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I SIMBOV I Simpósio Matogrossense de bovinocultura de corte DO PRODUTOR AO CONSUMIDOR: INFLUÊNCIA DA NUTRIÇÃO SOBRE A QUALIDADE DA CARNE BOVINA Marcio Machado Ladeira 1 , Mario Luiz Chizzotti 1 , Otávio Rodrigues Machado Neto 1 , Dalton Mendes de Oliveira 1 , Leandro Samia Lopes 1 , Eduardo Mendes Ramos 2 1 Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Lavras UFLA; 2 Departamento de Ciência de Alimentos da Universidade Federal de Lavras - UFLA 1- Introdução Atualmente, em várias regiões do mundo, os consumidores estão cada vez mais exigentes quanto à qualidade dos alimentos e informados da relação entre dieta e saúde. Portanto, a Zootecnia moderna deve se preocupar ainda mais com a qualidade dos alimentos produzidos, dando preferência por aqueles mais saudáveis. Devido à sua composição lipídica, constituída em grande parte pelos ácidos graxos saturados (AGS), a carne bovina é considerada uma das carnes com maior efeito prejudicial à saúde humana. Entretanto, tem sido amplamente demonstrado que ácidos graxos insaturados AGI de cadeia longa participam de vários processos metabólicos benéficos à saúde humana (Cook et al., 2001; Varela et al., 2004) e que as gorduras da carne de animais ruminantes são fontes naturais de alguns desses ácidos graxos, como o ácido oleico e os isômeros de CLA, em particular o C18:2 cis-9, trans-11 (French et al., 2000). No entanto, apenas os aspectos negativos são ressaltados por grande parte dos profissionais de saúde e pela mídia de massa, ignorando-se a importância da carne bovina como um dos componentes de uma dieta saudável. A estratégia dos pesquisadores para aumentar a concentração dos ácidos graxos benéficos na carne bovina está em tentar manipular a biohidrogenação ruminal dos AGI, com o intuito de reduzir a concentração dos AGS e alguns ácidos graxos trans. A literatura cita que isto pode ser alcançado por meio da utilização de fontes de lipídeos na dieta. Entretanto, quais as melhores fontes para esta manipulação ainda não estão bem descritas. Neste artigo serão abordados os principais fatores ligados ao metabolismo de lipídeos no ruminante e como estes podem influenciar a qualidade da carne bovina. Para tanto, serão apresentados alguns resultados

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I SIMBOV – I Simpósio Matogrossense de bovinocultura de corte

DO PRODUTOR AO CONSUMIDOR: INFLUÊNCIA DA NUTRIÇÃO SOBRE A

QUALIDADE DA CARNE BOVINA

Marcio Machado Ladeira1, Mario Luiz Chizzotti1, Otávio Rodrigues Machado

Neto1, Dalton Mendes de Oliveira1, Leandro Samia Lopes1, Eduardo Mendes

Ramos2

1 Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Lavras – UFLA; 2 Departamento de Ciência de Alimentos da Universidade Federal de Lavras - UFLA 1- Introdução

Atualmente, em várias regiões do mundo, os consumidores estão cada

vez mais exigentes quanto à qualidade dos alimentos e informados da relação

entre dieta e saúde. Portanto, a Zootecnia moderna deve se preocupar ainda

mais com a qualidade dos alimentos produzidos, dando preferência por

aqueles mais saudáveis.

Devido à sua composição lipídica, constituída em grande parte pelos

ácidos graxos saturados (AGS), a carne bovina é considerada uma das carnes

com maior efeito prejudicial à saúde humana. Entretanto, tem sido amplamente

demonstrado que ácidos graxos insaturados AGI de cadeia longa participam de

vários processos metabólicos benéficos à saúde humana (Cook et al., 2001;

Varela et al., 2004) e que as gorduras da carne de animais ruminantes são

fontes naturais de alguns desses ácidos graxos, como o ácido oleico e os

isômeros de CLA, em particular o C18:2 cis-9, trans-11 (French et al., 2000).

No entanto, apenas os aspectos negativos são ressaltados por grande parte

dos profissionais de saúde e pela mídia de massa, ignorando-se a importância

da carne bovina como um dos componentes de uma dieta saudável.

A estratégia dos pesquisadores para aumentar a concentração dos

ácidos graxos benéficos na carne bovina está em tentar manipular a

biohidrogenação ruminal dos AGI, com o intuito de reduzir a concentração dos

AGS e alguns ácidos graxos trans. A literatura cita que isto pode ser alcançado

por meio da utilização de fontes de lipídeos na dieta. Entretanto, quais as

melhores fontes para esta manipulação ainda não estão bem descritas.

Neste artigo serão abordados os principais fatores ligados ao

metabolismo de lipídeos no ruminante e como estes podem influenciar a

qualidade da carne bovina. Para tanto, serão apresentados alguns resultados

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de pesquisas desenvolvidas na Universidade Federal de Lavras sobre o tema.

Por fim, também será abordado como o conteúdo de gordura intramuscular da

carne também pode ser influenciado pela nutrição do animal.

2- Biohidrogenação ruminal

Animais ruminantes alimentados com dietas convencionais normalmente

consomem limitadas quantidades de lipídeos. No entanto, a utilização de

lipídeos em dietas de ruminantes permite o aumento da concentração

energética da dieta dos animais. Ácidos graxos produzem mais energia que os

demais nutrientes orgânicos, quando metabolizados pelo animal. Segundo o

NRC (2000) o valor energético de fontes lipídicas é no mínimo duas vezes

superior aos observados para grãos de cereais.

A gordura dietética afeta direta e indiretamente a produção ruminal de

ácidos graxos voláteis, a digestibilidade da dieta e o suprimento de ácidos

graxos para o animal. As ligações éster existentes entre ácidos graxos e o

glicerol são hidrolisadas de maneira rápida e extensiva pelas enzimas

microbianas lipolíticas no rúmen, tendo como consequência a formação de

ácidos graxos livres e glicerol (Jenkins, 1993). O glicerol oriundo desta hidrólise

pode então ser metabolizado pelos micro-organismos ruminais para produzir

ácidos graxos voláteis (Nagaraja et al., 1997).

Os AGI livres, liberados como consequência da hidrólise microbiana,

podem exercer efeitos antimicrobianos no ambiente ruminal (Palmquist &

Jenkins, 1980), o que resultaria em alterações da proporção molar dos ácidos

graxos voláteis (Doreau & Chilliard, 1997). Para reduzir os efeitos tóxicos dos

AGI os micro-organismos ruminais utilizam a biohidrogenação ruminal (Figura

1), sendo que o ácido esteárico (C18:0) é formado ao término das reações

(Jenkins, 1993). Todavia, o acúmulo de ácido linoleico no ambiente ruminal

pode inibir a biohidrogenação completa (Jenkins & Adams, 2002).

Dessa forma, a suplementação da dieta de bovinos com ácidos graxos

insaturados pode aumentar a passagem destes para o intestino delgado, o que

possibilita maior absorção e possibilidade de alteração do perfil de ácidos

graxos da carne destes animais. Os ácidos graxos de cadeia longa não são

utilizados como fonte de energia pelos micro-organismos ruminais, sendo que

os ácidos graxos oriundos da dieta apenas sofrem transformação

(biohidrogenação) pela ação destes. A quantificação dos ácidos graxos que

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atingem o duodeno para posterior absorção é de grande importância para que

se possa estimar a transferência destes para os tecidos (Merchen et al., 1997).

