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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS DO LEDOR AO LEITOR: Um estudo de caso sobre as insuficiências na utilização do jornal em sala de aula no ensino de Língua Portuguesa em turmas do último ano do ensino fundamental Tese apresentada ao Curso de Estudos da Linguagem/ Aquisição de Língua Materna, do Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para a obtenção do título de doutor. Orientador: Prof. Dr. Paulo Coimbra Guedes LIDIA MARIA GONÇALVES PORTO ALEGRE, SETEMBRO de 2004

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

DO LEDOR AO LEITOR:

Um estudo de caso sobre as insuficiências na utilização do jornal em sala de aula no ensino de Língua Portuguesa em turmas do último ano do ensino fundamental

Tese apresentada ao Curso de Estudos da Linguagem/ Aquisição de Língua Materna, do Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para a obtenção do título de doutor.

Orientador: Prof. Dr. Paulo Coimbra Guedes

LIDIA MARIA GONÇALVES

PORTO ALEGRE, SETEMBRO de 2004

LÍDIA MARIA GONÇALVES

DO LEDOR AO LEITOR:

Um estudo de caso sobre as insuficiências na utilização do jornal em sala de aula no ensino de Língua Portuguesa em turmas do último ano do ensino fundamental

Tese apresentada ao Curso de Estudos da Linguagem/ Aquisição de Língua Materna, do Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para a obtenção do título de doutor.

Orientador: Prof. Dr. Paulo Coimbra Guedes

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

PORTO ALEGRE

2004

DEDICATÓRIA

Dedico esta tese:

à comunidade que tornou esse estudo etnográfico

possível,

especialmente ao corpo discente, docente e

administrativo da escola investigada,

por suas contribuições para o meu desenvolvimento

pessoal e profissional.

Dedico essa tese, também, aos meus alunos:

àqueles que já tive,

aos que tenho

e aos que terei,

por eles embrenhei-me nessa jornada intelectual.

AGRADECIMENTOS

Aos professores, colegas e funcionários do Curso de

Pós-Graduação em Letras, da Universidade Federal

do Rio Grande do Sul, pelo incentivo constante e

destaco as importantes contribuições ofertadas na

qualificação, como também a paciência e firmeza do

meu orientador.

Aos colegas e alunos do Departamento de Letras

Vernáculas e Clássicas da Universidade Estadual de

Londrina, pelo apoio diário.

Aos meus pais, por todo amor que me dedicam e

pelas orações que fazem por mim. E, à Santíssima

Trindade, por todos os excelentes companheiros de

jornada que a providência divina colocou em meu

caminho.

Os anos não passam apenas porque os relógios não

param, porque o sol não se cansa ou porque as estrelas

adormecem. Não é uma simples sucessão de minutos,

nem serve apenas para formar lembranças, ou trazer

saudades. Eles passam para que se possa compreender

cada vez mais a nós mesmos e, principalmente, para que

se aprenda a ouvir e entender nossos semelhantes.

(Mensagem de autoria desconhecida e impressa em

um cartão recebido em 08-09-2000, no meu 1o.

aniversário gaúcho, e que elegi como epígrafe desse

trabalho de características autobiográficas.)

Título: DO LEDOR AO LEITOR: Um estudo de caso sobre as insuficiências na utilização do jornal em sala de aula no ensino de Língua Portuguesa em turmas do último ano do ensino fundamental Autor: GONÇALVES, Lidia Maria

RESUMO

Esta pesquisa destina-se a descobrir as razões mais profundas do malogro do Projeto Cidadania com relação à finalidade para a qual foi criado: proporcionar ao ambiente escolar a leitura regular do jornal em sala de aula. O projeto também cumpriria outra finalidade importante, a de pôr em prática o que preconizam os PCNs quanto à adoção de temas transversais no ensino. O ambiente de pesquisa instala-se numa situação de insuficiência que somente se explica pelo modo como os agentes envolvidos vêm seu papel e representam, para si próprios, os resultados de que poderiam desfrutar. A abordagem, passa, então a ganhar contornos de natureza institucional além do aspecto lingüístico de que se reveste. O trabalho mostrou que embora de utilização tímida, o jornal é um recurso que tudo tem para consolidar-se na finalidade descrita. Sobretudo porque há uma predisposição discursiva favorável. Essa predisposição somente será aproveitada se associada à idéia de alteração de um perfil de aluno ledor para um perfil de aluno leitor. O grupo de alunos pesquisados tenderia, pelo que os dados demonstram, a ajudar nesse processo em seu próprio benefício. È indispensável, no entanto, uma percepção acerca dos fatores que funcionam como obstáculo e que são de natureza vincular. Palavras-chave: Estudo etnográfico, formação do leitor; jornal na sala de aula.

ABSTRACT

This research is aimed at discovering the deepest causes of the failure of the Citizenship Project relative to the purpose for which it was established: provide the school environment with regular classroom reading of newspaper issues. The project was also to accomplish another important goal, the one of putting into practice the PCN provisions as to the adoption of transversal themes in teaching. The research environment is found amid insufficiencies which are explained only by the way the involved agents see their own role in the process and represent to themselves the results they could enjoy. The approach starts to become one of an institutional nature beyond the linguistic aspects it implies. The study showed that in spite of reduced utilization, the newspaper is a resource that could be firmly consolidated for the described purposes. This is also true because of a favorable discourse predisposition. Such predisposition will only be of benefit if associated to the idea of change in the student profile from a reader of words to a reader of concepts. The student group researched, as data collect suggest, will tend to work on their own help in the process. It is indispensable, however, that a perception of the obstacle factors, which are of a linking nature, be developed.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................1

1.PROJETO ‘CIDADANIA’ – JORNAL NA ESCOLA ........... .....................................7

2. O JORNAL NA SALA DE AULA: OUTROS PROJETOS E PUBL ICAÇÕES......34

2.1. JORNAL COMO INSTRUMENTO DIDÁTICO-PEDAGÓGICO ..........................40

2.2 EXEMPLOS DE PROJETOS QUE LEVAM O JORNAL À SALA DE AULA ........44

3. DO LEDOR AO LEITOR: UMA FORMAÇÃO TORTUOSA....... ...........................56

3.1 ANALFABETISMO E ILETRISMO.......................................................................58

3.2 UM BREVE HISTÓRICO DA DIDATIZAÇÃO PARA A LEITURA NO BRASIL....60

3.3 A FORMAÇÃO DO LEITOR: CONTRIBUIÇÃO DOS PCNS ...............................63

3.4 O PAPEL DO JORNAL NO PROCESSO DE LETRAMENTO.............................73

3.5 ADAPTAÇÕES DE PROCEDIMENTO................................................................85

4 ANÁLISE INSTITUCIONAL ............................ .......................................................88

4.1 ELEMENTOS PARA INTERPRETAR A INSTITUIÇÃO ......................................88

4.1.1 VISUALIZAÇÃO DA IDENTIDADE...................................................................96

4.1.2 ESTIGMAS.......................................................................................................99

4.1.3 TEMPO MORTO ............................................................................................101

4.1.4 CONTRADIÇÕES ..........................................................................................102

4.1.5 COBRANÇAS EXTERNAS ............................................................................104

4.1.6 INTERPRETAÇÃO OFICIAL ..........................................................................107

4.1.7 DOMÍNIO INSTITUCIONAL ...........................................................................110

4.2 ASPECTOS ANTROPOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO.........................................112

4.3 O PROBLEMA ENVOLVE MOTIVAÇÃO E DISCIPLINA ..................................133

5 ANÁLISE ETNOGRÁFICA .............................. ....................................................142

5.1 CARACTERÍSTICAS DO ESTUDO ETNOGRÁFICO .......................................143

5.2 A IDENTIDADE DA ESCOLA MARCO..............................................................148

5.2.1 DOS OBJETIVOS ESPECÍFICOS .................................................................148

5.2.2 DOS RECURSOS INVESTIGATIVOS............................................................149

5.2.3 DOS OBJETIVOS DAS ENTREVISTAS ........................................................151

5.2.4 DOS OBJETIVOS DOS DEMAIS MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO ..............152

5.2.5 DA METODOLOGIA DE PESQUISA DO TIPO ETNOGRÁFICO E INSTRUMENTO PARA COLETA DE DADOS ........................................................153

6 DOS RESULTADOS, ANÁLISE E DISCUSSÃO.............. ...................................156

6.1 CONDICIONANTES LOCAIS............................................................................156

6.1.1 BREVE PERFIL DA CIDADE .........................................................................156

6.1.2 PERFIL DO DISTRITO...................................................................................158

6.1.2.1 RENDA PER CAPITA..................................................................................158

6.1.2.2 ÊXODO RURAL ..........................................................................................158

6.1.2.3 TRANSPORTE ............................................................................................159

6.1.2.4 CORREIO....................................................................................................159

6.1.2.5 TELEFONIA ................................................................................................160

6.1.2.6 LUZ E A COPEL..........................................................................................160

6.1.2.7 ÁGUA ..........................................................................................................161

6.1.2.8 SEGURANÇA..............................................................................................161

6.1.2.9 SAÚDE ........................................................................................................161

6.1.2.10 HABITAÇÃO..............................................................................................162

6.1.2.11 ECONOMIA ...............................................................................................162

6.2 PERFIL DA ESCOLA MARCO ..........................................................................163

6.2.1 PERFIL DA ESTRUTURA FÍSICA .................................................................163

6.2.1.1 DO QUADRO FUNCIONAL.........................................................................163

6.2.1.2 DA SECRETARIA ESCOLAR .....................................................................164

6.2.1.3 DA LIMPEZA DO ESPAÇO FÍSICO ............................................................164

6.2.1.4 DA BIBLIOTECA .........................................................................................165

6.2.1.5 DA CANTINA ESCOLAR.............................................................................166

6.2.1.6 O AMBIENTE ..............................................................................................167

6.2.2 PERFIL DA ESTRUTURA ADMINISTRATIVO-PEDAGÓGICA .....................170

6.2.2.1 PROCESSO PARTICIPATIVO NA GESTÃO ESCOLAR ............................170

6.2.2.2 RIGOR NO PLANEJAMENTO ....................................................................171

6.2.2.3 PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO ........................................................173

6.2.2.4 DA APM E CONSELHO ESCOLAR ............................................................174

6.2.2.5 DO USO DA TV E DO VÍDEO .....................................................................175

6.2.2.6 PAPEL DO CONHECIMENTO DO PROCESSO HISTÓRICO....................177

6.3 PERFIL DOS GESTORES ESCOLARES .........................................................181

6.3.1 DAS INFORMAÇÕES OBTIDAS ATRAVÉS DE LEVANTAMENTO HISTÓRICO E OBSERVAÇÃO ...............................................................................181

6.3.2 INFORMAÇÕES OBTIDAS A PARTIR DOS SUJEITOS ...............................191

6.3.2.1 RELAÇÃO COM A COMUNIDADE .............................................................191

6.3.2.2 RELAÇÃO COM A ESCOLA .......................................................................193

6.3.2.3 CAUSAS DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM...............................193

6.3.2.4 MOTIVAÇÃO PROFISSIONAL ...................................................................195

6.4 PERFIL DOS PROFESSORES.........................................................................196

6.4.1 OS PROCESSOS DE ENSINO E APRENDIZAGEM .....................................196

6.4.2 DO PLANEJAMENTO QUINZENAL...............................................................202

6.4.3 DA AVALIAÇÃO DO ALUNO .........................................................................202

6.4.4 INFORMAÇÕES OBTIDAS ATRAVÉS DOS SUJEITOS ...............................203

6.4.4.1 PERFIL SÓCIO-ECONÔMICO DAS DOCENTES ......................................203

6.4.4.2 RELAÇÃO DOS PROFESSORES COM A COMUNIDADE ........................205

6.4.4.3 RELAÇÃO DO PROFESSOR COM A ESCOLA .........................................207

6.5 PERFIL DOS ALUNOS E DE SUAS FAMÍLIAS ................................................211

6.5.1 PERFIL SÓCIO-ECONÔMICO DOS MORADORES DO DISTRITO .............211

6.5.2 RELAÇÃO DOS ALUNOS E FAMILIARES COM A COMUNIDADE ..............216

6.5.3 RELAÇÃO DOS ALUNOS E SEUS FAMILIARES COM A ESCOLA .............218

6.5.4 RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO .................................................................218

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................. ....................................................228

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................... ..............................................248

ANEXOS .................................................................................................................256

1

INTRODUÇÃO

Sendo as práticas de leitura e de escrita construtoras de

competências que se utilizam para além dos limites da escola, sua abordagem,

como objeto de pesquisa e de aperfeiçoamento de metodologias, importa como

investigação de alta prioridade. Por envolver aspectos ligados às noções de

motivação, seu estudo ultrapassa as abordagens de natureza lingüística e clama por

uma interdisciplinaridade que requer outra ordem de cuidados. Ou seja, as

abordagens lingüísticas dão conta apenas de uma parte da questão, uma vez que

para alcançar os fatores de motivação, não se devem deixar escapar vínculos de

natureza individual e institucional. Uma fundamentação para coleta e análise de

dados, nessa condição, deve conter elementos que funcionem de modo

complementar e mutuamente cooperante.

A crise da leitura (e com ela também a da escrita) é preocupação

permanente dos envolvidos em educação, tanto daqueles que participam da

formulação de políticas como os que se dedicam às atividades em sala de aula, aos

estudos e às pesquisas. Aqueles mais diretamente envolvidos com o cotidiano do

ensino proclamam incessantemente a “crise na escola”, por sua completa

incapacidade de formar leitores. Sai-se das etapas dos ensinos fundamental e

médio, em grande número de situações, sem a menor capacidade de ler para além

das palavras e um quadro muito mais grave se insinua: sem o menor interesse de

resgatar, via desenvolvimento do gosto pela leitura, essa competência nas etapas

subseqüentes.

2

O problema em que proponho focar minha investigação situa-se

numa rede de questões encadeadas: a transformação de um aluno que lê somente

palavras e frases num aluno que enxerga conceitos veiculados pelos textos

depende, dentre outros fatores, de trabalhar-lhe o interesse. Para lograr tal objetivo,

são indispensáveis uma ação de acompanhamento com domínio de metodologias e

a capacidade de monitoramento dos resultados e das ações educativas envolvidas.

Para executar esses procedimentos, são necessários recursos, sobretudo a

disponibilidade de materiais que oneram a atividade. Facilmente enunciável, esse

encadeamento pode dar a impressão de extrema simplicidade. Trata-se do inverso,

no entanto: o processo é de alta complexidade, tamanha é a implicação dos fatores

nele presentes.

Proponho-me a compreender essas questões a partir de uma

tradução: trabalhar interesse significa dotar a sala de aula de uma capacidade de

atrair e motivar o aluno a nela permanecer trabalhando em favor de seu próprio

desenvolvimento futuro. Por domínio de metodologias, indico a exploração de temas

transversais para o ensino de língua portuguesa conforme enunciadas nos PCNs.

Por obtenção de recursos, vejo o resultado a esperar pelo uso do jornal na sala de

aula conforme contido na proposta do Projeto ‘Cidadania’ promovido pelo Jornal

Folha de Londrina junto às escolas de abrangência do município.

Destinado a constituir-se em oportunidade de estimular a leitura num

sentido mais amplo e consolidá-la na sala de aula como atividade específica, o

Projeto ‘Cidadania’ do Jornal Folha de Londrina visa suprir a escola participante com

exemplares de jornal, assim resolvendo a uma importante lacuna no que se refere

ao acesso a recursos e materiais. Evidencia-se nesse fato, uma primeira modalidade

de vínculo institucional. Ao longo de sua implantação, o projeto não ganhou o vigor

3

que merecia, estando atualmente em vias de dissolver-se. O sentimento de

frustração diante desse malogro fez surgir esta pesquisa, no sentido de buscar-lhes

as causas. Algumas ressalvas são necessárias, no entanto.

Uma primeira formulação poderia configurar-se: se o recurso é

tornado disponível e deixa de ser uma barreira a transpor, resta saber o que ocorre

do ponto de vista do domínio de metodologias. Ou seja, o professor possui o jornal

em mãos, e o que indica que efetivamente sabe com ele trabalhar? Se deixa de

utilizar por não saber trabalhar, o fato de não procurar instrumentalizar-se tem

implicação em sua própria motivação. Se substitui o uso do jornal (que como se

verifica está na escola em condição especial: foi doado) por outra atividade, é

louvável que não se deixe a lacuna. Todavia, são os resultados à altura de substituir

o uso do jornal em sala de aula? Que opinião se pode desenvolver sobre o fato de

um recurso devidamente disponibilizado ser deixado de lado? Outra pergunta, e

essa mais direta e grave: o professor de fato realiza alguma atividade formadora de

leitores no lugar do jornal?

Ora, se um material é tornado disponível e não é utilizado, há

causas que devem ser identificadas na motivação dos agentes envolvidos. Sem

compreender os vínculos que desenvolvem com este material, com sua finalidade,

com os benefícios que dele podem auferir, e sem, por outro lado, confrontar essa

percepção com aquela do sistema fomentador (a escola mais diretamente e a

legislação de modo mais amplo), qualquer revelação será superficial.

Levantar o discurso professado pelas partes envolvidas configura

uma abordagem institucional. Que é preciso aprimorar o manejo do jornal por parte

de alunos e professores, para que haja a utilização do mesmo nas atividades

realizadas na sala de aula, e isso se dê como prática costumeira (não

4

eventualmente), não se costuma negar. Efetuá-la, no entanto, e fazer do acesso aos

jornais um efetivo recurso a tirar proveito para um trabalho pedagógico, torna

indispensável aprender com o esvaziamento de um projeto que tudo tinha para

funcionar.

A pergunta de problema nesta pesquisa deve ser vista em seus

desdobramentos. Se o ponto de partida for a questão “Por que malogra o Projeto

‘Cidadania’ destinado a suprir as salas de aula com exemplares de jornais?”, a

resposta pode ser apontada de imediato: “ - Porque não se utiliza efetivamente e

não são programadas atividades com o jornal em sala de aula.” Ou seja, o recurso é

tornado disponível, porém não é levado a seu verdadeiro destino. Essa razão cabal,

facilmente insere, no processo, uma simplicidade enganosa. A armadilha começa a

se desfazer quando se acrescenta uma questão que deve se subordinar à primeira:

“De que modo, no ambiente pesquisado, é possível buscar a transformação do perfil

de leitura dos atores nele envolvidos e, neste sentido, que direção imprimir aos

fatores predisponentes encontrados?”

As hipóteses podem ser formadas a partir da idéia de que conhecer

o mencionado perfil de leitura ajuda a descobrir as causas procuradas, e de que a

ampliação dos dados desse perfil com a inclusão dos vínculos motivacionais e

institucionais fornece um quadro capaz de apontar caminhos para solução.

Assim sendo, esta tese tem, como objetivo geral , o propósito de

contribuir para “identificar as correlações entre os perfis de leitor e ledor com a

formação de hábitos de leitura”. Para tratar do Projeto ‘Cidadania’, adota, como

específicos :

5

- Levantar as causas determinantes, no ambiente estudado, do

insucesso de um projeto voltado a supri-lo com recursos para

leitura de jornal em sala de aula.

- Conhecer, no interior do discurso expresso pelos envolvidos, e

em seus respectivos perfis de vinculação social e institucional,

os fatores não adequadamente trabalhados no sentido de

construir o perfil de leitor necessário ao sucesso do Projeto

‘Cidadania’.

- Criar um instrumento que sirva de parâmetro para averiguação

da realidade em outras escolas atendidas pelo Jornal (promotor

do Projeto) na Educação.

Ao longo de minha experiência, passei a atribuir as insuficiências na

utilização do jornal em sala de aula (que deveriam funcionar como recurso para

empregar os temas transversais, no ensino de Língua Portuguesa), como ligadas

tanto a questões lingüísticas quanto a questões institucionais. Nenhuma utilidade

teria o suporte institucional (material de leitura suprido) se não há conhecimentos

lingüísticos para tirar proveito desse suporte (transformar ledor em leitor). Da mesma

forma, não é suficiente ter o conhecimento lingüístico para a formação de leitores

sem que a base institucional dê conta do relacionamento entre docentes e discentes

e de ambos com o material que lhes é oferecido.

Perde-se, com a possível supressão do Projeto ‘Cidadania’, uma

importante fonte para o contato com os temas transversais e mantém-se ainda

6

extensa a distância que separa o aluno de um estímulo mais potente em direção a

formar um hábito mais sólido de leitura e dela fazer uma prática regular. A conexão

entre a idéia de ledor e leitor tem o objetivo de verificar se a teoria veiculada pelos

PCNs (sobre leitura, leitura de jornal e trabalho com os Temas Transversais) estaria

sendo viabilizada na sala de aula e se, na prática, o jornal estará contribuindo para a

formação de leitores críticos e conscientes dos seus direitos e deveres de

‘Cidadania’.

Este trabalho é apresentado em seis capítulos, sendo no primeiro

apresentado o Projeto ‘Cidadania’ com histórico, objetivos e situação atual. O

segundo capítulo apresenta e discute os estudos e pesquisas encontrados a

respeito da utilização do jornal em sala de aula. O terceiro capítulo discute a

formação do perfil de leitor tendo como fundamentação a literatura sobre lingüística

aplicada e proposições teóricas existentes no interior do conceito de letramento. O

quarto capítulo introduz, em sua primeira parte, estudos de base institucional tendo

como núcleo, as abordagens de ajustamento e motivação desenvolvidas por Erving

Goffman e outros autores. No quinto capítulo são discutidos os procedimentos de

pesquisa etnográfica com os quais foram elaborados os instrumentos e levantados

os dados cuja análise se realiza no capítulo seguinte. O ambiente da pesquisa é

uma escola distrital no Norte do Paraná que aqui será designada pelo codinome

MARCO.

7

1. PROJETO ‘CIDADANIA’ – JORNAL NA ESCOLA

O Projeto ‘Cidadania’ é desenvolvido pela Folha de Londrina,

empresa jornalística sediada no município de Londrina (norte do Paraná), jornal que

circula em outros municípios e estados sob a identificação de Folha do Paraná. O

projeto consiste em distribuir jornais "quentes", ou seja, o exemplar do dia para as

escolas municipais conveniadas. Essas escolas recebem gratuitamente exemplares

do jornal num dia determinado da semana: atualmente é toda quarta-feira; já foi nas

quintas, terças, nas segundas-feiras e agora retornou para as quartas-feiras. Os

custos são subsidiados pela empresa jornalística (que vende o jornal com desconto

próximo aos 50%), pelas prefeituras municipais que se ligarem ao projeto e por

empresas da região que se interessarem em patrocinar as escolas participantes a

fim de que, para elas o jornal chegue gratuitamente. Como contrapartida, esses

patrocinadores obtêm o direito de divulgação desse patrocínio pelo jornal e/ou

através de menções em cartazes ou placas anexadas nas escolas beneficiadas, o

que os beneficia em termos de imagem pública junto à comunidade.

Utilizar o jornal para o desenvolvimento de atividades pedagógicas

pode funcionar como recurso para promover o resgate da ‘Cidadania’, o que é

objetivo destacado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, PCNs, documento

oficial do MEC, publicado em outubro de 1997 e que estabelece os rumos desejados

para o ensino fundamental no Brasil. Afinal, a leitura dos assuntos de interesse

público que são veiculados por um jornal diário de bom padrão editorial pode

incentivar os alunos a participarem dos assuntos da comunidade e se

conscientizarem sobre problemas atuais e relevantes que, por sua natureza, se

8

encaixam no que os PCNs definem como temas transversais. São aqueles temas

que devem ser enfocados em todas as áreas de ensino e, por esse motivo,

requerem que haja, nas escolas, dentre outros, materiais de leitura dos assuntos do

cotidiano.

Ao ser iniciado em 1994, o Projeto ‘Cidadania’, da Folha de

Londrina, projetava, como público-alvo, 2.875 alunos da rede municipal de ensino

matriculados em turmas de 4ª a 8ª séries. Este total de alunos seria formado pelos

956 alunos da zona rural, matriculados na 8ª série, o que correspondia a 100% dos

alunos matriculados nesta série em escolas dos distritos, e por 1.919 alunos de 4ª

série que freqüentavam escolas urbanas atendidas pelo Projeto ‘Cidadania’ (o que

na época correspondia a 55 % do total de alunos matriculados nesta série), segundo

relatório da Secretaria Municipal de Educação, da Prefeitura Municipal de Londrina,

assinado pela Professora Olinda Rosa Ribas, então assessora técnico-pedagógica

de Língua Portuguesa.

Cada aluno recebia um exemplar semanal, portanto a empresa

jornalística entregava 2.875 exemplares semanalmente nas escolas participantes do

projeto. Além disso, no primeiro ano do ‘Cidadania’, também os professores

participantes do projeto receberiam uma assinatura anual da Folha de Londrina,

sendo a entrega do jornal feita diretamente em seu próprio domicílio. O benefício

seria concedido a 80 professores, sendo 60 das escolas da área urbana e 21 da

área rural, apenas durante o primeiro ano do projeto.

Algumas empresas se comprometeram em patrocinar o Projeto e de

fato o fizeram. Apesar da otimista previsão inicial de atender 2.866 alunos e 80

professores de 80 escolas no ano de 1994, o Projeto Folha ‘Cidadania’: Jornal na

9

Escola atendeu nove escolas da rede, 24 professores e 1.068 alunos, conforme o

documento supra-mencionado (PML,1995).

Quando a Folha de Londrina, no início de 1994, através de seu

Departamento de Marketing, procurou a Secretaria de Educação de Londrina para

propor o Projeto ‘Cidadania’, projetos similares eram desenvolvidos por vários jornais

brasileiros como a Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, O Globo, Zero Hora,

entre outros. O diferencial é que os programas desenvolvidos no Brasil até então

trabalhavam com o "jornal frio", jargão do meio jornalístico para designar o encalhe,

a sobra de periódicos anteriores, enquanto que a proposta local era a de seguir os

moldes de um projeto já desenvolvido na Argentina pelo periódico "El Clarim" e

utilizar "jornal quente" do dia e não de edições passadas, pois notícias velhas

despertam menor interesse de leitura.

O programa de parceria entre a empresa jornalística e a rede

municipal de ensino previa que a Folha de Londrina periodicamente faria matérias

divulgando o Projeto e o nome dos patrocinadores; essas matérias são divulgadas

até hoje - cada vez com uma freqüência um pouco maior - e acabam funcionando

mais como marketing do jornal do que como canal de divulgação das atividades

desenvolvidas a partir da utilização do jornal na escola. Exemplificando, o jornal vai

às escolas conveniadas, fotografa alunos e professores, publica o texto dizendo que

aquela escola X é beneficiada com o Projeto e alguns depoimentos que confirmam

que a proposta é enriquecedora. Algum tempo depois repete a matéria, agora na

escola Y. Essas reportagens contribuem para a divulgação do Projeto entre os

membros da sociedade leitora da Folha de Londrina, mas não contribuem para que

de fato professores e alunos utilizem o jornal na escola (superem as dificuldades

10

metodológicas e de motivação), já que apenas os aspectos positivos/idealizados são

divulgados.

Até 2001, o Projeto ‘Cidadania’ não dispunha de páginas reservadas

dentro do jornal; os mesmos eram distribuídos sem que linhas pontilhadas

definissem o que deveria ser lido e trabalhado em sala de aula. O jornal distribuído

nas escolas possuía o mesmo formato com o qual circulava nos outros dias da

semana.

A partir de 2002, a Folha ‘Cidadania’ passou a ocupar um espaço

editorial definido: um quarto de página em cada uma das editorias do jornal

apresentando um pequeno texto que resume o principal assunto que movimentou a

última semana em cada uma das editorias. Acompanham sempre fotos e links que

trazem um comentário adicional sobre a linguagem utilizada ou alguma curiosidade

que se deseja destacar sobre o tema delimitado. Além disso, o Projeto Folha

‘Cidadania’ divulga no caderno Folha2/página 4, experiências vividas com o jornal

nas escolas (somente as bem sucedidas) ao lado de uma coluna intitulada "Não

tropece na língua", assinada por Maria Tereza de Queirós Piacentini, autora dos

livros "Só Vírgula" e "Só Palavras Compostas", apresentando orientações

gramaticais.

O formato utilizado no projeto - esse espaço determinado em cada

editoria - visou buscar um visual atraente e um espaço no qual é utilizada uma

linguagem mais acessível ao jovem leitor, segundo o que declara o jornal. E

apresenta o depoimento da coordenadora pedagógica de uma escola londrinense de

ensino fundamental, parabenizando pela mudança:

Muitas vezes tentamos trabalhar com o jornal dentro da sala de aula, mas a forma como as matérias são escritas dificulta o entendimento dos alunos. Funcionava com um ou outro tema mais leve, mas quando o assunto era política ou economia, por exemplo, as crianças tinham muita dificuldade em acompanhar o tema. Isso não acontece

11

com a nova edição da Folha ‘Cidadania’, que se preocupa em localizar a criança dentro do contexto, de uma forma fácil e agradável.

O jornal não publicou pareceres contrários à nova formatação.

Pessoalmente acredito que esse novo formato apresenta aspectos positivos e

negativos. Inibe alunos e professores a percorrerem todo o jornal, pois já estão

previamente delimitados os textos a serem lidos na escola.

O desenho da tesoura que contorna as linhas pontilhadas que

circulam os textos restringe a liberdade do docente selecionar outras matérias para

recuso pedagógico adicional em suas aulas. No entanto, a página 4 da Folha 2,

dedicada aos relatos de experiências com o uso de jornal na sala de aula é

oportuna, pois motiva para a adoção do recurso e assim valida o investimento

financeiro realizado para que o jornal adentre as classes; trazer semanalmente

matérias sobre educação e sugestões para os professores de livros e sites considero

muito oportuno. Por sua vez, a coluna com questões gramaticais de pequena monta

considero desnecessária para um espaço especialmente dirigido à alunos do ensino

fundamental. E ao publicar essa coluna no dia em que o jornal é distribuído nas

escolas e na página principal da ‘Cidadania’ (a única inteiramente dedicada ao

programa) veicula a idéia que o moderno ensino busca rever, de que conhecer

esses detalhes gramaticais é estudar a Língua Portuguesa.

O Projeto ‘Cidadania’ apresentava, em seu documento inicial, um

único objetivo:

O Projeto Jornal na Escola tem como objetivo levar o jornal aos estudantes da rede municipal de ensino, principalmente aos mais carentes, incentivando sua participação nos assuntos da comunidade e promover o resgate da ‘Cidadania’.

12

Para a renovação da parceria entre a Folha de Londrina e a

Secretaria Municipal de Educação para o ano de 1995, quatro objetivos foram

estipulados:

• Valorizar o jornal como um importante veículo de comunicação,

utilizando-o sempre que necessário;

• Participar de discussões de assuntos diversos da atualidade, de

interesse comunitário, desenvolvendo-se, assim, no exercício da

‘Cidadania’;

• Conhecer, através de nossas visitas às empresas locais, a

interdependência entre os diversos tipos de trabalho, assim

como sua própria divisão técnica e espacial;

• Conhecer diversas matérias-primas, processos de

transformação industrial, e diversas tecnologias de produção.

