Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES DEPARTAMENTO DE RELAÇÕES PÚBLICAS, PUBLICIDADE E TURISMO Renata Scarellis DO SALTO ALTO AO BANDEIRÃO A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol São Paulo 2012

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Este trabalho visa apresentar a relação da mulher com o universo masculino do futebol do ponto de vista histórico, sociológico e mercadológico, com foco na espectadora da modalidade. O papel da figura feminina vem se moldando através das diversas transformações sociais ocorridas ao longo dos séculos, conferindo cada vez mais liberdade de escolha para a mulher em universos como trabalho, política e lazer, antes dominados por um rígido núcleo masculino. Percebendo os benefícios sociais e econômicos que essa democratização pode trazer, somados ao crescente poder de influência que a figura feminina tem em núcleos familiares, algumas organizações esportivas já se preocupam em entender como fazer com que a mulher também seja uma consumidora fiel do esporte. O marketing esportivo, utilizando-se de uma série de ferramentas de comunicação, pode entender quais são as suas necessidades e traçar a melhor estratégia para conquistar e fidelizar essas torcedoras, contribuindo também para que o mercado do futebol se profissionalize no País como um todo.

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES

DEPARTAMENTO DE RELAÇÕES PÚBLICAS, PUBLICIDADE E TURISMO

Renata Scarellis

DO SALTO ALTO AO BANDEIRÃO A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

São Paulo

2012

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES

DEPARTAMENTO DE RELAÇÕES PÚBLICAS, PUBLICIDADE E TURISMO

DO SALTO ALTO AO BANDEIRÃO A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Comunicações e Artes como requisito parcial para a obtenção do titulo de bacharel em Comunicação Social com habilitação em Relações Públicas sob a orientação do Prof. Dr. Leandro Leonardo Batista

São Paulo

2012

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BANCA EXAMINADORA

Espaço reservado às observações da Banca Examinadora responsável pela avaliação

deste trabalho, apresentado em _______ de _____________ de 2012, na Escola de

Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

Examinador 1

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Examinador 2

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Examinador 3

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço àqueles que estiveram comigo ao longo de toda a minha

vida: minha família. Meu pai, por ter me ensinado, entre tantas coisas, o quão bom é se

apaixonar pelo futebol e por ser minha companhia em dias de jogo. Minha mãe, pelo

apoio incondicional em tudo o que eu faço (menos as idas ao estádio), e por sempre

acreditar que „‟tudo vai dar certo‟‟. Meu irmão, por me ajudar a levar o mundo menos a

sério, e por ser meu outro companheiro. Aos três, por me ajudarem com as inúmeras

revisões, impressões, e o que mais precisou para que eu concluísse o trabalho.

Depois, agradeço aos meus amigos ecanos, que entre ECA Jr, times, conversas de

vivência - especialmente as de quinta-feira - intercâmbio, festas, viagens, trabalhos de

faculdade e aulas me ensinaram, inspiraram, e fizeram com que eu conseguisse

entender facilmente o porquê dizem que esses são alguns dos melhores anos das

nossas vidas.

Àqueles que me ajudaram para a realização deste trabalho, me orientando,

emprestando livros, dando dicas, saindo para conversar comigo ou me dando apoio

moral na reta final.

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RESUMO

O presente trabalho visa apresentar a relação da mulher com o universo masculino do

futebol do ponto de vista histórico, sociológico e mercadológico, com foco na

espectadora da modalidade. O papel da figura feminina vem se moldando através das

diversas transformações sociais ocorridas ao longo dos séculos, conferindo cada vez

mais liberdade de escolha para a mulher em universos como trabalho, política e lazer,

antes dominados por um rígido núcleo masculino. Percebendo os benefícios sociais e

econômicos que essa democratização pode trazer, somados ao crescente poder de

influência que a figura feminina tem em núcleos familiares, algumas organizações

esportivas já se preocupam em entender como fazer com que a mulher também seja

uma consumidora fiel do esporte. O marketing esportivo, utilizando-se de uma série de

ferramentas, pode entender quais são as suas necessidades e traçar a melhor

estratégia para conquistar e fidelizar essas torcedoras, contribuindo também para que o

mercado do futebol se profissionalize no Brasil como um todo.

Palavras-chave: mulher, torcedora, futebol, marketing esportivo

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ABSTRACT

The present study aims to present the connection between women and the male

universe of soccer, from historical, sociological and commercial point of view, focusing

on female fans. Women‟s role in society has been constantly changing, giving them

more and more freedom to make choices in work, politics and leisure, environments

dominated exclusively by men for a long time. Understanding social and economic

benefits of having both genders actively participating on this field, coupled with the

growing influence that the female figure takes into family units, some sports

organizations are already acting to find out how to get women‟s attention. Sports

marketing can help identifying female fan‟s needs, and building up specific strategies to

make them become faithful consumers of soccer.

Keywords: women, fan, soccer, sports marketing

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SUMÁRIO

Introdução...............................................................................................................

1. A construção do território masculino do futebol.................................................

1.1 De onde ele vem............................................................................................

1.2. Como ele é recebido no Brasil......................................................................

1.3. O futebol e as suas significações .................................................................

1.4. Quando ele vira sinônimo de violência..........................................................

2. As mulheres entram em campo..........................................................................

2.1. Elas como praticantes...................................................................................

2.2. As praticantes brasileiras..............................................................................

2.3. Elas como profissionais.................................................................................

2.4. Elas como torcedoras....................................................................................

2.5. Legitimação x estereótipos............................................................................

3. O mercado da bola.............................................................................................

3.1. O que é marketing esportivo.........................................................................

3.2. O marketing para promover o esporte...........................................................

3.3. O marketing do esporte a serviço de uma organização................................

3.4. O que elas querem (ou precisam).................................................................

4. Quando o público feminino ganha os holofotes.................................................

4.1. No marketing pelo esporte............................................................................

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4.2. Nos produtos.................................................................................................

4.3. Nas datas comemorativas.............................................................................

4.4. Na web .........................................................................................................

Considerações Finais.............................................................................................

Referências Bibliográficas......................................................................................

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LISTA DE QUADROS E FIGURAS

Imagem 1 - Homens praticando kemari em festividade no Japão........................... 14

Imagem 2 - Homens jogando calcio fiorentino da piazza di Santa Croce, em Florença,

Itália............................................................................................................................15

Imagem 3 - Torcedores do Liverpool se espremem nas grades para conseguir ver a

partida do seu time contra o Nottingham Forest, em 15 de abril de 1989............. 29

Imagem 4 - Briga entre torcedores do Palmeiras e do São Paulo no estádio, que

terminou com um torcedor são-paulino morto em campo, ocorrida em

1995.......................................................................................................................... 30

Imagem 5 - Mais de 40.000 mulheres e crianças lotam o estádio turco de Sukru

Saracoglu, em setembro de 2011............................................................................ 32

Imagem 6 - Jogadoras iranianas choram após terem jogo cancelado na Jordânia, por

se recusarem a jogar sem o hijab, em fevereiro de 2012...................................... 36

Imagem 7 - Goleira do Araguari Atlético Clube entra em campo para jogar contra o

Fluminense, em 1958.............................................................................................. 41

Imagem 8 - Gandulas mulheres são escaladas para participarem da final dos Estaduais

de 2012.................................................................................................................... 44

Imagem 9 - Senhoritas da alta sociedade acompanham partida no ABC Paulista, na

década de 20........................................................................................................... 46

Imagem 10 - Torcida organizada do Corinthians, com a clara predominância de

homens, sobe para as arquibancadas..................................................................... 50

Imagem 11 e 12 - Torcida Flu Mulher se prepara para ver partida do Fluminense, e

Núcleo de Mulheres Gremistas visita a obra da nova arena do Grêmio............... 54

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Imagem 13 - Produtos para o público feminino fã de MMA usar no dia a dia, lançados

em 2012................................................................................................................... 56

Imagem 14 - Jovem torcedor do Manchester City assiste o time no Family Stand,

espaço reservado para as famílias.......................................................................... 65

Imagem 15 - Goleira da seleção americana de futebol, Hope Solo, posa para

campanha realizada pela Nike com foco em mulheres......................................... 72

Imagem 16 e 17 - Desodorizador Febreze, patrocinador da NFL, faz campanha focada

no público ferminino................................................................................................. 73

Imagem 18 - Espaço da Mulher Colorada leva mães para visitarem o Beira-Rio e

comemorar o dia das mães..................................................................................... 84

Imagem 19 – Banheiros reformados no Beira-Rio, estádio do Internacional

(RS)........................................................................................................................ 84

Imagem 20 e 21 - Camisa baby look do Avaí e bijuteria feminina de pele para as

torcedoras................................................................................................................ 87

Imagem 22 e 23 - Agasalhos como o do São Paulo e pijamas como o do Santos são

alguns dos produtos que hoje são oferecidos às mulheres pelos clubes......... 88

Imagem 24 - Vencedoras da promoção „‟Que sentimento é esse?‟‟, lançada pelo Avaí

para o dia internacional das mulheres de 2012, recebem os prêmios............... 91

Imagem 25 e 26 - Ações do Corinthians (SP) nas redes sociais para o dia das mães e

para o dia internacional das mulheres................................................................... 92

Imagem 27 e 28 - Reportagem feita para torcedoras atleticanas (PR) na seção

„‟mulher‟‟ do site oficial............................................................................................. 94

Quadro 1 – 4 P‟s do marketing esportivo................................................................ 60

Quadro 2 - mix de marketing promocional.............................................................. 66

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INTRODUÇÃO

"[...] É preciso ter o Futebol no sangue, e a gente, neste momento, não dúvida de que qualquer laboratório detectaria a presença do Futebol no sangue de cada brasileiro, numa mistura balanceada com glóbulos brancos e vermelhos [...]". (Mino Carta editorial da Revista Isto É, n° 212 - jan/81)

A dentista Caroline da Rosa Corrêa tem em seu armário sete camisas do

Internacional (RS) e é sócia do clube desde 2003. Já a advogada Viviane Espíndula, de

Uberlândia, viaja a São Paulo sempre que pode para assistir aos jogos do Corinthians

(SP). A cruzeirense Mariana Bremgartner acompanha não só as partidas do seu time,

mas também de todos os outros no Campeonato Brasileiro e ainda algumas partidas de

clubes no exterior.

Os exemplos descritos acima estão cada vez mais presentes nos times de norte

a sul do país. Atleticanas, gremistas, são paulinas, palmeirenses, santistas ou

vascaínas, elas estão por toda a parte. E não só na torcida, mas também trabalhando

para desenvolver o futebol como negócio, apitando as partidas, ou até mesmo

driblando e fazendo gol.

Foi-se o tempo em que o futebol era „‟coisa de homem‟‟. Aliás, se o futebol é

uma representação tão fiel da sociedade, cabe dizer que se foi o tempo no qual a

esfera pública era um espaço dos homens. As mulheres têm ocupado cada vez mais

os espaço que antes eram exclusivamente masculinos, e o futebol é mais um deles.

Não se pode deixar de dizer que tantos anos de restrições deixaram marcas,

que se apoiam em preconceitos ou ideias que insistem em colocar a mulher e o futebol

em campos distantes, mas é também inegável o crescente interesse por parte delas

nesse território.

Ainda que existam muitos pontos em comum quando se fala em torcer e

pertencer, as diferenças também se fazem presentes. Elas aparecem, por exemplo,

nas necessidades de homens e mulheres que escolhem acompanhar um clube, seja

ela referente a produto, a conteúdo informativo, à arena. O que faz uma mulher ir ao

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estádio ou comprar um produto? Com certeza não são as mesmas coisas que

estimulam os homens a fazê-lo, e nesse ponto entra o profissional de marketing

esportivo, que irá estudar como falar e o que oferecer para que conquistar essa mulher,

que dessa maneira irá não só consumir mais do produto esportivo, mas também

influenciar os seus círculos sociais, a começar pela família.

No Brasil, que se autodenomina „‟o país do futebol‟‟, esse assunto é cada vez

mais recorrente. Reportagens veiculadas na mídia mostram as torcedoras apoiando o

seu time no estádios, comprando produtos licenciados, e se manifestando na web, mas

será que as marcas e os clubes levam isso em consideração na hora de comunicar? É

esse processo que o presente estudo procura entender.

Para isso, a discussão será dividida em quatro etapas. A primeira tarefa será

construir o território masculino do futebol, da sua origem à sua chegada no Brasil,

mostrando como o futebol nasce para suprir necessidades masculinas e quais

representações sociais ele pode assumir, o que ajudaria a explicar a sua popularidade.

Em seguida, fala-se do contexto social feminino, demonstrando como

movimentos sociais e tecnológicos fizeram com que a mulher se aproximasse do

esporte, ainda que essa tenha sido sempre uma relação conturbada, cheia de

proibições e desconfianças. Dá-se uma especial atenção à mulher torcedora dos dias

de hoje, uma principais figuras deste estudo, mostrando quem é ela, a sua trajetória no

futebol, e as barreiras enfrentadas dia após dia no processo de legitimação nesse

território.

No capítulo três, apresenta-se a teoria do marketing esportivo, mostrando como

o profissional pode atuar para potencializar ganhos de organizações esportivas ou

marcas que se associem a ele, quem são as consumidoras esportivas e o que já foi

feito nesse campo no exterior quando se fala de modalidades consideradas

masculinas.

Por fim, no capítulo quatro, encontra-se uma breve análise de iniciativas de

clubes ou marcas brasileiras que invistam para trazer ou fidelizar a torcedora mulher

dentro do universo do futebol, além de opiniões de alguns profissionais do mercado.

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1. A construção do território masculino do futebol

1.1 De onde ele vem

Para analisar a construção do território do futebol na sociedade e a relação da

mulher com ele, é importante entender primeiramente a sua origem e contexto, pois

esses fatores contribuem para a compreensão de como ele se reflete hoje na

sociedade. São diversas as teorias acerca do tema, pois há muitos séculos o homem

pratica esportes coletivos com a bola que poderiam ter influenciado em maior ou menor

grau o desenvolvimento do futebol moderno.

Pesquisas apontam que atividades muito semelhantes ao futebol tenham sido

praticadas na Ásia, especificamente na China e no Japão. Na China, ela aconteceu na

dinastia Han, no século III a. C. O jogo era chamado tsu-chu (cuju), e consistia

basicamente em lançar uma bola com os pés para uma pequena rede. A atividade

deriva de uma macabra diversão praticada pelos militares, que chutavam as cabeças

de seus inimigos após as batalhas para relaxar, mas posteriormente se transforma em

treinamento militar e é introduzida a bola de couro revestida com cabelo para a sua

prática. O esporte se populariza e se propaga para as cortes reais e camadas sociais

mais altas como divertimento.

O cuju teria influenciado no surgimento do kemari, que começa a ser praticado

no Japão durante o período Heian, no século II a. C. A diferença é que o esporte chega

nesse país com caráter cerimonial, sendo o objetivo do jogo manter a bola no ar,

passando-a entre os jogadores. Era visto como uma espécie de oferenda às divindades

e por isso a elegância e a graciosidade nos movimentos eram consideradas

importantes. Até hoje o kemari é praticado no Japão, com o intuito de preservar o seu

caráter histórico.

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Na Europa, os primeiros registros vêm da Grécia, de um jogo chamado

episkyros. As partidas eram jogadas por times de 12 a 14 jogadores cada, e era

permitido o uso das mãos e pés. Conta-se que o esporte não se tornou tão popular

entre os gregos quanto as outras modalidades praticadas na mesma época, porém

conquistou os romanos que a invadiram e criaram, a partir dela, o harpastum, um jogo

com caráter violento.

Graças à série de invasões romanas na época, o esporte acabou sendo levado

para outros continentes e regiões da própria Europa. Existem controvérsias com

relação à influência do harpastum nos esportes que surgiriam nesses países, porém

são várias as semelhanças entre as diversas práticas, ainda que cada região tenha

adotado regras distintas.

No norte francês, durante o século XII surge o soule. O termo deriva do latim

solea, que significa „‟calçado‟‟, o que indica um jogo realizado com os pés. A bola era

de couro e em algumas regiões era praticado com as mãos ou mesmo com um bastão.

A disputa acontecia uma vez por ano e tinha caráter ritual, sem delimitação de espaço,

tempo, ou número de jogadores.

Na Itália surge o calcio fiorentino, um dos ancestrais mais conhecidos do futebol,

e que deu o nome à modalidade como é conhecida hoje pelos italianos, o calcio.

Conta-se que a história teve início na cidade de Florença, durante a Idade Média, em

uma batalha entre facções políticas que resolveram medir forças em um jogo de bola,

prosperando depois como esporte.

Imagem 1: homens praticando kemari em festividade do Japão.

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No calcio fiorentino, duas equipes de 27 jogadores cada se enfrentavam em um

campo de areia e tinham como objetivo arremessar a bola, seja com as mãos ou com

os pés, na rede do adversário, que ficava do lado oposto do campo. Tornou-se uma

modalidade praticada somente pela aristocracia italiana e permitia golpes como socos

e chutes dentro de campo, inclusive com registros de morte de jogadores em

consequência de golpes sofridos durante a partida. Segundo Franco (2007), um

estudioso estimou em quarenta mil o número de espectadores de cada partida.

Atualmente a modalidade é jogada em Florença três vezes ao ano, quando

acontece uma série de comemorações na cidade, com as quatro esquipes da cidade se

enfrentando na Piazza di Santa Croce.

Na Inglaterra, a prática de jogos com bola começa desde 1174, por ocasião da

festa popular de Schrovetide, que comemorava a expulsão dos invasores

dinamarqueses. Assim como na prática chinesa (cuju), a bola era considerada a

representação da cabeça do chefe invasor, mas não se sabe se ela era conduzida com

os mãos ou com os pés. Mais adiante, em 1314, um documento faz referência explícita

a um jogo de bola com os pés que se tornou tão popular a ponto de, em 1365, ser

proibido pelo rei Eduardo III, alegando que ele afastava as pessoas de práticas nobres

e úteis. Mesmo assim, multiplicaram-se as menções ao jogo com os pés, muitas vezes

designado pela palavra football.

Imagem 2: homens jogando calcio fiorentino na Piazza de Santa Croce, em Florença, Itália

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Embora haja nítidos pontos comuns entre as práticas com bola relatadas acima,

não é possível traçar uma linha de continuidade entre elas. Isso porque ao mesmo

tempo que todas apresentavam semelhanças, também existiam diferenças

significativas, principalmente no que diz respeito ao espírito do jogo (objetivos coletivos

ou individuais, prática com mãos e/ou pés). Para Franco (2007), nenhuma delas

desembocou em algo semelhante ao futebol pois:

„‟[...] jogos com bola são manifestações antropológicas, não específicas de determinado povo e determinada época, enquanto o futebol tal qual como o conhecemos hoje resultou de um conjunto de fatores presentes apenas na Inglaterra do século XIX. (FRANCO, 2007, p.18)‟‟

De maneira geral, reconhece-se que as primeiras formas nitidamente modernas

de futebol são encontradas na Inglaterra entre 1830 e 1850, quando surgem nas

escolas públicas manifestações que mais tarde viriam a se diferenciar entre o rugby e o

football (DUNNING e MAGUIRE, 1997, p.330).

Para entender melhor tal processo, é importante destacar o cenário social e

econômico da época. Nesses anos, as escolas inglesas serviam como agentes de

unificação entre as classes proprietárias de terra já instaladas e a classe burguesa

industrial em ascensão. Os pais consideravam a escola, e principalmente o esporte,

uma maneira de os filhos aprenderem conceitos de virilidade e independência, e o

Império britânico o considerava um poderoso instrumento para, além da atividade

física, transmitir valores como disciplina, trabalho em equipe, elementos que eram

importantes para sua política de manutenção e expansão.

O momento era de mudança de poderes, e os processos de industrialização,

urbanização e aumento do poder do Estado favoreciam a classe burguesa em

detrimento da aristocrática. Isso se refletia no aumento da rivalidade por status entre

antigas escolas aristocráticas como Eton e Harrow, e as novas escolas aristocráticas

como a Rugby, sendo o esporte um reflexo claro disso.

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Quando os alunos da escola Rugby começaram a ganhar reputação praticando

o que era um protótipo do rugby moderno, os meninos da Eton começaram a adotar

variações que seriam mais semelhantes ao soccer moderno. Nesse processo, além da

rivalidade, via-se a diferença entre ideais de comportamento e violência aceitos na

sociedade da época.

Apesar das tentativas de unificar as duas práticas e fazê-las se disseminarem

como um único esporte nacional, o rugby e o futebol seguiram separados, ambos com

popularidade crescente na sociedade inglesa, e refletindo distintos sentimentos dos

britânicos daquela época.

