DO MITO À TRAGÉDIA: AGAMÊMNON ENTRE … · tragediógrafos influenciados por um contexto ......
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARCENTRO DE HUMANIDADES
DEPARTAMENTO DE LITERATURAPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LETRAS
PAULIANE TARGINO DA SILVA BRUNO
DO MITO TRAGDIA: AGAMMNON ENTRE GRCIA E ROMA
Fortaleza 2013
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PAULIANE TARGINO DA SILVA BRUNO
DO MITO TRAGDIA: AGAMMNON ENTRE GRCIA E ROMA
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Letras da Universidade Federal do Cear como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Letras com concentrao na rea de Literatura Comparada.
Orientador: Prof. Dr. Orlando Luiz de Arajo
Fortaleza 2013
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PAULIANE TARGINO DA SILVA BRUNO
DO MITO TRAGDIA: AGAMMNON ENTRE GRCIA E ROMA
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Letras da Universidade Federal do Cear como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Letras com concentrao na rea de Literatura Comparada.
Aprovada em ____/____/____
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________
Prof. Dr. Orlando Luiz de Arajo (orientador)
Universidade Federal do Cear
________________________________________
Prof. Dr. Jos Eduardo dos Santos Lohner
Universidade de So Paulo
_________________________________________
Prof. Dra. Ana Maria Csar Pompeu
Universidade Federal do Cear
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Para a minha famlia e
para o NUCLAS da UFC.
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AGRADECIMENTOS
A Deus, pela sabedoria, pela fora, pela determinao para conduzir a minha pesquisa e pela
minha sade e paz nesses anos do mestrado.
Aos meus pais, pelo eterno amor, pelo apoio minha vida acadmica e por sempre
acreditarem no meu sucesso.
Ao meu marido, pelo companheirismo, por compreender as minhas ausncias durante a
escritura da dissertao e por sempre me apoiar na vida profissional.
minha irm, que mesmo morando longe, pelo apoio e pela ajuda nessa caminhada da vida
profissional.
Aos meus tios, tias, primos e primas, por acreditarem no meu sucesso.
Aos meus amigos e amigas, pelo companherismo, por acreditarem no meu sucesso e por
compreenderem as minhas ausncias em alguns momentos.
Ao professor Orlando Luiz de Arujo, pela orientao atenta e paciente, pelos livros
emprestados, pelas preciosas sugestes e crticas no desenvolvimento dessa pesquisa e pela
amizade.
professora Ana Maria Csar Pompeu, da UFC, pelas preciosas crticas e sugestes durante
a qualificao e pela amizade.
Ao professor Francisco Edi de Oliveira Sousa, da UFC, por ter me incentivado desde a
graduao ao estudo do Latim, por ter me enviado alguns livros e pela amizade.
Ao professor Roberto Arruda de Oliveira, da UFC, pelas crticas e sugestes durante a
qualificao.
Ao professor Jos Eduardo dos Santos Lohner, da USP, por aceitar o convite para participar
da banca de defesa dessa dissertao e por contribuir para o enriquecimento dessa pesquisa.
UECE, por consentir o meu afastamento das atividades acadmicas para cursar o
mestrado e por financiar os meus estudos.
Ao Programa de Ps-graduao em Letras da UFC, pela oportunidade de cursar o mestrado
na rea de Literatura Clssica.
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RESUMO
Na Grcia Antiga, mitos como o de Agammnon eram narrados em meios sociais e
adaptados ao momento, no qual eram apresentados, possibilitando, assim, vrias verses de uma
mesma narrativa. Acerca do mito de Agammnon, o chefe dos gregos, restaram alguns textos
escritos como: na poesia pica, Ilada e Odisseia de Homero; no poema lrico, Ptica XI de Pndaro;
nas tragdias, Oresteia de squilo, no jax e na Electra de Sfocles, na Hcuba, Troianas,
Andrmaca, Electra, Ifignia em Turis, Orestes e Ifignia em ulis de Eurpides; nos poemas
Cantos Cprios e Retornos do ciclo troiano; e em outras narrativas como a Biblioteca Mitolgica de
Apolodoro e a Descrio da Grcia de Pausnias. J na literatura latina, encontram-se referncias
ao mito de Agammnon, no Egisto de Lvio Andronico, na Clitemnestra de cio, na Eneida, de
Virglio, nos poemas, A arte de Amar e Metamorfoses de Ovdio e nas tragdias, Agammnon,
Troianas e Tiestes de Sneca. Nessa pesquisa, mostrar-se- como as obras mencionadas recontam o
mito de Agammnon e como squilo e Sneca, ao escreverem as suas tragdias, ambas intituladas
Agammnon, apoderam-se dessa tradio literria. Analisar-se- as partes do mito que foram
colhidas dessa tradio pelos tragedigrafos e se tentar mostrar algumas particularidades dos
tragedigrafos influenciados por um contexto social, ao recontar esse mito, na tentativa de
apresentar uma comparao entre os textos quanto ao processo de recriao mtica feito por squilo
e Sneca.
Palavras-chave: Mito. Agammnon. Tragdia. squilo. Sneca.
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ABSTRACT
In Ancient Greece, myths as Agamemnons were told in social environment and adapted at
the moment they were presented, enabling many versions of the same story. About the
Agamemnons myth, called the Greeks boss, they were left some of the written texts as in the epic
poetry, Homer's Iliad and Odyssey ; in the lyric poetry, Pindar's Pythian XI; in the tragedies,
Aeschylus' Orestia, Sophocles' Ajax and Electra, Euripedes' Hecuba, The Trojan Women,
Adromache, Electra, Iphigenia in Tauris, Orestes and Iphigenia at Aulis; in the poems The Cypria
and The returns from the Trojan Cycle; and in other stories as the Apollodorus' Bibliotheca and
Pausanias' Description of Greece. In the Latin literature we can find references to Agamemnons
myths in Livius Andronicus' Aegisthus, Accius' Clytemnestra, Virgil's The Aeneid, Ovid's The
Metamorphoses and The Art of Love, Seneca's Troades, Agamemnon and Thyestes. In this research it
will be shown how the mentioned stories retell Agamemnons myths and how Aeschylus and
Seneca when they wrote their tragedies, both called Agamemnon, took possession of this literary
tradition. It will be analyzed the parts from the myth which were gathered from this tradition from
the tragedians and it will try to show some of particularities from the tragedians influenced by a
social context, when they retold this myth in a attempt to present a comparative between the texts as
the process of the mythical recreation made by Aeschylus and Seneca.
Keywords: Myth, Agamemnon, Tragedy, Aeschylus, Seneca.
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SUMRIO
1 Introduo ........................................................................................ 8
2 Captulo I: Do mito ao teatro: oralidade e recepo......................... 11
3 Captulo II: Agammnon: tradio grega e recepo.......................... 36
3.1 A tradio pica ............................................................................ 36
3.2 A tradio lrica ............................................................................ 44
3.3 A tradio trgica ......................................................................... 47
3.4 A recepo de squilo em Agammnon ....................................... 54
4 Captulo III: Agammnon: tradio grega e romana e a recepo....... 66
4.1 A tradio literria grega .............................................................. 66
4.2 A tradio literria romana ........................................................... 75
4.3 A recepo de Sneca em Agammnon ............................................ 85
5 Concluso .................................................................................... 100
Referncias ......................................................................................... 102
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1 INTRODUO
O presente trabalho tem como objetivo de estudo as duas tragdias da tradio greco-romana
intituladas Agammnon, uma de squilo e a outra de Sneca, no que diz respeito recepo feita
pelos tragedigrafos em suas respectivas obras.
O mito de Agammnon, assim como os outros mitos gregos, foi transmitido a princpio por
meio da oralidade e depois a partir dos textos literrios. Agammnon ficou conhecido na tradio
ocidental por ter liderado as tropas gregas rumo guerra de Troia, por ter sacrificado a filha Ifignia
em honra deusa rtemis e por ter morrido assassinado por sua esposa, Clitemnestra. As partes do
mito de Agammnon aparecem em diversos textos da tradio literria grega e romana. Neste
estudo, optou-se por analisar como a tragdia Agammnon de squilo e a homnima de Sneca
recontam a morte do rei, pois cada um desses tragedigrafos faz uma leitura do mito do rei de
Argos:
Cuando un autor tragico reelabora em su drama un tema mitico, tampouco tiene especial inters en transmitirnos la versin completa y cannica, sino que centra su representacin em algunos puntos que en su reflexin le parecen los ms sugestivos y convenientes.1 (GUAL, 2006, p.67)
Na tradio grega, squilo escolheu recriar o mito de Agammnon na sua pea,
considerando a sua audincia e os acontecimentos em Atenas. Essa tragdia foi encenada em 458
a.C. e repensa, juntamente com as Coforas e as Eumnides, por exemplo, questes sobre a justia
ateniense. Mas essa verso trgica do mito no somente mostra os aspectos da sociedade ateniense,
mas tambm se apoia na tradio literria anterior acerca do mito.
E na tradio romana, Sneca tambm recepcionou os textos de seus antecessores ao
escrever a sua verso do mito de Agammnon. A tragdia senequiana revela as influncias gregas e
romanas recebidas atravs de leituras feitas pelo tragedigrafo. E ainda o mito recontado sob uma
perspectiva imperialista e com uma linguagem mais acurada sob influncia da retrica, porm
artificial.
Considerando os aspectos de reescritura do mito de Agammnon pelos tragedigrafos e a
semelhana entre os ttulos das peas, visa-se mostrar quais textos da tradio literria grega e da
romana serviram de modelo aos autores para a composio das suas respectivas tragdias. Este
1 Quando um autor trgico reelabora em seu drama um tema mtico, no est particularmente interessado em nos transmitir a sua verso completa e cannica, mas centra a sua representao em alguns pontos que na sua reflexo lhe parecem mais sugestivos e convenientes.
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estudo apresenta trs captulos que relatam o desenvolvimento da recepo desde os poemas
homricos at a tragdia de Sneca.
O primeiro captulo, intitulado Do mito ao teatro: oralidade e recepo, se inicia com um
estudo acerca da oralidade, da escrita e das contribuies que esses elementos concederam aos
primeiros poemas da tradio grega. Os poemas homricos so considerados os primeiros textos
poticos gregos, que recontam os mitos gregos por meio da transmisso oral. Por isso, o processo de
criao desses poemas mostrado atravs dos estudos tericos de Milman Parry, Albert Lord e
Gregory Nagy. Logo aps os poemas homricos, Hesodo apresenta diferenas no processo criativo
de sua poesia. E com a revoluo provocada pela escrita na Grcia, as tragdias do sc. V j
vislumbram uma composio mais elaborada, mas ainda sob influncia da oralidade.
