Estudo - Documento 104 CNBB comunidade de comunidades uma nova Paróquia
Documento Comunidade de Comunidades
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CONFERNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL
52 Assembleia Geral
Aparecida - SP, 30 de abril a 9 de maio de 2014
02C/52 AG( Sub)
4 Verso com as emendas.
COMUNIDADE DE COMUNIDADES:
UMA NOVA PARQUIA
A converso pastoral da parquia
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2
INTRODUO ........................................................................................................................ 5
Captulo 1 .................................................................................................................................. 7
SINAIS DOS TEMPOS E CONVERSO PASTORAL ....................................................... 7
1.1 Novos contextos: desafios e oportunidades ................................................................. 7
1.2 Novos cenrios da f e da religio ............................................................................... 9
1.3 A realidade da parquia ............................................................................................... 9
1.4 A nova territorialidade ............................................................................................... 11
1.5 Reviso de estruturas obsoletas ................................................................................. 12
1.6 A urgncia da converso pastoral .............................................................................. 13
1.7 Converso para a misso ............................................................................................ 14
1.8 Breve concluso ......................................................................................................... 14
Captulo 2 ................................................................................................................................ 15
PALAVRA DE DEUS, VIDA E MISSO NAS COMUNIDADES ................................... 15
2.1 A comunidade de Israel ............................................................................................. 15
2.2 Jesus: o novo modo de ser pastor ............................................................................... 15
2.3 A comunidade de Jesus na perspectiva do Reino de Deus ........................................ 16
2.4 As primeiras comunidades crists .............................................................................. 17
2.4.1 A comunho ............................................................................................................ 18
2.4.2 A partilha................................................................................................................ 19
2.4.3 A iniciao crist ................................................................................................... 19
2.4.4 A misso ................................................................................................................. 20
2.4.5 A esperana ............................................................................................................ 20
2.5 A Igreja-comunidade ................................................................................................. 21
2.6 Breve concluso ......................................................................................................... 22
Captulo 3 ................................................................................................................................ 23
SURGIMENTO DA PARQUIA E SUA EVOLUO. ................................................... 23
3.1 As comunidades na Igreja antiga ............................................................................... 23
3.2 A origem das parquias ............................................................................................. 23
3.3 A formao das parquias no Brasil .......................................................................... 25
3.4 A parquia no Conclio Ecumnico Vaticano II ........................................................ 26
3.5 A renovao paroquial na Amrica Latina e Caribe .................................................. 26
3.6 A renovao paroquial no Brasil ............................................................................... 28
3.7 Breve concluso ......................................................................................................... 29
Captulo 4 ................................................................................................................................ 31
COMUNIDADE PAROQUIAL ............................................................................................ 31
4.1 Trindade: fonte e meta da comunidade ...................................................................... 31
4.2 Diocese e parquia ..................................................................................................... 32
4.3 Definio de parquia ................................................................................................ 32
4.4 Comunidade de fiis .................................................................................................. 33
4.5 Territrio paroquial .................................................................................................... 34
4.6 Comunidade: casa dos cristos .................................................................................. 34
4.6.1 Casa da Palavra ..................................................................................................... 35
4.6.2 Casa do po ............................................................................................................ 35
4.6.3 Casa da caridade gape ...................................................................................... 35
4.7 Comunidades para a misso ....................................................................................... 36
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3
4.8 Breve concluso ......................................................................................................... 36
Captulo 5 ................................................................................................................................ 37
SUJEITOS E TAREFAS DA CONVERSO PAROQUIAL ............................................. 37
5.1 Os bispos .................................................................................................................... 37
5.2 Os presbteros ............................................................................................................ 38
5.3 Os diconos permanentes ........................................................................................... 39
5.4 Os consagrados .......................................................................................................... 39
5.5 Os leigos .................................................................................................................... 39
5.5.1 A famlia ................................................................................................................. 40
5.5.2 As mulheres ............................................................................................................ 40
5.5.3 Os jovens ................................................................................................................ 41
5.5.4 Os idosos ................................................................................................................ 41
5.6 Comunidades Eclesiais de Base ................................................................................. 42
5.7 Movimentos e associaes de fiis ............................................................................ 42
5.8 Comunidades ambientais e transterritoriais ............................................................... 44
5.9 Breve concluso ......................................................................................................... 44
Captulo 6 ................................................................................................................................ 45
PROPOSIES PASTORAIS.............................................................................................. 45
6.1 Comunidades da comunidade paroquial .................................................................... 45
6.2 Acolhida e vida fraterna ............................................................................................. 47
6.3 Iniciao vida crist ................................................................................................ 48
6.4 Leitura Orante da Palavra .......................................................................................... 49
6.5 Liturgia e espiritualidade ........................................................................................... 49
6.6 Caridade ..................................................................................................................... 50
6.7 Conselhos, organizao paroquial e manuteno ...................................................... 51
6.8 Abertura ecumnica e dilogo ................................................................................... 53
6.9 Nova formao ........................................................................................................... 54
6.10 Ministrios leigos ....................................................................................................... 54
6.11 Cuidado vocacional .................................................................................................... 55
6.12 Comunicao na pastoral ........................................................................................... 55
6.13 Sair em misso ........................................................................................................... 56
6.14 Breve concluso ......................................................................................................... 56
CONCLUSO......................................................................................................................... 57
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SIGLAS
AA Apostolicam Actuositatem
CIC Catecismo da Igreja Catlica
CD Christus Dominus
CDC Cdigo de Direito Cannico
CV Caritas in Veritate
CDSI Compndio da Doutrina Social da Igreja
CEBs Comunidades Eclesiais de Base
ChL Christifideles Laici
CNBB Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil
CR Catequese Renovada. Documentos da CNBB n. 26
CT Catechesi Tradendae
DAp Documento de Aparecida
DCE Deus Caritas Est
DGAE Diretrizes Gerais da Ao Evangelizadora da Igreja no Brasil 2011-2015
DD Dies Domini
DI Discurso Inaugural de S. S. Bento XVI na V Conferncia Geral do Episcopado
Latino-Americano
DM Documento de Medelln
DNC Diretrio Nacional de Catequese
DP Documento de Puebla
DV Dei Verbum
EAm Exortao Apostlica Ecclesia in America
EN Evangelii Nuntiandi
EG Evangelii Gaudium
GS Gaudium et Spes
LG Lumen Gentium
LF Lumen Fidei
NMI Novo Millennio Ineunte
PDV Pastores Dabo Vobis
PO Presbyterorum Ordinis
RICA Ritual da Iniciao Crist de Adultos
RM Redemptoris Missio
SC Sacrosanctum Concilium
SCa Sacramentum Caritatis
SD Documento de Santo Domingo
VD Verbum Domini
UR Unitatis Redintegratio
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5
INTRODUO
1. H sculos a parquia tem sido a presena pblica da Igreja nos diferentes lugares. Ela referncia para os batizados. Sua configurao social, entretanto, tem sofrido profundas
alteraes nos ltimos tempos. A mudana de poca da sociedade e o processo de
secularizao diminuram a influncia da parquia sobre o cotidiano das pessoas. H
dificuldades para que seus membros se sintam participantes de uma autntica comunidade
crist. Cresce o desafio de renovar a parquia em vista da sua misso.
2. De forma especial, a Exortao Apostlica Evangelii Gaudium1 prope a reviso da situao atual da parquia que, apesar dos ventos contrrios, no uma estrutura caduca, precisamente porque possui uma grande plasticidade, pode assumir formas
muito diferentes que requerem a docilidade e a criatividade missionria do pastor e da
comunidade. 2
3. A CNBB tratou da revitalizao da comunidade paroquial em sua Assembleia Ordinria de 2013 que props a publicao do texto Comunidade de comunidades: uma nova parquia, nmero 104 da Coleo de Estudos da CNBB. De maio a outubro de 2013, desencadeou-se um processo de intensa participao de diferentes
instncias que leram, debateram, criticaram e apresentaram sugestes comisso de
redao do texto. O envolvimento das comunidades, parquias, dioceses,
congregaes religiosas, associaes e movimentos de cristos leigos, institutos de
Teologia, regionais da CNBB, entre outros, foi numericamente importante e
determinou a construo de um novo texto.
4. Na Assembleia Ordinria da CNBB de 2014, o tema foi debatido e aprofundado, e o resultado da reflexo o texto que aqui se apresenta. Ele no a repetio do
documento de estudos, pois a reflexo avanou e cresceu com a grande quantidade de
emendas que chegou CNBB.
5. Constatou-se que a atual parquia necessita de uma converso pastoral. Para tanto, ser necessrio aplicar a eclesiologia proposta pelo Conclio Ecumnico Vaticano II,
consolidar a proposta do Documento de Aparecida e concretizar as diretrizes da
CNBB que insistem na renovao paroquial. Contribuem, tambm, para essa reflexo,
os pronunciamentos do Papa Francisco em visita ao Brasil por ocasio da Jornada Mundial da Juventude, em 2013. Igualmente a Exortao Apostlica Evangelii Gaudium faz indicaes sobre um novo olhar e uma nova prtica pastoral que incide
diretamente sobre as comunidades.
6. Da integrao desses elementos, nasce este texto constitudo de seis captulos. O primeiro, inspirado na Gaudium et Spes, indica os sinais dos tempos que interpelam a
parquia atual. No se trata de empreender uma anlise da conjuntura social, cultural e
eclesial, mas de detectar alguns aspectos da realidade que clama pela converso
pastoral. O segundo captulo prope a recuperao de dados bblicos sobre as
primeiras comunidades crists. No retorno s fontes, pretende-se encontrar a luz para a
converso pastoral da parquia. O terceiro captulo faz um breve resgate histrico do
desenvolvimento das comunidades paroquiais para recuperar pontos que merecem
maior ateno. O quarto captulo evidencia os fundamentos eclesiolgicos da
comunidade e destaca a viso de Igreja que o Conclio Vaticano II props. O quinto
captulo enfatiza os sujeitos e as tarefas da converso pastoral para destacar a misso
de cada cristo no contexto paroquial. Finalmente, o sexto captulo traz algumas
proposies para que a parquia se torne comunidade de comunidades.
1 PAPA FRANCISCO, Exortao Apostlica Evangelii Gaudium , de 24 nov. 2013.
2 EG, n. 28.
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6
7. As questes que norteiam este texto so: qual a situao de nossas parquias hoje? Quais so as causas de certo esfriamento na comunidade crist? O que preciso
perceber para que ocorra uma mudana? Que aspectos merecem reviso urgente? O
que possvel propor e assumir na pluralidade da realidade brasileira?
