínima não seja superior a um ano permitem a suspensão condicional do processo(art.89).”

Sem sombra de dúvida a introdução dessas medidas despenalizadoras

no Brasil foi um avanço, o que demonstra que o Direito Penal não pode ser

visto como o melhor instrumento de controle social.

Os tribunais superiores, no que diz respeito à suspensão condicional do

processo, diante da imposição absurda de condições pelo parquet e pelo

magistrado de primeiro grau, reiteradamente vêm reconhecendo:

“RECURSO EM HABEAS CORPUS. ARTS. 302, PARÁGRAFO ÚNICO E INCISO II, E303, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CTB. PROPOSTA DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DOPROCESSO (ART. 89 DA LEI N. 9.099/1995). INCLUSÃO DE CONDIÇÕES ESPECIAIS CONSISTENTES EM PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS (PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA OU PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE E RESSARCIMENTO DE DANOS À VÍTIMA). IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. VIOLAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. 1. No caso dos autos, observa-se que as instâncias ordinárias chancelaram a inclusão pelo Ministério Público estadual de condições especiais, consistentes em prestação pecuniária, prestação de serviços à comunidade e ressarcimento de danos à vítima, na proposta de suspensão condicional do processo oferecida ao paciente. 2. A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente decidido que a inclusão de penas restritivas de direitos na proposta de suspensão condicional do processo ofende o princípio da legalidade, uma vez que possuem caráter

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autônomo e substitutivo, cuja aplicação demanda previsão legal expressa. 3. Recurso provido para excluir o pagamento de prestação pecuniária e a prestação de serviço comunitário como condições alternativas da proposta de suspensão condicional do processo formulada ao paciente.(RHC 45991/RS, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, julgamento em 15/5/2014, Publicado no DJ em 2/6/2014) AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL. WRIT SUBSTITUTIVODE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CABIMENTO. IMPOSIÇÃO DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA COMO CONDIÇÃO ESPECIAL DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. INVIABILIDADE. IMPOSIÇÃO ANTECIPADA DE PENA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. DECISÃO QUE DEVE SER MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. 1. Deve ser mantida por seus próprios fundamentos a decisão em que, monocraticamente, nega-se seguimento ao writ, substitutivo de recurso ordinário, mas concede-se ordem de habeas corpus de ofício, para afastar a prestação pecuniária da proposta de suspensão condicional do processo, nos termos do entendimento da Sexta Turma deste Superior Tribunal, no sentido da impossibilidade da imposição de pena restritiva de direitos como condição do sursis processual, tendo em vista a incompatibilidade da medida despenalizadora com a prestação alternativa, ante o caráter de sanção penal desta última.2. Agravos regimentais improvidos.(AgRg no HC 279841/RS, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, julgamento em 6/5/2014, Publicado no DJ em 26/5/2014)

Dentre as alternativas à jurisdição penal introduzidas no Brasil pela lei

9099/95, a composição civil, onde a vítima e o autor dos fatos compõem

amigavelmente, sem a necessidade da instauração de um processo criminal é

sem sombra de dúvida a melhor vertente da justiça consensual.

Por isso, a composição civil prevista no artigo 74, parágrafo único, da

Lei dos Juizados Especiais é a maior inovação em nosso ordenamento jurídico,

pois além de desafogar o Poder Judiciário mostrou a relevância da justiça

consensual quando o assunto é progresso.

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Outra importantíssima inovação trazida pela lei 9099/95, que também

afasta a pena privativa de liberdade, é a transação penal, onde o autor dos

fatos que preencha os requisitos estabelecidos em lei e aceite a proposta de

transação penal ofertada pelo Ministério Público, terá sua pena extinta, sem a

necessidade de ser submetido ao processo penal.

O Superior Tribunal de Justiça nas infrações de menor potencial

ofensivo, no que diz respeito à transação penal, vem entendendo:

“AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. DELITO DE INJÚRIA. AÇÃO PENAL CONTRA MAGISTRADO. DENÚNCIA RECEBIDA PELO ÓRGÃO COLEGIADO SEM DAR OPORTUNIDADE AO ACUSADO DE SE MANIFESTAR SOBRE A TRANSAÇÃO PENAL. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. SUPERVENIENTE VISTA DOS AUTOS AO ACUSADO PARA SE MANIFESTAR SOBRE O REFERIDO BENEFÍCIO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. PROCEDIMENTO PREVISTO NO RITJMG E NA LEI 8.038/1990. MAIOR AMPLITUDE DE DEFESA. AGRAVO DESPROVIDO. - O presente habeas corpus foi impetrado com o objetivo de anular o recebimento da denúncia, sob a alegação de que o Tribunal de origem, antes de receber a peça acusatória, deveria ter ouvido o acusado acerca da proposta de transação penal (art. 76 da Lei 9.099/1995) ofertada pelo Ministério Público. - Após a impetração do presente writ, sobreveio a notícia de que o Tribunal de origem, posteriormente ao recebimento da denúncia, abriu vista dos autos ao acusado para se manifestar sobre a proposta de transação penal oferecida pelo Ministério Público, circunstância que ensejou a prejudicialidade do presente habeas corpus, nos termos da decisão ora agravada. - O ora agravante não demonstrou prejuízo advindo do prévio recebimento da denúncia, tendo o Tribunal a quo adotado procedimento (RITJMG e Lei 8.038/1990) que conferiu uma maior amplitude de defesa, pois em 2 (duas) oportunidades (resposta escrita e sustentação oral) o acusado sustentou a sua tese de que não praticou o delito de injúria, a qual, se tivesse sido admitida, ensejaria a rejeição da denúncia e, em consequência, a desnecessidade de se submeter à transação penal. - Se aceita a transação penal, mesmo que após o recebimento da denúncia, estará preenchida a sua finalidade, que é evitar a discussão acerca da culpa e os males trazidos, por consequência, pelo litígio na esfera criminal (in Nucci, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Comentadas. 6ª ed. rev. atual. e ref. São Paulo: Editora Revista dos