A tragdia grega tem como principais representantes squilo, Sfocles e Eurpides. Eles
tiveram as suas peas encenadas em Atenas, nos festivais dionisacos, e, por meio da representao,
recontavam os mitos gregos. Dentre as tragdias gregas, que restaram, tem-se uma nica trilogia,
Oresteia de squilo, da qual faz parte a pea Agammnon. Em Roma, as primeiras manifestaes
teatrais aconteceram em festivais ldicos. O teatro trgico romano tem a participao de Lvio
Andronico, Nvio, nio, Pacvio e cio, porm desses s restaram alguns fragmentos. E aps esse
perodo, s restaram na ntegra os textos completos das tragdias de Sneca.
O segundo captulo, intitulado Agammnon: tradio grega e recepo, divide-se em
quatro partes: a tradio pica, a tradio lrica, a tradio trgica e a recepo de squilo em
Agammnon. A tradio pica relata como o mito de Agammnon contado nos poemas homricos,
Ilada e Odisseia, e nos poemas picos do ciclo troiano, Cantos Cprios e Retornos. A tradio lrica
apresenta o mito de Agammnon no poema Oresteia de Estescoro e no epincio Ptica XI de
Pndaro. A tradio trgica mostra o mito de Agammnon na tragdia Agammnon de squilo e nas
outras duas peas da trilogia, Coforas e Eumnides. E na recepo de squilo em Agammnon,
tenta-se mostrar quais das influncias literrias apresentadas sobreviveram no texto de squilo.
Nesses poemas, Agammnon aparece como chefe dos gregos e como um homem assassinado pela
esposa.
O terceiro captulo, intitulado Agammnon: tradio literria grega e romana e recepo
divide-se em trs partes: a tradio literria grega, a tradio literria romana e a recepo de
Sneca em Agammnon. A tradio literria grega mostra o mito de Agammnon nas tragdias:
jax e Electra de Sfocles, Andrmaca, Hcuba, Troianas, Electra, Ifignia em Turis, Orestes e
Ifignia em ulis de Eurpides; e nas narrativas: Biblioteca Mitolgica de Apolodoro e Descrio
da Grcia de Pausnias. A tradio romana apresenta o mito de Agammnon nos seguintes textos:
Egisto de Lvio Andronico, Clitemnestra de cio, Eneida de Virglio, A arte de amar e
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Metamorfoses de Ovdio e nas tragdias, Agammnon, Troianas e Tiestes de Sneca. E na recepo
de Sneca em Agammnon busca-se mostrar quais as influncias sofridas por Sneca ao compor a
sua tragdia, priorizando os resqucios da tradio literria romana sobreviventes na pea.
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2 CAPTULO 1: Do mito ao teatro: oralidade e recepo
O objetivo deste captulo apresentar inicialmente informaes acerca da oralidade e da
escrita alfabtica na Grcia antiga e quais contribuies esses elementos exerceram na poesia grega
do perodo arcaico, em especial na tragdia do sculo V a.C.. Depois sero apresentadas
consideraes acerca do teatro romano.
A sociedade grega antiga ficou conhecida como uma sociedade culturalmente avanada,
principalmente por causa do advento da escrita alfabtica. Embora bem antes j houvesse uma
escrita silbica, a conhecida Linear B, essa no resistiu ao tempo e provavelmente por falta de uso
desapareceu juntamente com a civilizao micnica (c. 1500-1100 a.C.). Sculos depois, a escrita
alfabtica espalhou-se gradualmente pela Grcia. At ento, a sociedade grega era de natureza
predominantemente oral: as notcias, os textos poticos, as leis, a tradio, tudo era transmitido boca
a boca, como afirma Gual (2006, p. 35-36):
Las instituciones se apoyan en los mitos; se recurre a ellos para tomar decisiones; se interpretan los hechos de acuerdo con ellos. Los ms viejos se los cuentan a los ms jvenes, y stos se inician en los saberes tradicionales de su pueblo mediante los grandes relatos de los dioses y los hroes fundadores. Las nodrizas les cuentan a los nios los fascinantes sucesos de un tiempo lejano y divino. Los abuelos y las abuelas recuentan a los pequeos lo que a ellos les contaron tiempo atrs sus proprios abuelos. Y en las fiestas comunitarias se reitera, a travs de rituales mimticos y de narraciones escogidas, las palabras de los mitos.2
E como exemplo dessa tradio de transmisso oral, tem-se o canto VII da Odisseia (v.62-
95) de Homero, quando Alcnoo, rei dos fecios, em seu palcio, prepara um banquete, e para essa
comemorao levado um cantor, que, ao cantar os feitos de Troia, emociona Odisseu:
' , ' , ' , ' . (Hom., Od., v.62-64)[] ,' ' ,, ' , , (Hom., Od., VIII, v.72-75)[]' '
2 As instituies se apoiam nos mitos; recorrem a eles para tomar decises; interpretam os feitos de acordo com eles. Os mais velhos os contam aos mais jovens, e estes se iniciam nos conhecimentos tradicionais de seu povo mediante os grandes relatos dos deuses e dos heris fundadores. As nutrizes contam s crianas os feitos fascinantes de um tempo distante e divino. Os avs e as avs recontam aos pequenos o que a eles contaram, tempos atrs, seus prprios avs. E nas festas comunitrias se reitera, atravs dos rituais mimticos e das narraes escolhidas, as palavras dos mitos.
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, ' . (Hom., Od., VIII, v.83-86)
J pelo arauto trazido o cantor divinal se aproxima,que tanto a Musa distingue, e a quem males de bens concedera:tira-lhe a vista dos olhos, mas cantos sublimes lhe inspira. []Tendo assim, pois, a vontade da fome e da sede saciado,a Musa logo o incitou a falar sobre os feitos dos homens, gestasde heris, cuja fama o alto cu, nesse tempo, atingira,a disseo entre Aquiles Pelida e Odisseu, to falada,[]Isso narrava o famoso cantor. Odisseu, entrementes, com as mos fortes o manto de prpura para a cabeapuxa, encobrindo-a com o fim de esconder as feies majestosas.Envergonha-se, sim, de que o vissem chorar os Fecios.3
Atravs do relato exposto acima, pode-se verificar o quanto era comum na Grcia Antiga a
transmisso oral dos feitos heroicos. O mito, produto da tradio grega, tambm teve a sua
existncia propagada por meio da exposio oral, at que o advento da escrita comeasse a registr-
lo. Ele sobreviveu at os dias de hoje, principalmente, por meio dos textos escritos, pois, em seus
primrdios, estava restrito oralidade, como afirma Thomas (2005, p.3-4): [...] a Grcia antiga era,
em muitos aspectos, uma sociedade oral, na qual a palavra escrita vinha em segundo plano em
relao palavra falada. Desse modo, os textos poticos eram compostos para serem ouvidos,
assim continua Thomas (2005, p.4):
A maior parte da literatura grega, porm, tinha por finalidade ser ouvida ou cantada transmitida oralmente, portanto e havia uma forte corrente de averso pela palavra escrita, mesmo pelos altamente letrados: documentos escritos no eram considerados, por si mesmos, prova adequada em contextos legais at a segunda metade do sculo IV a.C.
Somente com a reinveno da escrita na Grcia Antiga, momento em que o alfabeto foi
adaptado do alfabeto fencio, provavelmente na primeira metade do sculo VIII (THOMAS, 2005,
p.17) que, segundo Havelock (1996, p.20), esse alfabeto surgiu dos contatos comerciais entre
gregos e fencios foi que os mitos deixaram de ser exclusivamente de natureza oral e comearam a
ser escritos.
A escrita grega antiga, a princpio, foi usada para marcar objetos ou compor um memorial,
ou at mesmo escrever versos. (THOMAS, 2005, p.67). Como exemplo, tem-se o famoso Vaso do
Dpylon, datado de 750-690 a.C., que contm uma inscrio metrificada em hexmetro de estilo
3 Todas as tradues da Ilada de Homero presentes neste captulo so de Carlos Alberto Nunes, conforme consta na referncia bibliogrfica: HOMERO. Ilada. Trad. de Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Ediouro, 2009.
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homrico, onde se l de trs para frente: 'quem agora, entre os danarinos, melhor desempenho
tiver'. Segue-se a isto 'uma tentativa de um segundo verso que avana com esforo at parar perto
da asa'.(HAVELOCK, 1996, p.197). Numa sociedade oral, as primeiras manifestaes de escrita
tendem a registrar a palavra falada, por isso que algumas inscries encontradas esto escritas em
versos; ao contrrio do que acontece na sociedade letrada moderna, em que os registros oficiais so
feitos em prosa.
A oralidade, na Grcia Antiga, foi veculo de muitos acontecimentos, dentre eles o incio da
democracia, como afirma Dupont (1998, p.12): La democratie grecque elle-mme fut fonde sur
une parole politique essentiellement orale, l'criture ne servant qu'aux lettres d'ambassadeurs, aux
tmoignages dans les procs et la publication des lois.4. Tambm no se pode esquecer de que a
filosofia grega foi propagada por meio da oralidade, os discursos filosficos, que temos hoje,
resultaram de um dilogo oral, como os de Pitgoras, Scrates, Aristteles e os Peripatticos5. Na
verdade, em geral, a Grcia prioriza a oralidade em detrimento da escrita, pois essa vista como um
instrumento de poder, como conclui Dupont (1998, p.13):
D'une faon gnrale, la Grce classique se mfie de l'ecriture quand elle prtend transcrire et conserver la parole des vivants, et de la lecture qui asservit le lecteur la volont du scripteur, car la fonction la plus ancienne de l'ecriture grecque n'tait pas d'enregistrer les paroles des hommes mais de faire parler les choses muettes, coupes ou stles funraires, grce une oralisation de l'inscription par le lecteur.6
Como a sociedade grega no primava pela composio escrita, muito dificilmente se poderia
falar em literatura. Pois, segundo Dupont, para se ter literatura, como pensada hoje, tem-se que ter
leitores. E nas sociedades antigas Grcia e Roma eram comuns as leituras pblicas em
contraponto s leituras individuais, fato esse que permite a escrita do texto com o intuito de
exclusivamente ser lido: les Anciens ont connu bien des faons de lire un livre, mais jamais cette
lecture littraire, semble-t-il, sinon sous la forme d'une rcriture, ce que nous appelons un
remake. (DUPONT, 1998, p.16)7. Da Grcia Antiga nos restou um exemplo dessa reescrita dos
mitos j conhecidos, o mito de Electra, filha de Agammnon e Clitemnestra, que mata a prpria me
com a ajuda do irmo Orestes para vingar a morte do pai. Esse mito recontado em trs tragdias
gregas, nas Coforas de squilo, na Electra de Sfocles e na Electra de Eurpides. Cada pea
4 A democracia grega em si foi fundada sobre um discurso poltico essencialmente oral, a escrita serve apenas para as cartas de embaixadores como prova num julgamento e para a publicao de leis
5 DUPONT, Florence. L'invention de la littrature. Paris: La Dcouverte, 1998, p. 12.6 Em geral, a Grcia clssica desconfia da escrita, quando ela pretende transcrever e conservar as falas dos vivos, e da
leitura que submete o leitor vontade do escritor, porque a funo mais antiga da escrita grega no era registrar as falas dos homens, mas fazer falar as coisas mudas, taas ou lpides, graas a um registro da oralizao para o leitor.