As taxas de lipólise e biohidrogenação irão depender da quantidade e do

tipo de fonte lipídica fornecida aos animais (Beam et al., 2000) e do pH ruminal

(Van Nevel & Demeyer, 1996). No entanto, o grau médio de biohidrogenação

ruminal é de 70%, podendo variar de 60 a 90% (Zinn et al., 2000).

O ácido linoleico conjugado (C18:2 cis-9, trans-11), produzido como

consequência da biohidrogenação incompleta do ácido linoleico, tem sido alvo

de muitos estudos e efeitos benéficos do seu uso têm sido relatados. Entre

estes, podemos destacar a prevenção de câncer, redução de aterosclerose,

melhoria da resposta imune além de modificações do metabolismo protéico e

energético (Whigham et al., 2000; Belury, 2002; Pariza, 2004; Palmquist et al.,

2005).

cis-9, cis-12, cis-15 – 18:3

cis-9, trans-11, cis-15 – 18:3

trans-11, cis-15 – 18:2

cis-15 e trans-15 18:2 trans-11 18:1

18:0

cis-9, cis-12 18:2

cis-9, trans-11 18:2

trans-11 18:1

Figura 1. Rotas de biohidrogenação dos ácidos α-linolênico (A), linoleico (B) e

oleico (C). Adaptado de Harfoot & Hazlewood (1988).

(A)

(B) (C)

cis-9 – 18:1 trans- 18:1

18:0

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O C18:2 cis-9, trans-11, está presente em maiores concentrações nos

produtos oriundos de ruminantes, sendo que em produtos oriundos de não-

ruminantes sua concentração é irrisória. Este fenômeno ocorre devido ao fato

de que para a sua síntese, há necessidade de ação das bactérias ruminais

sobre o ácido linoleico. O C18:2 cis-9, trans-11 é considerado o principal

isômero de CLA com benefícios sobre a saúde humana (Pariza, 2004). Além

disso, o ácido graxo C18:1 trans-11 (ácido vaccênico), que também é um

intermediário da biohidrogenação dos ácidos linoleico e linolênico, é substrato

para a formação de C18:2 cis-9, trans-11 no tecido adiposo do animal. Desta

forma, estratégias que possibilitem o aumento no fluxo de ácido vaccênico para

o intestino delgado e sua posterior absorção colaboram de forma decisiva para

o aumento da concentração de CLA na carne bovina.

2.1- Principais micro-organismos envolvidos na biohidrogenação.

A bactéria ruminal Butyrivibrio fibrisolvens foi identificada como um

importante micro-organismo envolvido na biohidrogenação de ácidos graxos e

síntese de C18:2 cis-9, trans-11 e C18:1 trans-11, durante o processo de

biohidrogenação do ácido linoleico (Polan et al., 1964; Kepler et al., 1966).

Entretanto, esta bactéria não está envolvida na formação de ácido esteárico a

partir do ácido linoleico. A maioria das bactérias isoladas do rúmen por Kemp et

al. (1975) convertiam ácido linoleico até C18:1, principalmente trans-11, tendo

sido então denominadas como “Grupo A” por este autor. Bactérias que tinham

a capacidade de produzir ácido esteárico foram denominadas de bactérias do

“Grupo B”, sendo que algumas espécies envolvidas nesta etapa da

biohidrogenação foram identificadas por Kemp et al. (1975) como sendo

Fusocillus spp. Mais recentemente, van de Vossenberg & Joblin (2003)

isolaram de uma vaca em sistema de pastejo, uma bactéria que também

poderia formar ácido esteárico a partir de ácido linoleico, sendo que esta era

fenotipicamente semelhante ao gênero Fusocillus e filogeneticamente próxima

de Butyrivibrio hungatei.

Maia et al. (2006) realizaram experimentos com o objetivo de avaliar a

importância quantitativa de diferentes espécies microbianas na

biohidrogenação ruminal e também para identificar as bactérias mais

importantes na conversão de ácido vaccênico à ácido esteárico. Onze das 26

espécies de bactérias ruminais predominantes no meio, metabolizaram o ácido

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linoleico de forma substancial, aparentemente através de várias rotas

possíveis. O produto oriundo da biohidrogenação do ácido linoleico mais

comumente observado foi o ácido vaccênico, que foi produzido por três

linhagens de Butyrivibrio e 2 linhagens de Clostridium proteoclasticum. No

entanto, somente C. proteoclasticum, produziu C18:0. Uma vez que o ácido

vaccênico é formado a partir do C18:2 cis-9, trans-11, bactérias que produzem

ácido vaccênico, devem também ser consideradas produtoras deste isômero

de CLA. Apesar de sua nomenclatura, o C. proteoclasticum tem muitas

características semelhantes ao gênero Butyrivibrio.

Wallace et al. (2006) avaliaram a capacidade de bactérias em

metabolizar o ácido linoleico, tendo verificado que apenas um pequeno grupo

de bactérias que produzem CLA e acido vaccênico são capazes de produzir

ácido esteárico. Neste trabalho os autores verificaram que as bactérias

produtoras de ácido esteárico eram morfologicamente semelhantes ao gênero

Fusocillus além também de apresentar propriedades metabólicas próximas das

observadas neste gênero. Através de análises filogenéticas, essas bactérias

foram identificadas como sendo Clostridium proteoclasticum.

Em relação aos protozoários, pode-se afirmar que cerca de metade da

biomassa microbiana ruminal é composta por estes micro-organismos (Williams

& Coleman, 1992) e que aproximadamente 75% dos ácidos graxos microbianos

ruminais estão contidos neles. Diante disso, pode-se inferir que estes micro-

organismos representam uma importante fonte de ácidos graxos poli-

insaturados, ácido linoleico conjugado e ácido vaccênico.

Os fungos anaeróbicos ruminais são os micro-organismos em menor

concentração no ambiente ruminal. No entanto, estes têm grande importância

no metabolismo ruminal devido à sua grande atividade celulolítica (Wilson &

Wood, 1992). Segundo Kemp et al. (1984), o fungo Pyromices communis tem a

capacidade de converter ácido esteárico em ácido oleico. Estes autores

incubaram P. communis em um meio com os ácidos linoleico e oleico e

observaram a formação de ácidos conjugados. Maia et al. (2006) cultivaram

duas espécies de fungos ruminais: P. communis e Neocallimastix frontalis em

um meio com 50 μg/mL de ácido linoleico e observou que não houve

crescimento de P. communis no meio, no entanto o fungo N. frontalis

metabolizou cerca de 50% do ácido linoleico presente no meio, produzindo

C18:2 cis-9, trans-11. No entanto, a capacidade deste fungo em formar CLA é

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muito baixa quando comparada à atividade observada para a bactéria B.

fibrisolvens.

2.2- Digestibilidade ruminal dos nutrientes

O efeito da suplementação com lipídeos sobre a digestibilidade ruminal

dos nutrientes tem sido extensivamente relatado na literatura, principalmente

no que diz respeito ao seu efeito sobre a digestibilidade ruminal da fibra.

Doreau & Chilliard (1997) verificaram que o decréscimo da relação

acetato/propionato no rúmen dos animais suplementados com gordura foi

acompanhada por redução na digestibilidade ruminal da matéria orgânica,

principalmente da fração fibrosa. Segundo Hess (2008), em experimento

realizado com a suplementação de óleo de soja em dietas com alta proporção

de volumoso, a inclusão de mais que 6% deste alimento na MS da dieta

resultou em decréscimo da digestão da fibra. A fonte de lipídeos tem marcante

efeito sobre a fermentação ruminal. Fontes de gordura com baixa proporção de

ácidos graxos insaturados, como o sebo hidrogenado, muito utilizado em dietas

de vacas leiteiras e bovinos em crescimento nos Estados Unidos parecem

afetar pouco a fermentação ruminal.