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Tribunais, 2012, volume 2, p. 450). De acordo com o art. 65 da Lei 9.099/1995, os atos processuais serão válidos sempre que preencherem as finalidades para as quais foram realizados, atendidos os critérios indicados no art. 62 desta Lei. - Segundo o art. 76 da Lei 9.099/1995, a aceitação da proposta de transação penal não produz efeitos nas esferas criminal e cível, sendo anotada, apenas, para impedir o mesmo benefício no período de cinco anos. Logo, não haverá registro do processo para quaisquer fins, inexistindo prejuízo jurídico, moral e funcional decorrente do prévio recebimento da denúncia, conforme alegado no presente recurso. Agravo regimental desprovido.(AgRg no HC 248063/MG, Relatora Ministra Marilza Maynard(Desembargadora Convocada do TJ/SE), 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, julgamento em 13/5/2014, Publicado no DJ em 23/5/2014)

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO-CABIMENTO.COMPETÊNCIA DAS CORTES SUPERIORES. MATÉRIA DE DIREITO ESTRITO. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO DESTE TRIBUNAL, EM CONSONÂNCIA COM A SUPREMA CORTE. PROCESSUAL PENAL. CRIME DO ART. 348 DO CÓDIGO PENAL. TRANSAÇÃO PENAL OU SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. NÃO OFERECIMENTO DE PROPOSTA PELO PARQUET. PRERROGATIVA QUE DEVE SER ACOMPANHADA DE FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. RECUSA MINISTERIAL MEDIANTE CONSIDERAÇÕES GENÉRICAS. IMPOSSIBLIDADE. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 28 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 696 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. WRIT CONCEDIDO DE OFÍCIO. 1. O Excelso Supremo Tribunal Federal, em recentes pronunciamentos, aponta para uma retomada do curso regular do processo penal, ao inadmitir o habeas corpus substitutivo do recurso ordinário. Precedentes: HC 109.956/PR, 1.ª Turma, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJe de 11/09/2012; HC 104.045/RJ, 1.ª Turma, Rel. Min. ROSA WEBER, DJe de 06/09/2012; HC 108.181/RS, 1.ª Turma, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe de 06/09/2012. Decisões monocráticas dos ministros LUIZ FUX e DIAS TOFFOLI, respectivamente, nos autos do HC 114.550/AC (DJe de 27/08/2012) e HC 114.924/RJ (DJe de 27/08/2012). 2. Sem embargo, mostra-se precisa a ponderação lançada pelo Ministro MARCO AURÉLIO, no sentido de que, "no tocante a habeas já formalizado sob a óptica da substituição do recurso constitucional, não ocorrerá prejuízo para o paciente, ante a possibilidade de vir-se a conceder, se for o caso, a ordem de ofício." 3. O sursis processual insere-se no âmbito das medidas

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despenalizadoras, de sorte que o órgão acusatório deve fundamentar adequadamente a sua recusa, não ficando essas razões alheias ao exame jurisdicional. 4. Se a motivação do Parquet é genérica e abstrata, há de ser reconhecida a invalidade da recusa com a consequente adoção do procedimento previsto no art. 28 do Código de Processo Penal. Exegese da Súmula n.º 696 do Supremo Tribunal Federal. 5. Ordem de habeas corpus não conhecida. Habeas corpus concedido, de ofício, a fim de determinar a remessa dos autos da Ação Penal n.º 2011.03.1.032093-7 ao Procurador-Geral de Justiça, para que se manifeste acerca da possibilidade de proposta de medida despenalizadora ao Paciente, nos moldes do precitado art. 28 do Estatuto Processual Penal. .(HC 224792/DF, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, julgamento em 15/8/2013, Publicado no DJ em 26/8/2013)”

Em diversos países do globo terrestre o índice de criminalidade é

praticamente zero, e tal fato só acontece, devido ao empenho das autoridades

públicas no incentivo de políticas públicas, criação de empregos, e distribuição

mais equitativa de renda aliada a conscientização do povo.

No Brasil, a criação da lei 9099/95 serviu de norte para autoridades

públicas deixarem de lado o discurso da tolerância zero, pois o país há anos

não progride nas questões de segurança pública, sistema carcerário e

despenalização de condutas, o que vem acarretando aumento no índice de

criminalidade e a falência do sistema prisional brasileiro.

Sérgio Salomão Shecaira em sua obra jurídica Criminologia, Editora RT,

ano 2009, São Paulo, página 60, com maestria ensina:

“A pena privativa de liberdade (como de resto todas as pena) tem um vínculo umbilical com o próprio Estado que a criou. A pena é um instrumento assecuratório do Estado, a reafirmação de sua existência, uma necessidade para sua subsistência. A pena surge quando fracassam todos os controles sociais, e por isso mesmo é mais que um controle: é a expressão absoluta de caráter repressivo. E, dessa forma, como controle e como repressão do Estado, manifesta-se na especificação determinadas relações concretas, que aprecem desvaloradas pelo próprio Estado. Não é por outra razão que só devemos utilizar os mecanismos formais de controle social, entre os

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quais as penas se incluem, quando falharem as demais formas de controle social. É o que o direito chama de ultima ratio regum, princípio informador de todo o direito penal consubstanciado no chamado direito penal mínimo.

Mesmo diante do avanço mundial na criação de medidas

despenalizadoras, infelizmente por aqui, partidários de um Direito Penal

máximo, insistem em manter penas privativas de liberdade e criar novos tipos

penais, com a falsa concepção da necessidade do controle social por meio do

Direito Penal.

Sendo assim, acreditar na evolução social, por meio de controle social

efetivado pelo Direito Penal representa verdadeiro retrocesso, pois só devemos

utilizar mecanismos formais de controle social, entre os quais as penas

privativas de liberdade se incluem, quando as demais formas de controle social

falharem, daí a ideia e a necessidade do Direito Penal como ultima ratio.

CAPÍTULO II

RELEVÂNCIA DOS MEIOS ALTERNATIVOS À

JURISDIÇÃO PENAL

A criação de meios alternativos à jurisdição penal representa além de

progresso social, pois com certeza haverá uma diminuição drástica na

população carcerária de nosso país, uma forma de conscientização universal

de que o Direito Penal só deve ser utilizado em ultimo caso, pois a liberdade e

a dignidade da pessoa humana são os maiores bens do homem.

