DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO …306 e 165, tudo à Luz da Constituição Federal. Por...
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
LEI SECA E AMPLA DEFESA
Por: Vespasiano Galeno
Orientador
Prof. Jean Alves
Rio de Janeiro
2013
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
LEI SECA E AMPLA DEFESA
Apresentação de monografia à AVM Faculdade
Integrada como requisito parcial para obtenção do
grau de especialista em Direito e Processo Penal
Por: Vespasiano Galeno
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Rei dos Reis e Senhor
dos Senhores Jesus Cristo, o Filho de
Deus.
4
DEDICATÓRIA
À minha amada família: Pedrão,
Dudinha e Tetê.
5
RESUMO
O presente trabalho terá como escopo trazer à discussão as aplicações
das alterações, levadas a cabo pelo Estado, na forma da Lei Federal nº
9.503/97, mais conhecida como o Código de Trânsito Brasileiro - CTB, e seus
desdobramentos no seio da sociedade brasileira. Avaliaremos, de maneira
sucinta o que motivou o Legislador a romper, em prol de uma coletividade,
mesmo que tal afirmação não goze de presunção absoluta, direito fundamental
do cidadão, duramente construído ao longo dos anos, mormente no que se
refere ao direito à ampla defesa, com especial desdobramento na auto-defesa,
sabidamente garantido na Constituição da República Federativa do Brasil.
A monografia terá como objetivos avaliar a ação do Estado nas relações
interpessoais, notadamente quanto ao uso de veículos automotores, exigindo
dos cidadãos condutas até então não açambarcadas pelo direito.
Nessa esteira, buscaremos também fazer críticas ao modelo utilizado
pelo Estado no trato da coleta de prova no momento da abordagem do suposto
"criminoso" atrás do volante, condutas essas decorrentes, como já disse
alhures, das alterações provocadas na Lei 9.503/97, mormente nos artigos
306 e 165, tudo à Luz da Constituição Federal.
Por fim, num cotejo entre o poder do estado, que possui todo o aparato
necessário para melhor exercer o controle dos possíveis violadores da conduta
reprovada, ressaltaremos, também, o direito que tem o cidadão de não fazer
provas contra ele mesmo (Nemo tenetur se detegere), pois, se de um lado
encontra-se o direito da coletividade, do outro repousa o direito individual do
administrado à ampla defesa.
6
METODOLOGIA
Procuraremos, de maneira objetiva, alcançar alguns entendimentos
acerca da matéria desta monografia no sentido estabelecer discussões e
proposições no que tange aos desdobramentos envolvendo o tema central,
quais sejam, as alterações provocadas no código de trânsito, resultando no que
conhecemos por “Lei Seca”.
Para isso, buscaremos amparo em fóruns de discussão, Internet,
Julgados dos Tribunais Estaduais, dos Tribunais Superiores e Supremo
Tribunal Federal. Assim, com a ajuda da jurisprudência e a parca doutrina
existente acerca da matéria em voga e, sem a pretensão de exaurir o assunto,
discutiremos pontos importantes e necessários para o momento atual,
procurando, quando possível, sugerir soluções.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I - Da Constituição da Republica Federativa do Brasil 11
I.I - Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos I.II - Do devido processo Legal I.III - Da ampla defesa (Nemo tenetur se detegere) CAPÍTULO II - Do Código de Trânsito Brasileiro 20
II.I - A Lei nº 11.705/08 (1ª alteração) II.II - A Lei nº 12.760/12 (2ª alteração) II.III - A esfera administrativa CAPÍTULO III – Do Perigo concreto e do perigo abstrato 39
CONCLUSÃO 41
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 43
ÍNDICE 45
FOLHA DE AVALIAÇÃO 46
8
INTRODUÇÃO
Inúmeros foram os acontecimentos de grandes proporções ocorridos
desde o meado do século passado. A título de exemplo, pudemos observar
avanços na ciência e tecnologia; a criação de grandes blocos econômicos,
capazes de provocar mudanças significativas na vida dos seres humanos em
todo o planeta, entre outras.
No campo das relações interpessoais observamos o vertiginoso
crescimento da fluente e constante disseminação da cultura tecnológica, que
alavancou novas idéias e provocou, sem sombra de dúvidas, profundas
mudanças de comportamento no seio social.
Com o uso da tecnologia surgiram novas “tribos” originariamente da
cultura geek, influenciadas por novos cenários e possibilidades até então
desconhecidas. Estamos falando das relações pessoais que sofreram incríveis
modificações nos últimos anos, decorrentes do uso de mecanismos voltados
para a comunicação. Assim, a sociedade moderna, ansiosa por novidades,
conta hoje com um cabedal de possibilidades para se inserir nos
relacionamentos interpessoais com a ajuda de aparelhos eletrônicos cada vez
mais potentes.
Da invenção do telefone celular, passando do pelos consoles de vídeo-
games, notebooks, palms, smartphones e tablets, somente citados a título de
exemplo, aos modernos recursos com o uso da grande rede mundial, ou seja, o
surgimento das grandes redes sociais, v.g., Orkut, baidoo e os fenômenos
facebook e twyter, o homem social se inseriu de vez no que podemos chamar
de comunicação global.
Ainda nessa esteira, consideráveis também foram as mudanças de
comportamento exigidas pela coletividade no que diz respeito a atuação e
9
desdobramentos das condutas do ente singular, ou seja, com o crescimento de
que falamos alhures, as conseqüências também se fizeram presentes e
provocaram alterações consideráveis no que tange ao modo conviver, ou
melhor dizendo, de viver em conjunto na sociedade moderna.
Como não podia deixar de ser, o Estado administrador tratou de
acompanhar e, quando possível, fazer as suas incisões, mesmo que algumas
delas não se mostrassem razoáveis. Quanto às condutas envolvendo o uso da
Internet, considerando a euforia que cercou os primeiros passos da informática
no país, surgiu, concomitantemente, e em número considerável, uma gama de
problemas relacionados com o advento da mesma.
Destarte, o Legislador colocou imediatamente em pauta projetos de Lei
no sentido de estabelecer regras, criar marcos, enfim, de proporcionar
regramentos, tudo com o desiderato de regulamentar as relações entre os
entes da sociedade.
Não são diferentes as diversas outras tentativas do Estado
Administrador nos outros campos de conhecimento humano, pois, tudo o que é
humano passa pelo crivo das autoridades legitimamente constituídas, que,
considerando o momento pelo qual passam os acontecimentos e
principalmente com o aumento dramático de determinadas condutas sociais
que possam provocar instabilidade ou até mesmo comoção no meio da
sociedade, atuam energicamente no sentido de conter o avanço de tais
ocorrências.
Foi pensando desta maneira que o Legislador, em datas recentes,
propiciou alterações consideráveis na Lei que rege o sistema rodoviário do
Brasil. O já há muito conhecido de nós, o Código Brasileiro de Trânsito (CTB)
foi modificado em datas recentes com o objetivo de tentar frear a estatísticas
alarmantes quanto a mortes nas estradas pelo país a fora, decorrentes de
10
acidentes provocados, na sua grande maioria, por motoristas embriagados ou
sob efeito de substância psicoativa.
Estas modificações, que veremos com mais acuidade nas páginas
adiante, se mostram muitas vezes necessárias para salvaguardar bens
extremante valiosos, quais sejam, a vida em primeiro lugar, a segurança nas
estradas, o desafogamento do sistema de saúde publico particular, entre
outros.
Imbuído com o espírito de salvaguardar vidas, o Estado interventor
forçou, de maneira cogente, a mudança no comportamento do cidadão, quando
à frente de seu veículo, privilegiando a coletividade, mesmo sob forte ataque
dos defensores dos direitos e garantias individuais, como vermos mais a
adiante.