Desses quatro objetivos pretendidos para o ano de 1995, os dois

últimos eram mais facilmente atingíveis, bastando agendar as visitas que cada

escola faria uma vez no ano. Sendo uma escola grande, como era o caso da escola

do atual município de Tamarana, que possuía 390 alunos envolvidos no projeto, era

preciso organizar várias visitas, dividindo os grupos em turmas de no máximo 40

pessoas. Evidentemente, isso envolvia recursos financeiros para transporte e

alimentação de alunos e professores; esses recursos estavam a cargo da Secretaria

de Educação que, em acordo com a escola, oferecia o transporte e cada escola

providenciava o lanche coletivo ou cada visitante levava o seu. Um outro documento

elaborado em 1995 pelo Grupo de Apoio Pedagógico da Secretaria de Educação

para justificar a renovação da parceria com o jornal menciona:

13

As refeições dos alunos e professores foram, na maioria das vezes, oferecidas pela Secretaria de Educação, porém, algumas escolas foram beneficiadas com refeições oferecidas por empresas patrocinadoras do projeto.

O documento não informa quais e quantas escolas receberam

refeições, qual a alimentação oferecida e quantas e quais empresas assim

procederam. No entanto, os dois primeiros objetivos apresentados envolvem muito

mais recursos e não apenas financeiros (para custos das assinaturas do jornal)

como, principalmente, recursos humanos. Não basta o empenho do(s) funcionário(s)

da Folha de Londrina responsável(is) pelo Projeto e das duas assessoras da

Secretaria de Educação (a de alfabetização e Língua Portuguesa) para tomarem as

providências burocráticas necessárias ao andamento das atividades. Os professores

e alunos das escolas envolvidas precisam de motivação e competência para

aproveitar o material jornalístico oferecido da melhor maneira possível, ou seja, para

inserir-se resgate da ‘Cidadania’ (como previa explicitamente o único objetivo do

projeto, em seu primeiro ano de execução).

Estes objetivos de visitas aos patrocinadores (que não estavam

previstos no ano anterior e foram realizados, e tornaram-se previstos e realizados

em 1995) foram descartados em 1996, não constando mais dentre os objetivos a

partir de então, apesar de continuarem sendo realizadas.

O programa firmado para a continuidade do Projeto ‘Cidadania’ no

ano de 1995, equivalente ao segundo ano de desenvolvimento do mesmo, previa

como estratégias para atingir os objetivos propostos, a realização de práticas

pedagógicas com todas as escolas envolvidas no projeto; exposições periódicas,

nas escolas, de trabalhos elaborados a partir das leituras de jornais; elaboração de

álbuns de classe, com trabalhos, notícias, redações; explorações dos jornais em sala

de aula, visando:

14

• Conhecimento da organização deste veículo de comunicação;

• Conhecimento dos vários tipos de textos e linguagens

apresentados num jornal;

• Aquisição de informações diversas;

• Análise crítica do material lido;

• Extrapolações para outras atividades decorrentes.

A par das quatro estratégias acima mencionadas, estavam previstas

duas outras: reuniões com empresários para ampliação de patrocínio e organização

de visitas às empresas da cidade. Essas "estratégias de marketing" foram previstas

e implementadas; por sua vez, as "estratégias didático-pedagógicas" foram previstas

e não suficientemente implementadas, contribuindo para o malogro no alcance

integral dos objetivos do Projeto ‘Cidadania’.

"O presente projeto será avaliado pelos alunos, professores e

demais envolvidos, através de reuniões e elaboração de relatórios" – previa o

planejamento do ‘Cidadania’ (PML, 1994). Solicitei à Secretaria de Educação uma

cópia desses relatórios e eles me entregaram pouquíssimo material para fotocopiar;

afirmaram que costumam solicitar às escolas cópia do trabalho desenvolvido com o

jornal para anexar na fundamentação do pedido de continuidade do programa, mas

que elas não enviam. Perguntei se não enviam porque não têm o que enviar, e

disseram que outra possibilidade é baixa estima com relação ao que produzem; não

considerarem o trabalho suficientemente expressivo para ser encaminhado à

Secretaria de Educação. Postulo que, como são mais de 70 escolas municipais, é

possível a existência de mais de uma causa para a mesma conduta.

Em 1996, as Assessorias de Alfabetização e Língua Portuguesa da

Secretaria de Educação de Londrina propõem uma mudança na distribuição dos

15

jornais. Nos anos de 1994 e 1995, a Folha de Londrina desenvolveu o Projeto

‘Cidadania’ junto à algumas escolas da rede municipal. Nesta fase, cada aluno das

4ª e 5ª séries das escolas ligadas ao Projeto recebia um exemplar do jornal, uma vez

por semana, podendo levá-lo para sua família. Na nova proposta de distribuição os

exemplares deixam de ser fornecidos a todos os alunos das classes envolvidas no

Projeto; os alunos passam a ter necessidade de ler o jornal em equipe, pois poucos

exemplares são fornecidos por turma, para que mais escolas passem a receber o

jornal.

Com essa mudança, as famílias também deixam de receber

semanalmente um exemplar do jornal, passando a ocorrer rodízio ou sorteio entre os

alunos para saber quem leva o jornal para casa. Também os professores de quarta

séries e os de língua portuguesa de 5ª a 8ª séries deixaram de receber o jornal em

sua residência, e esses exemplares passaram a ser enviados para as escolas: dois

exemplares para cada escola, sendo um destinado a direção e outro a todos os

professores. Assim, 925 exemplares passaram a ser enviados semanalmente para

atender a todas as turmas de 4ª e 5ª séries das áreas urbana e rural. Aumentou a

quantidade do público atendido, sem que isso representasse melhoria na qualidade

do trabalho desenvolvido, pois esta reformulação afetou apenas a quantidade de

jornais que foi redistribuída e cada turma passou a receber cinco jornais ao invés de

um exemplar para cada aluno.

Observem-se os números fornecidos pela Secretaria de Educação

de Londrina:

Quadro 1. Quantidade de público atendido pelo projeto ‘Cidadania’. Número de escolas e turmas contempladas; de alunos e professores atendidos; de exemplares distribuídos e de patrocinadores envolvidos.

T

16

ANO Nº ESCOLA

S

N° Turmas Contempladas

Nº ALUNOS

Nº PROF. Nº PATROC.

N° Exemplares/semana

1994 14 4

4ª e 5ª séries 1.068 33 5 1.068

1995 20 4

4ª e 5ª séries 2.070 45 5 2.070

1996 65 4

4ª e 5ª séries 4.350 309 7 925

1997 70 3

3ª, 4ª, 5ª, 6ª, e Ed. Jovens e

Adultos

5.605 321 3 2.412

1998 70 1

1ª a 8ª séries, Ensino

Supletivo e Ed. Jovens e Adultos

27.284 900 2 6.615

Como se vê, a empresa jornalística vem ano a ano ampliando o

número de escolas, de alunos, de professores e turmas contempladas, portanto em

termos empresariais não há o que se falar em malogro. Veja-se o total de

exemplares por ano, distribuídos municipais de Londrina:

17

Quadro 2. Ampliação do projeto ‘Cidadania’ de 1994 a 1998, nas escolas municipais de Londrina.

Ano 1994 1995 1996 1997 1998

Total de jornais distribuídos

41.652

42.912

23.909

225.888

257.985

Como podemos observar, no período de 1994 a 1998 o Projeto

expandiu-se; chegou a atender a todas as escolas municipais de 1ª a 4ª séries, além

das de 5ª a 8ª dos distritos e as escolas municipais que oferecem a Educação de

Jovens e Adultos. Foram 70 escolas e 27.284 alunos de toda a rede. E, o principal

patrocinador sempre foi a SERCOMTEL - Serviço de Comunicação Telefônica de

Londrina - órgão da autarquia municipal responsável pelo sistema telefônico de

Londrina.

No início de 1996, o Projeto foi interrompido por vários meses por

falta de patrocínio, pois a SERCOMTEL retirou o patrocínio dado até aquele ano, o

que levou o Departamento de Marketing da Folha de Londrina a buscar outras

parcerias. Em 1996, o Projeto ‘Cidadania’ voltou a funcionar já no início do último

bimestre, o que explica a causa do menor número de exemplares distribuídos

naquele ano.

Em 1997 o Projeto começou a contar com o patrocínio da NET

Londrina, uma empresa de TV por assinatura, que passou a assinar o mesmo,

juntamente com a Folha de Londrina e o apoio das empresas SELMI - MACARRÃO

RENATA e VASP. O Projeto ‘Cidadania’ Folha de Londrina - NET em 1997 ampliou

seu atendimento para a Educação de Jovens e Adultos - EJA.

Nessa época, o jornal encaminhou um relatório para a Secretaria de

Educação de Londrina informando que realizou entrevista com alguns participantes

18

do projeto (Quando? Com Quem? Onde? - não informaram) e foram as seguintes as

conclusões:

• A maioria dos alunos não tinha acesso a jornais e os que tinham não gostavam de ler, nem tinham curiosidade sobre os mesmos. Com a seqüência dos trabalhos, aprenderam a gostar e buscar assuntos de seu interesse e por conseqüência passaram a entrar em contato com assuntos adjacentes. A família toda acabou se envolvendo com o jornal, refletindo em mudanças comportamentais e melhoria de qualidade de vida.

• A maioria gostaria que o Projeto fosse extensivo às séries seguintes.

• Houve melhoria no rendimento escolar dentro da disciplina de língua portuguesa, em todas as suas formas de avaliação.

As conclusões a que o jornal chegou a partir da entrevista realizada

por sua própria iniciativa divergem parcialmente das conclusões a que cheguei a

partir da entrevista que realizei com alunos de uma escola participante do Projeto

(codinome Marco).

A terceira conclusão considero válida: a maioria gostaria que o

Projeto fosse extensivo às séries seguintes; ninguém apresentou resistência ao

Projeto, desejam a ampliação e implementação do mesmo. Porém, dos 40 alunos

entrevistados, apenas 28 estabelecem relação entre a leitura do jornal e o

desempenho em Língua Portuguesa, 12 alunos afirmaram que o seu desempenho

em Língua Portuguesa não tem relação com a leitura do jornal. Destes 12 alunos, 5

dizem não conseguir identificar a relação entre leitura de jornal e ensino de Língua

Portuguesa, outros 5 afirmam que o desempenho não é melhorado devido à baixa

freqüência da leitura de jornal em sala de aula e 2 reconhecem que o fato de não

gostarem de ler interfere no desempenho de Língua Portuguesa.

19

Quanto à segunda conclusão, considero-a improcedente. Não

constatei que houve melhoria no rendimento na disciplina de Língua Portuguesa a

partir dos textos produzidos pelos alunos das 8ª séries da escola MARCO, atendidos

há 10 anos pelo Projeto ‘Cidadania’, se comparados a produção de textos de outras

turmas de 8ª série de escolas da zona rural de Londrina nas quais lecionei. Pelo

contrário, os problemas com o plano de expressão (adequação às normas

gramaticais) foram além do esperado em turmas desse nível de escolaridade.

Com relação à primeira conclusão, a mesma é verdadeira apenas

em parte. É verdade que a maioria dos alunos não tinha acesso a jornais, também

pode ser verdade que dentre os que tinham acesso nem todos tinham gosto de ler

ou curiosidade por jornais. No entanto, minha pesquisa não permite a generalização

de que aprenderam a gostar.

Dentre 40 alunos, pouco mais da metade (22) assinala a opção SIM

para a questão "Você gosta de ler?". Catorze entrevistados assinalaram não gostar

de ler, três não responderam a questão e uma aluna criou uma terceira possibilidade

alternativa mais ou menos. Um terço do total dos entrevistados demonstraram não

terem tido o gosto pela leitura desenvolvido nem pela família, nem pela escola ou

por outra fonte.

Dizer que "a família toda acabou se envolvendo com o jornal,

refletindo em mudanças comportamentais e melhoria da qualidade de vida" é

apresentar uma conclusão idealizada. Na entrevista que realizei com 40 alunos da

última série do ensino fundamental da escola MARCO, 12 negam haver relação

entre leitura do jornal e formação cidadã. Ao serem solicitados para assinalarem

uma lista de Temas Transversais quais os assuntos já trabalhados desde o início do

ano letivo até o final do primeiro semestre, 4 nada assinalaram, 3 alunos criaram a

20

opção nenhum deles e uma aluna escreveu: "nenhum dos temas, apenas resumir

qualquer notícia".

Os dados colhidos revelam que o trabalho desenvolvido com o jornal

nesta escola investigada não é suficiente para ”refletir em mudanças

comportamentais e melhoria da qualidade de vida dos próprios alunos”, muito menos

atingir "a família toda", o que seria ideal. Havendo apenas um exemplar semanal par

cada 4 alunos ou mais e estes levando o jornal para as suas famílias por meio de

revezamento, sendo no máximo um jornal por mês, não há como provocar

mudanças comportamentais e melhoria da qualidade de vida da família.

Em uma matéria intitulada "Professores comemoram bons

resultados", em 13/11/1998, a supervisora de uma escola urbana de Londrina diz:

"Até os pais dos alunos se envolvem no projeto e pedem para os filhos procurarem

assuntos específicos no jornal. Atendemos a uma clientela muito carente, que não

teria acesso ao jornal sem esse Projeto". Como se vê, a realidade pode ser distinta

de uma escola para outra, dependendo da motivação e competência para

desenvolver o trabalho. Por outro lado, o jornal sempre fala bem do seu Projeto,

também as prefeituras acreditam no investimento financeiro que fazem, portanto em

nível discursivo, é difícil conhecer a realidade. Ao mergulharmos no dia a dia da

escola e da comunidade por ela atendida, nosso conhecimento da realidade se

amplia.

Em sua primeira década de existência o Projeto ‘Cidadania’

distribuiu mais de 600 mil exemplares de jornais e atendeu a mais de 240 escolas

paranaenses. O jornal divulgou o depoimento de César, um estudante de 11 anos de

uma escola urbana de Londrina, nesses termos: "Antes da Folha ‘Cidadania’ eu só

conseguia ler e entender as matérias do Caderno de Esporte. As outras matérias

21

pareciam muito difíceis, mas agora é diferente, dá para entender tudo, todos os

assuntos e ainda arriscar ler uma ou outra coisa que volta a sair no jornal sobre o

tema. Mas o mais legal mesmo é que, depois que eu comecei a ler a Folha

‘Cidadania’, posso conversar sobre outros assuntos com meu pai".

O trabalho realizado com a leitura de jornal na sala de aula do aluno

César está contribuindo para formá-lo enquanto leitor e envolvendo a família do

aluno. Interesso-me por investigar a(s) causa(s) do malogro desse projeto na escola

MARCO.

A capacidade do jornal está em fornecer as informações cotidianas

com a linguagem direta que caracteriza a imprensa, mas compete à escola trabalhar

os conteúdos exigidos pelo currículo oficial através dos textos da atualidade, como

propõem os PCNs.

A empresa jornalística declara em tablóide destinado aos

patrocinadores do Projeto que confia no potencial do Projeto ‘Cidadania’, sente-se

estimulada pelos resultados já alcançados e tem como meta conferir maior

abrangência a esta iniciativa, levando-a a todos os municípios paranaenses onde o

jornal circula. E declara:

Ao colaborar para a viabilização do Projeto ‘Cidadania’, a empresa

patrocinadora estará colhendo os seguintes resultados:

• Divulgação de sua marca; • Benefícios a imagem institucional através de sua vinculação ao

um projeto de caráter educacional e comunitário; • Formação de consumidores em potencial; • Veiculação de sua logomarca em todos os anúncios de cunho

institucional do Projeto publicados na Folha do Paraná/Folha de Londrina;

• Menção do nome da empresa nas peças jornalísticas destinadas à cobertura e divulgação do Projeto.

22

E ainda observa que a empresa está aberta a avaliar outras formas

de divulgação como distribuição de camisetas, bonés, cadernos e outros materiais,

de acordo com o interesse do patrocinador.

De fato, para a empresa jornalística, o Projeto ‘Cidadania’ não

malogrou; ao contrário, é um sucesso, pois o mesmo vem sendo ampliado ano a

ano. Já no segundo semestre de 1997, nos mesmos moldes de Londrina, também

atendia às escolas municipais de Foz do Iguaçu e Ivaiporã (duas outras grandes

cidades paranaenses). Nessa fase atendendo cerca de 12.600 alunos da rede

pública, sendo 6.388 alunos de Londrina que recebiam em média 34.000

exemplares por mês; 5.476 de Foz do Iguaçu, cerca de 4.000 exemplares por mês e

750 alunos de Ivaiporã com 480 exemplares mensais.

Ano a ano vão aumentando o número de escolas "beneficiadas" e

diminuindo o número de exemplares por turma: era um jornal para cada aluno,

passaram a ler em grupo de três em 1996, estabelecem um exemplar um exemplar

para cada quatro alunos em 1997 e a estratégia para 1998 previa um jornal para

cada cinco alunos.

Desde sua criação, o Projeto ‘Cidadania’ previa como competência

da Secretaria Municipal de Educação a realização de práticas pedagógicas com

todas as escolas envolvidas no Projeto, realização de oficinas, encontros

pedagógicos, fornecimento de materiais didáticos com orientações para um trabalho

coletivo, acompanhamento e avaliação do Projeto ‘Cidadania’. Apenas em 2003, dez

anos após a implantação do Projeto, ocorre o "I Seminário: a importância do jornal

na escola", realizado em 28 de abril de 2003, evento ocorrido nas dependências da

Câmara Municipal de Londrina.

23

A Folha de Londrina custeou o deslocamento e estadia da jornalista

Dinorá Couto Cançado, trazida de Brasília para conduzir o Seminário sobre o tema

proposto, e a Prefeitura Municipal de Londrina responsabilizou-se pelo pró-labore

equivalente a um mil e quinhentos reais. O evento foi destinado a professores de 4ª

a 8ª séries, auxiliares pedagógicos e supervisores educacionais, público distribuído

em dois horários (manhã e tarde).

A Folha de Londrina já subsidiou 50%dos custos de distribuição do

jornal diário em sala de aula nos primeiros anos de implantação do programa. Com o

passar dos anos, veio a subsidiar "quase 50 %" ou "cerca de 50 %" dos custos. A

partir de 2003 a Folha subsidia "cerca de 40 %", os patrocinadores respondem pelo

restante com a aquisição de cotas que vão cobrir o custo dos exemplares

distribuídos. "As Empresas que patrocinam as escolas, além de terem seu nome

vinculado a um projeto social de caráter educacional, terão como contrapartida,

espaço publicitário para divulgação de sua marca em sete cadernos de jornal" -

propaga a Folha em busca de parceiros, garantindo o espaço para a divulgação da

logomarca dos patrocinadores do Projeto dentro do box do ‘Cidadania’ (espaço

reservado ao programa nos cadernos Política, Mundo, Geral, Paraná, Esporte,

Economia e Folha 2), precisamente nos rodapés das colunas. São sete rodapés de

uma coluna, cada um com 3 cm de altura por 13,5 cm de largura e uma página do

Caderno Folha 2, o espaço reservado semanalmente a divulgação do Projeto

‘Cidadania’.

A cada ano o objetivo do jornal é ampliar significativamente o

número de escolas participantes do ‘‘Cidadania’’, o que depende do apoio comercial

de mais empresas patrocinadoras. O número de alunos a ser atingido pelo projeto

depende da disponibilidade de empresas locais e regionais em financiar os jornais

24

para as escolas. No caso do município de Londrina, em 2001, cada exemplar

custava para o patrocinador R$ 0,51 (cinqüenta e um centavos). Como eram seis mil

jornais por semana, o custo semanal era de R$ 3.060,00 (três mil e sessenta reais).

A Folha ‘Cidadania’ está circulando sempre às terças-feiras,

ocupando um quarto de página em cada uma das editoriais do Jornal Folha de

Londrina e uma página inteira do ‘Caderno Folha 2’. Atualmente, como já

mencionado, a Folha subsidia cerca de 40% do custo de distribuição do jornal diário

e empresas privadas adquirem cotas que cobrem o restante do custo.

No ano de 1998, por exemplo, 138 escolas públicas participaram do

Projeto ‘Cidadania’ nas cidades paranaenses de Londrina, Ivaiporã, Ubiratã,

Ariranha do Ivaí e Arapuã; semanalmente, foram distribuídos mais de 7 mil

exemplares da Folha de Londrina entre as escolas que participaram do projeto, o

que não garante a quase 36 mil estudantes acesso à leitura do jornal - ao contrário

do que a campanha de marketing de 13 de novembro de 1998 alegava. Pois, por ser

um projeto educacional, o ‘Cidadania’ requer parcerias com Secretarias Municipais

de Educação para que seja dado o suporte pedagógico aos professores para a

aplicação do jornal como material didático em sala de aula.

Nesta reportagem da data acima citada, a diretora de uma escala de

Ivaiporã afirma que, através desse programa, a escola é beneficiada sem precisar

desembolsar recursos próprios ou fazer campanhas junto à comunidade. Saliento

que as escolas não desembolsam recursos financeiros, mas sem adequadamente

envolverem recursos humanos, o potencial dessa iniciativa envolvendo empresas,

prefeituras e escolas não se viabiliza.

25

A escola MARCO (codinome adotado para designar o

estabelecimento investigado nesta tese) participou de um desfile cívico realizado na

zona urbana do município em 7 de setembro de 1997, no qual cerca de 30 alunos

que representavam esta escola desfilaram com painéis divulgando que eram

atendidos pelo Projeto ‘Cidadania’, usavam camisetas e bonés da Folha de

Londrina. A diretora da escola fez referência ao valor de o projeto dar acesso ao

jornal em áreas rurais.

A integração do jornal ao meio familiar é mesmo algo relevante, pois

em um grande número de lares desse distrito, o jornal distribuído pela escola é o

único produto cultural escrito existente. Dispor desse material de leitura pode

transformar outros membros da família em leitores do mesmo, o que contribui para

aumentarem a compreensão do mundo, pois o indivíduo informado (diferente do

apenas alfabetizado) é capaz de ver horizontes mais abertos, até mesmo na

descoberta dos caminhos a serem trilhados no campo profissional. A distribuição dos

jornais às famílias dos alunos favorece o acesso à leitura, mas não garante

motivação para realizá-la.

Como bibliotecário, eu acrescentaria que no Brasil, como em muitos países, os esforços oficiais tendem a enfatizar a oferta de instrução e dar muito pouca atenção à falta de motivação para ler, e até mesmo de oportunidade para fazê-lo, na maioria das zonas rurais. (HALLEWELL, 1985, p. 607).

Sem dúvida é positivo ofertar material a pessoas que não teriam

acesso a esse bem, mas estas só se tornarão leitoras dependendo do trabalho feito

dentro de sala de aula.

26

O baixo consumo de jornais poderia refletir os fatores culturais que venho discutindo. Poderia ser apenas pobreza. O Banco Interamericano de Desenvolvimento disse que mais de 2/3 da população encontram-se efetivamente marginalizados da vida econômica do país: são agricultores de subsistência, subempregados, favelados desempregados ou coisa semelhante (HALLEWELL, 1985, p. 608).

Em 11 de maio de 1999, a Folha de Londrina publica reportagem

comunicando que cerca de 300 alunos da 4ª série das sete escolas municipais de

Ubiratã - PR recebiam havia um ano o jornal na escola, através de uma parceria

entre a Folha e a Cooperativa Agropecuária de Ubiratã (COAGRO), cujo "diretor

executivo já foi prefeito daquela cidade". E, com relação ao trabalho docente divulga:

"... a professora disse que, em geral, pede aos próprios alunos para que escolham

um assunto entre as matérias publicadas pela Folha e, a partir daí eles fazem um

resumo da notícia".

Ubiratã é uma cidade localizada a 305 Km de Londrina e 96 Km a

sudoeste de Campo Mourão (uma cidade paranaense a 213Km de Londrina e por

ser de porte médio serve como referência na região); a escola MARCO, escola

distrital alvo de minha pesquisa, é situada no norte do Paraná; pertence ao

município de Londrina, trata-se de regiões distantes no Estado e que se limitam a

desenvolver rotineiramente o mesmo trabalho com o jornal; "escolher uma notícia

para resumir". Apesar de a reportagem de 11/05/1999 trazer depoimentos de alunos

afirmando que agora gostam de ler jornais, antes nunca haviam lido, postulo que o

estímulo à leitura tende ir diminuindo se a atividade proposta for sempre a mesma.

Atrair e perpetuar o interesse pela leitura é um processo complexo que não se

resolve com esforço de curta duração.

27

Se o aluno não lesse apenas para produzir um resumo, mas

também para comentar, discutir, criticar, refletir sobre o que está sendo veiculado,

aprimoraria mais da sua capacidade de expressão e desenvolveria o espírito crítico

através da tomada de posição a cerca dos fatos, condições essenciais para a

‘Cidadania’. Somente na condição de o Projeto ‘Cidadania’ ser utilizado em sala de

aula como material de suporte para estimular a leitura, no sentido de interpretação

de notícias e reportagens, justifica-se o seu nome. O mero resumo de notícias lidas

tem valor limitado: pode estimular o poder de síntese e reprodução de informações,

pode até mesmo enriquecer o vocabulário, mas não é suficiente para efeitos mais

profundos como o de desenvolver o espírito crítico do cidadão.

Por duas vezes nos últimos quatro anos, ou seja, a partir do ano

2000, a escola MARCO foi destaque em matéria jornalística: em 27/05/2003 e em

08/09/2000. Na reportagem de 27/05/2003, havia chamada de capa, acompanhada

por grande foto colorida e texto, destacando que uma aluna dessa escola percorre

todos os dias 48 quilômetros para chegar à sala de aula, e esse trecho é feito de

ônibus, perua, trator e barco. Eis um parágrafo do texto:

Na volta para casa, a maior parte da estrada é de chão, o que causa certo desconforto, mas não falta animação dentro do ônibus que vai deixando os alunos nas propriedades rurais onde moram. Eles vão cantando e o repertório vai de Sandy e Júnior à KLB, os preferidos dos adolescentes. A música ajuda a passar o tempo, assim como a paisagem do caminho, que é simplesmente exuberante. O excesso de poeira também passa despercebido. (Grifos meus).

Percorrer esta estrada de chão, na qual em tempos de sol, engole-

se poeira e em tempos de chuva, atola-se na lama, não causa apenas certo

desconforto, exige sacrifício mesmo; cantar com os colegas ajuda a suportar a

dificuldade, mas não há como o excesso de poeira passar despercebido,

28

principalmente quando esta é uma via crucis rotineira e não um programa

esporádico. A reportagem não destaca a falta de conservação das estradas rurais e

sim a personalidade dessa boa aluna, como se a responsabilidade pelo nosso

sucesso ou fracasso dependesse exclusivamente de nosso desempenho individual.

A proposta apresentada pela empresa jornalística à Prefeitura de

Londrina, por ocasião das negociações para o início do Projeto ‘Cidadania’, previa

um programa de visita à Folha de Londrina. Nestes termos, afirmava o documento

firmado com o poder público municipal:

Para ampliar o conhecimento de um jornal e seu funcionamento e, como incentivo à participação no projeto, uma vez por semana haverá visita à Folha de Londrina. As visitas serão de caráter didático com explicações das diversas atividades desenvolvidas no jornal, mencionando-se o nome da escola, o objetivo, o programa de visitas, bem como os patrocinadores.

Essas visitas deveriam ser programadas e financiadas pela

Secretaria de Educação, no que se refere ao transporte e alimentação dos alunos e

professores. As escolas em que trabalhei, no tempo em que fui professora da rede

municipal, não realizaram essa visita didática à redação e ao parque gráfico. No

entanto, a rede municipal possuía um ônibus destinado a levar alunos desta rede

para conhecer os pontos turísticos de Londrina, pois na terceira série estuda-se o

município.

Cada escola interessada no passeio cultural reservava o ônibus por

um dia no ano. Havendo lugar disponível no ônibus, também os alunos de outras

séries realizavam o passeio. Nos meus 13 anos e meio como professora municipal,

realizei essa visita pelos pontos turísticos por aproximadamente dez vezes. Em

todos esses programas culturais passávamos em frente ao prédio sede do jornal,

29

graças à privilegiada localização do mesmo (ao lado do Bosque - quadra de mata

nativa preservada pelos pioneiros), mas nunca entramos.

O que de novidade aconteceu em relação as atividades extra-classe

desenvolvidas a partir da implementação do Projeto ‘Cidadania’ foi a inclusão da

visita em algumas empresas patrocinadoras do projeto, além dos pontos turísticos

da cidade que já eram visitados. Esclarecendo melhor, passamos a ter direito a dois

passeios por ano, realizados no ônibus da prefeitura e sem custos para a escola, um

aos pontos turísticos do município e outro aos patrocinadores do ‘Cidadania’; quanto

a essa visita, durante um dia, éramos levados a conhecer:

• A CONFEPAR: uma indústria de laticínios para conhecer o processo de produção e industrialização do leite POLLY; a previsão era de que cada aluno ganhasse um pacotinho de leite para levar para a família, mas só ganhamos um copo de leite puro e gelado para tomar lá mesmo.

• A SELMI e o processo de produção do macarrão; a previsão era de que cada aluno ganhasse um kit de produtos SELMI, mas só foram distribuídos réguas com o slogan do produto.

• A INFRAERO: conhecer o aeroporto de Londrina e o heliporto; a previsão era de que conheceríamos a cabine de comandos de um avião; na prática, vimos aviões apenas por fora e vimos como é um helicóptero por dentro.

• O CINEMA: não ganhamos almoço pago pela Secretaria de Educação como inicialmente previa a Folha de Londrina no programa de visita dos alunos aos patrocinadores; aluno e professor levaram seu lanche e o tomamos em uma praça pública que existe em frente ao aeroporto. Também não fomos levados a conhecer a Redação da Folha (no centro da cidade) nem seu Parque Gráfico (na avenida Dez de Dezembro). Após o lanche, tivemos uma sessão grátis de cinema, no já extinto Vila Rica, o que foi considerado excelente pelos alunos, pois a maioria não conhecia cinema.

Embora não houvessem sido cumpridas as previsões anunciadas,

houve saldos positivos com as visitas, sem quaisquer dúvidas: ir a um importante

cinema da cidade foi marcante para a grande maioria dos alunos que nunca o

30

haviam freqüentado. Também conhecer o aeroporto e o heliporto, assim como as

fábricas de macarrão e leite pasteurizado ampliaram nosso campo de referências.

Para o final do ano de implementação do ‘‘Cidadania’’ (1994) estava

prevista uma premiação: os 2.875 alunos atendidos pelo projeto participariam de um

concurso de redação e os autores dos 40 melhores textos seriam premiados com

uma viagem a Foz do Iguaçu - PR, acompanhados por duas professoras da

Secretaria da Educação. O jornal não divulgou este concurso porque, apesar do

mesmo ser previsto desde o início da implementação do projeto, até próximo ao final

do ano letivo de 1994 não sabíamos se o mesmo iria ou não se realizar. O tema da

redação só foi divulgado às vésperas da realização do concurso e tinha como tema

‘ecologia’.

A previsão inicial era de que todos os 2.875 alunos envolvidos no

projeto poderiam disputar o concurso de redação e além dos 40 melhores trabalhos

serem premiados com uma viagem a Foz do Iguaçu, com as despesas de

transporte, hospedagem e alimentação pagas por patrocinadores, também os outros

alunos que se destacassem na redação receberiam kits de material escolar, tênis,

agasalhos e material esportivo igualmente doado por patrocinadores.

O projeto de implementação da Folha ‘Cidadania’ previa a realização

do concurso de redação e as premiações que seriam ofertadas. Até o tema já estava

estipulado com dez meses de antecedência do concurso, mas o mesmo jamais foi

divulgado. Somente dez anos após esse concurso ser realizado, obtenho o

conhecimento de que o tema previsto era "A utilização do jornal na escola e os

benefícios sentidos pelos alunos", isso graças a autorização da Secretaria de

Educação para xerocar documentos da época firmados entre a prefeitura e a

empresa jornalística.