Assim, a violação da liberdade e da dignidade da pessoa humana só

podem ocorrer quando outros ramos do direito ou os demais meios de solução

de conflitos forem inócuos.

21

Humberto Ávila em sua obra Teoria dos Princípios, 10ª edição, Editora

Malheiros, 2009, São Paulo, ensina:

“Interpretar é construir a partir de algo, por isso significa reconstruir, portanto é necessário que em nosso ordenamento jurídico os legisladores, magistrados, chefes de governo, a mídia que sem sombra de dúvida hoje tem papel fundamental em nossa sociedade, construam uma nova realidade social, afastando a ideia do controle social por meio do Direito Penal.”

A reconstrução do modelo vigente no Brasil é mais do que necessária,

porque ao longo dos anos a imposição de penas privativas de liberdade e a

criação de novos tipos penais só aumentaram a criminalidade.

Por conseguinte, a reconstrução do modelo até então em vigor no

Brasil deve ser feito com base em ideais de descriminalização de condutas e

de criação de alternativas a jurisdição penal.

Devemos abandonar de vez a ideia do cárcere, até porque o tempo só

mostrou que a prisão não é a melhor solução para problemas sociais, criados

pela má gestão governamental, desequilíbrio social e a disseminação da

corrupção no alto escalão dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

Em um país de dimensões continentais como o Brasil, repleto de

riquezas, onde a arrecadação tributária é astronômica, não é razoável que se

admita que o Direito Penal seja utilizado pelas classes econômicas mais

abastadas como forma de solucionar problemas sociais.

Basta verificar as estatísticas no que diz respeito à população

carcerária para se concluir que é cômodo e até mesmo providencial prender a

classe de baixa renda, ao invés de criar soluções mais humanas de solucionar

o problema da criminalidade.

22

Será mesmo que se tivéssemos emprego, saúde, melhor distribuição

de renda, escolas, moradias, enfim direitos fundamentais e sociais previstos

em nossa magna carta, teríamos aumento na criminalidade, ou até mesmo

milhares de pessoas presas? Obvio que não, é mais rentável para os

dirigentes deste país prender e utilizar o cárcere como forma de controle social.

A par desse pensamento capitalista que norteia a mente dos

“poderosos”, a busca por alternativas a jurisdição penal, no campo do

verdadeiro progresso social é de vital importância.

O estigma criminoso, ou melhor, quando ao ser humano é atribuído o

adjetivo “bandido”, tal fato representa mácula sem cura, algo a ser levado até o

fim da vida daquele sujeito que por alguma razão veio a delinquir.

Francisco Muñoz Conde, em sua obra doutrinária Derecho Penal y

controle social, Fundación Universitária de Jerez, 1985, pág.33, afirma que

“sem a pena de prisão não seria possível à convivência na sociedade de

nossos dias”.

Já o professor César Roberto Bitencourt, no livro Juizados Especiais

Criminais e Alternativas à Pena de Prisão, Livraria do Advogado, Porto Alegre,

sustenta:

“A pena constitui um recurso elementar com que conta o Estado, e ao qual recorre, quando necessário, para tornar possível a convivência entre os homens. Invocando a conhecida afirmação do projeto alemão, lembramos que a justificativa da pena não é uma questão religiosa nem filosófica, e sim “uma amarga necessidade de seres imperfeitos”.

Será mesmo que a imposição de prisão é mesmo um mal necessário

para conter o avanço da criminalidade, ou pelo simples fato do ser humano

não ser perfeito, a ele deve ser imposta a maior sanção existente no

ordenamento jurídico pátrio, tão cruel quanto a pena de morte, a prisão.

23

Com isso, surge à necessidade da implementação de meios

alternativos a jurisdição penal, além da imposição de políticas públicas

restaurativas.

Políticas públicas restaurativas são aquelas, que os governantes,

utilizando dinheiro público, investem em educação, constroem moradias,

saneamento básico, criam empregos, com o fim de restabelecer a dignidade

das pessoas que vivem naquele meio social, ou seja, o dinheiro do povo é

utilizado para restaurar a dignidade da pessoa humana, um dos pilares do

Estado Democrático de Direito.

Dalmo de Abreu Dallari, no livro Da Atualização do Estado, São Paulo,

página 9, 1963, afirma categoricamente que “é necessário que o Estado sofra

mutações, quantas se fizerem necessárias, para que seja capaz de atingir o fim

a que se propõe, o que só será possível através de ordenações que atendam

às exigências de cada conjuntura histórica”, assim somente a modificação

eficaz em nosso ordenamento jurídico modificará a atual crise que estamos

passando.

No mundo atual, o exemplo a ser seguido no campo da justiça

consensual, segundo a Desembargadora Marilene Melo Alves,

Desembargadora do Tribunal do Estado do Rio de Janeiro, no artigo Mediação:

Alternativa ou Solução, publicado na Revista de Direito do Tribunal de Justiça

do Estado do Rio de Janeiro, pag.19, Editora Espaço Jurídico, 2012, é o

Japão, pois:

“Aquele país tem uma tradição secular na utilização de

métodos não adversariais para resolução de controvérsias. Na

verdade, o litígio judicial só foi lá introduzido a partir de 1800,

quando as relações com os países ocidentais se

estabeleceram com mais amplitude.

24

De qualquer forma, o Japão ainda figura como referência de

sociedade não litigiosa.

Lá, as pessoas são educadas de maneira a considerar

desentendimentos e disputas como moralmente responsáveis.

Em tempos mais remotos, com a sociedade rigidamente

organizada em escalões, era dever dos ocupantes dos estrats

superiores e das autoridades manter a paz dentro dos limites

da sua influência social ou política e, quando necessário,

empreender todo o esforço possível para mediar e dissolver

controvérsias.

Além do Japão outros países também utilizam meios alternativos à

solução de conflitos, onde o Direito Penal e a prisão só são utilizados em

último caso, temos no Continente Europeu a Alemanha e a Itália como os

maiores difusores dessa ideia, já na África existe há pelo menos dez anos na

Nigéria a cultura da pacificação de conflitos sem a utilização do cárcere.