7 Os antigos conheceram muitas maneiras de ler um livro, mas nunca como uma leitura literria, aparentemente, seno como uma reescrita, o que chamamos de remake.
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apresenta uma verso diferente do mito, como na cena de reconhecimento, na qual Orestes
reconhecido; nas Coforas de squilo, o reconhecimento se d de trs modos anel de cabelo de
Orestes, as pegadas, as roupas tecidas por Electra; na Electra de Sfocles, o reconhecimento se d
por meio de um sinete (smbolo familiar) mostrado por Orestes para Electra; e na Electra de
Eurpides, o reconhecimento acontece quando o lavrador, marido de Electra, v uma cicatriz de
infncia no rosto de Orestes. Portanto, observa-se que, embora a cena de reconhecimento das
tragdias apresentadas se mostrem de modo distinto, o tema do matricdio de Electra permanece nas
trs peas, conservando essa parte do mito.
Os primeiros textos ditos literrios ou se poderia preferir a nomenclatura poticos ou
poetizados8 , que chegaram at os dias de hoje, so a Ilada e a Odisseia de Homero, datados do
sculo VIII a.C. Esses textos, segundo Thomas (2005, p.17), parecem ser produto de composio,
bem como de execuo, inteiramente oral.
No captulo 3, intitulado Poesia oral, do livro Letramento e Oralidade na Grcia Antiga, a
autora elenca algumas anlises a respeito da presena da oralidade na poesia homrica, base do
estudo da oralidade grega. A primeira teoria a conhecida como teoria de Milman Parry,
argumentando que os picos homricos eram poesia oral (THOMAS, 2005, p. 41). Parry analisou
as caractersticas da poesia pica, como os eptetos homricos, e apresentou um novo
direcionamento sobre os estudos de oralidade. A teoria de Parry revolucionou as pesquisas sobre a
poesia homrica, ao considerar a audincia e a performance9 na criao dos poemas, conforme
afirma Thomas (2005, p.42), decisivamente por causa da teoria de Parry que podemos agora
reconhecer a importncia do pblico e do contexto da apresentao nas sociedades orais e
tradicionais; o mesmo se diria do carter de improvisao.
As pesquisas de Parry tentaram mostrar que os poemas homricos eram constitudos por
expresses formulares (termos que se adequavam mtrica do poema, no momento da criao
potica), que possibilitavam a criao da poesia oral, em analogia com a observao da poesia
iugoslava. Aps a morte de Parry, Lord, um dos colaboradores da pesquisa, d seguimento aos
estudos sobre performance. A teoria Parry-Lord prioriza a audincia, o poeta deveria adaptar a
exposio oral ao gosto do pblico, podendo alter-la caso os ouvintes no estivessem satisfeitos,
pois cada performance era pontual, assim como afirma Lord (1971, p.5), no livro The singer of
tales: We shall see that in a very real sense every performance is separate song; for every
8 Por se tratarem de uma composio rtmica, Havelock (1996, p.13) prefere utilizar os termos potico ou poetizado, tais termos estariam em equivalncia com letrado e arte escrita.
9 Entenda-se, nesse captulo, performance como desempenho do poeta na exposio oral, pois o termo embora historicamente de formao francesa, ela [performance] nos vem do ingls e, nos anos 1930 e 1940, emprestada ao vocabulrio da dramaturgia (ZUMTHOR, 2007, p.29-30)
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performance is unique, and every performance bears the signature of its poet singer.10. A
composio oral far-se-ia diante do pblico diferindo do carter exclusivo de improvisao, pois se
apoiava em expresses formulares, elementos essenciais, para auxiliar o poeta no ato de compor o
poema, portanto no precisando se apoiar inteiramente no recurso mnemnico. Lord (1971, p.13)
tambm distingue a composio da poesia oral do poema literrio:
For the oral poet the moment of composition is the performance. In the case of literary poem there is a gap in the time between composition and reading or performance; in the case of the oral poem this gap does not exist, because composition and performance are two aspects of the same moment.11
O aspecto importante da performance para Lord que o poeta cria ao cantar, ele no um
mero recitador, por isso tem a liberdade de construir o seu poema. Ele ainda apresenta dois fatores
da composio oral que, segundo ele, no esto presentes numa escrita tradicional:
We must remember that the oral poet has no idea of a fixed model to serve as his guide. He has models enough, but they are not fixed and he has not idea of memorizing them in a fixed form. Every time he hears a song sung, it is different. Secondly, there is a factor of time. The literate poet has leisure to compose at any rate he pleases. The oral poet must keep singing. His composition, by its very nature, must be rapid. Individual singers may and do vary, in their rate of composition, of course, but it has limits because there is an audience waiting to hear the story. 12(LORD, 1971, p.22)
Desse modo, importa ao poeta manter a tradio, ou seja, o tema a ser cantado, e no a
forma fixa do poema. Segundo Thomas (2005, p.55), h pesquisadores, como Kirk, que defendem
que mesmo sem a ajuda da escrita possvel ter havido uma prvia elaborao do poema antes da
performance:
Portanto, um poema em grande escala como a Ilada pode ter sido desenvolvido muito gradualmente e no necessariamente com a escrita. As maiores cenas podem ter sido cuidadosamente elaboradas em privado, refinadas continuamente e reproduzidas, ao menos grosso modo, da mesma forma em sucessivas apresentaes. (THOMAS, 2005, p.55).
10 Veremos que, num sentido muito real, cada performance um poema distinto, pois cada performance nica, e cada performance tem a assinatura de seu cantor-poeta.
11 Para o poeta oral, o momento da composio a performance. No caso do poema literrio, h uma lacuna no tempo entre a composio e a leitura ou performance; no caso do poema oral, essa lacuna no existe, porque a composio e a performance so dois aspectos do mesmo momento.
12 Devemos lembrar que o poeta oral no tem ideia de um modelo fixo para servir como seu guia. Ele tem modelos suficientes, mas eles no so fixos e que ele no tem ideia de memoriz-los de uma forma fixa. Toda vez que ele ouve uma cano cantada diferente. E segundo lugar, existe o fator tempo. O poeta letrado tem tempo para compor de qualquer modo que ele quiser. O poeta oral deve continuar cantando. A sua composio, por sua natureza, deve ser rpida. Cantores individuais podem e variam em sua razo de composio, claro, mas tem limites, porque tem um pblico a espera para ouvir a histria.
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Aps muitas apresentaes do mesmo canto, pode-se pensar que o poeta tem a possibilidade
de especializar o seu canto quantas vezes forem necessrias. Por isso, Thomas (2005, p.56) conclui:
Tampouco h razo para pensar que a memorizao (de qualquer grau) pudesse tolher a
improvisao e a criatividade: ela pode simplesmente suplementar a improvisao e preservar as
cenas mais cuidadas.
Mas contrapondo o que foi mencionado anteriormente, o fato de as epopeias parecerem de
natureza oral no exclui a possibilidade de haver um texto escrito para a organizao das ideias e
para facilitar o processo de criao e memorizao de partes relevantes do mito, conforme mostra a
teoria de Shive, na qual a composio oral pode se utilizar da escrita para ajudar a lembrar o texto
a ser exposto, assim nos mostra Thomas (2005, p.59):
Desse modo, Homero usava a dico tradicional, certamente, mas frequentemente meditando to cuidadosamente sobre a expresso mais apta, em vez de usar uma expresso pr-fabricada, que comea a parecer muito com Milton ou Virglio.
Com isso Homero teria tido a possibilidade de refletir sobre a sua criao potica, podendo
escolher o termo mais adequado para o seu poema. Mas no se pode esquecer de que, no perodo
em que ele viveu, a escrita era usada em segundo plano e no como apoio criao potica,
portanto, Homero provavelmente no se utilizou da escrita para a composio de seus poemas.
Nas epopeias, a escrita alfabtica ajudaria porque tem uma capacidade til de preservar
informao e tornar a comunicao longa distncia muito mais fcil (THOMAS, 2005, p.39).
Essa capacidade de preservao da poesia oral coloca em questo o carter oral presente, por
exemplo, nos poemas homricos, mesmo que no haja evidncias, a princpio, da fixao da poesia
grega arcaica. Essa ideia s surgir aps o sculo V a.C., como nos mostra Thomas (2005, p.67):
Textos autorizados dos grandes trgicos do sculo V foram produzidos apenas na segunda metade do sculo IV sob os auspcios de Licurgo, numa clara tentativa de fixar os textos trgicos num perodo em que um maior respeito pela palavra escrita e pela literatura do sculo V visvel em diversas reas.
Gregory Nagy tambm apresenta uma pesquisa acerca da questo homrica e no primeiro
captulo do seu livro Homeric Questions elenca dez conceitos para abordar a performance homrica
(trabalho de campo, sincronia versus diacronia, composio em performance, difuso, tema,
frmula, economia como frugalidade, tradio versus inovao, unidade e organizao e autor e
texto) e lista mais dez conceitos em uso, que so aplicados enganosamente. Dos dez conceitos para
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a performance, mais adiante elegeremos em outro lugar desta dissertao alguns desses, a saber:
tema, tradio versus inovao e autor e texto. Com base na teoria de Parry-Lord, Nagy prope um
redirecionamento desta, como bem coloca no incio do segundo captulo do seu livro:
In earlier work, my starting point has been the central comparative insight of Milman Parry and Albert Lord, gleaned from their fieldwork in South Slavic oral epic traditions, that composition and performance are aspects of the same process in the making of Homeric poetry.13 (NAGY, 1996, p. 29)
O autor, com base nos estudos citados, afirma que h uma interao entre trs aspectos
composio, performance e difuso para compor a produo da poesia homrica, ao invs dos
dois aspectos de Parry-Lord (composio e performance). Nagy designa o primeiro lugar
performance, como ele expe:
The process of composition-in-performance, which is a matter of recomposition in each performance, can be expected to be directly affected by the degree of diffusion, that is, the extent to which a given tradition of composition has a chance to be performed in a varying spectrum of narrower or broader social frameworks. The wider the diffusion, I argued, the fewer opportunities for recomposition, so that the widest possible reception entails, teleologically, the strictest possible degree of adherence to a normative and unified version.14 (NAGY, 1996, p.39-40)
Mais adiante, de acordo com a trade apresentada, Nagy atribui cinco idades aos textos de
Homero e, em cada perodo, tenta mostrar como se deu a transmisso dos poemas homricos em
performance. As cinco idades dos textos homricos so as seguintes: primeira, no h textos escritos
(2000-800 a.C.); segunda, perodo pan-helnico, ainda no h textos escritos (da metade do sc.