31

Consultei sobre os motivos pelos quais o ‘Cidadania’ teve os dias de

circulação alterados sem aviso prévio (era toda quarta-feira, foi para quinta, mudou

para segunda, depois para terça-feira e agora voltou para quarta-feira), e disseram

que o jornal de segunda-feira estava muito magrinho, pensando em como engordá-

lo, decidiram jogar o ‘Cidadania’ para as segundas. Não há atas das reuniões, as

equipes sofreram alterações e o histórico vai-se perdendo.

Sugeri tanto ao responsável ao Projeto ‘Cidadania’ na prefeitura

como também na empresa jornalística que, por ocasião do aniversário de onze anos

do projeto, realizassem, em 2004, o concurso de redação com o tema pensado em

1994: "A utilização do jornal na escola". Apenas isto, sem acrescentar "... e os

benefícios sentidos pelos alunos", para que a proposta textual não direcionasse os

alunos a apresentar somente aspectos positivos e colhessem um diagnóstico desse

projeto elaborado por seu próprio público-alvo. A dificuldade alegada é a de obter

patrocínio para premiações; suponho que outra razão seria a possibilidade de

desvelar o pouco uso do jornal na sala de aula e o patrocínio para o mesmo tornar-

se ainda mais difícil.

Realizar visitas às empresas locais foi um objetivo alcançado pelo

Projeto e que produziu frutos positivos, pois o passeio motiva alunos e professores a

sair da rotina de sala de aula e possibilita vivências inesquecíveis como conhecer

várias empresas e ter contado com os processos de produção (como se deu, na

minha escola, com a fábrica de macarrão e a indústria de leite). Como esses

patrocinadores não são sempre exatamente os mesmos, sendo que ano a ano

alguns continuam e outros se renovam, as visitas de um ano para o seguinte

também sofrem alterações; outras turmas foram levadas a conhecer o sistema de

comunicação telefônica de Londrina - SERCOMTEL e um moinho de trigo.

32

Durante o ano de 2002, em decorrência do processo de licitação

para manutenção da parceria, a Prefeitura do Município de Londrina não contou com

a Folha de Londrina e sim com o Jornal de Londrina (a outra empresa jornalística da

cidade). Conseqüentemente, durante o ano de 2002, o projeto de envio de jornais às

escolas para o desenvolvimento de atividades pedagógicas teve o nome alterado, de

“Projeto ‘Cidadania’” para “Leitura e ‘Cidadania’”, mas funcionou nos mesmos

moldes desenvolvidos pela empresa anterior, que distribuía os jornais toda a

segunda-feira e na proporção de um exemplar para cada quatro alunos das séries

envolvidas; totalizaram-se 82.758 exemplares naquele ano, conforme

correspondência interna da Secretaria de Educação (C.I. n. 009, de 15/02/02,

assinada pela Secretária de Educação da época, Profª Magda Tuma, e pela Diretora

de Ensino, Fátima Pereira).

Em 2003, o Projeto ‘Cidadania’, da empresa jornalística ‘Folha de

Londrina’ é retomado pela Prefeitura Municipal de Londrina, atendendo 74 escolas e

7.925 alunos da rede municipal, sendo estes os matriculados nas turmas de 4ª série

da zona urbana, os alunos de 5ª a 8ª séries da zona rural, os do EJA - Educação de

Jovens e Adultos - e, a partir de fevereiro de 2003, também a Educação Indígena.

Em anexo, apresento a relação nominal das escolas londrinenses que receberam o

Projeto ‘Cidadania’ em 2003, o endereço de todas, o número de alunos atendidos

pelo Projeto em cada estabelecimento e a quantidade de jornais recebidos por

semana em cada escola, totalizando 2.122 exemplares semanais distribuídos neste

município.

Os demais municípios paranaenses atendidos pelo Projeto

‘Cidadania’ continuaram nessa condição no ano de 2002, quando outra empresa

desenvolveu em nossa rede projeto similar. Dessa forma, o assinante da Folha de

33

Londrina e quem adquiria o jornal na banca continuaram a visualizar durante o ano

de 2002, as linhas pontilhadas e reservadas ao ‘Cidadania’. Por sua vez, o Jornal de

Londrina não reservava espaço delimitado para a Leitura e ‘Cidadania’, cabendo aos

professores decidirem se determinariam ou não os textos jornalísticos a serem lidos

em sala de aula. Com exceção do ano de 2002, o Jornal de Londrina não se filiou

mais ao Programa Jornal na Escola, incentivado pela Associação Nacional de

Jornais (ANJ), em razão não ter mais vencido a concorrência pública disputada com

um jornal de maior porte.

Este capítulo apresentou o histórico do Projeto ‘Cidadania’ em seus

onze anos de existência, dando destaque aos objetivos pelos quais foi criado e o

modo como esses objetivos foram expostos em documentos. Também foram feitas

correlações com fontes de informação provenientes do outro parceiro do projeto, a

Secretaria Municipal de Educação de Londrina com a finalidade de examinar como

tem sido o processo de monitoramento exercido por esse órgão. Foram mostradas

algumas contradições entre o que era prometido e o que de fato chegou a ser

executado, projetando-se para o funcionamento do Projeto ‘Cidadania’ nos dias de

hoje. Embora se verifiquem incongruências, a principal conclusão é a de que mesmo

reduzido em relação à proposta inicial, o Projeto contém uma riqueza muito grande

de contribuições a oferecer, tornando-se a cada dia mais urgente a resposta à

pergunta sobre os motivos pelos quais um aproveitamento mais pleno dessas

contribuições não ocorre. O capítulo a seguir discutirá pesquisas já existentes a

respeito da utilização do jornal em sala de aula.

34

2. O JORNAL NA SALA DE AULA: OUTROS PROJETOS E PUBL ICAÇÕES

O primeiro jornal a ser usado como instrumento didático foi o ‘The

New York Times’, nos Estados Unidos, que em 1932, montou um programa

educacional. Existem projetos de jornais na Educação em 52 paises, de acordo com

a Associação mundial de Jornais, que reúne 18 mil empresas de comunicação.

No Brasil, o jornal Zero Hora, de Porto Alegre, foi o primeiro a ser

utilizado como material didático-pedagógico em instituições de ensino. De acordo

com a Associação Nacional dos Jornais (ANJ), circulam hoje 1.980 jornais no Brasil,

dos quais 491 são diários. Os programas que trabalham com o uso educativo de

jornais, registrados na mesma ANJ, somam 37 – apenas 7,5% entre os diários –,

com destaque para o interior do Estado de São Paulo, com 11 programas em

atividade. Os projetos de utilização de jornal em sala de aula são incentivados pela

ANJ e por seu Comitê de Leitura e Circulação. Atualmente, participam dessa

iniciativa, 8.500 escolas em 16 Estados e também no Distrito Federal. São cerca de

3,5 milhões de estudantes beneficiados.

Esses programas de incentivo à leitura são muitas vezes vinculados

aos departamentos de marketing dos veículos de comunicação, que, em alguns

casos, oferecem assinaturas durante as atividades ou enviam às escolas

exemplares encalhados. Além de assinantes comerciais, os jornais ganham novos

leitores críticos, dependendo do trabalho pedagógico desenvolvido.

“O Jornal na Sala de Aula” e “Como Usar o Jornal na Sala de Aula”

são títulos de livros produzidos por Maria Alice Faria professora da UNESP.

Publicado pela Editora Contexto, o primeiro é de 1997 e o segundo, de 1998, fazem

35

parte, respectivamente das Coleções Repensando a Língua Portuguesa e

Repensando o Ensino. Ambos os trabalhos prestam contribuição ao ensino-

aprendizagem de língua portuguesa ao mostrarem como incorporar textos

publicados nos jornais em atividades práticas do professor em sala de aula.

Faria (1997) responsabiliza o uso exclusivo do texto literário em sala

de aula como um dos fatores responsáveis pela crise do ensino de língua

portuguesa; segundo a autora, os clássicos escolares apresentam um conteúdo

ideológico e estético que convém à elite que seleciona essas antologias. Considera

que a “comunicativite” dos anos 70 abriu espaço nos livros didáticos para autores e

textos contemporâneos, inclusive de jornais e revistas; no entanto, conservou o

ensino tradicional da gramática (purista e alienado da realidade atual), mantendo o

ensino ineficaz e desmoralizador da língua portuguesa.

O livro “O JORNAL NA SALA DE AULA” é formado por cinco

capítulos. No primeiro, a autora sugere a adoção do texto jornalístico como padrão

de língua escrita escolar e propõe a utilização do jornal como um material didático

alternativo aos limitados e ruins livros didáticos, posto que a linguagem jornalística

adota o português-padrão. Ressalta que a partir da leitura crítica do jornal em sala

de aula pode-se chegar à redação de textos jornalísticos e jornais escolares.

O segundo capítulo denomina-se “Como é feito um jornal?” e traz

sugestões de atividades para serem aplicadas a alunos a partir da quinta série,

sobre a Primeira Página do jornal e os elementos que a compõem (cabeçalho,

manchetes, lide, diagramação...), bem como oferece sugestões para as páginas

interiores do jornal, destacando os aspectos gráficos do mesmo. O capítulo 3 intitula-

se “As formas da informação” e mostra os limites da objetividade dos jornais e os

recursos lingüísticos utilizados pelos jornalistas. A ênfase está nas funções de

36

linguagem utilizadas nos periódicos; propõe atividades de leitura e redação em que

os alunos façam uso desses recursos e salienta que sempre cabe ao professor

dosar as atividades propostas ao nível da turma específica.

No capítulo 4, nomeado “O conteúdo da informação”, apresenta

comparações entre as formas de informação noticiadas por dois jornais sobre a

doença, a morte e o sepultamento de Tancredo Neves, bem como o mesmo crime

passional foi divulgado por dois jornais; além de continuar propondo outras

atividades de leitura e redação, a serem dosadas pelo professor dependendo da

maturidade da turma. O último capítulo desse livro nomeia-se “Gêneros jornalísticos

na sala de aula” e apresenta as principais características de alguns gêneros

jornalísticos (notícia, reportagem, entrevistas, editorial) e sugere exercícios para o

trabalho com o jornal em sala de aula, a confecção de jornal mural e jornais

escolares.

Em todos os capítulos sugere atividades com o jornal como

alternativa ao livro didático, baseada em experiências feitas com o jornal na escola

entre 1982 à 1987; considera que:

[...] o conhecimento e domínio da linguagem jornalística (tanto escrita como televisiva e radiofônica), nos dá hoje um poderoso instrumento para exercer o direito de cidadania, ajudando-nos a compreender e portanto a influenciar o que se passa a nossa volta. Ela é assim o mais seguro instrumento de comunicação que possuímos. E isso, parece-me, é o fundamental a ser transmitido aos alunos. (FARIA, 1997, p. 126).

Em seu livro de 1998, “Como usar o jornal em sala de aula”, a autora

retoma algumas atividades sugeridas no livro anterior, agora com uma apresentação

pedagógica mais objetiva e com mais indicações no modo de utilizá-las; a maioria

das atividades apresentadas, no entanto, são novas em relação àquelas

37

apresentadas no livro anterior. “Como usar o jornal em sala de aula” é organizado

em quatro partes. A primeira apresenta argumentos a favor da utilização do jornal na

sala de aula, reavalia o papel do jornal na sala de aula e do próprio jornal nos dias

de hoje; vai da página 9 à página 26. As três partes seguintes são compostas por

quarenta fichas de atividades que cada professor deve selecionar de acordo com

suas turmas de 5ª a 8ª séries.

As fichas de 1 a 5 referem-se à parte denominada “Entrando em

contato com jornais e revistas” e as cinco atividades propostas atendem a esse

objetivo. As fichas 6 a 18 que dizem respeito ao tópico “Conhecendo o jornal”, vão

das páginas 45 a 84 e objetivam levar o aluno a situar-se em relação às informações

do periódico; também propõe jogos para motivar os alunos a localizarem as

informações solicitadas e explicitar seus indícios característicos. As fichas de 19 a

25 remetem às páginas 85 até 104 e apresentam atividades a serem realizadas

antes, durante e depois da visita a um jornal: Por que visitar um jornal; organização

da visita ao jornal; contatos com um jornalista; o que perguntar durante a visita;

depois da visita – impressões gerais; depois da visita – levantamento dos dados e

enquete sobre a circulação do jornal.

A quarta e última parte denomina-se “Aprofundando a análise e a

prática do jornal”, é composta pelas fichas 26 a 40, referentes às páginas 105 a 156

e aprofunda conhecimentos sobre os componentes da Primeira Página do jornal

(cabeçalho, chamada, lide, etc) e traz exercícios sobre a linguagem específica do

jornal. Este livro não contém conclusão ou considerações finais uma vez que não

trata da análise de experiências em andamento; ao final, apresenta quatro páginas

de glossário e duas de bibliografia. Seu objetivo é oferecer sugestões para o uso do

jornal na sala de aula.

38

Outra abordagem com relação à utilização do jornal em sala de aula

é oferecida pela tese de doutorado intitulada “O jornal e a educação – leitura crítica,

comunicação e criatividade no ensino fundamental de Bauru-SP”, de autoria de

Alexandra Bujokas de Siqueira. Defendida na UNESP – Campus de Maríla, a tese

teve a orientação de Maria Alice de Oliveira Faria e vínculo com a linha de pesquisa

“Ensino: abordagem técnico-pedagógica”. Seguindo os mesmos objetivos das

pesquisas e obras da orientadora, o trabalho se define como material pedagógico

destinado a auxiliar a ação do professor do Ensino Fundamental visando à formação

de leitores críticos a partir do contato com o jornal.

O estudo é organizado também na forma de fichas cuja finalidade é

abordar os mecanismos de produção de uma matéria noticiosa, transitando também

por um conjunto de orientações que culminam com sugestões para atividades

diversificadas que também incluem análise de notícias e reportagens. Há três

campos de abrangência no trabalho: o primeiro refere-se às contribuições dos

conhecimentos nas áreas de Pedagogia e Didática como suporte na preparação de

materiais de uso mais facilitado em sala de aula. A segunda efetua a revisão de

teorias críticas da comunicação para nelas situar as limitações da prática jornalística

e tornar os professores conscientes dos recursos empregados pelo jornalismo atual

para inserir diferentes vieses à realidade expressa no texto.

O terceiro dá cobertura às informações específicas de pesquisa, que

neste caso foram particularizadas no perfil intelectual dos professores da rede

estadual de Ensino de Bauru-SP, participantes da pesquisa qualitativa realizada.

Foram observadas quatro oficinas pedagógicas, cuja programação foi autorizada

pela Delegacia de Ensino de Bauru, envolvendo 25 professores de português da

rede estadual de Ensino da cidade de Bauru. Os participantes registraram suas

39

impressões sobre o material apresentado, em questionário elaborado para dados de

pesquisa qualitativa. A análise das respostas apontou para a boa acolhida da

proposta, sem, contudo, deixar de indicar alternativas para aperfeiçoamento das

fichas.

O jornal na sala de aula é também assunto de vários pesquisadores

atuais como constatou o Primeiro Seminário “O Professor e a Leitura do Jornal”,

realizado em Campinas/SP no período de 29 a 31 de julho de 2002, e que tem a

pretensão de tornar-se um simpósio bienal sobre o tema, o que demonstra a

importância do mesmo.

Segundo Trindade (2003), a utilização do jornal na escola não é algo

novo. Com os programas “Jornal na Educação”, porém, esta prática tem-se

transformado de informal e eventual em permanente e sistemática. Empresas

jornalísticas distribuem jornais nas escolas (assinatura ou encalhe) e orientam os

professores sobre como utilizar o material em sala de aula. De acordo com Trindade

(2003), no Brasil, há 28 jornais desenvolvendo programas desse tipo em 13 estados

e no Distrito Federal. Anualmente são atingidos 2,2 milhões de alunos, em 6.500

escolas, de ensino fundamental e ensino médio, da rede pública (municipal e

estadual) e privada.

O trabalho do mencionado pesquisador foi desenvolvido a partir da

análise do programa “Folha Educação”, do jornal Folha de São Paulo. Segundo ele,

a finalidade da educação escolar tem sido, cada vez mais, pensada para além dos

parâmetros representados pelo conjunto dos conhecimentos sistematizados que, na

escola, são apresentados aos educandos a partir de livros didáticos e paradidáticos.

As rápidas evoluções no campo da ciência e a intenção de “formar” cidadãos têm

introduzido no espaço escolar o debate sobre a necessidade de encontrar e/ou

40

desenvolver novos materiais pedagógicos e metodologias que ofereçam

possibilidades mais amplas de colocar o educando em contato com a realidade de

seu tempo; neste sentido, o jornal impresso começa a ganhar peso.

2.1. JORNAL COMO INSTRUMENTO DIDÁTICO-PEDAGÓGICO

“O Jornal e a Formação da Cidadania no Ensino Fundamental e

Médio”, trabalho desenvolvido por Vieira (2003), em 14 escolas dos municípios de

Santos, São Vicente e Praia Grande (Baixada Santista), mostra os resultados

obtidos numa pesquisa de campo sobre a utilização do veículo jornal em sala de

aula, como ferramenta didática junto a estudantes do Ensino Fundamental e Médio.

A realização desta pesquisa teve como pressuposto a inter-relação entre

Comunicação e Educação e adotou como objetivo geral a proposta de demonstrar

que a utilização deste veículo no processo de ensino-aprendizagem contribui como

formador de cidadania no receptor-aluno.

Por meio de questionários aplicados a alunos e professores foi

possível detectar que o uso do jornal ampliou e atualizou o conhecimento dos

estudantes, contribuiu para a formação de visão crítica da realidade e estimulou o

interesse pela leitura e pesquisa como atividades extra-classe. Para os professores,

o jornal permite a atualização do conteúdo e um caminho aberto para a construção

da cidadania. Incentivar o aluno a ler e aprender, adquirir mais conhecimento sobre

a cidade, o país e o mundo; oferecer modelos de escrita para que o aluno escreva

mais e melhor; formar cidadãos críticos e participantes no processo social, político e

41

cultural são algumas das contribuições citadas por alunos e professores sobre a

utilização do jornal em sala de aula, dentro do programa Jornal na Educação.

Barbosa (2003), em “Trabalhando com o jornal na sala de aula”,

defende que a carência de uma educação eficaz, no sentido de formar cidadãos

capazes de compreender a realidade e interferir nela, é um dos principais entraves

para a transformação social. É impossível falar de liberdade, emancipação,

igualdade de condições (não só de oportunidades) sem questionar o nosso atual

sistema educacional, que por sua vez, está inserido num amplo contexto social,

econômico, político e cultural – defende Barbosa (2003) na monografia em questão.

Dessa maneira, o seu trabalho buscou compreender a importância do jornal na

escola, seus usos e possibilidades e sugerir atividades em que o jornal seja um

recuso didático novo.

A autora realizou algumas reflexões acerca das relações entre os

meios de comunicação e educação, a ausência dessas relações nos cursos de

formação de professores, as potencialidades do jornal na sala de aula, a mudança

que o jornal pode concretizar na relação professor-aluno, ou como a mudança na

relação professor-aluno pode fazer do jornal um recurso pedagógico novo e

revolucionário rumo a um ensino emancipatório e crítico. Alguns trabalhos com o

jornal foram registrados, mostrando assim, como ele é capaz de proporcionar uma

atividade mais dinâmica, interessante, desenvolvendo ainda o gosto pela leitura e a

busca de informações. Postulo que é a freqüência de realização desses trabalhos e

o modo como os mesmos se desenvolvem que irão proporcionar este gosto pela

leitura ou não.

Compartilho com a opinião de Flávia Aidar, gerente de Projetos

Educativos do Itaú Cultural: “O jornal não deve ser entendido como uma ‘matéria’ ou

42

‘disciplina’ na escola, mas como uma fonte de informação para qualquer disciplina.

Desde 1982, Aidar utiliza o jornal como recurso pedagógico, segundo informa a

Agência Educa Brasil, em matéria publicada em 08/02/2002, sob o título: “Muito além

da leitura de jornal”. Bacharel em História pela USP (Universidade de São Paulo),

Aidar foi responsável, em 1993, pela implantação e coordenação do Programa Folha

Educação, do jornal Folha de São Paulo. Atualmente, colabora na edição do Jornal

Folha Educação com quatro edições anuais, que auxilia o professor a utilizar o jornal

na sala de aula.

Em uma entrevista concedida à Folha de São Paulo, em 08/02/2002,

ela comenta sobre os benefícios de se trabalhar com o jornal e fornece alguns

exemplos aos educadores. Salientou que desde 1982, quando era professora de

história da 8ª série do Ensino Fundamental na Escola Vera Cruz (SP), considerava a

possibilidade de trabalhar com jornal pedagogicamente. Conversou então com um

jornalista (Pacheco Jordão, pai de aluna da escola) e começaram a desenvolver uma

metodologia própria de como trabalhar com jornal na sala de aula. Mais tarde, já em

1992, foi convidada pela Folha de São Paulo a conceber um projeto de incentivo de

leitura de jornal, que foi lançado em 1993 como o Programa Folha Educação, que

implantou e coordenou até 1997.

O jornal, segundo a entrevistada, não deve ser entendido como uma

atividade, “matéria” ou “disciplina” dentro da escola. Por ser uma fonte de

informações sobre vários e diferentes assuntos, pode e deve ser trabalhado em

qualquer disciplina e com qualquer faixa etária, ao lado de outras fontes de

informação e leitura. Da mesma forma, defendo que o jornal não deve ser a única

fonte de leitura a que os alunos têm acesso, mas havendo acesso ao mesmo é

43

preciso viabilizar sua utilização enquanto material propício para a formação de

leitores.

Lilian Lema Manela, professora no Rio De Janeiro, descreve sua

experiência com o jornal em sala de aula:

Eu já venho fazendo isso há algum tempo com meus alunos e garanto que o resultado é excelente. Os objetivos de que eles conheçam e usem a língua corretamente, recebam e compreendam informações de todas as áreas do conhecimento, façam uma leitura crítica de textos diversos, expressem opiniões sobre o que estão lendo, entre outros, estão sendo atingidos. Só para dar um exemplo, trabalhei recentemente com um texto de propaganda: De um lado há o jornal O GLOBO dentro de uma caixa para pizza, com o seguinte texto: “NOTÍCIAS EM TEMPO REAL, fatos, análises e comentários direcionados para a sua fatia de mercado”. Do outro lado há um texto menor explicando mais detalhadamente o objetivo do anúncio e muitas fotos pequenas. Essa propaganda trouxe muitas informações novas para eles. Por exemplo, a noção de “tempo real” na mídia que eles não tinham, o sentido conotativo das palavras como “fatia” de mercado, termos como internet, intranet, palavras estrangeiras como “clipping”, e muito mais. Depois as próprias fotos foram analisadas e falamos da velocidade, diversidade e qualidade da informação e finalmente eles mesmos fizeram na sala de aula um clipping, selecionando do jornal assuntos por área e montando vários murais. (MANELA, 2003)

Carmen Lozza, coordenadora pedagógica do Quem Lê Jornal

Sabe Mais – o mais antigo programa em operação no Brasil, criado em 1982 –,

mantido pelo jornal O Globo, destaca em suas oficinas os efeitos colaterais próprios

do jornalismo, como a contaminação ideológica, a estrutura fragmentada dos

veículos, as generalizações e a naturalização de fatos que são construídos

historicamente, entre outros. Para Nyeta Magalhães, uma das coordenadoras

pedagógicas do programa O Dia na Sala de Aula, do jornal também carioca O Dia,

os bons programas operam:

44

[...] para que o leitor saiba ‘ler’ as diferentes linguagens do jornal e ler por trás das entrelinhas e, sobretudo, para que este leitor aprenda a participar de todos os espaços a eles destinados nos jornais, para que ocupe este espaço, perceba que pode formar opinião e ganhar uma função social. (MAGALHÃES, 2003).

Considero ser esta uma das causas principais do insucesso do

Projeto Cidadania: a falta de preparo do professor para transformar ledores em

leitores.

Maria Luiza Kraemer em matéria sobre o jornal em sala de aula

postula que hoje, mais do que nunca, por fazerem parte da vida do estudante, os

meios de comunicação de massa têm influência direta em sua aprendizagem, e no

ambiente em que vive. Daí a importância de a escola resgatar formas de tirar

proveito pedagógico do fenômeno. Em sua opinião o educador deve buscar formas

de ensinar o aluno a selecionar tudo o que de positivo os meios de comunicação

oferecem. A informação e a motivação do docente deve ser objeto de estudo.

2.2 EXEMPLOS DE PROJETOS QUE LEVAM O JORNAL À SALA DE AULA

As maneiras como os jornais vêm sendo utilizados como recurso

pedagógico em sala são variadas. O Projeto Jornal na Sala de Aula, no Estado do

Ceará, já foi implementado em 36 municípios e atinge cerca de 9 mil alunos e 638

professores em 429 salas de aula, segundo “O Diário do Nordeste”. Este jornal

apresenta sugestões como: formulação de horóscopo para um ou mais colegas, de

acordo com o modelo do jornal; atividades de avaliação das imagens (fotografias)

45

presentes no jornal; análise gramatical dos classificados; elaboração de manchetes,

entre outras (DIÁRIO DO NORDESTE, 2004).

Em Santo André-SP, duas professoras de uma escola pública

localizada numa comunidade carente trabalharam uma proposta de integração da

família nos processos de ensino-aprendizagem. A atividade mais comum proposta

por uma das professoras era pedir que um aluno levasse o jornal para casa e

escolhesse, juntamente com os familiares, uma reportagem para ser, em seguida,

discutida na escola, com os demais colegas. Dessa maneira, segundo a professora,

observou-se evolução no senso crítico dos alunos (LORO, 2003).

O projeto ‘Correio Escola’, uma parceria do jornal "O Correio

Popular" com a Prefeitura Municipal, em Campinas no Estado de São Paulo, levou a

Escola Municipal de Educação Infantil Dr. "Manoel Affonso Ferreira", a desenvolver,

como resultado, a iniciativa de montar seu próprio jornal: “O interesse da sala foi

muito grande em relação ao trabalho com jornal, surgiu a idéia de montar o nosso

próprio jornal. Escolhemos o nome do jornal, de cada caderno e os repórteres, em

votação, divisão do trabalho e a coletânea de fotos.” (DINI, 2004)

Um programa de treinamento para os professores faz parte do

projeto “Jornal, Escola e Comunidade”, desenvolvido pelo jornal “A Tribuna”,

distribuído na Baixada Santista, Estado de São Paulo. Os professores participam de

um curso denominado ‘Leitura Solidária’, sendo que os seus coordenadores

registraram mudanças na relação professor-aluno que vão além do processo

didático-pedagógico, como resultados dos conceitos trabalhados no referido curso:

46

Quando um aluno faltava na prova eu ficava extremamente brava. Hoje eu primeiro tento descobrir os motivos que o levaram a não comparecer. E eles sabendo que eu procuro não julgar, mas sim compreender, se sentem mais à vontade comigo. São sinceros e desta forma eu posso conversar sobre as dificuldades deles, sobre prioridades e trocar experiências. (A TRIBUNA, 2004).

Pesquisa realizada na Baixada Santista referente ao Estudo de Caso

do Programa “Jornal, Escola e Comunidade”, desenvolvido pelo jornal A Tribuna

junto às escolas estaduais e municipais revelou alguns resultados. O trabalho é feito

com a participação das Secretarias Municipais de Educação (SEDUCs) e Diretorias

de Ensino. O interesse dos alunos pela pesquisa está em outros itens citados nos

questionários aplicados junto a 14 escolas dos municípios de Santos, São Vicente e

Praia Grande (Baixada Santista). Com base nos questionários, foi possível verificar

que o emprego do jornal como recurso didático serve para que o estudante seja

capaz de fazer inferências sobre o que lê e as atividades que desenvolve em sala de

aula ou extra-classe.

Dentre os assuntos apontados por uma grande maioria de

estudantes, estão o racionamento de energia, o terrorismo (o atentado no World

Trade Center e a guerra no Afeganistão), a violência no país, esportes (futebol, vôlei

e tênis), além dos avanços da Ciência (clonagem e transgênicos), novelas,

horóscopo e globalização. Esses temas são citados tanto por estudantes do Ensino

Fundamental como por alunos do Ensino Médio; também na escola MARCO (escola

pesquisada sobre a formação de leitores através do Projeto Cidadania) os alunos do

último ano do ensino fundamental responderam uma pesquisa de opinião citando

esportes, novelas e horóscopo como os assuntos que mais gostam de ler no jornal.

47

De acordo com as respostas dos professores ao questionário

aplicado pela pesquisadora Regina da Luz Vieira, da Universidade de Taubaté/SP,

pode-se verificar que o uso do jornal contribui para fornecer suporte metodológico

aos professores, fazendo com que o processo ensino-aprendizagem seja mais

produtivo. Isso porque desperta o interesse do aluno, tanto no que se refere ao

conteúdo da disciplina, quanto à valorização do patrimônio escolar e participação na

comunidade, em especial no que se refere às questões político-sociais. Para

desenvolver esse conteúdo nas diferentes disciplinas, os professores utilizam, entre

outros recursos didáticos, as aulas expositivas, estudos dirigidos, pesquisas, leituras

extra-classe, estudos em grupos, exercícios em grupo, vídeos, slides e música.

O uso desses recursos permite a participação dos estudantes e gera

uma visão crítica sobre a realidade em que estão inseridos, permitindo ainda a

integração de conhecimento entre professor, aluno e comunidade. No caso da

escola MARCO, situada na zona rural do município de Londrina - PR, o estudo de

caso realizado por mim demonstra uma realidade diferente. Os dados de pesquisa

revelaram uma freqüência baixa no uso do jornal em sala de aula e, quando essa

atividade ocorre, a metodologia utilizada é repetitiva: escolher uma notícia para

resumi-la.

Outro dado constatado na citada pesquisa de Vieira (2003) foi os

professores observarem a ampliação do vocabulário do estudante-leitor, fornecendo

o jornal uma “bagagem” cultural diversificada, o que permite ao aluno ter mais

assuntos para conversar com a família, os próprios professores e os colegas em

geral. Num cruzamento de dados realizado por Vieira (2003) entre questionários de

alunos e professores, foi possível verificar que ambos consideram a utilização do

jornal em sala de aula como um instrumento para auxiliar na formação da cidadania.

48

Isso ocorre a partir do debate sobre os problemas políticos, sociais, econômicos e

culturais que aparecem nas notícias jornalísticas e temas abordados em sala de

aula. Na escola alvo de minha pesquisa muitos alunos afirmaram não perceberem

relação entre o ensino de Língua Portuguesa e o desenvolvimento da cidadania.

A ampliação do conhecimento, assim como a integração de palavras

novas ao próprio vocabulário, são outros pontos apresentados nos dois tipos de

questionário; o trabalho eventual realizado com o jornal na escola MARCO não

permite que o mesmo se torne um recurso enriquecedor do vocabulário dos alunos.

Na pesquisa de Vieira (2003), os docentes destacam como

vantagens do programa Jornal, Escola e Comunidade o uso de textos da atualidade,

dinamicidade do conteúdo e a aproximação do conteúdo à realidade do aluno. Como

desvantagem, os professores destacam o excesso de material a ser levado para a

sala de aula (em geral são vários números ou cadernos do jornal para uma única

aula, em número suficiente para desenvolver a atividade estipulada quer em grupo,

quer individualmente). Eles ressaltam ainda a importância da continuidade do

Programa Jornal, Escola e Comunidade como meio para melhorar o nível escolar

dos alunos, ampliação do conhecimento, integração professor-aluno e um caminho

para a construção da cidadania.