Com isso, utilização de meios alternativos a jurisdição penal no Brasil é

de suma importância, seja para diminuir a população carcerária, ou até mesmo

reduzir os índices de criminalidade.

Estatisticamente no Brasil, o furto e o tráfico de drogas figuram como

os crimes mais praticados em solo nacional, por isso o alto nível de

desemprego e a má distribuição de renda são fatores essenciais para o

aumento da criminalidade.

É muito mais fácil furtar e vender entorpecentes do que arrumar um

emprego no Brasil, por isso é necessário uma reformulação geral no campo

político onde a corrupção domina todas as áreas, e no campo social, onde a

educação, diferentemente do Japão, infelizmente não faz parte da cultura

nacional.

25

Sabemos que não basta a criação de alternativas a jurisdição penal

sem qualquer outra mudança no atual panorama apresentado pelo Brasil,

entretanto a disseminação da ideia de afastar o Direito Penal como forma de

controle social representará verdadeiro progresso social.

Para concluir, os legisladores infraconstitucionais, assim como os

dirigentes do Brasil e a grande mídia devem abandonar a ideia da utilização do

Direito Penal como o principal meio de controle social, afinal tal raciocínio nos

levou a falência do sistema prisional e ao aumento da criminalidade.

CAPÍTULO III

DO RETROCESSO EM RAZÃO DA CRIAÇÃO DE

NOVOS TIPOS PENAIS COMO RESPOSTA A

PROBLEMAS SOCIAIS

Atualmente, o Brasil passa por uma fase onde leis penais simbólicas

são cada vez mais elaboradas pelo legislador, leis que trazem uma manifesta

intenção pelo Governo de manipulação da opinião pública, incidindo na

sociedade uma falsa ideia de segurança.

Em 17 de dezembro de 2013 a comissão especial de senadores criada

para examinar o Projeto de Lei do Senado (PLS) 236/2012, que reforma o

Código Penal Brasileiro, aprovou o relatório final elaborado pelo senador Pedro

Taques (PDT-MT).

A proposta, que teve por base anteprojeto proposto por uma comissão

de juristas, sugere penas maiores para crimes contra a vida, aumenta o rol de

crimes hediondos e torna mais rigoroso o modelo de progressão de penas,

26

impondo ao condenado por crime mais grave tempo maior sob regime fechado

nos presídios.

Além de criar novos tipos penais, e enrijecer penas, o anteprojeto

manteve em seu texto condutas que não deveriam mais constar como típicas,

como a injúria, calúnia e difamação, que poderiam perfeitamente ser coibidas

pelos demais ramos do Direito.

Juristas de todo país, à vista do conteúdo do PLS 236, redigiram carta

aberta ao Congresso Nacional onde demonstram indignação, o conteúdo da

referida carta foi obtida no sitio eletrônico http://www.conjur.com.br/2012-set-

17/juristas-rj-lancam-manifesto-projeto-codigo-penal, e segue abaixo:

“Carta aberta ao Congresso sobre a Reforma Penal (PLS 236) Reunidos no Seminário Crítico da Reforma Penal organizado pela Escola da Magistratura do Rio de Janeiro e Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça entre os dias 11 e 13 de setembro de 2012, juristas de todo o Brasil dedicaram-se à análise crítica do Projeto de Lei do Senado n. 236, que propõe um novo Código Penal para o país. Os trabalhos apresentados e discutidos no Seminário demonstraram, sem exceção, inúmeras deficiências teóricas no Projeto, em boa medida resultado da equivocada e acrítica incorporação de critérios jurisprudenciais de imputação em detrimento à dogmática penal mais avançada, tanto em termos técnicos quanto democráticos. A notável pobreza teórica do Projeto, constatada por unanimidade, precisa ser destacada porque implica maior dificuldade na tentativa de controle democrático da competência punitiva do Estado. Assim é que, por suas falhas, o Projeto afasta o Direito Penal simultaneamente da Ciência e da Cidadania, isto é, não só se opõe ao saber jurídico, mas também ao soberano poder popular.A proposta revela, contudo, problemas ainda mais graves. Longe de inaugurar um marco no Direito Penal brasileiro, o Projeto é profundamente anacrônico, como revela uma análise sistêmica. É evidente seu compromisso ideológico com a ultrapassada política de defesa social, própria do Estado de Polícia e, portanto, absolutamente incompatível com o Estado Democrático de Direito. A aposta na pena privativa de liberdade para repressão e prevenção da criminalidade que propõe é, provavelmente, o reflexo mais clara desta natureza punitivista do Projeto que, para piorar, abre mão de alternativas desencarceradoras em favor da

27

prisão, cujo fracasso para fins de ressocialização foi exaustiva e reiteradamente demonstrado pela teoria – a mesma teoria que a Comissão responsável pela elaboração do texto decidiu, convenientemente, ignorar Diante de um sistema de justiça criminal sobrecarregado, seletivo e desumano – sobretudo no que se refere à execução penal, em toda sua miséria real – esta contraditória reafirmação da pena é radicalmente antidemocrática, porque agrava o já terrível drama carcerário. Mas se a grave violação dos direitos fundamentais decorrente da eventual aprovação do Projeto de Código não for argumento suficiente para rejeitá-lo, importaria notar ainda o substancial aumento do custo social, político e econômico do sistema de justiça criminal – notadamente, do sistema penitenciário – que determinaria. Em síntese, o Projeto de Lei do Senado n. 236 é incompatível com a promoção do ideal republicano de uma sociedade mais livre, justa e solidária. E seja pela quantidade de defeitos que apresenta ou por seu pernóstico compromisso ideológico com a repressão, o fato é que o Projeto não pode — nem deve — ser reparado mediante supressão, modificação ou acréscimos. Somente a radical negação da proposta, como um todo, é admissível. Esta é a conclusão dos juristas que abaixo subscrevem. Rio de janeiro, 13 de setembro de 2012.

O PLS 236/2012 representa verdadeiro retrocesso, pois estamos

diante da falência do sistema carcerário, e ao invés de adotarem meios hábeis

a solucionar a problemática já existente, resolveram piorar, usar o Direito Penal

para criar novas injustiças sociais.