É neste viés que abordaremos, mesmo que de maneira sucinta, esse
conflito que se estabeleceu no seio da sociedade, que, com seu traço
polêmico, desencadeou ardentes debates acerca das medidas adotadas, tanto
do lado daqueles que a apoiaram, quanto de outros que a criticaram. Assim, há
aqueles que defendem tal intervencionismo, tomando como base a
preservação da vida na malha viária em prol de uma coletividade e aqueles
que, sem negar a legitimidade da premissa anterior, rogam por poder exercer o
seu direito fundamental Constitucional sem restrições.
11
CAPÍTULO I
DA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos
em Assembléia Nacional Constituinte para instituir
um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a
liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como
valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na
harmonia social e comprometida, na ordem interna
e internacional, com a solução pacífica das
controvérsias, promulgamos, sob a proteção de
Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.1
É com essa chamada que os representantes da nação, quando
reunidos em assembléia Constituinte, deixaram claro quais eram os objetivos
da Carta Maior, da Lei Magna que nos levaria a patamares auspiciosos de um
povo ainda carente e recém saído de época onde os acontecimentos não lhes
eram favoráveis.
Não é por outro motivo que, ao acessar o portal do Governo Federal
nos deparamos com o seguinte aviso: “A Constituição da República Federativa
do Brasil é a Lei Fundamental do nosso país e foi elaborada com base na
soberania popular. Seus preceitos visam projetar o Brasil como Estado
Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a
1 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
12
igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na
ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”2
A promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de
1988 foi talvez o acontecimento mais célebre para todo o povo brasileiro. Foi
através dela e por meio dela que diversos direitos deveras importantes foram
elevados e tiveram assento de relevância para os cidadãos. Não é inutilmente
que costumamos nomear a atual Constituição de: Constituição cidadã.
Sem buscarmos adentrar em termos técnicos que envolvem o estudo
do Direito Constitucional, quando da análise das diversas classificações da
Constituição Federal, trataremos, como objetivo inicial, dar enfoque às
conquistas alcançadas com o advento da Carta Maior de 88
Brilhante estudo do ponto de vista histórico que antecedeu à
promulgação da atual Constituição Federal, da lavra de Fernando Perlatto3,
comenta as circunstâncias históricas daquele momento, evidenciando ponto
fundamental entre os diversos setores da sociedade, que ansiavam por
democracia plena. Diz o estudioso:
“O final dos anos 70 e a década de 80 tiveram como característica principal a intensa agitação da sociedade brasileira, configurando um contexto de intensos debates acerca do futuro do país. A mobilização de diversos setores da sociedade civil – como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), alguns setores da Igreja Católica, instituições científicas públicas e privadas (CEBRAP, CEDEC, IUPERJ, entre outros) – no decorrer destes anos, que teve como símbolo principal as reivindicações dos metalúrgicos no ABC paulista, que desembocou na criação do Partido dos Trabalhadores (PT) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), evidencia o grau de organização da sociedade brasileira e dos movimentos sociais, que desejavam influir decisivamente no processo de construção da nova democracia. Obviamente, diferentes táticas pululavam nos debates e, embora a democracia fosse o ponto comum que unia estes setores como objetivo a ser alcançado, havia evidentes diferenças sobre a forma de alcançá-la e o conteúdo que esta teria.4”
2 http://www2.planalto.gov.br/presidencia/legislacao 3 Mestrando em Sociologia do Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (IUPERJ). 4 http://revistacontemporaneos.com.br/n3/pdf/constituicao.pdf
13
Assim, considerando o momento histórico no qual se inseria o País
naquela oportunidade, forçoso reconhecer que as conquistas que se
pretendiam estavam intimamente ligadas aos anseios por liberdade,
democracia e consequentemente por garantias aos cidadãos administrados de
que o Estado não mais levasse a efeito as suas imposições unilaterais, sem
qualquer respeito ao individual.
Digno de nota é o fato de que, na época, vozes não contentes com os
acontecimentos “denunciavam” o mascaramento da situação criada, haja vista
a inegável tutela militar ainda presente. À guisa de exemplo, vejamos o que
dizia o então Deputado Federal José Genoíno em seu artigo “A transição
fardada”:
“Os militares são o "principal partido" da burguesia, graças à tradição histórica brasileira, ao caráter conciliador da transição Trancredo/Sarney e ao conservadorismo da "Nova República". Nesse sentido, a tutela militar faz parte da estrutura social do Brasil. Combatê-la é lutar pelas liberdades políticas. Por isso, na concepção do PT, as Forças Armadas não devem ter qualquer função política policial e repressiva interna”5
Destarte, em apertada síntese, como resultado de todo o movimento
social/político que cercou a assembléia Nacional Constituinte de 1988, entre
outros, encontram-se os direitos e garantias fundamentais, dos quais falaremos
no ponto seguinte, mais especificamente sobre os direitos e deveres individuais
e coletivos.
5 http://www.teoriaedebate.org.br/materias/nacional/transicao-fardada?page=full
14
I.I – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos
Entre as diversas conquistas engendradas pela nova ordem
Constitucional poderíamos citar os inúmeros direitos sociais; os direitos
políticos etc.. Entretanto não se pode negar que os direitos e garantias
individuais, localizado no título II da Constituição da República, assumem
relevância das mais consideráveis do ponto de vista da evolução da sociedade
brasileira.
Dentre os seus cinco capítulos ressaltamos a envergadura alcançada
pelo capítulo I, qual seja, os direitos e deveres individuais e coletivos
assentados no artigo quinto, in verbis:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”
É de assaz importância observar que os valores aqui resguardados
estão intimamente ligados à estrutura organizacional da própria sociedade, ou
seja, é o que lhes é de essencial a sua existência.
Assim, não podemos imaginar, no atual estágio de evolução da nação
brasileira, o não cumprimento por parte do Estado quanto ao respeito integral
aos direitos individuais duramente alcançados após décadas de imposição
militar.
No que tange ao efetivo resguardo das garantias estabelecidas pelo
artigo quinto da CF, o Poder Judiciário vem exercendo fundamental importância
na defesa dos mesmos. O Supremo Tribunal Federal assumiu papel
absolutamente essencial nesse processo de garantir a efetividade dos
preceitos Constitucionais vigentes.