Bateman & Jenkins (1998) avaliaram o efeito da inclusão de niveis

crescentes de óleo de soja (0, 2, 4, 6 ou 8% da MS da dieta) sobre a

digestibilidade total dos nutrientes dietéticos. Não foi verificado efeito do nível

de suplementação sobre a digestibilidade da MS, MO, PB e FDN. Segundo os

autores, a fermentação nos intestinos pode ter compensado a redução na

digestibilidade ruminal destes nutrientes. Em situações onde a suplementação

lipídica afeta a digestibilidade ruminal dos nutrientes mas não afeta a

digestibilidade total, tem-se um ganho em termos de eficiência energética, uma

vez que a produção de metano poderá ser suprimida.

Montgomery et al. (2008) avaliou o efeito de diferentes fontes de óleo

(sebo bovino, gérmen de milho, óleo de milho e óleo de canola) além de um

tratamento sem lipídio suplementar sobre a digestibilidade ruminal da fibra em

bovinos em terminação submetidos a dieta com 90% de concentrado. Todas

dietas continham 6,7% de lipídeos na MS, exceto a dieta sem lipídeo

suplementar, com 3,7% de lipídeos. Não foi observado efeito dos tratamentos

sobre a digestibilidade da FDN.

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Palmquist (1988) afirmou que o acréscimo de forragem na dieta dilui os

efeitos negativos da gordura insaturada. De forma geral, os efeitos da inclusão

de gordura em dietas de bovinos têm sido inconsistentes. Em alguns

experimentos (Zinn, 1988; Zinn, 1992, Doreau et al., 1991) a gordura

suplementar não teve efeito sobre a digestão da fibra. No entanto, em outras

pesquisas (Zinn, 1989, Zinn, 1994; Zinn & Plascencia, 1992, Zinn & Plascencia,

1993; Elliot et al., 1997) a inclusão de gordura afetou fortemente a digestão da

fibra dietética. Segundo Plascencia et al. (1999) a variabilidade de respostas à

suplementação lipídica pode estar relacionada ao pH ruminal. Zinn (1988)

avaliou o efeito da inclusão de 4% de óleo de fritura residual em dieta com 88%

de concentrado para novilhos cruzados e não observou efeito da dieta sobre a

digestibilidade ruminal do amido, FDA e proteína, quando comparado ao

tratamento controle, sem gordura suplementar.

Duas teorias para explicar o efeito inibitório dos ácidos graxos têm sido

propostas (Jenkins, 1993). A primeira afirma que o lipídeo envolve o micro-

organismo com um filme hidrofóbico, impedindo o metabolismo e também

interferindo na aderência da bactéria à celulose. Outro efeito inibitório tem sido

atribuído ao efeito dos ácidos graxos insaturados sobre a fluidez das

membranas citoplasmáticas, além de poder afetar a sua permeabilidade.

Segundo Hess (2008), para ruminantes alimentados com dietas de alto

grão, a suplementação da gordura em 6% da MS dietética causa poucos

efeitos negativos sobre a utilização dos outros nutrientes dietéticos. Todavia,

em dietas com alta inclusão de forragem, este autor afirma que o nível ótimo de

inclusão de lipídeos seria de 4% da MS dietética.

O uso de lipídeos em dietas de ruminantes também pode produzir

efeitos benéficos sobre o metabolismo do nitrogênio no rúmen. De acordo com

Doreau & Ferlay (1995), a redução na concentração de amônia no rúmen é

uma das principais características da defaunação ruminal. Ikwuegbu & Sutton

(1982) realizaram a infusão de óleo de linhaça diretamente no rúmen de ovinos

e observaram redução na digestão ruminal da proteína além de redução da

concentração ruminal de amônia e aumento no fluxo de nitrogênio para o

duodeno. Decréscimos na população de protozoários no rúmen são

frequentemente associados à redução na concentração ruminal de amônia,

primariamente como um resultado de um decréscimo na proteólise de proteína

bacteriana por protozoários ruminais (Broderick, 1991). A magnitude da

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atividade anti-protozoários dos ácidos graxos depende basicamente do seu

grau de insaturação (Hristov et al., 2005), sendo assim, é de se esperar que

fontes ricas em ácido linolênico (óleo de linhaça) tenham grande capacidade

em deprimir a população ruminal de protozoários.

Hristov et al. (2009) realizaram a suplementação de ácidos graxos

saturados de cadeia média (ácido láurico e mirístico) na dieta de vacas

holandesas em lactação e verificaram que estes ácidos foram efetivos em

reduzir a concentração ruminal de amônia, quando comparada à dieta controle.

Assim como observado quando ocorre a suplementação com ácidos graxos

insaturados, a inclusão destes ácidos de cadeia média têm efeito defaunatório,

reduzindo a proteólise da proteína bacteriana por protozoários.

As fontes de lipídeos suplementar utilizadas em dietas de ruminantes

parecem afetar pouco a digestibilidade de carboidratos não fibrosos (CNF).

(Zinn, 1994; Zinn & Plascencia, 1996). Entretanto, Montgomery et al. (2008)

utilizando diferentes fontes de óleo (sebo, gérmen de milho, óleo de canola e

óleo de milho) observaram queda na digestão ruminal aparente do amido

quando comparado ao tratamento controle. Porém, a digestibilidade total do

amido não foi alterada pelos tratamentos. Zinn & Shen (1996) avaliando o

efeito de dois níveis de cálcio (0,45 e 0,90%) e dois níveis de óleo de fritura

residual (0 ou 5% da MS) não observaram efeito dos tratamentos sobre a

digestibilidade ruminal de amido, em dietas com 88% de concentrado.

3- Perfil de ácidos graxos e qualidade da carne bovina

Nos últimos anos tem aumentado o interesse em manipular a

composição do perfil de ácidos graxos da carne (Wood et al., 2003), com o

intuito de aumentar a proporção de ácidos graxos considerados saudáveis

(Beaulieu et al., 2002), pois, de acordo com Mills et al. (1992) os esforços

realizados no sentido de melhorar a produtividade através de cruzamentos ou

de mudanças na nutrição somente serão completos se forem consideradas a

composição e a palatabilidade da carne.

Sinclair et al. (1982) ao avaliarem o perfil de ácidos graxos na carne de

bovinos encontraram os teores de 49,0; 42,2 e 8,8% para os AGS, AGMI e

AGPI, respectivamente. Sendo que os ácidos graxos mais representativos na

carne bovina são o oleico, o palmítico e o esteárico (Cutrignelli et al., 1996).

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As gorduras contendo AGS, em geral, elevam as lipoproteínas de baixa

densidade (LDL). Considera-se nesta situação o efeito hipercolesterolêmico

dos AGS: láurico, mirístico e palmítico, por diminuírem a atividade dos

receptores hepáticos da LDL (Givens, 2005), aumentando sua concentração no

plasma.

Por outro lado a razão ω6/ω3 é particularmente benéfica na carne de

ruminates que consomem gramíneas ou fontes oleaginosas com elevado teor

de C18:3 (Enser, 2001). De acordo com recomendações nutricionais, o

aumento no consumo de AGPI da série ω-3 tem sido recomendado na tentativa

de não exceder essa razão, que segundo a World Health Organization (2003)

deve ser entre 4:1 a 5:1.