8. Basicamente, a converso pastoral da parquia consiste em ampliar a formao de pequenas comunidades de discpulos convertidos pela Palavra de Deus e conscientes
da urgncia de viver em estado permanente de misso. Isso implica em revisar a
atuao dos ministros ordenados, consagrados e leigos, superando a acomodao e o
desnimo. O discpulo de Jesus Cristo percebe que a urgncia da misso supe
desinstalar-se e ir ao encontro dos irmos.
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7
Captulo 1
SINAIS DOS TEMPOS E CONVERSO PASTORAL
9. O Conclio Vaticano II prope o dilogo na relao da Igreja com a sociedade. Assim, a Igreja chamada a reconhecer os sinais dos tempos, 3 pois a histria rica em sinais da presena de Deus. O Conclio destacou a pastoral e a ao evangelizadora da
Igreja para que esta seja sinal de Cristo no mundo.4 Tal posicionamento exige que a
Igreja se revitalize continuamente no Esprito que se revela nos sinais dos tempos.
Para isso preciso considerar que as mudanas na Igreja, especialmente na sua forma
de evangelizar, constituem a sua identidade de acolher o que o Esprito Santo d a
conhecer em diferentes momentos histricos; da se compreende o aforismo: ecclesia
semper reformanda5 [a Igreja deve sempre se reformar].
10. Enfrenta-se a realidade para encontrar as demandas novas que se apresentam para a evangelizao. Trata-se de discernir os acontecimentos, nas exigncias e nas aspiraes de nossos tempos [...], quais sejam os sinais verdadeiros da presena ou dos desgnios de
Deus. 6 Esse ver est condicionado pelo olhar.7 Seguindo o Documento de Aparecida, pretende-se ir ao encontro da realidade com o olhar do discpulo. No um olhar
puramente sociolgico. Trata-se na verdade de um autntico discernimento evanglico. o olhar do discpulo missionrio que se nutre da luz e da fora do Esprito Santo.8
1.1 Novos contextos: desafios e oportunidades
11. O progresso cientfico permitiu o acesso a novas tecnologias, e o avano da informtica trouxe comodidades e experincias inimaginveis num passado recente. A
emergncia da subjetividade, a preocupao com a ecologia, o crescimento do
voluntariado, o empenho pela tolerncia e o respeito pelo diferente despertam
atualmente uma nova conscincia de pertena ao planeta e de integrao entre tudo e
todos. Igualmente, multiplicam-se as mobilizaes contra ditaduras, corrupo,
injustias e violao dos direitos humanos.
12. Com a valorizao do sujeito na modernidade, cresce a responsabilidade de cada pessoa de construir sua personalidade e plasmar sua identidade social.9 Essa postura, por outro lado, pode fortalecer a subjetividade individual, enfraquecer os vnculos
comunitrios e transformar a noo de tempo e espao.10
A pessoa vive numa
sociedade consumista que afeta sua identidade pessoal e sua liberdade. Acentua-se o
egosmo que desenraiza o indivduo da comunidade e da sociedade.
13. Vive-se o fascnio entre a emergncia da subjetividade e a cultura individualista que prope uma felicidade reduzida satisfao do ego. Se, de um lado, verifica-se o valor
da pessoa, por outro, percebe-se a dificuldade de alguns em pensar no outro. Diante
disso, constata-se a falta do reconhecimento da comunidade como geradora de sentido
e parmetro da organizao da vida pessoal. Difunde-se a noo de que a pessoa livre
e autnoma precisa se libertar da famlia, da religio e da sociedade. A independncia
3 Essa expresso passou a ser conhecida na Igreja, principalmente com o Papa Joo XXIII e o Conclio Vaticano
II, especialmente nos documentos Gaudium et Spes (4, 11, 44), Presbyterorum Ordinis (9), Unitatis
Redintegratio (4) e Apostolicam Actuositatem (14). 4 Cf. LG, n. 15; GS, n. 43.
5 UR, n. 6.
6 GS, n. 11.
7 PAPA FRANCISCO. Mensagens e homilias JMJ Rio 2013. Braslia: Edies CNBB, 2013, p. 92.
8 EG, n. 50.
9 DAp, n. 479.
10 DAp, n. 44.
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8
da pessoa pode ser compreendida equivocadamente como a libertao dos vnculos e
influncias que os outros podem propor ao indivduo.
14. Alguns at rejeitam os valores herdados da f, em nome da criao de novos e, muitas vezes, arbitrrios direitos individuais.
11 Por isso, cresce a indiferena pelo outro e
aumenta a dificuldade de planejar o futuro. O que conta, para muitas pessoas, viver o
aqui e o agora. As novas geraes so as mais afetadas por essa cultura imediatista.
Importa mais a sensao do momento. Tal comportamento gera novas maneiras de
pensar e de se relacionar, especialmente entre os jovens que so os principais
produtores e atores da nova cultura.12
15. Na afirmao das liberdades individuais o mercado ganha fora e a pessoa existe enquanto consome. Dos luxuosos shoppings centers aos cameldromos das periferias,
enfileiram-se multides que buscam comprar a satisfao ou o sentido de sua
individualidade. Ser preciso enfrentar o sistema que tem uma concepo
economicista de ser humano e considera o lucro e as leis do mercado medidas
absolutas em detrimento da dignidade da pessoa humana. 13
16. Paradoxalmente os ndices de pobreza e misria continuam a desafiar qualquer conscincia tranquila. A sociedade vive marcada pela violncia, sintoma da excluso
social. Igualmente a drogadio desafia a vida das famlias. A sociedade do
descartvel valoriza apenas o que til. Nesse contexto, o idoso, o doente e aquele que
no pode produzir ou consumir no so considerados. Vive-se numa sociedade de
contrastes que desafia o ser cristo.
17. importante perceber a realidade das grandes cidades que crescem acelerada e desordenadamente. As parquias urbanas no conseguem atender a populao que
nelas existe. Os presbteros, diconos e leigos esgotam suas energias com uma pastoral
de manuteno, sem condies de criar novas iniciativas de evangelizao e misso.
18. Nas grandes cidades, mesmo nas comunidades paroquiais, existe anonimato e solido. Muitos procuram a igreja apenas para atender s suas demandas religiosas. No
buscam viver a comunho nem querem participar de um grupo de cristos. Por outro
lado, h dificuldades em acolher quem chega; especialmente migrantes e novos
vizinhos, facilmente caem numa massa annima e raras vezes so recebidos de forma
personalizada nas grandes parquias.
19. Os meios de comunicao so aperfeioados e atingem a populao em geral, influindo preponderantemente na opinio pblica. Nas ltimas dcadas, eles mudaram
hbitos e atitudes; criaram necessidades a partir de desejos e influenciaram no
consumo e na religio. A internet um territrio sem fronteiras que entra diretamente
em todos os espaos. Essa realidade produz um mundo cada vez mais informado,
conectando a todos e atingindo a privacidade de pessoas e instituies. Novos
conceitos de espao so gerados por esses meios que encurtam distncias e alargam
horizontes. A fora da tecnologia dos meios de comunicao determina tanto a vida na
grande cidade quanto na pequena vila do interior.
20. A Igreja na Amrica Latina tem destacado a importncia da inculturao no processo de evangelizao. Talvez, por muito tempo, a inculturao tenha sido enfatizada para
evangelizadores nas pastorais populares. Agora, para compreendermos o sujeito e seu
comportamento no universo miditico, necessrio saber inculturar o Evangelho no
contexto da comunicao virtual.
21. A renovao paroquial exige novas formas de evangelizar tanto o meio urbano como o
11
Cf. DAp, n. 44. 12
Cf. DAp, n. 51. 13
Cf. EAm, n. 56.
-
9
rural. Apesar de as comunidades rurais estarem distantes dos centros geradores da
nova cultura urbana, em vista do fcil acesso s informaes, tambm nessas reas
crescem problemas relativos ao vnculo comunitrio.
22. H uma forte tendncia no mundo para que a sociedade seja laicista e a religio no interfira na esfera pblica. Partindo do estado laico, pretende-se chegar a uma
sociedade que se paute pelo laicismo. Chega-se a pensar numa sociedade ps-crist.
No se busca mais o verdadeiro, mas o desejvel. A verdade se torna relativa s
diferentes necessidades das pessoas. Trata-se de uma cultura sempre mais
secularizada, que evita a influncia do cristianismo nas decises morais da sociedade.
1.2 Novos cenrios da f e da religio
23. A vivncia da f na sociedade atual geralmente exercida numa religiosidade no institucional e sem comunidade, mais ligada aos interesses pessoais. A busca de curas
e prosperidade propiciou o crescimento de novos grupos religiosos que prometem
solues imediatas s demandas da populao, especialmente carente de recursos e de
atendimento de sade. De outro lado, aumentam as estatsticas daqueles que se
declaram sem-religio, inclusive muitos que foram batizados na Igreja. Acreditam em
Deus, mas no querem laos de pertena a uma comunidade religiosa.
24. Diferentes formas de viver e pensar coexistem em nossa cultura. O pluralismo liberta as pessoas de normas fixas, mas tambm as desorienta pela perda das referncias
fundamentais e gera fragmentao da vida e da cultura. O pluralismo nem sempre respeita
o outro, e seu exagero pode provocar o indiferentismo. As pessoas confrontam sua
experincia religiosa com o contexto de pluralismo religioso, com a perda do sentido
comunitrio e solidrio da f. Alguns fiis catlicos frequentam outros cultos e centros
religiosos, buscando conforto em suas dificuldades. Eles se entendem catlicos, visitam
outras tradies religiosas e no estabelecem vnculo de pertena com nenhuma.
25. A participao na vida eclesial tornou-se, cada vez mais, uma opo numa sociedade pluralista. Diante da pluralidade de pertenas do ser humano atual, a comunidade
crist chamada a inserir-se, cada vez mais, na sociedade em que vive para
testemunhar o Evangelho de Cristo. Essa integrao social implica a participao em
muitos grupos: no trabalho, na cultura local, na poltica, no lazer, etc. Cada membro da
comunidade crist sente-se desafiado a integrar, em sua prpria vida pessoal, a
unidade de diversas pertenas, procurando manter sua identidade e vocao crist.