15
Assim, ao longo dos anos a Jurisprudência vem sendo paulatinamente
sedimentada nesse sentido, o que nos remete, neste momento, a alguns
trechos dos ensinamentos da eminente Magistrada Oriana Piske de Azevedo
Magalhães, em seu trabalho “Direitos Individuais, Coletivos e Sociais?”,
publicado na revista eletrônica JusBrasil6, ipsis literis:
“... O referido artigo 5o arrola os chamados direitos e deveres individuais e coletivos. O dispositivo começa enunciando o direito de igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. A despeito de ser uma declaração formal, não deixa de ter sentido especial essa primazia ao direito de igualdade, que, por isso, servirá de orientação ao intérprete, que necessitará ter sempre presente o princípio da igualdade na consideração dos direitos fundamentais assegurados aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País. Para José Afonso da Silva, os direitos fundamentais do homem-indivíduo, são aqueles que reconhecem autonomia aos particulares, garantindo a iniciativa e independência aos indivíduos diante dos demais membros da sociedade política e do próprio Estado. ... José Afonso da Silva faz uma distinção em três grupos sob esse aspecto: 1o) direitos individuais expressos, aqueles explicitamente enunciados nos incisos no art. 5o; 2o) direitos individuais implícitos, aqueles que estão subentendidos nas regras de garantias, como o direito à identidade pessoal, certos desdobramentos do direito à vida, o direito à atuação geral (art. 5o, II); 3o) direitos individuais decorrentes do regime e de tratados internacionais subscritos pelo Brasil, aqueles que não são nem explícita nem implicitamente enumerados, mas provêm ou podem vir a provir do regime adotado, como o direito de resistência, entre outros de difícil caracterização a priori Podemos classificar os direitos individuais nos grupos seguintes: 1o) direito à vida; 2o) direito à intimidade; 3o) direito de igualdade; 4o) direito de liberdade; 5o) direito de propriedade. Tais categorias incluem os direitos individuais expressos (e implícitos), conforme seu objeto imediato. A rubrica do Capítulo I do Titulo II anuncia também uma especial categoria dos direitos fundamentais: os direitos coletivos. Segundo José Afonso da Silva, muitos dos direitos coletivos sobrevivem ao longo do texto constitucional ... Os deveres que decorrem dos incisos do artigo 5o têm como destinatários mais o Poder Público e seus agentes em qualquer nível do que os indivíduos em particular. A inviolabilidade dos direitos assegurados impõe deveres a todos, mas especialmente às autoridades e detentores de poder. Alguns exemplos esclarecem o tema: o dever de propiciar ampla defesa aos acusados, o dever de só prender alguém por ordem escrita de autoridade competente, salvo nos casos de transgressões militares e crimes propriamente militares, o dever de comunicar a prisão de alguém e o local onde se encontre ao juiz competente e à família do preso, o dever de informação ao preso, de seus direitos, entre os quais de permanecer calado, assegurada a assistência a família e de advogado, o dever de identificação, ao preso, dos responsáveis por sua prisão ou interrogatório, o dever de respeitar a integridade física do preso etc. (art. 5o, XLIX, LXII, LXIII e LXIV).
6 http://direito-legal.jusbrasil.com.br/noticias/2265981/direitos-individuais-coletivos-e-sociais
16
Importante destacar que os direitos e garantias individuais receberam uma proteção extraordinária ao vedar ao poder constituinte derivado, a introdução de emenda que tenda a suprimi-los. Outra garantia que recebeu idêntico dispositivo foi a da separação dos poderes, demonstrando que sem esta não há liberdade nem direitos humanos que possam estar salvaguardados. Segundo Paulo Bonavides, os direitos e garantias individuais, em nosso ordenamento jurídico, receberam a mais sólida proteção constitucional vazada na cláusula de rigidez extrema do § 4o do artigo 60, que retira do alcance do legislador constituinte de segundo grau o poder de deliberar acerca de emenda porventura tendente a abolir aqueles direitos e garantias.”
17
I.II – Do devido processo legal
Para chegarmos a uma adequada pesquisa acerca do devido processo
legal, mister se faz salientarmos que, não obstante o tema ser de fácil
entendimento, não poderíamos nos aprofundar nos seus princípios sem antes
nos servirmos da trilogia estrutural do processo.
Em sede de doutrina é incontestável o fato de que a teoria geral do
processo se dá em três grandes pilares, quais sejam, JURISDIÇÃO – AÇÃO –
PROCESSO, onde a ação é o instrumento utilizado para a efetiva aplicação da
jurisdição; tendo o processo o papel de possibilitar tal efetivação. Pois bem,
daqui por diante nos concentraremos nessas afirmações como forma de poder
demonstrar que a tutela jurisdicional prestada pelo Estado Juiz está ancorada
em diversos princípios formadores do DEVIDO PROCESSO LEGAL e, que têm
como corolário a solução dos litígios no seio da sociedade, visando a harmonia
das relações jurídicas bem como a estabilização das situações jurídicas.
Desta forma, com intuito de aprofundarmos as implicações decorrentes
das novas regras Estatais acerca da regulação do sistema viário, notadamente
quanto a quase epidêmica falta de cuidado de alguns cidadãos no comando de
seus veículos automotores, é que não podíamos deixar de abordar questões
técnicas do direito relacionadas com o importantíssimo tema “devido processo
legal”.
Isto se faz necessário, como veremos em minúcias mais adiante, haja
vista as conseqüências às quais são submetidos os jurisdicionado quando da
abordagem do Estado, nas conhecidas blitz da Lei Seca.
Assim, para nós, o devido processo legal é composto por um fecho de
outros princípios, de não menos importância, que dele emanam. Como se sabe
o devido processo legal tem assento constitucional. In verbis:
18
Art. 5º, LIV. CF:
“ Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal”
A verdade é que os demais princípios norteadores do direito processual
civil são oriundos deste, pois, direta ou indiretamente todos são consectários
do devido processo legal, que por sua vez, tem raízes fincadas no direito
inglês, mais precisamente na constituição inglesa de 1215 ( para muitos juristas
fora considerada a primeira constituição escrita da Inglaterra7 ). O art. 39 da
referida carta política trazia o seguinte, ipsis literis:
“ Nenhum homem livre será detido ou aprisionado ou privado dos seus
bens ou dos seus direitos legais ou exilado ou de qualquer modo
prejudicado. Não procederemos nem mandaremos proceder contra ele,
a não ser pelo julgamento regular dos seus pares ou de acordo com as
leis do país8 “
Interessante observar que, inicialmente não se tinha uma concepção no
mesmo sentido da que hodiernamente se prega. O devido processo daquela
época era na verdade previsto para uma classe dominante de nobres, onde a
classe menos favorecida permanecia à margem.
Podemos dizer que o devido processo legal é o “princípio rei”, ou seja, é
o sol de onde irradiam outros diversos princípios como o do JUIZ NATURAL;
DA INÉRCIA; CONTRADITÓRIO e especialmente o da AMPLA DEFESA, entre
outros tão garantidores quanto estes.
7 Alexandre Câmara. Lições de direito processual civil. P. 29. 8 O prof. Alexandre Câmara analisando o escrito em João Soares Carvalho, nos assevera que o texto original fora escrito em latim com o intuito de suas regras servirem aos nobres, excluindo dessa forma o povo.
19
Ainda do ponto de vista histórico e com o objetivo de traçar algum
paralelo com o direito comparado, sabemos que os Estados Unidos da América
foram, como de regra, colonizados por povos oriundos da Europa. Destarte,
não obstante aquele país ter adotado o devido processo legal (DUE PROCESS
OF LAW ), é certo que o mesmo guarda suas características decorrentes de
modificações construídas ao longo da história.
O direito anglo saxão baseia-se num sistema jurídico distinto do direito
pátrio. Naquele país vigora o sistema (família) do COMMOM LAW9, que nasceu
das idéias de liberdade do povo americano como forma de se libertar da
influência do direito aplicado pela metrópole.
O common law (direito comum) a grosso modo, parte do indutivo para a
chegada da solução do caso concreto; daí a necessidade de se criar
procedimentos norteadores para a boa e eficiente aplicação do direito, o que
significa dizer que o devido processo legal é verdadeiro postulado para a
garantia dos direitos fundamentais do homem; consectário lógico do Estado
democrático de direito previsto no texto constitucional.
Há quem entenda que o “due process of law “ não deve ser entendido
como o devido processo legal e sim como o devido processo da lei10. Defende
o autor desta tese que o verdadeiro significado da expressão em comento, aqui
no Brasil, difere daquela aplicada no direito americano onde a palavra “law” é
ambígua, podendo significar lei ou direito, nunca legal.
Ainda no sentido de se mostrar a importância que assume o devido
processo da lei, o emérito professor e Juiz Federal Wilnei Magno no assevera
que, no que tange à prova no processo, antes desse, não temos o que costuma
chamar de prova pré-constituída, pois, só é prova aquela que consta dos autos.