Enquanto o rugby realçava a virilidade, a força física e a coragem, o football era

uma demonstração de uma virilidade mais contida e civilizada. Como relata o escritor

Gideon Guthrie, entre os anos de 1889/1890:

“Além do valor real de altruísmo, do domínio de si mesmo e do bom humor, o futebol mostra, por exemplo, a necessidade da amabilidade e da lealdade, a superioridade do espírito sobre o corpo, a moderação e a humildade (..) Durante cada partida, esses preceitos morais são apresentados como exemplo para os espectadores que têm também a ocasião de condenar as maneiras e as condutas faltosas, e ousamos crer que esses breves sermões do domingo à tarde não deixam de ter efeitos sobre a reforma da população” (GUTHRIE, apud DUNNING e MAGUIRE, 1997, p.331).

A situação internacional de conflitos do século XIX, porém, ajudou o futebol a se

moldar, pois a necessidade constante de meninos que estivessem prontos para lutar

em guerras influenciava no uso do esporte nos colégios como espaço para ensinar

essas diversas formas de agressividade e masculinidade, enfraquecendo o conceito de

“lazer racional” que ele possuía.

Esse movimento, que englobava também uma política de expansão do Império

Britânico, fez com que o futebol, o rugby, entre outras modalidades praticadas na

Inglaterra se difundissem e chegassem a diversos países como Argentina, Austrália,

África do Sul, Índia, Estados Unidos, e o próprio Brasil, que se apropriaria do futebol e

o tornaria o esporte mais popular do País.

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Não só o futebol moderno, mas o jogo com bola, no geral, nasce como uma

manifestação masculina. Seja como diversão pós-batalha, treinamento militar,

cerimônia religiosa, decisão de forças ou instrumento de educação, o futebol é

introduzido a esferas que não tem a participação da mulher. Nem mesmo o kemari,

com seu caráter cerimonial, permitia a participação da figura feminina. Nos outros –

cuju, episkyros, harpastum, calcio fiorentino ou mesmo no futebol moderno - ela ficava

ainda mais distante, já que todos os jogos se caracterizavam pela virilidade e

agressividade, ainda que fosse de forma contida, valores distantes da figura feminina.

1.2. Como ele é recebido no Brasil

No Brasil, a chegada do esporte que se tornaria paixão nacional é atribuída à

figura do jovem Charles Miller, graças ao seu empenho para trazer o esporte bretão e

difundi-lo no País. Charles era filho de pai escocês e mãe de origem inglesa. O casal

morava no Brás, onde ele nasceu, e aos nove anos o mandaram para a Inglaterra para

estudar. Lá, Charles aprendeu a jogar futebol pela Bannister Court School, escola

pública de New Hampshire, onde também aprendeu críquete e rugby. No futebol,

atuou como jogador, árbitro e até mesmo dirigente.

No regresso ao Brasil, em 1894, com pouco mais de vinte anos, e apaixonado

pelo esporte, trouxe consigo o material que o ajudaria a desenvolvê-lo no País: dois

uniformes, um par de chuteiras, duas bolas, uma bomba de ar, e um livro de regras.

Os primeiros treinos foram realizados nas várzeas do Carmo. Charles Miller era

sócio do São Paulo Athletic Club, fundado em 1888, e funcionário da São Paulo

Railway Company, o que possibilitou que ele organizasse uma partida no dia 14 de

abril de 1895 entre as duas instituições, a primeira partida oficial de futebol do Brasil.

A partir daí, surgem iniciativas como a fundação, em 1898, da Associação

Atlética Mackenzie College, primeiro time formado exclusivamente por brasileiros, o

Sport Club Internacional, em 1899, que reunia ingleses e brasileiros, e o Sport Club

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Germânia, com alemães e descendentes. Em 1900, foi fundado o Club Athlético

Paulistano, formado por representantes de famílias tradicionais de São Paulo e, em

1902, a Associação Athlética das Palmeiras, criada por jogadores do segundo time do

Paulistano.

Nota-se, portanto, que todos esses clubes possuíam algumas características em

comum: eram formados por brancos pertencentes às classes nobres de São Paulo. Um

esporte que era associado a ideais de progresso e industrialização, inserido em uma

sociedade com marcas do escravismo e ainda essencialmente agrária.

A visão de que só as elites protagonizaram o processo de desenvolvimento do

futebol, porém, mudou. Conta-se que „‟entre 1880 e 1890, anos antes de Charles Miller

retornar da Inglaterra, jesuítas já haviam introduzido jogos com o ballon anglais’’

(FRANCO, 2007, p.61). Em Itu, no Colégio São Luís, jovens da elite praticavam um

jogo chamado „‟bate bolão‟‟, que a partir de 1894 já possuía alguns elementos do

futebol moderno, como as equipes formadas por onze jogadores, as traves de madeira

e os times uniformizados. Existem também relatos de marinheiros ingleses que

jogaram futebol na praia em seus dias de folga, e até mesmo o registro de uma partida

realizada em 1878.

Segundo Franco (2007), apesar do reconhecimento dos esforços e da paixão de

Charles Miller pelo esporte, e do evidente acesso que a elite teve ao futebol, „‟enxergar

só esse lado da história não permite esclarecer as relações entre a atividade e a

sociedade brasileira, até porque muitas de suas significações estão no processo de

apropriação pelos diversos setores sociais que o difundiram e o transformaram em um

fenômeno‟‟. A criação de times e clubes de futebol pelo país – sobretudo São Paulo e

Rio de Janeiro – obedeceu duas tendências.

A primeira é a formação de equipes pela elite, como já foi falado anteriormente.

O futebol, ali, representava um item da modernidade europeia importante para a elite

brasileira. Os colégios e clubes eram espaços exclusivos dessa camada social, que

detinha os instrumentos necessários para a prática do futebol, como chuteiras e

uniformes, além das técnicas e dos saberes ingleses.

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Nada disso impediu que surgisse uma segunda tendência: o interesse das

camadas médias e subalternas pelo futebol. Estes jogavam em times improvisados, e

nesse meio o futebol se tornava um modo de representação que era negado em outros

campos sociais. Deste movimento surgem importantes equipes como, por exemplo, o

S. C. Corinthians Paulista, formado em 1910 por um grupo de operários.

Por outro lado, a criação de clubes vinculados a empresas que convocavam

seus operários para jogarem também ajudava a quebrar essas barreiras sociais. Nesse

caso, jogadores começaram a receber gratificações, e os melhores atletas tinham a

oportunidade de se dedicar mais ao futebol e menos à função para a qual tinham sido

contratados no primeiro momento.

Os clubes elitistas e populares organizavam seus campeonatos separadamente,

sendo que o primeiro cobrava um elevado valor pelos ingressos e mensalidades de

seus sócios na tentativa de manter essa segregação. Nesses campeonatos de elite, a

partir de 1920, era possível encontrar inúmeras senhoritas acompanhando as partidas

de futebol, que representavam uma oportunidade para elas também participarem da

vida pública da alta sociedade.

A formação da concepção do futebol no Brasil, então, era dupla. De um lado,

estava a perspectiva europeia, que celebrava os valores de cooperação, solidariedade,

disciplina e coordenação dos movimentos; de outro, a realidade das classes médias e

subalternas, que apreciava a arte de improvisação e malandragem, valores

relacionados à própria condição de vida dessas pessoas.

De lá pra cá, seriam formados órgãos reguladores como a FIFA, realizados

campeonatos regionais, nacionais e internacionais, o futebol malandro e improvisado

se uniria ao futebol estratégico e ao fair play, acabando com a segregação entre

populares e elitistas, e a Seleção Brasileira cresceria no cenário internacional.

Se internamente o futebol já mostrava a sua força como elemento de construção

da identidade brasileira, externamente esse cenário não poderia mudar. A seleção

brasileira tornou-se um meio de os brasileiros mostrarem a sua força para o exterior,

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21

um campo no qual o País lutava de igual para igual, se não de maneira superior, com

os países mais modernos do mundo:

„‟[...] é principalmente na segunda metade do século XX, que o futebol irá se consolidar como esporte de preferência nacional na sociedade brasileira. O inédito vice-campeonato mundial de 1950, conquistado em território nacional, as vitórias nas Copas de 1958, 1962 e 1970, conferem ao futebol brasileiro o status de melhor do mundo. Essas conquistas desencadearam uma série de transformações nunca experimentadas no meio futebolístico nacional. Surge uma crescente busca pelo esporte e a necessidade em acompanhar os seus principais acontecimentos. Neste contexto, a mídia irá desempenhar um importante papel na divulgação, popularização e massificação do futebol (BOSCHILIA e MEURER, 2003, p.2).‟‟

O futebol também se tornaria mais do que uma ferramenta de expressão, uma

atividade de lazer, um meio de educar ou uma arma política, ele se tornaria um

verdadeiro mercado, movimentando bilhões de dólares por ano, transformando-se em

uma valiosa ferramenta de comunicação, seja para os clubes, seja para as marcas que

se relacionam com ele.

Outros esportes como Fórmula 1, vôlei, MMA1, estão ganhando cada vez mais

espaço na mídia e conquistando novos fãs, mas o futebol se consagrou como o esporte

de preferência nacional, já que 90% dos brasileiros declaram atualmente torcer por

algum time de futebol, e 44% deles são considerados „‟apaixonados‟‟2. O fato de o

futebol ser popular e ter alto índice de aceitação no País não significa, porém, que ele

sempre foi democrático. Desse grupo de torcedores, 68% são homens, e 32%

mulheres3, o que mostra que ele se consagrou como um esporte masculino também no

Brasil, ainda que essa situação esteja em processo de mudança (capítulo 2).

Justamente por refletir pontos tão importantes da sociedade e de identidades, e

pelo seu alto poder de atração e consumo, é que o futebol se torna um campo tão

explorado por sociólogos, antropólogos, psicólogos, linguistas e diversos profissionais

1 Sigla usada para se referir a artes marciais mistas

2 Classificação Nielsen. NIELSEN SPORTS, 2011. Disponível em: http://br.nielsen.com/news/nielsen_sports.shtml .

Acesso em: abril 2012 3 Idem

Page 22: Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

22

de mercado, o que permite a compreensão de sua rede de significados de maneira

mais aprofundada.

1.3. O futebol e suas significações

A industrialização e o surgimento de novas classes já permitiu a compreensão

de como nasce o conceito moderno do futebol (item 1.1). Para entender como ele se

transforma na representação de um rígido núcleo masculino, mais uma vez recorre-se

a fatores históricos e sociais, agora com foco nas sociedades democráticas.

Para Franco (2007), o sucesso da democracia, ao mesmo tempo que trouxe

inegáveis benefícios a setores antes excluídos da tomada de decisões, provocou

também „‟a perda de identidades grupais que tinham sido essenciais nos séculos

anteriores‟‟. A consciência de pertencer a uma determinada comunidade se dilui, pois o

conceito de cidadania, por si só, prevê um certo tipo de homogeneização.

Os novos recortes que surgiram eram muito maleáveis, facilmente mutáveis -

partidos políticos, grupos religiosos – e não satisfaziam essa necessidade de

pertencimento. É nessa brecha que o futebol encontra espaço para crescer,

transformando-se em metáforas desses núcleos do mundo contemporâneo, sejam eles

sociológicos, linguísticos, religiosos, psicológicos e antropológicos.

A característica sociológica foi a mais citada até o presente momento, visto que

é antigo o uso do futebol como ferramenta política de legitimação. Na segunda metade

do século XIX, tornou-se comum usá-lo para manifestar o nacionalismo,

independentemente do tipo de regime que o fazia. Quem não se lembra da famosa

campanha feita pelo governo militar brasileiro em 1970? A vitoriosa seleção brasileira

contava com craques como Jairzinho, Pelé, Tostão e Rivellino, criando o momento

perfeito para mostrar o poder do País e exaltar o sentimento nacionalista, que ficou

marcado através da „‟hipnótica‟‟ canção „‟Pra Frente Brasil‟‟ („‟de repente é aquela

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23

corrente pra frente/ parece que todo o Brasil deu a mão / todos ligados na mesma

emoção‟‟).

O segundo ponto é o aspecto religioso do futebol. O fato de o clube ser algo

difícil de definir, maior que seus dirigentes, jogadores e torcedores, faz com que esse

caráter religioso se intensifique. Também não é rara a divinização dos elementos que o

compõe, que seriam imagens palpáveis dessa abstração. É o caso dos atletas, que são

tratados como verdadeiros deuses pela imprensa e pelos torcedores, status que é

muito utilizado pelas marcas que atrelam o seu produto aos jogadores. Sobre o tema,

Da Matta (1982) destaca:

„‟No Brasil, o esporte é vivido como um jogo. É uma atividade que requer táticas, força, determinação psicológica e física, habilidade técnica, mas também depende das forças incontroláveis da sorte e do destino. Não deve, portanto, ser por acaso, que em certos países, o futebol está associado a um sistema nacional de loteria. No caso brasileiro, chamada a “loteria esportiva”, inteiramente relacionada ao futebol, permite atualizar todo um conjunto de valores associados ao sistema brasileiro da sorte e do azar, inclusive com o apelo mágico às entidades sobrenaturais das chamadas religiões Afro-Brasileiras (como a Umbanda) e do Catolicismo popular. (DAMATTA, 1982, p.30)‟‟

Tal caráter fica ainda mais evidente quando se analisa junto a metáfora

linguística no futebol. Os jogadores viram „‟ídolos‟‟, a camisa do time „‟manto sagrado‟‟,

os gols ilógicos são „‟espíritas‟‟, as defesas difíceis „‟milagrosas‟‟, e assim por diante. E

não é só a religiosidade que se manifesta através da linguagem. A terminologia bélica

também está presente, quando as partidas são chamadas de „‟batalhas‟‟ ou os

jogadores de „‟guerreiros‟‟.

Para expandir a análise linguística, não se pode deixar de citar que esse é mais

um campo onde fica clara a apropriação do futebol como território exclusivo do gênero

masculino. Termos como „‟entrar de salto‟‟, „‟jogar como mulherzinha‟‟, „‟jogar igual a

uma moça‟‟, entre outros que ficaram no imaginário coletivo e contribuem para que a

mulher e o futebol sejam vistos como elementos opostos.

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24

As construções das metáforas psicológicas e antropológicas ajudam a reforçar

esse imaginário masculino. Vale observar que muitos desses aspectos podem ser

incorporados também do cotidiano feminino – como no caso de termos religiosos -

mas aqui se pretende analisar como estes foram incorporados pela classe dominante

masculina da época, e as metáforas sexistas tornam a análise ainda mais clara.

O futebol recupera tanto o sentimento referente ao grupo, quanto a identidade

do homem, ajudando-o a reconstruir valores identitários presentes na época de clãs e

tribos. Sobre isso, Arthur Brittan (1989), em Masculinity and Power, faz a seguinte

observação:

„‟A imagem mais popular da masculinidade na consciência de todos os dias é aquela do homem-herói, do caçador, do competidor, do conquistador. (..) Em certo sentido, a crença no homem-caçador ou no herói não parece ter nenhum fundamento no mundo quotidiano onde vivem a maioria dos homens. Os homens têm pouquíssimas ocasiões de serem heróis, a não ser como passatempo ou nos esportes. O homem-caçador foi transformado em o „homem-sustentáculo‟ da família. As chances de heroísmo surgem apenas no campo do esporte, e não na floresta durante uma perseguição sem tréguas para alimentar a tribo. (BRITTAIN apud DUNNING e MAGUIRE, 1997, p.332)‟‟

Para o antropólogo Desmond Morris (apud FRANCO 2007, p.212), de fato, o

futebol se assemelharia ao mundo tribal, pois ambos suscitam sentimentos fortes e

duradouros, e possuem códigos que se mostram através de pinturas corporais, cantos

e gritos.

Já Franco (2007), prefere usar a definição de clã, pelo fato de seus torcedores

não estarem necessariamente convivendo no mesmo território como aconteceria em

uma tribo, mas espalhados. A base é territorial, mas mesmo quando ele muda de

espaço, se reconhece através de brasão, nome e totem. O sentimento de torcer

transcende esse indivíduo. Para ele:

„‟O clã é um grupo que acredita descender de um ancestral comum, mais mítico que histórico, contudo vivo na memória coletiva. Ainda que todo clube de futebol tenha origem concreta e mais ou menos bem documentada, com o tempo ela tende a ganhar ares de lenda, que prevalece no conhecimento do

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25

torcedor comum sobre dados históricos. É nessa lenda, enriquecida por feitos esportivos igualmente transformados em lenda, que os membros do clã orgulhosamente se reconhecem‟‟

Qualquer que seja o aspecto observado, o fato é que se os valores masculinos

grupais ou individuais encontraram um refúgio tão valioso no futebol, era natural que

fosse igualmente grande o temor de que esse núcleo também fosse atingido pelas

transformações sociais. A partir desse ponto, começa-se a entender melhor um dos

principais motivos da resistência masculina à entrada das mulheres no futebol.

Durante as primeiras duas décadas do século XX, com a ocorrência de

processos como o fechamento das fronteiras, a transformação dos locais de trabalho, e

a mudança das relações familiares, os homens começaram a recear que estivesse

ocorrendo uma „‟feminização‟‟ da sociedade, buscando núcleos que preservassem essa

masculinidade. Outra iniciativa nítida, além do futebol, foi o escotismo4, movimento

criado por Robert Baden Powell, que ensinava jovens rapazes a desenvolverem

cidadania e a serem úteis e responsáveis.

Certo que os valores sociais e a divisão sexual do trabalho não deixariam de se

basear em uma sociedade que Dunning e Maguire (1997) classificam como andriarcal5

mas, pouco a pouco, os papéis sociais sofriam mudanças que, de certa maneira,

perturbavam a rígida ordem social masculina.

Essa „‟feminização‟‟ se dá, na realidade, por diversos aspectos que dizem

respeito às outras ressignificações provenientes das mudanças sociais ocorridas na

época. Um fator muito importante é o „‟cerceamento das normas de regulação da

violência e da agressão, do declínio, na maioria dos indivíduos, de sua tendência a

sentir prazer em participar de atos violentos ou de testemunhar esses atos‟‟ (DUNNING

e MAGUIRE, 1997, p.320). Trata-se literalmente, do enfraquecimento da „‟pulsão por

4 Na época, as meninas também se interessaram pela atividade, e Baden Powell confiou a Agnes, sua irmã, a

criação do Bandeirantismo, escrevendo um livro que ensinava como as moças poderiam contribuir para a construção do Império. O movimento não era bem visto por todos, razão pela qual ele ganha um nome diferente do escotismo. 5 Palavra de raízes gregas que significa ‘’dominação do macho’’, em vez de sociedade patriarcal, que significa,

literalmente, a dominação do pai (ELIAS apud DUNNING E MAGUIRE, 1997, p.323)

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26

atacar‟‟, e do surgimento de sentimentos como vergonha e a marginalização daqueles

que fogem às novas regras. Com a presença de leis e normas mais severas que

condenavam manifestações de violência, mudam os comportamentos em sociedade, e

o futebol se torna, então, um dos espaços onde demonstrações de violência continuam

sendo aceitas, mas sob regras pré-definidas.

1.4. Quando ele vira sinônimo de violência

Ainda que a violência seja vista como uma característica fundamentalmente

masculina, já que ela é muitas vezes associada à virilidade, segundo Morgan e

Summers (2008), essa exacerbação emocional promovida pelo esporte satisfaz uma

necessidade de ambos os gêneros:

„‟O consumo esportivo pode oferecer uma válvula de escape para o exercício dos instintos combativos e agressivos, permitindo a canalização e liberação de comportamentos que, de outra forma, seriam socialmente inaceitáveis (urrar, gritar com autoridades – no caso, o árbitro). O interessante é que essa válvula de escape para a agressão é apreciada tanto por homens quanto por mulheres, e o esporte apresenta um mecanismo socialmente aceitável para esse comportamento‟‟. (MORGAN e SUMMERS, 2008, p.19)

Se o futebol é justamente um meio de canalizar a „‟pulsão por atacar‟‟

anteriormente citada por Dunning e Maguire (1997), e se ele atende às necessidades

de ambos os sexos, onde está o problema? Está no fato que essa „‟guerra simbólica‟‟

muitas vezes é construída como um campo masculino, e que ela extrapola os limites do

jogo, levando a uma violência real entre torcedores ou mesmo ente jogadores dentro

de campo. Esse tipo de violência, em vez de válvula de escape, é um dos maiores

vilões das torcedoras mulheres no futebol, como será visto mais adiante.

Os motivos que levam a esse resultado são vários, estão na linguagem, na

estrutura das arenas, no campo psicológico, no tratamento dado pela mídia e no

próprio comportamento de jogadores, técnicos ou dirigentes.

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27

A linguagem bélica já foi citada (item 1.3.), e ao termos anteriores somam-se

expressões como „‟matar a bola‟‟, „‟matar o jogo‟‟, a referência ao jogador como

„‟guerreiro‟‟, „‟matador‟‟, a designação de „‟capitão‟‟ àquele que é escolhido para

representar o time junto ao árbitro; todos termos usados tanto pelos torcedores quanto

pela imprensa formadora de opinião. Fica claro que, „‟de tempos em tempos, o jogo

apresenta ambientação de claro sentido militar‟‟ (FRANCO. 2007, p.236).