26. A vivncia religiosa tambm est, cada vez mais, miditica. As experincias visam aos sentimentos e ao bem-estar. H quem expresse sua religiosidade conectando-se apenas pelas
mdias: jovens se concentram nas redes sociais da internet e os idosos preferem a televiso.
Emerge, assim, uma experincia religiosa com menor senso de pertena comunitria.
27. Apesar de se constatar muita religiosidade, especialmente por via miditica, evidencia-se uma adeso parcial f crist. Est em crise o sentimento de pertena comunidade e o
engajamento na parquia. Afetivamente, h pessoas mais ligadas a expresses religiosas
veiculadas por mdias catlicas. Efetivamente, muitos preferem colaborar com campanhas
televisivas do que participar do dzimo paroquial, por exemplo. Embora seja indispensvel
o trabalho de religiosos catlicos nas mdias, entra em questo o vnculo e o pertena
possibilitados por essa nova modalidade de viver a f.
1.3 A realidade da parquia
28. A realidade das parquias no Brasil difcil de ser classificada, mas possvel identificar desafios comuns. Em si, a parquia est unida a outras parquias da
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10
diocese. 14
Igualmente, ela est inserida na sociedade da qual recebe e qual oferece
influncias. falsa, portanto, a concepo de parquia como sendo um todo em si
mesmo, formando quase uma comunidade autnoma.
29. Encontram-se parquias que no assumiram a renovao proposta pelo Conclio Vaticano II e se limitam a realizar suas atividades principais no atendimento sacramental e nas
devoes. Falta-lhes um plano pastoral sintonizado com um plano diocesano, e sua
evangelizao se reduz catequese de crianas, restrita instruo da f, sem os processos
de uma autntica iniciao crist. Nelas, a administrao e a responsabilidade da
comunidade concentram-se, exclusivamente, no proco. No h uma preocupao
missionria, pois se espera que as pessoas procurem a Igreja. A evangelizao entendida
apenas como fortalecimento da f daqueles que buscam a parquia.
30. Por outro lado, muitas comunidades e parquias do pas vivenciam experincias de profunda converso pastoral. So comunidades ocupadas com a evangelizao, a
catequese como processo de iniciao vida crist, a animao bblica da pastoral, a
liturgia viva e participativa, a atuao da juventude, os ministrios exercidos por leigos
e leigas, os Conselhos Comunitrios, o Conselho Paroquial de Pastoral e o Conselho
de Assuntos Econmicos. Quem participa da vida de sua parquia tem vnculos
comunitrios. H interesse e empenho em atrair os afastados. Nessas parquias, os
procos e os cristos engajados, homens e mulheres, desenvolvem uma pastoral de
comunho e participao. Entretanto, apesar dessa riqueza, algumas no conseguem
atingir a maior parte das pessoas de sua jurisdio, em vista da grande populao ou
extenso territorial. Ainda lhes falta ampliar a ao evangelizadora fortalecendo
pequenas comunidades que, juntas, formam a nica comunidade paroquial.
31. O grande desafio das parquias sair em misso, deixar de ocupar-se apenas com a rotina e com as mesmas pessoas que j esto na comunidade e sair ao encontro das
pessoas. O Papa Francisco exorta a vencer a mesmice: A pastoral em chave missionria exige o abandono deste cmodo critrio pastoral: fez-se sempre assim. Convido todos a serem ousados e criativos nesta tarefa de repensar os objetivos, as
estruturas, o estilo e os mtodos evangelizadores das respectivas comunidades. 15
32. O modelo paroquial brasileiro, em sua grande maioria, depende da atividade dos presbteros, seja na misso evangelizadora, na celebrao dos sacramentos, na
formao, seja na administrao dos bens. H padres muito dedicados e com exemplar
pastoreio, mas o laicato precisa assumir maior espao de deciso na construo da
comunidade. Somente assim se evitar que ao trocar o proco, as diretrizes da
comunidade sejam mudadas completamente.
33. H uma relao estreita entre presbtero e parquia, especialmente porque ela tem sido o principal espao do ministrio presbiteral, e porque nas comunidades crists que
nascem as vocaes. Por isso os limites da misso e evangelizao se refletem sobre
os candidatos ao presbiterado, que muitas vezes chegam ao seminrio sem a formao
de discpulos missionrios. Essa situao fica agravada com a fragmentao das
famlias e a superficialidade da cultura atual que impacta os jovens.
34. Assiste-se, tambm, ao aparecimento de cristos que formam grupos fechados em seus ideais, sem comunho com a diocese e resistentes ao dilogo com o mundo.
Multiplicam-se associaes pequenas de interesses religiosos particulares. Geralmente
so pessoas que promovem certo fundamentalismo catlico. Essa reduo da
experincia comunitria crist compromete o conceito de Igreja como Povo de Deus,
que a unio de todas as pessoas, das mais diferentes formas de pensar e viver, no
14
Nesse documento, para facilitar a leitura, optou-se por mencionar a diocese identificando-a com a Igreja
Particular ou Local, sem desconsiderar que a ela se equipara a prelazia. 15
EG, n. 33.
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11
nico ato de culto e formando o Corpo Mstico de Cristo. Afinal, as comunidades
crists no podem nutrir um sentimento de superioridade espiritual em relao aos
outros e de fuga em relao ao mundo.
35. Outra questo a ser enfrentada so as comunidades paroquiais ou capelas que funcionam mais como instituio do que como comunidade de discpulos de Jesus Cristo. Na f crist
no h lugar para capelas fechadas, em forma de sociedade ou clube. Algumas tm
diretorias e outras vivem em funo de festas, almoos e bailes. Parecem mais um clube
social que no tem como finalidade principal a evangelizao. Nessas comunidades, s
vezes, na celebrao, aparecem poucas pessoas, mas lotam os sales para as suas
promoes. Cabe se questionar sobre a identidade de tais comunidades que se esforam
tanto para eventos e quase no h iniciativas missionrias. Os pobres, nesses grupos, no
tm vez ou, na maioria das vezes, so esquecidos.
36. No basta a unio nos trabalhos das pessoas que atuam na parquia; preciso unidade de recproca referncia, pela qual todos se sintam pertencentes mesma famlia de f
que mantm vnculos de amizade e fraternidade. Para haver comunidade eclesial
preciso que haja f, esperana e caridade. A intersubjetividade das pessoas conta e os
interesses precisam ser compartilhados, no apenas os servios e as funes.
37. H parquias que projetam a imagem de uma Igreja distante, burocrtica e sancionadora. Igualmente os planos pastorais diocesanos e paroquiais precisam ser mais evanglicos,
comunitrios, participativos, realistas e msticos. Estruturas novas podem ser j caducas:
reunies longas, encontros prolixos, metodologias sem interao.
1.4 A nova territorialidade
38. A territorialidade considerada, h sculos, o principal critrio para concretizar a experincia eclesial. Essa concepo est ligada a uma realidade mais fixista e estvel.
Hoje, o territrio fsico no mais importante que as relaes sociais. A transformao
do tempo provoca uma nova noo de limites paroquiais, sem delimitao geogrfica.
Habitar um determinado espao fsico no significa, necessariamente, estabelecer
vnculos com aquela realidade geogrfica. A mobilidade, especialmente urbana,
possibilita muitos fluxos nas relaes.
39. O ser humano atual vive marcado pela mobilidade e pelo dinamismo de suas relaes. Isso ocasiona a fluidez do territrio, com fcil deslocamento de um lugar para outro.
Prefere-se entender o espao como lugar habitado, onde as pessoas interagem e
convivem. Assim, a parquia, sem prescindir do territrio, muito mais o local onde a
pessoa vive sua f, compartilhando com outras pessoas a mesma experincia.
40. Um referencial importante para o ser humano de hoje o sentido de pertena comunidade e no tanto o territrio. Por isso, algum pode participar de uma parquia
que no seja a do bairro onde reside. No so poucos os que preferem uma
comunidade onde se sintam mais identificados ou acolhidos por diversos motivos:
participao em um movimento, horrios alternativos de missa, busca de um bom
pregador, etc. A parquia como territrio fixo e estvel questionada pela experincia
de comunidades ambientais no delimitadas pelo espao geogrfico.
41. A transformao do tempo provoca uma nova concepo dos limites paroquiais, no mais apenas geogrficos. A burocracia e os horrios das secretarias paroquiais esto
mais ligados a uma concepo esttica de parquia e no mais corresponde ao estilo de
vida comunitria que as pessoas estabelecem em sua f.
42. A territorialidade, por outro lado, no pode ser desprezada. Ela a referncia para a maioria dos catlicos que encontram na igreja paroquial um ponto de encontro. O
sentimento de pertena e integrao de todos, independentemente de situao econmica,
-
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social e cultural, ainda mais garantido na parquia do que em outras formas de viver o
cristianismo. Ela evita que a comunidade seja apenas um grupo por afinidade que se
rene. A parquia tem abertura para acolher a pluralidade das formas de seguir Jesus
Cristo. Suas portas esto sempre abertas para praticantes e no praticantes; para pessoas
engajadas e aquelas que apenas buscam seu atendimento religioso.
43. Na medida em que as parquias crescem demograficamente, a tendncia fazer a diviso territorial. Essa delimitao geogrfica nem sempre resolve o problema dos vnculos
comunitrios, pois as pessoas agregam-se a comunidades independentemente do espao
fsico. Apesar de o cnon 518 do Cdigo de Direito Cannico apresentar como critrio
usual para a criao de uma parquia a territorialidade, importante ponderar que o
mesmo cnon prope a possibilidade de a parquia no territorial existir em funo do
rito, da nacionalidade ou de outra razo de natureza pastoral. Atualmente, essa segunda
possibilidade de criao de parquias precisa ser aprofundada.
44. Considere-se, tambm, a experincia religiosa vivida pelas mdias que formam grupos de pertena. O termo comunidade, por exemplo, muito utilizado no mundo virtual,
rompendo com o espao fsico e construindo novos territrios baseados em diversos
interesses, superando a noo de espao e tempo. Na parquia atual, no possvel
trabalhar com grupos de jovens desprezando as redes sociais que atraem e conectam
interesses e motivaes.