Diante disso, a crise do direito corre o risco de traduzir-se numa crise

da democracia, porque, em última instância, os múltiplos aspectos que

abordaremos equivalem a uma crise do princípio da legalidade, isto é, da

sujeição dos poderes públicos à Lei, na qual se fundam tanto a soberania

popular quanto o paradigma do Estado de direito.

Não podemos criar tipos penais em resposta aos problemas sociais

que vivemos, a intervenção do Direito Penal deve ser mínima, o projeto do

novo código penal, ao invés de trazer inovações no campo do abolicionismo

penal, retrocedeu e mais uma vez buscam utilizá-lo como o único mecanismo

de controle social.

28

Ao que tudo indica o PLS 236/2012 não entrará em vigor com o texto

atual, até porque seu texto viola flagrantemente a Constituição da República

Federativa do Brasil.

César Roberto Bitencourt, no livro Juizados Especiais Criminais e

Alternativas à Pena de Prisão, Livraria do Advogado, Porto Alegre, ao lecionar

sobre o princípio da intervenção mínima, afirma:

“Os legisladores contemporâneos- tanto de primeiro como de terceiro mundo – têm abusado da criminalização e da penalização, em franca contradição com o princípio em exame, levando ao descredito não apenas o Direito Penal, mas também a sanção criminal que acaba perdendo sua força intimidativa diante a inflação legislativa reinante nos ordenamentos positivos.”

Neste sentido, Joel Dias Figueiredo Junior e Mauricio Antonio Ribeiro

Lopes, na obra Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais,

Editora RT, São Paulo, 1995, pág.29, afirmam categoricamente que:

“A sociedade gera dilemas e paradoxos, os quais exigem por vias transversas decisões rápidas e eficientes, levando com frequência, os aplicadores da norma sistematizada a agirem casuisticamente e pragmaticamente, não raras vezes afrontando os demais Poderes. Seguindo esta linha de raciocínio, podemos dizer que apesar dos dispositivos constitucionais relativos a garantias individuais, controles políticos e liberdades públicas, o regime transformou o direito em simples meio de governo. Desse modo, a crescente utilização da legislação positiva esvaziou o equilíbrio entre os poderes, a hierarquia das leis, o controle de constitucionalidade, o princípio da legalidade e a segurança jurídica, configurando, no limite, em quadro de inutilidade das leis. Quanto mais intricada manipulação de decretos, das portarias, das resoluções e das instruções normativas converteu-se num mecanismo kafkiano capaz de propiciar soluções conjunturais para conflitos estruturais, aprisionando o cidadão comum nas malhas do cipoal legislativo, menos a legislação ordinária e constitucional passou a ser respeitada por parte dos governantes-logo mais se enfraquecem os tradicionais princípios jurídicos subjacentes ao modelo liberal de organização política e administrativa do Estado.”

29

Do ponto de vista sociológico, fundamenta-se a pena privativa de

liberdade na necessidade de castigar visando garantir a ordem social,

considerando-se que nos grupos sociais tudo gira em torno do fim, o fim dos

agrupamentos sociais, orientam sua existência. Logo, tudo que desvia do seu

fim deve ser evitado, sendo para tal utilizado o castigo com o fim de afastar o

elemento pernicioso do convívio.

A par do ponto de vista sociológico acima, a pena privativa de

liberdade além de não restabelecer a paz social, muito menos funciona

eficazmente como instrumento de controle social, pelo contrário, no Brasil após

a proliferação do ideal de prender e tipificar condutas, o índice de criminalidade

aumentou significativamente, e as cadeias passaram a ter superlotação.

Como o sistema de penas privativas de liberdade tem se mostrado ao

longo do tempo absolutamente incapaz, a ideia da criação de meios

alternativos a jurisdição penal vem se tornando mais de que uma necessidade,

com o passar dos anos passou a ser vital ao progresso de nosso Estado

Democrático de Direito.

Em linha com o raciocínio acima são a lições de Luiz Flávio Gomes, no

Livro Suspensão Condicional do Processo Penal, livraria RT, São Paulo, 1996:

“Cabe ressaltar a reviravolta emanada da nova “filosofia” político-criminal. Em lugar de a atividade jurisdicional penal servir única e exclusivamente aos interesses coligados com pretensão punitiva estatal, a orientação agora é outra: nas hipóteses mencionadas, sobressaem como mais importantes os interesses das vítimas. A reparação do dano é o quantum satis para a resposta estatal. Entendeu-se que só ela é suficiente para afastar a necessidade de qualquer sanção penal. Isso significa colocar o Direito Penal como ultima ratio do sistema. Se outras medidas menos drásticas revelam-se adequadas para o efeito preventivo, não deve incidir o Direito Penal. É a aplicação subsidiária desse ramo da ciência jurídica, que está em consonância com a mais atualizada doutrina internacional.”

30

O normal das civilizações é evoluírem na medida em que o tempo

passa, entretanto no que concerne ao problema carcerário do Brasil, não

houve qualquer modificação relevante, e que pode piorar caso o PLS 236/2012

seja aprovado e sancionado.

Muito se esperava deste projeto de lei, contudo nem de longe é um

Código Penal que representa os anseios sociais, que ao invés de trazer em

seu bojo a chamada descriminalização de condutas, passou por cima de toda

evolução dogmática alcançada tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência,

representando o maior retrocesso de nossa legislação pátria.

No Panamá, país de terceiro mundo como o Brasil, depois da Reforma

Processual Penal de 1987 o CPP criou um instituto que é uma mescla do plea

bargaining norte americano, do compouding e do princípio da oportunidade.

O processualista espanhol José Almagro Nosete, na obra A Reforma

do Processo Penal, 1989, página 156, destaca:

“Consoante o atual sistema panamenho, o processo pode terminar e ser arquivado nos delitos de furto simples, lesões corporais culposas, estelionato, apropriação indébita, receptação, alguns delitos familiares, e emissão de cheque sem fundos, quando desista da pretensão punitiva a pessoa ofendida ou seu representante legal e desde que se trate de acusado primário que tenha reparado o dano.”