Diante desses dados, vemos que em determinadas escolas o jornal

tem servido para criar uma metodologia capaz de integrar corpo docente e corpo

discente e a própria comunidade, bem como o conteúdo programático das diversas

disciplinas e ainda a interdisciplinaridade. Desta forma, o investimento financeiro

realizado justifica-se diante dos benefícios pedagógicos e sociais obtidos; no caso

da escola MARCO, o investimento financeiro não gerou ganhos educacionais

significativos.

49

Para Abdala (2000, p.54), numa comparação com o livro didático

(tendo por base pesquisa já desenvolvida por estudantes do mestrado em

Lingüística Aplicada da Universidade de Taubaté), este acaba criando uma

metodologia esvaziada quanto à dinamização da leitura e se torna “apenas um meio

de cumprir o programado, ou seja, utilizando o tempo de aula para fazer com que os

alunos leiam e escrevam, ainda que nenhum resultado concreto advenha dessa

atividade”.

O uso do jornal, portanto, pode contribuir para que o estudante seja

capaz de inferir sobre as leituras feitas, de modo não mecanizado, desenvolvendo a

habilidade de interpretar o que lê. A escola se tornaria, assim, um local de formação

e exercício de um ser humano mais completo, como cidadão; concordo que o jornal

tenha esse potencial de instigar a formação de leitores entre o público adolescente,

mas para a concretização desta meta é indispensável que a utilização deste veículo

no processo de ensino-aprendizagem contribua como formador de cidadania no

receptor-aluno, o que não verifiquei na escola analisada.

O tema da pesquisa realizada por Vieira (2003) foi “Utilização do

veículo jornal, na sala de aula, como meio crítico de Comunicação”, teve por base a

preocupação emergente nas diversas esferas sociais de solidificar o diálogo entre

Comunicação e Educação, ciências que não podem apenas cruzar caminhos, mas

necessitam de interconexões para contribuírem na formação e desenvolvimento

integral do homem. Meu tema de pesquisa recai sobre o mesmo interesse: analisar

se o jornal que é um veículo de Comunicação de Massa capaz de preservar a

memória cultural da sociedade por meio das notícias publicadas em suas páginas, é

também capaz de transformar ledores em leitores.

50

O jornal Diário do Grande ABC, em 15/08/2003, publica que “Diário

na Escola” é um projeto do Diário em parceria com a Secretaria de Educação e

Formação Profissional de Santo André. Na Vila Jardim Alzira Franco, em Santo

André, duas professoras estão utilizando o jornal em suas aulas. São iniciativas

ainda isoladas como tantas outras que despontam na rede municipal, mas que já

demonstram o potencial pedagógico do periódico. Patrícia Aparecida Martins Loro e

Adelice Aparecida do Nascimento, respectivamente professoras do 1º e do 2º anos

do 2º ciclo, afirmam: “Os alunos levam o jornal para casa e como a região é carente,

nem todos teriam oportunidade de comprá-lo.”.

Patrícia costuma solicitar que um aluno leve o jornal e escolha com

os familiares uma reportagem para ser discutida. No dia seguinte, o resultado da

conversa é apresentado ao resto da classe que também emite opiniões. No final do

exercício, todos escrevem sobre o assunto. A professora afirma sentir-se satisfeita

com o fato de perceber seus alunos “mais críticos e bem informados”. Acrescenta,

no entanto: “Mas o ideal seria recebermos uma capacitação específica para utilizar o

jornal em sala de forma mais sistemática e uniforme”. Minha tese defende a

importância da capacitação docente para otimizar o trabalho realizado e também

postulo o benefício de haver um exemplar para cada aluno e o envolvimento da

família nas atividades realizadas com o mesmo.

Adelice, a outra professora mencionada, trouxe para sua turma do 2º

ano do 2º ciclo da rede municipal, experiências que desenvolve com alunos na rede

estadual, onde já trabalha com jornais há quatro anos. Avalia que “realmente o jornal

traz a realidade do mundo para dentro da sala, mas eu sinto falta de uma melhor

capacitação para os professores desenvolverem um trabalho mais constante”. A

professora também menciona a influência dessa prática junto aos educadores que

51

foram obrigados a ficar mais bem informados com a chegada do Diário nas escolas.

Lembra que o professor é forçado a informar-se mais para fazer frente à curiosidade

mais aguçada dos alunos com o jornal. Adelice também ressaltou que o jornal requer

preparo para com ele trabalhar.

O Jornal ANJ – Notícias, em outubro de 2002, contém reportagem

de Flávia Moura, de Ilhabela, intitulada “Orientação dos educadores é que estimulará

a leitura”, na qual postula que “o jornal é o instrumento ideal para trabalhar

conteúdos interdisciplinares em sala de aula”. O conteúdo reflete as discussões

entre os educadores presentes ao Encontro Nacional de Coordenadores de

Programas Jornal na Educação, da ANJ. Durante o evento, professores e

coordenadores do programa Jornal na Educação, desenvolvido por 38 jornais

associados à ANJ, trocaram experiências e discutiram prioridades e dificuldades

para a manutenção dos programas sócio-educativos. Segundo a coordenadora do

Sub-Comitê Jornal na Educação, da ANJ, Maria Aparecida Borelli de Almeida, a

mera distribuição do jornal em sala de aula não reflete um programa educativo.

Para consolidar essa prática, existe uma proposta de lei do deputado

Luiz Bittencourt (PMDB-GO), já aprovada pela Câmara, essa lei tornaria obrigatória

a leitura de jornais em sala de aula. Os professores receberiam treinamento

especial, pois estudos mostraram que eles não têm tempo e dinheiro para a leitura

de jornais. Considero indevida a postulação de que através de decretos problemas

educacionais possam ser resolvidos; o que o professor realiza em sala de aula com

seus alunos é capaz de alterar a realidade dos mesmos, transformando-os em

leitores e cidadãos.

Se há interesse das empresas jornalísticas em colocar o jornal na

escola, devem estar sensíveis à dinâmica do mundo da educação e abertas a

52

mudanças e reformulações em seus produtos e propostas, em benefício da

estruturação desse tipo de interferência. O jornal pode dedicar-se a elevar o nível

cultural do público; sua união com o leitor pode ser pensada a partir de uma relação

que traga benefícios mútuos. Os leitores, que são para o jornal “elementos

econômicos, capazes de adquirir as publicações e de fazê-las adquirir por outros”,

devem receber em troca algo de que têm necessidade. O trabalho do jornal, neste

sentido, está em identificar tais necessidades e corresponder a elas. O retorno

deverá ser o desenvolvimento do leitor e a conquista e a ampliação do público do

jornal, para isto é indispensável a parceria pedagógica.

Schmidt (2003), apresenta conclusões de uma pesquisa acerca das

representações sobre a alfabetização que estão sendo produzidas e multiplicadas

pelos jornais. Discute as narrativas que os jornais escolhidos estão criando e

colocando em circulação sobre o que pode significar o acesso à alfabetização,

analisa quais são os olhares que o jornal está lançando para as questões

relacionadas à alfabetização brasileira, examinando o que ele nos diz sobre isto.

Também o jornal Folha de Londrina/ Folha do Paraná publica com regularidade

matérias sobre as escolas que recebem o Projeto Cidadania, analiso as mesmas

como marketing do próprio jornal e de seus patrocinadores.

Schmidt (2003) afirma ainda que grandes organizações divulgam

campanhas de alfabetização oferecendo saídas mágicas pelo caminho da educação,

como alternativa central e inquestionável para os problemas sociais do país; o jornal

coloca em pauta aquilo que considera importante também no campo da educação e

formação do leitor. A alfabetização pode ser compreendida como uma ferramenta

eficiente na regulação daquilo que as pessoas devem conhecer ou saber para serem

consideradas integradas numa sociedade moderna. No entanto, existem escolas

53

onde o aluno aprende a ficar horas sentado na sala de aula, seguindo sempre a

disciplina da escola: aprender a levantar a mão antes de falar, escutar com atenção

as palavras da professora, sentar-se. Como formar o leitor/ cidadão crítico nesse

ambiente de reprodução e a-criticidade?

“A Família e a Escola Marcando a Formação do Leitor” é objeto de

investigação da professora Maria Lucia Marques (2003) que produziu uma pesquisa

qualitativa a respeito de como os sujeitos representam a influência da família e da

escola em sua formação como leitor. A amostra é composta por sujeitos adultos

nascidos entre as décadas de 1930 e 1970, sendo cinco homens e sete mulheres

com escolaridade mínima de quatro anos, pertencentes à classe média e moradores

da cidade de São Paulo. Ao final do trabalho, pôde-se concluir que, para os

entrevistados, a sistematização da leitura e da escrita deu-se na escola.

Essa primeira experiência dentro da escola era relatada como fonte

de desprazer. O ato de ler torna-se desagradável para todos quando transformado

em imposição ou em mero instrumento de aprendizagem de ortografia. O mesmo

verifico na escola MARCO – objeto de minha investigação; também na pesquisa de

Marques, ler na escola (e para a escola) era sinônimo de desprazer, como muitos

alunos da escola MARCO, que afirmam não gostar de ler. Todos os entrevistados da

pesquisadora mencionada têm um modelo idealizado de leitor e uma teoria de como

formá-lo; mostram-se descontentes com seu desempenho de leitor e atribuem isso à

sua formação, à falta de hábito, à falta de tempo e às condições sócio-históricas em

que estão inseridos.

Para Lúcia Maria, mencionada em matéria do jornal “Folha da

Região” o projeto do mesmo jornal é que as crianças aprendam usando como

referência o contexto de sua realidade. “A leitura de jornal faz parte da vida dos

54

alunos. Não é uma leitura isolada, como a das cartilhas”; compara. A cada 40 dias, a

coordenadora Lúcia Maria se reúne com representantes de cada escola participante

para repassar instruções de como usar o jornal na sala de aula com os alunos. Cada

representante repassa as informações para outros professores; estratégia que

considero vital para o alcance dos objetivos do projeto. São sugeridas ainda

atividades como concursos de contos, de poesia, de cartazes e campeonato e

olimpíada de leitura, segundo o que informa a página eletrônica do jornal. Destaco

que não basta planejar essas atividades, é fundamental realizá-las de fato (FOLHA

DA REGIÃO, 2003).

O jornal Tribuna do Norte, de Apucarana (PR), empenha-se em abrir

canais que subsidiem e reciclem os educadores, de forma a tornar sua missão em

sala de aula não apenas produtiva, mas sobretudo, transformadora. A 3ª Oficina

Pedagógica do projeto cultural ‘Vamos Ler Apucarana!’ e ‘Vamos Ler Arapongas!’,

desenvolvido pela Tribuna em parceria com a iniciativa privada e órgãos públicos,

reuniu mais de 230 professores e coordenadores escolares das duas cidades sob a

coordenação da pedagoga Carmen Lozza. Há 14 anos, ela atua como consultora do

programa “Quem Lê Jornal Sabe Mais”, desenvolvido há duas décadas pelo jornal

carioca O Globo. “Para formar leitores, o professor tem de ser um leitor. Tem de

saber a diferença entre opinião e informação e fazer uma leitura crítica daquilo que

está recebendo”, afirma Lozza. Isso requer um ambiente em que alunos e

professores sejam leitores e não meros ledores.

Uma pesquisa divulgada durante o evento Encontro Nacional de

Coordenadores de Programas Jornal na Educação da ANJ, aponta que estudantes

de Jornalismo não lêem jornal e que professores de faculdades de Jornalismo não

utilizam exemplares em sala de aula. A discussão lançada pela professora Arilce

55

Cardoso Tomaz, coordenadora do curso de Jornalismo da Universidade Monte

Serrat, de Santos - SP, demonstra que a falta de leitura não atinge apenas os

Ensinos Fundamental e Médio. “Infelizmente, o brasileiro culturalmente não lê. O

incentivo da leitura de jornal em salas de Educação Infantil pode ser uma alternativa

para mudar esse quadro”. (ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS JORNAIS, 2003)

Refletindo sobre a prática pedagógica em favor da formação de

leitores, Patrícia Constâncio Werner (1999) da FURB analisa a correlação existente

entre as concepções de leitura do professor do ensino fundamental e sua prática

pedagógica endereçada à leitura no que se refere a formação de leitor competente.

Afirma que a escola apresenta, na sua história, marcas muito fortes e

comprometedoras no que se refere à formação de leitores e que se reproduzem no

fazer pedagógico de boa parte dos seus professores. Defende que quando

professores e alunos interagem, vivenciando momentos de leitura, diferenciados

procedimentos poderão surgir e contribuir para a formação de verdadeiros leitores,

ou seja, leitores competentes e conscientes do seu papel na sociedade.

Este capítulo apresentou, de modo panorâmico, alguns relatos que

dão conta de como a utilização do jornal em sala de aula é focalizada pelas pessoas

que com ele têm estado envolvidas. Torna-se essencial a percepção de que não é

viável discutir o lugar da leitura na escola sem que se discuta o lugar da leitura em

nossas vidas. É igualmente difícil identificar as razões da existência de alunos

leitores e não-leitores na escola sem observar os leitores e não-leitores professores,

pais e sociedade. A formação do leitor requer um ambiente de leitores, e se o

mesmo não existir na comunidade, deve ser impulsionado na escola e vivenciado na

sala de aula, de modo especial nas aulas de língua materna. O capítulo a seguir

focalizará essa correlação.

56

3. DO LEDOR AO LEITOR: UMA FORMAÇÃO TORTUOSA

Sempre quis realizar esta pesquisa na área de Lingüística Aplicada

ao Ensino de Língua Materna, tendo por tema a leitura do jornal em sala de aula;

buscava investigar como um documento oficial do MEC denominado Parâmetros

Curriculares Nacionais – ou PCNs – concebia a leitura e como esse documento

encaminhava o trabalho de leitura a ser realizado em sala de aula, tendo como

enfoque os Temas Transversais e como suporte o jornal. Porém, desejava

permanecer em um terreno mais asséptico: analisar o discurso oficial do MEC e

refletir/descrever como viabilizá-lo através da leitura do jornal em sala de aula.

O objetivo maior da educação, de acordo com os PCNs, é o

desenvolvimento da cidadania e o maior objetivo específico da área de língua

portuguesa, segundo o mesmo documento, é a formação de leitores críticos. O

problema estaria na viabilidade da proposta, por exemplo: como trabalhar temas

transversais em sala de aula? O jornal pode ser um veículo muito útil para

desempenhar essa tarefa. Em todos os continentes existem jornais ligados a

projetos de educação. Bastava-me redigir um texto “casando” a teoria veiculada

pelos Parâmetros com a riqueza temática apresentada pelos jornais. Para ter um

“corpus específico”, analisaria o Projeto Cidadania desenvolvido pela Folha de

Londrina – jornal local que, em parceria com secretarias de educação e iniciativa

privada, fornece jornais para escolas conveniadas a esse projeto. Ao apresentar os

pontos positivos e os negativos desse projeto estaria contribuindo para otimizá-lo e

efetivar o discurso dos PCNs na prática docente.

57

“Traduzir” os PCNs é um trabalho significativo; tratar sobre a leitura

na escola é sempre relevante para o ensino de língua materna; analisar a

perspectiva de trabalho com a leitura através do jornal em sala de aula é investigar a

mídia, o que se constitui em uma necessidade contemporânea; transversalidade

também é tema de pauta na discussão entre os estudiosos da área; analisar

currículo é assumir uma postura política capaz de revelar caminhos que aproxime a

escola que temos da escola que queremos.

Minha resistência em ir até a escola para entrevistar professores e

alunos devia-se ao fato de que, como pretendia analisar os Parâmetros Curriculares

Nacionais no que tange à leitura de temas transversais, considerava desnecessário

ouvir o que docentes e discentes de uma escola específica tinham a dizer, como se

saber o que os PCNs dizem sobre eles mesmos fosse suficiente. A partir da

segunda metade do curso de doutorado, compreendi que alterações no ensino

fundamental brasileiro não acontecem apenas porque um documento do MEC

propõe mudança nas técnicas e métodos empregados no ensino e propõe até

mesmo novos conteúdos de ensino (por exemplo, os temas transversais). Nenhum

programa de melhoria escolar alcançará sucesso excluindo a motivação do

professor para implantá-lo em sua sala de aula específica e nas relações que

efetivamente estabelece com seus alunos.

Trabalhos que descrevam essas realidades podem auxiliar na

viabilização da proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs, MEC: 1997),

particularmente ao que se refere à leitura de jornais. Para esse documento a escola

“tem a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes

lingüísticos, necessários para o exercício da cidadania, direito inalienável de todos”.

(p. 5).Trata-se de um objetivo comum para toda a nação brasileira, mas não é esse o

58

problema crucial, o fator mais polêmico é justamente como viabilizar esses princípios

dos PCNs na escola. Como viabilizar esses princípios e transformar um ledor em

leitor?

3.1 ANALFABETISMO E ILETRISMO

Em Sobre Letramento: do Processo de Exclusão Social aos Vícios

da Prática Pedagógica, Silva (2003) expõe que o desafio que hoje se coloca à

construção da sociedade democrática ultrapassa a dimensão técnica do ensinar as

letras, as sílabas e as palavras. Quando grande parte da população fica à margem

do mundo letrado e os homens são impedidos de se constituírem enquanto sujeitos,

há que se (re)considerar a exclusão social, especialmente em uma comunidade rural

como é o caso de minha pesquisa. Estaria a escola MARCO auxiliando na mudança

ou na manutenção desse quadro?

Em 1985, a palavra iletrismo entra no dicionário da língua francesa,

“Le Petit Robert”, designando os imigrantes (e não os franceses) que não sabem ler

ou escrever; o termo “analfabeto” é atribuído aos habitantes de países

subdesenvolvidos que não conhecem a leitura e a escrita da sua própria língua

materna. De acordo com Apple e Nóvoa (1998), em 1965, em Teerã, no Congresso

Mundial dos Ministros da Educação sobre a Eliminação do Analfabetismo, começa-

se a utilizar o termo “alfabetização funcional” cuja compreensão incluía, além de

saber ler, escrever e contar, a aquisição de outros conhecimentos gerais básicos.

59

Muitos “alfabetizados” no passado voltam a ser “analfabetos”, situação denominada

de “analfabetismo regressivo”.

Em 1978, a UNESCO define o “iletrismo” , para imigrantes instalados

em países de primeiro mundo, e “analfabetismo funcional”, para pessoas de países

do terceiro mundo que não sabem ler e escrever sua própria língua materna. Em

ambos os casos, a compreensão designa toda pessoa incapaz de exercer todas as

atividades para as quais a alfabetização é necessária e para o bom funcionamento

da pessoa em seu grupo e na sociedade a qual pertence.

Na década de 80, houve a fundação do Grupo Permanente de Luta

contra o Iletrismo (GPLI). O Grupo define, em 1991, a condição do iletrado:

Falta de domínio suficiente de saber de base tendo dificuldade em comunicação com o outro, dificuldade em utilizar contas matemáticas, dificuldade em se situar geograficamente e historicamente. (LAHIRE, 1999, p.38).

Nos anos que se seguem, o termo literacia (ou letramento) enfatiza a

capacidade de utilizar os textos escritos necessários para funcionar dentro da

sociedade, atendendo seus objetivos, por fazer-se conhecer e crescer seu potencial.

Ou seja:

São consideradas como relevantes as situações de iletrismo das pessoas com mais de dezesseis anos que não dominam suficientemente bem a escrita em face das exigências mínimas requeridas por sua vida profissional, social, cultural e pessoal. As pessoas que são alfabetizadas dentro das escolas, e que saem do sistema escolar sem adquirir os saberes escolares primeiros por razões sociais, familiares ou funcionais. (LAHIRE, 1999, p. 41).

A referência que se faz aos iletrados acaba, segundo Lahire (1999),

por disseminar a idéia, pela sua identificação com pessoas de vida difícil, que não

60

sabem ler etiquetas, que não sabem usar máquinas de lavar roupa, não sabem

preencher formulários, etc. Pela associação de idéias, iletrismo na França vincula-se

à imigração, pobreza, precariedade, dificuldade social e fracasso escolar. De modo

semelhante, no Brasil, não raro o analfabeto identifica-se com o nordestino, o negro,

o marginal, o carente e o infradotado, aquele que dificilmente poderia ser bem

sucedido na escola ou no trabalho. Em ambos os casos, na França ou no Brasil,

esta associação de significado colabora para a perpetuação do estigma e está a

serviço do processo de exclusão social.

3.2 UM BREVE HISTÓRICO DA DIDATIZAÇÃO PARA A LEITUR A NO BRASIL

Tradicionalmente, a didatização das atividades para o ensino da

leitura e escrita na escola cristalizou-se como uma linguagem estranha aos alunos,

falantes nativos da língua portuguesa que nem sempre percebiam as práticas

pedagógicas como extensão ou possibilidade efetiva do seu dizer. Longe de atender

as necessidades do indivíduo, de desenvolver e ampliar os seus modos de

expressão e interação, ou ainda, de alimentar o desejo de aprender, ensina-se uma

língua que, de fato, não é a dele; impõe-se uma relação com as letras incompatível

com o seu mundo. Nos anos 1960 e 70, a pedagogia tradicional consubstanciada

em práticas alfabetizadoras alienantes foi duramente criticada por Paulo Freire.

Desde então, os argumentos em prol de um ensino pensado à luz do sujeito

aprendiz, vêm sendo sistematicamente reconsiderados.

61

Na década de 1980, propagam-se novas concepções sobre a língua,

suas variantes e natureza essencialmente dialógica. A compreensão dos muitos

falares, o respeito ao sujeito falante e a dimensão interlocutiva das práticas

lingüísticas passam a configurar entre os pressupostos do projeto educativo na

busca pela qualidade e eficiência do ensino, destacando-se a importância das

experiências sociais de leitura e escrita como oportunidades que impulsionam e dão

sentido ao aprendizado na escola.

Nos anos 90, a busca da compreensão sobre o processo de

letramento permitiu situar a alfabetização como efetiva possibilidade de uso do

sistema de escrita no contexto social. Mais do que conhecer as letras, as regras

ortográficas, sintáticas ou gramaticais, o ensino da língua escrita requer a

assimilação das práticas sociais de uso, contribuindo assim para a conquista de um

novo status na sociedade (Soares, 1999).

A melhor compreensão que hoje temos sobre o processo de

alfabetização tem inspirado, além das pesquisas acadêmicas, iniciativas concretas

de propostas educativas oficialmente assumidas sob a forma de diretrizes nacionais

e de programas estaduais, municipais ou particulares de ensino.

Quando os excluídos passaram a ter acesso à educação escolar, o

modelo utilizado era o da educação existente até então. Hoje, os Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCNs) da Área de Língua Portuguesa procuram realçar a

importância da oralidade e tentam corrigir esse descompasso, propondo que o

professor de Língua Portuguesa assuma, em seu currículo, diversos gêneros da

língua oral e os PCNs destacam a necessidade do professor trabalhar em sala de

aula com gêneros lúdico-literários (contos, causos, poesia popular, jogos lingüísticos,

etc.) e os não-literários (gêneros de imprensa: comentário radiofônico, entrevista,

62

debate, depoimento; gêneros de divulgação científica: exposição,seminário, debate,

palestra; gêneros primários: conversa cotidiana, entrevistas espontâneas, dentre

outras) para a formação do leitor..

É preciso reconhecer que somente as aulas expositivas tradicionais -

que expõem analiticamente os conteúdos e deixam as atividades orais e de leitura

por conta de uma aprendizagem espontânea ou para a área de Língua Portuguesa -

não contribuem para a formação de alunos críticos e autônomos. Do mesmo modo,

a prática do professor de Língua Portuguesa que passa boa parte de seu tempo

ensinando análise sintática de frases descontextualizadas não acrescenta

conhecimentos significativos na formação de leitores. Os professores de todas as

áreas são professores de leitura e de escrita, por isso, a formação do leitor e do

produtor de textos é tarefa da escola; conforme Guedes (1999):

Ler costuma ser visto pelo ensino tradicional como decifrar signos lingüísticos transparentes, ou seja, reconhecer as letras, as sílabas, as palavras e frases que, em conjunto, formam um texto. O ensino e a aprendizagem, tanto da leitura como da escrita, tradicionalmente, foram vistos como um processo cumulativo; nesse sentido, não se lê, na escola, textos que realmente desperte a vontade de continuar a lê-los, mas lê-se “apenas” para aprender a ler; limitando-se as atividades em sala de aula aos textos dos livros didáticos nos quais há fragmentos de textos e exercícios em que prevalece a retirada de informações explícitas.

Pesquisas contemporâneas revelam que a leitura ultrapassa a mera

decodificação, constituindo-se num processo de atribuição de sentidos. E essa

atribuição de sentidos “está diretamente relacionada às atividades discursivas e às

práticas sociais às quais os sujeitos têm acesso ao longo do seu processo de

sociabilização”, (MATENCIO, 1994, p. 17). Sendo as práticas de leitura e de escrita

fenômenos sociais, que ultrapassam os limites da escola, também na escola essas

práticas deveriam ser vistas como tais, como construção de significados e atribuição

63

de sentidos, reduzindo – se, assim, os conflitos entre a demanda social e a escolar,

pois a escola estaria trabalhando no sentido de sanar uma demanda social.

3.3 A FORMAÇÃO DO LEITOR: CONTRIBUIÇÃO DOS PCNS

A proposta integrada de ensino-aprendizagem de leitura,

interpretação e produção de texto assume a interpretação como uma construção de

sentido, feita pelo leitor, a partir dos seus conhecimentos prévios e com base nas

pistas textuais, numa relação interlocutiva. “Nem o autor, nem o leitor são as fontes

únicas do sentido” (GERALDI, 1993, p. 167). Segundo os Parâmetros Curriculares

Nacionais - Língua Portuguesa, (BRASIL, 1995, p. 21):

A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção do significado do texto, a partir dos seus objetivos, do seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor; de tudo o que sabe sobre a língua; características do texto; do portador que o apresenta, do sistema de escrita.

Kleiman (1995, p. 12) vê a leitura “como processo psicológico em

que o leitor utiliza diversas estratégias baseadas no seu conhecimento lingüístico,

sociocultural, enciclopédico”.

Tal utilização requer a mobilização e a interação de diversos níveis

de conhecimento, o que exige operações cognitivas de ordem superior, como a

inferência, a evocação, a analogia, a síntese e a análise.

64

Tal concepção de leitura se opõe à prática autoritária comum em

sala de aula, ‘que parte do pressuposto de que há apenas UMA maneira de abordar

o texto e UMA interpretação a ser alcançada.” (KLEIMAN, 1995, p. 23). Um processo

integrado de ensino-aprendizagem de leitura, interpretação e produção de texto é

enfocado pelos PCNs (BRASIL, 1997, p. 20):

Leitura e escrita são práticas complementares e fortemente relacionadas. [...] Leitura e escrita são práticas que permitem que o aluno vá construindo seu conhecimento sobre os diferentes gêneros, sobre os procedimentos mais adequados para lê-los e escrevê-los, sobre as circunstâncias de uso da escrita.

Esta visão integrada do ensino-aprendizagem de leitura,

interpretação e produção de texto, não orienta a maior parte das atividades

escolares na escola MARCO. Verifiquei a mera repetição do texto lido, solicitando ao

aluno que escreva sobre o que entendeu da leitura; ou há uma produção que toma o

texto lido apenas como pretexto. Tal prática representa o que é chamado aqui de

proposta “tradicional” de ensino-aprendizagem.

Diante dos impasses tecnológicos e culturais do final do milênio, a

escola mantém a escrita da palavra como texto básico no ensino, embora o mundo

das imagens virtuais já faça parte da realidade de muitos alunos; e, sem formar

leitores críticos ou incutir o hábito da leitura, prepara mal o cidadão. A formação do

leitor impõe-se como prioridade e pressupõe a figura do professor como interlocutor

ativo no diálogo da leitura, a fim de instigar e promover leitores que estejam à

procura de respostas às suas próprias indagações e a desconfiar dos sentidos das

letras impostas nos textos; o que transforma a leitura em algo agradável, fonte de

informação e de lazer.

65

Os PCNs requerem aulas de leitura enquanto “produção de sentido”,

determinadas pelas condições socioculturais do leitor, com os seus objetivos, seus

conhecimentos de mundo e de língua. Nesse sentido, a construção do conhecimento

se efetivará pelo hábito da leitura interpretativa enfatizada no contexto escolar.

Afinal, é principalmente através da leitura que os alunos poderão encontrar

respostas aos seus questionamentos, dúvidas e indagações, se a leitura na sala de

aula não estiver apenas adstrita a uma metodologia tradicional que vê a leitura

enquanto decodificação.

Conforme estipulam os PCNs, o ensino de língua portuguesa não

pode ser caracterizado por seu feitio predominantemente normativo e conceitual,

privilegiando-se um modelo ancorado na visão da língua como um código fechado e

estático. Neste modelo tradicional combatido pelos PCNs, o ápice do processo

ensino-aprendizagem resulta na memorização de regras e conceitos dissociados das

práticas cotidianas da língua falada dos alunos, submetendo-os à rígida formalidade

gramatical. Ao contrário, ler e produzir textos nas escolas deve estar associado a

ação simbólica sobre o mundo, onde o aluno consiga constituir-se como um sujeito

que pensa, sente e dialoga sobre questões atuais e relevantes para o exercício da

cidadania.

Com as inovações propostas pelos PCNs, a prática da leitura

deveria ser constante, buscando-se o auxílio pelo emprego de livros, jornais,

revistas, quadrinhos, rótulos, listas, tabelas, placas, publicidade etc, que forneçam

subsídios aos professores nas tarefas de tornarem seus alunos, verdadeiros leitores.

Cabe ao professor munir-se de embasamento teórico sobre leitura, o que lhe dará

auxílio no direcionamento de sua prática, pois só ensinamos bem o que conhecemos

e acreditamos.

66

As Secretarias de Educação são responsáveis por incentivar a

qualificação de seus profissionais, para que estes deixem de utilizar textos

fragmentados de manuais didáticos como único meio auxiliar para a leitura,

objetivando o trabalho de unidades curriculares como mera fixação e memorização

de conteúdos, quase sempre aleatórias à realidade dos alunos, tornando-os

vulneráveis a dominação de uma minoria que se mantêm bem informada.

De acordo com os PCNs (BRASIL, 1997) não se busca mais formar

indivíduos que concebam o que está escrito como verdade inquestionável e, sim,

que sejam capazes de criar e recriar, de integrar-se a uma sociedade reflexiva.

Indivíduos que se percebam leitores competentes e que possam exercer o papel de

cidadão ativo na sociedade em que vivem é o que se pretende hoje, de acordo com

o que divulga o MEC, através dos PCNs. A reflexão-ação-reflexão da prática

docente favorece ao professor, ao ouvir falar em investimento educativo, perceber-

se co-autor de um projeto de escola e na escola.

A utilização de textos que circulam nas ruas e em casa constitui uma

opção preciosa no dia-a-dia escolar em todos os níveis de ensino. Quanto ao

professor, o que esperamos é que seja, antes de tudo, um leitor, em função da

responsabilidade que o educador tem neste processo de formação de leitores. Se é

inegável o papel relevante que o ato de ler assume no mundo contemporâneo, isso

não se efetiva na prática. Os cidadãos, em sua grande maioria, lêem muito pouco.