1.5 Reviso de estruturas obsoletas
45. Cuidar demais das estruturas e da prtica levou-nos a muitas formas de ativismo estril. A primazia do fazer ofuscou o ser cristo. H muita energia desperdiada em
manter estruturas que no respondem mais s inquietaes atuais. Sem negar o valor
do que foi realizado, preciso agir para responder s inquietaes novas. O
Documento de Aparecida prope abandonar as ultrapassadas estruturas que j no favoream a transmisso da f16
46. A Evangelli Gaudium explicitou as consequncias dessa reviso: A reforma das estruturas, que a converso pastoral exige s se pode entender neste sentido: fazer com
que todas elas se tornem mais missionrias, que a pastoral ordinria em todas as suas
instncias seja mais comunicativa e aberta, que coloque os agentes pastorais em
atitude constante de sada e, assim, favorea a resposta positiva de todos aqueles a quem Jesus oferece a sua amizade. 17
47. Somos chamados a anunciar Jesus Cristo em linguagem acessvel e atual. Porm, o fazemos mediante abstraes e frmulas, sem comunicar experincias de f. Presos a
conceitos de difcil compreenso, muitas vezes, no somos capazes de estabelecer relaes
entre a vida dos que creem e o Mistrio de Deus. As enormes e rpidas mudanas culturais exigem que prestemos constante ateno ao tentar exprimir as verdades de
sempre numa linguagem que permita reconhecer a sua permanente novidade. 18
48. H excesso de burocracia e falta de acolhida em muitas secretarias paroquiais. A administrao paroquial, muitas vezes, reduz a funo dos presbteros a
administradores: Parte do nosso povo batizado no sente a sua pertena Igreja, isso se deve tambm existncia de estruturas com clima pouco acolhedor em algumas das
nossas parquias e comunidades, ou atitude burocrtica com que se d resposta aos
problemas, simples ou complexos, da vida dos nossos povos. Em muitas partes,
predomina o aspecto administrativo sobre o pastoral, bem como uma
16
DAp, n. 365. 17
EG, n. 27. 18
EG, n. 41.
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sacramentalizao sem outras formas de evangelizao. 19
49. No basta multiplicar ministrios para administrar os sacramentos. O problema no est sempre no excesso de atividades, mas sobretudo nas atividades mal vividas, sem as
motivaes adequadas, sem uma espiritualidade que impregne a ao e a torne
desejvel.20 As parquias precisam rever suas atividades: dar atendimento a doentes, solitrios, enlutados, deprimidos e dependentes qumicos. E, assim, ampliar o
atendimento: aproximando-se mais das famlias, do povo de rua, das populaes
indgenas, dos quilombolas, das vtimas da misria e da violncia urbanas. Para que isso
acontea, necessrio o efetivo desenvolvimento dos servios e ministrios dos leigos.21
50. Entretanto, reconhece-se que o apelo reviso e renovao das parquias ainda no deu suficientemente fruto 22 e por isso preciso fomentar a mstica do discpulo missionrio, capaz de promover a parquia missionria. Afinal, o que derruba as estruturas caducas, o que leva a mudar os coraes dos cristos , justamente, a missionariedade. 23
1.6 A urgncia da converso pastoral
51. Toda converso supe um processo de transformao permanente e integral, o que implica o abandono de um caminho e a escolha de outro. A converso pastoral sugere renovao
missionria das comunidades,24
para passar de uma pastoral de mera conservao para uma pastoral decididamente missionria. 25 Isso supe mudana de estruturas e mtodos eclesiais, mas principalmente, exige uma nova atitude dos pastores, dos agentes de
pastoral e dos membros das associaes de fiis e movimentos eclesiais.
52. A expresso converso pastoral remete acima de tudo a uma renovada converso a Jesus Cristo, que consiste no arrependimento dos pecados, no perdo e na acolhida do
dom de Deus (cf. At 2, 38ss.) Trata-se de uma converso pessoal e comunitria. H
muitos batizados e at agentes de pastoral que no fizeram um encontro pessoal com
Jesus Cristo, capaz de mudar sua vida para se configurar cada vez mais ao Senhor.
Alguns vivem o cristianismo de forma sacramentalista sem deixar que o Evangelho
renove sua vida. Outros at trabalham na pastoral, mas perderam o sentido do
discipulado e esqueceram a fora missionria que o seguimento de Jesus implica.
53. J a converso da comunidade est refletida no Conclio Vaticano II ao afirmar que a Igreja, contendo pecadores no seu prprio seio, simultaneamente santa e sempre necessitada
de purificao, exercita continuamente a penitncia e a renovao. 26 Essa postura necessria porque a Igreja peregrina chamada por Cristo a esta reforma perene. Como instituio humana e terrena, a Igreja necessita perpetuamente desta reforma. 27
54. A mudana no apenas prtica, pois ela requer uma nova mentalidade: Quanto converso pastoral, quero lembrar que pastoral nada mais que o exerccio da maternidade da Igreja. Ela gera, amamenta, faz crescer, corrige, alimenta, conduz pela
mo... por isso, faz falta uma Igreja capaz de redescobrir as entranhas da misericrdia.
Sem a misericrdia, poucas possibilidades temos hoje de inserir-nos em um mundo de
feridos, que tm necessidade de compreenso, de perdo, de amor. 28
19
EG, n. 63. 20
EG, n. 82. 21
CNBB. Misso e ministrios dos cristos leigos e leigas. Doc. 62, n. 82ss. 22
EG, n. 28. 23
PAPA FRANCISCO. Mensagens e homilias JMJ Rio 2013, p. 89-90. 24
Cf. DAp, ns. 365 a 372. 25
DAp, n. 370. 26
LG, n. 8. 27
UR, n. 6. 28
PAPA FRANCISCO. Mensagens e homilias JMJ Rio 2013, p. 69.
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55. A converso pessoal e a pastoral andam juntas, pois se fundam na experincia de Deus realizada por pessoas e comunidades. Temos conscincia de que a transformao das estruturas uma expresso externa da converso interior. Sabemos que esta converso
comea por ns mesmos. Sem o testemunho de uma Igreja convertida, vs seriam nossas
palavras de pastores. 29 S assim ser possvel ultrapassar uma pastoral de mera conservao ou manuteno, para assumir uma pastoral decididamente missionria.
56. urgente uma revitalizao da comunidade paroquial para que nela resplandea cada vez mais a comunidade acolhedora, samaritana, orante e eucarstica. A participao na
Eucaristia no se reduz ao fato de todos cantarem e rezarem juntos. preciso formar o
Corpo Mstico de Cristo, onde todos se integram como membros que vivem na
unidade. Muitas comunidades podem se autocompreender apenas como a juno de
muitos interesses individuais que se renem para atender s demandas pessoais de
religiosidade. Esse no o conceito cristo de comunidade.
57. Por outro lado, observam-se atitudes de medo em relao mudana e por isso surgem tendncias de fechamentos em mtodos antigos e posturas de defesa diante da nova
cultura, de sentimentos de impotncia diante de grandes dificuldades, especialmente
nas grandes cidades.30
Sobre isso, exorta o Papa Francisco: Que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos do uma falsa proteo, nas normas que nos
transformam em juzes implacveis, nos hbitos em que nos sentimos tranquilos,
enquanto l fora h uma multido faminta e Jesus repete-nos sem cessar: Dai-lhes vs mesmos de comer (Mc 6, 37). 31
1.7 Converso para a misso
58. A converso pastoral supe passar de uma pastoral ocupada apenas com as atividades internas da Igreja, para uma pastoral que dialogue com o mundo. A parquia
missionria h de ocupar-se menos com detalhes secundrios da vida paroquial e
focar-se mais no que realmente prope o Evangelho.
59. A converso e a reviso das estruturas no se realizam para modernizar a Igreja, mas para buscar maior fidelidade ao que Jesus quer da sua comunidade. exigncia da misso a
renovao dos costumes, estilos, horrios e linguagem. S assim toda a estrutura eclesial
favorecer mais evangelizao do que autopreservao da parquia. 32
60. Enquanto a comunidade paroquial for autorreferencial, ocupando-se apenas de suas questes internas, tende a atrair cada vez menos pessoas, pois o discpulo de Cristo no uma pessoa isolada em uma espiritualidade intimista, mas uma pessoa em
comunidade para se dar aos outros.33
1.8 Breve concluso
61. A parquia atual est desafiada a se renovar diante das aceleradas mudanas deste tempo. Desviar-se dessa tarefa uma atitude impensvel para o discpulo missionrio
de Jesus Cristo. Isso implica ter coragem de enxergar os limites das prticas atuais em
vista de uma ousadia missionria capaz de atender aos novos contextos que desafiam a
evangelizao. A renovao da parquia tem fonte perene no encontro com Jesus
Cristo, a ser renovado constantemente pelo anncio do querigma.
29
DP, n. 1221. 30
Cf. DAp, n. 513. 31
EG, n. 49. 32
Cf. EG, n. 27. 33
PAPA FRANCISCO. Mensagens e homilias JMJ Rio 2013, p. 90.
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Captulo 2
PALAVRA DE DEUS, VIDA E MISSO NAS COMUNIDADES
62. A comunidade crist encontra sua inspirao na Palavra testemunhada e anunciada por Jesus, em nome do Pai, e confiada aos apstolos (cf. Lc 10,16). Pela Palavra de
Cristo a Igreja existe e age guiada pelo Esprito Santo. Assim, o cristo encontra, no
modelo de vida de Jesus e dos apstolos, sua inspirao para ser comunidade. Para que
a parquia conhea uma converso pastoral, preciso que se volte s fontes bblicas,
revisitando o contexto e as circunstncias nas quais o Senhor estabeleceu a Igreja.
Assim, poder identificar elementos que permitam compreender a parquia como
comunidade de comunidades.
2.1 A comunidade de Israel
63. No antigo Israel, a comunidade era firmada pela Aliana com Deus, determinando a vida familiar, comunitria e social. Na observncia da Lei e na escuta dos profetas
encontrava-se o fundamento da adorao a Deus e da promoo da justia com todos.
Israel o povo eleito e convocado por Deus [qahal Yahweh]. a assembleia dos
chamados por Deus para formarem o seu povo santo.
64. As famlias de Israel se reuniam como comunidade religiosa e social. A experincia familiar e comunitria marcou a constituio do Povo de Deus em diversas pocas: Abrao, como
pai da grande nao; Isaac e Israel como patriarcas das doze tribos; Moiss, como libertador
da escravido e organizador do povo em pequenos grupos; os juzes ungem os primeiros
reis; os profetas anunciam a vontade de Deus e denunciam a infidelidade Aliana; e o
exlio remete saudade da Terra Prometida. Diversos processos formaram o grupo que foi
fortalecendo seus vnculos, especialmente aps o exlio.