O ácido oleico presente na carne de ruminantes é oriundo da

biohidrogenação ruminal (Lanna et al., 2001), bem como da dessaturação

endógena do ácido esteárico (Corl et al., 1998), e tem a vantagem de não

reduzir as lipoproteínas de alta densidade (HDL), atuando contra o surgimento

de doenças coronarianas (Molketin, 2000).

Felton & Kerley (2004) avaliaram o perfil de ácidos graxos de bovinos

alimentados com dietas tradicionais, à base de farelo de soja e milho, e dietas

com altos níveis de lipídeos. Os autores encontraram que o músculo dos

animais que receberam maiores teores de lipídeos apresentou menores

concentrações dos ácidos mirístico e palmítico. Da mesma forma, Scollan et al.

(2001) conseguiram aumentar os teores de AGPI na carne de novilhos

recebendo gordura protegida de linhaça e óleo de peixe.

Medeiros et al. (2005), estudando bovinos de três grupos genéticos,

confinados com dieta controle (3,0% EE), ou dieta rica em óleo (6,0% EE) à

base de caroço de algodão, na proporção de 9,5% da matéria seca (MS), não

encontraram diferenças significativas para a maioria dos ácidos graxos

presentes no tecido adiposo dos animais. Os pesquisadores concluíram que a

adição de caroço de algodão nesses níveis não foi suficiente para alterar o

perfil de ácidos graxos da carcaça.

Huerta-Leidenz et al. (1991) também não detectaram diferenças na

composição dos ácidos graxos da gordura da carcaça de novilhos de corte

alimentados com dietas contendo 30% de caroço de algodão, durante 54 dias

de confinamento.

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Por outro lado, estudos citados por Duckett (2001) relataram redução na

porcentagem de AGS na carne de novilhos alimentados com 5% de óleo de

girassol ou semente de canola. Todavia, a adição de semente de algodão à

dieta de terminação não alterou a pontuação de marmorização nem a

composição da gordura subcutânea.

Madron et al. (2002) avaliaram o perfil de ácidos graxos na carne de

bovinos alimentados com diferentes quantidades de soja extrusada. Com os

resultados encontrados foram mostrados maiores teores de CLA na carne dos

animais que consumiram a dieta com alta quantidade de soja extrusada. Em

outra pesquisa, com o intuito, também, de determinar o teor de CLA, Mir et al.

(2004) forneceram dietas com e sem óleo de girassol para diferentes raças

bovinas e conseguiram elevar de forma bem significativa, aproximadamente,

em quatro vezes, o teor de CLA. De acordo com o autor, a adição de óleo pode

ser utilizada para alterar a composição do perfil de ácidos graxos da gordura

intramuscular de bovinos, mas não alteraria o seu conteúdo. Embora a adição

de óleo possa aumentar o conteúdo de CLA da gordura muscular, esse

aumento relativo poderia, também, ser afetado por outros componentes da

dieta.

Avaliando o efeito de diferentes fontes de lipídeos sobre o teor de CLA e

o perfil de ácidos graxos no músculo e na capa de gordura em novilhos

bubalinos, Oliveira et al. (2008) observaram que o fornecimento de óleo de soja

resultou em maior concentração de CLA e menores concentrações de AGS,

principalmente, os ácidos mirístico e palmítico no músculo e na capa de

gordura. Os animais que receberam a dieta com grão de soja integral

apresentaram teor de CLA semelhante à dieta sem lipídeo adicional.

Entretanto, houve redução nas concentrações de mirístico e palmítico.

3.1- Diferentes fontes lipídicas usadas na terminação de bovinos de corte:

influência sobre a qualidade de carne

Três experimentos (Oliveira, 2010; Machado Neto, não publicado;

Santarosa, não publicado) foram conduzidos no Departamento de Zootecnia da

UFLA entre 2008 e 2010 com o objetivo de estudar o efeito de diferentes fontes

lipídicas sobre a qualidade da carne de bovinos terminados em sistema de

confinamento.

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EXPERIMENTO 1: Qualidade da carne de novilhos Zebuínos recebendo

diferentes grãos de oleaginosas (Oliveira, 2010)

Metodologia

Foram utilizados 31 novilhos Zebuínos castrados, com idade inicial

média de 23 meses e peso vivo inicial de 365 +37,5 kg. Os animais foram

confinados durante 112 dias, ente os meses de agosto a novembro de 2008.

As dietas tiveram a silagem de milho como volumoso e quatro diferentes

tipos de concentrados foram utilizados, contendo diferentes oleaginosas

moídas. Assim, cada tipo de concentrado representou um determinado

tratamento: sem lipídeo adicional, grão de soja, caroço de algodão e semente

de linhaça (Tabela 1).

TABELA 1: Composição percentual de ingredientes e química das dietas experimentais: sem lipídeo adicional (SLA), grão de soja (GS), caroço de algodão (CA) e semente de linhaça (SL)

Ingredientes Composição (%MS)

SLA GS CA SL

Silagem de Milho 40,0 40,0 40,0 40,0 Milho Integral 49,2 43,8 37,2 43,8 Farelo de Soja 9,0 - 3,0 7,8 Soja Grão - 14,4 - - Caroço de Algodão - - 18,0 - Linhaça - - - 6,6 Núcleo Mineral 1,8 1,8 1,8 1,8

Nutrientes

MS¹ 64,2 64,7 64,7 64,4 PB² 13,2 13,3 13,3 13,5 FDN² 33,3 32,1 41,2 34,5 CNF² 45,0 43,2 34,2 42,3 NDT² 74,9 76,1 75,4 75,2 EE² 3,5 6,1 6,7 5,8

¹ - base da matéria natural, ² - base da matéria seca

As oleaginosas foram moídas em peneira de malha de 5 mm com a

finalidade de aumentar a disponibilidade ruminal dos lipídeos. O diâmetro

Geométrico Médio (DGM) foi de 823, 446 e 849 µm, respectivamente, para o

grão de soja, caroço de algodão e semente de linhaça.

O abate dos animais foi realizado em frigorífico comercial, utilizando a

técnica de concussão cerebral e secção da veia jugular. As amostras para

análises foram extraídas do músculo Longissimus dorsi da meia-carcaça

esquerda, a partir da 13a costela, em direção cranial.

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Resultados

O teor de extrato etéreo ou a inclusão de grãos de oleaginosas na dieta

não influenciaram a composição centesimal do músculo Longissimus dorsi e as

características de cor nos diferentes tempos de maturação (Figura 1).

Ao longo do tempo de armazenamento, independente do tratamento,

observou-se aumento semelhante sobre L*, a* e b*, que vai do início até,

aproximadamente, o 12o dia de estocagem, quando os valores começaram a

decrescer. Com o passar do tempo, a deterioração da mitocôndria reduz a sua

competição com a mioglobina por oxigênio dissolvido, resultando em maior

concentração de oximioglobina (Hood, 1980). Mais oximioglobina é formada em

valores baixos de pH, condições que aumentam a solubilidade do oxigênio e

inibem a atividade de enzimas que o consumem, aumentando os valores dos

índices de cor avaliados.

FIGURA 1: Valores preditos para as características de cor (L*, a*, b* e C*) da

carne de novilhos Zebuínos durante o armazenamento refrigerado (2ºC)

As porcentagens dos principais ácidos graxos encontrados na gordura

subcutânea e no músculo de novilhos Zebuínos são apresentadas na Tabela 3.