Portanto, no Panamá nos tipos penais acima delineados a ação penal

é disponível, e são arquivadas sem a necessidade da submissão do infrator ao

processo penal, ou seja, aquele que por alguma razão cometeu aqueles delitos

não receberão o “estigma de bandido”, e o ressarcimento do dano é suficiente

para que o processo judicial não seja iniciado.

Já por aqui, é bem diferente, pois em casos concretos onde a

imputação é análoga aos tipos penais ali mencionados, no máximo o infrator

será beneficiado com um arrependimento posterior, que poderá diminuir sua

31

pena, contudo receberá um estigma que carregará até o fim de seus dias, o

adjetivo “bandido”.

Por isso, repita-se a criação de novos tipos penais e a imposição da

pena privativa de liberdade deve ser ao máximo afastada, pois sua imposição

é sinônimo de regresso, e já está mais do que na hora de começarmos a

avançar para o progresso, e para isso devemos criar meios alternativos a

jurisdição penal.

CAPÍTULO IV

DO AUMENTO DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA E

SOLUÇÕES PLAUSÍVEIS A ESSE PROBLEMA SOCIAL

Atualmente no Brasil segundo recente pesquisa do Conselho Nacional

de Justiça disponibilizada no sitio eletrônico

http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/diagnostico_de_pessoas_presas_correc

ao.pdf, a população no sistema prisional é de 563.526 presos, o sistema

penitenciário no Brasil tem capacidade para 357.219, portanto atualmente há

um déficit de vagas de 206.307 presos, o que já demonstra o panorama da

qualidade de vida no interior desses estabelecimentos prisionais.

Nos números acima não foram contabilizados a pessoas presas em

prisão domiciliar o que no Brasil representa 147.937 presos, com isso, temos

um total de 711.463 pessoas presas no Brasil.

Com esse número chegamos há um déficit de 354.244 vagas, sem

contar que no Banco Nacional de Mandados de Prisão encontram-se em

aberto 373.991 mandados de prisão o que em última análise se somarmos o

32

total de pessoas presas com os mandados de prisão em aberto chegamos a

mais de 1.085.454 pessoas, com um déficit de vagas de 728.235.

Os números são assustadores, e demonstram claramente que a pena

de prisão e a criação de novos tipos penais, como querem alguns no Brasil,

não solucionará a atual crise do sistema penitenciário.

Cadeias abarrotadas, seres humanos em estado de total degradação,

esse é o reflexo do sistema carcerário no Brasil em pleno século 21, entretanto

alguns insistem em vendar os olhos e impor a espada de uma justiça, que só

reflete injustiça.

Com as novas estatísticas, o Brasil passa a ter a terceira maior

população carcerária do mundo, segundo dados do ICPS, sigla em inglês para

Centro Internacional de Estudos Prisionais, do King’s College, de Londres. As

prisões domiciliares fizeram o Brasil ultrapassar a Rússia, que tem 676.400

presos.

As estatísticas são monstruosas, o que demonstra claramente que

punir com prisão no Brasil não é a melhor solução, pois até então tal

pensamento levou o sistema carcerário a falência, e os delinquentes de

primeira viagem, a um caminho sem fim.

Em sua teoria da criminalidade Lombroso inter-relaciona o atavismo a

loucura moral e a epilepsia: o criminoso nato é um ser inferior, atávico, que não

evolucionou igual a uma criança ou a um louco moral, que ainda necessita de

uma abertura do mundo dos valores; é um indivíduo que, ademais, sofre

alguma forma de epilepsia, com suas correspondentes lesões cerebrais.

Já Ferri, segundo afirmado por Antonio García- Pablos de Molina e

Luis Flávio Gomes, no livro Criminologia, Editora RT, São Paulo, 2008,

sustentava:

33

“o delito não é produto exclusivo de nenhuma patologia individual(o que contraria a tese antropológica de Lombroso), senão-como qualquer outro acontecimento natural ou social- resultado da contribuição de diversos fatores antropológicos ou individuais(constituição orgânica do indivíduo, sua constituição psíquica, características pessoais como raça, idade, sexo, estado civil etc), fatores físicas ou telúricos(clima, estações, temperatura, etc.) e fatores sociais(densidade da população, opinião pública, família, moral, religião, educação, alcoolismo, etc). A criminalidade é um fenômeno social com outros, que se rege por sua própria dinâmica, de modo que o cientista poderia antecipar o número exato de delitos, e a classe deles, em uma determinada sociedade e em um momento concreto, se contasse com todos os fatores individuais, físicos e sociais, antes citados e fosse capaz de quantificar, a incidência de cada um deles.”

Émile Durkheim no livro As regras do método sociológico, São Paulo,

Martins Claret, 2002, página 82, afirma:

“Não há, portanto, fenômeno que apresente de maneira mais irrefutável todos os sintomas da normalidade, dado que aparece como estreitamente ligado às condições de qualquer vida coletiva. Transformar o crime numa doença social seria admitir que a doença não é uma coisa acidental mas que, pelo contrário, deriva em certos casos, da constituição fundamental do ser vivo, seria eliminar qualquer distinção entre o fisiológico e o patológico. Pode, sem dúvida, acontecer que até o crime tome formas anormais; é o que acontece quando, por exemplo, atinge uma taxa exagerada. Efetivamente, não há dúvida de este excesso é mórbido. O que é normal é simplesmente que exista uma criminalidade, contanto que atinja e não ultrapasse, para cada tipo social, um certo nível que talvez não seja impossível fixa de acordo com as regras precedentes.”

Três pensadores com modos de pensar distintos, entretanto

analisando as três posições verificam-se, no que concerne ao infrator, que são

vários os fatores que o levam a delinquir, sendo certo que privá-lo de sua

liberdade não será sinônimo de diminuição do índice de criminalidade.