VIII a.C. metade do sc. VI a.C.); terceira, com textos transcritos (da metade do sc. VI a.C. at
fins do sc. IV a.C.); quarta, com textos transcritos e roteiros (de fins do IV a.C. at metade do sc.
II); e quinta, com os textos como escritura (da metade do sc. II em diante), como bem resume
Mota (2010, p.32) em seu artigo intitulado Nos passos de Homero: performance como argumento
na Antiguidade:
G. Nagy assinala que os momentos na histria da performance e textualizao dessas 13 Em trabalhos anteriores, o meu ponto de partida foi a ideia central comparativa de Milman Parry e Albert Lord,
adquirida a partir de seu trabalho de campo nas tradies orais picas do Sul Eslavo, que a composio e a performance so aspectos de um mesmo processo na confeco da poesia homrica.
14 O processo de composio em performance, que uma questo de recomposio, em cada execuo pode-se esperar que seja diretamente afetada pelo grau de difuso, ou seja, a extenso em que uma dada tradio de composio tem a possibilidade de ser realizada em um espectro varivel de estruturas sociais mais estreitas ou mais amplas. Quanto maior a difuso, argumentei, menores so as oportunidades para a recomposio, de modo que a recepo mais ampla possvel implica, teleologicamente, o grau mais estrito possvel de adeso a uma verso normativa e unificada.
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obras no s se encontram associadas como tambm, em suas implicaes, apresentam uma histria das mudanas e transformaes da cultura performativa na Antiguidade. O estudo da recepo e produo de Homero ilumina dramticas mutaes no conceito e experincia de situaes interativas, cujas implicaes foram incorporadas em mentalidades que subagem em pressupostos at hoje dominantes.
Ao atribuir uma nova perspectiva para a criao e a recepo do poema homrico, Nagy
apresenta uma ampliao da teoria de Parry-Lord e uma nova vertente para os estudos homricos,
utilizando aspectos histricos e lingusticos.
Ento diante das teorias apresentadas, pode-se concluir que os poemas homricos foram
compostos em tempos anteriores e entraram em contato com a escrita em meados do sc. VIII,
mesmo que ainda no se utilizassem dela para a composio dos poemas. S sculos depois, que
houve uma verso escrita dos poemas (provavelmente a que nos restou), o que no quer dizer que
seria a nica verso, j que, naquele perodo, prevalecia a performance. O mesmo fato
provavelmente acontecia no somente com as poesias picas, mas tambm com os mitos gregos em
geral.
Logo depois dos textos homricos, com um novo processo de criao, aparecem os poemas
de Hesodo, a Teogonia e Os trabalhos e os dias. Na Teogonia, o aedo invoca as musas para cantar a
origem dos deuses. Nesse texto, assim como nos de Homero, encontram-se marcas de oralidade,
como nos mostra Torrano (2007, p.15):
A marca de oralidade no est somente nas caractersticas exteriores e formais da Teogonia, a saber: 1) nas frmulas e frases pr-fabricadas que, combinando-se como mosaicos, vo compondo os versos em sequncias salpicadas por palavras e expresses inevitavelmente retornantes; 2) na justaposio com que as sequncias narrativas se associam sem que nenhuma delas se centralize articulando em torno de si as outras, mas antes tendo cada sequncia narrativa um igual valor na sintaxe da narrao total e podendo portanto sempre e ao arbtrio do poeta articular-se a um nmero quase indefinido de novas sequencias; 3) nos catlogos (lista de nomes prprios) que se oferecem como um espetacular jogo mnemnico, que s a habilidade do poeta redime do gratuito e lhe confere uma funo motivada e significativa dentro do contexto do poema.
A poesia hesidica anterior fixao da escrita na Grcia, embora j existisse a escrita, tal
recurso no era utilizado para a composio de poemas. S depois ir surgir a poesia lrica, na qual
se encontra o uso do alfabeto.15
Contudo, o surgimento da escrita no implica o desaparecimento da composio oral. E
como prope Havelock (1996, p.24), em seu livro A revoluo escrita na Grcia e suas
15 TORRANO, Jaa. O mundo como funo de musas. In: HESODO. Teogonia. Estudo e trad. de Jaa Torrano. So Paulo: Iluminuras, 2007.
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consequncias culturais, abordou-se assuntos que vo de Homero ao drama grego, tendo em vista
demonstrar a permanncia, at o fim do sculo V, da colaborao entre o oral e o escrito. Ento no
se pode estudar as produes poticas gregas dos sculos VIII ao V a.C. sem pensar que a oralidade
e a escrita conviviam harmonicamente e se contaminavam. Tambm deve-se lembrar de que a
oralidade e a leitura pblica estavam mais presentes no cotidiano dos gregos desse perodo do que a
prpria escrita. Um exemplo disso, pode ser encontrado em Luciano de Samsata (sc. II d.C.),
quando relata que Herdoto apresentou as suas histrias num festival de Olmpia, como meio de
divulgar a sua obra.
, ' , , , , , ' , , . (SAMSATA, Herod., I)
Realizam-se ento os grandes jogos Olmpicos, e Herdoto, considerando que lhe chegara a oportunidade por que tanto ansiava, observando a panegria lotada, de todas as partes os mais distintos homens j reunidos, tendo-se aproximado da parte de trs do templo, no como espectador, mas como competidor dos Jogos Olmpicos, apresentava-se cantando suas histrias e encantando os presentes, a ponto de seus livros terem recebido o nomes das Musas, sendo eles tambm nove.16
Nesses trs sculos, os textos produzidos eram para ser a priori lidos em pblico, assim
como Havelock (1996, p.184) caracteriza a composio potica do drama grego:
O drama ateniense, alm de ser rtmico, obedece a regras associativas e de predio, prpria da composio oral; compe-se com base no princpio do eco e se concebe como uma apresentao a ser ouvida, vista e memorizada, mas no lida.
Diante de tal citao, torna-se impossvel estudar o drama grego sem verific-lo sob a tica
da recepo, embora haja como corpus apenas o texto escrito e possa analis-lo numa leitura
solitria que se define, ao mesmo tempo, como absoro e criao, processo de trocas dinmicas
que constituem a obra na conscincia do leitor (ZUMTHOR, 2007, p.51) aspectos esses bem
diferentes da sociedade grega antiga. E na recepo verifica-se, dentro da poesia oral, com mais
destaque a performance, como afirma Zumthor (2007, p. 50) a performance ento um momento
da recepo: momento privilegiado, em que um enunciado realmente recebido. Performance essa
que entra em disputa com a recepo, pois a ltima sobrevive por mais tempo do que a outra, por
isso, torna-se impossvel reviver uma performance j exibida, j que cada performance nica, ao
16 RIBEIRO, Tatiana Oliveira. Apdexis herodotiana: um modo de dizer o passado. Rio de Janeiro: UFRJ/Faculdade de Letras, 2010. Tese de doutorado.
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contrrio da recepo, de que possvel reconhecer o seu valor em um texto potico na sua prpria
poca. Segundo Zumthor (2007, p.51), o discurso potico estabelece um confronto entre
performance e recepo, embora a ltima tenha uma durao mais longa, por isso pode-se falar da
recepo de Virglio e de Homero, mas nos situamos a uma tal distncia temporal desses autores
que o termo performance no tem mais sentido em relao a eles (ZUMTHOR, 2007, p.51).
Contudo, conclui Zumthor (2007, p.52): a recepo, eu o repito, se produz em circunstncia
psquica privilegiada: performance ou leitura.
Assim numa sociedade primitiva, na qual s havia transmisso oral:
A recepo vai se fazer pela audio acompanhada da vista, uma e outra tendo por objeto o discurso assim performatizado: , com efeito, prprio da situao oral, que transmisso e recepo a constituam um ato nico de participao, co-presena, esta gerando o prazer. Esse ato nico a performance. (ZUMTHOR,2007, p.65)
Como se deu nas apresentaes das tragdias ticas, em que a audincia ao assistir ao
espetculo observava a performance dos atores, utilizando-se da audio e da vista, contrapondo-se
s apresentaes orais dos textos homricos. Nesse momento nico, no qual a performance
executada, os atores tentam interagir com a audincia e tentam provocar algumas sensaes, como
no caso da tragdia grega, terror e piedade, conforme afirma Aristteles na Potica (1449b, 23-28)
ao definir a tragdia17.
Em Atenas, assim como expe Havelock (1996, p.275): o drama tico, como uma forma de
arte nativa de Atenas, surgiu conforme a tradio sugere, na ltima metade do sculo VI, com o fim
de prover o necessrio suplemento a Homero. Como uma extenso da poesia homrica, o drama
tico prosseguiu com o efeito didtico daquela e tambm promoveu o entretenimento ao pblico
grego por meio das representaes cnicas. Mas, ao contrrio do que fizera a epopeia ao fornecer
aos cidados atenienses uma identidade coletiva, moral, poltica e histrica (HAVELOCK, 1996,
p.276), o drama tico propunha uma identidade particular, que era de uma cidade-estado
especfica. Ouvindo e assistindo s peas encenadas, eles reconheciam e absorviam um comentrio
corrente a seu prprio nmos e thos. (HAVELOCK, 1996, p.276). O drama tambm se
contrapunha poesia pica no quesito de comunicao, pois os poemas homricos necessitavam
somente do sentido da audio do pblico para captar a composio oral, j o drama utilizava-se
simultaneamente de dois sentidos, da audio e da viso. Assim o drama tico permanece com o 17 ,
, ' , ' . pois a Tragdia imitao de uma ao de carter elevado, completa e de certa extenso, em linguagem ornamentada e com vrias espcies de ornamentos distribudas pelas diversas partes [do drama], [imitao que se efetua] no por narrativa, mas mediante atores, e que, suscitando o terror e a piedade, tem por efeito a purificao dessas emoes. (traduo de Eudoro de Sousa)
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mesmo carter didtico, j utilizado pelas epopeias homricas, uma combinao de educao com
entretenimento, para propagar os costumes gregos. Portanto, as peas eram representaes
contnuas de aspectos do panorama cvico, com que a audincia era convidada a identificar-se
(HAVELOCK, 1996, p.276).