9 Lincoln Magalhães da Rocha. A constituição americana: dois séculos de direito comparado: ed. trabalhistas, Rio de Janeiro, 1990. 10 Wilnei Magno
20
Assim, consoante ensinamentos do douto Magistrado, antes do
processo o que temos é documento ( situação jurídica material ), o qual, ao
ingressar num determinado processo, como meio para interferir no livre
convencimento do juiz, torna-se prova documental ( situação jurídica
processual ), o que nos leva à impossibilidade de falarmos em prova pré-
constituída.
Para nós, o pensamento do ilustre professor guarda coerência ao passo
que tal posicionamento não prestigia, mas também reitera a importância que
assume o devido processo legal no direito positivo, principalmente quando,
num caso concreto, pode o cidadão invocar tal proteção para que não se veja
atacado pelo ente Estatal.
De certo modo o nosso ordenamento jurídico assimilou, principalmente
após a constituição de 05 de outubro de 1988, de forma positiva, o devido
processo legal e seus desdobramentos.
É cediço que não há como desvincular o devido processo legal da
prestação jurisdicional do Estado uma vez que a função jurisdicional é
propiciadora, permissionária do ACESSO À JUSTIÇA.
Este tema que tem sido objeto de estudo constante e é de fundamental
importância na ordem jurídica visto que a sua aplicação proporciona a
materialização do Estado democrático de direito, e como instrumentalizadores
dessa nova ordem estão previsto alguns dispositivos para que o cidadão não
se veja atado diante de determinadas situações.
Prova disso, a título de exemplo, é a lei 1060/50, na qual estão
articulados os pressupostos para aqueles que não possuem condições
financeiras para prover as despesas com a defesa técnica.
21
No mesmo sentido a lei também prevê a possibilidade de substituição
processual ou legitimidade extraordinária, tudo vistas ao exercício pleno das
garantias que tem o indivíduo social face a possíveis agressões por parte do
Estado.
Conta também como possibilidade de acesso à justiça a instituição da
defensoria pública que poderá ser acionada na defesa dos interesses dos
cidadãos. Na mesma esteira o legislador tratou de descomplicar, ou seja, criou
mecanismos eficientes para o tratamento de casos de menor complexidade,
qual seja, o rito sumaríssimo, aplicável ao meio do sistema de Juizados
Especiais e suas Turmas Recursais.
Neste sistema, as causas consideradas pela lei como de menor
complexidade, bem como de até determinados valores, obedecem aos
princípios da celeridade, informalidade, oralidade etc..., proporcionando aos
jurisdicionados uma solução mais célere no trato dos seus litígios, permitindo,
inclusive, algumas medidas despenalizadoras no seio dos Juizados Especiais
Criminais.
Há que se falar também das formas de autocomposição da lide,
mormente no que tange a lei 9307/96 que dispõe sobre arbitragem. Aqui,
pensamos merecer algumas considerações: Não duvidamos que o tribunal de
arbitragem seja capaz de solucionar os casos que ali são submetidos uma vez
que este se encontra acobertado por lei infraconstitucional.
Por fim, outra forma de se mostrar o acesso à justiça é a faculdade dada
às partes de buscarem conciliação, ou seja, a possibilidade que o judiciário
promove em busca de compor as pretensões em jogo, objetivando o
desafogamento do Poder Judiciário.
22
I.III – Da Ampla Defesa
Consoante estudo mais pormenorizado resultante da análise crítica
que se espera acerca do tema em comento é de se esperar merecida atenção
ao ponto acima epigrafado tendo em vista que, trata-se, ao final, do desiderato
principal deste simplório estudo, qual seja, o exercício de um dos direitos
individuais insculpido no âmago do artigo quinto, em seu inciso número LV, que
assim prevê:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: ... LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”
Considerando o tema deste simples estudo, bem como o objetivo de
colocar frente a frente o direito individual face ao coletivo, assume grande
importância o aprofundamento da matéria relativa ao ponto “ampla defesa”.
Na doutrina pátria são inúmeros os estudos acerca do assunto
relacionado direta ou indiretamente à ampla defesa. Assim, podemos entendê-
la, a princípio, sob duas óticas, quais sejam, a DEFESA TÉCNICA e a
AUTODEFESA.
Em linhas gerais, a ampla defesa assegura ao jurisdicionado a
possibilidade de apresentar, na sua plenitude, todos os seus argumentos junto
ao Estado-Juiz, tendo o direito de ver suas impugnações, recursos e alegações
apreciados pelo Estado.
23
Em sede de doutrina, mister trazer à colação as palavras do Ministro
Gilmar Mendes, sabidamente detentor de amplos conhecimentos técnicos
acerca do assunto. Diz o estudioso ao apreciar o Mandado de Segurança nº
24268/MG:11
“... Daí afirmar-se, correntemente, que a pretensão à tutela jurídica, que corresponde
exatamente à garantia consagrada no art. 5º, LV, da Constituição, contém os seguintes
direitos:
1) direito de informação ('Recht auf information'), que obriga o órgão julgador a informar
à parte contrária dos atos praticados no processo e sobre os elementos deles
constantes;
2) direito de manifestação ('Recht auf Äusserung'), que assegura ao defendente a
possibilidade de manifestar-se oralmente ou por escrito sobre os elementos fáticos e
jurídicos constantes do processo;
3) direito de ver seus argumentos considerados ('Recht auf Berücksichtigung'), que
exige do julgador capacidade, apreensão e isenção de ânimo ('Aufnahmefähigkeit un
Aufnahmebereitschaft') para contemplar as razões apresentadas (Cf. Pieroth e Schlink,
Grundrechte -Staatsrecht II, Heidelberg, 1988, p. 281; Battis e Gusy, Einführung in das
Staatsrecht, Heidelberg, 1991, p. 363-364; Ver, também, Dürig/Assmann, in: Maunz-
Dürig, Grundgesetz-Kommentar, Art. 103, vol IV, n. 85-99).
Sobre o direito de ver os seus argumentos contemplados pelo órgão julgador ('Recht
auf Berücksichtigung') que corresponde, obviamente, ao dever do juiz ou da
Administração de a eles conferir atenção ('Beachtenspflicht') pode-se afirmar que
envolve não só o dever de tomar conhecimento ('Kennitnisnahmepfilicht'), como
também o de considerar, séria e detidamente, as razões apresentadas
(Erwägungspfilicht) (Cf. Dürig/Assmann, in: Maunz-Dürig, Grundgesetz-Kommentar,
Art. 103, vol. IV, n. 97). É da obrigação de considerar as razões apresentadas que deriva o dever de
fundamentar as decisões (Decisão da Corte Constitucional -- BVerfGE 11, 218 (218);
Cf. Dürig/Assmann, in: Maunz-Dürig, Grundgesetz-Kommentar, Art. 103, vol. IV, n.
97)." (MS 24268 / MG - Mandado de Segurança - Relator p/ Acórdão Min. Gilmar
Mendes, Julgamento em 05-02-2004, DJ de 17-09-2004 PP-00053).”
11 http://www.wikilegal.wiki.br/index.php?title=Princ%C3%ADpio_da_ampla_defesa#_note-0#_note-0
24
Em vista dos ensinamentos contidos no brilhante voto do Jurista
supracitado, teceremos algumas linhas do desdobramento natural relacionado
o tema em voga. Como já dissemos, a ampla defesa sofre dicotomia no
momento em que se desdobra em defesa técnica e autodefesa e são
consectários do devido processo legal.
A ampla defesa, como de regra, está intimamente ligada ao
contraditório e, por vezes, os referidos institutos se confundem. No contraditório
repousa a oportunidade que tem um acusado de refutar eventuais provas que
pesam contra o mesmo, podendo, inclusive, suscitar conflitos, especificação de
provas, bem como requerê-las.