29

30

31

32

33

34

35

36

37

0 7 14 21

Tempo de armazenamento (dias)

Índ

ice d

e lu

min

osid

ad

e (

L*)

12

13

14

15

16

17

18

0 7 14 21

Tempo de armazenamento (dias)

Índ

ice d

e v

erm

elh

o (

a*)

1,5

2

2,5

3

3,5

4

4,5

5

0 7 14 21

Tempo de Armazenamento (dias)

Índ

ice d

e a

mare

lo (

b*)

12

13

14

15

16

17

18

0 5 10 15 20 25

Tempo de armazenamento (dias)

Índ

ice d

e C

ro

ma (

C*)

I SIMBOV – I Simpósio Matogrossense de bovinocultura de corte

Verifica-se que o ácido graxo presente em maior quantidade foi o oleico (C18:1

c9), seguido pelo palmítico (C16:0) e esteárico (C18:0).

TABELA 3: Médias e erros padrões das médias da composição dos principais

ácidos graxos da gordura subcutânea (%) e do músculo (%) de novilhos

Zebuínos recebendo diferentes grãos de oleaginosas

SLA (sem lipídeo adicional), GS (grão de soja), CA (caroço de algodão), SL (semente de

linhaça). Médias seguidas de letras iguais, nas linhas, não diferem estatisticamente pelo teste

Scott & Knott, ao nível de 5% de probabilidade

Os valores encontrados para o total de ácidos graxos octadecenóico

(C18:1 t10-t11-t12) foi maior na gordura subcutânea com a inclusão de caroço

de algodão na dieta. Já a concentração no músculo não foi afetada pela fonte

lipídica. A inclusão de caroço de algodão na dieta reduziu a concentração de

ácido oleico na gordura subcutânea.

Apesar do maior teor de ácidos trans na gordura subcutânea, não foi

observado aumento no teor de CLA. Possivelmente, a maior concentração de

C18:1 t10-t11-t12 não foi pelo maior teor de ácido vaccênico, podendo estar

associada à maior liberação de outros ácidos trans durante o processo de

moagem do caroço de algodão.

Ácido graxo Subcutânea

SLA GS CA SL EP P

Mirístico C14:0 3,471b 3,430b 4,09a 3,594b 0,130 0,007

Palmítico C16:0 24,286b 23,028b 25,541a 23,610b 0,473 0,007

Esteárico C18:0 11,168 12,072 13,175 12,133 0,772 0,352

Octadecenóico C18:1 t10-t11-t12

0,564b 0,625b 0,917a 0,723b 0,073 0,012

Oleico C18:1 c9 43,964a 43,999a 40,923b 44,023a 0,632 0,003

CLA C18:2 c9-t11 0,734 0,723 0,797 0,731 0,049 0,690

Linoleico C18:2 c9-c12 1,076b 1,561a 1,245b 0,975b 0,092 <,001

α-linolênico C18:3 ω3 0,159c 0,223b 0,124c 0,456a 0,017 <,001

Músculo P

Mirístico C14:0 3,560 3,283 3,668 3,483 0,170 0,472

Palmítico C16:0 25,057 24,151 25,535 25,036 0,404 0,150

Heptadecenóico C17:1 0,415 0,578 0,493 0,547 0,047 0,110

Esteárico C18:0 25,841 24,311 22,823 22,770 1,910 0,628

Octadecenóico C18:1 t10-t11-t12

1,618 1,457 1,352 1,460 0,150 0,666

Oleico C18:1 c9 30,323 30,828 32,210 31,834 1,694 0,847

CLA C18:2 c9-t11 0,277 0,292 0,372 0,307 0,030 0,153

Linoleico C18:2 c9-c12 2,350b 3,642a 2,653b 2,830b 0,286 0,026

α-linolênico C18:3 ω3 0,270b 0,369b 0,265b 0,561a 0,041 <,001

I SIMBOV – I Simpósio Matogrossense de bovinocultura de corte

As dietas com grão de soja e semente de linhaça apresentaram os

maiores valores de linoleico e α-linolênico, respectivamente. A diferença no teor

destes ácidos graxos entre os alimentos explica a maior concentração no

músculo e na gordura subcutânea, pois, provavelmente ocorreu maior escape

ruminal.

As características sensoriais da carne podem ser modificadas pela

alimentação que o animal recebe, mediante mudanças no conteúdo e

composição da gordura. Neste trabalho, observou-se aumento gradativo dos

níveis da oxidação da carne (Figura 2) com o passar do tempo. Entretanto, não

houve efeito da dieta sobre a rancificação.

FIGURA 2: Média dos valores de oxidação lípidica (mg de malonadeido/kg de

carne) nos dias 0, 25 e 50, da carne de novilhos Zebuínos durante o

armazenamento refrigerado (2ºC)

EXPERIMENTO 2: Qualidade da Carne de animais Red Norte alimentos

com lipídeos e ionóforos (Santarosa, dados não publicados)

Metodologia

Foram utilizados 40 machos não-castrados, da raça Red Norte, com

idade média de 20 meses e peso vivo inicial médio de 359 kg. Os animais

foram confinados durante 112 dias, ente os meses de maio a setembro de

2009.

A composição bromatológica das dietas são apresentadas na Tabela 4.

O ionóforo foi utilizado em uma dose diária de 230 mg de monensina sódica

por cabeça por dia. O abate dos animais foi realizado utilizando a técnica de

concussão cerebral e secção da veia jugular, seguido de remoção do couro e

evisceração.

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0 25 50

Tempo (dias)

mg

de

MD

A/k

g d

e c

arn

e

I SIMBOV – I Simpósio Matogrossense de bovinocultura de corte

TABELA 4: Composição percentual de ingredientes e química das dietas

experimentais: grão de soja sem monensina (GS), grão de soja + monensina

(GSM), gordura protegida sem monensina (GP) e gordura protegida +

monensina (GPM)

Ingredientes Composição (%MS)

GS GSM GP GPM

Silagem de milho

40,0 40,0 40,0 40,0

Milho grão moído

41,1 41,1 40,2 40,2

Farelo de soja - - 13,8 13,8 Grão de soja 17,1 17,1 - - Núcleo mineral 1,8 1,8 1,8 1,8 Megalac (GP) Monensina*

- -

- 230 mg/dia

4,2 -

4,2 230 mg/dia

Nutrientes

MS¹ 67,67 67,67 64,85 64,85 Proteína Bruta² 12,88 12,88 12,48 12,48 FDN² 30,88 30,88 28,02 28,02 CNF² 45,74 45,74 48,47 48,47 Extrato Étereo² 6,89 6,89 7,41 7,41

¹ - base da matéria natural, ² - base da matéria seca

Resultados

A monensina sódica praticamente não alterou o perfil de ácidos graxos

na gordura subcutânea dos principais ácidos graxos estudados (Tabela 4).

Apenas o ácido linolênico foi influenciado, em que a gordura subcutânea dos

animais recebendo ionóforos apresentou maior concentração.

A dieta com grão de soja fez com que houvesse menor concentração

dos ácidos mirístico e palmítico. Por outro lado o teor de C18:0 se elevou.

Estes resultados demonstram que a alimentação com grão de soja reduziu na

gordura subcutânea a concentração dos ácidos graxos saturados

hipercolesterolêmicos.

A inclusão de gordura protegida aumentou a concentração de ácido

oleico e CLA na gordura subcutânea. No entanto, as concentrações dos ácidos

graxos essenciais (linoleico e linolênico) foram superiores na gordura dos

animais alimentados com grão de soja, o que provavelmente ocorreu devido ao

maior teor destes ácidos na soja.