As torcidas organizadas também fazem uso dessas expressões militares para se

autodenominar, como é o caso das Brigatte Rossonere (Milan), Dragões da Real (São

Paulo), Máfia Azul (Cruzeiro), e Red Army (Manchester United), entre outras. Nos

„‟gritos de guerra‟‟ encontram-se ainda mais formas de violência, quando se fala de

maneira explícita sobre ataques, mortes, brigas e batalhas, muitas vezes direcionados

diretamente às torcidas rivais.

Já figura do técnico ganha o aspecto da figura de um comandante quando, a

partir de 1922, difundiu-se o uso do banco na lateral do campo, de onde o profissional

podia orientar os jogadores e fazer mudanças na estratégia de jogo. Alguns técnicos

fizeram, inclusive, uso dessa característica, como o técnico Rubens Minelli, que disse

„‟sou fascinado pelas batalhas da Segunda Guerra Mundial. (..) Faz parte da estratégia

explorar os pontos vulneráveis do adversário e fortalecer as fragilidades que você

tem‟‟6.

Mesmo a estratégia empregada no futebol, com os conceitos de atacar e

defender, a ocupação de espaços, lembra aquela que é também usada para uma

batalha. Além desse caráter bélico que o futebol carrega, seja pela linguagem, seja

pela sua própria essência, por vezes clânica, por vezes nacionalista, existem outros

motivos que fazem com que o futebol seja um meio através do qual muitos grupos

manifestam a sua violência.

É inegável, por exemplo, que os problemas sociais, tanto de Primeiro Mundo,

quanto de Terceiro Mundo estimulem essa violência, que é extravasada também por

outros canais. Franco (2007) observa que, nos países de Terceiro Mundo, por exemplo,

6 Entrevista publicada pela Revista Placar em 15/04/1988. Citado por FRANCO, 2007, p.192

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28

ela se mostra através dos elevados índices de delinquência. Das sociedades mais

autoritárias às sociedades mais democráticas, todas experimentam o mesmo fenômeno

da violência. Um bom exemplo é o drama de Heysel7, que chocou toda a Europa, e

teve apontado como principal vilão o desemprego decorrente na Inglaterra no governo

de Margaret Tatcher. Tais acontecimentos se resumiriam, então, a expectativas e

frustrações vindas à tona por meio do futebol. Dunning e Maguire (1997) concluem que:

„‟É evidente que o problema deve ser tratado fora dos estádios. É um problema social simples e terrivelmente complexo: é preciso dar aos hooligans perspectivas tão excitantes quanto uma boa briga, porém socialmente aceitas. Caso se limite a expulsá-los do futebol, sua violência procurará sem dúvida se exprimir em outro lugar. Talvez de forma pior..‟‟

Para alguns estudiosos, a violência do torcedor é uma resposta às condições

concretas com que o tratam. Não por acaso, de acordo com essa linha de pensamento,

o hooliganismo surgiu na Inglaterra, que tinha os estádios mais antiquados da Europa.

Segundo Franco (2007), uma evidência foi a diminuição dos episódios de violência

quando as grades que separavam as arquibancadas do campo de jogo foram retiradas

dos estádios ingleses. Isso fez com que diminuísse a sensação de isolamento, de que

a grade era necessária pelo perigo que os hooligans representavam, o que servia como

um estímulo para a violência que era esperada deles.

7 Ocorrida em 1985, no estádio de Heysel, na Bélgica, quando hooligans do Liverpool atacaram torcedores italianos

da Juventus, deixando 38 mortos e inúmeros feridos (FRANCO, 2007, p.192)

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29

Alguns clubes ingleses como o Liverpool Football Club foram ainda mais longe e

se engajaram com as comunidades com a intenção de diminuir direta ou indiretamente

a criminalidade como um todo, afastando a imagem do futebol do vandalismo e da

violência. O Liverpool estabeleceu um desenvolvimento comunitário e um programa de

relações públicas, como parte de um projeto adotado por seis clubes da modalidade no

final dos anos 80 (MORGAN e SUMMERS, 2008, p.81). Ídolos dos gramados

participavam de encontros para promover campanhas antidrogas e antifumo;

estudantes que tivessem melhorado sua frequência nas aulas ganhavam adesivo e

certificado do clube, a alguns eram convidados a ir ao clube para uma apresentação.

No Brasil, os episódios de violência parecem estar, no geral, intimamente

ligados às torcidas organizadas. E não só por indivíduos que tenham antecedentes

criminais, mas também com a participação de uma parcela significativa de cidadãos

comuns. Dentro desses grupos existe uma ordem, com hierarquia, e sentimento de

solidariedade aos companheiros. De acordo com um estudo recente, publicado pela

Universidade de São Paulo8, foram registradas 133 mortes de torcedores no Brasil nos

8Reportagem Site Portal de Notícias R7, maio 2012 Disponível em: http://videos.r7.com/violencia-entre-torcidas-causa-seis-mortes-por-ano-no-brasil/idmedia/4fba988ee4b076d29bdfc28f.html Acesso em: maio 2012

Imagem 3: torcedores do Liverpool se espremem nas grades para conseguir ver a partida do seu time contra o Nottingham Forest, em 15 de abril de 1989

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30

últimos 20 anos, sendo que só em 2011 foram 20 registros de assassinatos

comprovados dentro do universo das torcidas. As vítimas geralmente são homens

jovens, com uma média de 23 anos, e muitas dessas brigas são anunciadas nas redes

sociais, para que os participantes cheguem ao local preparados para a luta.

Uma das maneiras de combater essa violência de dentro dos estádios foi o veto

às bandeiras com mastros e à venda de bebidas alcoólicas, vidros e latas9, elementos

que podem contribuir para manifestações violentas e que podem ser usados como

armas no caso de brigas, como aconteceu na década de 90 em jogos entre paulistas.

Outro aspecto analisado para elucidar o fenômeno é a perda do efeito

tranquilizante do grupo, dos ritos sociais e do mito nas sociedades ocidentais

contemporâneas. A falta de pertencimento leva à angústia, e ao mesmo tempo que a

busca por coisas mais restritas e concretas (que muitas vezes resultam em grupos

9 GARCIA, Natalia. Alckmin explica veto à volta das bandeiras com mastros aos estádios de SP. In: Site Estadão, outubro de 2011. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/esportes,alckmin-explica-veto-a-volta-das-bandeiras-com-mastro-aos-estadios-de-sp,784888,0.htm Acesso em: maio 2012

Imagem 4: briga entre torcedores do Palmeiras e do São Paulo no estádio, que terminou com um torcedor são-paulino morto em campo, ocorrida em 1995

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extremistas) ajuda a recuperar esse sentimento, também pode levar o indivíduo a

praticar exageros em nome dela.

O psicólogo francês Gustave Le Bon (apud FRANCO 2007, p.330) ainda fala

sobre a energia psíquica despendida na tarefa de torcer para um time. Esse fenômeno

é chamado de contágio, e pode ocorrer tanto de forma horizontal (entre torcedores),

quanto de forma vertical (entre torcedores e jogadores). Ambas iniciam a reação em

cadeia que desperta uma agressividade inerente ao ser humano, manifestada através

do futebol. Manifestações como cantos, vaias, ofensas e aplausos surgem em vários

locais do estádio, e passam a ser seguidas ou contestadas pelos outros torcedores.

O efeito da multidão se torna perigoso, pois, nessa alma coletiva, o conceito de

individualidade se dilui e ações por impulso prevalecem. Ao se sentirem protegidos

pela imensa multidão, cresce também o conceito de impunidade, o que permite que

essa violência inerente seja externalizada pelos torcedores.

Ainda que, como foi dito no início deste item, o instinto combativo e agressivo do

esporte seja apreciado por homens e mulheres, todas essas formas de manifestações

violentas que extrapolam a atividade esportiva em si são atribuídas quase que

exclusivamente ao gênero masculino.

A figura feminina no esporte – sobretudo como espectadora – é colocada no

campo oposto da violência, sendo vista como um elemento que contribui para a paz

nas arenas. Uma prova disso foi a ação inédita adotada pelo clube de futebol turco,

Fenerbahçe, em setembro de 2011. Depois de uma invasão de campo ocorrida durante

um amistoso com o rival Shaktar Donetsk, o clube recebeu como punição da

Federação do país excluir homens da torcida na partida contra a equipe do

Manisaspor, pelo campeonato turco, com o objetivo de acabar com a violência. A

solução encontrada pelo clube foi distribuir mais de 40 mil ingressos para mulheres e

crianças menores de 12 anos, que lotaram o estádio Sukru Saracoglu. O resultado

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32

repercutiu em todo o mundo e a Federação de Futebol Turca explicou que o objetivo da

decisão era „‟recordar aos torcedores a beleza e os valores do futebol‟‟10.

A ação fez tanto sucesso que o clube holandês Ajax, solicitou à Federação

Holandesa de Futebol (KNVB), que considerasse a possibilidade de tal medida ser

adotada na Amsterdam Arena, após receber punição por um torcedor ter invadido o

gramado e agredido o goleiro do time visitante.

Por último, é curioso perceber que essa externalização da violência independe

da vitória ou da derrota. Franco (2007) afirma que „‟a embriaguez da vitória provoca a

sensação de poderio e erosão das normas morais e sociais‟‟; como pode ser

observado, por exemplo, pelas depredações promovidas pelos torcedores são-paulinos

na avenida Paulista depois da conquista do tricampeonato da Copa Libertadores da

América, em julho de 2005.

Justamente pelo fato de a violência se manifestar por motivos distintos no

futebol que ela exige uma atenção especial das organizações esportivas. Uma das

saídas discutidas frequentemente por profissionais que trabalham com a modalidade é

10

REUTERS. Entrada para homens é proibida em partida do Fenerbahçe. In: Site Esporte Terra, setembro de 2011. Disponível em: http://esportes.terra.com.br/futebol/europeu/2012/noticias/0,,OI5361771-EI18001,00-Entrada+de+homens+e+proibida+em+partida+do+Fenerbahce.html Acesso em: maio 2012

Imagem 5: mais de 40.000 mulheres e crianças lotam o estádio turco de Sukru Saracoglu, em setembro de 2011.

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trazer a figura feminina para o espetáculo, que ajuda a transformar o futebol em um

programa democrático e familiar, uma vez que com a mulher aumenta também a

participação de crianças e jovens, coibindo manifestações violentas.

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2. As mulheres entram em campo

2.1. Elas como praticantes

Nas últimas décadas, tem-se observado o aumento da participação da mulher

em diversos territórios que eram antes considerados masculinos, como a política, o

trabalho, e o espaço esportivo.

Para iniciar a discussão especificamente sobre a inserção da mulher neste

último espaço e a sua relação especificamente com o futebol, parte-se do pressuposto

de que todas as frentes de atuação no esporte estão interligadas, no sentido de que

elas fortalecem a imagem feminina dentro desse universo como um todo. Isso porque a

mulher entra no território do esporte de diversas maneiras: como praticante diletante ou

atleta profissional, torcedora e profissional de gestão, de comunicação, ou como

árbitra, gandula, bandeirinha e técnica.

Imagina-se, por exemplo, que ao ver a presença de mulheres repórteres dentro

de campo ou mesmo liderando mesas redondas, as torcedoras potenciais se sintam

mais à vontade para ingressar nesse espaço, ou que o fato de ver tantas torcedoras

abrindo espaço no esporte, estimule-as não só a torcer, mas também a trabalhar com

futebol, e assim por diante. Quando se fala da história da mulher dentro do esporte e

do futebol, portanto, é necessário cruzar esses diversos momentos e espaços nos

quais ela aparece e tenta legitimar a sua presença. A isso, somam-se as constantes

mudanças no papel da mulher e do homem na sociedade, que reconfiguraram a

participação dos dois sexos em diversos territórios.

Dunning e Maguire (1997) ressaltam que a maioria das mulheres sempre tendeu

a aceitar a „‟definição hegemônica do esporte‟‟, vendo-o como uma área reservada

masculina, mas que um conjunto de mudanças sociais na época contribuiu para que

essa situação mudasse:

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„‟ [...] em contrapartida, o deslocamento da balança de poder entre os sexos, se bem que longe de ser significativo, prosseguiu depois do impulso inicial dados pelas sufragettes

11, ao mesmo tempo que todo um conjunto de processos,

voluntários ou não, e foi nitidamente suficiente para que os homens não conseguissem impedir as mulheres de entrar em grande número na sua fortaleza masculina. (DUNNING e MAGUIRE, 1997, p.341)‟‟

Além de acontecimentos políticos, uma série de fatores ligados à modernização

também contribuiu para que as mulheres pudessem iniciar a prática esportiva. Um

advento importante foi o movimento pelo vestuário racional, iniciado na Europa em

1880 com defensores como Oscar Wilde e com registros em 1918 no Brasil; o

movimento propunha uma discussão sobre a apropriação das peças de roupa para

homens e mulheres, que na época usavam ternos ou espartilhos pouco confortáveis. O

uso de roupas mais cômodas para a prática esportiva foi uma das inovações trazidas

pelo movimento, sobretudo com o surgimento do vestido bifurcado para as moças

ciclistas, chamados bloomers12. Com o uso de roupas menos restritivas, a mulher pôde

ter uma liberdade maior e se envolver mais com atividades esportivas.

Vale lembrar que em algumas sociedades as restrições no vestuário para a

mulher ainda existem, até mesmo na prática esportiva, pois as leis prevalecem sobre a

tecnologia e o conforto. É o caso do Irã, país no qual as mulheres são obrigadas a

praticar esportes cobrindo o corpo com uniformes de mangas longas, meias altas, e

usando o hijab, véu que cobre o cabelo, o pescoço e as orelhas.

No ano de 2011, o véu islâmico chegou a ser proibido pela FIFA, alegando falta

de segurança (caso ele fosse puxado, poderia machucar alguma jogadora), e as

iranianas não puderam participar da partida contra a Jôrdania para a qualificação das

Olimpíadas de 201213.

11

Militantes que reclamavam o direito de votar para as mulheres (DUNNING e MAGUIRE 1997, p.341) 12

ALVES, Letícia de Almeida. Os termos da moda. In: Site UOL. Revista Leituras da História. Disponível em: http://leiturasdahistoria.uol.com.br/ESLH/Edicoes/5/artigo72303-5.asp Acesso em: abril 2012 13

Globo Esporte, junho de 2011. Disponível em: http://globoesporte.globo.com/futebol/futebol-internacional/noticia/2011/06/selecao-feminina-do-ira-e-impedida-de-jogar-por-usar-veus-islamicos.html Acesso em: abril 2012

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36

Além do vestuário, segundo Dunning e Maguire (1997), outros fatores

importantes para ampliar a participação da mulher no esporte foram o surgimento de

tampões, métodos para controlar a gravidez, mamadeira (para encurtar o período de

amamentação), progressos domésticos que derrubaram barreiras como menstruação,

gravidez e amamentação, que antes definiam „‟o papel da mulher como procriadora‟‟.

Acredita-se que o primeiro envolvimento das mulheres com o futebol tenha sido

no século XII, quando as mulheres francesas começaram a participar do „‟Futebol do

povo‟‟14. A primeira equipe feminina oficial de futebol no mundo surge, porém, na

Inglaterra, em 1894, quando nasce o Net Rolibol. Pouco mais de uma década depois,

em 1910, já existiam equipes femininas francesas como o Rouge Esportive e Feminine

Esporte, ambas criadas em Paris.

De acordo com Franco (2007), o que fez com que o futebol feminino

deslanchasse foi a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), quando milhares de homens

foram lutar nas trincheiras. Porém, ainda segundo o autor, „‟o futebol não conseguiria

lutar contra o progressivo restabelecimento da ordem‟‟ e, pouco tempo depois, em

1921, a Federação Inglesa de Futebol proibiu a prática de futebol por parte das

mulheres em seus campos, publicando uma clara resolução a respeito do assunto, na

qual diziam que „‟O Conselho se vê na obrigação de afirmar que o futebol não é jogo

14

EÇA, João. História do futebol feminino no mundo, julho de 2009. In: Site Baianíssimo. Disponível em: http://www.baianissimo.com.br/sites/mulheresemcampo/noticia.aspx?nid=58 Acesso em: abril 2012

Imagem 6: jogadoras iranianas choram após terem jogo cancelado na Jordânia, por se recusarem a jogar sem o hijab, em 2011

Page 37: Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

37

para mulheres (..) e convida os clubes membros da Football Association a não ceder

seus campos para partidas femininas‟‟.

A Federação Francesa, anos depois, adotou a mesma postura que os ingleses.

As mulheres ainda podiam ser vistas jogando algumas partidas com a intenção de

conquistarem fundos para caridade, pois isso atraía o público, mas com tantas

restrições, o futebol feminino entraria em declínio, e a retomada só aconteceria anos

depois.

As federações ainda contavam com amplo apoio popular e o preconceito dos

homens e até mesmo de outras mulheres impunham uma série de restrições para a

prática feminina de esporte. Naquela época, as atividades físicas consideradas

adequadas para as mulheres eram somente aquelas que não iam contra a sua

natureza frágil e delicada, e que tinham como princípio básico a manutenção da saúde

e a prevenção de doenças do aparelho reprodutivo, como também o embelezamento

do corpo feminino (GOELLNER apud CAMPOS, 2010, p.24).

Modalidades como futebol, boxe e rugby, então, não poderiam fazer desse

grupo de modalidades permitidas às mulheres, já que, nelas, os chamados „‟desportos

de confronto‟‟ (DUNNING apud CAMPOS 2010, p.7), a agressão e a violência eram o

elemento central, ainda que não de forma explícita (item 1.2).

Para aquelas que ainda assim ousavam enfrentar essa barreira e se aventurar

nos esportes destinados exclusivamente aos homens, restavam às duras críticas,

vindas de homens e mulheres, muitas vezes divulgadas e apoiadas pela imprensa.

Foi após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que o futebol feminino voltou

a se fortalecer, ainda que não tivesse encontrando apoio social. Em 1951, a FIFA se

recusou a cuidar dele, alegando que essa era „‟uma questão de biologia e de educação

que deve ser deixada a médicos e professores‟‟. (FRANCO, 2007, p.203) E foi somente

duas décadas mais tarde, no início de 1970, que as federações da Alemanha

Ocidental, Inglaterra e França suspenderam o veto à prática do futebol feminino. Em

1971 ainda foi realizada uma Copa de Futebol Feminino (não reconhecida pela FIFA)

no México, vencida por 3x0 pela seleção dinamarquesa, que disputou a final contra o

Page 38: Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

38

time mexicano, com a presença de 100 mil espectadores15. A FIFA ainda demorou

mais de uma década e, em 1988, finalmente aceitou organizar um torneio internacional

feminino na China, o mesmo país que, três anos mais tarde, em 1991, iria sediar a

primeira Copa do Mundo feminina.

Atualmente, a FIFA tem como uma de suas missões o desenvolvimento não só

do futebol feminino, mas também de aumentar a participação da mulher no futebol

como um todo, ocupando cargos técnicos e executivos, como se pode observar do

trecho extraído da sua missão16:

„‟[...] compromete a prestar apoio financeiro ao esporte, dando a jogadoras, treinadoras, árbitras e assistentes a oportunidade de participarem mais ativamente do futebol. A FIFA contribui para a popularização do esporte através de campanhas que informam e conscientizam o público e ajudam a derrubar barreiras sociais e culturais a fim de melhorar a posição das mulheres na sociedade.‟‟

Hoje, estima-se que existam 29 milhões17 de mulheres jogando futebol ao redor

do mundo, número muito menor se comparado aos homens, mas que também cresce

em uma velocidade muito maior do que o futebol masculino, que já se encontra

consolidado.

Vale ressaltar que existem diferenças culturais entre alguns países quando se

fala do desenvolvimento do esporte. Nos Estados Unidos, por exemplo, as

modalidades que ficaram configuradas como territórios masculinos e se tornaram

populares entre homens foram o futebol americano e o beisebol, portanto, a entrada no

território do futebol por parte das mulheres e a sua relação com o futebol é bem

diferente do que na maioria dos outros países, e isso, evidentemente, refletiu-se na

estrutura que o país tem atualmente para a prática do futebol feminino.

15

Idem ao 3 16

FIFA. Live your goals. Disponível em: http://www.fifa.com/womensworldcup/liveyourgoals/aboutthecampaign/index.html Acesso em: abril 2012 17 FIFA. O jogo feminino. Disponível em:

http://pt.fifa.com/aboutfifa/footballdevelopment/technicalsupport/women/mission.html Acesso em: abril 2012

Page 39: Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

39

2.2. As praticantes brasileiras

O surgimento do futebol feminino no Brasil apresenta controvérsias em sua

história que fazem com que datas oficiais tenham diferenças até mesmo de mais de um

século. De acordo com Lessa (2003), o que ficou registrado como o primeiro jogo entre

mulheres, em 1913, foi, na verdade, uma partida entre homens do Americano

travestidos de mulher e senhoritas da sociedade, em evento beneficente visando à

construção de um hospital da Cruz Vermelha para crianças. A partida atraiu grande

público divulgando nos jornais uma nota dizendo que „‟as mulheres podem até jogar

futebol‟‟, mas tudo não passou de uma brincadeira para promover o evento.