Ressalte-se que não devemos falar em contraditório na fase de
inquérito policial, pois, como bem defende o Jurista Paulo Sérgio Rangel, a
fase pré-processual se desenrola no seio do sistema inquisitivo e, portanto, não
se pode falar em acusado.
Dito isso, analisaremos a defesa técnica, que consiste, como o próprio
nome já diz, na legitimidade postulativa no seio do devido processo legal, ou
seja, deve ser exercida por profissional do ramo do direito, devidamente
habilitado nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, que, mediante
outorga, exerce a defesa de seus clientes perante o Poder Judiciário.
Diga-se também que a defesa técnica deve ser efetiva, ou seja, poderá
o Estado-Juiz, caso verifique que o jurisdicionado encontra-se em situação de
fragilidade ante a defesa insuficiente, destituir o profissional nomeado e
designar a atuação da Defensoria Pública.
Outrossim, não se pode olvidar que a defesa técnica é indisponível.
Assim, via de regra, embora não seja unânime em doutrina e jurisprudência, a
defesa técnica será sempre necessária, prevalecendo, em muitos casos, a
vontade do defensor em detrimento daquela emanada pelo acusado.
25
Anote-se também o papel da Defensoria Pública dos Entes Federados,
igualmente essencial à função Jurisdicional do Estado na defesa dos
necessitados e que goza de prerrogativas próprias das suas funções.
A defesa técnica, vale dizer, tem assento Constitucional consoante os
termos do artigo nº 133 e 134 da Carta da República Federativa, in verbis:
“Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.)”
No que tange à autodefesa, em apertada síntese, a mesma repousa
seus tentáculos no poder que tem o jurisdicionado de buscar todos os meios
adequados e admitidos no ordenamento jurídico no sentido defender-se de
eventuais ataques a algum dos seus bens regularmente tutelados.
Em verdade, a autodefesa, desdobramento que é do princípio da
ampla defesa e, em última análise, consectário da devido processo legal,
reveste-se na qualidade de uma das diversas garantias individuais
estabelecidas na Constituição da República.
Trata-se, em suma, de mecanismo de proteção do indivíduo tutelado
contra os desmandos e eventuais posturas excessivas por parte do Estado.
Em sede de doutrina é comum a classificação acima relatada. Os
doutos no assunto, ao debruçarem-se no estudo mais detalhado do tema
costumam elencar os desdobramentos da autodefesa nos seguintes direitos
que tem o cidadão indigitado:
26
• DIREITO DE AUDIÊNCIA (OU DE FALA)
O jurisdicionado tem o direito Constitucional
garantido de se manifestar durante as audiências
no curso de um processo.
• DIREITO DE PRESENÇA
Igualmente, tem o cidadão o direito de estar
presente, ou seja, de acompanhar e de ser
auxiliado por profissional habilitado, o qual deve
exercer a sua defesa técnica.
• DIREITO AO SILÊNCIO
Talvez o mais importante desdobramento da
autodefesa, o direito ao silêncio revela-se no
poder que tem o jurisdicionado de não produzir
prova contra si. (Nemo tenetur se detegere).
Mais adiante tornaremos a falar dos elementos supracitados,
notadamente em relação ao direito ao silêncio (direito individual) em confronto
com as novas determinações emanadas pelo legislador quanto às regras
atinentes ao Código de Trânsito Brasileiro, popularmente conhecidas com “Lei
Seca”
27
CAPÍTULO II
DO CÓDIGO E TRÂNSITO BRASILEIRO
LEI 9503/97
A Lei Federal nº 9.503 de 23 de setembro de 1997 nasceu diante da
necessidade de se regular, a nível nacional, o sistema viário existente no país.
Logo no seu artigo primeiro o Legislador fincou objetivos e trouxe definições,
conforme se depreende do seu texto inicial, in verbis:
“Art. 1º O trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território
nacional, abertas à circulação, rege-se por este Código.”
A seguir, mostrou também preocupação em relação à segurança no
que tange à integridade física dos condutores de veículos automotores na
malha viária. È o que se depreende da simples leitura do parágrafo segundo do
artigo acima, se não vejamos:
“§ 2º O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever
dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de
Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências,
adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito.”
Cumpre ressaltar que não temos a pretensão de exaurir ou mesmo nos
aprofundar em estudo mais elaborado acerca do Código de Trânsito Nacional.
Em verdade, destacamos parte do texto preambular da Lei 9503/97
com fito de adentrarmos nas alterações efetuadas pelo estado. Estamos
falando das Leis Federais nº 11.705/08 e 12.760/12, respectivamente primeira
e segunda alteração Legislativa, com as quais nos ocuparemos adiante.
28
II.I – A Lei nº 11.705/08 (1ª alteração)
O texto original do artigo 306 do CTB, Lei Federal nº 9.503/97,
continha a seguinte redação:
“Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência
de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial
a incolumidade de outrem:”
Vislumbra-se pela simples leitura do dispositivo a simplicidade com
que o Legislador tratou a matéria na época. Ao criminalizar a conduta de
conduzir veículo sob a influência de álcool e outras substâncias não tinha,
naquele momento, uma visão do futuro que lhe pudesse auxiliar em decisões
de maior efetividade.
Estamos querendo dizer com isso que, em 1997, embora os números
acerca dos acidentes automobilísticos já se mostrassem preocupantes, não
podia o Legislador visualizar ou imaginar, naquela oportunidade, a crescente e
vertiginosa linha de crescimento nos números de acidentes nas estradas do
Brasil nos anos que se seguiriam.
Em linhas gerais esse aumento se deu por conta questões de
economia nacional, que possibilitou o acesso a bens e serviços. Assim, o
número de motoristas e motociclistas no país sofreu aumento considerável no
período de 2000 a 2008.
Para melhor visualização no que tange aos números buscamos apoio
no estudo realizado em abril de 2011, da lavra do estudioso Julio Jacobo
Waiselfisz12, ipsis literis:
12 http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2011/acidentes_transito.pdf
29
“Na década de 1990, registra-se uma inflexão (ver gráfico 2.1) na evolução da mortalidade por acidentes de trânsito, a qual permite caracterizar três grandes períodos, relacionados com o novo Código de Trânsito, promulgado em setembro de 1997. No primeiro período, que vai até 1997, o SIM registra significativos aumentos, ano a ano, no número de mortes, principalmente entre 1993 e 1997. No segundo período, que se inicia em 1997 (com a nova Lei) e vai até o ano 2000, os números caem, dado o rigor do novo estatuto e as campanhas que ele gerou. Mas, a partir do ano 2000, é possível observar novos e marcados incrementos, da ordem de 4,8% ao ano, fazendo com que os quantitativos retornassem, já em 2005, ao patamar de 1997, para continuar depois crescendo de forma contínua e sistemática.” Abaixo segue gráfico demonstrativo, também da lavra do autor supra,
que nos proporciona visão panorâmica acerca das mortes provocadas por
acidentes de trânsito no Brasil.
Simples leitura do gráfico acima revela que após o ano de 1997, com o
advento do Código de Trânsito, houve redução nas ocorrências morte nas
estradas, o que foi verificado até o ano 2000.
30
A partir desse ponto a linha não parou mais de subir e, ano a ano, os
números fizeram soar o alerta vermelho no Congresso Nacional. O clamor no
meio social era latente. Casos de grande repercussão deram início a
movimentos no sentido de coibir, de punir os cidadãos que insistiam em
descumprir os seus deveres quando assumiam o volante de seus veículos.
Assim, diante da pressão social e dos números que não paravam de
subir, o Legislador interveio e provocou a primeira incisão no bojo da legislação
de trânsito e fez isso por meio da Lei nº 11.705/08.