65. No tempo de Jesus, a vida comunitria em Israel estava se desintegrando. A estrutura da sinagoga continuava existindo, mas a comunidade estava se enfraquecendo. Os
impostos aumentavam e endividavam as famlias (cf. Mt 22,15-22; Mc 12,13-17; Lc
20,26). A ameaa de escravido crescia e levava as famlias a se fecharem dentro das
suas prprias necessidades. Muitas pessoas ficavam sem ajuda e sem defesa, como as
vivas, os rfos e os pobres (cf. Mt 9,36).
66. Jesus participava da vida comunitria de Israel. Ele rezava todos os dias, de manh, ao meio-dia e ao pr do sol, como todo seu povo. Aos sbados, participava das reunies
da comunidade na sinagoga (cf. Lc 4,16). Anualmente participava das peregrinaes
para visitar o Templo em Jerusalm (cf. Lc 2,41-52; Jo 2,13; 5,1; 7,14; 10,22). Dessa
forma, Jesus apoiava a experincia comunitria da vivncia da f e, ao mesmo tempo,
manifestava progressivamente que Ele o Senhor do sbado e expresso definitiva da
Palavra de Deus.
2.2 Jesus: o novo modo de ser pastor
67. Jesus se apresentava como o Bom Pastor (cf. Jo 10,11). Com bondade e ternura acolhia o povo, sobretudo os pobres (cf. Mc 6,34; Mt 11,28-29). Seu agir revelava um
novo jeito de cuidar das pessoas. Ele ia ao encontro delas, estabelecendo com as
mesmas uma relao direta e acolhedora. Jesus apresentava um caminho de vida nova:
Vinde a mim, todos vs que estais cansados e carregados de fardos, e eu vos darei descanso (Mt 11,28-30).
68. Jesus tinha um cuidado especial para com os doentes (cf. Mc 1,32), afastados do convvio social, porque eram considerados castigados e viviam de esmolas. Lanava-lhes um novo
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olhar, por isso tocava-os para cur-los, tanto da enfermidade quanto da excluso social.
69. Jesus anunciava a Boa-Nova do Reino para todos. No exclua ningum. Oferecia um lugar aos que no tinham vez na convivncia humana. Recebia como irmo e irm aqueles que o
sistema religioso e a sociedade desprezavam e excluam: prostitutas e pecadores (cf. Mt
21,31-32); pagos e samaritanos (cf. Lc 7,2-10); leprosos e possessos (cf. Mt 8,2-4;);
mulheres, crianas e doentes (cf. Mc 1,32;); publicanos e soldados (cf. Lc 18,9-14); e muitos
pobres (cf. Mt 5,3).
70. Jesus andou pelos povoados da Galileia anunciando ao povo o Reino de Deus (cf. Mc 1,14-15). Ele ensinava (cf. Mc 2,13), e o povo ficava admirado com sua pregao
ligada ao cotidiano da vida (cf. Mc 12,37). As parbolas mostravam sua capacidade de
comparar as coisas de Deus com a simplicidade da vida: sal, luz, semente, crianas e
pssaros. Jesus ensinava de forma interativa, pois levava as pessoas a participarem da
descoberta da verdade. Por isso, o povo percebeu um ensinamento novo e com autoridade (Mc 1,27). Sua prpria vida era o testemunho do que ensinava.
2.3 A comunidade de Jesus na perspectiva do Reino de Deus
71. Jesus tinha a certeza da presena do Esprito de Deus em sua vida e a conscincia clara de ser chamado para anunciar a Boa-Nova aos pobres, proclamar a libertao aos
presos, aos cegos a recuperao da vista, libertar os oprimidos e anunciar um ano de
graa da parte do Senhor (cf. Lc 4,18-19).
72. Ele valorizou a casa das famlias. Durante os trs anos em que andou pela Galileia, visitou pessoas e famlias, entrou na casa de Pedro (cf. Mt 8,14), de Mateus (cf. Mt
9,10), de Zaqueu (cf. Lc 19,5), entre outros. O povo procurava Jesus na sua casa (cf.
Mt 9,28; Mc 1,33). Quando ia a Jerusalm, hospedava-se em Betnia, na casa de
Marta, Maria e Lzaro (cf. Jo 11,3). Ao enviar os discpulos, deu-lhes a misso de
entrar nas casas do povo e levar a paz (cf. Mt 10,12-14). Entrar na casa significava
entrar na vida daquela pequena comunidade que nela habitava.
73. Jesus, porm, no se deteve no entusiasmo individual de alguns, por isso constituiu o grupo dos Doze Apstolos (cf. Mc 1,16). O nmero doze remete s tribos de Israel,
dessa forma, a comunidade de Jesus dar incio ao novo Povo de Deus. Ao redor de
Jesus nasceu uma pequena comunidade de discpulos missionrios qual foram
revelados os mistrios do Reino de Deus (cf. Mc 1,16-20; 3,14).
74. A comunidade de apstolos e discpulos foi aprendendo com Jesus um novo jeito de viver:
a) na comunho com Jesus: percebendo que todos so irmos e irms, por isso ningum devia aceitar o ttulo de mestre, nem de pai, nem de guia (cf. Mt 23,8-10);
b) na igualdade de dignidade: todos encontram a unidade em Cristo (cf. Gl 3,28); por isso homem e mulher passam a ter a mesma dignidade nessa comunidade,
contrariando a noo de que a mulher fosse inferior ao homem. Jesus revelou-se de
modo surpreendente s mulheres: samaritana disse ser o Messias (cf. Jo 4,26); a
Madalena apareceu por primeiro depois de ressuscitado e a enviou para anunciar a
Boa-Nova aos apstolos (cf. Mc 16,9-10; Jo 20,17);
c) na partilha dos bens: na comunidade, ningum tinha nada de prprio (cf. Mc 10,28). Jesus no tinha onde reclinar a cabea (cf. Mt 8,20), mas havia uma caixa
comum que era partilhada tambm com os necessitados (cf. Jo 13,29). Nas viagens
o discpulo deveria confiar na acolhida e na partilha que receberia do povo (cf. Lc
10,7);
d) na amizade: onde ningum superior nem escravo: J no vos chamo servos, porque o servo no sabe o que faz o seu Senhor. Eu vos chamo amigos, porque vos
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dei a conhecer tudo o que ouvi do meu Pai (Jo 15,15);
e) no servio: como nova forma de entender o poder. Os reis das naes dominam sobre elas e os que exercem o poder se fazem chamar benfeitores. Entre vs no
deve ser assim (Lc 22,25-26). Quem quiser ser o maior entre vs seja aquele que vos serve! (Mc 10,43). Jesus mesmo deu o exemplo (cf. Jo 13,15), pois no veio para ser servido, mas para servir e doar a vida (cf. Mt 20,28);
f) no perdo: seria a marca de uma comunidade de Cristo. O poder de perdoar foi dado a Pedro (cf. Mt 16,19), aos apstolos (cf. Jo 20,23) e s comunidades (cf. Mt
18,18);
g) na orao em comum: eles iam juntos em romaria ao Templo (cf. Jo 2,13; 7,14; 10,22-23), rezavam antes das refeies (cf. Mc 6,41; Lc 24,30) e frequentavam as
sinagogas (cf. Lc 4,16). Em grupos menores, Jesus se retirava com eles para rezar
(cf. Lc 9,28; Mt 26,36-37); e
h) na alegria: expresso de que o Reino de Deus chegara e a salvao estava prxima: Felizes so vocs, porque seus nomes esto escritos no cu (Lc 10,20), e seus olhos veem a realizao da promessa (cf. Lc 10,23-24), o Reino vosso! (cf. Lc 6,20). a alegria que convive com dor e perseguio (cf. Mt 5,11).
75. Jesus tambm apresentou quatro recomendaes para a misso dos discpulos:
a) hospitalidade: a atitude do missionrio devia provocar o gesto comunitrio da hospitalidade (cf. Lc 9,4; 10,5-6). Os discpulos e as discpulas no deviam levar
nada nem mesmo duas tnicas (cf. Mt 10,9-10). A nica coisa que levavam era a
paz (cf. Lc 10,5);
b) partilha: no deveriam andar de casa em casa, mas ficar hospedados na primeira casa em que fossem acolhidos, isto , eram chamados a conviver de maneira estvel
como membros da comunidade que lhes dava sustento (cf. Lc 10,7);
c) comunho de mesa: deveriam comer o que o povo lhes oferecesse (cf. Lc 10,8). Outros missionrios (cf. Mt 23,15) iam prevenidos: levavam sacola e dinheiro para
cuidar da sua prpria comida, pois no confiavam na comida do povo que nem
sempre era ritualmente pura. Para os discpulos de Jesus, o valor comunitrio da convivncia fraterna prevalecia sobre a observncia de normas e rituais; e
d) acolhida aos excludos: por isso curavam os doentes, libertavam os possessos, purificavam os leprosos (cf. Lc 10,9; Mt 10,8); com esses sinais reconstruam a vida
comunitria e social de muitos marginalizados da poca.
76. Essas recomendaes sustentavam a vida dos missionrios do Evangelho. Tratava-se de uma nova forma de ser e agir numa sociedade marcada por grandes contrastes. O
Reino de Deus implica sempre uma nova maneira de viver e conviver, nascida da Boa-
Nova que Jesus anunciou.
2.4 As primeiras comunidades crists
77. Na manh de Pscoa, a comunidade dos discpulos fez a experincia do encontro com Jesus ressuscitado (cf. Lc 24,1-8). Os discpulos reconheceram que o crucificado havia
ressuscitado dos mortos e sido glorificado como Filho de Deus, com dignidade divina
(cf. Jo 20,28). O Ressuscitado transmitiu aos apstolos o Esprito Santo, para que se
tornassem testemunhas do Evangelho. O poder do Esprito Santo, recebido no dia de
Pentecostes (cf. At 2), concedeu diversos carismas que acompanhavam o anncio
evanglico. O mesmo Esprito guiou as decises fundamentais da Igreja para ser uma
comunidade evangelizadora: admitir os pagos (cf. At 8, 29-39); superar obstculos da
Lei Mosaica (cf. At 5,28); e fazer misso no mundo pago (cf. At 13,2-3).
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78. Partindo de Jerusalm, os apstolos criaram comunidades nas quais a essncia de cada cristo se define como filiao divina. Essa se d no Esprito Santo pela relao entre
f e Batismo. Assim, os seguidores de Jesus comearam a se reunir para expressar sua
f em Jesus e mostrar o caminho que ele propunha. Convocada por Deus, a
comunidade primitiva era a reunio dos fiis que sentiram o mesmo chamado.