Desse modo as peas ticas eram produtos de composio oral, na qual o coro era um
elemento central, pois rememorava a parte mais potica da representao. O coro funcionava como
uma personagem na pea, porque dialogava com as outras personagens e interferia no
desenvolvimento do enredo. E o mito escolhido a ser encenado, nada mais era do que um pequeno
trecho da poesia homrica, j conhecido do pblico:
Finalmente o 'mito' de cada pea, situando a trama num passado heroico imaginrio, seguia o princpio da fantasia homrica, envolvendo a mensagem contempornea em uma aura arcaica, de modo a dar-lhe assim distanciamento, um tom grandiloquente e capacidade de sobrevivncia. (HAVELOCK, 1996, p. 277).
Com o passar do tempo, a oralidade, como meio de divulgao dos poemas, vai se
enfraquecendo, cedendo lugar a outras formas de comunicao, como a escrita, e assim afirma
Havelock (1996, p.277-78):
A comunicao importante podia ser congelada na escrita, lida, relida e evocada, em vez de plantar-se na memria oral. Pela lgica deste avano, o que se pode chamar de oralidade da tragdia grega estava destinada a sofrer eroso. O propsito didtico central havia de enfraquecer-se, na medida em que a cultura vinha cada vez mais a apoiar-se em formas escritas de comunicao estocada, disponvel para reutilizao. O justo equilbrio entre instruo e entretenimento, uma necessidade mnemnica desde tempos imemoriais, havia de alterar-se privilegiando o entretenimento.
Como representao desse declnio da oralidade no drama tico, consequncia da tenso
vivida pela tragdia entre o falar e o ouvir, tem-se como exemplo o papel do coro nas peas gregas.
O coro das tragdias gregas era um componente essencial a essas peas, pois ele carregava mais
fortemente o aspecto de composio oral to presente nos poemas homricos. Os cantos corais eram
entoados por cidados gregos, dando uma caracterstica mais popular a essa parte da tragdia. O
nmero de participantes dos coros variava de acordo com o gnero teatral e o autor: philological
opinion agrees with the numbers twelve for the choruses of Aeschylus, fifteen for those of
Sophocles and Euripides, and twenty-four in Ancient Comedy; similarly for the fifty-member
chorus of the dithyramb.18 (CALAME, 1997, p. 21). Segundo Calame, em seu livro Choruses
young women in Ancient Greece, o coro trgico assume uma forma retangular contrapondo-se 18 A opinio filolgica concorda com os nmeros doze para os coros de squilo, quinze para os de Sfocles e
Eurpides, e vinte e quatro na Comdia Antiga; da mesma forma, cinquenta membros do coro do ditirambo.
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forma circular dos cantos lricos, ainda que tenha vindo desse canto:
The iconography of the lyric chorus is thus divided into two large categories: one processional, the other circular. A third, less important, category of disposition in rows can be added. This classification has two consequences. First, the rectangular formation of the tragic chorus should probably be included in this third class. The tragic chorus would therefore originate in a lyric form, and the dichotomy between tragic chorus characterized by 'retangle' and lyric chorus 'circularity' is probably not as marked as my remarks at the beginning of the paragraph would suggest. Second, the visual images reveal a feature of the lyric chorus not apparent in written documents, that of procession. (CALAME, 1997, p.38)19
E para acrescentar s informaes estruturais do coro, no livro An introduction to greek
tragedy, o autor afirma que os atores, que compunham o coro, eram exclusivamente masculinos,
usavam trajes adequados e mscaras que cobriam toda a cabea.20
Alm das questes estruturais apresentadas sobre o coro, no se pode esquecer que no
drama tico do sc. V a.C. havia tambm um propsito didtico, que Havelock (1996, p.315) divide
em dois nveis:
O primeiro temtico, exigindo que a trama de toda a pea seja manipulada de modo tal que propicie um disfarce para os interesses sociais e contemporneos e uma lio indireta sobre como administrar. O segundo o aforstico, um nvel em que a retrica e os cantos de todos os integrantes da tragdia so linguisticamente elaborados de modo a conter copiosos fragmentos do thos e do nmos da sociedade, sua sabedoria oral.
Nos cantos corais, presencia-se o segundo nvel, o aforstico, principalmente atravs dos
ditos populares reelaborados, como meio de divulgao da sabedoria popular, conforme aparece
num exemplo apresentado por Havelock (1996, p. 310): O discurso oral memorizvel,
privilegiando o especfico antes que o geral, em vez de dizer 'A honestidade a melhor poltica'
prefere dar-lhe esta formulao: 'um homem honesto que alcana proveito'. Reescrevendo o dito
popular e o aproximando da realidade da sociedade espectante.
Na tragdia grega do sc. V, encontram-se exemplos de aforismos nos cantos corais, que
atribuem um carter oral e popular a esses cantos, como se v no segundo estsimo da tragdia
Agammnon de squilo:19 A iconografia do coro lrico est assim dividida em duas grandes categorias: uma a procisso, e a outra a circular.
Uma terceira, menos importante categoria de disposio em filas podem ser adicionada. Esta classificao tem duas consequncias. Em primeiro lugar, a formao retangular do coro trgico provavelmente deve ser includa nesta terceira classe. O coro trgico, portanto, originrio de uma forma lrica, e a dicotomia entre o coro trgico caracterizado pelo 'retangularidade' e o coro lrico pelo 'circularidade' provavelmente no to marcada como minhas observaes no incio do pargrafo sugere. Em segundo lugar, as imagens visuais revelam uma caracterstica do coro lrico no perceptvel em documentos escritos, como o da procisso.
20 SCODEL, Ruth. An introduction to greek tragedy. New York: Cambridge University Press, 2011, p. 4.
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' , - ' . (Es., Ag., 750-753)
Prstino entre mortais velho provrbio diz: quando grandea opulncia humanaprocria e no morre sem filho.21
Como se pode observar, o coro apresentado indica um provrbio antigo e quem o proferiu. O
coro esquiliano ao inserir o substantivo (humano, dos homens), apresenta um carter
didtico ao aproximar o provrbio do povo tico. Prtica bastante comum no s nos coros das
tragdias, mas tambm nas falas das personagens, como no prlogo da tragdia As traqunias de
Sfocles proferido por Dejanira:
' ' , , ' ' (Sof., Traq., v. 1-3)
Ditado antigo dos homensdiz que antes de morrer nenhum mortal pode saber se tem bom fado ou mau.22
E mais uma vez, encontra-se no aforismo uma referncia identificao do povo com o
provrbio, ao inserir o substantivo (homem), confirmando assim o intuito didtico das
peas.
Os ditos populares presentes nas tragdias so um dos exemplos que marcam a
sobrevivncia da oralidade nas peas do sc. V a.C. Fato esse explicado porque a tragdia, alm de
sofrer influncias da oralidade dos poemas homricos, teria vindo de um canto popular, o
ditirambo, como afirma Aristteles na Potica:
' ' - , , - , . (Ar., Poe., 1449a, 9-15)
Mas, nascida de um princpio improvisado (tanto a Tragdia, como a Comdia: a Tragdia, dos solistas do ditirambo; a Comdia, dos solistas dos cantos flicos, composies estas ainda hoje estimadas em muitas das nossas cidades), [a Tragdia]
21 Traduo de Jaa TORRANO (2004).22 Traduo de Flvio Ribeiro de OLIVEIRA (2009).
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pouco a pouco foi evoluindo, medida que se desenvolvia tanto quanto nela se manifestava; at que, passadas muitas transformaes, a Tragdia se deteve, logo que atingiu a sua forma natural.23
Para confirmar essa influncia do ditirambo na poesia trgica, em especial nos cantos corais,
Calame, em seu artigo De la posie chorale au stasimon tragique, elenca mais outras fontes
antigas que registram a proximidade entre os dois gneros:
Ds le Ve sicle d'ailleurs, les Grecs eux-mmes n'ont pas manqu de faire driver les reprsentations tragiques athnienne dans leur ensemble d'excutions chorales; soit qu'Hrodote montre Clisthnes de Sicyone, le beau-pre de Clisthnes d'Athnes, transfrant les de la clbration du hros Adraste celle du dieu Dionysos; soit qu'Aristote en cherche l'origine dans l'institution des du dithyrambe, forme chorale ddie au mme Dionysos; soit encore qu'un tmoignage beaucoup plus tardif affirme que Solon aurait dja attribu Arion, le pote mlique compositeur de dithyrambes, la premire excution dramatique que d'une . Pour Diogne Laerce, ds lors, il en fait aucun doute que les premires reprsentations tragiques taient assumes uniquement par un groupe choral. (CALAME, 1997, p.181-182)24
O ditirambo era uma narrativa de tema herico entoada por um coro em honra de Dioniso e,
ao que parece, performada de improviso25, da o carter heroico considerado como elo entre o
ditirambo e a tragdia. E Aristteles coloca o ditirambo lado a lado com a tragdia e a pica ao
classific-las como imitao26. Mas a histria acerca da origem da tragdia muito complexa.
Muitas pinturas nos vasos colocam ao lado da encenao trgica a figura de Dioniso e dos stiros,
Aristteles apresenta uma antiga proximidade entre os cantos dos stiros com a tragdia, ao dizer na
Potica:
, . (Ar., Poe., 1449a, 19-22)
23 Todas as tradues da Potica de Aristteles presentes nesse texto so de Eudoro de Sousa, conforme consta na referncia bibliogrfica: ARISTTELES. Potica. Trad. de Eudoro de Souza. So Paulo: Ars Poetica, 1992.
24 A partir do sculo V, alm disso, os prprios gregos no deixaram de fazer representaes trgicas atenienses nas suas execues corais; seja quando Herdoto mostra Clstenes de Sicion, o padrasto de Clstenes de Atenas, transferindo da celebrao do heri Adrasto ao deus Dioniso; seja quando Aristteles procura a origem da instituio dos do ditirambo, a forma coral dedicada ao mesmo Dioniso; seja ainda um testemunho muito mais tarde que afirma que Slon tinha j atribudo a Arion, o poeta mlico compositor de ditirambos, a primeira execuo dramtica de uma . Para Digenes Larcio, portanto, no h nenhuma dvida de que as primeiras representaes trgicas foram assumidas apenas por um grupo coral.