Destarte, o artigo 306 do CTB passou a vigorar com a seguinte
redação:
“Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com
concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis)
decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância
psicoativa que determine dependência:”
Aqui a inovação se deu por conta da quantificação da substância
álcool por litro de sangue ser igual ou superior a 6 (seis decigramas), grifo
nosso.
Na Jurisprudência houve repercussão imediata. A sociedade, valendo-
se do seu direito de não produzir prova contra si, assumiu postura contrária
quanto a possibilidade de se auto-incriminar.
Assim, não raras foram as situações onde o motorista, ao ser parado
numa blitz da lei seca se negou a submeter-se ao etilômetro alegando, em
síntese, que a Constituição Federal lhe garantia tal postura. Tal comportamento
colocou em xeque a efetividade do programa como um todo, pois, o objetivo
que se buscava foi esvaziado.
31
Logo os Tribunais do país foram chamados a se manifestar acerca da
problemática e a jurisprudência, embora tenha oscilado quanto as suas
decisões, firmou, na maioria dos casos, entendimento no sentido de prevalecer
a garantia estabelecida na CF. Vejamos o seguinte aresto do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro:
“DES. ELIZABETE ALVES DE AGUIAR Julgamento: 28/11/2012 OITAVA CAMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO MINISTERIAL. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. ABSOLVIÇÃO COM FULCRO NO ARTIGO 386, III DO C.P.P. CRIME DO ARTIGO 306 DA LEI 9.503/1997. CONCENTRAÇÃO DE ÁLCOOL POR LITRO DE AR EXPELIDO PELOS PULMÕES NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. TESTE ETÍLICO. INFRAÇÃO PENAL SUBSUMIDA NO ARTIGO 165 DO CÓDIGO BRASILEIRO DE TRÂNSITO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE DIREÇÃO ANORMAL OU DE CONDUTA QUE REPRESENTASSE RISCO À INCOLUMIDADE PÚBLICA. Insurge-se o Ministério Público contra a decisão proferida pelo d. Juiz a quo, que julgou antecipadamente a lide e absolveu o apelado com fulcro no artigo 386, III do C.P.P. A peça acusatória imputou ao apelado o crime previsto no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, narrando, em síntese, que este havia sido abordado por Policiais Militares que realizavam a "Operação lei Seca" e após realizado o exame por meio do etilômetro, teria sido constatada concentração de álcool de 0,34 mg por litro de ar expelido dos pulmões, ou seja, concentração superior a três décimos de miligrama por litro de ar expelido pelos pulmões, nos termos do inciso II do artigo 2º do Decreto nº 6.488, de 19.06.2008, que regulamentou os artigos 276 e 306 da Lei acima indicada. Pugna o Parquet pela anulação da sentença, objetivando o prosseguimento do feito com a conseqüente realização da instrução criminal, eis que a conduta narrada na denúncia seria típica, tratando-se de crime de perigo abstrato. Em que pese haver divergência doutrinária quanto à nova redação introduzida pela Lei 11705/2008, ao argumento de que a hipótese teria passado a caracterizar crime de perigo abstrato, eis que o legislador penal haveria presumido o perigo da conduta daquele que conduz veículo automotor com concentração de álcool por litro de sangue superior a 6 decigramas, esta tese não parece traduzir-se na melhor interpretação do texto legal. Com efeito, necessário observar que o art. 306 do CBT teve a redação modificada pela Lei 1105/2008, tendo interposta Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4103, a qual ainda encontra-se pendente de julgamento. Neste pensar, por certo, subsiste a exigência de comprovação de que o agente o dirija de forma anormal, de molde a expor a dano potencial a incolumidade de outrem. Destaque-se que há entendimento assente deste Colegiado no sentido de caracterizar a conduta descrita na denúncia como de perigo concreto, exigindo, para tanto, o requisito de que o condutor do veículo tenha procedido de forma anormal a, efetivamente, ensejar risco à sociedade. (precedentes) Ademais, inobstante, a descrição contida na peça exordial, esta não se encontra acompanhada de indícios mínimos de prova do comportamento fático caracterizador da denominada direção anormal, sendo os mesmos indispensáveis para que se possa falar em ofensa ao bem jurídico penalmente tutelado, qual seja, a segurança viária. Da mesma forma, o auto de prisão em flagrante também não se apresenta hábil a indicar qualquer elemento probatório a demonstrar que o apelado tenha conduzido seu veículo automotor de forma irregular, a extrapolar os padrões de normalidade, de forma a causar risco à incolumidade pública. Desta feita, o prosseguimento do processo não
32
se apresentar razoável, considerando a vigência e a aplicabilidade do artigo 165 do Código Brasileiro de Trânsito, o qual nos remete a uma infração administrativa. Repise-se que na hipótese vertente, a prova dos autos não se apresenta capaz de sufragar a nulidade do decisum absolutória com vias ao prosseguimento do curso processual, eis que a conduta descrita na peça acusatória em cotejo com a prova até então coligida aos autos, não permite reconhecer-se a tipicidade da conduta. Assim, resta límpido que o fato imputado ao apelado não constitui infração penal, mas mera infração administrativa prevista no art. 165 do CTB. Por derradeiro, quanto ao alegado prequestionamento para fins de Recurso Especial argüido pelo Ministério Público não merece o mesmo conhecimento e provimento, uma vez que não se vislumbra a incidência de quaisquer das hipóteses elencadas nas letras "a", "b" ou "c" do inciso III do art. 105 da C.R.F.B. e por conseguinte nenhuma contrariedade/negativa de vigência ou interpretação violadora de normas constitucionais ou infraconstitucionais, de caráter abstrato e geral. PELO CONHECIMENTO E, NO MÉRITO, PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO MINISTERIAL. “
Ao analisar o item abaixo retornaremos a este ponto para traçarmos
um paralelo entre a modificação feita em 2008 e aquela sobre a qual iremos
nos debruçar a seguir, qual seja, a lei 12.760/12.
Lembramos que não pretendemos aprofundar algumas questões que
poderiam ser alvo desse trabalho, como a idade e sexo das vítimas,
circunstâncias em que os acidentes ocorrem ou tipo de veículo automotor com
maior incidência nos acidentes.
33
II.II – A Lei nº 12.760/12 (2ª alteração)
No item anterior, constatamos que a modificação da Lei de trânsito
inovou ao determinar a criminalização da conduta por meio da quantificação da
substância álcool por litro de sangue ser igual ou superior a 6 seis decigramas.
A lei 12.760/12, também elaborada por força da pressão social e da
continuidade no aumento das mortes provocadas por acidentes na malha viária
nacional, tornou mais rígida a postura do Estado, afastando a necessidade
quantidade determinada de substância álcool para a configuração da conduta
delitiva. Vamos ao novo texto:
“Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em
razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine
dependência:
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se
obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
§ 1o As condutas previstas no caput serão constatadas por:
I - concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou
igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou
II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade
psicomotora.
§ 2o A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de
alcoolemia, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de
prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova.”
A partir dessa alteração, o legislador abandonou a quantificação de
álcool estabelecida na Lei de 11.705/2008. Doravante, não se fazia mais
necessário a medição e comprovação de que o motorista estivesse
34
comprometido com a concentração de álcool no sangue igual ou superior a seis
decigramas.
Neste ponto, ressaltamos os ensinamentos da Desembargadora do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Doutora Maria Sandra Kayat Direito: “Já na Lei 12.760/12, o legislador criou a elementar “capacidade psicomotora alterada”, que transformou o caput do citado dispositivo em uma norma penal em branco homogênea, cuja integração pode ser encontrada em seu próprio § 1º, o qual estabelece, por meio de uma presunção absoluta, que “I - concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou (Incluído pela Lei nº 12.760, de 2012)”; “II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora. (Incluído pela Lei nº 12.760, de 2012)”, situações estas que seriam as formas de constatação daquela alteração da capacidade psicomotora.”