I SIMBOV – I Simpósio Matogrossense de bovinocultura de corte

A monensina sódica, na quantidade utilizada, também não alterou o

perfil de ácidos graxos no músculo dos animais alimentados com grão de soja

ou gordura protegida. Portanto, apesar deste aditivo alterar a microbiota

ruminal, a dose utilizada neste experimento pode não ter alterado de forma

significativa a biohidrogenação ruminal.

As fontes de lipídeos não afetaram a concentração de ácido mirístico e

palmítico no músculo dos animais, mesmo tendo a gordura protegida maior

concentração destes ácidos graxos. Todavia, os animais que receberam a

gordura protegida apresentaram maior teor de ácido oleico no músculo, que

pode ser explicado pela proteção parcial desta fonte de lipídeo à

biohidrogenação ruminal. O teor de CLA (C18:2 cis-9 trans-11) foi um pouco

superior no músculo de animais alimentados com grão de soja e pode ser

justificado pela maior exposição dos ácidos graxos da soja à biohidrogenação.

Esta explicação também justifica a maior concentração de ácido esteárico

quando a dieta com grão de soja foi utilizada.

TABELA 4: Médias e erros padrões dos valores das concentrações dos

principais ácidos graxos presentes na gordura subcutânea e no músculo de

animais Red Norte alimentados com grão de soja (GS), grão de soja +

monensina (GSM), gordura protegida (GP) e gordura protegida + monensina

(GPM)

Ácido graxo Subcutânea

EP

Probabilidade

GS GSM GP GPM L M LxM

Mirístico C14:0 3,15 3,09 3,86 3,54 0,2

1

<0,0

1

0,38 0,54

Palmítico C16:0 22,7

3

23,6

3

25,2

1

24,4

6

0,6

3

0,01 0,90 0,18

Esteárico C18:0 22,8

8

19,3

8

17,7

6

18,7

9

1,2

5

0,02 0,31 0,06

Oleico C18:1 c9 37,3

5

39,2

2

41,0

5

41,5

0

1,4

8

0,04 0,42 0,62

CLA C18:2 c9-

t11

0,41 0,33 0,91 0,77 0,0

6

<0,0

1

0,10 0,62

Linoleico C18:2c9-

c12

3,39 3,27 1,22 1,46 0,2

1

<0,0

1

0,80 0,39

Linolênico C18:3 n3 0,64 0,92 0,27 0,40

b

0,0

7

<0,0

1

<0,01 0,27

I SIMBOV – I Simpósio Matogrossense de bovinocultura de corte

L: efeito para a fonte de lipídeo; M: efeito para o uso da monensina; LxM: interação entre

lipídeo e monensina

Os dados de coloração (Figuras 3, 4 e 5) são discutidos levando-se em

consideração os efeitos de fonte de lipídeo, pois a adição ou não do ionóforo

monensina, isoladamente, não influenciou tais características.

Ao longo do tempo de maturação (de 0 a 14 dias), os animais

alimentados com grão de soja apresentaram carne mais escura,

provavelmente, devido à uma maior oxidação da mioglobina. Como a carne

desses animais apresentaram maior concentração de ácidos graxos poli-

insaturados que são mais oxidativos, os radicais livres gerados durante a

oxidação lipídica podem ter oxidado o pigmento heme, bem como provocar a

desnaturação da parte protéica, levando a mudanças de cor indesejáveis.

Em relação ao índice a*, que representa a intensidade de vermelho da

carne (Figura 4), foi observado o mesmo comportamento de L*, ou seja, a

carne dos animais que consumiram grão de soja se apresentou mais vermelha

com 0 dia de maturação. No entanto, de 0 a 7 dias de maturação, esta carne se

apresentou com um vermelho menos intenso.

Músculo Probabilidade

Mirístico C14:0 2,02 2,36 2,55 2,27 0,1

8

0,23 0,89 0,09

Palmítico C16:0 20,9

2

23,6

3

23,7

3

22,6

8

1,0

2

0,35 0,40 0,06

Esteárico C18:0 16,4

0

14,8

7

12,4

2

13,0

6

0,6

3

<0,0

1

0,47 0,08

Oleico C18:1 c9 33,9

7

34,9

8

37,6

8

38,4

8

1,3

3

<0,0

1

0,48 0,93

CLA C18:2 c9-

t11

0,76 0,68 0,60 0,61 0,0

5

0,03 0,42 0,40

Linoleico C18:2c9-

c12

10,7

7

9,54 7,32 7,70 1,0

2

0,01 0,66 0,42

Linolênico C18:3 n3 0,31 0,32 0,49 0,47 0,0

2

<0,0

1

0,83 0,56

I SIMBOV – I Simpósio Matogrossense de bovinocultura de corte

FIGURA 3: Valores preditos para a característica índice de luminosidade (L*)

da carne de animais Red Norte durante o armazenamento a 2ºC.

Valores de P: Lipídeo (L) P<0,01; Monensina (M) P=0,55; Dia P<0,01 (D); L x M P=0,04; Dia

P<0,0; D x L P<0,01; D x M P=0,49; D x L x M P=0,45

A oxidação de lipídios é a deterioração mais importante que ocorre

nesse tipo de produto, definindo a vida útil, na medida em que gera produtos

indesejáveis do ponto de vista sensorial, agindo principalmente sobre ácidos

graxos poli-insaturados. No presente estudo observou-se maior oxidação

(Figura 6) na carne dos animais que receberam soja grão como fonte de lipídeo

(P<0,01), em todos os tempos de maturação, sendo resultado da maior

concentração de ácidos graxos poli-insaturados.

FIGURA 4: Valores preditos para a característica índice de vermelho (a*) da

carne de animais Red Norte durante o armazenamento refrigerado (2ºC).

Valores de P: Lipídeo (L) P = 0,06; Monensina (M) P = 0,99; Dia (D) P < 0,01; L x M P = 0,41; D

x L P < 0,01; D x M P = 0,99; D x L x M P = 0,73

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

0 7 14 21

Índice de

luminosidade L*

Tempo de Maturação

GS

GSM

GP

GPM

0,00

5,00

10,00

15,00

20,00

25,00

0 7 14 21

Índice de

vermelho (a*)

Tempo de Maturação (dia)

GS

GSM

GP

GPM

I SIMBOV – I Simpósio Matogrossense de bovinocultura de corte

FIGURA 5: Média dos valores de oxidação lipídica (mg de malonadeido/kg de

carne+gordura) nos dias 0, 7, 14 e 21, da carne de animais Red Norte durante

o armazenamento refrigerado (2ºC)

Valores de P: Lipídeo (L) P < 0,01; Monensina (M) P = 0,81; Dia (D) P = 0,4; L x M P = 0,18; D

x L P = 0,02; D x M P = 0,02; D x L x M P = 0,40

EXPERIMENTO 3: Qualidade da carne de bovinos de corte suplementados

com caroço de algodão e vitamina E (Machado Neto, dados não publicados)

Metodologia

Foram utilizados 40 machos não-castrados, da raça Red Norte, com

idade média de 16 meses e peso vivo inicial médio de 339 ± 15 kg. A duração

do experimento foi de 112 dias, entre os meses de junho a outubro de 2009.

As dietas experimentais foram balanceadas para serem isonitrogenadas,

tendo a silagem de milho como volumoso e dois tipos de concentrados, um

contendo grão de soja moído e o outro, caroço de algodão moído, como fontes

de lipídeos (Tabela 5).