79. Nos Atos dos Apstolos, Lucas apresenta a inspirao para toda a comunidade crist: Eles eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos apstolos, na comunho fraterna, na frao do po e nas oraes (At 2,42). Merece destaque o verbo perseverar, indicando que a vida crist um comportamento constante em vista do
crescimento. Os primeiros cristos trilhavam um caminho visando a se manterem fiis
proposta do Evangelho.
80. Toda comunidade crist se inspira nos quatro elementos distintivos da Igreja primitiva:
a) o ensinamento dos apstolos: a palavra dos apstolos a nova interpretao da vida e da lei a partir da experincia da ressurreio. Os cristos tiveram a coragem de
romper com o ensinamento dos escribas, os doutores da poca, e passaram a seguir
o testemunho dos apstolos. Eles consideravam a palavra dos apstolos como
Palavra de Deus (cf. 1Ts 2,13);
b) a comunho fraterna: indica a atitude de partilha de bens. Os primeiros cristos colocavam tudo em comum a ponto de no haver necessitados entre eles (cf. At
2,44-45; 4,32; 34-35). O ideal era chegar a uma partilha no s dos bens materiais,
mas tambm dos bens espirituais, dos sentimentos e da experincia de vida,
almejando uma convivncia que superasse as barreiras provenientes das tradies
religiosas, classes sociais, sexo e etnias (cf. Gl 3,28; Cl 3,11; 1Cor 12,13);
c) a frao do po (Eucaristia): herana das refeies judaicas, principalmente a ceia pascal, nas quais o pai partilhava o po com os filhos e com aqueles que no tinham
nada. Para os primeiros cristos, a expresso lembrava as muitas vezes em que
Jesus tinha partilhado o po com os discpulos (cf. Jo 6,11). Lembrava o gesto que
abriu os olhos dos discpulos para a presena viva de Jesus no meio da comunidade
(cf. Lc 24,30-35). A frao do po era feita nas casas (cf. At 2,46; 20,7); e
d) as oraes: por meio delas os cristos permaneciam unidos a Deus e entre si (cf. At 5,12b), e se fortaleciam na hora das perseguies (cf. At 4,23-31). Os apstolos
atestavam que no poderiam anunciar bem o Evangelho se no se dedicassem
orao assdua (cf. At 6,4).
81. A perseverana na doutrina dos apstolos, na comunho fraterna, na frao do po e nas oraes unia os seguidores de Jesus na mesma famlia e estreitava sempre mais seu
vnculo com Cristo e com os irmos. Essa experincia permitia que a prpria
existncia da comunidade fosse essencialmente missionria: Louvavam a Deus e eram estimados por todo o povo. E, cada dia, o Senhor acrescentava a seu nmero
mais pessoas que eram salvas (At 2,47).
2.4.1 A comunho
82. A comunho fundamentava-se na experincia eucarstica e se expandia nas diversas dimenses da vida pessoal, comunitria e social: Porque h um s po, ns, embora sendo muitos, somos um s corpo, pois todos participamos desse nico po (1Cor 10,17). Para Paulo a comunho com Cristo se realiza na ceia do Senhor (cf. 1Cor
10,14 ss). Ela plena koinonia em algo po e vinho e com algum Jesus Cristo. A Eucaristia nutre a esperana da realizao plena do cristo no mistrio de Cristo. Ela
sustenta a f e a esperana na vinda de Cristo na parusia, por isso proclama o
Maranath [Vem Senhor!]. A resposta da comunidade ao dom do Pai, que a
comunho no Corpo e Sangue do Senhor, se realizava no comportamento tico e no
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compromisso com todos os sofredores da histria.
83. So Paulo aplica o termo koinonia expandindo-o at as fronteiras para vencer as barreiras. Por isso ele pede a Filmon, seu amigo na f, que acolha o escravo Onsimo
como se fosse o prprio Paulo (cf. Fm 1,17). Onsimo havia se convertido f crist
na priso. por participar da mesma comunidade crist, que Onsimo deve ser
recebido por Filmon como irmo e no mais como escravo. Naquela poca, amizade
e comunho eram pensadas somente entre pessoas da mesma condio social. A
comunho crist se expressava na unidade entre judeus e gregos, romanos e rabes,
homens e mulheres, crianas e idosos (cf. At 2,6).
2.4.2 A partilha
84. A comunidade primitiva vive a comunho de bens: Todos os que abraavam a f viviam unidos e possuam tudo em comum; vendiam as suas propriedades e seus bens
e repartiam o dinheiro entre todos, conforme a necessidade de cada um (cf. At 2,44-45). A partilha no era imposta pelos apstolos, mas expresso natural do amor a
Cristo e aos irmos. Isso implicava uma nova forma de entender at mesmo o dzimo.
Enquanto para Israel era uma obrigao religiosa, a partilha de bens dos cristos era
manifestao autntica e espontnea da f: Cada um d conforme tiver decidido em seu corao, sem pesar, nem constrangimento, pois Deus ama a quem d com alegria (2Cor 9,7).
85. As coletas que Paulo promove (cf. 2Cor 8-9) so sinais concretos de solidariedade e comunho dos cristos convertidos do paganismo para com os judeu-cristos de
Jerusalm. O gesto aponta para uma realidade maior: a comunho do ser humano com
o Pai, em Cristo, se estende aos irmos pela ao do Esprito Santo. O dom material
sinal visvel da profunda relao das pessoas e da comunidade com a Trindade.
86. A comunho de bens uma atitude concreta vivida pela comunidade que surgiu da Pscoa. Todos colocam o que possuem a servio dos outros; assim, os bens pessoais se
tornam comunitrios por livre-deciso da pessoa que participa da comunidade. Essa
postura reflete a amizade que circula entre os membros da comunidade. reflexo da
experincia que se faz do amor de Deus que no poupou seu prprio Filho, mas o entregou por todos ns (Rm 8,32).
2.4.3 A iniciao crist
87. Em Antioquia, pela primeira vez, os discpulos so chamados de cristos (cf. At 11,26) para expressar a condio de batizados: seguidores de Cristo, o ungido. O batizado tambm ungido no Esprito Santo; o cristo um homem novo, transformado em
Cristo (cf. Rm 12,2). nascido do alto, como disse Jesus a Nicodemos (cf. Jo 3,3).
88. Nos primeiros sculos, a comunidade crist realizava o processo da iniciao dos futuros cristos. Antes de receber o Batismo, a Confirmao e a Eucaristia, o
candidato passava por um processo que permitia mergulhar no mistrio de Cristo.
Primeiramente ele recebia o querigma, o primeiro e fundamental anncio de Jesus
Cristo como o Salvador da humanidade. O candidato deveria, pela f, acolher Cristo
como seu Salvador (pr-catecumenato). Aps essa deciso, ele era acompanhado por
membros da comunidade no catecumenato com instrues, ritos e bnos que
permitiam compreender melhor a vida crist. A entrada no catecumenato e a eleio
para receber os sacramentos eram marcadas por ritos comunitrios que instituam os
catecmenos.
89. Ocorria, ento, a formao fundamentada na doutrina dos apstolos (cf. At 2,42) que se dava tanto pela pregao quanto pela catequese. A iniciao crist cuidava de
instruir os catecmenos tanto na adeso pessoa de Jesus Cristo quanto na vida
comunitria e no novo jeito de agir na sociedade e na famlia. O ensinamento de Jesus
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Cristo era retomado na doutrina dos apstolos como reflexo que se adaptava s
situaes e ao pblico ao qual se dirigia. O catecmeno participava das celebraes da
Palavra; durante a celebrao eucarstica, contudo, era convidado a se retirar ao serem
concludas as preces. Ele s participaria da liturgia eucarstica aps receber o Batismo
e a Crisma. Nesse itinerrio, a comunidade fazia uma formao forte e gradual para
que a pessoa compreendesse o mistrio do qual era convidada a participar.
90. Na Quaresma ocorria a purificao e a iluminao: uma preparao intensa para a recepo dos sacramentos da iniciao crist. Nessa fase, sondavam-se as motivaes
profundas do candidato que recebia acompanhamento da orao de toda a
comunidade. Na viglia pascal o candidato, aceito pela comunidade, era batizado,
crismado e recebia o Corpo e Sangue do Senhor, em uma nica celebrao. Assim, o
nefito se tornava um homem novo, configurado em Cristo. Sua formao era
continuada no tempo pascal com a mistagogia, quando o cristo aprofundava os
mistrios dos quais participava como herdeiro da vida eterna. Toda comunidade
acompanhava, formava e conduzia todo esse processo de iniciao.
2.4.4 A misso
91. Como Jesus o enviado do Pai para cumprir a sua vontade (cf. Hb 3,1), os cristos receberam o envio de Jesus: Ide, pois fazer discpulos entre todas as naes (cf. Mt 28,19). Trata-se da misso de anunciar a Boa-Nova da salvao a toda criatura (cf. Mc
16,15) at os confins da Terra (cf. At 1,8).
92. Por isso a comunidade crist anuncia Jesus Cristo e acolhe novos membros que, pelo Batismo, se tornam discpulos do Senhor, para testemunharem com palavras e gestos o
Evangelho do Reino de Deus. Essa misso impulsiona as comunidades a expandirem a
mensagem de Cristo alm de suas fronteiras geogrficas. Fizeram como Jesus fazia:
Vamos a outros lugares, nas aldeias da redondeza, a fim de que, l tambm, eu proclame a Boa Nova. Pois foi para isso que eu sa (Mc 1,38). Por isso as viagens missionrias de Paulo constituram comunidades crists em diferentes regies do
mundo antigo.
93. A misso sustentada especialmente por casais missionrios: Prisca e quila (cf. Rm 16,3-5) colaboradores de Paulo; Andrnico e Jnia (cf. Rm 16,7), chamados de
apstolos notveis. Eles so judeu-cristos e auxiliam Paulo em sua misso. Prisca e
Jnia revelam a presena missionria das mulheres no primeiro sculo. Igualmente
Evodia e Sntique (cf. Fl 4,2) trabalhavam para a expanso do Evangelho no mundo
antigo. O carisma das mulheres fundamental para entender a obra missionria das
origens, por isso Paulo pde sentenciar que diante do Evangelho todos tm a mesma
dignidade: No h homem nem mulher (cf. Gl 3,28).