As implicações dessas alterações foram imediatamente surtindo seus
efeitos práticos. Desta vez, o indivíduo que se recusasse a se submeter aos
rigores da Lei, ou seja, recusar-se à aferição por meio de bafômetro ou exame
clínico, ficava submetido à percepção do agente Estatal, que podia utilizar-se
de recursos trazidos pela nova legislação. É o que diz o parágrafo segundo do
artigo 306 do CTB.
Assim, a constatação dos mecanismos estabelecidos nos dois incisos
do referido artigo, a partir de agora, podem ser obtidos mediante teste de
alcoolemia, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros
meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova.
Mais uma vez, a jurisprudência nos socorre. No voto brilhante da
Desembargadora Maria Sandra Kayat num recurso em sentido estrito,
observamos, conforme visto acima, a criação da elementar “capacidade
psicomotora alterada”. Vejamos a ementa:
35
“0025765-11.2013.8.19.0002 RECURSO EM SENTIDO ESTRITO DES. M.SANDRA KAYAT DIREITO Julgamento: 08/10/2013 PRIMEIRA CAMARA CRIMINAL EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO EMBRIAGUEZ AO VOLANTE - CRIME DE PERIGO CONCRETO INDETERMINADO PREVISTO NO ART. 306 DA LEI Nº 9503/97 - CÓDIGO BRASILEIRO DE TRÂNSITO - DENÚNCIA INÉPTA QUE NÃO DESCREVE O COMPORTAMENTO ANORMAL DO CONDUTOR DO VEÍCULO - A CONFIGURAÇÃO DO DELITO EXIGE O RISCO CONCRETO PARA A SEGURANÇA VIÁRIA ELEMENTO INDISPENSÁVEL PARA INDICAR O BEM JURIDICAMENTE TUTELADO - SE A INFRAÇÃO ADMINSTRATIVA PREVISTA NO ARTIGO 165 DO CTB FAZ A EXIGÊNCIA DE ESTAR O MOTORISTA SOB A INFLUÊNCIA DO ÁLCOOL, NÃO PODERIA O CRIME DESCRITO NO ARTIGO 306 DA MESMA LEI, QUE É MAIS GRAVE, DEIXAR DE EXIGÍ-LA - DENÚNCIA QUE NÃO CONTÉM A EXPOSIÇÃO DO FATO DELITUOSO EM TODA SUA ESSÊNCIA E CIRCUNSTÂNCIAS, DEIXANDO DE DESCREVER A INFLUÊNCIA DO ÁLCOOL SOBRE A CONDUTA DO AGENTE - IMPUTAÇÃO QUE CONSTITUI INFRAÇÃO ADMINSTRATIVA. Narra a denúncia que a recorrente foi abordada durante a operação denominada "Lei Seca," quando conduzia veículo automotor, e, submetida ao teste do etilômetro, foi constatada a concentração de de 0,32 mg/ de álcool por litro de ar expelido . No presente caso, a decisão de 1º grau que rejeitou a denúncia não merece reforma, por ser, com a devida vênia do seu subscritor, inepta a peça inaugural acusatória. Para a configuração do crime deve haver o perigo concreto ao bem jurídico coletivo segurança viária. Conforme se verifica, a denúncia não demonstrou a anormalidade realizada pela recorrente na condução do veículo, não se subsumindo na norma descrita no art. 306 da Lei 9503/97 como infração penal, mas sim como infração administrativa, prevista no artigo 165 da mesma Lei. Decisão que não merece reparo porque a denúncia foi oferecida sem a devida exposição do fato criminoso e ausente a justa causa para a deflagração da ação penal, já que a peça inaugural não descreveu o comportamento que caracterizaria a anormalidade na direção do veículo, indispensável para se falar em ofensa ao bem jurídico tutelado criminalmente. Estar "sob a influência", como era exigido pelo texto original do artigo 306-CTB, é condição essencial para a configuração do crime em análise. Deve-se, obrigatoriamente, considerar se o agente está "sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem", como era previsto anteriormente e que ainda deve imperar. RECURSO DESPROVIDO. “
Assim, considerando os entendimentos acima relatados, para que se
configure a conduta criminosa por parte do cidadão é necessário que o mesmo
apresente alguma perturbação na sua capacidade psicomotora, vale dizer:
mesmo que haja a presença de álcool na sua composição sanguínea, não se
pode afirmar categoricamente que estaria o mesmo incapaz de conduzir seu
veículo sem que trouxesse perigo para a incolumidade pública.
36
II.III – A esfera administrativa
Toda a problemática envolvendo os contornos criminais,
especialmente se se trata de crime de perigo concreto ou de perigo abstrato
vem acompanhada das discussões na esfera administrativa.
Isto se dá pelo fato de o Código de Trânsito prevê, no seu artigo 165, a
punição como infração administrativa, ou seja, pune-se a chamada embriaguez
ao volante, cuja conduta combatida é “dirigir sob a influência de álcool ou de
qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”.
A referida norma leva-nos à conclusão de que se exige que o condutor
esteja sob influência daquelas substâncias ali elencadas, exigência essa
também contida no texto do artigo 306 do Código.
Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: Infração - gravíssima; Penalidade - multa (dez vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses. Medida administrativa - recolhimento do documento de habilitação e retenção do veículo, observado o disposto no § 4o do art. 270 da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997 - do Código de Trânsito Brasileiro. Parágrafo único. Aplica-se em dobro a multa prevista no caput em caso de reincidência no período de até 12 (doze) meses.
Em sede de jurisprudência verificamos que o tema já foi alvo de
apreciação na esfera cível. Senão vejamos:
37
“0026783-44.2011.8.19.0000 AGRAVO DE INSTRUMENTO DES. MARIO ASSIS GONCALVES Julgamento: 19/10/2011 TERCEIRA CAMARA CIVEL Agravo interno. Agravo de instrumento. Mandado de segurança. Alcoolemia. Testes de aferição. "Bafômetro". Recusa. Retenção do veículo. Apreensão da carteira nacional de habilitação (CNH). Poder de polícia.Mandado de segurança impetrado por cidadão que vem a ter a sua carteira de habilitação apreendida pela autoridade em razão de recusa do chamado "teste do bafômetro", durante fiscalização de trânsito, a chamada "Operação Lei Seca", para aferição da alcoolemia. Inteligência dos art. 165, parágrafo único, 276 e 277, §§ 2º e 3º do Código de Trânsito Brasileiro. Medida administrativa: retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação, conforme redação dada pela Lei nº 11.705/08. Impetrante que lastreia a sua irresignação contra o indeferimento da liminar postulada (fl. 48), consistente na liberação da habilitação apreendida, sendo este também o mérito do mandado de segurança. Possibilidade da apreensão. A apreensão da CNH retrata um legítimo exercício pela administração pública do seu poder de polícia, visando à segurança da população em geral e do próprio condutor do veículo. Os art. 165, 276 e 277, § 3º, todos do Código de Trânsito Brasileiro possibilitam a administração pública apreender a carteira de habilitação de motorista alcoolizado ou presumidamente alcoolizado, sem que haja prévio procedimento administrativo tratando-se de ato de auto-executoriedade, sendo certo, no entanto, que isso não suprime a exigência incontornável do devido processo administrativo. O julgamento do recurso segundo os termos ali contidos significaria, por outro lado, verdadeira supressão de instância, uma vez que ainda não foi proferida no primeiro grau decisão quanto ao mérito do mandamus. Por fim, só se revoga deferimento ou não de liminar, se teratológica, contrária à lei ou à evidente prova dos autos. Enunciado nº 58 da súmula deste TJERJ. Recurso a que se nega provimento. “
Infere-se, pelo teor do julgado acima que, embora haja entendimentos
conflitantes quanto à aplicação rigorosa da esfera penal em face do indivíduo e
em prol da coletividade, o que, em última análise poderia ocasionar a restrição
de liberdade do mesmo, na esfera administrativa tal não ocorre.