Uma outra partida que ficou conhecida e foi divulgada pelo jornal A Gazeta,

dessa vez só com a participação das moças, foi a partida entre os bairros de Cantareira

e Tremembé, realizada em 1921, e que foi citada como uma „‟atração curiosa‟‟, quando

não „‟cômica‟‟18.

Assim como no exterior, o esporte no Brasil começa a se difundir como um bom

instrumento de formação dos jovens, que mostrava saúde, disciplina e modernidade

(sobretudo no período higienista) e, para as mulheres, ficavam reservados os esportes

que as permitissem manter a sua feminilidade intacta, portanto, esportes que fossem

associados a contato ou violência não poderiam fazer parte dessas opções.

Formava-se, a partir dessa ideia, a resistência contra o futebol feminino, como

se pode ver pela publicação do escritor Coelho Neto em 192619 :

18

SUGIMOTO, Luiz. Site Jornal da Unicamp. Edição 211, maio de 2003. Disponível em: http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/maio2003/ju211pg12.html Acesso em: abril 2012 19

A História do Futebol Feminino no Brasil. Site Literatura na Arquibancada, fevereiro de 2012. Disponível em: http://www.literaturanaarquibancada.com/2012/02/historia-do-futebol-feminino-no-brasil.html Acesso em: abril 2012

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40

“Certamente ninguém exigirá da mulher que jogue o football ou o rugby, que esmurre antagonistas com o guante de boxe, que arremesse barras de ferro, que se engalfinhe em luta romana. Há exercícios que lhe não são próprios e que lhe seriam prejudiciais, não só à beleza como à saúde e até a sujeitariam ao ridículo”.

Tudo isso, porém, não fazia com que o futebol feminino inexistisse, e, na década

de 40, eram organizados torneios de futebol feminino e exibições de gala das mulheres

cariocas, tema que continuava sendo discutindo por diversas esferas de profissionais

que, na grande maioria das vezes, se posicionava contra essa prática.

A dimensão dessa questão assumia proporções que incluíram atitudes como

apelo a governantes, quando um cidadão enviou uma carta a Getúlio Vargas pedindo

que ele acabasse com esse „‟movimento entusiasta‟‟20:

„‟[Venho] Solicitar a clarividente atenção de V.Ex. para que seja conjurada uma calamidade que está prestes a desabar em cima da juventude feminina do Brasil. Refiro-me, Snr. Presidente, ao movimento entusiasta que está empolgando centenas de môças, atraíndo-as para se transformarem em jogadoras de futebol, sem se levar em conta que a mulher não poderá praticar êsse esporte violento, sem afetar, seriamente, o equilíbrio fisiológico das suas funções orgânicas, devido à natureza que dispoz a ser mãe... Ao que dizem os jornais, no Rio, já estão formados, nada menos de dez quadros femininos. Em S. Paulo e Belo Horizonte também já estão constituindo-se outros. E, neste crescendo, dentro de um ano, é provável que, em todo o Brasil, estejam organisados uns 200 clubes femininos de futebol, ou seja: 200 núcleos destroçadores da saúde de 2.200 futuras mães que, além do mais, ficarão presas de uma mentalidade depressiva e propensa aos exibicionismos rudes e extravagantes. (José Fuzeira, em carta datada de 25/04/1940 e repercutida pela imprensa)’’

Na década de 50 nasce o primeiro time brasileiro exclusivamente feminino

chamado Araguari Atlético Clube, que possuía também um time masculino criado em

1944. Tudo por causa de uma iniciativa da diretora da escola Visconde de Ouro Preto,

Isolina França Soares, que propôs ao diretor do clube, Ney Montes, de fazer uma

partida de futebol beneficente contra os seus maiores rivais, o Fluminense Futebol

Clube, para arrecadar dinheiro para a instituição de ensino. O diretor alegou que o

clube não estava muito bem e que uma ideia melhor seria chamar as estudantes e

fazer uma partida diferente, com jogadoras mulheres.

20

Idem ao 8

Page 41: Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

41

A notícia correu e 45 moças se apresentaram para jogar. Os times ganharam

versão feminina, e em 1958, entraram em campo o Araguari e o Fluminense. O jogo foi

um sucesso de público, e logo surgiu um convite para uma partida na cidade de

Uberlândia. Conta-se que a partida foi um sucesso tão grande que atraiu mais público

do que um amistoso disputado entre o Uberlândia e o Botafogo dos craques Garrincha

e Didi, com superlotação do estádio. O feito ganhou as páginas da revista o Cruzeiro,

de 28 de fevereiro de 1959, que falou do „‟pó-de arroz‟‟ e dos „‟cabelos bonitos‟‟ das

jogadoras, mas também das „‟botinadas‟‟, das quais não escapava „‟nem mesmo o

juiz‟‟.21

Apesar do aparente sucesso, novamente aumentaram as pressões e as

demonstrações de resistência, como a publicada pelo ex-futebolista Antonio Carlos

Nogueira, o Leivinha, para quem a primeira partida de futebol feminino em São João da

Boa Vista, em 1952, mereceu excomunhão da Igreja22.

21

Reportagem Bom dia Brasil. Conheça quem foram as mulheres pioneiras no futebol. Site Globo, março de 2011. Disponível em: http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2012/03/conheca-mulheres-brasileiras-que-foram-pioneiras-no-futebol.html Acesso em: março 2011 22

SUGIMOTO, Luiz. Site Jornal da Unicamp. Edição 211, maio de 2003. Disponível em: http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/maio2003/ju211pg12.html Acesso em: abril 2012

Imagem 7: Goleira do Araguari Atlético Clube entra em campo para jogar contra o

Fluminense, em 1958

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42

Os times sobreviveram menos de um ano à pressão, quando o diretor Ney

Montes recebeu uma notificação dizendo que a prática era proibida, pois a lei 31.199

de 14 abril de 1941 „‟proíbe as mulheres brasileiras de praticarem esportes

incompatíveis com as condições de sua natureza. Futebol, futebol de salão,

halterofilismo e beisebol.‟‟

O decreto lei valeu até 1979, e somente em 1981 foi criada a primeira liga de

futebol feminina no Rio de Janeiro, mesma época na qual empresas e mídia começam

a se interessar pelo futebol feminino brasileiro, ajudando-o a reiniciar esse processo de

divulgação e popularização. Dois nomes importantes que surgiram nesse contexto

foram o Radar F.C., equipe carioca, e o Saad.

Atualmente o futebol feminino brasileiro se destaca no cenário internacional e

ocupa a 5ª. posição no ranking da FIFA23, mas nacionalmente sofre com a escassez de

recursos e oportunidades, já que são baixos os números de campeonatos femininos

nacionais, e muitas jogadoras partem para jogar futebol em clubes do exterior.

2.3. Elas como profissionais

Outros campos de atuação dentro do universo do esporte são referentes aos

cargos técnicos e executivos, como é o trabalho desempenhado pelas árbitras,

bandeirinhas, gandulas e técnicas, além de mulheres que trabalham com o produto

futebol, ou seja, jornalistas, ou gestoras em clubes e organizações ligadas ao futebol.

No campo do jornalismo esportivo, uma das referências é Regiane Ritter, que

trabalhou por 15 anos como repórter de rádio, quando as entrevistas pós-jogos eram

feitas diretamente nos vestiários, ambiente que poderia não parecer adequado para

receber mulheres. Naquela época, existiam 8 jornalistas credenciadas, enquanto hoje

esse número subiu para 90.

23

FIFA. Ranking Mundial Feminino da FIFA. Atualizado em junho de 2012. Disponível em: http://pt.fifa.com/worldranking/rankingtable/women/index.html Acesso em: junho 2012

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43

De lá pra cá, centenas de outras mulheres se interessaram pela profissão, e

hoje não só realizam entrevistas em campo, como participam e até mesmo comandam

mesas redondas, ou tem programas exclusivos com mulheres, como é o caso do Belas

na Rede, criado pela Rede TV!.

Outra iniciativa inovadora, desta vez da Rádio Globo, será a de realizar um

reality show que selecionará a primeira narradora oficial de futebol no País, uma mulher

que ganhará como primeira missão transmitir os jogos da Copa do Mundo de 2014. O

programa „‟Reality Locutoras‟‟ mostrará, através hotsite e da própria Rádio, o

desenvolvimento das participantes durante aulas e treinamentos dados por

comunicadores.

No campo da arbitragem, foi uma brasileira que conquistou um importante título

no comando no futebol, considerada a primeira árbitra profissional de futebol no

mundo. Léa Campos foi estudante de jornalismo, se apaixonou pelo futebol e chegou a

falar com o presidente Emílio Garrastazu Médici, em 1972, para pedir a intervenção do

mandatário para que pudesse exercer a profissão. O Brasil tem mais de vinte mulheres

que exercem essa profissão hoje, além de bandeirinhas e assistentes.

Recentemente, foram as personagens que ficam na beira do gramado que

ganharam atenção: as gandulas. Isso porque a jogada que gerou o primeiro gol da

vitória do Botafogo na partida contra o Vasco, pela final da Taça Rio, começou a partir

de uma reposição de bola rápida feita pela gandula Fernanda Maia, de 23 anos, sendo

três como gandula. Fernanda ganhou destaque em inúmeros programas de televisão,

revistas e jornais, tanto pela eficiência em campo quanto pela beleza, e com isso fez

com que a atenção fosse voltada para o trabalho das gandulas mulheres no estádios.

Várias outras gandulas participaram da final dos estaduais, sendo que na final do

Gauchão, entre Caxias do Sul e Internacional, foram escaladas oito mulheres para

ajudar na partida, após confusão na partida anterior com gandulas homens.

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44

Se as atividades citadas acima ainda são desempenhadas por um baixo número

de mulheres, na alta gestão ela só poderia ser menor. Ainda de acordo com a

reportagem do programa Bom dia Brasil, a pioneira no Brasil foi Marlene Matheus,

primeira mulher a se tornar presidente de um clube de futebol, o S. C. Corinthians

Paulista quando, em 1991, apoiada pelo marido (Vicente Matheus, ex-presidente da

mesma equipe), foi eleita e exerceu um mandato de dois anos. Marlene se envolveu

também com outras áreas do clube, e em 2008 exerceu o cargo de vice-presidente

social durante a gestão de Andres Sanchez.

Atualmente, outro grande clube brasileiro possui uma mulher no lugar mais alto

de sua gestão. A carioca Patrícia Amorim, ex-nadadora e vereadora, foi eleita, em

2009, a primeira mulher presidente do Clube de Regatas do Flamengo.

Apesar do reconhecimento, ambas apontam a existência de discriminação por

parte de colegas de profissão e torcedores. No exterior, a situação não é muito

diferente. Em abril de 2012 foi veiculado um documentário produzido pela BBC

britânica entitulado „’Sexism in Football’24’. Nele, a apresentadora da BBC Sports,

Gabby Logan, mostra diversos casos de sexismo no futebol, e debate a questão com

mulheres que trabalham no futebol britânico.

24

BBC Londres. Sexism in Football, abril de 2012. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=rUxYiXuX5hc Acesso em: abril 2012

Imagem 8: gandulas mulheres são escaladas para participarem da final dos Estaduais de 2012

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45

O documentário parte do polêmico caso envolvendo dois jornalistas esportivos, o

ex-jogador Andy Gray e o narrador Richard Keys, que perderam seus empregos na Sky

Sports (Andy foi demitido e Richard renunciou ao cargo) após os microfones terem

capturado comentários discriminatórios sobre a bandeirinha Sian Massey,

questionando se ela seria capaz de entender a regra do impedimento. Eles ainda

debocharam da dirigente Karren Brady por ter falado sobre sexismo no futebol, e uma

captura das câmeras no intervalo do programa esportivo que apresentavam, na qual

constrangeram uma repórter que dividia a cena com eles, ao fazerem comentários em

tom sexual.

Também é apresentada a associação „‟Women in football‟‟, formada por

mulheres que trabalham com futebol e que se reúnem periodicamente para discutir

questões ligadas à profissão e ao sexismo existente. Dela, participam profissionais

como Jacqui Oatley, primeira locutora inglesa de futebol, e Karren Brady, que assumiu

o posto de diretora do Birmingham City Football Club aos 23 anos (atualmente é vice-

presidente do West Ham United). Todas contam, durante o documentário, casos de

discriminação explícita e até mesmo de assédio sexual.

Atualmente, existem mulheres também presidindo grandes clubes europeus,

como é o caso de Gisele Oeri no suíço Basel, Francesca Menarini na equipe italiana do

Bologna, e Rosela Sensi na também italiana A. S. Roma.

Além dos clubes, a profissionalização do futebol e outras modalidades

possibilitou o surgimento de inúmeras empresas que trabalham especificamente com

marketing e comunicação esportivas, onde também se encontram mulheres

especialistas no assunto.

A existência de diversos campos de atuação, somadas a escassez de pesquisas

na área, faz com que não seja possível estimar o número de mulheres que trabalham

com futebol ou esporte nas áreas citadas anteriormente, mas aqui também se observa

o crescimento da sua participação.

Page 46: Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

46

2.4. Elas como torcedoras

A aparição mais bem aceita e constante da figura feminina no futebol é como

espectadora. Lançado como um esporte de elite, era comum ver as moças da alta

sociedade acompanhando as partidas nos estádios em meados de 1920. Em um Brasil

que ansiava por modernização e se espelhava no modelo e hábitos europeus (item

1.3), poder ver partidas de futebol trazia prestígio e um pouco desse sentimento de

modernidade.

Além disso, a presença feminina nos estádios trazia elegância, tranquilidade e

beleza, transformando as senhoritas em um elemento ativo na consolidação do esporte

como um evento social moderno e exclusivo das classes mais abastadas, e,

consequentemente, distante das classes mais populares (COSTA, 2006, p.4).

Todos esse „‟benefícios‟‟ eram amplamente destacados pela imprensa, como

mostra este trecho de um dos jornais da época: „‟(..) presença assídua nas

arquibancadas durante os campeonatos, as gentis ‘demoseilles’ aumentavam o

Imagem 9: senhoritas da alta sociedade acompanham partida no ABC Paulista,

na década de 20

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47

brilhantismo da festa e davam nota alegre ao certamên, torcendo ativamente e fazendo

dos sporstmen seus ídolos maiores‟‟ (PEREIRA apud CAMPOS 2010, p.27).

Os sportsmen se tornam, nesse contexto, mais do que ídolos esportivos para

elas, transformando-se em objeto de admiração e de desejo das senhoritas que

frequentavam as partidas. Com a introdução do futebol nas cidades, o ideal de beleza

masculino muda, passando de homens magros e intelectuais, para homens fortes e

atléticos. A poetisa e tradutora carioca Ana Amélia de Mendonça demonstra isso

publicamente em seu poema „‟O Salto‟‟, quando fala apaixonadamente do goleiro

Marcos Carneiro de Mendonça, com quem se casou em 1917 (COSTA, 2006, p.8).

Uma outra demonstração dessa admiração de Ana pode ser vista também através da

publicação da revista Foot-ball, com uma crônica intitulada „’Foot-ball e o amor‟‟, que

continha trechos de uma carta dela para o atleta, na qual o compara a um deus grego:

„‟[..] Tens o porte viril de um guerreiro de Atenas/ Tens a nobreza e o ardor dos moços de outra idade/ Dos atletas e heróis entrando nas arenas/ Tens a bela estatura e altiva majestade/ Que belo vencedor de algum torneio atlético/ Que Pindaro cantou nos fortes epinícios/ Eu te encontrei de pé, com porte airoso e estético [..] (FERNANDEZ, 2010, p.70)‟‟

Ainda que a admiração estivesse centrada nos esportistas, no estádio as

senhoritas ainda tinham a oportunidade de flertar e encontrar um par romântico na

própria arquibancada, cheia de moços jovens da alta sociedade.

Assistir as partidas de remo ou de futebol era, portanto, uma ótima oportunidade

de socialização, e também de sair do espaço restrito da casa para estar mais próxima

dos ideais modernos de feminilidade, e frequentar o ambiente público que era antes

destinado exclusivamente aos homens. (COSTA, 2006, p.4).

Apesar dessa condição bem aceita de torcedora ter um caráter mais passivo

dentro do universo do esporte, começavam a surgir diferentes iniciativas que

fortaleciam ou exacerbavam a presença da mulher nesse território. O papel da própria

poetisa Ana Amélia de Mendonça ia muito além de falar da sua admiração pelo marido.

Ao voltar da Europa, aos 13 anos, trouxe consigo livros de poesia e também bolas de

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48

futebol, sendo uma grande incentivadora do esporte no país. Chegou jogar futebol, a

treinar os operários da fábrica de seu pai e a escrever sobre o assunto. Isso mostra

que a mulher buscava, nessa época, legitimação e liberdade sob diversos aspectos.

Ana Amélia é uma importante figura nesse contexto pois trabalhou em várias frentes

para promover essa mudança, chegando a ser vice-presidente da Federação Brasileira

pelo Progresso Feminino, fundada por Bertha Lutz em 1922, e a participar de inúmeros

congressos e eventos que abordavam o tema.

A mulher brasileira começa, na década de 20, uma busca pela inserção no

espaço público e pelo reconhecimento de direitos nos âmbitos trabalhistas, jurídicos e

políticos, mas segundo Moura (apud CAMPOS 2010, p.27), no I Congresso Feminino

Brasileiro em 1922, por exemplo, não foi encontrada nenhuma referência a respeito do

lazer das mulheres. Mesmo não sendo tema central das primeiras movimentações

feministas, já existiam nessa época iniciativas para participar do universo do esporte

em diversas outras frentes.

A mulher torcedora, ainda que sofra atualmente dificuldade na legitimação como

torcedora (item 2.4), foi sempre a presença mais bem aceita e valorizada nos estádios,

pois como destaca Brasão (apud CAMPOS, 2010, p.26), „‟contribuir para a

exacerbação emocional do jogo é um campo do qual as mulheres nunca foram

dispensadas‟‟. Elas trazem não só graça e beleza às arenas, mas também ajudam a

fazer com que o ambiente seja mais leve, seguro e bem estruturado, visto que

segurança e infraestrutura são dois pontos determinantes para sua participação.

A partir da década de 60, porém, acontece o movimento contrário. Os estádios

começam a se popularizar e a mulher passa a se enxergar distante dele. De acordo

com Toledo (apud CAMPOS, 2010, p.32) no final dos anos 60 e início dos anos 70,

nasce uma nova forma de torcer, a das torcidas organizadas25. Elas são instituições

autônomas aos clubes e se manifestam reivindicando resultados e qualidade dos

profissionais que representam a sua equipe, seja em jogos ou em treinos. São

25

As primeiras organizadas foram a Torcida Uniformizada do São Paulo e a Charanga Rubro-Negra, do Flamengo, criadas em

1939 e 1941, respectivamente. A diferença estava no modo de torcer. O modelo citado no texto, e que se desenvolveu no final dos anos 60, era mais próximo ao modelo que conhecemos atualmente, que tem o papel não só de incentivar, mas também de cobrar o clube

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formadas, na sua maioria, por jovens que realizam, por meio dela, a sua sociabilidade

com gestos, ações e atitudes muitas vezes reprováveis pelos domínios públicos. Essa

forma de torcer ganhou adeptos provenientes, sobretudo, das camadas mais

populares.

Ainda que parecesse improvável, uma dessas torcidas teve uma representante

mulher, a primeira no comando de uma organizada. Foi a TOV, torcida do Vasco, que

de 1956 a 1976 teve como presidente a torcedora Dulce Rosalina, e que depois fundou

a Renovascão, a qual participou até o seu falecimento em 2004.

As torcidas organizadas, no geral, demoraram a incorporar mulheres e, em

alguns casos, até prescrevem normas de conduta para as meninas filiadas. Segundo

Costa (2006), alguns membros das organizadas costumam justificar a escassa

presença feminina „‟por conta do temperamento das mulheres pouco afeito à união e

constantemente inclinado a promover desavenças internas nos grupos dos quais fazem

parte‟‟ (COSTA, 2006, p.6).

Ao mesmo tempo que a mulher se afastava ou era afastada do futebol, a

popularização do esporte faria com que ele ganhasse maior destaque na mídia, que a

partir desse fenômeno viu uma grande chance de criar essa necessidade e hábito nos

torcedores de acompanharem o mundo da bola no seu cotidiano. A classe proletária,

segundo Caldas (1990) „‟representava uma potencial consumidora desse produto que

se tornaria o futebol, processo que só aconteceu graças à industrialização e

urbanização na época‟‟.