Metade dos animais que receberam cada concentrado foram

suplementados com 2.500 UI de Vitamina E/dia, durante todo o período

experimental. Portanto, foram avaliados os seguintes tratamentos: GS:

concentrado contendo grão de soja como fonte lipídica, sem suplementação de

Vitamina E; GSE: concentrado contendo grão de soja como fonte lipídica, com

suplementação de Vitamina E; CA: concentrado contendo caroço de algodão

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

1,2

1,4

1,6

1,8

0 7 14 21

mg de MDA/kg

de

carne+gordura

Tempo de Maturação (dias)

GS

GSM

GP

GPM

I SIMBOV – I Simpósio Matogrossense de bovinocultura de corte

como fonte lipídica, sem suplementação de Vitamina E; CAE: concentrado

contendo caroço de algodão como fonte lipídica, com suplementação de

Vitamina E.

TABELA 5: Ingredientes e composição bromatológica das dietas experimentais

Ingredientes

Grão de Soja Caroço de Algodão

Silagem de milho 40,0% 40,0% Milho grão moído 38,2% 31,2% Grão de soja moído 20,0% - Farelo de soja - 3,00% Caroço de algodão - 24,0% Núcleo mineral1 1,80% 1,80%

Composição Química

PB 12,9% 12,7% EE 6,48% 6,56% FDN 27,0% 36,0% CNF1 46,0% 40,0% NDT1 82,0% 77,0% 1Níveis de garantia por kg do produto: Ca: 170 g; Co: 15 mg; Cu: 396 mg; P: 31 g; I: 29 mg; Mg:

15 g; Mn: 515 mg; Se: 5,4 mg; Na: 155 g; Zn: 2.000 mg. 1Calculado segundo o NRC (2001)

Resultados

Foi verificado que a gordura subcutânea dos animais alimentados com a

dieta com caroço de algodão apresentou maior concentração de C16:0 do que

aqueles alimentados com grão de soja, o que pode ser justificado pela maior

concentração deste ácido graxo no caroço de algodão. Resultado semelhante

foi observado para o C18:0, em que o maior teor de C18:0 ocorreu

provavelmente devido à inibição da ação da enzima Δ9 dessaturase pelo ácido

estercúlico presente no caroço de algodão. Como consequência ao aumento

da concentração destes ácidos graxos saturados, verificou-se redução da

concentração de ácidos graxos insaturados na gordura subcutânea, como o

C18:1 e o C18:3. Além disso, a suplementação da dieta com caroço de algodão

deprimiu a concentração de CLA (C18:2 cis-9 trans-11) na gordura subcutânea.

Os animais suplementados com caroço de algodão apresentaram

concentração superiores de ácido vaccênico, o que também se justifica pela

presença do inibidor da Δ9 dessaturase neste alimento.

TABELA 6: Médias e erros padrões dos valores das concentrações dos ácidos

graxos presentes na gordura subcutânea e no músculo de animais Red Norte

I SIMBOV – I Simpósio Matogrossense de bovinocultura de corte

alimentados com grão de soja (GS), grão de soja + vitamina E (GSE), caroço

de algodão (CA) e caroço de algodão + vitamina E (CAE)

L: efeito para a fonte de lipídeo; V: efeito para o uso da Vitamina; LxV: interação entre lipídeo e

vitamina

Ácido

graxo

Subcutânea

EP

Probabilidade

GS GSE CA CAE L V LxV

Mirístico C14:0 3,02 2,92 3,13 3,29 0,1

5

0,12 0,86 0,40

Palmítico C16:0 24,5 23,9 26,4 26,4 0,5

7

0,01 0,59 0,62

Esteárico C18:0 14,9 14,2 18,3 17,2 0,8

6

0,01 0,29 0,78

Oleico C18:1 c9 40,1 41,1 35,3 36,0 1,1

5

0,01 0,46 0,92

CLA C18:2 c9-t11 0,64 0,68 0,52 0,51 0,0

4

0,01 0,75 0,57

Vaccênico C18:1 t-11 0,77 0,81 1,69 1,62 0,2

5

0,01 0,94 0,81

Linoleico C18:2 c9-c12 3,60 3,11 3,06 3,13 0,2

4

0,30 0,40 0,26

Linolênico C18:3 n3 0,40 0,31 0,11 0,12 0,0

2

0,09 0,93 0,04

Músculo Probabilidade

Mirístico C14:0 2,32 2,21 2,03 2,27

0,1

5 0,43 0,68 0,25

Palmítico C16:0 22,5 22,1 23,1 23,4

0,6

3 0,11 0,99 0,57

Esteárico C18:0 17,3 17,8 18,5 19,5

0,8

1 0,07 0,32 0,78

Oleico C18:1 c9 34,9 32,0 28,7 27,4

1,4

2 0,01 0,11 0,58

CLA C18:2 c9-t11 0,43 0,43 0,33 0,36

0,0

3 0,01 0,66 0,66

Vaccênico C18:1 t-11 0,59 0,61 0,92 0,90

0,1

3 0,01 0,97 0,87

Linoleico C18:2 c9-c12 9,36

11,8

1 13,8 13,6

1,4

3 0,03 0,42 0,33

Linolênico C18:3 n3 0,54 0,57 0,31 0,27

0,0

4 0,01 0,80 0,34

I SIMBOV – I Simpósio Matogrossense de bovinocultura de corte

Em relação ao perfil de ácidos graxos da gordura intramuscular, foi

verificada tendência de aumento da concentração de C16:0 (P=0,11) e também

do C18:0 (P=0,07). Animais alimentados com caroço de algodão apresentaram

menor concentração de C18:2 e CLA.

4- Gordura intramuscular

O conteúdo de gordura intramuscular da carne é um importante atributo

na qualidade. Estudos envolvendo consumidores e painéis treinados revelaram

que a gordura intramuscular é uma das mais importantes características que

influenciam alguns aspectos, como: maciez, suculência e sabor (Shackelford et

al., 1991).

Morfologicamente, a gordura intramuscular é o total de lipídios

associados com todas as células presentes na amostra de carne,

principalmente miócitos e adipócitos, excluindo os adipócitos depositados na

gordura intermuscular. Quimicamente, esses lipídios podem ser divididos em

fosfolipídios, triglicerídios, mono e diglicerídios, colesterol, ésteres de colesterol

e ácidos graxos livres, sendo as frações fosfolipídios e triglicerídios as mais

importantes para os estudos de gordura intramuscular (Gerbens, 2004).

Nos estados Unidos, com a crescente utilização de milho e outras

culturas para a produção de biocombustíveis, há a tendência de aumentar a

utilização de resíduos de grãos de destilaria nos confinamentos, o que segundo

Smith et al. (2008), aumentaria a dureza da carne devido à menor síntese de

ácidos graxos monoinsaturados no tecido adiposo, tornando a carne americana

menos competitiva em mercados específicos, como o japonês e o coreano.

No Brasil, a pecuária de corte se baseia principalmente na utilização de

pastagens ao longo do ciclo produtivo e o consumo de alimentos fibrosos,

como as pastagens, leva à absorção de determinados ácidos graxos ou outros

nutrientes que promovem a depressão da síntese da gordura intramuscular

(Smith et al., 2008) promovendo baixo grau de marmoreio na carne.

Os preços dos alimentos apresentam a maior parte do custo de

produção de animais em confinamento. Porém, na safra de grãos no Brasil, é

possível encontrar menores preços de grãos, como o milho. Este ingrediente é

importante quando se quer satisfazer a exigência de mercados que pagam por

qualidade, pois o tecido adiposo intramuscular parece ser sensível à utilização

de grãos, principalmente em animais jovens em terminação.