25 MILLER, N.P. The Origins of Greek Drama. A Summary of the Evidence and a Comparison with Early English Drama. In: Greece & Rome, 2nd Ser., Vol. 8, No. 2. (Oct., 1961), p.129.
26 . A Epopeia, a Tragdia, assim como [a comdia] e a poesia ditirmbica e a maior parte da aultica e da citarstica, todas so, em geral, imitaes. (1447a, 14-16). Inclui na traduo a comdia, pois no consta na traduo de Eudoro de Sousa e consta no texto grego .
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25
Quanto grandeza, tarde adquiriu [a Tragdia] o seu estilo: [s quando se afastou] dos argumentos breves e da elocuo grotesca, [isto ,] do [elemento] satrico.
Contudo, a tragdia teria tido influncia de diversos gneros, como a pica, o ditirambo e os
cantos dos stiros. Embora se verifique com mais evidncia a influncia da poesia pica, atravs dos
mitos e do carter didtico, e do ditirambo, na composio dos cantos corais e do carter
ritualstico, como afirma Scullion (2005, p.26):
Tragedys inheritance from epic is vastly more important to him than that from dithyramb, but epic cannot account for tragedys choral component. Dithyramb not only can do that, but can also anchor tragedy in the specific Athenian milieu in which it came to fruition.27
E dentre as questes sobre a origem da tragdia, coloca-se que o inventor da tragdia foi
Tspis, pois foi considerado o the man who first produced a recognizable ancestor of the tragic
actor on the Athenian stage28 (MILLER, 1961, p.132). Pela juno do primeiro ator trgico com o
canto coral, influenciado pelo ditirambo, assim teriam sido os primrdios da tragdia. Depois a
poesia trgica se consolida com squilo que, segundo Aristteles:
(Ar., Poe., 1449a, 16-180)
squilo foi o primeiro que elevou de um a dois o nmero dos atores, diminuiu a importncia do coro e fez do dilogo protagonista.
Assim como os textos de squilo tambm sobreviveram os de Sfocles e os de Eurpides,
totalizando trinta e duas peas, que foram performatizadas nos festivais dionisacos. Todas as peas
foram compostas roughly between the end of the Persian Wars and Athens defeat by Sparta and
her allies29 (DEBNAR, 2005, p.6). Dentre essas peas, somente uma de cunho histrico, Os
persas (472 a.C.) de squilo, que narra a derrota do rei persa Xerxes na batalha de Salamina. As
outras peas de squilo foram apresentadas em trilogias, mas s restou uma delas, a Oresteia,
composta pelas peas Agammnon, Coforas e Eumnides30. Essa trilogia foi encenada em 458 a.C
no teatro de Dioniso. Em todas as peas que sobreviveram, squilo obteve o primeiro lugar.
27 A herana da tragdia do pico muito mais importante para ela do que a do ditirambo, mas a pica no pode explicar o componente coral da tragdia. O ditirambo no s pode fazer isso, mas tambm pode ancorar a tragdia no meio especfico ateniense em que chegaram a ser concretizadas.
28 Homem que primeiro produziu um antepassado reconhecvel do ator trgico no palco ateniense.29 Aproximadamente entre o final das Guerras Persas e a derrota de Atenas por Esparta e seus aliados.30 MOTA, 2008, p.18.
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squilo, o poeta de Elusis, alm de escrever tragdias tambm lutou na batalha de
Maratona, talvez por isso tenha tratado, numa de suas tragdias, da guerra, conforme j foi citado.
Embora o momento narrado na pea date de oito anos antes, squilo reescreve esse momento
histrico em sua tragdia, movendo os fatos do sc. V ao passado mtico. A vitria dos gregos
contra os persas influenciaram muito na poesia da poca, como na tragdia Os persas de squilo,
como afirma Debnar (2005, p.7):
Conversely, although the historical referent of Persians is clear, modern scholars interpretations of the poets use of the event are shaped in large part by how far they believe the Athenians had moved toward empire by the end of the 470s.31
Tambm na Oresteia, encontram-se referncias ao sc. V, perodo em que as tragdias foram
encenadas:
The conflicts and resolution of the Oresteia are strongly colored by the difficulties the Athenians were facing in the 450s: clashes with the Persians, the First Peloponnesian War, and political upheavals within their own city.32 (Debnar, 2005, p. 10)
A primeira tragdia da trilogia, Agammnon, apresenta uma nfase no mar, mostrando a
fora da guerra martima na viagem rumo a Troia e no retorno do rei de Argos. O poder martimo
refletiria o poder adquirido por Atenas ao vencer os Persas. Na outra pea, Eumnides, squilo
coloca em cena o tribunal ateniense e uma disputa entre as leis antigas (Ernias) e as novas (Atena).
E como exemplo mais definido dessa reforma jurdica em Atenas, tem-se o seguinte exemplo:
It is equally certain that when Athena gives the jury of Athenian citizens the power to try cases of murder, the poet alludes to Ephialtes reform of the Areopagus, which still retained this power in 458.33 (DEBNAR, 2005, p. 10)
No somente nas tragdias de squilo observam-se essas referncias histricas ao perodo
em que foram encenadas as peas. Em Sfocles, na tragdia jax, que foi encenada durante o
perodo de trinta anos de paz na Grcia, demonstra um retorno aos mitos homricos pela
personagem jax, como tambm apresenta uma proximidade com o sc. V a.C.:
31 Por outro lado, embora o referencial terico de Os persas seja claro, as interpretaes dos estudiosos modernos usadas pelo poeta do evento so formadas em grande parte por quo longe eles acreditam que os atenienses tenham se movido em direo ao imprio at o final de 470.
32 Os conflitos e a resoluo da Oresteia so fortemente ilustradas pelas dificuldades que os atenienses enfrentavam em 450: confrontos com os persas, a primeira guerra do Peloponeso, e levantes polticos dentro de sua prpria cidade.
33 igualmente certo que quando Atena d ao jri de cidados atenienses competncia para julgar os casos de homicdio, o poeta alude reforma do Aerpago de Efialtes, que ainda mantinha esse poder em 458.
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27
At the same time, his [Ajax] command of sailors would have reminded the fifth-century audience of themselves and of the great aristocratic generals responsible for repelling the Persians and for the prosperity that the expansion of the empire brought their city (DEBNAR, 2005, p.12).34
Tambm se verifica na pea Suplicantes de Eurpides, assim como em squilo a presena da
guerra. Mas o momento histrico no o mesmo, conforme afirma Debnar (2005, p.16):
Nonetheless, just as mention of civil war in Eumenides is likely to have reminded Aeschylus audience of the political situation after Ephialtes reforms, so in Euripides play the refusal of the Thebans to allow burial of their foes could have reminded the Athenians of a similar incident involving Boeotians in the recent past.35
A reforma de Efialtes, que aconteceu dois ou trs anos antes da encenao da pea
Eumnides de squilo, pode ser lembrada pelos espectadores na tragdia, como j foi citado
anteriormente (DEBNAR, 2005, p.10), assim como o incidente recente envolvendo os Becios
poderia ter sido lembrado pela audincia da pea Suplicantes de Eurpides.
Conforme se observa nos exemplos apresentados, durante o sc. V a.C., perodo em que
foram encenadas as tragdias, os mitos gregos foram reescritos investidos de uma nova viso, no
caso, a influncia dos momentos histricos vividos pelos gregos. A audincia dessas peas ao
assistir os fatos j vivenciados pelo seu povo se identifica com a tragdia encenada.
O teatro grego do sc. V a.C. era encenado nas festas dionisacas, como as Dionsias Rurais,
as Leneias e as Grandes Dionsias, exceto nas Antestrias, nas quais no se confirmam as
apresentaes teatrais. As Dionsias Rurais aconteciam no ms de dezembro, ms de Poseidon,
comeavam com um cortejo flico e em sequncia acontecia um sacrifcio, depois desses seguiam
com as representaes teatrais a tragdia, a comdia e o ditirambo. As Leneias aconteciam em
janeiro, no ms do Gamlion, e incluam o cortejo conduzido pelo arconte, sacrifcio e
apresentaes dramticas de comdia, de tragdia e de ditirambo. Esse festival era tipicamente
tico, pois no contava com a presena de no-atenienses. As Antestrias aconteciam entre os dias
11 e 13 do ms de Antestrion, ms de fevereiro. No primeiro dia de festival, era o dia de abertura
dos tonis. No segundo dia, havia um concurso de bebida. No terceiro dia, acontecia a festa das
34 Ao mesmo tempo, o seu [jax] comando de marinheiros teria lembrado o pblico do quinto sculo deles mesmos e dos grandes generais aristocrticos responsveis por repelir os persas e pela prosperidade que a expanso do Imprio trouxe a sua cidade.
35 No entanto, assim como a meno de guerra civil em Eumnides provvel que tenha lembrado a audincia de squilo da situao poltica aps as reformas de Efialtes, portanto, na pea de Eurpides a recusa dos tebanos para permitir o sepultamento de seus inimigos poderia ter lembrado os atenienses de um incidente semelhante envolvendo os Becios num passado recente.
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marmitas. E no h muitas referncias acerca da existncia de concursos dramticos nessa festa36.
As Grandes Dionsias eram festivais urbanos em honra de Dioniso Eleutrio. Esse festival
acontecia no ms do Elafeblion (no final de maro) e contava com a presena no s de cidados
atenienses, mas tambm de outras cidades-estados. Nesse festival, havia concursos teatrais e o
responsvel pelas celebraes era o arconte-epnimo que tinha a seu cargo os custos da pompe37 e
dos concursos dramticos e ditirmbicos. (CASTIAJO, 2012, p.20). No primeiro dia de festival, os
poetas, os atores e os participantes dos coros, que se apresentaro no evento, mostram-se sem
mscaras e davam uma prvia das performances a serem apresentadas. No final desse dia, a esttua
de Dionso conduzida de seu templo at o teatro. No segundo dia, acontecia o cortejo religioso, a
pompe, e depois, o sacrifcio, e de tarde ocorria o concurso de cantos corais. Nos outros dias,
aconteciam as competies dramticas, nas quais eram encenadas comdias, tragdias e dramas
satricos.