Os alunos, segundo os próprios professores, não lêem.

A prática da leitura e a formação do leitor são tarefas que, mesmo

que não exclusivas, são de responsabilidade da escola e conseqüentemente do

professor, ou seja, faz-se necessário desenvolvê-las ao longo da escolarização dos

alunos, o que não se alcança através de práticas inadequadas de ensino de

67

português, fruto de concepções inadequadas sobre a natureza do texto e da leitura

e, por extensão, da linguagem.

A língua não é um simples sistema de regras, mas uma atividade

socio-interativa, portanto não deve ser ensinada na escola como domínio de um

código específico. Os PCNs apontam para um redimensionamento do ensino do

idioma de acordo com os atuais ensinamentos da Lingüística, apresentando a língua

como “fenômeno sociocultural que se determina na relação interativa e contribui de

maneira decisiva para a criação de novos mundos e para nos tornar definitivamente

humanos” (MARCUSCHI, 2001, p. 125). Porém, o discurso dos PCNs pode não

contribuir para o dia-a-dia escolar, se não houver vontade política em conhecê-lo e

aplicá-lo.

Os PCNs ao estabelecerem os objetivos gerais do ensino

fundamental apontam que a ênfase do trabalho realizado em todas as disciplinas

deve recair sobre a leitura, e que o objetivo da escola é desenvolver o sentido de

cidadania, e isso se deve conseguir, em grande parcela, pelo ensino voltado para a

leitura de temas transversais (assuntos que têm origem em questões sociais

urgentes).

O jornal é um instrumento que registra a realidade social, porém não

é o único. Os PCNs postulam que diferentes impressos devem ser objeto de

atividades de leitura:

Todo material é fonte de informação, mas nenhum deve ser utilizado com exclusividade. É importante haver diversidade de materiais para que os conteúdos possam ser tratados da maneira mais ampla possível. [...] A utilização de materiais diversificados como jornais, revistas, folhetos, propagandas, computadores, calculadoras, filmes, faz o aluno sentir-se inserido no mundo à sua volta. (BRASIL, v. 1, p. 104).

68

Os PCNs não condenam a adoção oficial do livro didático, mas

salientam que ele não deve ser material exclusivo de uso e que os professores

precisam estar atentos à sua qualidade e às possíveis limitações que o tornem

inadequado a determinadas circunstâncias de ensino e aprendizagem. Além disso,

orientam no sentido de que cada meio de comunicação (rádio, televisão, cinema,

etc.) tenha seu espaço nas situações do ambiente escolar. Há vantagens e

desvantagens no uso do livro didático, e o que se torna primordial é a capacidade de

escolher e combinar recursos. O mesmo se pode afirmar com relação à idéia de

rivalidade entre leitura de jornal ou de literatura. A leitura crítica da mídia na sala de

aula é tarefa inadiável na construção da cidadania, meta proposta pelos PCNs para

todos os níveis de ensino, assim como transmitir o gosto pelo estudo do texto

literário é função do professor de língua portuguesa. Essas tarefas não são

excludentes, e sim complementares, pois ambas se voltam para um objetivo único: a

formação do leitor.

Os PCNs propõem aproximar o ensino da vida cotidiana e incentivar

o aluno a pesquisar, criticar, estabelecer relações, interpretar e criar; o ensino de

língua portuguesa não deve restringir-se a regras gramaticais, mas se vincular a

todo tipo de texto, de livros, jornais, revistas e publicidade. Os PCNs prevêem em

todas as matérias escolares a inclusão de conteúdos que têm como eixo a

cidadania, são os Temas Transversais: ética, saúde, meio ambiente, pluralidade

cultural, orientação sexual, avanços tecnológicos, trabalho e consumo, além da

possibilidade de inclusão de temas locais. Os PCNs apontam a ética como fio de

condutor para todo trabalho humano, incluindo –se aí o trabalho com os outros

temas transversais.

69

Saúde : Já em 1948, a Organização Mundial da Saúde assim a

definia: “Saúde é o estado de completo bem estar físico, mental e social e não

apenas a ausência de doenças”. Defender a vida e fornecer alimentos para capacitar

cada pessoa e a sociedade a desfrutá–la de modo saudável não é função exclusiva

da escola, porém a Educação para a Saúde se impõe como uma problemática que

não pode ser ignorada. Desenvolver a responsabilidade pessoal e social sobre as

questões que envolvem cidadania (por exemplo, motivar e capacitar para o auto-

cuidado consciente de que a saúde é um direito de todos) não é tarefa que se limite

a uma disciplina, mas todas podem e devem prestar a sua contribuição nesse

sentido, respeitando as características peculiares do seu campo científico. Por meio

de leitura crítica das matérias jornalísticas é possível discutir saúde como direito

básico de todo ser vivo e de forma contextualizada, que permite que o aluno situe o

aprendizado em seu cotidiano.

Meio-Ambiente : O jornal também é um, dentre outros veículos, que

funciona como alerta para a necessidade de se examinar as principais questões

ambientais do ponto de vista local, regional, nacional e internacional. Só é possível a

realização bem sucedida de atividades práticas de proteção ao meio ambiente,

quando antes sensibilizamos para a existência de problemas ambientais.

Poderíamos usar a análise do texto como forma para desenvolver o sentido crítico;

sem ele não há como perceber a relação entre a qualidade de vida e um ambiente

saudável e valorizar o uso adequado dos recursos disponíveis e portanto,

demonstrar a relação íntima entre a qualidade de vida e equilíbrio ambiental.

Orientação Sexual : Ao explorar, através de textos jornalísticos,

questionamentos que se referem à Orientação Sexual, contribuiríamos para a

quebra de estereótipos atribuídos ao papel social do homem e da mulher, também

70

incentivaríamos o fornecimento de informações científicas que ajudem a prevenir a

gravidez indesejada e as doenças sexualmente transmissíveis. Do mesmo modo,

prestaríamos nossa contribuição para a formação de cidadãos responsáveis quanto

à sua sexualidade, se proporcionássemos o debate de questões relacionadas à

sexualidade através de um texto veiculado pelo jornal. Forneceríamos um

espaço/momento para reflexões que conduzem a uma visão mais ampla sobre o

tema, sem invasão de privacidade pessoal, pois o conhecimento sobre o corpo

humano e as formas de prevenção das doenças sexualmente transmissíveis é um

direito que não pode ser negado ao cidadão.

Pluralidade Cultural : A Pluralidade Cultural está entre os temas

transversais por fazer parte da realidade brasileira. A escola, ao ensinar a riqueza

que representa a diversidade cultural que compõe o patrimônio sócio-cultural

brasileiro, estaria valorizando as particularidades dos grupos sociais e, ao promover

a convivência, combata a discriminação. O volume 8 dos PCNs trata da

apresentação dos temas transversais e ética, e, no tocante às orientações didáticas,

afirma:

Em relação à Língua Portuguesa, é freqüente pensar que há apenas uma forma de se falar o português. Todo o resto seria errado. Porém no Brasil há uma grande diversidade das formas de se falar. Por exemplo, para se dirigir a outra pessoa, o gaúcho emprega o pronome “tu” enquanto o paulista “você”. “É, portanto, preciso fazer com que o aluno conheça e aprecie essa diversidade de formas de falar e não considere que expressar-se diferente seja um erro de português. Trata-se de, também nessa área superar o preconceito. (BRASIL, v. 8, p. 125).

A escola tem o dever de garantir a todos os seus alunos o acesso à

norma culta, pois o domínio da língua de prestigio é indispensável para o efetivo

exercício da cidadania–já que é através da língua que se adquire informações e se

71

expressam os anseios individuais e coletivos – entretanto, a quebra do complexo de

incompetência lingüística é o primeiro passo a ser dado quando se tem como meta

evitar o fracasso escolar. Através da análise da linguagem utilizada nos textos

jornalísticos, podemos visualizar a existência de diferentes modos de falar e que eles

existem graças às diferenças regionais, sociais, históricas e estilísticas, mas que

diferença não é deficiência (SOARES, 1999).

Ao promover o conhecimento da norma culta para situações formais,

não podemos negar a existência das variedades dialetais e o prestígio da linguagem

informal em situações informais. Conhecer e respeitar as diferentes variedades

lingüísticas é um dos objetivos gerais da língua portuguesa para o ensino

fundamental; a aprendizagem da convivência, o respeito às diferentes formas de

expressão cultural e a vivência da própria cultura são objetivos de um ensino que

visa proporcionar interação entre os homens.

Avanços Tecnológicos : Com relação ao ensino de língua

portuguesa, a leitura e interpretação de textos – que enfoquem temas considerados

transversais – dentre eles, os avanços tecnológicos – estaria favorecendo o

crescimento cultural e crítico do aluno para que ele seja agente em sua comunidade,

pois aprendeu conteúdos significativos para a vida que podem ser usados a serviço

da sociedade, porque, além de ter adquirido conhecimentos tecnológicos,

desenvolveu seu potencial crítico para buscar soluções para problemas humanos.

Trabalho : A importância do trabalho na vida do indivíduo e da

sociedade destaca-se dentre os problemas que possuem abrangência nacional e

urgência social, e que poderiam ser aprendidos em todas as turmas – cada qual de

acordo com o seu nível de maturidade, com o objetivo de favorecer a compressão da

realidade e a participação de todas as pessoas na busca por soluções para

72

problemas como o desemprego e o subemprego que desencadeiam outros

problemas sociais como os sem-terra, por exemplo.

Consumo : Um ensino que assumisse como uma das suas funções

centrais proporcionar, ao indivíduo, condições de contribuir socialmente pela sua

capacidade de produzir bens e serviços necessários e pelo seu desejo de distribuir a

renda total da sociedade, estaria promovendo a Cidadania. Um aprendizado que se

voltasse para uma análise crítica de paradigmas, como o consumismo de massa,

que leva à criação de intermináveis necessidades e as pessoas tornarem–se

obcecadas pelo consumo seria capaz de provocar mudanças sociais, a começar

pela própria escola que se torna mais ética, por capacitar seus membros a interagir

no mundo e a fazer escolhas conscientes.

Um desafio ainda maior nos é solicitado pelos Parâmetros

Curriculares Nacionais: desenvolver a auto–estima em nós e em nossos alunos para

que deixemos de ser meros transmissores de conhecimento e, de alienados e

alienantes, passemos a ser sujeitos conscientes do nosso papel como cidadãos –

professores de língua materna. Para que essa transformação aconteça, todo

educador deve estar disposto a estudar e a incorporar os textos de comunicação de

massa em suas aulas e não apenas em seus discursos.

73

3.4 O PAPEL DO JORNAL NO PROCESSO DE LETRAMENTO

No Brasil, conforme nos explica Soares (1998), o aparecimento do

termo “letramento” está associado ao fenômeno da superação do analfabetismo em

uma sociedade que vem, progressivamente, valorizando a escrita. Adverte que não

basta apenas aprender a ler e a escrever:

As pessoas se alfabetizam, aprendem a ler e a escrever, mas não necessariamente incorporam a prática da leitura e da escrita, não necessariamente adquirem competência para usar a leitura e a escrita, para envolver-se com as práticas sociais de escrita (...) Esse novo fenômeno só ganha visibilidade depois que é minimamente resolvido o problema do analfabetismo e que o desenvolvimento social, cultural, econômico e político traz novas, intensas e variadas práticas de leitura e de escrita, fazendo emergirem novas necessidades além de novas alternativas de lazer. (Soares, 1999, pp.45-46)

Preocupada com a compreensão do fracasso de quem, mesmo

tendo freqüentado a escola, não aprendeu e com as implicações pedagógicas dessa

realidade na prática escolar, Kleiman (1995) procura distinguir duas concepções de

letramento. O Modelo Autônomo, calcado na idéia de que a escrita teria uma lógica

em si independentemente do contexto de produção, pressupõe um caminho único

de desenvolvimento das habilidades e aprendizagem do sistema. Tal concepção é

predominante, prestando-se à legitimação do ensino em massa. No caso de

fracasso, a culpa obviamente recai sobre o aluno (sua origem, sua família, sua

estrutura mental, deficiências lingüísticas ou carência cultural). De modo inverso, o

Modelo Ideológico, associa as práticas de letramento à cultura e a estrutura de poder

da sociedade; remete a revisão de práticas pedagógicas, a reconsideração do

fracasso escolar e, finalmente, a crítica de posturas preconceituosas.

74

Aqueles que convivem no meio escolar podem constatar que boa

parte dos professores atribui à disciplina Língua Portuguesa uma responsabilidade

exclusiva pelo ensino de linguagem: "o aluno não aprende o conteúdo da minha

disciplina porque não lê direito", "não vai bem na prova porque não consegue ler

bem os enunciados", "o aluno não assume a metalinguagem de minha disciplina

porque fala mal" etc. Desse consenso, passa-se facilmente à culpa: "a área de

Língua Portuguesa não ensina o aluno a ler nem a escrever”, ”a coisa vem lá de

baixo, a alfabetização é malfeita", "as crianças de hoje não lêem "os alunos não

sabem escrever", "não dá pra ensinar nada porque eles não sabem ler" etc.

Quando o bom leitor percebe que está perdendo o eixo do texto,

lança mão de anotações ou pára o processo para reconstruir mentalmente a parte já

lida, até sentir que o conhecimento está ganhando coerência e coesão. Em geral,

essa habilidade de fazer a síntese não tem a ver apenas com capacidades

lingüísticas e discursivas, depende também de conhecimentos temáticos: quanto

mais o aluno conhecer sobre o assunto, mais terá condições de ancorar os novos

conhecimentos proporcionados pelo texto e, conseqüentemente, de dar conta das

sínteses e das reconstruções textuais. Portanto, não há como ensinar conteúdo sem

linguagem e tampouco linguagem sem conteúdo.

As fracas experiências com a leitura afastam o leitor do contexto

social e cultural, fazem com que se aliene das informações e, conseqüentemente

dificultam sua participação efetiva na sociedade, pois sua participação no contexto

social depende de sua visão de mundo, de seus valores, de seus conhecimentos, de

sua reflexão e visão crítica, enfim, da leitura como instrumento do conhecimento.

75

A escola precisa ser um espaço mais amplamente aberto a todos os aspectos culturais do povo, e ir além do ensinar a ler e a fazer as quatro operações. Precisa investir em bons livros, considerando que a cultura de um povo se fortalece muito pelo prazer da leitura; e a escola representa a única oportunidade de ler que muitas crianças têm. (BRAGA, 1985, p. 7).

Na comunidade em que realizo minha pesquisa de campo, a maioria

das pessoas é carente e não possui material de leitura em casa, portanto a escola

não poderia se dar ao luxo de menosprezar o jornal que semanalmente recebe. “Ler

criticamente é admitir pluralidade de interpretação, desvelar significados ocultos,

resgatar a consciência do mundo, estabelecendo, por meio dela, uma relação

dialética com o texto” (INDURSKY e ZINN, 1985, p. 23).

Leitor é o sujeito capaz de produzir sentido, de contextualizar o

texto, interpretando-o e atribuindo-lhe algum significado. A leitura como prática social

faz a diferença para aqueles que a dominam, tornando esses indivíduos, cultural e

socialmente, distintos. Conforme Paulo Freire, (1997, p. 11):

[...] o ato de ler não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra [...] linguagem e realidade se prendem dinamicamente.

No entanto, dentro da rotina educacional, o que se percebe é uma

preocupação muito grande em provocar no aluno uma reação ao texto que seja

"compatível" com interpretações previamente determinadas. E, diante da imposição

de encaixotar o pensamento numa realidade pré-moldada por interpretações

conduzidas ou previstas pelo professor, o estudante reage, negando a leitura e

estabelecendo com ela uma relação hostil e desprazerosa. Trata-se de um processo

cíclico, pois em sua grande maioria, os professores não são leitores e dificilmente

76

estabelecem com o texto literário ou não uma relação de prazer. Para mudar esse

quadro é muito importante o investimento na formação do aluno leitor e do professor

leitor. Só dessa maneira poderemos mudar os rumos de uma perspectiva que vê a

leitura isolada da construção de seu sentido e passaremos a ter alunos e

professores mais críticos e conscientes do seu papel no diálogo com o texto escrito.

A escola formadora de ledores não desenvolve uma leitura crítica e

plural, mas simplesmente repete o que é dito, reproduzindo a idéia de que cada fato

se encerra em si mesmo, simplifica os fatos. Por exemplo, deixa de questionar em

qual lugar do jornal aquele texto aparece, que fontes foram buscadas para que o

jornal desse aquela notícia e qual o interesse do veículo em noticiar aquele fato.

Enfim, há que se levantar uma série de questões para que se possa explicar o

conjunto de acontecimentos e assim contribuir para a formação do leitor ou pode-se

não interrogar o escrito e manter os alunos na condição de ledores.

Tem trazido conseqüências nefastas ao desenvolvimento de uma

proposta de leitura, a carência de material escrito (livro, jornais, revistas, etc.) que

permitam ao aluno entrar em contato com o mundo da escrita e, além disso, a

precária formação de professores que, mesmo não sendo leitores, têm que ensinar a

ler e a gostar de ler. Torna-se difícil acreditar que seja possível alguém que não

tenha descoberto a paixão pela leitura, poder efetivamente contribuir para a

formação de um sujeito-leitor. É interessante considerar o que diz Ezequiel Theodoro

da Silva (1991) a respeito dessa questão:

A questão é saber se, no caso da leitura, os professores, eles próprios, servem de bons exemplos aos alunos-leitores, o que significa dizer se os professores são, eles mesmos, bons leitores.Tudo leva a crer que o mundo da leitura dos docentes permanece nos limites daquilo que eles receberam na sua fase de profissionalização. Eu não diria que esta situação decorre de um esquecimento dos professores – melhor afirmar que a carência de

77

atualização na área da leitura resulta das próprias condições enfrentadas pelos professores no que tange à produção do ensino e ao pleno exercício do magistério. [...] os professores são levados a executar apressadamente um mínimo de leitura e, dessa forma, não podem servir de modelos ou de exemplos aos seus alunos, nem fornecer o seu testemunho como leitores assíduos e maduros. (SILVA, 1991, p. 82)

Conforme este autor, não há falta de entusiasmo ou esforço dos

alunos, o que realmente falta é uma metodologia adequada para um melhor

aproveitamento das aulas e tempo dedicado à leitura e, além disso, há necessidade

de o professor assumir de fato uma preocupação com a prática, adquirindo uma

postura preocupada com uma fundamentação teórica que possa subsidiar uma nova

postura metodológica. É imprescindível que ele próprio se constitua um leitor,

busque o interesse do aluno, motive-o e desperte nele o desejo e a paixão, pois

como afirma Ângela Kleimam (1995): “... para formar leitores, devemos ter paixão

pela leitura”.

O jornal como um dos suportes do ensino e da aprendizagem da

leitura na escola pode contribuir para que os indivíduos desenvolvam a competência

de leitura e de escrita como práticas sociais de letramento; considerando letramento

“conjunto de práticas sociais ligadas à leitura e à escrita em que os indivíduos se

envolvem em seu contexto social”, (SOARES, 1999, p. 72). Dessa forma, são

eventos de letramento atividades como a discussão do conteúdo de um jornal com

os colegas de classe e outras atividades da vida diária, que envolvem a escrita.

A língua não é um simples sistema de regras, mas uma atividade

socio-interativa, portanto não deve ser ensinada na escola como domínio de um

código específico. Os PCNs apontam para um redimensionamento do ensino do

idioma de acordo com os atuais ensinamentos da Lingüística, apresentando a língua

78

na concepção defendida por Marcuschi como “fenômeno sociocultural que se

determina na relação interativa e contribui de maneira decisiva para a criação de

novos mundos e para nos tornar definitivamente humanos” (MARCUSCHI, 2001, p.

125). Porém, o discurso dos PCNs pode não contribuir para o dia-a-dia escolar, se

não houver vontade política em conhecê-lo e aplicá-lo.

Leitor e ledor não se confundem, pois o leitor não se apóia na

decifração de letra por letra, sílaba por sílaba, palavra por palavra (como faz o ledor).

Para o leitor, a abordagem do texto (sua leitura) realiza-se através de um processo

de questionamento, que não é estritamente dependente da decifração linear, ou

seja, decifrar palavra por palavra da primeira à ultima linha do texto. O leitor faz

hipóteses de sentido a partir de indícios discursivos (e não restrito a cada palavra) e

verifica essas hipóteses no texto; para ele ler é uma situação de vida, isto é, fonte de

crescimento pessoal, tanto afetivo como cognitivo e não meramente um exercício

escolar. O leitor é o cidadão que tem o hábito da leitura e é capaz de interpretar um

texto. “Toda leitura é um questionamento de texto, isto é, uma elaboração ativa de

significado feita pelo leitor a partir de indícios diversos, de acordo com o que está

procurando num texto para responder a um de seus projetos” (JOLIBERT, 1994, p.

149).

Leitura é uma atividade que exige formação continuada, e seus

objetivos não se alcançam por meio de um trabalho eventual. A prática de leitura

escolar voltada à formação do leitor não pode se limitar a fragmentos do livro

didático; segundo a orientação do MEC, é indispensável que exista, no universo

escolar, uma multiplicidade de materiais de leitura, dentre eles, o jornal. Por essa

razão, projetos que favoreçam o acesso, pela escola, aos produtos da imprensa

escrita deveriam ser valorizados e aproveitados em toda sua extensão.

79

Ledor é o termo cunhado neste trabalho para designar o indivíduo

alfabetizado que realiza a leitura apenas no nível da decodificação, ou seja, é o

sujeito capaz de decodificar um texto, mas não é capaz de atribuir significados. Isto

se deve ao fato de a escola não ter ensinado esse aluno efetivamente a ler, posto

que, de acordo com uma concepção contemporânea, a leitura é um ato de atribuição

de significado.

A escola do ledor trabalha basicamente com a leitura em voz alta,

acreditando que isso é ensinar a ler, limita-se à decodificação e à oralização, basta

que o aluno diga em voz alta o que decodificou, que pronuncie o código escrito em

código oral, não explora a compreensão e muito menos a interpretação do texto, não

provocando o desejo de ler, que é o suporte para aprender a ler e de fato se tornar

leitor.

Nossa crítica não quer recair na oralização do texto na escola. Pelo

contrário, acreditamos que o trabalho com a oralização tem o seu valor, como

desenvolver entonação e ritmo. A leitura oral pode e deve ser realizada após a

leitura silenciosa, mas não apenas como exercício mecânico e sim como mais uma

habilidade para exercitar a captação do(s) sentido(s) do texto. A decodificação faz

parte do processo que leva a compreensão do texto, mas esta vai além daquela.

Somos ledores em muitas áreas do conhecimento humano e leitores

em algumas outras; estes papéis não são estanques, mas existem professores

leitores e outros ledores e alunos leitores e outros ledores. Leitor gosta de escolher e

de interagir com outros leitores. Sobre esse tipo de trabalho, o professor de Língua

Portuguesa tem responsabilidade. No entanto, cada área deve fazer a parte que lhe

cabe.

80

O papel do jornal nesse processo de letramento é plural. Leitores em

formação devem lidar também com revistas, enciclopédias, livros, jornais, sites,

paradidáticos em geral e, para isso, precisam contar com a colaboração de todas as

áreas. E a existência do jornal na sala de aula de escolas que oferecem pouco

material de leitura não pode ser desprezada, como vejo na escola MARCO. Muitos

tipos de leitura podem ser realizados com o jornal:

- Ler para localizar informações (leitura tópica): quando temos

consciência de quais informações precisamos, a leitura é mais

rápida; ensinar o aluno a buscar informação no jornal é um

objetivo a ser compartilhado por todas as áreas.

- Ler para sintetizar informações: pôr em relevo os tópicos mais

importantes.

- Ler para revisar, corrigir e publicar: ao produzirmos um texto,

realizamos diversas leituras cujo objetivo é revisá-lo, apagar

suas incoerências, suas imprecisões, seus erros gramaticais e

fazer as mudanças necessárias.

- Ler para nortear ações: procedimentos para se fazer uma

experiência, instruções dadas nas avaliações, instrução para

montagem de equipamentos, etc.

Com essa concepção adotada pelo Ministério da Educação e

difundida pelos PCNs, a leitura não pode estar associada somente ao livro de

literatura, e muito menos ao livro didático, mas também a textos cotidianos, como os

que temos nos jornais, revistas e gibis. No entanto, mesmo com novos materiais de

81

leitura, através de certas práticas pedagógicas o ensino permanece didatizado e

meramente escolarizado, com pouca ou nenhuma inovação.

A proposta de se adotar o jornal para o ensino das diversas

disciplinas escolares baseia-se na concepção de que o jornal é um texto que traz o

cotidiano para a sala de aula. Costuma ser vinculado à idéia de comunicabilidade,

de neutralidade e de objetividade, componentes intrínsecos do chamado discurso

jornalístico, mas neutralidade em termos de discurso é utopia, cabendo ao leitor

perceber as implicaturas e pressuposições no que é dito.

Como texto revelador de posicionamentos, há que se considerar

cada parte do jornal e trabalhar com o tipo de verdade que se produz ali. Se nós,

professores, conseguirmos dessacralizar a noção de verdade como regra,

estaremos viabilizando uma compreensão mais abrangente do fenômeno

jornalístico, pois faremos o aluno perceber que um fato ou um acontecimento não se

dá por si só; ele é conseqüência de outros fatos que se desenrolam ao longo de um

tempo, num determinado contexto. Havendo a possibilidade de acesso ao jornal em

sala de aula uma vez por semana é enriquecedor comparar como as notícias foram

veiculadas nos outros órgãos da mídia durante a semana.

Leitura de jornal é uma habilidade a ser ensinada: compete ao

professor levar o aluno a entender que, por exemplo, na primeira página, na

manchete escolhida, nos títulos e nas formas de linguagem que ali se apresentam

(fotografias, subtítulos, diagramação da página, etc.), as histórias que vão ser

relatadas no interior daquele periódico são selecionadas em mini-textos que buscam

a atenção do leitor. Geralmente esses pequenos textos, na primeira página, dão

resposta às perguntas "o que, quem, quando, como, onde e por que". O objetivo do

jornal na sala de aula não é contribuir para a formação de futuros jornalistas, mas

82

formar atuais leitores e, para tanto, conhecer um pouco da redação jornalística é de

grande valia, pois se pode entender as características dos vários gêneros textuais.

Saber que o editorial é espaço reservado à opinião declarada do

veículo é importante para que se possa conhecer a que posições tende aquele

jornal, E, sendo assim, trabalhar com o editorial significa entender que ele é um

espaço de opinião e perceber em qual sentido essa opinião está direcionada. Cabe

ao professor trabalhar com o editorial em busca da crítica aos posicionamentos

divulgados, concordando ou discordando deles, mas capacitando o aluno a tomar

postura frente aos mesmos.

Por exemplo, uma determinada razão que levou o presidente a

realizar uma viagem é sempre questionável por um ou outro segmento da

sociedade. E ler é perceber qual é o autor daquela notícia, quais são as estratégias

de que ele faz uso e qual o espaço reservado àquela matéria. Às escolas cabe

ensinar que, na produção e na leitura desse texto, tem que ser levado em

consideração o lugar no qual ele aparece, as formas de linguagem que o

acompanham, o veículo no qual ele se apresenta e, ainda, o que permaneceu

indizível no que ele noticia, daí a necessidade de um professor leitor para formar

alunos leitores.

Entendendo o jornal como veículo que relata histórias cotidianas,

que falam de personagens que reconhecemos em nosso dia-a-dia, trabalham com

relatos que, como tais, perdem sua aura de verdade absoluta. A idéia é que o jornal

não seja o único material de leitura explorado em sala de aula, mas havendo acesso

ao mesmo que a leitura deste se realize de forma plena, não meramente

decodificativa. O que é facilitador nesse tipo de trabalho é o reconhecimento de que

este é um veículo que suscita curiosidade nas pessoas além do muro das escolas.

83

Desse modo, há interesse dos alunos em analisar como as questões ali publicadas

afetam o cotidiano das suas famílias.

Deve-se considerar também que um determinado texto que recebe o

nome de literário, se apresentado fora do lugar esperado, pode passar por um não-

ficcional. O contrário também é possível. Vários jornalistas, já no início dos anos

1960, trabalhavam textos que, quando unidos em livro, passavam a ser chamados

de contos ou novelas, mesmo sendo "novela de não-ficção". Para ensinar a produzir

textos é pré-requisito ensinar a ler suas entrelinhas, relativizando os lugares

marcados, ficcionalizando os fatos e os heróis cotidianos. Desse modo, na escola os

alunos podem aprender a ler de verdade, ou seja, não como indivíduos passivos que

pouco desfrutam do que recebem, mas como sujeitos dotados de criticidade.

Conhecer alguns conceitos que acompanham a produção jornalística

facilita a leitura do veículo. Portanto, vale ensinar que artigo é texto jornalístico que

comenta um assunto a partir de determinada fundamentação, geralmente é assinado

e não representa necessariamente a opinião da empresa jornalística. Caderno é

termo que designa cada uma das partes separadas de um exemplar de jornal.

A leitura de um jornal torna-se mais proficiente ao saber-se que lide

é o nome dado ao resumo inicial, constituído pelos elementos fundamentais do

relato a ser desenvolvido no corpo do texto, informando o quê, quem, quando, onde,

como e por que (embora não necessariamente a todas elas em conjunto). Matéria

denomina tudo o que é feito para ser publicado, por um jornal ou revista, incluindo

texto e ilustrações. Notícia é o relato de fatos ou acontecimentos atuais e de

interesse para a comunidade. Reportagem nomeia o conjunto das providências

necessárias à confecção de uma notícia jornalística: cobertura, apuração, seleção

dos dados, interpretação e tratamento, dentro de determinadas técnicas e requisitos

84

de articulação do texto jornalístico informativo. Também designamos reportagem um

tipo de notícia descritiva, mais apurada e ampla, acompanhada com documentação

e testemunhos.

Werner (1999) lembra que as fontes disponíveis de textos a serem

trabalhados em sala de aula, se considerarmos a estrutura de trabalho dos

professores e as aquisições de livros feitas pela escola, salvo algumas exceções,

são bastante comprometedoras no que se refere à quantidade e sua qualidade.

Além disso, é fato que a carga horária de trabalho da maioria dos professores é de

quarenta horas semanais Neste contexto, o tempo destinado às leituras pessoais e

aquelas necessárias ao planejamento das aulas é mínimo. Neste contexto em que a

diversidade e a qualidade dos textos apresentados aos alunos ficam bastante

comprometidas, o jornal recebido gratuitamente pela escola é uma fonte preciosa

para a leitura. Entretanto, pode-se constatar que da seleção do texto à verticalização

da leitura muitos são os intervenientes que comprometem a formação do leitor.

Mesmo quando há materiais de uso social freqüente (jornais), que

poderiam constituir-se em ótimos recursos de trabalho de leitura, pois os alunos

leriam algo que tem função social real, o trabalho feito com esse recurso não é

suficiente para formar leitores. Se a utilização (eventual) desse recurso continua a

ocorrer em meio a um ambiente de meros ledores, o jornal na escola assumirá uma

função puramente “escolar”. Ou seja, a relação que os profissionais da educação

terão com ele continuará a de não estabelecer vínculo entre o que é aprendido na

escola e o conhecimento extracurricular, mesmo os PCNs orientando sobre essa

necessidade e os professores dizendo-se dela cientes.