Nasce também nessa época o ideal do torcedor de guerreiro, apaixonado, fiel,

responsável por garantir a festa nas arquibancadas e por incentivar o seu time sob

quaisquer circunstâncias. Ideais que estavam longe de serem identificados no universo

feminino, que nascem justamente quando a participação delas era baixa e passava

desapercebida. Era o tempo de exageros, da paixão a qualquer custo, de sentimentos

exacerbados que muitas vezes levariam ao descontrole e à violência. As décadas de

80 e 90 foram marcadas por episódios violentos em dias de partidas de futebol que

foram amplamente divulgados pela imprensa (item 1.4.), a torcida organizada foi

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50

marginalizada, e apenas uma pequena parcela de mulheres continuou se arriscando

para poder torcer por algum time.

Mesmo que atualmente ainda existam episódios de violência e o território do

futebol se mostre predominantemente masculino, diversas medidas foram tomadas

para coibir a violência nos estádios e melhorar a sua infraestrutura, ou para atrair mais

pessoas para o esporte, o que reaproximou ou conquistou novas torcedoras brasileiras,

que hoje assistem futebol pela TV, ou vão ao estádio com seus parentes, amigos,

companheiros, sozinhas, ou com torcidas organizadas (item 2.5). De acordo com o

sociólogo Ronaldo Helal, em entrevista ao Globo Esporte, uma pesquisa apontou que

elas respondem por 22% da arrecadação das bilheterias de uma partida de futebol26.

Ainda assim, 74% das mulheres ainda dizem preferir ver as partidas pela TV27, e

a maioria justifica que o principal receio é justamente a falta de segurança. Sobre essa

questão vale observar, porém, que a pesquisa publicada pelo O Lance! constatou que

26

Reportagem Globo Esporte. Futebol não é só coisa de macho: torcedoras estão cada vez mais presentes nos estádios, julho de 2009 Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=3fZT7F5eNJ4 Acesso em: abril 2012 27

Pesquisa Lance Imperdível!, 2011 Disponível em: http://issuu.com/rafaelmazzari/docs/outro?mode=window&pageNumber=2 Acesso em: abril 2012

Imagem 10: torcida organizada do Corinthians, com a clara predominância de homens, sobe para as arquibancadas

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51

quase a totalidade dos entrevistados (99%), incluindo homens e mulheres, disseram

não ter ido ao estádio no último ano, o que significa que investir nas arenas para atrair

um público mais diversificado é um investimento que pode atingir ambos os gêneros e

aumentar consideravelmente o público consumidor dos espetáculos.

2.5. Estereótipos e legitimações

A história da mulher na sociedade é marcada por estereótipos e preconceitos, e

no futebol não poderia ser diferente. De fato, já pelas discussões nos itens anteriores é

possível perceber que o processo de legitimação da mulher nesse campo é lento e

difícil.

Segundo Dunning e Maguire (1997), é justamente essa série de limitações que a

mulher sempre teve vinculadas à sua figura que a instiga a entrar nesse universo:

“O que motiva as mulheres a entrarem nesse universo são: o desejo de obter

satisfações de mimetismo, sociabilidade, e de mobilidade semelhantes àquelas

que os homens obtêm do esporte, além de vantagens do pontos de vista de

identidade, do auto-conceito, da auto-confiança e dos habitus, (tal como um

maior sentimento de segurança nos locais públicos e uma melhor capacidade

de auto-defesa em caso de ataque físico); o desejo de ser iguais aos homens

como consequência de frustrações ressentidas no passado motivadas por

restrições e limitações vinculadas aos papéis femininos.”

Para fazê-lo, porém, elas precisam vencer uma série de desconfianças, tanto

dos homens quanto das próprias mulheres. Precisam não só mostrar que são capazes

de nutrir sentimentos clubísticos, mas também que conseguem entender esquemas

técnicos e táticos, regras do jogo como o impedimento, nomes e posições dos

jogadores de seus times.

Essa desconfiança e falta de familiaridade com o tema futebol é, inclusive, tema

recorrente na mídia. Para os Mundiais de 2006 e 2010, circulou na internet uma

Page 52: Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

52

mensagem com „‟Regras para a Copa do Mundo‟‟, na qual os homens se dirigiam „‟a

todas as mulheres do mundo‟‟, ironizando a falta de compreensão delas da importância

dos jogos. Um dos primeiros pontos dizia: „‟durante os jogos eu estarei cego, surdo e

mudo, exceto nos casos que eu solicite que me encha o copo de cerveja‟‟, ou „‟do dia 9

e de junho ao 9 de julho, você deverá ler toda a seção de esporte de modo a se manter

a par do que se passa na Copa do Mundo, o que lhe permitirá participar das

conversas‟‟.

Curiosamente, esse é o campeonato pelo qual mais mulheres têm apego,

diferente dos homens, que preferem seus clubes locais. Em pesquisa realizada por

Franco (2007), a seleção nacional foi citada como sendo a mais importante do que

times locais para 64% das mulheres, contra 37% dos homens, e uma outra pesquisa

realizada pela empresa brasileira de pesquisa e inteligência de Marketing feminino,

Sophia Mind, constatou que o percentual de mulheres que assiste aos jogos da seleção

nacional é de 94%, sendo que 30% ainda assistem jogos de outras seleções. Isso

porque a maioria dos homens se interessa pelo dia a dia do seu clube, e busca uma

maior frequência de jogos, enquanto muitas mulheres preferem o clima de festa e o

sentimento que se cria em torno de um campeonato importante como é o mundial.

Costa (2004) define três tipos de mulheres no futebol: a „’grã-fina das narinas de

cadáver‟‟, personagem criada por Nelson Rodrigues, que perguntava „‟quem é a bola?‟‟

durante o jogo, a maria-chuteira, que „‟herda a sua falta de interesse no jogo‟‟, mas que

vê nos jogadores de futebol uma boa oportunidade de mudar de vida, e a torcedora

autêntica, que deve superar obstáculos como os estereótipos citados acima.

As marias-chuteira sempre foram presença constante na mídia. O seu único

interesse está nos jogadores de futebol, com quem têm romances amplamente

explorados pela mídia, e muitas vezes aproveitam-se dos minutos de fama para se

autopromoverem. O tema já inspirou novelas, crônicas, músicas e revistas. Na

Argentina, a novela Botineras (exibida entre 2009 e 2010), foi sucesso de público; no

Brasil, atualmente, a personagem Suelen, uma das principais da novela „‟Avenida

Brasil‟‟, produzida pela Rede Globo de Televisão, é uma maria-chuteira, interpretada

pela atriz Isis Valverde. Não faltam reportagens explorando essa figura, seja para

Page 53: Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

53

eleger a maria-chuteira mais bonita, ou entrevistas para que elas contem detalhes

sobre seus romances com os jogadores, ou sobre as festas que frequentam.

Aqui é importante fazer uma diferenciação. Um ponto que estará sempre

atrelado à torcedora do sexo feminino é a questão da atração gerada pelos jogadores

ou pela figura do ídolo. Como foi visto no começo deste capítulo, ela existe desde os

anos 20, quando o ideal de beleza muda e as senhoritas passam a admirar o físico dos

atletas, e são muitas que hoje somam isso à sua torcida. É uma admiração pela figura

do ídolo que vai muito além da chance de ascender economicamente às custas dos

jogadores, como fazem as marias-chuteira. Kakazetes, Neymarzetes, mulheres

histéricas que gritam por Cristiano Ronaldo, Beckham e outros jogadores famosos

também fazem parte de um público consumidor do produto futebol, que paga ingresso,

e compra camisas, faixas, etc.

A questão da atração física é, inclusive, uma das maneiras que as marcas têm

de atrelar seus produtos à figura do ídolo (além de seus valores), e que a mídia tem

usado para promover o futebol para as mulheres. Matérias com caráter mais

descontraído para eleger os jogadores mais bonitos da temporada, ou que mostrem

meninas apaixonadas por seus ídolos são cada vez mais comuns em programas

esportivos, pois essa é também uma maneira de incluir a mulher no território do futebol.

Evidente que o ponto citado acima gera discórdia e preconceito, visto que esse é

mais um argumento para caracterizar a falta de interesse ou conhecimento da mulher

quando o assunto é futebol, mas é fato que, dentro do campo do futebol, a torcida

feminina tem a liberdade de assumir outros tipos de interesse que não somente o

esporte em si.

Todos os tipos de interesse somados, o índice de mulheres entre 18 e 60 anos

que declaram torcer por algum time já chega a 80%28. Claro que nem todas elas

consomem o produto esportivo ou acompanham os seus times, mas isso indica que

essa parcela estabeleceu, de alguma maneira, um primeiro contato com a modalidade.

28

Pesquisa Sophia Mind. ‘’Futebol – Uma paixão nacional’’, junho de 2010. Disponível em: http://www.sophiamind.com/pesquisas/consumo-pesquisas/futebol-uma-paixao-nacional/ Acesso em: abril 2012

Page 54: Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

54

Quando se fala efetivamente de acompanhar campeonatos o número cai, mas é

considerável, chegando hoje a 30%29.

Aquelas que procuram se consolidar como torcedoras autênticas fazem questão

de salientar o seu interesse unicamente pelo jogo de futebol, e se reúnem em torcidas

organizadas ou comunidades virtuais para demonstrar isso. Elas não só participam das

torcidas, como criam facções femininas, caso da Galoucura Feminina (MG – Atlético

Mineiro), Jovem Fla Pelotão Feminino (RJ – Flamengo), Dragões da Real (SP - São

Paulo F. C.), ou torcidas só delas, como a Flu Mulher (RJ – Fluminense), Força

Feminina Colorada (RS – Internacional), e as Guerreiras Alvinegras (Botafogo – RJ).

O Grêmio conta com o Núcleo de Mulheres Gremistas (RS), criado em 2003,

para ajudar o time que estava em má fase, além de promover esforços para que a

torcida feminina conquiste espaço no futebol. Elas mesmas ressaltam que „‟este

movimento não é uma manifestação de um feminismo exacerbado e radical, mas sim

de uma conquista democrática, justa e igualitária que vem sendo adquirida pela mulher

ao longo dos anos‟‟30. O núcleo que começou com 20 torcedoras conta hoje com mais

de 3 mil cadastradas.

29

Idem 30

Núcleo de Mulheres Gremistas. Site oficial. Disponível em: http://www.mulheresgremistas.com.br/sitedinamico/ Acesso em: abril 2012

Imagem 11 e 12: torcida feminina Flu Mulher se prepara para ver partida do Fluminense, e Núcleo de Mulheres Gremistas visita a obra da nova arena do Grêmio.

Page 55: Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

55

Esse movimento se nota não só na organização na hora de apoiar o time, mas

também na aquisição de produtos e participação nos programas de sócio-torcedor,

principalmente no sul do País. Em pesquisa feita pelo Datafolha, estima-se que de

cada três homens torcedores no RS, dois são mulheres. Dos cerca de 100 mil sócios

atuais do Internacional, 22 mil são mulheres, sendo que dez anos antes elas eram

apenas 2%, além de serem comprarem quatro de cada dez produtos vendidos na Inter

Sport no Beira-Rio.

No Grêmio a situação também merece destaque. As mulheres, que dez anos

atrás garantiam 1% do faturamento da Grêmio Mania no estádio Olímpico, agora

garantem 40% dele, e são 70 mil no quadro social do time, número que aumentou

consideravelmente na década de 90, visto que antes disso eram apenas 402

torcedoras31.

Em todo o País se observa o aumento do consumo de artigos esportivos para

mulheres, bem como a crescente participação nos dias de jogos. Os mais bem-

sucedidos nesse setor são os clubes que dão melhores condições para as suas

torcedoras, tanto em oferta de produtos, quanto no estádio (capítulo 4). E a

preocupação com as necessidades desse público vem não só do futebol, mas também

de outras modalidades que buscam democratizar o esporte entre os gêneros.

Uma modalidade que vê crescer o número de adeptos homens e mulheres é o

MMA (artes marciais mistas). A faixa de lutas da SporTV, a Combate, tem 31% da sua

audiência composta por mulheres32. As emissoras ampliaram as transmissões e o

conteúdo sobre a modalidade, começou a aparecer o público feminino.

Elas procuram o esporte para desestressar, em função de toda a adrenalina e

imprevisibilidade da luta, e gostam do sex-appeal dos lutadores, elementos que estão

31

MOMBACH, Hiltor. Cresce a presença da torcida feminina nos estádios da dupla Gre-Nal. Correio do Povo, outubro de 2011. Disponível em: http://www.correiodopovo.com.br/Esportes/?Noticia=351121 Acesso em: abril 2012 32 PRADO, Laís. Mulher está assistindo mais programas masculinos, dezembro de 2011. Clube da Criação. Disponível em: http://ccsp.com.br/ultimas/noticia.php?id=56035 Acesso em: abril 2012

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56

presentes também no futebol. Mesmo que esse seja mais um esporte configurado no

território masculino, com a violência como um de seus elementos centrais, ele começa

a se popularizar no Brasil em um tempo no qual a procura da mulher por territórios

masculinos já é evidente, e talvez por isso o seu desenvolvimento seja muito diferente

do futebol. Isso porque desde o início o público feminino é considerado uma fatia

estratégica de mercado, como se pode observar a partir do fato de que o UFC dedicou

grande parte da sua linha fashion às garotas, com roupas e acessórios que podem ser

usados não só na prática da luta, mas também para desfilar nas ruas.

O futebol não fica para trás e já está atento ao consumo feminino, lançando os

mais diversificados produtos para a parcela de 53% de mulheres que declaram

comprar produtos esportivos para consumo próprio33, além de oferecerem incentivos

para que as mulheres frequentem as arenas..

Ainda que existam essas iniciativas para estimular a presença das mulheres no

futebol, existem também muitas reclamações sobre a falta de segurança nos estádios,

e a escassez de produtos esportivos desenvolvidos para o sexo feminino no mercado,

33

Pesquisa Sophia Mind. ‘’Futebol – Uma paixão nacional’’, junho de 2010. Disponível em: http://www.sophiamind.com/pesquisas/consumo-pesquisas/futebol-uma-paixao-nacional/ Acesso em: abril 2012

Imagem 13: produtos para o público feminino fã de MMA usar no dia a dia, lançados em 2012

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57

citado por 65% delas34. No Brasil, de maneira geral, faltam estratégias sólidas nesse

sentido, como será mostrado nos capítulos a seguir.

Os profissionais que trabalham com a área tem nesse público uma grande

oportunidade, já que muitos clubes ainda não possuem estratégias voltadas para elas,

que podem trazer inúmeros benefícios para o espetáculo esportivo, seja no âmbito

social, trazendo mais segurança e paz para os estádios, ou no âmbito econômico, com

o consumo do esporte e das marcas associadas a ele.

34

Idem

Page 58: Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

58

3. O mercado da bola

3.1. O que é marketing esportivo

O profissional de comunicação e marketing tem um papel-chave quando se fala

na democratização do futebol e no desenvolvimento do mercado esportivo como um

todo. Para uma melhor compreensão de como isso pode ser feito, é necessário

entender os conceitos que são utilizados na construção de estratégias e planos táticos

no mundo esportivo, bem como as diferenças e semelhanças entre o público do sexo

masculino e feminino.

Neste capítulo, portanto, será feita uma introdução teórica ao tema com a

demonstração de algumas aplicações práticas desses conceitos. Dada a sua

abrangência, serão escolhidos para aprofundamento apenas os itens que mais

interessam ao presente trabalho: o marketing no contexto esportivo, o produto

esportivo, a promoção e a relação dos gêneros na hora de traçar estratégias nesse

universo.

O primeiro ponto a ser esclarecido, portanto, é o que é marketing esportivo, e

em quais pontos ele difere no marketing tradicional. Segundo Kotler e Keller (2011), o

marketing, de maneira geral, tem como papel identificar e suprir as necessidades dos

consumidores de maneira lucrativa:

„‟O marketing envolve a identificação e a satisfação das necessidades humanas

e sociais. Para defini-lo de uma maneira bem simples, podemos dizer que ele

„‟supre necessidades lucrativamente‟‟. (..) Os profissionais de marketing

envolvem-se no marketing de bens, serviços, eventos, experiências, pessoas,

lugares, propriedades, organizações, informações e ideias. (KOTLER e

KELLER, 2011, p.4)‟‟

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59

Para Yanaze (2011), o marketing esportivo, por sua vez, nada mais é do que “a

aplicação dos princípios de marketing a qualquer produto da indústria do esporte‟‟. O

profissional que se ocupar dessa área pode trabalhar, portanto, todas as frentes citadas

por Kotler e Keller (2011) tendo em mente o ponto de vista esportivo. Fala-se de

materiais esportivos como tênis, roupas, camisas de time; de eventos como a Copa do

Mundo e as Olimpíadas; de experiências como a ida ao estádio; de pessoas, como é o

gerenciamento da imagem de atletas, entre tantas outras aplicações.

Nesse ponto é importante fazer uma distinção. Morgan e Summers (2008)

ressaltam que essa aplicação pode ser categorizada em duas frentes: „‟aos produtos

esportivos e ao marketing de produtos não-esportivos por meio da associação com o

esporte‟‟. No primeiro caso, os esforços em marketing têm como finalidade promover o

esporte como um serviço; já no segundo, o esporte é usado como um meio de agregar

valor e promover identificação do público com a marca através da apropriação de

valores transmitidos pelo esporte.

No caso das organizações que usam essa estratégia para promover seus

produtos, existem tanto as organizações que nada tem a ver com o esporte, como

instituições bancárias ou empresas de bens de consumo, e também aquelas que tem

como finalidade vender produtos esportivos, e que, portanto, tem o esporte já

incorporado em sua missão, como é o caso da Nike, Adidas, Puma, Penalty entre

outras.

Ainda que essa divisão entre o „‟marketing de um esporte‟‟ ou o „‟esporte no

marketing de uma organização‟‟ ajude a categorizar o tipo de negócio que está sendo

feito e a traçar estratégias específicas, é cada vez mais difícil dissociar uma atividade

da outra. Está se tornando comum que a marca se associe à atividade esportiva e ao

espetáculo e, nesse caso, ela é vista como parte colaborativa no desenvolvimento do

esporte, agregando valor à marca, ao mesmo tempo que a exposição é feita de

maneira mais efetiva e para um número maior de pessoas.

Em resumo, o marketing esportivo nada mais é do que a aplicação dos quatro

P‟s (item 3.2.) – preço, produto, promoção e ponto-de-venda – e do planejamento

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60

estratégico de marketing de forma específica em um contexto esportivo, todo

concebido para atender às necessidades dos clientes do esporte, sejam eles

consumidores individuais, participantes de esportes ou jogadores, e investidores

corporativos.

O contexto esportivo é o que confere complexidade a essa prática, devido

principalmente a dois motivos: o fato de o produto esportivo ser altamente incontrolável,

e da interferência que muitos dos clientes têm sobre o processo.

Sobre a primeira, pode-se dizer que o esporte apresenta várias características

de um serviço. São elas: a intangibilidade – maioria das experiências não é de natureza

física; inseparabilidade – as experiências e os encontros esportivos são produzidos e

consumidos simultaneamente; a perecibilidade – não é possível manter um inventário

dos eventos ou produtos esportivos e, se os ingressos para um evento não forem

vendidos, essa receita futura estará perdida para sempre; e a heterogeneidade – cada

experiência ou encontro esportivo é único para cada cliente do serviço de esportes

(MORGAN e SUMMERS 2008, p.8).

Quadro 1 – Os 4 P‟s do marketing esportivo

Fonte: MORGAN, M.J.; e SUMMERS, J. 2008

Page 61: Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

61

O profissional de marketing esportivo lida com um produto que é altamente

incontrolável e imprevisível, já que não se pode prever, por exemplo, o resultado final

de uma partida, ou o impacto que isso causará na percepção do consumidor sobre a

sua experiência. Curiosamente, o componente „‟imprevisibilidade‟‟ é uma das maiores

forças do futebol, ao mesmo tempo que representa um dos maiores desafios para

aqueles que trabalham com ele.

Franco (2007) destaca que em uma pesquisa dirigida por Eli Ben-Naim, no

Laboratório Nacional de Los Alamos (EUA), os estudiosos apontaram a vitória do mais

fraco em 45% das vezes (o campo de observação foi a Liga Inglesa durante mais de

um século), uma das maiores entre as modalidades coletivas. Outras que

apresentaram índices elevados de imprevisibilidade, ainda que menores que o futebol,

foram o futebol americano e o beisebol, esportes altamente populares nos Estados

Unidos35

Aos fatores intangíveis citados acima, somam-se os elementos tangíveis de uma

mercadoria – como merchandising, vídeos de jogos, lembranças esportivas – e essa

dicotomia acrescenta complexidade ao cenário.

O segundo ponto que torna o contexto esportivo diferente dos demais diz

respeito à interferência dos clientes, como é o caso da mídia, um dos mais fortes. Isso

porque os torcedores são sensíveis à cobertura midiática de suas equipes e também às

análises feitas pelos jornalistas com relação a decisões técnicas ou mesmo

estratégicas da empresa, e essa pressão pode influenciar a tomada de decisão

administrativa.