A professora Alline Pedra Jorge, no livro Em Busca da Satisfação dos

Interesses da Vítima Penal, Editora Lumen Juris, 2005,1ª Edição, página 58,

34

após realizar pesquisa de campo com diversas vítimas de crimes contra o

patrimônio, costumes e abuso de poder, concluiu:

“O sentimento de vingança está efetivamente muito arraigado no nosso senso coletivo. A pena privativa de liberdade ainda é a mais esperada, apesar de sabermos não apresentar nenhuma eficácia social. Mas para a vítima, o fato de o acusado estar preso à deixa mais tranquila, pois dificilmente terá que encontrá-lo novamente. No aspecto psicológico da vítima isso representa um alívio.”

Diante das considerações acima, necessariamente o Estado deve

modificar sua postura até então adotada no combate à criminalidade, e a

pacificação social.

Diversas soluções foram apresentadas ao longo dos anos por juristas

do mundo inteiro, onde se cogitou inclusive a difusão do abolicionismo penal,

onde o Direito Penal é retirado totalmente de circulação.

O abolicionismo representa a mais original e radical proposta político

criminal dos últimos anos, a ponto de ter seu mérito reconhecido até mesmo

por seus mais severos críticos.

Eugenio Raúl Zaffaroni, no livro Em Busca das Penas Perdidas,

menciona a existência de algumas variantes abolicionistas, e são elas:

“a) Hulsman, após uma evolução radicalizante de seu pensamento, concluiu ser o sistema penal um problema em si mesmo e, diante de sua crescente inutilidade na solução de conflitos, torna-se preferível aboli-lo totalmente como sistema repressivo. Entre outras razões, Hulsman afirma que há três motivos fundamentais a favor da abolicao do sistme penal: é um sistema que causa sofrimento desnecessários que são distribuídos socialmente de modo injusto; não apresenta efeito positivo sobre as pessoas envolvidas nos conflitos; e é sumamente difícil de ser mantido sob controle. b)Mathiesen pode ser considerado o estrategista do abolicionismos. Sua tática abolicionista encontra-se estreitamente vinculada a um esquema relativamente simples

35

do marxismo, o que, no entanto, não retira o interesse de suas considerações táticas. Como Mathiesen vincula a existência do sistema penal à estrutura produtiva capitalista, sua proposta parece aspirar não apenas à abolição do sistema penal, como também a abolição de todas as estruturas repressivas da sociedade. c)Nils Christie destaca expressamente a destrutividade das relações comunitárias no sistema penal, seu caráter dissolvente das relações de horizontalidade e os consequentes perigos e danos da verticalização corporativa.”

Seria o abolicionismo a melhor solução ao problema carcerário e a

inflação legislativa no que concerne a criação de injustos penais enfrentados

pelo Brasil e alguns países do mundo?

Segundo Eugenio Raúl Zaffaroni, no livro Em Busca das Penas

Perdidas, pág.103, respondendo a essa indagação Ferrajoli afirma:

“O abolicionismo engendra o perigo de alternativas piores que o direito penal: a reação vindicativa descontrolada, seja em mãos individuais ou estatais, e o disciplinarismos social forma de autocensura ou como expressões de polícia moral, coletiva, ou ainda, em mãos estatais, através de técnicas de vigilância total em forma policial ou em forma de controle tecnológico.”

Ao se manifestar sobre o abolicionismo, naquela mesma obra jurídica

na pág. 104, Eugenio Raúl Zaffaroni afirma:

“Apesar de Ferrajoli não o expressar claramente, e apesar da negativa de alguns de seus partidários, esta crítica parece ignorar, que o abolicionismo também propõe um novo modelo de sociedade. Neste sentido, não vemos razão pela qual não se possa conceber uma sociedade- por mais isolada que seja- na qual os conflitos possam ser resolvidos- ou não, conforme o caso- independentemente de penas e de uma instancia punitiva formal, sem que isto, necessariamente, se traduza numa repressão maior.”

Outra forma de solucionar o problema carcerário é criar barreiras à

proliferação de novos tipos penais é o modelo proposto pelos defensores do

Direito Penal Mínimo, dentre eles Luigi Ferrajoli.

36

O texto abaixo do Professor Dr. Paulo Queiroz, mencionado no artigo

de Patricia Veloso de Gusmão Santana Rassi, publicado no sitio eletrônico

http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&

artigo_id=4498, em fevereiro de 2008(consulta realizada no referido site

28/7/2014), resume bem a proposta do direito penal mínimo:

“Porque uma das coisas que mais fiz, faço e farei (possivelmente) é argüir prescrição, em crime de homicídio inclusive; e a prescrição – expressão máxima da falência do sistema penal - é sempre uma frustração e uma injustiça; exatamente por isso, um direito penal mínimo não significa enfraquecer o sistema penal, mas fortalecê-lo; Porque, apesar de se ocupar de um sem número de ações e omissões, a efetiva intervenção do sistema penal (ações penais, condenações, prisões etc.) é estatisticamente desprezível; Porque mais leis, mais policiais, mais juízes, mais prisões significa mais presos, mas não necessariamente menos delitos (Jeffery); Porque multiplicar leis penais significa apenas multiplicar violações à lei; não significa evitar crimes, mas criar outros novos (Beccaria); Porque o direito penal intervém sempre tardiamente, nas conseqüências, não nas causas dos problemas; intervém sintomatologicamente, não etiologicamente; Porque problemas estruturais demandam intervenções também estruturais e não simplesmente individuais; Porque o direito penal deve ser minimamente célere, minimamente eficaz, minimamente confiável, minimamente justo; Porque, se o direito penal é a forma mais violenta de intervenção do Estado na liberdade dos cidadãos, segue-se que, como ultima ratio do controle social formal, somente deve intervir quando for absolutamente necessário; Porque a intervenção penal, por mais pronta, necessária e justa, é sempre tardia e incapaz de restaurar a auto-estima ou atenuar o sofrimento das vítimas; é uma intervenção traumática, cirúrgica e negativa (García-Pablos); e prevenir é sempre melhor que remediar; Porque, por vezes, a pretexto de combater a criminalidade, o direito penal acaba estimulando a própria criminalidade, atuando de modo contraproducente, especialmente nos chamados crimes sem vítima (contravenção do jogo do bicho, exploração da prostituição de adultos, tráfico de droga etc.); Porque não existe prova alguma de que o direito penal evite novos crimes,seja em caráter geral, seja em caráter individual (ressocialização), de sorte que prevenção geral e especial têm mais a ver com crenças, mitos e fantasias do que com ciência; Porque, a pretexto de combater violência, o direito penal, que também é violência, acaba gerando mais violência, nem sempre legítima; não raro é um só pretexto para a violação sistemática de direitos humanos; Porque o direito

37

penal, assentado que está sobre uma estrutura social profundamente desigual, seleciona sua clientela, inevitavelmente, entre os setores mais pobres e vulneráveis da população; punir os chamados criminosos do colarinho branco, além de ser exceção a confirmar a regra, é só uma tentativa (quixotesca) de atenuar o nosso mal-estar, como se fosse possível, por meio da intervenção penal, inverter a lógica funcional do modelo capitalista de produção; Porque uma boa política social ainda é a melhor política criminal (Franz von Liszt).”