85

3.5 ADAPTAÇÕES DE PROCEDIMENTO

A compreensão dos processos de letramento ampliou o referencial

sobre a conquista da escrita antes estritamente vinculada ao domínio das letras e do

funcionamento do sistema de escrita; porém o destaque para a pouca familiaridade

com as práticas da língua favoreceu um tipo de discurso discriminatório a serviço do

processo de exclusão social. Fenômeno percebido no distrito de Londrina - alvo de

minha pesquisa e que corrobora para que alunos “bóias-frias” não vislumbrem um

futuro mais promissor do que o vivido pelos seus pais, após oito anos de

escolaridade não consigam ocupar funções de maior prestígio social.

Paralelamente, ao saber supostamente ensinado, a construção da

marginalidade se esboça na sistemática consideração das incompetências discentes

e nas profecias auto-realizadoras dos professores. Longe de buscar a reconstrução

de sentidos relevantes aos olhos do sujeito-aprendiz, o aluno se sente como um

estrangeiro na escola, e as letras passam a representar o risco de perda da

identidade. Ele aprendeu a escrever, mas não a se expressar; ele aprendeu a ler,

mas não a compreender o seu mundo.

Essa maneira de trabalhar a leitura, a interpretação e a produção de

texto chamada aqui de “tradicional”, é a que aparece negada no discurso das

professoras de língua portuguesa da escola MARCO, mas que é vivenciada pelos

alunos na prática cotidiana. Nela, a interpretação é assumida como o re-

conhecimento de um sentido único existente no texto. Tradicionalmente, na escola, o

aluno é levado a ler sem saber para que lê. Isto acarreta sérias conseqüências na

formação do leitor, limitando-o a ser mero ledor.

86

O exercício da leitura, tal qual se encontra atualmente legitimado nas

escolas, não vai além de mera decodificação de signos gráficos. É o que constatei

também na escola alvo de minha pesquisa. Tal postura transforma o ato de ler em

algo enfadonho, acrítico, mecânico e, dessa forma, distante do ato de ler por prazer,

da leitura como fonte de lazer.

No cotidiano escolar, os processos de leitura e de escrita devem ter

sentido. E isso requer mudanças institucionais no nível microssocial, ou seja, que o

ato pedagógico se transforme numa interlocução entre alunos, professores e objetos

de conhecimento. “A forma como os agentes escolares interagem no dia-a-dia,

portanto, pode ser decisiva no rendimento dos alunos e na institucionalização de

medidas concernentes à política de ensino de língua”. (SUASSUNA, 1995, p. 226).

O objetivo deste capítulo foi acentuar que o ensino da língua

materna no ensino fundamental deve priorizar a leitura e a formação de leitores, não

de ledores; foi também o de ressaltar que para atingir tal fim é necessário adotar

uma concepção de leitura que não se limite à decodificação, mas que atinja a

compreensão e leve à interpretação. Remontar aos PCNs teve a finalidade de

evidenciar, com base nesses documentos, a necessidade de se ensinar a partir da

diversidade textual, para que cada aluno se torne capaz de interpretar diferentes

textos que circulam socialmente, de produzir textos eficazes nas mais variadas

situações e de assumir a palavra como cidadão.

Há relação entre cidadania e leitura regular de jornal, mas esta

conexão no ambiente escolar depende do manejo de fatores complexos. O principal

deles é a relação que os principais agentes (professores e alunos) com ela

desenvolvem. Ligar cidadania e aprendizado é uma postura expressa nos

documentos oficiais do Ministério da Educação. Os PCNs orientam como dever da

87

escola ajudar a formar um sujeito atualizado sobre os temas de sua realidade social

e capaz de tomar posições diante da mesma. Essa consciência crítica pode ser

gerada pelo uso dos produtos da imprensa escrita, dentre eles, os jornais. Não

podemos abdicar do papel histórico que nos cabe, como sujeitos/professores, de

nos formarmos como leitores para (e enquanto) interferirmos criticamente na

formação de outros leitores.

O capítulo a seguir, completa a base teórica selecionada,

introduzindo abordagens institucionais e de motivação dos agentes envolvidos, a fim

de configurar as metodologias de coleta e interpretação dos dados.

88

4 ANÁLISE INSTITUCIONAL

4.1 ELEMENTOS PARA INTERPRETAR A INSTITUIÇÃO

A execução de tarefas envolve uma forma de identificação e ligação

emocional com a organização. Uma pessoa pode deixar de cumprir algumas de suas

atribuições, mesmo ciente que isso provocaria a rejeição dos outros membros do

grupo. Há também os que não aceitam intimamente algumas regras, mas não se

mostram abertamente, para preservar a imagem que os outros fazem dele.

Lopes (2003) afirma que a idealização se manifesta por um desejo

de tornar-se semelhante ao outro, isso é, querer ser como o outro por tê-lo como

modelo. A idealização é, portanto, a busca de um modelo com o qual possa se

identificar, isto é, dos pais, pela figura do professor ou de outra pessoa que

represente a autoridade, que ocorre consciente ou inconscientemente, na relação

professor e aluno. Ao vislumbrar no professor aquele que poderá provê-lo de

conhecimento, o aluno elege-o como autoridade; ao ensinar, o professor exerce a

autoridade que o aluno lhe atribui. O passado conflitivo do aluno é exposto no

momento que ele transfere seus sentimentos ternos ou hostis em relação ao

professor. Entende-se, portanto que a escola oportuniza ao aluno conviver com a

ordem, o limite e a autoridade, situações necessárias ao ato de aprender. Mas

espera-se que oportunize também situações que o torne capaz de negar a

existência da dominação do outro. Sendo assim, o universo simbólico em que o

professor representa seu papel, quer ele queira ou não, tem uma conotação

89

autoritária, visto que a autoridade do educador é legitimada pela instituição que

reproduz a hierarquia social.

Em uma organização, pode haver alguns objetivos conflitivos ou

contraditórios, o domínio institucional pode chocar-se com as cobranças externas

e/ou a interpretação oficial pode vigorar apenas discursivamente. Nem sempre os

membros de uma organização compreendem a importância de conhecer o que é

contraditório entre o projeto político pedagógico da escola e sua execução, muitas

vezes o funcionamento do trabalho pode independer do currículo escolar, pelo fato

do docente atribuir um papel puramente burocrático ao mesmo e agir livre desse

direcionamento curricular.

O corpo administrativo pode induzir os participantes da instituição a

cooperarem para executar o planejamento previsto ou pode omitir-se, assumindo

cumplicidade pelos resultados. Esta indução pode ser feita executando sanções

negativas, como tendo rigor no controle de faltas e atrasos, ou reduzindo ou tirando

privilégios estabelecidos como poder escolher séries, turmas, dias de trabalho. Por

exemplo, no dia a dia das escolas municipais londrinenses raramente as faltas ao

trabalho são enviadas para a prefeitura para desconto na folha de pagamento do

funcionário, mesmo não havendo atestado médico, na prática assina-se o ponto e

repõe-se o dia, vindo em outro turno ou trabalhando nas festas escolares, conforme

acordo com a chefia imediata. Quando há conflito com a chefia, essa reposição é

dificultada.

Essa idéia de redução do nível de bem-estar dos participantes como

forma de se conseguir a colaboração desejada pressupõe um preconceito sobre a

natureza humana. Exemplificando, o professor tem que cumprir a carga horária na

escola, mas não é de sua competência estabelecer com quais séries ou turmas irá

90

trabalhar (se só com as quintas e oitavas séries, por exemplo), quais os dias da

semana em que terá “janelas” ou aulas geminadas, existindo oitava A e B se será

docente da turma considerada mais disciplinada ou da mais indisciplinada e assim

por diante. Quando o relacionamento com a chefia é mais amigável, esses fatores

podem ser negociados; dependendo da chefia, quando o relacionamento entre as

pessoas for menos amistoso, esses acordos profissionais tornam-se mais

problemáticos.

Mesmo entre professores universitários, o chefe de área pode ter

conduta pouco profissional, favorecendo os mais amigos com menor número de

ementas e horários em turnos mais agradáveis, enquanto os demais colegas, apesar

de cumprirem a mesma carga horária, ficam com piores turnos e maior número de

ementas. A perseguição é ainda mais explícita, quando a chefia de área retira do

docente os programas que ele trabalha com segurança (Semântica e Estilística, por

exemplo) e lhe obriga a ministrar aulas sobre programas que sabidamente não são

de sua competência (Morfossintaxe e Fonética, para exemplificar). Não há

ilegalidade nisso, pois o profissional permanece atuando na área para o qual foi

contratado: Língua Portuguesa, no caso. Entretanto, não se privilegia o bem-estar do

professor e despreza-se a produtividade dos alunos. O contrário se verifica quando o

professor tem afinidade com a chefia, então suas aptidões pessoais são

consideradas no estabelecimento das funções.

Tais prêmios ou benefícios têm caráter atrativo ao indivíduo que

percebe valorização ao se ajustar à organização; segundo Goffman (2001), o

indivíduo torna-se um “colaborador, um participante normal, programado ou

interiorizado”, à medida que realiza cooperativamente a atividade exigida pela

91

organização de acordo com o cargo que ocupa, havendo um ajustamento primário

do indivíduo à organização.

O ajustamento secundário é definido quando há qualquer disposição

própria do indivíduo para empregar meios ilícitos ou fins não autorizados para

escapar daquilo que a organização supõe que deve fazer ou obter, ocorre quando o

indivíduo se distancia do papel admitido pela organização.

Os ajustamentos primários e secundários são definições sociais e

podem variar de uma organização para outra, de uma cultura para outra. O que é um

ajustamento primário em determinada época e lugar para uma organização, pode

não ser para outra na mesma época e lugar; bem como para a mesma organização

em outra época. É o caso ocorrido na Escola MARCO, a comunidade protestava

abertamente contra a atual diretora em certo período dessa convivência, e,

transcorrido certo tempo, maior interação foi ocorrendo e a comunidade passou a

eleger e apoiar a diretora que antes tanto criticavam.

É importante ressaltar que no ajustamento secundário há duas

ramificações: os contidos, que são alinhados com o ajustamento primário,

compartilham a idéia de ajuste, de encaixe nas estruturas já existentes sem forçar

pressões para mudanças radicais. Um segundo aspecto da ramificação do

ajustamento secundário são os perturbadores, em que os participantes desejam sair

da organização ou promover mudanças radicais na estrutura da mesma, o que leva

a “... uma ruptura da operação suave da organização” (GOFFMAN, 2001, p. 167).

De acordo com o ambiente em que a interação ocorre, há também

regras de comportamento que, quando transgredidas, provocam mal-estar. Tais

regras compõem um “complexo e secreto” código que não está escrito em lugar

92

algum, nem é explicitado pelos indivíduos, mas é entendido e seguido sob pena de

provocar mal-entendidos e comprometer a seqüência da conversa (CHANLAT, 1996,

p. 132). É o caso da vida pessoal da diretora da escola com relação à comunidade

na qual minha pesquisa de cunho etnográfico realiza-se: não há lei na área de

educação que proíba um profissional dessa área de ter vários namorados, mas na

zona rural em questão esse comportamento não é bem-visto, especialmente se

mantido por pessoa do sexo feminino.

Para Pichón-Rivière (1998, p. 158), a interação de um grupo realiza

um percurso em forma de espiral contínua, numa característica dialética, onde o

indivíduo continuamente se alimenta de experiências, as quais promovem mudanças

nele, ao mesmo tempo em que realiza mudanças no mundo.

Pode-se dizer que há uma aprendizagem de papéis. A situação de

pertencer a um grupo requer um conjunto de pessoas ligadas entre si em

determinado tempo e espaço, articuladas por uma mútua representação interna. Tal

situação grupal conta com processos de motivação para atuar em um complexo

mecanismo de reconhecimento de si e do outro. É na situação grupal que a

aprendizagem de papéis é feita.

Todo indivíduo, ao longo de sua vida, acumula experiências,

vivências, conhecimentos e afetos com os quais, e a partir deles, passa a agir nas

situações vindouras. Esse grande conjunto chamado de esquema referencial

cristaliza, organiza e estrutura a personalidade que reflete então a estrutura do

mundo externo e é com base nesse esquema que o indivíduo pensa e atua sobre o

mundo.Uma ideologia só é considerada nociva se o indivíduo não a utiliza com

senso crítico e não a revisa. O processo de aceitação da diretora da escola distrital

93

provocou na comunidade reflexões e discussões sobre os direitos femininos e os

valores em tempos atuais.

Atualmente, a diretora é tida como uma das lideranças comunitárias.

O líder é aquele que consegue uma adaptação razoável quanto aos membros no

ajustamento secundário, já mencionado (GOZO, 2002, p. 64).

O papel do líder é referenciado por aqueles indivíduos que reúnam

traços de liderança, de acordo com a característica do grupo o qual pode ser

autocrático, democrático etc. Em todo grupo humano há alguém que ocupa o papel

de líder.

A necessidade humana e universal de associar-se forma os grupos,

as organizações, enfim, as formas distintas de sociedade. Ao buscar um grupo, o

sujeito está se associando a outros seres humanos na tentativa de lutar contra os

dois medos básicos, da perda e do ataque.

Por pertença entende-se um sentimento de integração e

identificação com os acontecimentos e necessidades do grupo. Ao se sentir aceito

no grupo, o indivíduo passa a ter um sentimento de pertença, sentimento esse que

não é necessariamente igual para todos os membros desse grupo.

Vai depender do próprio indivíduo a intensidade dessa pertença de acordo com o grau de aceitação das normas desse grupo e está proporcionalmente ligado à força e à dificuldade que teve de vencer para conseguir sua aceitação no grupo. (PICHÓN-RIVIÈRE, 1998, p. 81).

O vetor cooperação é o que evidencia que a tarefa já conta com a

participação de outros membros do grupo, muitas vezes de forma silenciosa e que

contribue para o sucesso das tarefas e combate os estigmas. Outro vetor é a

94

aprendizagem, o aprendido pelo grupo é fator de mudança o qual soluciona e

ameniza ansiedades através da criatividade, entusiasmo e resolução de problemas.

A disposição negativa para trabalhar como membro do grupo ocasiona deterioração

da aprendizagem, quando se percebe que ela avança é um reflexo de disposição

positiva, de motivação.

“É essencial para o jogador poder se vangloriar diante dos outros de

que seu jogo foi bem sucedido [...] Ganhar e se mostrar, depois de desenlace de um

jogo, superior a outro” (PICHÓN-RIVIÈRE, 1998, p. 161). O sentimento que surge

daí é honra e prestígio que beneficiam não só o vencedor, mas todo o grupo no qual

ele pertence. Reforçam-se, dessa maneira, os sentimentos de pertença, como se a

conquista de um elemento fosse a do grupo todo.

O sentimento de pertença se configura não como uma condição pré-

existente, mas como o adquirido, do obtido a partir do espaço que foi conquistado no

grupo conforme os estigmas foram sendo rompidos.

À medida que o funcionário se torna um colaborador, um participante

normal, programado, à medida que se realiza cooperativamente a atividade que é

exigida pela organização, o funcionário, adaptando-se a ela, verifica que deve ser

aquilo para o qual foi preparado. Nesse caso, o funcionário vive um ajustamento

primário à organização. Ou seja, vive num mundo que lhe é afim, adequando-se e

cumprindo as ordens, regras e normas, independentemente de isso exigir muito ou

pouco dele porque se sente motivado.

Nota-se que os ajustamentos primários e secundários fazem parte

das relações em agrupamentos humanos. Sempre existiram e sempre existirão, por

isso devem ser encarados como forma de se construir relações na situação

95

organizacional, onde interagem pessoas reunidas com objetivos e vivências

diferentes, porém trabalhando num mesmo local. Seja no trabalho, lazer ou nas

relações familiares, as pessoas agem no interior de grupos e estes pressupõem que

entre elas sempre haverá articulação de suas mútuas representações.

Quando uma situação ou tarefa se apresenta em um grupo e

envolve modificações no sujeito, pode-se perceber três momentos distintos: a pré-

tarefa, a tarefa e o projeto. Na pré-tarefa, percebe-se o aparecimento de técnicas

defensivas e de ataque, configuradas como resistências às mudanças que possam

vir. Quando uma situação se apresenta como criadora de tensão, o indivíduo tende a

postergar a realização da tarefa, criando uma série de outras atividades ou tarefas

que lhe permitam passar o tempo, tentando evitar sentimentos de frustração pelo

início e término de tarefas, como se tivesse feito o trabalho ou adotado a conduta

necessária, mesmo tendo agido no sentido de manter o tempo morto.

Ao permanecer em pré-tarefa, pela necessidade de fuga causada

pela geração de tensão e ansiedade, o indivíduo que buscava evitar a frustração

tende a frustrar-se mais ainda por retardar a entrada na tarefa que sabe ser

necessário realizar, como é o caso do sentimento de impotência sentido pelos

professores diante de manifestações de indisciplina por parte dos alunos a ponto de

inviabilizar a realização de tarefas escolares, mas não dispensá-los de

permanecerem em classe até o sinal para o intervalo ou término da aula improdutiva.

O momento de atividade produtiva conduzirá através da

aprendizagem a uma experiência corretiva; é o momento de formação do leitor (por

exemplo), momento de intervir na situação de ledores, transformando-os em leitores,

ao mesmo tempo em que é modificado e transformado pela atitude crítica acerca do

96

que lê. É o que Pichón-Rivière (1998, p. 33), chama de modelo espiral, implicando

uma modificação em dupla direção (a partir do sujeito e para ele).

4.1.1 VISUALIZAÇÃO DA IDENTIDADE

De acordo com Goffman (1988, p. 12), estigma refere-se à situação

do indivíduo que está inabilitado para a aceitação social plena; sendo termo criado

pelos gregos para se referirem “[...] a sinais corporais com os quais se procurava

evidenciar alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os

apresentava”, ou seja, tratava-se de um escravo, um criminoso ou traidor, enfim,

pessoa que devia se evitada.

O referido autor reconhece que, nos tempos atuais, o termo

conserva o sentido original, mas houve alterações nos tipos de desgraças; posto que

a sociedade categoriza as pessoas, transformando preconcepções em expectativas

normativas sobre o que cada indivíduo deveria ser, isto é, imputamos sua identidade

social a partir do estereótipo que criamos para um determinado tipo de indivíduo do

qual fazemos imagem depreciativa.

Essas discriminações reduzem as chances de sucesso de quem as

sofre, enfoca sua inferioridade baseadas em diferenças como, por exemplo, as de

classe social. E, essa não aceitação predispõe à vitimização, através da qual “a

criatura estigmatizada usará, provavelmente, o seu estigma para ‘ganhos

secundários’, como desculpa pelo fracasso a que chegou por outras razões”

(GOFFMAN, 1988, p. 20).

97

No entanto, outra razão possível é que ao sentir-se estigmatizada a

pessoa se auto-isola, torna-se “desconfiada, deprimida, hostil, ansiosa e confusa”

(GOFFMAN, 1988, p. 22), para fugir de situações em que enfrentaria diretamente as

causas e efeitos do estigma, devido à insegurança gerada pela sensação de que

está “em exibição” por ser uma pessoa diferente do normal.

Outra possibilidade é que, em vez de se retrair, o indivíduo

estigmatizado pode tentar aproximar-se de contatos mistos com agressividade, mas

isso pode provocar nos outros uma série de respostas desagradáveis, (GOFFMAN,

1988, p. 27). Essa agressividade ocasiona um ambiente violento no qual a interação

é angustiada para o estigmatizado e também para o indivíduo visto como normal,

pois o estigmatizado ou é muito agressivo ou é muito tímido ou algumas vezes vacila

entre o retraimento e a agressividade (GOFFMAN, 1988, p. 27), mas todos

percebem o mal-estar na interação. Pois, ou ele é tratado como alguém pior do que

achamos que seja, ou melhor, ou ainda como uma “não-pessoa”, como se não

existisse ou não fosse digno de atenção.

Por muitos anos, durante nossa educação e o longo processo de

sociabilização, construímos, detalhada e inconscientemente, nossa personalidade. A

partir de nossa história e nossa experiência vamos desenvolvendo nossos

comportamentos, alguns mais e outros menos aceitos pelo mundo em que

vivemos...

Blackerby (2003) considera que, infelizmente, quando um estudante

não está com bom desempenho na escola, nós automaticamente o culpamos por

isso. Geralmente, acusamos o estudante de não estudar o suficiente, ou de não

estar motivado, de ser preguiçoso ou de ser rebelde ou estúpido. Muitas vezes, nós

o rotulamos como incapaz de aprender. Depois de algum tempo, o estudante

98

começa a acreditar nesses rótulos, o que afeta sua auto-estima de maneira

devastadora. Há estratégias melhores de motivar os estudantes. As estratégias

naturais de motivação oferecem escolhas valorizadas que induzem o estudante a

querer ser bem sucedido. Blackerby (2003) investigou a maneira como alunos

estavam encarando o sucesso, descobriu que estavam cumprindo tarefas que não

contribuíam para o processo de aprendizado, mas eram fáceis de executar. Por

exemplo, eles tinham que copiar cada palavra 10 vezes e entregar. Ou procurar no

dicionário o significado das palavras, copiá-las e entregar. Quando o estudante

cumpria essa tarefa enfadonha conforme lhe era pedido, ele recebia notas altas,

mas quase nenhum aprendizado. O efeito disso nos estudantes, professores e

administradores é traumática. Os estudantes ficam frustrados e se desligam do

aprendizado e da escola, e se ligam a gangues, drogas e a outros comportamentos

anti-sociais como um meio de se rebelarem contra o sistema.

Martin (2004) constata que o sujeito se identifica com o seu

sofrimento trazido no traço-rótulo de mau aluno. Passivo, goza de seu “status” de

fracassado. Ter sucesso na escola implica em um desejo, um projeto, uma

perspectiva do sujeito. A discrepância entre a identidade virtual e a real leva o

indivíduo a ser uma pessoa desacreditada e que, na busca por sua

autocompreensão, consolida a crença no estigma de que seu mundo é menor.

“Embora haja casos de indivíduos que só na vida adulta descobrem que pertencem

a um grupo tribal estigmatizado ou que seus pais possuem um defeito moral

contagioso [...]”. (GOFFMAN, 1988, p. 44).

99

4.1.2 ESTIGMAS

Estigma é o rótulo do qualificado pejorativamente, é a marca de

censura que acompanha uma pessoa ou um grupo social tachado com acepção

negativa. Um indivíduo pode ser estigmatizado por ser censurado por uma conduta

própria ou característica pessoal ou ainda por fazer parte de um grupo discriminado,

marginalizado. Estigmatizar é pôr à margem, menosprezar, ignorar o sujeito ou

super-valorizar sua conduta.

A qualificação, ou rotulação dos alunos, seja negativa ou positiva, tende a estigmatizá-los, a gerar comportamentos estereotipados e obstaculizar o desenvolvimento, além de ser uma atitude autoritária e desrespeitosa. (BRASIL, 1998, p. 39).

Aos alunos estigmatizados são negados capacidades de

participação, cooperação e diálogo, graças ao conceito prévio de que eles não

possuem essas capacidades e, assim, o processo de desenvolvimento dessas

capacidades, que é algo constante, vai sendo conquistado com maior lentidão e

sofrimento. No caso da escola MARCO, o estigma é facilmente percebido quando

alguns alunos são ignorados, e a professora não responde o que estes perguntam

por vê-los como “engraçadinhos, cínicos”.

Ao ingressar na escola, o aluno novato já traz consigo uma

concepção de si mesmo, que se formou em seu mundo doméstico, mas o convívio

no estabelecimento escolar confirma ou reformula essa concepção. Exemplificando,

o aluno que tem auto-estima baixa irá sentir-se ainda mais humilhado se receber de

seus colegas e/ou professores respostas verbais também humilhantes, não se

sentindo à vontade nem para pedir autorização para coisas pequenas, como ir tomar

100

um copo d’ água ou permissão para usar o telefone ou banheiro. Aliás, precisar

submeter uma necessidade fisiológica (evacuação) ao regulamento já é algo que

marca a condição de subordinado, posição secundária. Outro exemplo dessa

penetração na intimidade do indivíduo é quando acontece algum problema de furto

durante a aula e o aluno é obrigado a apresentar sua bolsa para ser revistada. É

preciso ter muito tato para realizar a revista sem ofender o revistado, pois o

professor não tem competência legal para proceder como polícia e essa prática

demonstra extrapolação de sua autoridade, apesar de ser usual em escolas públicas

de ensino fundamental e que só mudará a partir de debate e reflexão sobre a

mesma, pois ela é culturalmente aceita.

A autoridade pode ser manifestada tanto por atos verbais como não

verbais, como não cumprimentar quem é subordinado e não dar atenção ao que ele

diz, sendo que “as disposições institucionais delineiam as prerrogativas pessoais de

um participante” (GOFFMAN, 2001, p. 49), por exemplo, se ele é tratado com

respeito e delicadeza e com caçoadas e ridicularização apresentará características

psicológicas distintas e, conseqüentemente, essas características o levarão a ser

visto como boa ou má pessoa. Ele pode desprezar aqueles que o rejeitam ou

converter a rejeição social em auto-rejeição.. ”A interpretação sociológica mais

simples do indivíduo e do seu eu é que ele é, para si mesmo, aquilo que seu lugar

numa organização o define que seja”, (GOFFMAN, 2001, p. 258).

101

4.1.3 TEMPO MORTO

Tempo morto é tempo perdido, improdutível, inexpressivo, inútil, sem

préstimo, sem atividade significativa para a vida. O tempo que um aluno passa em

um estabelecimento escolar em estado inerte, de paralisia ou esquecido em práticas

que já deveriam ter caído em desuso, pois não encaminham para o alcance dos

objetivos declarados, é qualificado como tempo morto. Ele ocorre quando o

professor finge que ensina algo relevante para a vida do aluno ou este finge que

aprende, que estuda, mas permanece perdido nos seus devaneios ou promovendo

indisciplina, e a busca não é pelo conhecimento, mas para “enrolar” até o sinal

marcar o fim do período tido como desmotivador. Um exemplo dessa situação é visto

quando o aluno da escola MARCO passa grande parte do horário da aula de língua

portuguesa copiando texto do quadro, apesar de haver xerox na escola.

“Em estabelecimentos militares, o trabalho obrigatório com minúcias

evidentemente inúteis pode fazer com que os soldados sintam que seu tempo e

esforço não têm valor” (GOFFMAN, 2001, p. 31), o mesmo ocorre com todo aquele

que gasta seu tempo com atividades que classifica como inúteis para sua vida, e

além da falta de esforço, dependendo da personalidade, o indivíduo pode revelar

insolência, sarcasmo, ironia, rebeldia... Goffman (2001) ressalta que existem

maneiras individuais de adaptação. Um indivíduo pode empregar diferentes táticas

de adaptação em diferentes fases. Uma destas é a tática de afastamento da

situação, que corresponde à alienação, a deixar de dar atenção a tudo o que gera

tempo morto. Outra é a tática da intransigência, em que o sujeito intencionalmente

desafia a instituição, e por negar-se a cooperar com a equipe dirigente também gera

tempo morto.

102

A Indisciplina pode ser apenas uma tentativa de vencer o tédio.

Entre os internados de muitas instituições totais existe um intenso sentimento de que o tempo passado no estabelecimento é tempo perdido, destruído ou tirado da vida da pessoa; é tempo que precisa ser “apagado”; é algo que precisa ser “cumprido”, “preenchido” ou “arrastado” de alguma forma. (GOFFMAN, 2001, p. 64).

Não só o aluno como também o professor pode buscar formas de

tornar o dia a dia mais leve, menos penoso.

Esse sentimento de tempo morto provavelmente explica o alto valor dado às chamadas atividades de distração, isto é, atividades intencionalmente desprovidas de seriedade, mas suficientemente excitantes para tirar o participante de seu “ensinamento”, fazendo-o esquecer momentaneamente a sua situação real. Pode-se dizer que as atividades usuais nas instituições totais torturam o tempo, tais atividades o matam misericordiosamente. (GOFFMAN, 2001, p. 65).

4.1.4 CONTRADIÇÕES

Contradição é a incoerência entre palavras e ações. Designa a

constatação de desacordo entre o que se afirma e o que se faz. Exemplificando, os

profissionais da educação necessitam de recursos pedagógicos que vão além do

giz; havendo recursos que favorecem o alcance dos objetivos é uma contradição

não utilizá-los ou fazer um uso muito eventual dos mesmos, não suficientemente. É

função da escola analisar os veículos formadores de opinião, mas os professores

negam tempo para a análise desses veículos.

A escola é uma instituição criada para desenvolver a educação

sistemática/ organizada com objetivos definidos, pois no dia-a-dia fora da escola

todo indivíduo também recebe educação, mas de forma assistemática, não

103

organizada e sem objetivos definidos, é o caso do que aprendemos por meio dos

vizinhos, do rádio, das revistas, jornais, televisão aberta, etc. Mas, apesar dos

professores de língua portuguesa do ensino fundamental da escola MARCO

saberem que é função da escola organizar os conhecimentos, confessam que nem

sempre observam o planejamento escolar na execução de suas aulas. Uma das

professoras de oficina do texto contou-me que, durante o ano de 2003, em uma

turma de sexta série não conseguiu dar o programa, limitando-se às atividades

lúdicas (caça-palavras, charadinhas...), pois a indisciplina era tal que não permitia

um “trabalho sério”, progressivo, contínuo.

A educação contemporânea, conforme os PCNs (BRASIL, 1997),

visa formar o cidadão, ser humano instruído e educado; através da instrução, a

escola favorece a aquisição de conhecimentos técnicos e científicos e, através da

educação, desenvolve valores. Como desenvolver valores éticos em um ambiente

que não prima pela ética? Como desenvolver o respeito à pluralidade cultural em um

ambiente onde a cultura do aluno é menosprezada? Como conduzir a aquisição de

conhecimentos técnicos e científicos, quando falta motivação e sobra indisciplina?

Esta contradição, entre o que a instituição realmente faz e aquilo que oficialmente deve dizer que faz, constitui o contexto básico da atividade diária da equipe dirigente. (...) os determinantes decisivos do trabalho com pessoas decorrem dos aspectos singulares das pessoas, quando consideradas como material com que se trabalha. (GOFFMAN, 2001, p. 70-71).

Assim sendo, professores e equipe administrativa da escola estão

diante de uma tarefa contraditória: precisam da obediência dos discentes no

cumprimento do regulamento escolar e devem desenvolver neles a autonomia e a

criticidade, requisitos da escola-cidadã.

104

Como educar é um ato político, não há espaços para discursos de

neutralidade política. Os educadores quando entram na sala de aula, já fizeram suas

opções políticas, por mais que se digam neutros, e estas opções irão se manifestar

em suas práticas de ensino.

4.1.5 COBRANÇAS EXTERNAS

Fatores do mundo local tem relação com a educação escolar porque

há uma educação que se processa fora da escola (no lar, na vizinhança, nos grupos

de companheirismo, através do rádio, da televisão, das revistas, dos jornais, etc) e

que ecoa na escola, pois há reciprocidade de influências entre a comunidade e a

educação fomentada em cada unidade escolar.

De acordo com o Ministro da Educação, em outubro de 1997, foi

pela necessidade de construir referências nacionais comuns ao processo educativo

em todas as regiões brasileiras que foram elaborados os PCNs (BRASIL, 1997),

documentos para apoio do projeto educativo em cada escola e que orientam para a

compreensão e problematização da realidade local.