No futebol brasileiro, a força da mídia é aparente. É a modalidade que mais

ganha cobertura no País, e as análises sobre as equipes e as decisões do clube são

diárias. Essa força foi mostrada, por exemplo, na campanha promovida pela Rede

Globo contra o técnico Dunga, em 2010, quando ele cortou o privilégio da emissora na

35

O beisebol é popular também em diversos países da América Central e no Extremo Oriente

Page 62: Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

62

cobertura da seleção. O técnico passou a receber duras críticas e questionamentos

com relação à sua postura por parte dos jornalistas e comentaristas da emissora36.

Quando se fala sobre gêneros, a mídia pode ser tanto positiva ao „‟democratizar

o esporte‟‟, quanto negativa ao contribuir para a criação e cristalização de estereótipos

prejudiciais. Um estudo sobre mídia esportiva feito nos Estados Unidos concluiu que as

mulheres geralmente não participam de programas esportivos de audiência masculina

e, quando são convidadas, são vistas de maneira estereotipada (MESSNER, HUNT e

DUMBAR, 1999, p. 7).

Essa informação, porém, não pode ser vista de maneira estática, pois se

observa uma constante mudança no cenário internacional e nacional, que também se

moldou através desses estereótipos (item 2.5.). No Brasil, observa-se que, em certo

ponto, a mídia tem contribuído para chamar a atenção para a presença da mulher no

futebol, o que pode contribuir para que as organizações esportivas enxerguem esse

público de maneira estratégica, investindo em campeonatos femininos, ou em estrutura

para as torcedoras.

Por fim, outro ponto que diferencia o contexto esportivo dos demais é a

satisfação do consumidor final, que é influenciada por uma série de fatores que fogem

do controle do profissional. Ela é determinada pela qualidade das experiências dos

espectadores esportivos, e essas sofrem influência de outros consumidores, do

contexto físico, do humor e das sensações próprias dos consumidores. São todos

fatores incontroláveis, pois o profissional não pode prever qual será a sensação do

espectador, a interação com os outros, e muito menos o resultado da partida.

Nesse cenário, as atividades do marketing são usadas para ajudar os órgãos

esportivos a atingir suas metas e seus objetivos corporativos e a se comunicar com

seus diversos públicos, levando em conta todos esse fatores incontroláveis na hora de

buscar a melhor estratégia.

36

Folha.com junho de2010. Campanha de internautas defende Dunga na briga contra a Globo, junho de 2010. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/tec/755180-campanha-de-internautas-defende-dunga-na-briga-contra-a-globo.shtml Acesso em: maio 2012

Page 63: Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

63

3.2. O marketing para promover o esporte

No Brasil, apesar da intimidade com a modalidade que o fez se autodenominar

„‟o país do futebol‟‟, ainda faltam investimentos em diversos setores, como é o caso do

marketing. Mesmo com o aparente movimento de profissionalização ocorrido

principalmente na última década, o futebol brasileiro sofre com o amadorismo. Para o

ex-jogador brasileiro e atual técnico da seleção do Iraque, Zico, a falta de compromisso

e visão a longo prazo dos dirigentes faz com que, muitas vezes, a gestão fique sem

planejamento e isso resulte em complicações financeiras como as que vemos hoje,

além da desigualdade e influência política que ainda atrapalham o esporte quando se

avalia a credibilidade para estabelecer parcerias (AREIAS, 2007, p.27).

Aqui é importante ressaltar que a precariedade nos investimentos em marketing

afeta o processo de decisão de todos os consumidores, sejam eles homens ou

mulheres, ainda que a participação do primeiro público esteja mais consolidada.

A fim de explorar o produto esportivo de maneira mais profissional, diversos

esforços no setor têm sido feitos por clubes brasileiros como Internacional (RS),

Grêmio (RS), São Paulo (SP) e Corinthians (SP). Este último vem trabalhando de

maneira forte e contínua, desde a nomeação, em 2007, na gestão de Andrés Sanchez,

do diretor de marketing Luís Paulo Rosenberg. A primeira campanha de sucesso

lançada foi a „‟Eu nunca vou te abandonar‟‟, criada a partir dos gritos da torcida em

apoio ao time que acabava de ser rebaixado à segunda divisão do Campeonato

Brasileiro. O kit contendo camiseta, adesivo e pulseira surpreendeu a todos e esgotou

o seu primeiro lote de mil exemplares nas seis primeiras horas de venda.

Desde então, foram criadas mais camisetas, programa de sócio-torcedor,

cruzeiros marítimos, acampamento de férias oficial, e contratação de estrelas como o

jogador Ronaldo, uma série de ações que fortalecem a identificação do torcedor com o

clube.

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64

Os princípios básicos usados por eles e outros clubes para agregar valor à

organização, segundo teóricos, envolve o trabalho com os 4 P‟s (quadro 1), sempre

levando em consideração o contexto diferenciado do esporte.

O primeiro a ser analisado, portanto, é o produto esportivo. São dois os tipos: no

primeiro, o produto é a própria competição esportiva, como seria um jogo de futebol, e

carrega as características de serviço citadas anteriormente – intangibilidade,

inseparabilidade, heterogeneidade e perecibilidade. No segundo, fala-se do

merchandising esportivo, como é o caso das camisas de futebol, ou de um ingresso

comprado. É difícil, porém, separar um item do outro, uma vez que o ingresso e a

camisa comprada geram expectativas com relação à experiência de compra, ou ao dia

da competição.

O consumidor pode ter contato com a competição esportiva, no caso o jogo de

futebol, seja através da mídia ou através do estádio, e este último é um dos maiores

problemas para a evolução da modalidade no País. Faltam arenas com estrutura

adequadas para receber os torcedores do clube, o que compromete a participação de

mulheres e crianças na competição.

Um boa referência nesse âmbito é a Inglaterra. O país bretão tem os ingressos

mais disputados do mundo e, em 2011, clubes como o Manchester United, Arsenal,

Manchester City e Tottenham atingiram a impressionante marca de 95% ou mais de

frequência do público em todos os jogos da temporada.

Foi lá que nasceu também um projeto inovador chamado Family Stand, criado

pelo Manchester City. A área com capacidade para 8.000 pessoas só pode ser

ocupada por menores de 16 anos e seus acompanhantes. Além de coibir o uso de

palavrões e tornar o programa mais familiar, ainda atrai parceiros focado no mercado

de crianças, como por exemplo a marca de chocolate Cadburrys, que possui um ponto

de venda dentro da área de serviços do Family Stand.

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65

Outro ponto importante a ser trabalhado é a promoção, que é definida por Ray

(apud MORGAN e SUMMERS, 2008, p.217) como: „‟a combinação de todos os

esforços iniciados pelo vendedor para estabelecer canais de informação e persuasão

de modo que venda mercadorias e serviços ou promova ideias‟‟.

Ela nada mais é do que o direcionamento estratégico dos esforços de

comunicação de uma empresa para uma série de públicos-alvo, sejam eles internos ou

externos. As ferramentas básicas usadas para realizar uma promoção são conhecidas

como o mix de comunicação, que consiste em seis elementos que devem ser

trabalhados de forma estratégica e integrada. Myers (1994) ressalta que as

organizações esportivas podem fazer um bom uso dessa ferramenta para se comunicar

com o público feminino, uma vez que ele está mais propenso a responder a

mensagens de organizações quando estas são comunicadas através de diferentes

níveis e de maneira consistente.

Imagem 14: jovem torcedor do Manchester City assiste o time no Family Stand,

espaço reservado para as famílias

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66

A venda pessoal é útil sobretudo para garantir patrocínios esportivos, e se

torna uma poderosa ferramenta se utilizada em conjunto com os outros elementos que

compõe o mix. O marketing direto pode ser feito através de telefone, correspondência,

mídia de massa, internet, ou outras mídias interativas, importantes no cenário atual sob

diversos aspectos.

Já a promoção de vendas pode ser aplicada tanto para o público interno quanto

para o público externo. No primeiro caso, é comum que ela seja usada para incentivar

equipes internas de vendas, oferecendo, por exemplo, lugares para as pessoas

assistirem ao espetáculo (muitas vezes em camarotes especializados); no segundo, é

comum que ela seja usada em conjunto com os patrocinadores (item 3.3), em ações

que incluem amostras, concursos, programas de lealdade, etc.

A publicidade provavelmente é o mais conhecido deles, ainda que ela seja mais

utilizada pelo investidores esportivos. Ela pode ser utilizada para divulgar eventos,

produtos, ou mesmo os seus jogadores em pontos-de-venda de mídias de massa,

como rádio, televisão e jornais.

Quadro 2: mix promocional esportivo

Fonte: MORGAN, M.J.; e SUMMERS, J. 2008

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67

A maior tendência das organizações esportivas, porém, não está no uso da

publicidade, e sim do patrocínio (item 3.3) e das relações públicas. Esse recurso é

definido por Shank e Simon (apud MORGAN e SUMMERS, 2008) como:

„‟uma função de gerenciamento para avaliação de atitudes públicas,

identificação de políticas e procedimentos de uma organização quanto ao

interesse público, e execução de programas de ação (e comunicação)

elaborados para conquistar a compreensão e a aceitação públicas. É também

utilizado no estabelecimento e na manutenção de relações mutuamente

benéficas entre organizações e seus vários públicos (SHANK e SIMON apud

MORGAN e SUMERS, 2008, p. 236)‟‟

A publicidade, nesse contexto, seria um dos recursos das relações públicas para

gerar comunicação com os diversos públicos que se relacionam com a organização

esportiva (item 3.4.). Ela pode contribuir tanto para o desenvolvimento da marca quanto

para precaver ou reparar possíveis crises que possam prejudicar a marca ou a imagem

das celebridades esportivas.

O gerenciamento de imagem se torna, inclusive, uma prática cada vez mais

comum no Brasil, com a chegada de inúmeras agências especializadas no assunto. A

agência 9ine atualmente desenvolve esse trabalho focado em captação de patrocínio e

assessoria de imprensa, cuidando de atletas de ponta como Neymar (Santos), Lucas

(São Paulo) e Leandro Damião (Internacional). Estes podem se desenvolver como

porta-vozes não só de outras organizações, mas também de causas sociais e de

valores, contribuindo até mesmo para a democratização do esporte, como será visto

mais adiante.

Em resumo, as funções de RP, segundo Morgan e Summers (2008) podem ser

as seguintes: desenvolver entusiasmo ou interesse por determinado mercado, criar

notícias sobre produtos e serviços; apresentar informações sobre produtos ou serviços;

agregar valor ao serviço do cliente; construir lealdade à marca; e defender determinada

marca ou imagem corporativa.

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68

Como a marca está presente em uma série de mídias diversas, é importante que

esse profissional esteja em contato com elas e com as novas tendências. Um dos

movimentos que têm sido observado, por exemplo, é a busca dos consumidores

esportivos por informações em meio eletrônicos cada vez mais frequente.

Em pesquisa realizada pela Globoesporte em 2012, 91% dos entrevistados

confirmou que a internet revolucionou a maneira de acompanhar esportes, e vale

destacar que a audiência feminina de futebol atinge o índice de 39%37. O uso da

internet é, inclusive, um meio que as empresas têm de customizarem as ofertas para

seus diferentes públicos.

Além dos sites oficiais dos clubes, hoje é comum que as pessoas que

compartilham dos mesmos gostos ou que têm as mesmas características se agrupem

em comunidades. No caso das mulheres, ferramentas que possibilitam interação social

são as mais populares. Sloan (2001) relata que, por esse motivo, duas das principais

atividades delas na web são usar e-mail e chats. Além disso, procuram artigos sobre

carreira, finanças pessoais, família, saúde e bem-estar; todos itens que suprem a

necessidade delas de se conectarem com outras mulheres, questionarem e terem

respostas, e fazer tudo isso com muita cautela e muitas informações (item 3.4).

Uma prova mais recente da valorização das interações por parte do público

feminino é a popularidade das redes sociais com elas. As mulheres buscam as redes

para expandirem o seu „‟círculo de influência‟‟ e para trocarem experiências com outras

pessoas, indo além dos seus lares (item 3.4). É mais do que apenas entretenimento, as

mídias sociais têm benefícios funcionais. Em pesquisa realizada em 2011, a Nielsen

estimou que existam, em média, 200 a 300 fóruns de discussão exclusivos de mulheres

ao redor dos mercados mundiais (sem contar blogs individuais), nos quais elas se

conectam com outras para discutir questões que vão desde a vida familiar, gestão de

carreiras, até saúde e bem-estar.

Por observação, percebeu-se que são grandes os números de comunidades

femininas ligadas ao futebol, ou de mulheres que se manifestam nas redes em grupos

37

Pesquisa Futebol Internet 2012. Globoesporte.com Acesso em: abril 2012

Page 69: Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

69

de clubes. Elas aproveitam o espaço para encontrar outras mulheres que compartilham

o mesmo gosto e também para se legitimarem como espectadoras ou praticantes da

modalidade.

Atentos a essa tendência e ao aumento da participação da mulher na vida

esportiva (como praticante ou espectadora), o mercado norteamericano começou a

traçar estratégias de inclusão e fidelização em esportes populares como o beisebol e o

futebol americano. Vale lembrar que, no país, essas são as modalidades originalmente

masculinas, uma vez que o futebol se configurou como um esporte feminino. Estima-

se, hoje, que as americanas representem quase metade das espectadoras do Super

Bowl38, e que 46% do consumo de produtos oficiais da National Football League vem

delas. Além disso, elas são um terço da audiência adulta da programação da ESPN

Sports.

A campanha da NFL para atrair e fidelizar torcedoras incluiu iniciativas ligadas à

educação com relação ao jogo, envolvimento em causas sociais e criação de conteúdo

direcionado para elas. Foram elaborados seminários exclusivos para elas que

contaram com a participação de aproximadamente 12.000 mulheres no ano 2000.

Neles, falava-se sobre estratégias de futebol americano e regras do jogo, sobre a vida

no NFL, a história do futebol americano, os equipamentos usados, regras, dicas na

hora de assistir o jogo, além da realização de um tour pelo estádio, com direito a visita

aos vestiários e sala de imprensa. Jogadores e ex-jogadores compareciam nas

palestras como porta-vozes do esporte, e uma parte do dinheiro da inscrição era doada

para instituições de caridade. Para atingir camadas mais jovens, além disso, eram

incentivados campeonatos escolares, fazendo com que mulheres tivessem o primeiro

contato com o esporte desde jovens.

Visando agregar ainda mais valor da marca com o público feminino, a NFL

passou a patrocinar uma fundação que lutava contra o câncer de mama, causa social

que sensibiliza as mulheres (item 3.4.). Para manter a comunicação constante com as

38

Jogo de futebol americano no qual se decide o campeão nacional. Disputam ele os campeões da NFC (Conferência Nacional de Futebol) e do AFC (Conferência Americana de Futebol), ambos conferências da NFL (Liga Nacional de Futebol)

Page 70: Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

70

espectadoras, utilizou-se da tradicional publicidade e criou conteúdo exclusivo na web.

No site, foi criada uma seção entitulada „‟NFL para elas‟‟ que, durante a temporada de

2011, apresentava semanalmente torcedoras do futebol americano competindo de

maneira divertida pelos melhores looks, sempre fazendo alusão ao confronto em

campo. O site também mostrava vídeos cômicos falando sobre rivalidade, muitas vezes

estrelados por mulheres que tinham alguma ligação com a NFL (esposas, filhas e netas

de técnicos ou proprietários).

Já a Major Baseball League começou esse processo buscando entender quem

eram as suas espectadoras. Foram entrevistadas mais de 3 mil mulheres para

descobrir „‟o que elas entendiam do jogo‟‟, como o enxergavam. Dessa maneira,

perceberam a importância que as mulheres tinham nas decisões familiares, e que

portanto uma boa estratégia seria justamente engajá-las a consumirem o esporte e os

produtos ligados ao beisebol.

Para isso, eles viram que deveriam aumentar os canais de informação, bem

como os detalhes sobre a modalidade. Passaram então a divulgar mais histórias sobre

o beisebol, a dar informações mais detalhadas sobre o jogo, os produtos, os descontos.

Começaram a demonstrar de maneira mais direta o seu compromisso em promover

uma boa experiência para a família, de modo a atingir não só as mulheres com a

comunicação, mas também homens e crianças. Usaram personalidades esportivas

para falar com o público feminino, e se aproveitaram de programas televisivos e

publicações impressas consumidas por elas. As ações também incluíam promoções

em datas comemorativas como o dia das mães, hábito mais comum de ser encontrado

no caso do futebol brasileiro.

Uma constatação importante feita através da pesquisa elaborada pela Major

League Baseball foi a de que „‟as mensagens as quais as mulheres respondem não

necessariamente afastam os homens‟‟ (SLOAN 2000, p.31). Isso pode ajudar a

derrubar essa que é uma desconfiança quando se fala sobre marketing esportivo39

39

Levando-se em consideração modalidades consideradas masculinas, como futebol, lutas, beisebol e futebol americano

Page 71: Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

71

voltado para o público feminino, pois as mulheres tendem a precisar naturalmente de

informações mais constantes (item 3.4.).

3.3. O marketing do esporte a serviço de uma organização

O patrocínio esportivo é o último item do mix a ser discutido, sendo que este é o

terceiro maior meio de publicidade do mundo, atrás apenas da imprensa e da televisão.

Esse número não inclui o gasto adicional com a alavancagem que as empresas usam

para maximizar o dinheiro do patrocínio e que pode atingir um valor quatro vezes maior

que a despesa original com o acordo. (MORGAN e SUMMERS, 2008, p.288).

Com já foi dito anteriormente, essa é uma poderosa ferramenta para as

organizações não-esportivas, uma vez que relacionar seus produtos ao esporte e a

personalidades esportivas lhes confere emoções que elas mesmas, sozinhas, não

conseguiriam criar. Isso porque o consumidor encontra essa marca em um ambiente de

consumo altamente emotivo que caracteriza o futebol.

No Brasil, a primeira vez que as duas coisas se uniram foi em 1930, quando

Assis Chateaubriand, dono da empresa Lacta, deu a um dos chocolates da sua marca

o nome de Diamante Negro, apelido do ídolo Leônidas da Silva (AREIAS, 2007, p.17).

Hoje essa prática é comum, expandindo-se para diversas formas existentes de

patrocínio, que vão muito além de uma simples atividade promocional. Para MORGAN

e SUMMERS (2008), o patrocínio esportivo deve „‟estar embutido na estratégia

empresarial e ser executado por meio de propostas de valor de marca‟‟.

Dessa maneira, ele se torna uma plataforma de marketing que pode ser ativada

e integrada no mix de marketing, aumentando a efetividade de uma série de atividades

de marketing para ambas as partes da aliança. Nessa visão é possível, por meio do

esporte, traçar um empreendimento em conjunto que dê um bom retorno para todos.

Page 72: Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

72

Para as autoras, os principais objetivos dos patrocinadores, ao fazerem esse

acordo, são: criar conhecimento do produto ou da marca, mudar ou reforçar a imagem

de marca, aumentar a fidelidade à marca, exibir responsabilidade com a comunidade,

estimular vendas, motivar funcionários e entreter clientes ou clientes potenciais.

Uma prática pouco frequente é que as marcas que se associam a esportes

masculinos busquem esses objetivos e concentrem esforços no público feminino. A

Procter&Gamble, patrocinadora da NFL, resolveu apostar nisso, e para criar

conhecimento sobre a marca de desodorizadores de ambiente Febreze, fez uma

campanha voltada para mulheres fãs do NFL, que representam um terço dos

espectadores assíduos.

A Febreze se engajou em uma missão que prometia ajudá-las a eliminarem

odores típicos de dias de jogo: roupas sujas para mães de atletas, asas de frango, alho

ou outros odores fortes que poderiam ficar na cozinha por conta dos pratos preparados

nos dias de jogo ou em festas de comemoração.

A campanha contou com a presença de Olivia Manning, mãe de dois

quarterbacks conhecidos da Liga e esposa de um ex-jogador, que falava como fazia

para manter o frescor na sua casa, sobretudo em dias de jogo. Além dos comerciais,

Olivia participava de uma exposição móvel em um ônibus da Febreze, na qual falava

com mulheres sobre como cuidar da casa nessas ocasiões e apresentava ela mesma

os produtos; para completar, postava conteúdo da fanpage da marca, com receitas e

outras dicas para preparar a casa nessas datas e receber amigos.

Imagem 15 e 16: desodorizador Febreze, patrocinador da NFL, faz campanha focada no

público ferminino

Page 73: Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

73

No caso de empresas ligadas ao esporte como a Nike e a Adidas, essa conexão

e esses objetivos tomam forma de maneira mais óbvia do que outras empresas que

atuam em áreas diversas; estas devem estudar essa compatibilidade com o esporte e

seus mercados-alvo, para que a associação seja positiva e efetiva.

A Nike, por exemplo, patrocina diversas equipes ou atletas femininas, como a

seleção americana feminina de futebol, e recentemente se aproveitou da fama da

goleira Hope Solo para incluí-la em uma campanha voltada exclusivamente para o

público feminino veiculada nos EUA. Nela, Hope fala sobre a sua relação com o seu

trabalho e a sua dedicação para se tornar a número 1 naquilo que faz. Esse comercial

faz parte de um extenso trabalho que a Nike vem fazendo desde o início da década de

90 para atingir o público feminino.