Além das soluções acima apresentadas existem outras, onde a ideia

central é de que a imposição da pena privativa de liberdade e a criminalização

de condutas não resolverá o problema carcerário no Brasil e no mundo.

Por tudo isso, os meios alternativos a jurisdição penal podem sim

resolver o problema carcerário do Brasil, e, representam o resgate do futuro

promissor onde o Direito Penal e as penas privativas de liberdade serão

interpretados e utilizados como ultima ratio..

CONCLUSÃO

Diante da crise do sistema carcerário e o aumento da criminalidade no

Brasil, em razão de inúmeros fatores sociais, e da utilização equivocada do

Direito Penal como principal meio de controle social, verifica-se a falência

estatal, pois hoje existe somente a chamada política de governo e não uma

política de Estado.

O resultado dessa utilização irresponsável do Direito Penal trouxe à

tona a necessidade premente da criação e introdução de meio alternativos à

jurisdição penal no Brasil, como solução imediata para a atual crise instalada

por aqui.

38

Ao longo desta monografia foi demonstrado, que a cultura do prender

mais, criar novos tipos penais e popularizar um ideal de tolerância zero,

resultou no Brasil índices assustadores de criminalidade, que com o passar

dos anos só vem aumentando.

Verificando a atual problemática retratada ao longo deste trabalho,

podemos concluir que a razão do aumento do índice da criminalidade e da

população carcerária tem várias motivações, dentre elas merecem destaque a

utilização do Direito Penal com principal meio de controle social, desvio de

verbas públicas, desequilíbrio social onde muitos têm quase nada e poucos

têm muito, falta de emprego.

Os fatores acima delineados pesam negativamente e só pioram com a

falta de uma Política de Estado, onde existe resultado, pois ao contrário da

chamada Política de Governo onde tudo é feito unilateralmente pelo governo

sem qualquer relevância do pensamento popular, as coisas são feitas com

base em uma tomada de consciência da sociedade e da classe politica em

determinados assuntos, de tal modo que mesmo mudando o governo a ideia

não é abandonada bem tem seus princípios distorcidos.

Nosso Estado Democrático de Direito não precisa criar novas leis

enrijecendo o sistema penal, muito menos é necessário prender mais para os

índices de criminalidade serem modificados e a paz voltar a reinar, basta a

realização de um trabalho extensivo de reforma social, onde a prisão será

utilizada somente em último caso.

O PLS 236/2012 é nefasto, sinônimo de regressão, e, além de ser alvo

de diversas críticas de juristas renomados no Brasil e no mundo, não pode ser

sancionando, do contrário o pouco da evolução construída ao longo de anos,

restará prejudicada, além de significar a falência total do nosso Estado

Democrático de Direito.

39

O Brasil é gigantesco, repleto de belezas naturais, riquezas, basta que

nele seja abandonada de vez a chamada Política de Governo, e passe a ser

feita uma Política de Estado, onde haverá resultados satisfatórios e progresso.

Por outro lado, ainda não estamos preparados para o chamado

abolicionismo do sistema penal como alguns estudiosos querem, todavia ao

longo do tempo e com o progresso na difusão dos meios alternativos à

jurisdição penal e da descriminalização de muitas condutas ainda inseridas

equivocadamente no código penal e em leis penais esparsas, teremos um

Brasil sem prisões, desemprego, índice de criminalidade 0, o que

provavelmente um dia resultará: abolicionismo penal.

Infelizmente a utilização de meios alternativos a pena de prisão por

aqui é algo que ainda encontra resistência de muitos, principalmente pela

forma em que é tratada pela mídia, que a todo custo busca a redução da

maioridade penal, aumento das penas privativas de liberdade, criação de

novos tipos penais.

Verifica-se com isso, que o objetivo dos veículos de comunicação em

massa é espalhar o sentimento de vingança, pois imaginemos utopicamente

um país sem problemas sociais, onde todos tem emprego, bons salários, não

há fome, enfim o princípio da felicidade impera em cada sorriso, com certeza

não teríamos apresentação do jornal das oito, folhetins diários, ou seja, não

haveria desgraça para contar, vender jornal.

Diante do estudo realizado no decorrer deste trabalho, concluímos pela

necessidade da diminuição da imposição de penas privativas de liberdade,

assim como da redução do ideal punitivo por parte dos governantes, mídia e

população em geral.

Por fim, conclui-se que o presente trabalho teve como núcleo central

demonstrar a necessidade da implementação de meios alternativos à

40

jurisdição penal, em razão da falência do sistema prisional e dos altos índices

de criminalidade, alcançados por conta da utilização equivocada do Direito

Penal como principal meio de controle social.

41

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Jurisprudência do STJ.

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integra do julgado no site www.stj.jus.br. Jurisprudência do STJ.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 8

INTRODUÇÃO 9

CAPÍTULO I - Evolução Histórica dos Meios 12

Alternativos a Jurisdição Penal

CAPÍTULO II - Relevância dos Meios Alternativos 20

a Jurisdição Penal

CAPÍTULO III - Do Retrocesso em Razão 25

da Criação Novos Tipos Penais como Resposta

a Problemas Sociais

CAPÍTULO IV – Do Aumento da População Carcerária 31

e Soluções Plausíveis a Esse Problema Social

CONCLUSÃO 37

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 41

ÍNDICE 44