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4.1- Síntese de tecido adiposo intramuscular

De acordo com Gilbert et al. (2003), o tecido adiposo intramuscular

usa alta proporção de glicose para a síntese de ácidos graxos, diferente do

tecido adiposo subcutâneo que utiliza acetato para a deposição de lipídios.

Segundo os mesmos autores, aproximadamente 61 a 76% do milho moído

consumido é degradado no rúmen, onde é convertido em ácidos graxos

voláteis, e o restante sofre digestão pós-ruminal, principalmente no intestino

delgado, o que resulta em glicose livre para a absorção. Sendo assim, a maior

passagem de amido para o intestino delgado é uma alternativa para tentar

aumentar o grau de marmoreio no tecido intramuscular (Miller et al., 1991).

A insulina estimula a captação de glicose pelos tecidos periféricos

aumentando a lipogênese ou reduzindo a lipólise, sendo as concentrações

plasmáticas de insulina positivamente correlacionadas com a adiposidade na

carcaça do animal. A variação na sensibilidade à insulina pode afetar a partição

energética entre os tecidos e entre tecidos em desenvolvimento (Rhoades et

al., 2007).

Gilbert et al. (2003) relataram que o tecido adiposo intramuscular é

mais sensível à insulina, quando comparado ao tecido adiposo subcutâneo.

Sendo assim, os autores sugeriram que alimentos que aumentam a produção

de propionato, como o milho e outros grãos, têm maior capacidade glicogênica

e insulinogênica, o que poderia aumentar a deposição de gordura

intramuscular.

Durante muitos anos foi demonstrado que a glicose contribuía com

maior proporção de unidades de acetil para a síntese de novo de ácidos graxos

no tecido adiposo intramuscular, quando comparada ao tecido adiposo

subcutâneo, sendo responsável por aproximadamente 70% do fornecimento de

acetil necessários para a síntese, enquanto que o acetato e o lactato

contribuíam com apenas 20% (Smith & Crouse, 1984).

Em um trabalho realizado por Chung et al. (2007), um grupo de

novilhos foi alimentado com uma dieta de terminação baseada em milho moído

(48%) para atingir uma taxa de crescimento de 1,36 kg/dia durante oito meses

(alimentação curta, baseada em milho), ou foram alimentados com feno e

suplementados para obtenção de ganhos de 0,9 kg/dia durante 12 meses

(alimentação curta, baseada em feno). Nestas duas dietas objetivou-se um

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peso de abate de aproximadamente 525 kg. Um segundo conjunto de animais

foi alimentado com as mesmas dietas baseadas em milho e feno durante 16 e

20 meses respectivamente objetivando um abate com peso de

aproximadamente 650 Kg.

Os animais que foram alimentados com a dieta a base de milho

durante longo período apresentaram um declínio na biossíntese de ácidos

graxos a partir do acetato de aproximadamente 75% nos tecidos adiposos

subcutâneo e intramuscular entre os meses 8 e 16. Da mesma maneira, a

síntese de ácidos graxos a partir do acetato apresentou pequeno aumento em

ambos os depósitos de gordura entre os meses 12 e 20 nas dietas que foram

baseadas em feno. Assim, em animais alimentados durante longo período com

dieta a base de milho, a biossíntese de ácidos graxos oriundos do acetato

apresenta menor proporção de substrato para acúmulo de lipídios nos tecidos

adiposos subcutâneo e intramuscular. Nos tratamentos a base de feno, a

biossíntese de ácidos graxos a partir do acetato não contribuiu e forma

significativa para o acumulo de lipídios nos tecidos adiposos subcutâneo e

muscular (Figura 7).

FIGURA 6: Acetato e a incorporação de ácidos graxos nos tecidos adiposos subcutâneo e intramuscular. Amostras frescas de tecido subcutâneo (símbolos abertos) e o tecido intramuscular (símbolos preenchidos) foram coletados entre a quinta e oitava costela e foram incubados por 2 h em tampão Krebs-Henseleit

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contendo 10nM de tampão HEPES (pH 7,4), 10 mM de acetato, 10mM de glicose e acetato U-14C (Adaptado de Chung et al., 2007).

Segundo os mesmo autores, com o declínio na produção de acetato, a

glicose assume papel muito importante como fonte doadora de carbono para a

síntese de novo de ácidos graxos. Esse efeito é mais sensível no tecido

intramuscular, pois no tecido subcutâneo a taxa de incorporação de acetato e

glicose na síntese de ácido graxo foi semelhante. Porém, no tecido

intramuscular, a taxa de incorporação de glicose nos ácidos graxos foi duas

vezes mais alta que a taxa de incorporação de acetato (Figura 8).

FIGURA 7: Incorporação de acetato e glicose nos ácidos graxos nos tecidos adiposos subcutâneo (s.c.) e intramuscular (i.m.).

De acordo com Rhoades et al. (2007), a fonte de energia dietética pode

alterar a sensibilidade à insulina, pois os tecidos se tornam resistentes à ação

deste hormônio quando os bovinos se alimentam por longos períodos em

pastagens.

Relatos anteriores na literatura (Smith, 1983) buscaram entender o

mecanismo pelo qual dietas baseadas em volumosos inibiam a ação da

insulina e encontraram que, animais alimentados com alfafa apresentaram

falha na atividade da insulina para estimular a lipogênese.

Este mecanismo de resistência foi descrito por Tardif et al. (2001), ao

demonstrarem que o acúmulo de corpos cetônicos interrompeu a transdução

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do sinal da insulina e reduziu sua migração para a superfície da célula. Esta

redução no transportador reduziria a entrada de glicose estimulada pela

insulina, e consequentemente limitaria a taxa de utilização de glicose. Para

Herdt et al. (1981), os corpos cetônicos podem acumular-se como acetato,

principalmente quando a glicose está limitada, e as maiores concentrações de

acetato quando os animais estão sob regime de pastejo podem afetar mais a

resistência de utilização da glicose.

Schoonmaker et al. (2003) encontraram maiores concentrações de

insulina em novilhos alimentados com dietas de alto concentrado em relação

aos novilhos alimentos com dietas de alta forragem. Os autores relataram que

o músculo Longissimus dorsi e o tecido adiposo de animais alimentados com

alto concentrado, não somente apresentaram maiores concentrações de

insulina circulante, mas também estavam mais sensíveis aos seus efeitos na

absorção de glicose e subsequente utilização.

Devido à aparente menor utilização de acetato pelo tecido adiposo

subcutâneo como substrato para a síntese de novo de ácidos graxos, e a

semelhança entre a utilização de glicose pelos tecidos intramuscular e

subcutâneo para a incorporação de lipídios, pode-se inferir que a limitação no

fornecimento ou absorção teria mais efeito na taxa de lipogênese no tecido

adiposo intramuscular do que no tecido adiposo subcutâneo. Choat et al.

(2003) encontraram aumento na deposição de tecido adiposo intramuscular em

novilhos alimentados com dietas de alto concentrado, que geraram 39,3% a

mais de propionato, quando comparado aos novilhos que alimentaram dietas

volumosas.

Dessa forma, além das raças utilizadas na bovinocultura de corte,

estratégias de alimentação devem ser levadas em conta, como a

suplementação animal nas distintas fases do ciclo de produção, principalmente

quando se objetiva produzir animais com qualidade superior, pois mercados

exigentes como o americano e o japonês além de uma carne bem marmorizada

(padrão choice), exigem também animais com elevada espessura de gordura

subcutânea (12 mm).

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Considerações finais

Ficou demonstrado no presente artigo que a nutrição influencia

diretamente a qualidade da carne, tornando-se portanto, uma ferramenta

importante para agregar valor ao produto.

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