A ordem das competies dramticas bem como os dias a elas dedicados continuam a ser questes controversas. A verso dominante a de que, antes e depois da guerra do Peloponeso (431-404 a.C.), o primeiro dia dos concursos era dedicado performance de cinco comdias e os restantes trs eram preenchidos, cada um deles, com a apresentao, por um nico poeta e corego, de trs tragdias e um drama satrico. Outra das verses d como certo que o primeiro dia estava reservado performance dos ditirambos de rapazes e representao de uma comdia, o segundo competio dos coros ditirmbicos de homens e performance de outra comdia, e os trs ltimos dias, cada um deles, apresentao de uma tetralogia trgica e de uma comdia. (CASTIAJO, 2012, p. 26)
No ltimo dia do festival, o arconte-epnimo anunciava audincia os vencedores dos
concursos dramticos. Os poetas vencedores eram coroados com coroas de hera e conduzidos para
casa por um cortejo vitorioso. No se sabe quais seriam os prmios concedidos aos melhores atores.
A encenao das peas do sc. V a.C., nas Grandes Dionsias, acontecia normalmente no
teatro de pedra de Dioniso. De l, o pblico de quase 3000 pessoas tinha uma viso privilegiada, na
qual era possvel acompanhar a procisso e visualizar os sacrifcios38. E tambm era um ambiente
propcio para as danas e encenaes. No palco acontecia a cena, os atores usavam mscaras, que
ajudavam na projeo vocal. As mscaras davam um carter impessoal aos atores e os distanciava
da audincia. Elas eram diferentes para a tragdia e para a comdia. E para complementar o figurino
dos atores, as vestimentas, que poderiam, por exemplo, demonstrar a classe social, muito diziam de
suas personagens. Assim como as mscaras, as vestimentas e os sapatos tambm eram distintos para
a tragdia e a comdia. Na tragdia, os atores usavam a tnica peplo e na comdia, a tnica chiton, 36 CASTIAJO, 2012, p. 13-17.37 Procisso38 CASTIAJO, 2012, p.33
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curta para que fosse possvel visualizar o phallos. Os sapatos, na tragdia, eram simples e
confortveis com altura at a perna, j, na comdia, os sapatos eram triviais, as embades.
Depois de paramentados, os atores deveriam cumprir o seu papel de representar uma
personagem, deixando de ser um mero recitador de poemas. Para designar ator, os gregos
utilizavam a palavra hypokrites j usada no sculo V a.C. e que no haveria nenhum outro termo
para denominar atores, em geral, incluindo os protagonistas. (CASTIAJO, 2012, p.82). Alm de
hypokrites, havia outros termos mais especficos para designar o papel ocupado pelo poeta dentro
da encenao, como protagonistes, deuteragonistes e tritagonistes. Esses termos eram pouco
utilizados e serviam para indicar a diviso dos atores e no um nvel de importncia. Os atores
deveriam ter habilidades especficas para conseguirem desempenhar o seu papel, como uma boa
projeo vocal, uma flexibilidade de gesticulao, uma capacidade de danar e muito preparo fsico
para aguentar a rotina de ensaios e o tempo no palco.
Em cena, o ator dialogava com outro ator ou com um coro. Visto como elemento primordial
(j mencionado anteriormente), o coro vai perdendo espao com o passar dos anos para outros
atores nas representaes dramticas. No sc. V a.C. ainda vemos o coro participando efetivamente
das tragdias de squilo, Sfocles e Eurpides, mas s
na viragem do sculo V para o IV a.C., nomeadamente com a figura de gaton, que se assiste de uma forma mais evidente ao relegar do papel do coro para segundo plano, j que, por esta altura, o enfoque passou a ser atribudo aos atores, sendo que a participao do coro passou a ser escassa, cabendo-lhe quase exclusivamente a interveno em interldios embolima entre as peas, que mais no eram do que cnticos com pouca ou sem qualquer relao com os acontecimentos representados no espao cnico, passando, desta forma e definitivamente, a estar afastado da ao dramtica. (CASTIAJO, 2012, p.106-107)
Porm enquanto esteve presente efetivamente nas representaes dramticas, segundo
Castiajo (2012, p.109-113), o coro exerceu funes importantes, como sendo o narrador dos fatos
conhecidos e desconhecidos da audincia; como o interlocutor do ator; como um intermedirio
entre o mundo ficcional da pea e a realidade da audincia, j que por natureza, composio e
colocao fsica, pertencia simultaneamente ao mundo da pea e ao mundo da audincia
(CASTIAJO, 2012, p. 110); como elemento teatral de identificao das personagens, que entram em
cena; como representantes de um grupo especfico; como representante de uma coletividade. E
assim como os atores, o coro tambm deveria ter a habilidade de projeo de voz e de danar.
Todo esse aparato cnico do teatro do sc. V a.C. culminava numa representao teatral,
cujo principal espectador era o cidado grego.
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Assim, para alm de todo o tipo de cidados que estariam presentes, fosse qual fosse a sua categoria profissional ou nvel de formao artesos, agricultores, sacerdotes, poetas, filsofos (o que a este nvel representativo da dimenso democrtica dos festivais) hoje cada vez mais aceite que tambm os escravos, as crianas e as mulheres tinham assento no teatro. (CASTIAJO, 2012, p.130)
Quanto presena das mulheres nas representaes teatrais, h controvrsias, alguns
estudiosos acreditam que as mulheres teriam ido ao teatro, embora em nmero reduzido e ficando
restritas a cadeiras especficas, e outros que defendem que as mulheres no frequentavam o teatro
durante os festivais. E alm dos homens, mulheres, crianas e escravos, os no-atenienses39 ainda
assistiam aos espetculos durante as Grandes Dionsias. Essa diversidade de audincia exigia dos
poetas e dos atores uma maior profissionalizao de sua arte, para que pudessem agradar o maior
nmero possvel de espectadores.
O teatro em Roma se inicia por volta do sc. III a.C., aps a tomada da cidade de Tarento,
pois os artesos e os soldados, aps terem contato em suas viagens com representaes teatrais nas
cidades de origem grega quiseram trazer essa nova experincia para Roma:
Because Roman merchants and soldiers had seen tragic performances in the Greek theatres of Tarentum and Syracuse during the campaigns against Pyrrhus and the Carthaginians, they wanted to introduce this kind of drama at Rome, and in 240BC Livius Andronicus, a Tarentine Greek who bore the name of his Roman patron, was commissioned to translate or rather adapt a tragedy and a comedy for the victory games.40 (FANTHAM, 2007, p.116)
Todavia o teatro romano, em sua formao, no somente sofreu influncias dos gregos,
provenientes da regio conhecida como Magna Grcia Lucnia, Aplia e Siclia , mas tambm
dos etruscos (povo situado ao norte de Roma) e dos mbrios (povo situado nordeste de Roma).
Os etruscos acumulavam elementos da cultura grega e da cultura fencia. Ficaram
conhecidos por seus msicos, danarinos e mscaras, mas no restou nenhum texto escrito dessas
manifestaes artsticas, somente pinturas, que representam tais manifestaes. Tambm o nome
actor (ator) teria origem na palavra etrusca histrio. Quanto aos umbros, pouco se sabe a respeito
deles. Diante dessas imprecisas informaes, conclui Dupont (2003, p. 142) Car ce qui fait
l'identit du thtre latin, c'est la rencontre et la synthse des deux, la posie grecque e les spectacles
latins.41. Com isso pode-se dizer que as principais fontes do teatro romano seriam o teatro grego e
os espetculos latinos. 39 Como trata-se de teatro ateniense, os estrangeiros so os que no pertencem aquela plis.40 Porque os comerciantes e os soldados romanos tinham visto performances dramticas nos teatros gregos de Tarento e Siracusa durante as campanhas contra Pirro e os cartagineses, eles queriam introduzir este tipo de drama em Roma, e em 240 a.C. Lvio Andronico, um tarentino grego que tinha o nome de seu patrono romano, foi contratado para traduzir ou melhor adaptar uma tragdia e uma comdia para os jogos de vitria.41 Pois o que faz a identidade do teatro latino o encontro e a sntese de dois, a poesia grega e os espetculos latinos.
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Os espetculos romanos eram apresentados nos chamado ludi, um festival coletivo, pblico
ou privado. E nesses no s aconteciam apresentaes teatrais, mas tambm corrida de cavalos,
combate de animais, combate de gladiadores, entre outras. Os espetculos teatrais eram chamados
de ludi scaenici e os outros espetculos eram conhecidos como ludi circenses.
The ludi scaenici were organised by Roman magistrates, who used them (among other things) to impress their peers clients and the citizen body as a whole, and (especially where the praetexta was concerned) for specific political goals.42 (BOYLE, 2009, p.6)
Os romanos promoviam a princpio espetculos de cunho religioso, nos quais foram
inseridos as apresentaes performatizadas. The ludi began with a sacrifice to the appropriate deity
and a procession from the cult temple, but, when the play began, the actors had to compete with all
kinds of circus-style entertainment.43 (BOYLE, 2009, p.6). Os sacrifcios tambm poderiam ser
feitos aos magistrados e nem sempre eram dedicados a apenas uma divindade. J as procisses
provavelmente remontam a uma tradio etrusca.
Nos ludi incluiam-se vrias apresentaes: comdias, tragdias, farsas atelanas, mimos,
msica e dana44. Os espetculos teatrais eram apresentados em teatros ditos temporrios, que
podiam ser montados e desmontados; normalmente a estrutura desse teatro era feita de madeira ou
de mrmore. Por isso, a scaena podia ser montada em vrios lugares da cidade, ao contrrio do que
acontecia com os jogos circenses que tinham um lugar fixo e fechado para a apresentao de seus
espetculos45. O primeiro teatro, dito permanente, construdo em Roma foi o teatro de Pompeu em
55 a.C., como caracteriza Goldberg (1996, p.265):
The vast structure itself was in many ways a marvel: Rome's first stone theater, designed to hold perhaps 40,000 spectators, incorporated a temple of Venus Victrix above the cavea, flanked by four ancillary sanctuaries to revered abstractions like Honos and Virtus, while behind the stage building stretched an elaborate portico and formal garden connecting the theater with a new senate-house some 200 meters to the east.46
42 Os ludi scaenici foram organizados por magistrados romanos, que os usaram (entre outras coisas) para impressionar os seus pares nobres e o corpo do cidado como um todo, e (especialmente onde estava a pretexta foi referida) para objetivos polticos especficos.
43 Os ludi comeavam com um sacrifcio divindade apropriada e uma procisso do templo de culto, mas, quando a pea comeava, os atores tinham que competir com todos os tipos de entretenimento de estilo circense.