2.4.5 A esperana
94. Devido ressurreio de Cristo, os cristos so testemunhas da esperana. A ressurreio o anncio central da comunidade que deve viver e testemunhar a
mensagem pascal. Essa experincia vivida nas liturgias crists, que so pascais. A
Igreja, esposa de Cristo, vive da certeza de que um dia habitar na tenda divina, na
casa da Trindade, numa Aliana nova e eterna com Deus (cf. Ap 21, 2-5).
95. H um elemento fundamental para compreender a vida dos primeiros cristos: sua esperana na vinda de Jesus Cristo no fim dos tempos. Por isso eles pregam a
converso especialmente de Israel que deve acolher seu Messias. Dessa forma, o grupo
se define como o verdadeiro Israel, a verdadeira Qahal que a reunio do povo da
Aliana. Mesmo quando os cristos anunciam a Boa-Nova para os no judeus, o
conceito de Povo de Deus mantido. At mesmo os pagos e as pequenas comunidades nascidas das misses, se compreendem como membros desse Novo Povo de Deus que espera o Senhor que vir.
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96. A esperana no Cristo que vir faz a comunidade sentir-se peregrina: forma o povo de Deus a caminho do Reino. Assistida pelo Esprito de Jesus Cristo, consciente do amor
do Pai que revelou a salvao, a comunidade caminha rumo Ptria (cf. Fl 3,20). A
comunidade faz a experincia de reunir os herdeiros do Reino. Quem entra numa
comunidade crist encontra um ambiente de vida e se sente envolvido pelo movimento
que vai da morte para a vida plena.
97. O Novo Testamento, assim, permite identificar os cristos como peregrinos e, ao mesmo tempo, como os seguidores do Caminho (cf. At 16,17). Afinal, a Igreja,
comunidade de fiis, integrada por estrangeiros (cf. Ef 2,19), pelos que esto de
passagem (cf. 1Pd 1,7), ou ainda, pelos imigrantes (cf. 1Pd 2,11), ou peregrinos (cf.
Hb 11,13). Sempre indica que o cristo no est em sua ptria definitiva (cf. Hb
13,14), que deve se comportar como quem se encontra fora da ptria (cf. 1Pd 1,17). O
cristo caminheiro. Ele segue o caminho da salvao (cf. At 16,17).
2.5 A Igreja-comunidade
98. No tempo dos apstolos e das primeiras pregaes do cristianismo, a civilizao urbana se expandia pela bacia do mar Mediterrneo, e as cidades promoviam uma
revoluo social e cultural. Paulo funda comunidades nas cidades mais importantes do
Imprio e entra na nova organizao social que emergia. Enquanto as comunidades do
cristianismo palestinense eram profundamente itinerantes, a proposta de Paulo sugeria
um cristianismo de forma sedentria.
99. Por isso Paulo usa a imagem da casa, lugar estvel onde se rene a famlia. Ele emprega o conceito Igreja Domstica, indicando que as comunidades se reuniam na casa dos
cristos. As comunidades de Jerusalm, Antioquia, Roma, Corinto e feso, entre outras,
so comunidades formadas por Igrejas Domsticas: as casas serviam de local de acolhida
dos fiis que ouviam a Palavra, repartiam o po e viviam a caridade que Jesus ensinou.
Paulo faz da casa a estrutura fundamental das Igrejas por ele fundadas.
100. A Igreja do Novo Testamento ser denominada como ekklesia tou theou, isto , como assembleia convocada por Deus. O conceito ekklesia indicava a comunidade reunida
para a liturgia, para ouvir a Palavra de Deus e celebrar a Ceia (cf. 1Cor 11,18); era
empregado tambm para comunidade domstica, isto , os cristos que se reuniam nas casas para celebrar a liturgia (cf. Rm 16,5); expressava, igualmente, a comunidade
local de todos os cristos que viviam numa determinada cidade (cf. At 11,22); enfim,
designava a comunidade inteira dos cristos, onde quer que residissem (cf. At 9,31).
101. A comunidade de Jerusalm se denomina ekklesia de Deus (cf. 1Cor 15,9). Ekklesia, no grego, significa reunio pblica, que tem o seu equivalente no Antigo Testamento,
conforme a Traduo dos Setenta, com o termo qahal, designando a reunio do povo
da antiga Aliana. A comunidade crist primitiva compreendida, portanto, como o
povo eleito de Deus, o verdadeiro Israel. Contudo, h uma diferena, a eleio no se
reduz aos judeus, pois se estende a todos que creem no Cristo. Tambm os pagos so
chamados a essa ekklesia.
102. A comunidade crist tambm foi marcada por manifestaes poderosas do Esprito Santo. Ocorreram fenmenos como curas, profecias e vises. Eram dons do Esprito
Santo que confirmavam os apstolos e os discpulos de Jesus. A comunidade primitiva
foi marcada pela experincia da presena viva do Esprito Santo, pois o Reino de Deus
se revela na palavra e nas obras. A Igreja primitiva anunciava Jesus Cristo com
palavras e obras que comunicavam a salvao j operante na histria. Assim, a
salvao j estava presente mesmo que sua plenitude ainda no tivesse chegado.
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2.6 Breve concluso
103. Na viso bblica o ser humano no concebido como indivduo isolado e autnomo. Ele membro de uma comunidade, faz parte do povo da Aliana, encontra sua
identidade pessoal como membro do Povo de Deus. A mesma noo perpassa o Novo
Testamento com elementos novos. Utiliza-se a ideia de Corpo de Cristo, do qual cada
pessoa membro. Assim, biblicamente, o ser humano forma-se nas relaes que
estabelece com a comunidade de f. Se para Israel o eixo integrador era a Aliana
feita com Deus, no Novo Testamento ser a pessoa de Jesus Cristo quem estabelece a
nova e eterna Aliana, centro da experincia pessoal e comunitria da Igreja primitiva.
104. Os primeiros cristos formaro o novo Povo de Deus ( 1 Pd. 2,10 ). Essas primeiras comunidades de cristos servem de inspirao para toda comunidade que pretenda ser
discpula missionria de Jesus Cristo. Para tanto seus membros prestaro o culto
devido a Deus, cuidaro uns dos outros, formaro comunidades de amizade e caridade,
partilharo os bens, sero fiis doutrina dos apstolos e vivero na comunho da
Igreja, se comprometero com a misso de anunciar e testemunhar Jesus, o Cristo.
105. O Novo Testamento no oferece um modelo nico de comunidade crist. Mas apresenta elementos e critrios comuns para a vivncia comunitria da f crist nos diferentes
contextos culturais e em pocas distintas. Por isso, a Igreja, fiel a Cristo e guiada pelo Esprito Santo, no deveria ter medo de aceitar e de criar novos modelos, satisfazendo
assim as exigncias de sua vida e misso nos diversificados contextos em que atua.34
34
CNBB. Misso e ministrios dos cristos leigos e leigas, n. 80.
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Captulo 3
SURGIMENTO DA PARQUIA E SUA EVOLUO.
106. A dimenso comunitria da f crist conheceu diferentes formas de se concretizar historicamente, desde a Igreja Domstica at chegar parquia na acepo atual. A
parquia um instrumento importante para a construo da identidade crist; o lugar
onde o cristianismo se torna visvel em nossa cultura e histria. verdade que a
origem da parquia marcada por um contexto cultural muito diferente do atual. Por
isso muitos aspectos histricos precisam ser recuperados e outros revistos, diante das
mudanas de poca e a necessidade de acentuar o sentido comunitrio da f crist.
3.1 As comunidades na Igreja antiga
107. As comunidades crists primitivas transmitiram a Palavra de Jesus que pode ser reconhecida em todos os tempos. Apesar das dificuldades e dos insucessos, os
primeiros cristos no perderam sua esperana e mantiveram a fidelidade ao Reino de
Deus. O cristianismo dos trs primeiros sculos vivia de forma clandestina no Imprio
Romano. As comunidades sofreram perseguio e martrio. o tempo dos Santos
Padres quando a Igreja precisou delinear melhor os carismas e ministrios,
especialmente, definindo melhor a funo dos bispos, presbteros e diconos. A
comunidade era um refgio para os cristos que viviam numa sociedade de contrastes.
108. Naquele contexto aprofundou-se a ideia de fraternidade crist, de tal forma que as comunidades sentiam-se responsveis umas pelas outras. Os membros da comunidade
se tratavam como irmos e se distinguiam dos costumes pagos. O sentimento de
irmandade se expressava no cuidado e na assistncia a todos que necessitavam de
auxlio, especialmente vivas, desempregados, presos, rfos, velhos e doentes. Nesse
tempo se desenvolveu a prtica do jejum, por meio do qual os cristos destinavam aos
pobres tudo o que deixavam de consumir. As comunidades sustentavam muitas obras
de caridade com a prtica penitencial do jejum.
109. A Igreja vivia numa sociedade com valores estranhos aos cristos. Esses formavam grupos numericamente reduzidos. O sistema social das comunidades crists era to
organizado que at mesmo os no cristos poderiam receber ajuda. Aquele estilo de
vida das comunidades implicava uma recusa crist diante de prticas como a do
abandono de crianas recm-nascidas e a adorao aos deuses.
110. A carta a Diogneto condensa a condio da comunidade crist de estar-no-mundo sem se identificar com ele Vivem na sua ptria, mas como forasteiros; participam de tudo como cristos e suportam tudo como estrangeiros. Toda ptria estrangeira ptria
deles, e cada ptria estrangeira. Casam-se como todos e geram filhos, mas no
abandonam os recm-nascidos. Pem a mesa em comum, mas no o leito; esto na
carne, mas no vivem segundo a carne; moram na terra, mas tm sua cidadania no cu;
obedecem as leis estabelecidas, mas com sua vida ultrapassam as leis [...] so pobres, e
enriquecem a muitos; carecem de tudo, e tm abundncia de tudo. 35
3.2 A origem das parquias
111. Em 313, o edito de Milo declarou a liberdade religiosa para todo o Imprio Romano. Com o fim da perseguio, os cristos podiam viver na sociedade e manifestar
publicamente sua f. Assim comeou a crescer o nmero de cristos, e com o edito de
35
CARTA A DIOGNETO, ns. 5,5-13. In: Padres Apologistas. So Paulo: Paulus, 1995. p. 22-23.