A marca começa com a campanha entitulada „‟Dialogue Campaign‟‟, na qual

falava sobre os ganhos emocionais e físicos que as mulheres teriam ao praticar

esportes. Para saber o que as mulheres precisavam, a organização conduziu uma série

Imagem 17: goleira da seleção americana de futebol, Hope Solo, posa para campanha

realizada pela Nike com foco em mulheres

Page 74: Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

74

de entrevistas em profundidade, focus group, e procurou entender como seu público

feminino pensava, a quais mensagens respondia, e o que lia todos os dias na

publicações femininas (MYERS apud SLOAN, 2001, p.29).

Tal iniciativa chegou inclusive a enfrentar alguma resistência masculina, que

dizia não entender o porquê de uma campanha voltada exclusivamente para mulheres,

e receava perder mercado masculino por concentrarem esforços no feminino. Ela se

revelou certeira, porém, quando a Nike aumentou sua força com o aumento da

participação de mercado.

A campanha foi evoluindo, a Nike abriu um canal exclusivo para o público

feminino e hoje participam dos comerciais da marca, atletas femininas de diversas

modalidades - dançarinas, lutadoras, patinadoras, jogadoras de futebol – que falam de

maneira abrangente de estilo de vida, sonhos e realizações. As campanhas se

tornaram populares justamente por conversarem com as mulheres, e trazerem à tona

reflexões profundas, fatores que são apreciados pelo público feminino, como será visto

no item a seguir.

Aproveitar-se do patrocínio de atletas é, inclusive, um hábito comum no futebol.

Jogadores como Neymar e Ronaldo recebem cifras milionárias para estrelar

campanhas de produtos pertencentes a diversos setores. A presença de atletas do

futebol feminino brasileiro não é tão comum nesse caso, principalmente pelo fato de a

mídia explorar pouco a imagem das jogadoras. Uma exceção é a jogadora Marta que,

eleita por diversas vezes a melhor do mundo, vai estrelar campanhas publicitárias da

Coca-Cola até a Copa de 2014. Ela não só estará nos anúncios da marca, mas

também ajudará a promover a Copa Coca-Cola, um torneio de futebol para

adolescentes no País.

De fato, uma vez feito o investimento, é necessário potencializá-lo através de

ações de ativação, como foi feito no exemplo da NFL e da P&G. No geral, recomenda-

se que ao planejar o orçamento das atividades de alavancagem, seja reservado US$ 2

para cada US$ gasto ao adquirir o esporte (MORGAN e SUMMERS, 2008, p.343).

Page 75: Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

75

A agência Namosca criou para a Adidas, patrocinadora oficial do Palmeiras, em

2008, uma ativação promocional que proporcionou uma experiência para os torcedores

com a marca e ainda gerou considerável mídia espontânea, envolvendo também as

torcedoras do clube. Dez torcedores que estivessem vestindo a camisa oficial dentro do

estádio ou que acertassem mais respostas de um quiz sobre a história do clube no dia

anterior ao da partida tinham a oportunidade de entrar em campo no intervalo do jogo

para bater uma falta com uma barreira montada e um goleiro profissional. Aos que

acertassem, era dado um prêmio de R$ 1.000 em produtos da marca. Para o dia

internacional da mulher daquele ano, prepararam uma edição especial da ação, na qual

seriam selecionadas dez mulheres para participarem da cobrança de falta40.

3.4. O consumidor do futebol

Para que todas as ações anteriores fossem efetivas, foi necessário entender,

além dos princípios já detalhados, quem era o consumidor com quem a organização

estava falando.

São inúmeras as variáveis que compreendem o processo de escolha do

consumo esportivo. Por isso, é importante que sejam feitos estudos para entender

quem são eles e como, quando, onde e por que eles tomam determinadas decisões de

compra.

O consumo esportivo pode acontecer de duas formas: indiretamente, quando se

assiste por um jogo pela televisão, ou se ouve pelo rádio, ou se lê ao seu respeito em

um jornal ou revista; e diretamente, quando se assiste pessoalmente a um jogo ou se

participa de um esporte.

A tomada de decisão pode ser rápida e direta ou mais lenta e complexa, o que

acontece principalmente quando o consumidor tem falta de experiência com o produto

40

Agência Namosca cria ‘’Lances Impossíves’’ para Adidas. Site Vox News, março de 2008 Disponível em: http://www.voxnews.com.br/dados_noticias.asp?codnot=57168 Acesso em: abril 2012

Page 76: Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

76

ou quando ela apresenta algum risco. No Brasil, o maior risco relacionado ao

comparecimento em estádios de futebol é o classificado como físico, e pode ser

traduzido pela preocupação com a violência (MORGAN e SUMMERS, 2008, p.103).

Caso o estádio não ofereça condições adequadas, o comparecimento do público pode

ficar comprometido, principalmente quando se trata de mulheres e crianças (item 1.4.).

O processo de decisão do consumidor é, como um todo, uma influência de

fatores internos ou psicológicos com fatores externos ou sociais. Os fatores internos

são uma junção de personalidade, com percepção e aprendizagem, e o fornecimento

de informação da marca exerce influência em todos eles. Se um clube construir a

imagem do espetáculo esportivo como um programa seguro e familiar, por exemplo,

isso irá moldar a percepção e a aprendizagem do indivíduo, engajando-o a ir ao estádio

e, por consequência, fortalecendo sua relação com à marca.

Já os fatores externos ou sociais dizem respeito à cultura do indivíduo, aos

grupos de referência, e às influências situacionais. O grupo de referência mais

importante para qualquer consumidor é a família. Em recente pesquisa divulgada,

revelou-se que dos mais de 120 milhões de brasileiros que torcem para algum time de

futebol, 63% ouviu falar a primeira vez de futebol em casa, e mais da metade deles

escolheu o seu time justamente por influência de alguém com quem convive no círculo

familiar (pai, irmão, tio, ou marido no caso das mulheres)41. É natural que a influência

masculina seja predominante nesse sentido, já que se fala de gerações nas quais a

concepção do futebol como um universo masculino não era discutida.

Durante muito tempo, estudar o público consumidor de esportes como beisebol,

futebol americano e futebol era sinônimo de estudar os homens torcedores do esporte.

De acordo com Branch (apud SLOAN, 2001, p.4), por muitos anos, a indústria do

marketing esportivo acreditou que a comunicação do esporte não poderia ser voltada

para mulheres, pois elas não seriam capazes de ser „‟atletas sérias, entendidas do

jogo‟‟, ou por que elas viam os eventos esportivos como um lazer para homens,

assistindo partidas somente para fazer companhia para maridos ou namorados.

41

Pesquisa Lance!NET, maio de 2010. Disponível em: http://issuu.com/rafaelmazzari/docs/outro?mode=window&pageNumber=2 Acesso em: abril 2012

Page 77: Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

77

A essa ideia da mulher como figura distante do cenário esportivo, soma-se o fato

que a indústria esportiva, assim como tantas outras, sempre foi controlada por homens,

o que fez com que as práticas e opiniões mais difundidas sobre essa questão fossem

sempre essencialmente masculinas (item 2.3).

As constantes mudanças no papel da mulher na sociedade, porém, fazem com

esse setor não possa mais ignorar a presença do público feminino. Hoje, mulheres em

todo o mundo estão extrapolando seu papel tradicional e influenciando as decisões nos

seus lares, nos negócios e na política.

Existem dois aspectos nesse movimento: o da independência feminina, à

medida que a mulher tem mais liberdade para tomar decisões relativas a sua vida e a

sua carreira, e o do papel da mulher no núcleo familiar, uma vez que atualmente cresce

o poder dela em influenciar as decisões tomadas para a casa, envolvendo filhos e/ou

marido.

Quando se fala do segundo, fala-se frequentemente de responsabilidades

compartilhadas. A decisão de atividades sociais, como seria a ida a participação no

espetáculo esportivo, por exemplo, para 61% dos entrevistados independe do

gênero42. Entendendo o universo feminino, portanto, os profissionais de marketing

esportivo podem influenciar como as famílias investem o seu tempo de lazer, e de que

maneira investem o seu dinheiro nesse setor.

Especificamente no caso do futebol, a influência das mães pode, inclusive, ser

negativa. Isso porque as mulheres segundo Sloan (2001), tem como característica a

preocupação de „‟cuidar dos outros‟‟, e o sentimento cristalizado de insegurança e falta

de estrutura faz com que muitas delas tenham um pré-conceito com relação à

modalidade, desincentivando a participação da família em atividades do gênero por

medo de envolvimento com violência, o que demanda um trabalho diferenciado com

esse universo.

42

Pesquisa NIELSEN, junho de 2011. O índice diz respeito aos países emergentes, como é o caso do Brasil. Nos países desenvolvidos, ele sobe para 73%

Page 78: Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

78

E afinal, como se configura esse universo feminino? Será que ele é mesmo tão

diferente do masculino? O primeiro ponto que é importante abordar quando se faz essa

construção, é que a busca da mulher por igualdade em territórios masculinos não quer

dizer que a estratégia de marketing não deve ser diferenciada, pois o seu

relacionamento com as organizações é distinto. Para Myers (1994), na hora de criar

campanhas, deve-se levar em consideração as características únicas da mulher,

respeitando suas semelhanças e diferenças com relação aos homens, o que demanda

estratégias especiais como as adotadas pela NFL e pela MJB americanas (item 3.2.).

Horwarth (apud SLOAN, 2001, p.21) sugere que seja aberto um diálogo contínuo

com as mulheres, começando pelas funcionárias, pois estas podem trazer uma boa

percepção sobre o universo feminino e dizer como se sentem com relação a

determinados produtos.

Howell (apud SLOAN, 2001, p.18), por sua vez, acredita que as organizações e

marcas que queiram atingir as consumidoras mulheres devem demonstrar habilidade

não só em entender o estilo de vida e interesses desse público, mas em mostrar como

a imagem e o direcionamento da companhia são compatíveis com o estilo de vida e as

mudanças que elas vivem.

O marketing relacionado a causas sociais, por exemplo, é um jeito efetivo de

atingir o público feminino. Essas causas podem ser relacionadas à própria figura

feminina, como o apoio da NFL ao Instituto de Câncer de Mama (item 3.2.), mas

também podem ser causas que elas acreditam e que as sensibilizem, como aquelas

relacionadas a crianças, à família.

As mulheres se preocupam em buscar marcas que sejam íntegras ao mesmo

tempo que apresentem um bom custo/benefício, que sejam compatíveis com elas, e

por isso buscam mais informações na hora de tomar decisões, fazendo-o de maneira

cautelosa (HOWARTH apud SLOAN, 2001, p.24).

Uma vez feita a escolha, elas têm por natureza a característica de

compartilharem as suas experiências, e de serem fãs mais leais às suas marcas. O

quesito relações sociais é um dos que mais diferem entre os gêneros. A mulher gosta

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79

de marcas que se atentem a essa característica, e tende a compartilhar mais

pensamentos, sentimentos e impressões com as pessoas do que os homens que, por

sua vez, se atêm mais a itens tangíveis e compartilham a experiência com menos

pessoas (item 3.2.). Elas são também mais sensíveis ao tratamento que recebem, e

caso a percepção seja positiva, tendem a formar um laço com a marca, tornando-se

porta-vozes da organização.

As espectadoras são interessadas em um número maior de assuntos ligados ao

esporte que os homens – elas gostam de saber a história dos jogadores, do clube,

aspectos mais „‟humanos‟‟ que estatísticas de jogos ou número de títulos, e esperam

que a organização esportiva tenha essa informação direcionada a ela de forma

facilitada e espontânea, sem que ela „‟tenha que perguntar‟‟. A „‟humanização‟‟ do

esporte explorada pela mídia já facilita esse movimento naturalmente.

Em pesquisa realizada por Sloan (2001), as mulheres confirmam as teorias

acima e listam, por ordem de importância, os dez pontos que elas acreditariam que

melhoraria a percepção feminina sobre o esporte. São eles: educar as mulheres sobre

o jogo, comunicar-se falando em crianças (que atinge mães), dar descontos e

promoções, estreitar relações com comunidades, focar-se em publicações femininas,

agir na web (através de sites e redes sociais), contratar mais mulheres para cargos

administrativos no esporte, oferecer mais artigos esportivos ou produtos licenciados

femininos e, por último, a publicidade tradicional e os esforços de marketing tradicional

(por tendência, mais masculinos).

Como se pode ver, a NFL e a Major League Baseball (item 3.2.) se atentaram

justamente a essas características particulares do gênero feminino na hora de

desenvolver o seu produto esportivo e aplicar o mix de promoção.

Além das diferenças, é importante destacar que existem também as

semelhanças. O consumo esportivo está baseado na união de ideias, pois ele permite

aos indivíduos compartilhar algo com os outros na comunidade, de igual para igual,

independentemente da posição social, idade ou sexo. De acordo com Voight e Beisser

(apud MORGAN e SUMMERS, 2008):

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80

„‟O esporte permite aos consumidores estabelecer ligações com outros que

poderiam ser chamados de „‟conhecidos socialmente distantes‟‟ (como

conhecido de trabalho ou de um evento social). Isso é possível, pois o esporte

constitui um interesse comum, que pode ser livre de estigmas ou restrições

sociais.(VOIGHT e BEISSER, apud MORGANS e SUMMERS, 2008, p. 18)‟‟

No caso do futebol brasileiro, para ambos, homens e mulheres, a modalidade é

ao mesmo tempo um fator de diversão e educação, e a razão de ela ser a preferida

entre tantas é devido ao fato de ser considerado um esporte emocionante.

Independentemente do sexo, o futebol atrai pela imprevisibilidade, e nutre o sentimento

de pertencimento que as pessoas necessitam sentir.

Cabe ao profissional de marketing levantar os pontos de divergência e

convergência entre os gêneros, realizando pesquisas para identificar quais as

necessidades de cada um deles e de que maneira eles se relacionam com a marca, a

fim de tornar o espetáculo esportivo um programa democrático e familiar.

Page 81: Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

81

4. Quando a torcedora ganha os holofotes no Brasil

4.1. No marketing pelo esporte

Alguns clubes brasileiros já perceberam essa oportunidade e começaram a

estudar o contato do universo feminino com o futebol, de modo a fidelizar cada vez

mais fãs e trazer para a modalidade um caráter mais democrático e seguro. Devido à

escassez de pesquisas completas sobre essas iniciativas, será feito, nesta última

etapa, um levantamento de algumas iniciativas que foram encontradas em diversos

clubes através de notícias veiculadas na mídia sobre o tema.

Vale ressaltar que é difícil encontrar estratégias sólidas ou pesquisas detalhadas

no Brasil sobre uma tema, uma vez que ele começou a ser colocado em evidência há

pouco tempo e muitas vezes de maneira pontual.

Os clubes que têm mais preocupação com a torcedora mulher na hora de traçar

a sua estratégia de marketing estão concentrados na região sul do País, onde, por

consequência, está também a maior concentração de torcedoras com participação

ativa nos espetáculos e na vida dos clubes de futebol.

O Avaí (SC) é um dos clubes que possui mais estratégias nesse sentido,

comunicando-se com a figura feminina através de diversos canais e níveis. As ações

vão desde traçar planos para as torcedoras, até colocar mulheres para participar de

sua gestão. Em entrevista concedida ao LANCE!NET, o presidente do Avaí, João

Nilson Zunino, explicou o porquê o clube percebe o crescimento importante no volume

de associações femininas:

„‟Isso se deve a diversos fatores: ser uma terra de gente bonita que tem no futebol um assunto de todas as casas, ser o Avaí um clube frequentado por famílias (o pai traz a mãe, filhos e filhas para o estádio), termos um estádio

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82

amigável ao público feminino, discurso integrador em toda a estratégias de marketing e comunicação, ter mulher entre os seus diretores, termos quase 40% dos funcionários do sexo feminino (exceto o futebol) e, tradicionalmente, valorizamos a mulher.‟‟

43

As torcedoras catarinenses fazem sua parte e usufruem desses benefícios. Elas

já são 40% dos seguidores do Avaí nas redes sociais e, no estádio, a presença

feminina já chegou a uma proporção de quatro mulheres para cada dez pessoas em

uma partida. Para João Nilson, as mulheres trazem „‟beleza e elegância à arena‟‟, e o

Avaí tem como objetivo valorizar a mulher catarinense que acompanha a equipe.

Uma iniciativa curiosa e que não está necessariamente vinculada ao futebol foi a

parceria com o estúdio fotográfico A3, no qual as torcedoras podem fazer books com

descontos. Os torcedores homens também podem usufruir desse benefício, ainda que

a iniciativa seja voltada ao público feminino.

Esses números altos também são vistos quando se fala do Grêmio, o seu

quadro de sócio-torcedoras já conta com 20 mil participantes mulheres (item 2.5.). O

clube ainda contou com uma iniciativa vinda das próprias torcedoras, que formaram o

Núcleo de Mulheres Gremistas (item 2.5.), de maneira que essa comunicação entre

clube e a torcida feminina estivesse mais presente. De acordo com elas, o clube tem se

preocupado em qualificar a segurança e as condições de higiene dos estádios, bem

como oferecer uma maior variedade de produtos femininos com a marca do clubes,

que contribui para o processo de fidelização das torcedoras.

Um problema, porém, que ainda é observado, é a questão da participação da

mulher nas esferas de gestão e administração do Grêmio, pois o preconceito dos

dirigentes e grupos políticos do clube ainda é forte, o que pode ser comprovado quando

se observa a formação do Conselho Deliberativo do Grêmio, que possui 320 cadeiras e

apenas 4 mulheres que integram esse órgão.

O Grêmio chegou inclusive a estruturar um projeto pioneiro de criação do

Departamento da Mulher Gremista, que abriria „‟um espaço físico e administrativo

43

AMARAL, Flávio. Ação do Avaí promete levar mulheres para a Ressacada. Lance!NET, março de 2011. Disponível em: http://www.lancenet.com.br/avai/Avai_0_437356501.html#ixzz1wDGvAapH Acesso em: maio 2012

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83

dentro do clube voltado exclusivamente para receber e valorizar a participação da

mulher na vida esportiva, social e política do clube‟‟, mas que não se desenvolveu

devido ao pouco interesse dos dirigentes que comandavam o Grêmio na época. Para

elas, a criação desse departamento seria a forma mais eficiente de aproximar e trazer

novas torcedoras:

„‟Este departamento teria todo seu foco voltado para estudar e analisar o perfil da mulher torcedora, propiciando assim, que fosse desenvolvidas ações específicas, voltada para este nicho que ainda é tão pouco explorado pelos clubes de futebol. Outro aspecto relevante é que este Departamento da mulher poderia ainda, desenvolver atividades voluntárias de cunho social que, com certeza, trariam mais projeção ao clube.

44‟‟

Ainda que sejam necessários avanços entre a relação do clube com as

torcedoras, o Núcleo de Mulheres Gremistas conseguiu obter prestígio e respeito por

parte da diretoria do Grêmio, o que faz com que a questão feminina seja mais presente

no clube.

O vice-presidente de serviços especializados do Internacional, Luciano Busatto

Davi, afirmou que o clube também está montando uma comissão feminina. O

Internacional inaugurou, em 2007, o Espaço Mulher Colorada no Beira-Rio. Ele dá

atenção ao lado social do clube, servindo como um local de convívio das torcedoras

com cursos, palestras, e encontro delas, que ali podem organizar atividades como

visitas regulares a instituições e hospitais, para dar apoio e levar brindes do clube às

mães coloradas e aos bebês. No dia das mães, organizaram um tour especial pelo

Beira-Rio e um almoço de confraternização. O espaço também dá apoio às esposas

dos jogadores recém-contratados.

44

JACQUES, Marisa. Entrevista concedida por e-mail no dia 28/05/2012

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84

Além disso, o Internacional promoveu mudanças para oferecer mais conforto e

segurança para as suas torcedoras que frequentam o estádio. Banheiros amplos, bem

iluminados e com espelhos, fraldários e mais câmeras de segurança foram algumas

das mudanças que ajudaram o clube a ampliar o número de sócio-torcedoras, que hoje

representa 22% do quadro geral (item 2.5.).

Imagem 18: Espaço da Mulher Colorada leva mães para visitarem o Beira-Rio e comemorar o dia das mães.

Imagem 19: Banheiros femininos reformardos no Beira-Rio, estádio do Internacional (RS)

Page 85: Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

85

O Figueirense, para chamar a sua torcedora ao estádio, elaborou uma

modalidade de associação exclusiva para elas, com 33% de desconto nas

mensalidades. Em 2009, o clube já contava com mais de mil sócias, e com 25% a 30%

de seus assentos ocupados por mulheres em dias de jogo45.