44 BOYLE, 2009, p.645 BEACHAM, 2007, p.202-22646 A grande estrutura em si foi de muitas maneiras uma maravilha: o primeiro teatro de pedra de Roma, projetado para
manter, talvez, 40 mil espectadores, incorporou um templo de Venus Victrix acima do cauea, ladeado por quatro santurios auxiliares para reverenciadas abstraes como Honos e Virtus, enquanto por detrs do palco construdo estendeu um prtico elaborado e um jardim formal ligando o teatro com uma nova casa senatorial cerca de 200 metros para o leste.
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Depois desse teatro, foram construdos os teatros de Balbo em 13 a.C. e o de Marcelo em 11
a.C., no reinado de Augusto47. Com um espao fsico definido para as encenaes, os jogos romanos
j constavam em seus calendrios. Em Roma, os festivais aconteciam normalmente de abril a
novembro comeando com os Ludi Megalenses e os Ludi Cerialis em abril e terminando com os
Ludi Plebeii em novembro48.
Em todos os jogos aconteciam representaes teatrais, que eram encerrados pelas
apresentaes circenses. Os espetculos duravam o dia todo se estendendo at a noite. O povo
romano passava muitos dias do ano nos Jogos. Alm de proporcionar divertimento, nesses
espetculos eram distribudos para o povo comida e presentes.
A audincia romana era composta por pessoas de todas classes sociais, do escravo ao
magistrado, mas havia uma diviso social dentro do teatro, cujo em assentos especficos, de acordo
com a sua colocao na sociedade, as pessoas se acomodavam.
Admission was free, on a first-come, first-served basis, but restrictions on seating for different classes made the theatre a vivid representation of Roman social hierarchy. As choruses played little or no role in Roman drama, seats were set up in the orchestra for senators (and possibly their families), behind which sat recent civic honourees. The next fourteen rows were reserved for the knights (equites). Behind them sat married (male) citizens, then unmarried citizens, then women, and finally slaves, who often stood in the back.49 (REHM, 2007, p.197)
Os atores trgicos portavam uma coroa na cabea, vestiam-se com uma toga prpura ou
violeta e calavam coturnos. Quanto s mscaras, os atores romanos no as utilizaram muito,
porque a princpio elas estavam restritas s atelanas50. As mscara foram usadas por um curto
espao de tempo, durante o sc I, pela tragdia e pela comdia. Esse hbito s foi conservado pela
pantomima51. Ao invs da mscara, o ator romano privilegiava o uso da maquiagem52.
Outro produto essencial do teatro romano era a msica, que estava presente em todas as
47 DUPONT, 2003, p.58.48 REHM, 2007, p.194.49 A entrada era gratuita, organizada por ordem de chegada, mas as restries de assentos para diferentes classes
tornavam o teatro 'a representao viva da hierarquia social romana'. Como os coros pouco encenados ou com nenhum papel no teatro romano, os assentos foram instalados na orquestra para senadores (e possivelmente suas famlias), atrs dos quais se sentavam os cidados recm homenageados. As prximas quatorze filas foram reservadas para os "cavaleiros" (equites). Atrs deles sentavam-se os cidados casados (masculino), os cidados solteiros, ento as mulheres e, finalmente, os escravos, que muitas vezes ficavam na parte de trs.
50 A atelana era originria, ao que tudo indica, uma espcie de farsa popular, vivida por personagens fixas, burlescas e caractersticas. () Aparentada com o drama satrico, com a hilarotragdia e com a farsa tarentina, a atelana era representada por personagens mascaradas. () Vazada, inicialmente, em linguajar rstico, a atelana se intelectualiza, aos poucos, assumindo dimenses literrias no comeo do sc. I a.C., quando Nvio e Pompnio compem textos para representaes. (CARDOSO, 2003, p. 38)
51 A pantomima era representada por atores mascarados e versando sobre assuntos mitolgicos ou extrados da realidade, cmicos ou srios. (CARDOSO, 2003, p.38)
52 DUPONT, 2003, p.81.
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apresentaes teatrais. A msica era apresentada por um flautista e um cantor. O pblico romano
preferia a msica desde as origens da cidade. La culture musicale est gnrale, les chansons
chantes au thtre sont reprises et fredonnes dans les rues et les banquets53 (DUPONT, 2003,
p.116). Alm de apreciar a msica, o pblico romano tambm se detinha no momento do
espetculo, na performance dos atores.
A preferncia do povo romano pela msica, pelo espetculo, pela performance vai distanci-
lo do teatro de texto, teatro de influncia grega, cultivado pelos poetas do perodo clssico romano.
O teatro em Roma de acordo com o pblico pode ser dividido em dois tipos diferentes, como afirma
DUPONT (2003, p.126-127):
Le thtre romains fut donc perptuellement dchir par un clivagem sociologique du public qui correspond un clivage esthtique. Ce clivage lisible dans le public va aboutir la constitution de deux publics et deux types de thtres diffrents. Paralllement la pantomime qui va canaliser le public populaire, un thetre littraire apparat sous l'Empire, thtre textes.54
Com isso, as apresentaes teatrais no perodo do Imprio Romano mais aceitas pelo
pblico popular eram as pantomimas, enquanto os textos teatrais se propagavam pela elite romana.
Esse novo teatro romano de natureza literria no se adequava s apresentaes teatrais ocorridas
durante os Jogos, por isso os poetas encontraram um outro meio de divulgar as suas obras, elas
eram apresentadas em reunies particulares de aristocratas em forma de leitura pblica55.
La lecture des tragdies donne celle-ci une dignit nouvelle. Cette rception rudite des textes thtraux suscite une nouvelle forme d'criture, la pice est dsormais un texte clos produisant une signification symbolique. Dsormais, il est possible d'envisager l'existence d'un thtre politique, intentionnellement politique, o les personnages soient des figures du pouvoir, et mme d'un thtre psychologique o les personnages soient des figures de la passion. (DUPONT, 2003, p. 127-128)56
Com esse novo meio de divulgao dos textos, as peas teatrais passaram a privilegiar
outros assuntos no abordados antes, como as questes polticas e sociais, estas caractersticas no
eram mencionadas nas encenaes durante os Jogos Romanos, pois nesses eventos o principal
53 A cultura musical geral, as canes cantadas no teatro so retomadas e cantaroladas nas ruas e nos banquetes. 54 O teatro romano foi pois perpetualmente divido por uma clivagem sociolgica do pblico que corresponde a uma
clivagem esttica. Essa clivagem legvel do pblico vai resultar na constituio de dois pblicos e de dois tipos de teatro diferentes. Paralelamente pantomima, que vai canalizar o pblico popular, um teatro literrio aparece sob o Imprio, o teatro de texto.
55 DUPONT, 2003, p.127.56 A leitura das tragdias do a essas uma nova dignidade. Essa recepo erudita dos textos teatrais suscita uma nova
forma de escrita, a pea daqui em diante um texto fechado produtor de uma significao simblica. Daqui em diante, possvel considerar a existncia de um teatro poltico, intencionalmente poltico, onde as personagens sejam figuras de poder, mesmo de um teatro psicolgico onde as personagens sejam figuras de paixo.
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objetivo era o divertimento.
O teatro literrio se inicia com Lvio Andronico. Aps a tomada de Tarento em 272 a.C., o
jovem levado para Roma como preso de guerra. Ele chega nessa cidade ainda criana e educado
em escola bilngue para escravos especializados. E em 249 a.C., Lvio Andronico apresenta o
primeiro poema nos Ludi Tarentini. Ele tambm traduziu a Odisseia de Homero em versos
saturninos e escreveu peas teatrais atravs de mitos gregos, como a mais conhecida: O Cavalo de
Troia.57, assim, by adapting a Greek tragedy, Livius was transferring an established Greek dramatic
tradition to Rome, creating the Roman theatre.58
Depois de Lvio Andronico, Nvio foi o segundo tragedigrafo em Roma. Ele encenou a
primeira tragdia em 235 a.C. e tanto escreveu tragdias como comdias59. Tambm utilizou-se de
temas associados mitologia grega e, alm disso, Nvio introduziu um novo gnero dramtico
tipicamente romano, a fabula pretexta.
nio tambm escreveu tragdias e inovou em seus poemas: Il ne lui suffit pas d'tre
applaudi au thtre, il veut tre immortalis dans ses oeuvres. Il inaugure un noveau type de potes
qui, a la faon grecque, cherche la gloire dans l'criture. (DUPONT, 2003, p. 313)60, por isso ele
distancia-se da tragdia para encenao dos Jogos Romanos. nio escreveu uma epopeia, Annales, e
uma tragdia pretexta61, Ambracia. Esse poeta foi muito citado por Ccero e aceito pelo povo
romano, suas tragdias seguiram o modelo das tragdias gregas, utilizando-se principalmente da
mitologia. Ennius a donn ses tragdies leur dimension monumentale par une criture rhtorique
qui leur insufflait un poids politique.62 (DUPONT, 2003, p. 326).
No perodo em que foram encenadas as tragdias de Lvio, Nvio e nio, havia uma
preocupao com a audincia, em contraposio o prximo tragedigrafo, Pacvio, no se
preocupou com isso.
Pacuvius did not strive for complete audience identificacion with his characters in that he used the archaicizing language of his dramatic precursors and coined some odd expressions to elevate his poetry from contemporary expression.63 (ERASMO, 2004,
57 DUPONT, 2003, p. 145-161.58 Adaptando uma tragdia grega, Lvio estava transferindo uma tradio dramtica grega estabelecida a Roma,
criando o teatro romano.59 ERASMO, 2004, p.14.60 No basta para ele ser aplaudido no teatro, ele quer ser imortalizado em suas obras. Ele inaugura um novo tipo de
poeta que, ao modo grego, procura a glria na escrita. 61 A tragdia praetexta uma tragdia tipicamente romana, pois os acontecimentos se passam em Roma e as
personagens so da histria romana. Na fabula praetexta, o heri um grande homem, rei ou cnsul, da histria romana, e enverga a toga debruada a prpura, insgnia do poder. Trata-se de um teatro de criz poltico. (GAILLARD, 1992, p. 36)
62 nio deu a suas tragdias um dimenso monumental a uma escrita retrica que lhe insuflava um peso poltico. 63 Pacvio no se esfora para a completa identificao da audincia com seus personagens em que ele usou a
linguagem arcaizante de seus precursores dramticas e cunhou algumas expresses estranhas para elevar sua poesia
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p.35)
Pacvio foi considerado um dos melhores tragedigrafos romanos. Depois dele, tem-se cio
que continuou a escrever tragdias de mitos gregos, mas ele seems to draw attention to the art of
persuasion as much as to its ill effects64 (ERASMO, 2004, p.43). Ele marcou a sua poca como o
ltimo tragedigrafo profissional em Roma.65
No Imprio de Augusto, a tragd