Jornais, revistas, rádio - dentre outros meios- transmitem

mensagens educativas para o povo; mesmo que nem sempre tenham a intenção de

educar, realizam a educação chamada de assistemática (sem objetivos definidos,

sem planejamento para alcançá-los em determinado tempo, sem relação de

conteúdos). Por sua vez, educação sistemática é aquela ministrada dentro de um

sistema pré-estabelecido, com planejamento, objetivos específicos, tempo e local

105

determinado; é transmitida principalmente através da instituição escolar, ou seja, os

meios de comunicação de massa (jornal, revista, rádio, TV) transmitem uma

educação assistemática, e a escola, através de um plano de ação/ planejamento

elaborado com objetivos determinados, sistematiza esta educação, A educação

institucionalizada na escola envolve uma aprendizagem dirigida e coordenada; ler

jornal na escola tem objetivos distintos de ler jornal em casa, o mesmo acontece

com o uso de outros agentes de informação no ambiente escolar.

A televisão, por exemplo, é um dos principais veículos de educação

e cultura da atualidade e talvez o de maior penetração, tendo grande possibilidade

de influenciar o comportamento humano e fixar o que está e o que não está na

moda. Mas, a informação transmitida pela TV pode ser recebida como mero

entretenimento ou girar reflexão e aprendizagem. O mesmo ocorre com o rádio, pois

raro é hoje o lar que não possui um aparelho de rádio, transmitindo notícia, esportes,

música e cultura, porém compete ao educador usar o veículo a serviço da educação.

Até mesmo a imprensa sensacionalista pode servir para fins

educativos, quando utilizada em proveito da leitura interpretativa e não meramente

decodificativa, ao analisarmos a qualidade e utilidade da informação. Em suma, a

leitura do jornal em sala de aula pode aumentar a capacidade de crítica dos

problemas sociais; quando essa análise é realizada, o jornal constitui-se em um

meio para a compreensão da realidade e formação do leitor.

A instituição escolar sofre cobranças externas. Isto quer dizer que a

escola é influenciada pelas demais instituições sociais, pois educação é processo

social e como tal está ligada à cultura e à possibilidade de desfrutar de todos os

meios culturais. A escola abrir-se às cobranças externas significa aproximar as

famílias da escola, para que elas considerem a escola como sua, procurar atender

106

as necessidades da comunidade e enfocar como objeto de estudo os meios de

educação assistemática, para através deles, problematizar a realidade, compreendê-

la e, se possível, transformá-la.

Como afirma Goffman (2001), apesar de algumas instituições serem

mais “fechadas” do que outras, todas têm tendência de “fechamento”. Ao abrir-se às

cobranças externas, a escola favorece a interpenetração entre mundos sociais e

culturais diferentes e atenua interpretações preconceituosas de ambos os lados,

pois, para conhecer um mundo social, quer letrado ou iletrado, é preciso submeter-

se à companhia de seus participantes, porque essa situação faz conhecer

determinados aspectos da vida de pessoas que gozam de um status social diferente

do nosso e provoca nova interpretação desse mundo. Como:

[...] um ser humano é algo mais do que apenas um participante de uma determinada organização” (...) “a instituição não é um mundo inteiramente isolado e de que tem alguma ligação burocrática e de subordinação, com estruturas do mundo mais amplo”; “a equipe dirigente é lembrada dessas obrigações quanto a padrões e direitos , não apenas por seus superiores hierárquicos, mas também por várias agências da sociedade mais ampla e, muitas vezes, pelos parentes do internado. (GOFFMAN, 2001, pp. 151, 92 e 72, respectivamente).

Bourdieu (cf. Soares, 1995, p. 62), ao tratar da função da escola em

relação às diferentes classes sociais, explica que a escola exige de todos os alunos

que cheguem a ela trazendo algo que ela mesma não se propõe a dar, e que só as

classes dominantes podem trazer. Com base nas palavras do autor, a escola:

[...] eximindo-se de oferecer a todos explicitamente o que exige de todos implicitamente, quer exigir de todos uniformemente que tenham o que não lhes foi dado, a saber, sobretudo a competência lingüística e cultural e a relação de intimidade com a cultura e com a linguagem, instrumentos que somente a educação familiar pode produzir quando transmite a cultura dominante. (BOURDIEU, 1992, p. 307).

107

Agindo desta forma, a escola separa e perpetua a discriminação

daquelas crianças que não possuem o capital lingüístico e cultural que deveriam ter

adquirido na família; considerando-os rejeitados de nossos mercados simbólicos,

pois os remete sempre à condição de não pertencentes à determinada cultura, que

“coincidentemente”, é também escolar. Para Dayrell (2001) os alunos têm sempre

uma razão para estar na escola e elaboram projetos individuais, nos quais

certamente a escola se inclui. Estes projetos individuais necessitariam, portanto, ser

conhecidos e considerados no espaço escolar.

4.1.6 INTERPRETAÇÃO OFICIAL

Interpretação significa leitura; oficial quer dizer proposto por

autoridade ou emanado dela, conforme as ordens legais; portanto, interpretação

oficial é a forma como a escola é vista pelas autoridades competentes; refere-se ao

conceito de ensino e aprendizagem, as finalidades da educação e aos meios para

alcançá-las.

A falta de acesso aos meios culturais pode ser vista como um dos

principais problemas na educação dos alunos na zona rural. Para minimizá-lo, a

escola poderia converter-se em um centro cultural e social do distrito, promovendo a

interação social.

Quanto aos recursos pedagógicos, todos os auxílios didáticos que

têm por função promover o alcance dos objetivos são meios pedagógicos. Dessa

forma, o conteúdo, as atividades e os recursos didáticos são meios pedagógicos,

108

pois são auxílios didáticos que o professor possui para alcançar os objetivos de

ensino e revelam determinada interpretação oficial.

O mais importante para a educação é alcançar os objetivos

pedagógicos, os meios são auxílios didáticos para atingir a meta; se os meios não

são adequados aos alunos, eles não favorecem o alcance dos objetivos.

Nem todos os meios são adequados a todos os objetivos. Um

recurso só será didático na medida em que for usado pelo professor para facilitar a

aprendizagem do conteúdo. Conteúdo aqui entendido como conjunto de

conhecimentos organizados de uma matéria; o conteúdo significa o elemento com o

qual o professor trabalha em sua disciplina e, segundo a interpretação oficial vigente

nos PCNs (BRASIL, 1997), a seleção do conteúdo a ser trabalhado deve respeitar a

faixa etária e as experiências anteriores dos alunos para que a aprendizagem do

conteúdo amplie o campo de conhecimento dos estudantes. Por exemplo, o jornal

pode ser utilizado em todos os níveis de ensino, o que muda é o tipo de atividade a

ser proposta a partir desse recurso e o grau de maturidade/ aprofundamento nessa

tarefa.

Documentos oficiais - denominados PCNs (BRASIL, 1997) - afirmam

que, para ser significativo o conteúdo selecionado deve estar vinculado à realidade

do aluno, isto é, partir do que ele conhece para proporcionar o que ele precisa

conhecer, através de relações com seu campo de experiência. Porém, como não

existe método infalível, um método pode funcionar bem com um grupo de alunos e

não ser positivo para outro grupo; lembrando que método é o modo pelo qual o

professor desenvolve suas atividades.

109

O que diversas pesquisas alertam e minha experiência profissional

confirma é que tarefas monótonas, repetitivas e cansativas são realizadas por pura

obrigação e com desinteresse e não oportunizam a aprendizagem. Atividades

variadas/ diversificadas interessam mais o público adolescente, estimulam melhor e

promovem a aprendizagem. Por exemplo, se o livro didático for o único recurso

pedagógico que o professor dispõe e for trabalhado página a página, aula a aula,

fica estabelecida uma rotina pouco instigante. É o que observei nas aulas de Língua

Portuguesa da escola MARCO, nas quais é trabalhado o livro didático ‘Encontro e

Reencontro em Língua Portuguesa’, de Marilda Prates.

Oficialmente, a escola é orientada pelo MEC para estabelecer

vínculo entre o que nela se aprende e o conhecimento extra–escolar. “O livro

didático não deve ser o único material a ser utilizado, pois a variedade de fontes de

informação é que contribuirá para o aluno ter uma visão ampla do conhecimento.

Materiais de uso social freqüente são ótimos recursos de trabalho, pois os alunos

aprendem sobre algo que tem função social real” (PCNs, 1997, v.1, p. 104). A

utilização do “jornal quente” tem potencial para inserir o aluno no mundo a sua volta;

esta é a interpretação oficial contida no planejamento escolar, ela pode existir

apenas em nível discursivo.

Geralmente se reconhece que as instituições totais muitas vezes ficam longe de seus objetivos oficiais”.[...] “Participar de determinada atividade com o espírito esperado é aceitar que se é um determinado tipo de pessoa que vive num tipo, determinado de mundo” Ë possível “manter a distância social com relação aos internados e uma interpretação estereotipada deles para justificar o tratamento que lhes é imposto [...] o internado precisa apenas obedecer às ações padronizadas; o estado de ânimo e os sentimentos íntimos com que realiza suas funções parecem não ser uma preocupação oficial [...] O medo do castigo pode ser adequado para impedir que o indivíduo realize determinados atos ou deixe de realizá-los; no entanto, os prêmios positivos parecem necessários para que se consiga um esforço prolongado, contínuo e pessoal. (GOFFMAN, 2001, pp. 77, 158, 80, 104 e 152, respectivamente).

110

4.1.7 DOMÍNIO INSTITUCIONAL

Por domínio institucional entendo tudo o que forma a escola e está

sujeito à administração escolar, desde os móveis, a conservação ou não do espaço

físico, bem como as relações de poder vivificadas nesse espaço físico, ou seja,

como as pessoas se relacionam entre si dentro dessa instituição.

Os seres humanos vivem em grupos sociais (famílias, escolas,

igrejas, clubes...) e para suprir as necessidades desses grupos surgem as

instituições sociais. Por exemplo, a necessidade do homem de relacionar-se com o

sobrenatural, deu origem a instituição religiosa e pela necessidade de sistematizar a

educação surgiu a instituição escolar. A escola é instituição porque tem um sistema

ordenado de comportamento, ou seja, um conjunto de normas, valores, status e

papéis que regulam os grupos sociais que a constituem. Se existem diferentes

instituições é porque cada uma surgiu para atender a um tipo de necessidade social:

familiar, religiosa, recreativa, econômica, governamental e educacional.

Como toda instituição, a escola apresenta uma estrutura social que

se refere à sua organização: há horários para a entrada e a saída, para o lanche,

para o início e o término de cada aula; além de existir planejamento que determina o

uso do tempo (as disciplinas que serão ministradas em cada dia da semana), há

planejamento do espaço: o banheiro dos professores pode ser único, mesmo

havendo docentes de ambos os sexos no colégio, já os banheiros dos alunos são

separados em feminino e masculino, para a diretora há a diretoria, secretaria para a

secretária, existe a sala dos professores, a sala do coordenador, a biblioteca... E,

assim, dependendo da função, cada pessoa ocupa um espaço físico pré-

111

determinado; por exemplo, zeladoras entram nos outros ambientes apenas no

horário estabelecido para limpá-los, além disso, só quando forem chamadas.

Aparentemente, essa organização serve para facilitar o bom

desempenho das funções relativas a cada cargo. Na prática, além de ter essa

finalidade, a estrutura social relaciona a estrutura física com o status do

estabelecimento e dos cargos ali ocupados. Por exemplo, os alunos da escola

MARCO são obrigados pela norma escolar a irem de uniforme às aulas (esse

uniforme é composto por camiseta cinza, com o nome da escola, e calça ou saia

azul-marinho), também as zeladoras e merendeiras são obrigadas a trabalhar

uniformizadas com lenço branco na cabeça e guarda-pó branco, mas dos

professores e equipe dirigente não é exigido uniforme. Apesar disso, a maioria dos

professores optou por usar guarda-pó como forma de economizar roupas, pois o

jaleco protege do pó e diminui a necessidade de lavar as roupas, envelhecendo-as.

A escola funciona como uma máquina administrativa que realiza

operações de rotina que são formalmente administradas. Por exemplo, matrículas,

divisão de turmas, elaboração de horários, preparação de merenda, atendimento

aos pais, limpeza do prédio... Além disso, a integridade física de todas as pessoas

que estão nesse ambiente é garantida, o que exige “esforços para controlar a vida

diária de um grande número de pessoas em espaço restrito e com pouco gasto de

recursos” (GOFFMAN, 2001, p. 48).

Conhecer a estrutura social subjacente à instituição leva a

compreensão dos seus problemas sociais, por exemplo, se o incentivo do aluno está

na instrução ou no diploma.

112

4.2 ASPECTOS ANTROPOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO

Enquanto o desrespeito do aluno, normalmente, é explícito, o desrespeito por parte do professor é camuflado, é sutil. E esse desrespeito tem várias facetas. Uma delas é o preconceito de classe. Na escola pública, às vezes, no fundo, o professor não acredita naquele aluno simplesmente por sua condição social. (VASCONCELLOS, 1998a, p. 25).

Relacionando ao preconceito social surge o estigma quanto às

possibilidades do aluno; a expectativa do professor em relação aos seus alunos é

decisiva em termos de sucesso ou fracasso dos mesmos e os rótulos marcam vidas.

Indisciplina é uma forma do aluno demonstrar sua desmotivação

pelo ensino ofertado, ou porque não vê perspectivas para o seu futuro ou sentido

nas atividades presentes ou ainda porque vê seu passado, sua trajetória pessoal

sendo subestimada.

Por sua vez, o docente revela sua falta de motivação através de

faltas constantes no trabalho ou falta de tolerância com os alunos e com seus erros

ou ainda assumindo uma postura de falta de compromisso pedagógico. “Para mudar

a realidade, é preciso fazer uma opção muito clara; no entanto, para não mudar, não

é preciso fazer opção, uma vez que há uma lógica montada no sentido da

reprodução”, (VASCONCELLOS, 1998b, p. 17).

Diante de desfavoráveis condições de trabalho (má formação, baixos

salários, alto número de alunos em classe, falta de espaço físico, material didático

apropriado etc), o professor deixa esvair a sua autoridade em sala de aula e fora

dela. Re – significar o espaço escolar, dando clareza sobre por quê, para quem,

quando, onde, como ensinar e aprender é o caminho para resgatar a autoridade do

113

educador, não mais no sentido de autoritarismo (domestificação do outro), e sim

através de uma postura profissional que favoreça o diálogo respeitoso entre todos e

a participação de todos nas atividades desenvolvidas, o que é caminho possível

para combater o tempo morto.

Historicamente, a instituição escolar é marcada pelo autoritarismo (explícito ou velado). É fato que assim tem sido enquanto reflexo do autoritarismo vigente nas relações sociais mais amplas. Mas também a instituição escolar contraditoriamente tem experimentado o abandono da disciplina. (PIMENTA, 2000).

Como descreve o autor da obra supracitada, há diferença entre

indisciplina ativa (sinônimo de “bagunça”) e indisciplina passiva (quando há silêncio,

mas não interação); observa que entre os dois tipos, o primeiro incomoda a

esmagadora maioria dos professores, enquanto a segunda forma de manifestação

não incomoda grande parte destes. No entanto, como alerta Vasconcellos (2000), o

silencioso e imóvel como um paralítico não é propriamente um disciplinado;

concordo com ele nesse ponto, esse tipo de aluno é um alienado, desmotivado.

Aluno motivado não dá problemas de disciplina, e alienação também é problema

disciplinar. Meus vinte anos de magistério revelaram que é mais difícil solucionar a

alienação (porque vem de dentro para fora) do que a bagunça (que é exteriorização

do desrespeito, da falta de limite e autoridade).

Superar a postura individualista e estabelecer conjuntamente

direitos, deveres e sanções, dar atenção a todos, não rotular, trabalhar a afetividade,

combater a gozação e dizer o porquê das atividades são caminhos sugeridos por

Vasconcellos (2000) para solucionar problemas de indisciplina ativa ou passiva dos

alunos. Ter convicção da proposta que está levando para os alunos; considerar o

assunto de fato significativo e relevante para os alunos; querer desenvolver aquele

114

trabalho; autovalorizar-se, sem superestimar seu papel (sendo convicto demais,

dogmático, fechado) nem subestimando seu papel (revelando-se inseguro

desorientado, culpado, frouxo), são os caminhos apontados por Vasconcellos (2000)

para o professor. Acredito que todas essas posturas favoráveis ou desfavoráveis à

educação relacionam-se com a imagem que os sujeitos envolvidos no processo

educativo possuem da escola, da matéria e um dos outros; em outras palavras,

refletem os estigmas, as contradições, interpretações oficiais, cobranças externas e

o domínio institucional (categorias de ajustamento).

Exemplificando, nas festas juninas os dentes de alunos de escolas

urbanas e rurais são pintados para caracterizá-las de caipiras, representantes do

homem rural, sem conscientizá-los das condições financeiras da comunidade rural;

simbolizam o descuido com os dentes, sem refletir sobre as más condições

financeiras para procurar o dentista. Se a escola não pode alterar essas condições

financeiras, pode oferecer educação de saúde bucal. Refletir sobre as condições de

vida do homem do campo, seus aspectos positivos e negativos, combate os

estigmas. O modo de vestir-se com chapéu de palha, botinas velhas, roupas

remendadas, camisas xadrez e vestido de chita, que é o traje típico das festas

juninas, ainda é visto cotidianamente na comunidade rural, alvo de minha pesquisa.

Isto não é só reflexo da cultura rural, mas das condições financeiras da comunidade,

conseqüência também da necessidade de economizar na compra de roupas em

tempos modernos, nos quais todos e especialmente jovens e adolescentes se

preocupam com moda.

Cientes de que a cultura do meio rural é diferente do centro urbano,

ao virem para a cidade, os membros da comunidade vestem sua melhor roupa,

também fazem isso para irem à escola e à igreja; reservam as roupas remendadas

115

para produzirem alimentos e criarem animais. Daí advém a solicitação dos pais para

a adoção do uniforme pela escola, seus trajes não são vistos como dignos do

ambiente escolar, onde o meio rural não consta nos livros didáticos ou nos

conteúdos trabalhados na sala de aula.

Almeida (2001) comenta que, para haver aprendizagem, o desejo

tem que ser respeitado, e o significado do aprender depende da motivação

intrínseca do indivíduo, isto é, este sujeito precisa tomar para si a necessidade e a

vontade de aprender, ou, ainda, precisa tornar consciente o seu desejo. Daí a

necessidade de pensarmos sempre o homem como um ser dotado de vontades e,

para que a personalidade se estruture de maneira sadia, que não negue ao indivíduo

a condição de se assumir como ser desejante, é necessário que lhe sejam

favorecidos bons contatos pessoais, possibilitando assim a interação entre a criança

com parceiros experientes e emocionalmente equilibrados dentre os quais

destacam-se pais, amigos, professores e outros agentes educativos. Para que a

aprendizagem aconteça de forma significativa é necessária a harmonia dos fatores

extrínsecos e intrínsecos ao ser humano, pois é no não entrelaçamento destes

fatores que ocorre o insucesso do aprender.

A motivação influencia o desempenho dos alunos, dos professores e

da instituição, e a base motivacional é influenciada por fatores intrínsecos e

extrínsecos. As dificuldades apresentadas pelos alunos na escola podem estar

relacionadas ao fato de suas experiências de vida não serem visualizadas na sala

de aula, pois, geralmente os conteúdos apresentados não despertam seus

interesses, há poucos questionamentos, basta cumprir as atividades propostas pelos

professores. Quando ocorre algum trabalho a partir de questões sociais urgentes

(por ex., leitura no jornal de um tema de destaque nos meios de comunicação), a

116

aula é mais proveitosa e agradável porque a aprendizagem ocorre de forma

significativa. É claro que levar o jornal do dia para leitura em sala de aula favorece a

discussão de assuntos que não estavam no planejamento, o que torna a aula mais

“aberta”, o que, por um lado, estimula a participação do aluno a compartilhar

conhecimentos e, por outro lado, pode produzir insegurança no professor que, antes

dos PCNs, enfocava apenas as habilidades de leitura e escrita e é convocado pelos

PCNs a desenvolver as habilidades de ler, escrever, falar e ouvir. Debater é

aprender a ouvir e comunicar-se, respeitar as idéias dos outros e estar aberto a

sugestões, atividade que requer disciplina para não virar “bagunça” (brincadeiras ou

brigas), e essa vai se moldando à medida que a dinâmica é incorporada como

atividade “natural” no ambiente escolar, sempre existindo a possibilidade de

colocações inesperadas acontecerem.

Falsarella (2003) afirma que é importante salientar a paradoxal

situação em que se encontra o professor. Pede-se a ele que planeje

cuidadosamente suas aulas, mas que saiba lidar com o imprevisto, improvisando.

Que tenha criatividade e “jogo de cintura”, mas que se adapte às “regras do jogo”.

Que utilize formas inovadoras de ensinar, mas se conforme a classes lotadas e más

condições de trabalho. Que pense no coletivo de sua classe, mas ensine cada aluno

de acordo com suas peculiaridades.

No dia-a-dia curricular acontecem muitas manifestações não

prescritas no currículo escrito. Uma escola acostumada à transmissão, assimilação

do conhecimento escolar não é acostumada a reflexões críticas sobre os objetos,

conteúdos, critérios de avaliação e orientação didática que se realizam em seu

interior. Todos os documentos, livros produzidos sob a denominação de Parâmetros

Curriculares Nacionais, apresentam a mesma estrutura básica com objetivos,

117

conteúdos, critérios de avaliação e orientação didáticas. Por vezes, esses conceitos

e procedimentos estão previstos no currículo escrito da unidade escolar, mas não

estão no currículo vivido pela mesma; também é possível que não estejam visíveis

na elaboração curricular, mas penetrem na escola por via do que se costuma

denominar currículo oculto.

Hickmann (2002), divulga que:

A palavra curriculum, de origem latina, significa o curso, a rota, o caminho da vida ou das atividades de uma pessoa ou grupo de pessoas. Curriculum, termo empregado em educação, significa a organização de atividades que serão realizadas pelo professor e seu grupo de alunos. O currículo significa aquilo que os estudantes têm oportunidade de aprender através do que é formalmente ensinado e do que, mesmo não sendo explicitado, está latente em algumas práticas pedagógicas bem como em textos, gravuras dos livros didáticos e imagens de vídeos e filmes. A este conjunto, de práticas pedagógicas não explicitadas, chamamos de currículo oculto.

A referida autora esclarece que, até o início do Século XX, os

currículos trabalhavam conhecimentos e valores com significados alheios à vida dos

alunos. A vida não entrava na escola. Atualmente, a discussão de assuntos

relevantes para a vida em sociedade visa transmitir aos alunos conhecimentos que

lhes permitam conhecer, criticar e transformar a realidade em que vivem. Os

conteúdos já não deveriam ser ensinados de forma isolada e a-histórica, mas

contextualizados permitindo a constituição de cidadãos solidários e autônomos. No

entanto, o saber hoje se encontra fragmentado em várias disciplinas estanques,

desconectadas entre si. Sem esquecer o fato de que cada disciplina tem sua própria

lógica, o grande desafio na atualidade, é o de relacionar as experiências de vida dos

alunos, o conhecimento do senso comum com que chegam à escola ao

conhecimento sistematizado, de modo que eles possam perceber o mundo de forma

integrada. Ao respeitar a cultura dos alunos, a escola deve evitar estigmatizá-la ou

118

mantê-la isolada numa espécie de gueto. A escola age como uma mediadora entre

os diferentes conhecimentos e valores que perpassam a sociedade, sistematizando-

os e discutindo-os com seus alunos.

De acordo com Hickmann (2002), a discussão sobre o currículo

único tem sido impulsionada a partir do estabelecimento pelo MEC de Parâmetros

Curriculares Nacionais. Tais parâmetros não podem ser, no entanto, entendidos

como um currículo unificado para todo o país. Eles fornecerão uma base curricular

comum sobre a qual estados e municípios organizarão suas próprias propostas

curriculares. Na realidade, uma base curricular comum tem como finalidade garantir

a todos os alunos o acesso aos mesmos conhecimentos, porém, caberá a cada

equipe de professores contextualizar seu trabalho, conciliando a diversidade sem

perder o sentido de unidade. Sem dúvida, todos devem ter acesso aos mesmos

conhecimentos só que o modo de contextualizar diferentes temas tem que estar

necessariamente ligado à vida e às experiências dos alunos e de sua comunidade.

O Ministério da Educação não está propondo exatamente um currículo único. O que

está sendo proposto são parâmetros curriculares nacionais. É preciso que se

tenham parâmetros curriculares que sirvam como orientação à formulação de

currículos por parte de estados e municípios. Pela Constituição brasileira de 1988 é

da competência do MEC estabelecer os conteúdos mínimos necessários em cada

área e série. Atendendo a esta norma constitucional, o MEC organizou os

parâmetros curriculares nacionais que servirão como referência básica para a

organização dos currículos estaduais e municipais. As experiências das escolas e

dos professores não serão anuladas até porque são as escolas, professores e

alunos que tornam os currículos vivos. O MEC, através da organização dos

parâmetros curriculares nacionais, pretende que todos os alunos tenham acesso aos

119

mesmos conhecimentos. É uma idéia aberta à contribuição de estados e municípios.

O MEC não está propondo exatamente um currículo único para todo o país. O que

está sendo proposto são parâmetros curriculares nacionais que sirvam como

orientação à formulação de currículos por parte de estados e municípios. Os

conteúdos estão definidos nestes parâmetros curriculares e é muito bom que se faça

esta definição Os conteúdos de vários saberes precisam ser articulados na escola e

integrados à vida. Os conteúdos devem servir para que os alunos entendam-se a si

próprios e à sociedade em que vivem.

Hickmann cita um artigo de Chauí (1990), denominado Laços de

desejo, onde o desejo estaria ligado etimologicamente a desiderium que

representaria a decisão de tomar nosso destino em nossas próprias mãos,

significando, então, a vontade consciente nascida da deliberação.

Toda educação supõe o desejo, como força propulsionadora que alimenta o processo. Mas só há força de propulsão porque há força de atração: o desejo sempre é ‘desejo de’; a criança só pode construir-se porque o outro e o mundo são humanos e, portanto, desejáveis (CHARTOT, 2000, p. 54).

Ainda de acordo com Hickmann (1990), cabe repensar as relações

entre a escola, a cultura e a vida, já que existem dificuldades de pedagogizar a vida

porque ela é muito dinâmica e mutável então escolarizar-se a cultura, que é um

objeto mais fixo e estável. Portanto, nesses termos as funções da escola encontram-

se em questão no contexto da sociedade atual: Repensar humanamente o currículo

implica repensar e ressignificar o projeto educativo traduzido na proposta político-

pedagógica da escola, nos projetos de cada campo de saber, nos princípios que

orientam as aprendizagens significativas, nas temáticas que possam incorporar os

projetos dos alunos e das famílias destes.

120

O projeto político pedagógico (PPP) da escola investigada, fruto de

exigência do poder público municipal, por ora se caracteriza mais como transcrição

de documentos oficiais (PCNs) do que como um documento que sintetiza a realidade

da instituição e contribui para o equacionamento das dificuldades enfrentadas no

cotidiano escolar. Por exemplo, o PPP prevê uma metodologia comum para orientar

as ações pedagógicas dos professores; no início de cada ano letivo os professores e

a equipe dirigente traçam o planejamento, estabelecendo objetivos e conteúdo de

cada disciplina. No entanto, esta prática não gera reflexões sobre as questões de

caráter pedagógico; praticamente se limita a um “passar a limpo” planejamentos

anteriores. Mesmo que os objetivos propostos nem sempre sejam atingidos, eles

permanecem imutáveis, o que gera um descompasso entre o que a escola oferece e

o que os alunos, no caso o grupo de adolescentes que cursam o último ano do

ensino fundamental, esperam e necessitam sobre AIDS, gravidez precoce,

alcoolismo, tabaco, maconha, cocaína e tantas outras aflições da humanidade.

As professoras de língua portuguesa da escola investigada

apontaram na resposta à quinta questão de um instrumento (questionário

estruturado) que vêem muitos dos seus alunos como desinteressados, sem

motivação e indisciplinados, portanto sem muitas expectativas em relação à escola.

Esse indicador provoca uma reflexão sobre o aproveitamento do tempo. Pelo amplo

conhecimento que possuo dessa comunidade, testemunho que quase a totalidade

das famílias não tem acesso a bens de consumo cultural, como computadores,

assinatura de jornais e revistas, compra de livros, acesso à biblioteca, teatro,

cinema, etc. No entanto, quase todos os lares têm TV e rádio, assim como fogão e

geladeira, e as pessoas desta comunidade (dentre eles, os alunos da escola)

assistem TV, ouvem música, possuem preocupação sobre sexualidade, drogas,

121

moda e outros temas que compõem o universo cultural desses adolescentes e são

ignorados ou pouco interpretados na prática docente junto a este grupo.

Santos (2003) lembra que houve um tempo em que ser professor

era considerado uma profissão de “status”. Mas hoje a história é bem diferente, a

profissão que antes era considerada quase uma missão, passou a ser desvalorizada

pela nossa cultura: os salários são baixíssimos, o incentivo ao estudo é raro, e os

professores não se reconhecem no que fazem, não reconhecem mais a dignidade

de educar e dizem com vergonha que são professores. Como pode uma criança

sentir prazer pelo que aprende, se para quem a ensina aquilo não tem valor? Indo

mais longe, como pode uma criança se reconhecer enquanto aprendiz e

transformador do mundo, se seu mundo não importa na sala de aula e se seu

professor não se reconhece como um educador agente de transformação.

Figueiral (2000, p. 85) afirma que:

[...] diante do baixo desempenho acadêmico, alunos são encaminhados pelas escolas que freqüentam, com objetivo de elucidar a causa de suas dificuldades. A questão fica, desde o princípio, centrada em quem aprende, ou melhor, em quem não aprende. Diferente de estar com dificuldade, o aluno manifesta dificuldades, revelando uma situação mais ampla, onde também se inscreve a escola, parceira que é no processo da aprendizagem. Portanto, analisar a dificuldade de aprender inclui, necessariamente, o projeto pedagógico escolar, nas suas propostas de ensino, no que é valorizado como aprendizagem.

Na suposição de que a carência sócio-cultural é intransponível, o

professor acaba deixando esses alunos entregues às suas dificuldades. Essa falta

de assistência e interesse docente agrava a frustração discente e vice-versa,

ocasionando reações negativas de ambas as partes. Diante desse problema, em

geral, os alunos assumem comportamentos agressivos, para aparentar que dão

pouco valor à escola, aos professores e às aulas, ou, ao contrário, tornam-se

122

demasiadamente tímidos e acovardados. Ambos comportamentos acarretam

desestímulo do profissional da educação, que se vê desencorajado diante do

escasso espírito de colaboração.

No entanto, esses alunos fazem parte de uma comunidade e são

enviados à escola por seus responsáveis para que recebam uma educação

apropriada ao desenvolvimento de suas aptidões. Um dia deverão trabalhar,

constituir família e mantê-la, vão votar, opinar e participar das atividades de sua

comunidade. E a escola pouco contribuirá para o bem estar de seus alunos, tanto

agora como com reflexos na vida adulta deles, se apenas tolera esse grupo de

adolescentes e pouco faz para evitar o seu fracasso escolar e na vida, confirmando

a idéia de que são pessoas de menor valor devido a fatores ambientais, isto é, seres

fadados a limitações no seu processo de desenvolvimento porque se encontram em

um meio rural, provém de famílias pouco abastadas e seus pais possuem baixo

índice de escolaridade. Esses fatores ambientais constituem-se na realidade da

maior parte do povo brasileiro, e não justificam a falta de investimento

cognitivo/intelectual e afetivo/emocional. Estes sim são responsáveis pela pouca

eficiência no ensino e na aprendizagem, pois são simultaneamente causa e

conseqüência da falta de motivação para o ensino e a aprendizagem.