De acordo com o ouvidor da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ronald

de Almeida, medidas devem ser tomadas para que as mulheres frequentem mais os

estádios:

„‟O incentivo à presença das torcedoras nos estádios de futebol é um dos fatores fundamentais para dinamizar a economia do futebol em geral e, sobretudo, para ensejar mais paz nos estádios e, por certo, mais charme e beleza, como vemos nos torneios de hipismo, tênis, vôlei, golf e fórmula 1, dentre tantos outros de alto nível‟‟, diz Ronald.‟‟

46

Estima-se que hoje 6% das mulheres brasileiras com mais de 16 anos vão ao

estádio47 e, para aquelas que não frequentam, os principais obstáculos são o

desconhecimento, o medo da violência e a falta de estrutura.

A participação da mulher no futebol nesse sentido, porém, vai além da

mobilização dos clubes. Prover condições e incentivos para que a mulher vivencie o

lazer através da participação em partidas de futebol é, segundo Campos (2010), uma

questão que demanda também a elaboração de políticas públicas. Ela ressalta que

essas políticas estão em construção sob diversos aspectos – saúde, segurança,

direitos morais, civis, sexuais e políticos mas que falta um olhar aprofundado quando

se fala de lazer. Este último, em teoria, está garantido pela Constituição Federal de

1988, mas será que, em se falando de espetáculo esportivo, são oferecidas as

condições necessárias para a participação da mulher? Será que apenas a influência da

45

RUY, Karine. Mulheres invadem estádios de futebol. Portal Futebol Feminino, março de 2009. Disponível em: http://www.portalfutebolfeminino.com/index.php/campo/mulheres-invadem-estadios-de-futebol Acesso em: maio 2012 46

Idem 47

Idem

Page 86: Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

86

mídia e dos negócios, como foi falado até agora, são suficientes para que essa questão

seja resolvida? De acordo com a autora (2010):

„‟(In)felizmente, muitas vezes, as mudanças no comportamento humano ocorrem via leis e decretos que fazem cumprir as reinvindicações de grupos sociais, daí a necessidade de políticas públicas adequadas a todos os segmentos da população, já que as estruturas sociais e culturais não são mudadas de uma hora pra outra, mesmo que por meio de decretos (CAMPOS,

2010, p.12)‟‟ .

Para que isso aconteça, porém, é também necessário que sejam feitas

pesquisas mais aprofundadas, afim de entender quem são essas mulheres, e qual a

melhor maneira de incluí-las no espetáculo esportivo.

4.2. Nos produtos

Como já foi exemplificado no decorrer do trabalho, uma das formas mais

comuns de consumo é a compra de produtos que estejam associados à organização

esportiva; nesse caso, ao clube de futebol. O mais comum são as camisas oficiais, mas

hoje essa oferta se expandiu e são oferecidos produtos de inúmeras categorias, que

ajudam o torcedor a construir aumentar o seu sentimento de pertencimento ao clube.

De olho no crescente mercado feminino, esse é o aspecto mais consolidado

quando se fala de marketing esportivo, pois a maioria dos clubes brasileiros já ampliou

o seu portfólio para as torcedoras.

No Avaí (SC), estão incluídos na estratégia os mais diversificados produtos. São

oferecidas duas opções de baby look nas lojas oficiais do clube, além de calça legging

Page 87: Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

87

e bermuda. De acordo com o gerente das lojas oficiais do Avaí, Bruno Koerich de

Paula, o público feminino é mais exigente que o masculino48.

No final de 2011, o clube lançou uma linha exclusiva de roupas femininas com

marca do Avaí, e promete aumentar a oferta com uma nova coleção em 2012/2013 de

mais de 30 produtos em parceria com a Fanatic, lançada no maior evento de moda de

Santa Catarina, com a participação do presidente e dos principais atletas do clube,

tanto na plateia como na passarela.

Além das roupas, possuem uma coleção de bijuterias , e tem em seus planos o

lançamento de perfumes e kits de maquiagem. Hoje são mais de 1.700 produtos

licenciados, e a categoria de produtos femininos sempre esteve presente com

inovações.

Já segundo João Basílio, gerente da Grêmio Mania do Olímpico, cerca de 40%

do faturamento da loja é oriundo da venda de artigos femininos, sendo que há dez anos

ele não chegava nem a 1% (item 2.5.). O site, assim como de tantos outros clubes,

possui uma seção „‟feminina‟‟, com a oferta de inúmeros produtos, que vão desde a

linha oficial, até acessórios como sacolas, necessaire, porta-batom, bolsas e mini-

bolsas, além de biquínis, roupas íntimas, calçados, jaquetas, e óculos de sol femininos.

Entusiasmado com a participação feminina nas vendas, o diretor executivo de

marketing do Grêmio, Paulo César Verardi, no lançamento do quarto uniforme, trouxe

48

Idem ao 3

Imagem 20 e 21: camisa baby look do Avaí e bijuteria feminina de pele para as torcedoras

Page 88: Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

88

uma „‟inovação‟‟ para as torcedoras, um shorts com modelagem especial, a exemplo da

camiseta.

Na loja Inter Sport do Beira-Rio, segundo o gerente Gilberto Lopes Ferreira, a

proporção de consumidoras é a mesma que na Grêmio Mania, e com isso cresce a

preocupação em oferecer produtos variados e de qualidade para elas, a começar pelas

camisas femininas do Inter para torcedoras. O Figueirense não ficou para trás e hoje

oferece cinco modelos de baby look e camisetas com corte especial para elas.

Essa oferta, porém, não se restringe ao sul, e é observada por todo o Brasil. Na

loja do Sport Recife, 30% da clientela é feminina, e isso se reflete em produtos49. Em

São Paulo, clubes como Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Santos oferecem além

das camisas oficiais tipo baby look, camisetas com modelagem feminina para o dia a

dia, agasalhos, calças, bijuterias e moda íntima.

49 Reportagem Bom dia Brasil. Mulheres fanáticas por futebol lotam estádios e têm torcida própria. Disponível em: http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2012/03/mulheres-fanaticas-por-futebol-lotam-estadios-e-tem-torcida-propria.html Acesso em: maio 2012

Imagem 22 e 23: agasalhos como o do São Paulo e pijamas como o do Santos são alguns dos produtos que hoje são oferecidos às mulheres pelos clubes

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89

O Vasco da Gama (RJ) lançou, para comemorar o dia dos namorados de 2012,

uma linha exclusiva de lingerie para as vascaínas. As nove peças foram feitas em

parceria com a empresa Sapeka, segundo a gerente de licenciamento do Vasco, Flávia

Mayrink, para que „‟as vascaínas se sintam bonitas ao usar os produtos‟‟. A garota

propaganda foi a atriz Desirée Oliveira, que é torcedora do clube, e o making of da

campanha foi publicado na VascoTV.

Pouco tempo depois, o Corinthians também anunciou uma parceria com a marca

Sapeka, e lançou sua própria linha de lingerie para as torcedoras do clube, tendo como

garotas-propaganda as irmãs gêmeas que foram eleitas musa e rainha da Gaviões da

Fiel. As peças foram colocadas à venda na megaloja do Poderoso Timão do Parque

São Jorge, e também no site da marca de lingerie.

Apesar da aparente evolução, observou-se, pela análise dos sites das equipes

citadas acima, que a oferta de produtos femininos ainda é muito menor que a de

masculinos, e que essas confecções nem sempre são feitas tendo como base a real

necessidade das mulheres, já que é considerável – 65%50 - a parcela que diz sentir a

falta de produtos ligados a futebol desenvolvidos para elas. De acordo com Hartmut

Zastrow, diretor-executivo da empresa de consultoria esportiva Sport+Markt,

comprovou-se através de pesquisa realizada em 21 países (incluindo o Brasil), que, na

média, as mulheres fãs de futebol consomem mais produtos ligados ao esporte do que

os homens, ainda que muitos clubes e campanhas ainda não explorem isso: „‟Os

clubes e as campanhas ainda não exploraram esse mercado, que tem muito potencial.

Acreditamos que as grandes marcas do mundo fashion, acessórios e joias, por

exemplos, poderiam trabalhar o futebol como tema de suas campanhas de

comunicação.‟‟, declarou Zastrow em entrevista.

Uma iniciativa curiosa que não está ligada a nenhum clube foi a do estilista

Edson Eddel que, aproveitando-se da temática futebol para vender seus produtos,

desenhou vestidos de noiva temáticos, que poderiam ser usados como segunda opção,

após o vestido tradicional. Ao que tudo indica, porém, algumas torcedoras se animaram

50

Pesquisa Sophia Mind, junho de 2010. Disponível em: http://www.sophiamind.com/pesquisas/consumo-pesquisas/futebol-uma-paixao-nacional/ Acesso em: maio 2012

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90

para entrar vestidas com ele já na igreja. Segundo o criador, a noiva brasileira estava

sem opções criativas, e as lojas só ofereciam as mesmas opções de sempre, por isso a

ideia de inovar.

Os vestidos custam R$ 24 mil, mas quem desejar somente alugar pode fazê-lo

por R$ 12 mil na primeira locação, e R$ 8 mil da segunda em diante51.

4.3. Nas datas comemorativas

A maior parte dos clubes brasileiros se aproveita de datas dedicadas às

mulheres (dia internacional da mulher, dia das mães) para cativar o público feminino

com ações pontuais. Desde pequenas homenagens até concursos e premiações, essa

são as datas na quais são encontradas mais ações. Uma das alternativas mais

tradicionais é a não-cobrança pelo ingresso feminino, ou o desconto na compra.

O Grêmio, pensando no dia das mulheres, fez uma série de ações de

comemoração. Incluiu na sua homenagem a leitura da escalação feita pela cantora

Vanessa Marques, da famosa dupla gaúcha Claus e Vanessa , e o telão do estádio

apresentou o vídeo com a música „‟Mulher‟‟, do Erasmo Carlos. Os jogadores foram

acompanhados por 22 mulheres na entrada em campo, tradicionalmente feita com

crianças. A loja Grêmio Mania deu 20% de desconto às torcedoras; as sócias que

foram ao quadro social ganharam flores e, as cem primeiras a chegarem, maquiagem.

Por último, o departamento de marketing deu ao Núcleo de Mulheres Gremistas a

oportunidade de uma visita as obras da Arena do Grêmio, que está em construção.

O Avaí lançou o concurso chamado „‟Que sentimento é esse?‟‟, no qual

torcedoras deveriam enviar a resposta à pergunta com uma foto que demonstrasse o

seu amor pelo Leão da Ilha, caracterizada com camisa, bandeiras ou cores do time. A

torcedora que melhor conseguiu representar esse sentimento foi premiada com um

51

Reportagem Rede Record. Estilista lança vestidos de noiva temáticos de futebol, maio de 2012. Disponível em: http://rederecord.r7.com/video/estilista-lanca-vestidos-de-noiva-tematicos-de-futebol-4fc649e26b713616c5505477/ Acesso em: maio 2012

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91

book digital do Stúdio A3 e um superposter, um kit com produtos licenciados do Avaí -

uma regata feminina, um creme ou shampoo, um espelho de maquiagem, uma lixa de

unha, uma canga e um biquíni – e uma blusa exclusiva que ainda não havia chegado

nas lojas. As outras quatro melhores ganharam o kit e, em uma extensão da promoção

no Facebook, duas torcedoras que tiveram suas fotos e mensagens com o maior

número de „‟curtir‟‟ receberam duas camisas oficiais.

As funcionárias do clube também foram homenageadas com café da manhã

especial, rosas e mensagens de agradecimento pela dedicação ao clube. O evento foi

organizado pela diretoria Social do Avaí, e contou com a participação com presidente

do clube, João Nilson Nizuno.

O Atlético-PR também preparou uma série de ações para todas as mulheres que

estavam em contato com o clube. As colaboradoras receberam rosas com a

mensagem "Hoje os olhares se voltam para quem traz mais beleza e força para o

nosso Furacão. Feliz Dia das Mulheres", e 22 sócias foram sorteadas para entrarem

com o time em campo, ganhando brindes pela iniciativa. Os jogadores entraram com

uma faixa em homenagem a elas. O clube ainda enviou mensagens de agradecimento

a todas as esposas dos jogadores. A última ação foi um pacote de preços especiais

Imagem 24: vencedoras da promoção „‟Que sentimento é esse?‟‟, lançada pelo Avaí para o dia internacional das mulheres de 2012, recebem os prêmios

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92

para sócias na compra de produtos oficiais do clube. Entre os dias 9 e 12 de março, as

torcedoras pagavam 15% a menos nas lojas da equipe.

O Vasco fez uma ação chamada „‟Mulheres apaixonadas‟‟, na qual as sócio-

torcedoras deveriam enviar uma frase dizendo „‟Eu sou apaixonada pelo Vasco

porque..‟‟. As vinte vencedoras poderiam assistir a partida contra o Duque de Caxias na

Tribuna de Honra do clube, ao lado do presidente do clube, Roberto Dinamite, e ainda

levar um acompanhante.

O Corinthians, assim como outros clubes, elaborou uma série de ações virtuais,

aproveitando-se da forte participação das torcedoras nas redes sociais. Foi feito um

mosaico com fotos de torcedoras corintianas e uma mensagem especial no site, um

papel de parede alusivo à data, uma galeria com fotos enviadas pelas torcedoras, e

posts nas redes sociais com mensagens de parabéns. Foi lançado um concurso

cultural no Facebook, no qual a torcedora que tivesse a foto mais votada ganhava um

par de ingressos para a partida entre a equipe e o Guarani. Para o dia das mães, mais

posts especiais e mosaico com fotos das mães corintianas.

O Flamengo, em homenagem ao dia internacional da mulher, deu uma rosa para

as sócias que estiveram na Gávea, e as funcionárias ganharam uma camiseta feita

especialmente para a data.

Imagem 25 e 26: ações do Corinthians (SP) nas redes sociais para o dia das mães e para o dia internacional das mulheres

Page 93: Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

93

No Coritiba, quarenta sócias tiveram a oportunidade de tomar um café da manhã

exclusivo e conversar com o presidente Vilson Ribeiro de Andrade, e o superintendente

de futebol, Felipe Ximenes.

Ações de outros clubes ou de anos anteriores envolveram mecanismos

semelhantes, nos quais torcedoras concorriam a ingressos para partidas especiais, ou

a lugares privilegiados no estádio, tratamento VIP, produtos licenciados, e funcionárias

eram homenageadas com pequenos eventos, mensagens e até mesmo produtos

(como camisetas especiais).

Como foi visto no capítulo anterior, ações desse tipo são válidas para se

comunicar com o público feminino, mas ela não pode ser um caso isolado, e sim fazer

parte de uma estratégia de comunicação constante e através de diferentes níveis, para

que as torcedoras a percebam e respondam através do usufruto do produto esportivo

(que seja o espetáculo ou o merchandising).

4.4. Na web

No capítulo 3 também foi mostrado o porquê de a web ser uma poderosa

ferramenta para se comunicar a figura feminina, principalmente quando se fala de

meios que possibilitam a interação, como são chats, e-mails e, mais recentemente, as

redes sociais.

Ainda que a participação das torcedoras na rede seja percebida pelos clubes,

não foram encontradas muitas ações nesse sentido. Tanto clubes do sul como de

outras regiões não possuem conteúdo direcionado ao público feminino, sendo que essa

é uma oportunidade de baixo custo e efetiva para estreitar o relacionamento entre as

duas partes.

Uma iniciativa que só foi encontrada no site do Atlético-PR foi um espaço com

conteúdo exclusivo para mulheres no seu site oficial. Segundo descrição do próprio

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94

site, o canal foi criado para que „‟a torcedora atleticana possa argumentar, sugerir,

comentar e contribuir com o futebol do seu clube‟‟52.

No espaço, são publicadas histórias de torcedoras como Dayane Cordeiro, que

perdeu o vestibular para poder ver seu time jogar a primeira partida da final do

campeonato brasileiro de 2001 contra o São Caetano, e de Shayenne Santos, que

conta de onde vem a sua paixão pelo Furacão.

Além disso, são publicados textos com assuntos que podem interessar ao

público feminino, falando sobre moda, saúde, bem-estar e alimentação. Uma das

matérias, por exemplo, une moda ao futebol, e dá dicas de looks para as torcedoras

usarem com a camisa oficial do clube.

Na segunda metade de 2011, o „‟Espaço Mulher CAP‟‟ foi também para o

facebook, e hoje conta mais de 1.700 seguidoras, que recebem dicas de receitas,

52

Site Oficial Clube Atlético Paranaense. Disponível em: http://www.atleticoparanaense.com/mulher/torcida_feminina.html Acesso em: maio de 2012

Imagem 27 e 28: reportagem feita para torcedoras atleticanas (PR) na seção „‟mulher‟‟ do site oficial mostra como usar as camisas do time com peças do dia a dia

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95

beleza, bem-estar, e que também podem acompanhar as promoções e as novidades

do seu time do coração.

Todas ações listadas acima suprem algum tipo de necessidade da consumidora

mulher, seja ela diretamente ligada ao futebol ou não – informações claras, incentivo

para participar do contexto esportivo, valorização de interações sociais, cuidado com a

segurança da família e da própria torcedora, oferecimento descontos e promoções,

entre outras. O principal problema está no fato de, para a maioria dos clubes, isso ser

algo pontual e isolado, sem que exista uma estratégia com um conjunto de ações para

desenvolver essa questão, como aconteceu nos Estados Unidos com as ligas de

futebol e beisebol americanas, o que dificulta que a participação da torcedora mulher

no território do futebol cresça rapidamente e se consolide.

Page 96: Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

96

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Transformações tecnológicas e sociais moldaram, ao longo da história, o papel

de homens e mulheres dentro da sociedade. Durante muito tempo, ambos os gêneros

tiveram os seus espaços muito bem definidos: enquanto ao homem pertencia a esfera

pública, à mulher ficavam destinados o cuidado da casa. É portanto, natural, que

muitas das concepções criadas nessa primeira esfera (pública) tenham sido moldadas

por ideais quase que exclusivamente masculinos, como é o caso dos esportes.

Modalidades como o futebol foram desenvolvidas pensando na educação e no

lazer dos meninos e homens da época, e por muito anos as mulheres foram impedidas

de entrar nele. A aparição mais bem aceita da figura feminina no espetáculo esportivo

sempre foi justamente na assistência, mas conforme o futebol se populariza e vira

negócio, ela também é colocada de lado nessa esfera. Comunicação, produtos e

estádios, foram todos feitos por homens e para homens, ideia que permaneceu por

muito tempo „‟intacta‟‟.

Inegável dizer, porém, que o movimento feminino sempre existiu. Seja por

aquelas que reivindicam direitos no trabalho, na política, seja por aquelas que se

atentavam ao lazer e burlavam leis e preconceitos para poderem jogar bola, fazer parte

de organizadas ou trabalhar com o futebol. Esse movimento social como um todo

ganhou força, e a mulher ganhou mais possibilidades de escolha na sua vida, assim

como mais responsabilidades, como um maior poder de influência nos seus núcleos

familiares.

Atentos a isso, a esfera do futebol e da mídia começaram a explorar a figura

feminina, mostrando mais mulheres nos estádios - sozinhas, com seus maridos e filhos,

- lançando mais conteúdo na TV voltado para elas, produtos licenciados que agradem

as mulheres e camisas de time femininas.

São dois os benefícios buscados nesse movimento: o primeiro é social, pois com

a presença de mais famílias nos estádios, o espetáculo tende a se tornar mais pacífico;

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97

o segundo é claramente econômico, pois esse passa a ser um público estratégico à

medida que ele não só consome o produto esportivo como tem o poder de influenciar

os investimentos em lazer feitos pela sua família.

Apesar de todo esse discurso existir, isso não quer dizer a torcedora mulher é

vista como parte estratégica de muitos clubes, pois a desconfiança de que ela seja um

público válido para investimento ainda existe, já que a maioria dos consumidores de

futebol ainda é indiscutivelmente masculina. Soma-se a toda essa questão o fato de a

profissionalização do futebol no Brasil ser tardia e ainda precária em muitas regiões do

País.

Em países como os Estados Unidos, onde o espetáculo esportivo está mais

desenvolvido, é mais fácil achar pesquisas de mercado sobre o tema, e a segmentação

da estratégia de marketing esportivo por gêneros mesmo em modalidades

consideradas inicialmente masculina, como é o caso do futebol americano e do

beisebol, é mais comum.

Nos últimos anos, algumas pesquisas na área têm sido lançadas, e as mulheres

são frequentemente citadas por consultores esportivos como um público importante

para o universo do futebol. Ainda assim, faltam pesquisas na área, para que se possa

traçar um perfil mais detalhado das torcedoras mulheres, que consiga entender o

envolvimento delas com o time, e a real necessidade das torcedoras quando se fala de

consumo esportivo.

É importante que todo esse processo de inclusão seja feito levando em

consideração as diversas frentes de atuação no futebol, sendo o próprio trabalho com

marketing esportivo uma delas. Isso porque uma das maneiras de conhecer o público

feminino é fazendo com que mulheres também participem do processo de pesquisa e

planejamento de estratégias do território do futebol, que foi formado e se desenvolveu

por muito tempo baseado somente em concepções masculinas.

Page 98: Do salto alto ao bandeirão. A relação entre as torcedoras mulheres e os clubes de futebol

98

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