O Estado, mantenedor da ordem social e cuidador de todos nós
estabeleceu, no artigo 165 do Código Viário, medidas administrativas para os
caso onde houver a recusa por parte do condutor de veículos a se submeter
aos testes de alcoolemia.
38
Desta forma, o legislador aparelhou o agente público, que tem o poder
de aplicar tais medidas com base na sua avaliação num caso concreto,
podendo, inclusive, aplicar multa pecuniária, apreensão do veículo e retenção
da carteira nacional de habilitação.
39
CAPÍTULO III
DO PERIGO CONCRETO E
DO PERIGO ABSTRATO
Pois bem, analisadas as alterações legislativas em relação à Lei
9.503/97, se faz necessário aquilatar alguns pontos importantes que serviram
de fundamento para discussões acaloradas acerca do tema deste simplório
estudo.
Cuidam-se das definições, ou melhor dizendo, das classificações
diversas envolvendo o estudo do direito penal. Assim, a classificação do crime,
quanto ao seu resultado, se dá na seguinte dicotomia: crime de perigo concreto
e crime de perigo abstrato.
Trata-se da base para aqueles que defendem a necessidade de
comprovação da elementar “capacidade psicomotora alterada”, ou seja, se o
condutor, embora esteja com alguma quantidade de substância de que trata a
Lei de trânsito na sua corrente sanguinea, é preciso que o Estado prove a
alteração na sua capacidade psicomotora que seja suficiente para por em risco
a segurança no sistema viário.
Exige-se do Estado, ou seja, do Ministério Público, o comprometimento
com os princípios do direito penal no sentido de carrear aos autos as provas
necessárias para que o Juiz possa ser convencido de que o indivíduo acusado
estava concretamente levando situação de perigo à incolumidade dos
transeuntes.
Diga-se, desde já, que se exige a comprovação da possibilidade
concreta de lesão, ou seja, a ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma que é
a essência do conceito de crime e a autolimitação do direito penal.
40
Quanto aos crimes de perigo concreto exige-se do agente que com o
seu comportamento se adéqüe àqueles tipos definidos em Lei. Assim é preciso
que com as suas atitudes, com suas ações o possível autor de um delito esteja
de fato colocando em risco a integridade ou vida de terceiros. Destarte, no
crime de perigo concreto, no tipo está inclusa a situação de perigo.
Desta forma, é necessário que haja provas concretas no sentido de
demonstrar o risco criado pelo fato de estar ao volante, supostamente ferindo
os dispositivos legais, sob os efeitos deletérios de substâncias que possam
provocar alterações psicomotoras.
Assim não se trata de presunção absoluta. Em outras palavras,
consoante parte da doutrina e jurisprudência, é preciso provas de real perigo à
incolumidade pública. Como exemplo temos o tipo “periclitação de vida e da
saúde”.
No que se refere ao perigo abstrato, também conhecido como crime
de perigo presumido, o Legislado definiu o tipo penal, com vistas à tutela do
bem jurídico em questão, onde o agente, ao realizar o núcleo criminal, estaria
incluso nas penas daquele tipo. Trata-se de crime formal e neste caso a
presunção, via de regra, é absoluta.
A título exemplificativo temos o crime de omissão de socorro que, para
que esteja o mesmo configurado, basta a simples conduta de não praticar o
socorro a alguém necessitado de sorte que, para essa classificação, seria
suficiente que o agente se negasse a submeter-se à coleta de material para a
configuração de situação de perigo, a qual estria implícita no próprio tipo.
41
CONCLUSÃO
Considerando todo o exposto até aqui relatado, não é difícil asseverar
que o tema objeto desta monografia se reveste de complexidade latente.
Assim, do lado de um dos pólos encontra-se toda uma coletividade
que busca constantemente o amparo do Estado quanto à defesa da segurança
na vida em sociedade. O crescente número de mortes nas estradas do País,
conforme mostrado alhures, dá suporte e munição para a corrente que defende
o intervencionismo Estatal, mesmo que para isso haja a mitigação de direitos
individuais da maioria.
De outro modo, àqueles que não querem abrir mão das suas garantias
conquistadas ao longo de décadas resta submeter-se ao regramento ditado
pelo legislador que, conforme já dito, movido por fortes pressões sociais, e
alarmantes números de acidentes na malha viária nacional, provocados por
combinação álcool/volante, modificou a lei de trânsito, impondo comportamento
esperado pelo cidadão, tudo com o intuito de preservar bens jurídicos de
importância maior, quais sejam, a vida e a segurança na malha viária nacional.
Ressalte-se que, embora possamos constatar a provocação do Poder
Judiciário no sentido de se manifestar acerca de diversos casos dessa
natureza, a discussão está longe de se resolver.
O jurisdicionado, ciente dos seus direitos Constitucionalmente
protegidos tratou de buscar o manto da tutela jurisdicional com o fito de fazer
valer o direito que tem não fazer prova contra si. Destarte, diante da imposição
legislativa, o Judiciário tem se manifestado em inúmeros casos, inclinando-se
por considerar a conduta de perigo de perigo concreto, conforme visto acima.
42
Por fim, ao nosso sentir, o Estado pode e deve intervir em situações
como a que tratamos nas linhas supra. A segurança no sistema viário e a
conseqüente proteção à vida dos condutores de veículos automotores nas
estradas do país é suficiente para que o administrador assuma posição e
determine regras.
Entretanto, consideramos também de importância relevante que o
Estado respeite as garantias individuais estabelecidas na Constituição da
República Federativa do Brasil, vale dizer: não se pode suprimir direitos da
maioria dos cidadãos em vista de uma parcela irresponsável de motoristas que
insistem em dirigir embriagados, pondo em risco a vida e a integridade física de
terceiros.
Deve o Estado aparelhado ir ao encontro de soluções que possam
viabilizar o intuito da norma de trânsito, sem que sejam os cidadão de bem
manietados exatamente naquilo que alguns consideram de salutar importância.
Talvez, a título de exemplo e guardada as suas devidas proporções, o
sistema aplicado nos estados Unidos da América, quando da abordagem de
pessoas supostamente sob efeito de álcool, seja um caminho a ser seguido.
43
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
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de Janeiro. Ed. Revan, 2002.
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Lúmen
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
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2006.
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Janeiro: Lúmen Júris, 2006.
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1997.
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2005.
PRADO, Luis Regis. Curso de Direito penal Brasileiro: parte geral. 3.ed. São Paulo:
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Malheiros, 2007.
44
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Incongruências, Boletim IBCCrim nº 61 – Dezembro / 1997.
Walter Martins Muller e Altair Ramos Leon, Comentários ao Novo Código de Trânsito
Brasileiro, Boletim IBCCrim nº 63 – Fevereiro / 1998.
45
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I - Da constituição da republica Federativa do Brasil 11
I.I - Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos 14
I.II - Do Devido Processo Legal 17
I.III - Da Ampla Defesa 22
CAPÍTULO II – Do Código de Trânsito Brasileiro 27
II.I - A Lei nº 11.705/08 (1ª alteração) 28
II.II - A Lei nº 12.760/12 (2ª alteração) 33
II.III - A esfera administrativa 36
CAPÍTULO III – Do perigo concreto e do perigo abstrato 39
CONCLUSÃO 41
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 43
ÍNDICE 45
46
FOLHA DE AVALIAÇÃO