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Tessalnica em 381, emanado pelo Imperador Teodsio, tornando o cristianismo
religio oficial do imprio, as assembleias crists ficaram cada vez mais massivas e
annimas. Aos poucos o cristianismo se tornou a religio da maioria no imprio.
112. As comunidades crists passaram a se organizar em total correspondncia com a vida social, estabelecendo-se territorialmente e organizando-se administrativamente. A
relao igreja-casa se enfraqueceu, criaram-se, no final do sculo III, locais fixos
chamados domus ecclesiae, para as diversas reunies da comunidade, sob a direo de
um presbtero. No final do sculo IV, esses locais fixos de culto eram chamados, em
Roma, de titulus. Chamavam-se parquia, as comunidades rurais, afastadas da cidade
onde moravam o bispo e seu presbitrio. Porm, no sculo V, o sistema paroquial
adquire maior autonomia com os presbteros que esto sua frente desenvolvendo
vrias funes: presidir a Eucaristia, batizar e promover a reconciliao, sendo
considerados delegados do bispo. Aos poucos, o sistema paroquial vai se impor
tambm na cidade, sendo os locais fixos de reunies, existentes nas cidades,
transformados em parquias territoriais. A territorialidade determinou a transformao
social das comunidades crists primitivas em parquias. Diminuiu a fora da pequena
comunidade com seus muitos carismas para fortalecer as unidades paroquiais
territoriais. A diocese emergiu como expanso das comunidades eclesiais urbanas.
113. Para garantir a unidade da Igreja, concretamente expressa na Eucaristia presidida pelo bispo, instituiu-se o fermentum, fragmento do po consagrado, levado s comunidades
para ser imerso no clice da missa presidida pelo presbtero. Com isso, indicava-se
que a Eucaristia da comunidade era um prolongamento da Eucaristia episcopal.
Traduzia-se, assim, a comunho entre a comunidade paroquial animada pelo presbtero
e a Igreja Particular, coordenada pelo bispo.
114. Outro elemento importante a ser considerado a reorganizao da iniciao crist no Ocidente. O presbtero realizava os ritos batismais, porm a consumao ou perfeio (a atual
crisma) ficava reservada ao bispo, como ministro da unidade e da comunho da Igreja local.
115. As parquias, originalmente rurais, se estenderam pelas cidades devido ao crescimento populacional, decorrentes da impossibilidade do bispo de atender com seu presbitrio
aos povoados mais distantes. A parquia, com o tempo, passaria a ser essencialmente a
Igreja instalada na cidade. As parquias eram grandes ou pequenas, de acordo com o
tamanho das cidades. A comunidade eclesial era episcopal e urbana.
116. Em 476 ocorreu o fim do Imprio Romano no Ocidente com a invaso dos brbaros. Esses assimilaram a cultura romana, a monarquia, o latim e a autoridade da Igreja
Catlica. Uma nova etapa comeou para as comunidades crists. A parquia medieval
era uma grandeza teolgica onde se desenvolvia a vida inteira das pessoas, pois, alm
da agregao religiosa, tambm influenciava na economia e na educao da regio
onde se situava. Havia uma estreita ligao entre Igreja, Estado e sociedade. Nesse
perodo, aparecem ordens religiosas e mosteiros atraindo pessoas que buscavam uma
espiritualidade que a parquia no conseguia proporcionar.
117. No incio do segundo milnio, emergiu a noo de mundo dividido entre dois poderes: o temporal e o espiritual, sendo este ltimo considerado superior, pois o Papa coroava
o Imperador. A vida crist, naquele contexto, conheceu uma novidade importante
quando um monge do mosteiro de Cluny foi eleito Papa e assumiu o nome de
Gregrio VII (1073-1085). Ele promoveu a Reforma Gregoriana que pretendia fazer a
Igreja regressar s suas origens e afirmar o poder papal, diante das ameaas dos
senhores feudais. A reforma foi uma resposta aos problemas do seu tempo, mas, aos
poucos, desenvolveu-se a noo de Igreja mais como instituio jurdica do que
sacramental. A parquia permaneceu sendo uma referncia para os cristos.
118. O Conclio de Trento, no sculo XVI, mesmo considerando as novas condies
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sociais, culturais e religiosas surgidas do Renascimento e da Reforma Protestante, no
modificou o perfil estrutural da parquia. Insistiu, porm, que o proco residisse na
parquia e instituiu o seminrio para formar o clero. 36
Estabeleceu os critrios de
territorialidade e props a criao de novas parquias para enfrentar o problema do
crescimento populacional. As determinaes do Conclio de Trento delinearam
substancialmente o modelo de parquia que chegou at o Conclio Vaticano II.
3.3 A formao das parquias no Brasil
119. No Brasil o catolicismo chegou no sculo XVI e foi marcado pelas ordens religiosas e as irmandades de fiis. Nas principais cidades havia vrias igrejas de diferentes ordens
religiosas que insistiam em devoes particulares. Cada fiel aderia a uma associao
religiosa de acordo com sua preferncia ou santo de venerao. Entretanto, a vida crist,
alinhada s ordens religiosas, ficou comprometida em 1855, com algumas medidas do
Imprio que fechou os noviciados no Pas. As irmandades ficaram abaladas, algumas
desapareceram e outras se secularizaram. Resistiu e ainda resiste, no Brasil, um
catolicismo de tradies populares com suas festas e devoes. Naquele contexto, as
parquias permaneceram como a nica instncia institucional do catolicismo no pas.
120. Com a proclamao da Repblica em 1889, a situao mudou. Houve a chegada de congregaes religiosas europeias ao Brasil. Elas tiveram atuao semelhante que se
fazia no catolicismo da Europa no sculo XIX que enfatizava muito a escola catlica.
Na poca as dificuldades eram significativas: um padre deveria atender a extensas
regies geogrficas, ficando sobrecarregado com a administrao e recebendo alguma
ajuda do laicato, mais de proviso material. Nas cidades grandes, alguns religiosos,
mais ocupados com escolas, assumiram tambm parquias para colaborar com os
bispos frente ao crescimento das populaes urbanas. Diante da pluralidade de
congregaes e carismas, apostolados e atuaes, no havia preocupao de formar
uma unidade entre as parquias.
121. Cresceu um catolicismo brasileiro caracterizado pela intensa participao do leigo em associaes, onde h muita reza e pouca missa. O leigo atuava especialmente na
capela, onde se rezava o rosrio e se realizavam as procisses. No sculo XIX ocorreu
o chamado processo de restaurao, quando se introduziu no Brasil a reforma
tridentina e se tentou paroquializar a capela onde se preservava o catolicismo leigo e
popular. Permaneceu, entretanto, a busca por festas, procisses, culto aos santos e
rezas por parte dos leigos. O clero insistia na formao moral e dogmtica da f. A
parquia ficou sendo identificada como o lugar exclusivo do padre. O catolicismo
popular sobreviveu sem se alinhar muito vida paroquial.
122. Isso influenciou na situao das comunidades paroquiais brasileiras, especialmente no comportamento de seus batizados. Esses percebem a parquia como sendo o lugar
mais adequado para receber os sacramentos e atender s suas necessidades religiosas.
Por isso muitos se dizem catlicos no-praticantes, isto , declaram-se catlicos, mas somente procuram a igreja paroquial quanto devem participar de atos religiosos
ou buscar atendimento sacramental.
123. No perodo pr-industrial, a parquia abraava a sociedade local em suas diferentes manifestaes e diversos ambientes. Era uma comunidade territorial que se orientava,
sobretudo, para atender s famlias catlicas. A parquia, segundo o Cdigo de Direito
Cannico de 1917, era concebida como a menor circunscrio local, pastoral e
administrativa.37
36
Cf. Sessio Vigesima Tertia, Cap. VI e Cap. XVIII. 37
Cf. Cn., n. 215 ss.
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3.4 A parquia no Conclio Ecumnico Vaticano II
124. O Conclio Vaticano II no tem um documento ou um estudo especfico sobre a parquia, contudo, apresenta uma chave de leitura muito importante: a Igreja
Particular. A Igreja de Cristo est presente na Igreja Particular.38
A parquia, porm,
no a Igreja Particular no sentido estrito, pois ela est em rede, isto , em comunho
com as demais parquias que formam a diocese, que a Igreja Particular. Para o
Conclio Vaticano II, portanto, a parquia s pode ser compreendida a partir da
diocese. Em termos eclesiolgicos, pode-se dizer que ela uma clula da diocese 39. A Igreja Particular apresentada como poro [portio] do Povo de Deus;
40 a parquia,
entretanto, entendida como parte [pars] da Igreja Particular (diocese).
125. O Conclio reflete sobre a Igreja Particular partindo da Eucaristia e insiste no valor da Igreja reunida em assembleia eucarstica. Ela fonte e cume de toda a vida crist,
onde se realiza a unidade do Povo de Deus.41
126. A comunidade se expressar na comunho dos seus membros entre si, com as outras comunidades e com toda a diocese reunida em torno do seu bispo. Assim, a Igreja, que
prolonga a misso de Jesus, h de ser compreendida primeiramente como comunho
[communio], pois sua raiz ltima o mistrio insondvel do Pai que, por Cristo e no
Esprito, quer que todas as pessoas participem de sua vida de infinita e eterna
comunho, na liberdade e no amor, vivendo como filhos e filhas na fraternidade.
127. O Conclio Vaticano II permitiu tambm alargar a compreenso da misso da Igreja no mundo. Integrando pargrafos da Constituio Dogmtica Lumen Gentium com os
textos da Constituio Pastoral Gaudium et Spes, foi possvel realizar uma sntese que
refletiu a viso da Igreja sobre si mesma e sobre sua relao com o mundo. A
Gaudium et Spes indica que o mundo o lugar dos discpulos que o Cristo convocou
para formarem a Igreja.42
Deriva dessa autocompreenso o sentido mais comunitrio e
missionrio de parquia.
128. O Decreto Apostolicam Actuositatem, sobre o apostolado dos leigos, enfatizou o carter comunitrio da vida crist: A parquia apresenta um exemplo luminoso do apostolado comunitrio, congregando num todo as diversas diferenas humanas que
encontra e inserindo-as na universalidade da Igreja. 43 Insiste-se que a comunidade paroquial tenha maior abertura e deixe de ser auto referencial: Para responderem s necessidades das cidades e das zonas rurais, mantenham [os leigos] sua cooperao
no apenas limitada ao territrio da parquia ou da diocese, mas faam o possvel para
estend-la ao mbito