A motivação, ou falta dela, explica comportamentos; estar motivado

significa ter motivos para desejar algo. Assim como a fome motiva para agir para

obter alimento, saciando a necessidade fisiológica, quem realiza a ação de estudar

ou ler precisa de um motivo para fazê-lo, e este possui um aspecto psicológico

(desejar saber) e/ou social (necessitar saber). Realizar uma tarefa sem ciência do

motivo para fazê-la gera um estado de insatisfação, uma sensação de tempo morto

(perda de tempo). E, através da apresentação dos objetivos, o professor pode

123

despertar interesses nos alunos, isto é, incentivá-los à obtenção do conhecimento.

Os incentivos são estímulos para a aprendizagem e podem produzir a mudança de

comportamento negativo para positivo.

Polity (2004) expõe que o fracasso escolar está relacionado ao

sistema educativo, revelando as inadequações das instituições escolares que são,

em última instância, representadas pelos professores, coordenadores, diretores,

entre outros profissionais. Duas grandes justificativas para o fracasso escolar do

aluno podem ser encontradas na fala de alguns professores: a ênfase na estrutura

intelectual do aluno, ou seja, os alunos não aprendem porque não estão maduros,

não estão prontos e a ênfase no déficit relacional e ambiental, deduzindo-se que o

conhecimento é transmitido de alguém que sabe para alguém que não sabe, como

uma espécie de substância que passa de um para outro, havendo, então, uma

supervalorização do meio em relação ao sujeito que aprende: ser bem-sucedido ou

fracassar na escola, depende do meio no qual os sujeitos estão inseridos, ou seja,

os alunos não conseguem aprender porque não tiveram um ambiente propício para

o seu desenvolvimento.

A relação humana evidenciada no processo de ensinar acontece

com a articulação de diferentes fatores internos e externos do professor em relação

ao aluno. Os fatores internos são proporcionados não só pelas estruturas de base

intelectual e lógica, mas também pelas de ordem afetiva e do desejo, articulando-se

à história de vida de cada um e servindo como resposta do sujeito à realidade que o

cerca, podendo inclusive modificá-la. Já os fatores externos são proporcionados

pelas condições desta realidade, que constituem o contexto de vida no qual o sujeito

está inserido.

124

É natural do ser humano sentir a necessidade de ser útil ao grupo ao

qual pertence. Realizar tarefas com objetivos definidos e sentir desempenho

satisfatório nas atividades propostas corrobora para que o professor sinta-se mais

realizado. Quando não tem objetivos definidos ou não percebe desempenho

satisfatório, o professor está sujeito a ter sentimento de incapacidade/inferioridade; o

mesmo se dá com o ser humano aluno.

A adolescência é reconhecida como a fase de conflitos, incertezas,

dúvidas. O adolescente busca sua identidade no grupo de colegas no qual participa,

tanto que se assemelham nos gestos e nas roupas e querem se notados. As

circunstâncias ambientais colaboram para aumentar ou diminuir a auto-estima, ou

seja, a integração no grupo de jovens do qual participa favorece o ajustamento

primário, e, por sua vez, problemas de comunicação conduzem ao ajustamento

secundário (GOFFMAN, 2001), manifestado pela indisciplina e falta de docilidade,

”ser do contra”.

A insatisfação perante a vida (falta de lazer, falta de perspectiva...),

dependendo da personalidade de cada indivíduo, ocasiona manifestações exteriores

que vão do desânimo/passividade à revolta/agressividade. O educador não

consegue mudar o ambiente social, mas pode alterar o ambiente escolar e o cultural,

influenciando positivamente seus alunos para se formarem como leitores e cidadãos,

desde que haja interação com eles, o que pressupõe ajustamento mútuo.

Interação diz respeito à influência mútua; as ações que as pessoas

exercem entre si provocam reações que conduzem a novas ações, e desse

processo advém a interação. Exemplificando, o aluno X percebe a ótima imagem

que as professoras e colegas fazem dele e procura manter essa imagem, e assim a

interação positiva se processa. Já, o aluno Y percebe que é considerado pelas

125

pessoas da sua escola como aluno mediano e procura alterar essa imagem para

uma mais positiva (estudando mais e cooperando mais nas atividades) ou sente-se

desestimulado e diminui ainda mais sua produtividade. Também, o aluno w percebe

que as pessoas possuem uma imagem dele como péssimo aluno e diante desse fato

ele poderá apresentar uma das duas reações: procurar manter essa imagem (e

realizará ações para tanto que são próprias do ajustamento secundário) ou

procurará alterá-la (com ações de ajustamento primário).

As diferentes reações dependem da identificação de cada aluno

consigo mesmo: ele procura ter um desempenho melhor porque acredita ter

competência para tal, ou ele aceita seu fracasso. E as diferentes reações também

dependem da identificação do aluno com as pessoas que ele admira, pois, ao

apreciar uma pessoa, incorporamos valores da pessoa admirada, e esses afetam

nossos comportamentos.

Como é próprio do ser humano o desejo de ser reconhecido, todas

as pessoas buscam o ajustamento social. Ajustamento é o processo de adaptação

comportamental, mental e emocional do indivíduo ao seu meio. Por exemplo, a

apatia do aluno pode ser uma maneira de ajustar-se a uma atmosfera dominadora

na sala de aula. Mas as reações a essa atmosfera podem ser outras: o aluno pode

assumir uma atitude insolente como forma de manifestar sua insatisfação.

Dependendo das características de personalidade do indivíduo será sua adaptação

específica ao ambiente, ou seja, nosso ajustamento provém dos nossos

“mecanismos de defesa”, que são os recursos psicológicos que dispomos para

vencer as frustrações. Em determinadas situações algumas pessoas preferem

ocultar os conflitos (fingindo que eles não existem), outras preferem fugir dos

conflitos (reconhecem a existência de problemas mas buscam modos de não se

126

envolverem nas situações problemas) e há os que manifestam suas frustrações

(revelando suas desilusões). Como toda pessoa em sua vida diária, utiliza-se de

mecanismos de ajustamentos eles não são sempre os mesmos para todas as

pessoas e nem para a mesma pessoa em diferentes situações.

Quem fica preso às suas frustrações e deficiências perde a auto-

estima; seja nossa inferioridade real ou imaginária, procuramos compensá-la de

diversos modos. Podemos justificar nossos fracassos culpando outras pessoas;

assim o professor não assume a culpa pelo insucesso escolar do aluno, culpando

outras pessoas: o próprio aluno, sua família, seu meio sócio-cultural, a escola, etc. A

projeção é um mecanismo de defesa/ajustamento utilizado quando o objetivo é a

defesa do eu perante a pessoa mesmo ou perante a crítica dos outros; o indivíduo

inocenta-se e desloca para outra pessoa a dificuldade que existe dentro dele: o

aluno, neste caso, não assume que não presta atenção na aula e diz que o

professor não ensina bem.

Esses mecanismos/ajustamentos geralmente são inconscientes, a

pessoa não percebe que os está utilizando e por que age de determinado modo;

apesar disso, os ajustamentos são necessários para manter o equilíbrio emocional

de cada ser vivo e torná-los conscientes, pode facilitar nosso auto-conhecimento e

nossa integração social, pois, ao procurar seu ajustamento ao meio, a pessoa realiza

interações com o meio.

Não menosprezo a questão do nível sócio-econômico-cultural dos

pais, que se constitui em fator sociológico que interfere no desenvolvimento das

aptidões dos filhos, mas considero que este fator não os impedem de ajustar-se à

sociedade e adquirirem conhecimentos, por exemplo, a carência alimentar durante

os primeiros anos de vida não impede o sujeito de adquirir independência

127

econômica na vida adulta. Compartilho da posição dos pesquisadores que defendem

que os principais fatores responsáveis pela deficiência de aprendizagem são

psicológicos (ligados à carência afetiva e instabilidade emocional) e fatores

institucionais:

- ligados à estrutura das relações pessoais, especialmente entre

professor e aluno;

- as rotinas envolvidas no dia-a-dia da escola;

- ao ambiente da sala de aula, inclusive visual/auditivo;

- ao material didático utilizado, havendo inter-relação entre as

causas biológicas, sociológicas e psicológicas.

Martins (2003, p. 64) afirma que:

Dados do SAEB 2001 apontam que 59 por cento das crianças brasileiras, da 4ª série, ou seja, com 4 anos de escolarização, são analfabetas e que é pior, a tendência detectada, foi de uma queda progressiva nos padrões de rendimento escolar. Falando em números, teríamos 983.895 crianças na 4ª série do ensino fundamental que não sabem ler (desempenho muito crítico) e 1.569.045 que são capazes de ler apenas frase simples (desempenho crítico). Em substância, nesse segmento do ensino fundamental, há, pelo menos, 2.522.940 crianças que podem ser consideradas como maus leitores.

A LDB (BRASIL, 1996) determina que o ensino fundamental, com

duração mínima de oito anos, obrigatório e gratuito na escola pública, terá como

objetivo a formação básica do cidadão. Portanto, o objetivo do ensino fundamental é

a formação cidadã do aluno. Ler para aprender é meio, pois, para desenvolvimento

da capacidade de aprender. Mas, para que ingressemos nessa tarefa de ler para

aprender, é necessário, antes de tudo, aprender a ler. E a aprendizagem da leitura

128

depende de querer aprender a ler, o equivalente a uma formação de atitudes do

educando de se dispor a ler. Esta disposição pode ser refletida nas formas de

expectativas, interesses, motivação, atenção, compreensão e participação. Querer

aprender a ler é o primeiro passo para se ler para aprender. Para se desenvolver em

leitura é preciso, antes, envolver-se em leitura, gostar de ler.

Segundo Ferreiro (1989, p. 73), a escola geralmente ineficiente para

introduzir as crianças no mundo da língua escrita, é, contudo, extremamente

eficiente para conseguir fazer com que assumam a culpa de seu próprio fracasso:

um dos maiores danos que se pode fazer a uma criança é leva-la a perder a

confiança em sua capacidade de pensar.

O fracasso do processo de alfabetização está concentrado nas

populações marginalizadas, sejam elas urbanas ou rurais. E é lugar-comum

relacioná-las ao estado nutricional do aluno e ao nível educacional e cultural de seus

pais. Ferreiro (1989) alerta que tanto a instituição escolar como os professores

apóiam-se nestes fatos para justificarem o fracasso escolar. De acordo com Moura

(1999, p. 127):

Essas concepções e as formas de proceder, baseadas nos métodos, desnudado as práticas escolares que são de certo modo responsáveis pelo fracasso das crianças, pela sua expulsão da escola, transformando-as em analfabetos funcionais que, no futuro, em alguns casos, transforma-se nos adultos que voltam à escola em busca do conhecimento não adquirido. O livro didático é apresentado para o aluno como uma fonte de conhecimentos do mundo, ao invés de ser um dos objetos de conhecimento. As atividades de leitura e escrita, baseadas no livro didático, são totalmente desprovidas de sentido e totalmente alheias ao funcionamento da língua.

A influência familiar, como afirma Scoz (1994, p. 71), é decisiva na

aprendizagem dos alunos. Os filhos de pais extremamente ausentes vivenciam

129

sentimentos de desvalorização e carência afetiva, gerando desconfiança,

insegurança, improdutividade e desinteresse, sérios obstáculos à aprendizagem

escolar.

A influência da mídia aparece como outro fator que contribui para as

dificuldades de aprendizagem, pois, conforme Libaneo (2000, p. 72), a televisão

passa a ser um instrumento cada vez mais poderoso no processo de socialização.

Um dos aspectos negativos dessa influência é a tendência à passividade e à

dependência das crianças, prejudicando o desenvolvimento pleno de suas

capacidades cognitivas e sócio-afetivas.

Os professores consideram que a pobreza e a condição social dos

alunos como fatores que influenciam nas dificuldades de aprendizagem. Para Scoz

(1994, p. 81), a pobreza dos alunos aparece com forte determinante dos problemas

de aprendizagem. A autora ressalta que, sem querer negar que grande parte do

fracasso de alguns alunos pode estar relacionado à pobreza material a que estão

submetidos, é importante estar atento para que a baixa renda das famílias não seja

utilizada como justificativa para o insucesso escolar das crianças, eximindo a escola

de qualquer responsabilidade.

Alguns professores apontaram a falta de interesse do aluno como

um fator que contribui para as dificuldades de aprendizagem. Mas, para Weiss

(2000, p. 23), é preciso que o professor competente e valorizado encontre o prazer

de ensinar para que possibilite o nascimento do prazer de aprender. O ato de

ensinar fica sempre comprometido com a construção do ato de aprender, faz parte

de suas condições externas. A má qualidade do ensino provoca um desestímulo, na

busca do conhecimento. Não há assim um investimento dos alunos, do ponto de

130

vista emocional, na aprendizagem escolar, e essa seria uma condição interna

básica.

Nenhum planejamento terá validade se os envolvidos não se

propuserem a cumpri-lo, a concretizar o plano e, se não for possível, replanejar. A

analogia proposta por SILVA (2003) sobre os currículos e as constituições das

nações parece-me apropriada: assim como a Constituição estabelece a nação que

se deseja, também o currículo projeta o tipo de educação pretendida; como a

correspondência entre constituição e sociedade é imperfeita, do mesmo modo é

entre currículo e educação; a constituição prevê a existência de leis complementares

e ordinárias, também os currículos nacionais não contemplam a especificidade de

cada escola e dependem de cada estabelecimento redigir um currículo específico

que leve em conta as experiências de vida da comunidade.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais indicam a existência de um

caminho desejado pelo Ministério da Educação para a formação do cidadão

brasileiro pelas escolas do país; para colocar em prática os preceitos divulgados

pelos PCNs, o Projeto Político Pedagógico de cada escola deve contemplar a

especificidade de sua clientela. Analiso tal condição como imprescindível para

combater o fracasso escolar que vivenciam professores, alunos e sociedade diante

do crescente aumento da pobreza material e cultural de sujeitos “não-empregáveis”

na sociedade contemporânea globalizada. Como observa Demo (1996, p. 13):

Na pobreza não encontramos somente o traço da destituição material, mas igualmente a marca da segregação, que torna a pobreza produto típico da sociedade, variando seu contexto na história, mas se reproduzindo na característica de repressão do acesso às vantagens sociais.

131

Ter consciência de um problema não significa automaticamente

resolvê-lo, mas representa processo indispensável na sua solução; como a

educação é formadora de opinião e paradigmas mentais, é imprescindível que ela

colabore na formação cidadã. A Constituição da República Federativa do Brasil

garante o direito das crianças brasileiras de terem educação obrigatória no ensino

fundamental, dos sete aos 14 anos, e os meios para assegurar a permanência

dessas crianças das camadas populares na escola são buscados pelo governo

através de programas como o Bolsa-Escola que asseguram um benefício financeiro

aos pais que mantiverem seus filhos no colégio e a qualidade do ensino é

impulsionada através de Parâmetros Curriculares Nacionais.

Em nível de unidade de ensino, considero que motivação representa

a possibilidade de inclusão do aluno, pois, ao desmotivar-se, vai se excluindo ou

sendo excluído do seu processo de formação escolar.

De fato, a administração social permite não apenas realizar intervenções imediatas ou futuras nas vidas de seres humanos individuais, como também faz com que as mudanças nas condições das pessoas produzam alterações no tipo de pessoas que são. (POPKEWITZ & LINDBLAD, 2001, p. 111).

O julgamento da comunidade sobre a escola que possui pode não

se expressar por palavras, mas esse maior ou menor apreço pode ser captado

através do carinho ou menosprezo tido em relação a ela. Estes sentimentos são

revelados pelo ambiente de respeito e solidariedade em que se estuda/trabalha ou

por problemas de disciplina apresentados (por alunos) e aulas rotineiras e

desmotivadas (ministradas pelos professores). A elaboração anual do planejamento

escolar e as reuniões pedagógicas mensalmente realizadas bem como as reuniões

bimestrais com os pais de alunos poderiam ser momentos para discutir esse tema e

132

discutir diretrizes para mudar o estado de coisas, questionando formas de dinamizar

as aulas e a relação entre escola e comunidade.

Como afirma André (1997), a preocupação da etnografia com

questões relacionadas à cultura dos grupos e indivíduos estudados chamou a

atenção dos educadores para a necessidade de considerar as situações de sala de

aula (dimensão pessoal e interacional) em estreita conexão com a forma de

organização do trabalho pedagógico na escola (dimensão institucional) e com os

seus determinantes macro-estruturais (dimensão sociocultural).

Vasconcelos (2004) assegura que, pela experiência da prática em

sala de aula, os professores sabem que as aptidões intelectuais não são os únicos

fatores atuantes no sucesso ou fracasso escolar. Entre as variantes fora do controle

dos professores, como o apoio da família, os fatores afetivos representam um papel

fundamental na aprendizagem, sobretudo no que diz respeito à auto-estima. Lelord

& André (1998) defendem que o alimento da auto-estima é a junção do sentimento

de ser amado ao sentimento de ser capaz.

Busco apreender os pontos de vista e o modo de entender o mundo

do grupo social ao qual pertencem os alunos das turmas do último ano do ensino

fundamental do universo investigado, para descobrir como eles se harmonizam ou

se chocam com os valores culturais dos seus docentes de língua materna e os

dirigentes da escola (a diretora e dois coordenadores). Não me contento em

constatar que a realidade pesquisada distancia-se muito dos referenciais

pretendidos pelo Ministério da Educação (através dos PCNs) e pela Secretaria

Municipal de Educação (ao firmar parcerias para ter o jornal na escola). Busco com

esta análise institucional compreender as causas desse malogro, o que é pré-

requisito para que, em um futuro próximo, eu possa atuar para melhorar a situação,

133

através de projeto de ‘Extensão Comunitária’, desenvolvido junto com meus alunos e

orientandos da Universidade Estadual de Londrina e, assumindo uma postura

cooperativa entre pesquisadores e agentes escolares, podermos encontrar

alternativas para otimizar o ensino ali realizado.

4.3 O PROBLEMA ENVOLVE MOTIVAÇÃO E DISCIPLINA

Para explorar o jornal e utilizar o texto jornalístico em suas aulas, é

importante que o professor perceba o uso social da escrita e não a veja como algo

exclusivo da escola. A disciplina língua portuguesa, ao utilizar-se de textos

desligados da realidade, visando apenas à decifração dos sinais, não contribui para

formar o leitor. Por sua vez, o jornal representa uma janela para o mundo, favorece a

integração entre a sala de aula e o mundo real, pois fornece um retrato diário da vida

em nossa sociedade. Mas compete ao professor adaptar o conteúdo ao nível dos

alunos, completar o assunto com as experiências do grupo e instigar a interpretação

das notícias. A utilização do jornal como suporte para a realização da leitura crítica é

de grande importância para o desenvolvimento da cidadania, pois o processo de

interpretação constrói conhecimento, criticidade, reflexão e motiva à participação

social.

Loos (2004) postula que o professor que quer incentivar a leitura tem

de ser, antes de tudo, leitor. Só um professor que é leitor e tem consciência do valor

da leitura consegue criar leitores e ensiná-los a ler o mundo. O jornal é uma fonte

que não pode ser descurada. Sua grande vantagem - e ao mesmo tempo

134

desvantagem - é a grande quantidade de informações que concentra num mesmo

espaço. O jornal deve ser visto, portanto, como um agente social sujeito às pressões

e problemas que ocorrem no meio social, de tudo participando e tomando partido, e

não como um órgão neutro, apenas informativo.

Há algumas possibilidades para o uso do jornal na sala de aula,

entre elas, o jornal pode cumprir a função de informar e despertar o desejo constante

por mais informações ou ser utilizado apenas como um material meramente didático

para pesquisa ortográfica, por exemplo. Cabe ao professor, ao utilizar o texto

jornalístico, discutir a notícia com seu senso crítico de cidadão pertencente à

sociedade e assim contribuir para o desenvolvimento do aluno no pensar, sentir e

agir. O hábito e o gosto pela leitura (mais especificamente do jornal em sala de aula

e também de outras fontes) surge basicamente do estímulo proporcionando ao aluno

e da freqüência com a qual a leitura é realizada. O hábito deve ser criado a partir do

exercício constante e não eventualmente. O gosto depende do modo como as

atividades são realizadas nas situações de aprendizagem através desse recurso.

A resistência do professor em utilizar o jornal na sala de aula pode

estar ligada à falsa concepção de que é preciso abandonar o conteúdo para

trabalhar o jornal. O jornal é um instrumento de trabalho do educador pois o

conteúdo das diversas áreas de conhecimento está no jornal e esse recurso

oportuniza trabalhar o conteúdo através de textos, com exploração da realidade

social. No entanto, o jornal é apenas matéria prima para a construção do

conhecimento; para desencadeá-lo é necessário a análise crítica das informações

nele contidas. O veículo é só uma ferramenta de auxílio na construção do

conhecimento: se a ferramenta não for devidamente utilizada, o fim não é alcançado,

o propósito de formação do leitor não se realiza.

135

Conhecimento não é só assimilar os escritos nos livros didáticos

e/ou jornais. O conhecimento é constituído por um processo de digestão de coisas

produzidas para observar, algumas em nossa experiência de vida e descartar outras,

o que envolve o desenvolvimento de habilidades (observação, identificação,

comparação, análise, síntese, criação), de percepções e capacidades sócio-afetivas.

Cada vez que debatemos em aula um determinado aspecto que

acontece na família ou no supermercado ou no parque de diversões, estamos

falando de coisas importantes para a vida e daí, estamos trabalhando com uma

visão de sociedade. E o que é mais importante para um cidadão do que os assuntos

relacionados com a sua sociedade? (QUEIROZ, 1999, p. 28).

Os PCNs frisam a expressão aprender a aprender, destacam que a

tarefa do professor não é a de simplesmente transferir o saber (detendo-se,

principalmente, em livros didáticos), mas valorizar as experiências individuais dos

alunos, organizar situações para que estes reflitam sobre suas experiências e

trabalhem com assuntos ligados a suas vidas e da sociedade em que estão

inseridos; daí a ênfase para trabalhar com os diversos meios de comunicação para

construir conhecimentos, gerar aprendizagem significativa. Porém, no dia-a-dia

escolar há um distanciamento entre o que queremos e os resultados obtidos. Por

que desejamos formar leitores e formamos ledores? Para suprir essa lacuna é

preciso a tomada de consciência desse vazio e a procura de suas causas; e atacar o

problema de forma eficaz envolve clareza, de objetivos e de metodologia, para que

haja materialização das intenções do professor.

No caso da leitura, o ato de ler realiza-se por diferentes objetivos e

cada qual envolve metodologias diferentes e implica em seleção de textos diversos.

136

Nas aulas da disciplina Língua Portuguesa, o aluno pode ler para conhecer a língua

ou ler para conhecer o mundo ou ainda ler para gostar de ler. Não precisa,

necessariamente, sempre ler para escrever, pode ler para desenvolver a crítica

acerca dos temas tratados e dos textos apresentados ou ler para despertar a

curiosidade e provocar novas leituras. A leitura do jornal conduz ao conhecimento da

estrutura da língua e crescimento do vocabulário, desvenda conhecimentos

culturalmente construídos em todas as áreas do conhecimento humano e os textos

jornalísticos (editoriais, cartuns, crônicas...) também podem provocar

encantamento/emoção. Neste caso, a metodologia precisa ser o prazer da leitura

pela leitura, o que envolve a não obrigatoriedade da resolução de atividades escritas

ou orais com o texto lido.

Em outros momentos, o professor pode explorar sua disciplina

através da leitura do jornal (utilizando-o para explorar a língua) ou usá-lo para

investigar o que acontece em âmbito regional ou mundial. Seja qual for o objetivo, o

método envolve motivação (querer fazer) e competência (saber como fazer), pois

dirigir emoções a serviço de um objetivo é essencial para manter-se determinado até

alcançar o que se propõe. E, o conhecimento do objeto com o qual trabalhamos é

fundamental para o sucesso do trabalho, para vencer a resistência e descrença de

pessoas que não se envolvem com o projeto educacional desenvolvido. Posto que

os obstáculos para a efetuação de mudanças estão tanto no campo subjetivo (da

motivação) como no objetivo (da capacitação), para que os sujeitos adotem ações

pautadas numa nova concepção (no caso, de escola cidadã) é necessário trazer à

consciência as ideologias (preceitos, bloqueios, estilos de pensar) com as quais eles

agem sobre a realidade.

137

O conhecimento da realidade embasa um novo plano de ação,

desperta o desejo, a motivação necessária para se dispor para a ação, porque

desmancha representações equivocadas, desmonta mitos. “Para sair do imobilismo,

é preciso desejar, querer. Mudar a prática educativa implica mudar concepções e,

sobretudo, enfrentar a ‘roda viva’ já existente” (VASCONCELLOS, 1998a, p. 7).

As Políticas Educacionais podem tratar o professor como sujeito do

processo de mudança ou como objeto impotente à espera de soluções que venham

de fora para dentro da escola. A alteração de situações escolares não depende

exclusivamente de ações de professores, mas mudanças significativas nessa área

envolvem esses agentes e passam pela prática do professor.

Parolin (2000) questiona: “só a informação basta? Sabe-se que não”.

O que fará a diferença é a forma como a pessoa integra uma informação,

transforma-a em aprendizagem e a coloca a serviço da comunidade. Nessa

perspectiva, a freqüência à escola não garante o salto qualitativo que requer o

movimento social. As ações que caracterizam uma comunidade cidadã envolvem a

luta por uma comunidade justa, equilibrada, constituída a partir de um objetivo

comum e bom para todos.

Para contribuir para o processo de mudança da prática

educacional é preciso atuar em dupla perspectiva: na construção do professor e na

sua capacidade de intervenção. Não basta a existência de projetos de

transformação da realidade, sem compromissos nesse sentido; as subjetividades

atuam nos processos de transformação, como afirma Heller, (1982, p. 151):

138

[...] a situação social concreta e os diversos sistemas normativos definem os limites no interior dos quais podemos interpretar e realizar determinados valores. Em suma, a nossa determinação social não condiciona por si só nossas ações, mas certamente as influencia de perto.

O fazer do educador depende do seu querer e limita-se ao seu

poder. Querer adquirir e conquistar o que não se possui refere-se às emoções, à

afetividade, aos valores assimilados; como afirma Piaget, a afetividade é energia da

ação. Para agir de forma transformadora, o educador precisa deste “querer”, desta

motivação que é subjetiva, mas não basta estar motivado a realizar coisas novas, é

preciso ter possibilidade de realizá-las, o que envolve capacitação para explorar os

recursos disponíveis. Certamente, as ações do sujeito em seu ambiente de trabalho

envolvem fatores pessoais e os extrapolam. No caso do magistério, existem outros

determinantes da prática, no caso do magistério: os livros didáticos, os recursos

audiovisuais, as salas de aula, as carteiras são fatores que interferirão no ensino e

na aprendizagem.

Tornar sua prática significativa requer conhecimento da realidade,

clareza de objetivos e plano de ação capaz de executar a intencionalidade. Usar

uma metodologia meramente expositiva favorece o processo de aprendizagem

baseado na repetição/memorização. Usar uma metodologia participativa /interativa

conduz a um processo de aprendizagem alicerçado na construção e expressão,

favorece a democratização.

E o grande objetivo da escola na perspectiva democrática de

educação, defendida pelos PCNs, é contribuir para a efetiva formação da cidadania

de seus alunos.

139

É possível identificar um nível de teoria que podemos chamar de desejada, que corresponde àquilo que o sujeito está concordando, que está considerando correto; há, no entanto, um outro, que chamaremos de enraizada e que corresponde àquilo que já se internalizou no sujeito, seja a partir de práticas repetidas quase que inconscientemente desde muito cedo, seja a partir de um processo de reflexão e tomada de consciência, e posterior enraizamento. O certo é que na hora da ação, normalmente o comando vem da consciência enraizada e não da desejada; para que venha da desejada (e ainda não enraizada) será necessário um esforço e uma atenção constante durante toda a duração da ação. Assim, ao contrário do que pensam muitos, “na prática, a teoria é aquela que incorporamos” (“teoria ardente”). Sempre há relação entre a teoria incorporada e a prática executada. (VASCONCELOS, 1998a, p. 17).

A questão da disciplina, por exemplo, é mais facilmente solucionada

nos estudos teóricos sobre o assunto do que na prática de sala de aula, onde ela é

um dos principais fatores de baixa na motivação para o trabalho do professor e dos

alunos.

A indisciplina na escola é questão cotidiana e relevante não apenas

no Brasil, pois tem ocupado espaço nos meios de comunicação franceses,

americanos, japoneses, etc.

Arcaicamente, disciplina é a prática do silêncio. Mas, essa não é a

postura adotada pelo Ministério da Educação, que através dos Parâmetros

Curriculares Nacionais orienta para a democratização do ensino e da escola, na qual

o conhecimento não deve vir da justaposição e sim da interação entre cidadãos. Os

vários aspectos implicados nas diferentes posturas frente à educação dependem de

motivação (acreditar no projeto, desejar executá-lo) e capacitação (saber como

fazer, ter competência para colocar intenções em prática).

Disciplina envolve limites, termo associado à idéia de restrição,

frustração, proibição. Orientando para a adoção de posturas democráticas, os PCNs

140

estariam subestimando o valor da disciplina? Não! A crise da disciplina na escola

está ligada à falta de sentido para o estudo por parte dos alunos; um diploma não é

mais garantia de “ser alguém na vida”, no sentido de ocupar funções e prestígio

social; há inúmeras pessoas formadas e desempregadas ou mal remuneradas, o

que fere o mito da ascensão social através da escola e requer outro vínculo entre

aluno e escola, pois essa pode contribuir ou não para o sujeito “ ser alguém na vida”

no sentido de qualificar-se como pessoa, além de preparação para o trabalho e

mudança social. Portanto, essa mudança na visão da educação, proposta pelos

PCNs, de fuga do condicionamento e busca da humanização, combate “projetos

educativos” nos quais os alunos não vêem sentido no que estão fazendo e, por isso

mesmo, tornam-se indisciplinados.

Constante e gradativamente vão ocorrendo mudanças na sociedade

e nas relações sociais, conseqüentemente elas atingem as relações nas salas de

aula. O aluno de décadas passadas obedecia sem questionar; o contemporâneo

contesta e busca o sentido das coisas, na busca por objetivos para realizar as

tarefas. Há consenso de que para evitar a indisciplina, a aula do professor deve ser

interessante. O problema é que o professor é um sujeito concreto, trabalhando com

outros sujeitos concretos (não são anjos, nem demônios) que atuam em uma

realidade concreta onde não existe “solução mágica e infalível”, onde as aulas não

conseguem sempre interessar a todos os alunos e o tempo todo.

Além da questão pedagógica, é inegável que a questão dos limites é

um problema social, prova disso são os altos índices de violência. Mas também é

inegável que, com as mudanças nos valores sociais e nas relações escola-

sociedade, as exigências feitas por esta ao professor vão além de transmitir o

conteúdo, cumprir o programa e controlar o comportamento do aluno através de

141

nota. O problema dos limites (e, conseqüentemente, a disciplina) não se restringe a

uma escola determinada ou na relação professor-aluno e atinge a família (que não

está conseguindo cumprir sua função civilizatória básica) e a organização da

sociedade, que inibe a ascensão social. A sala de aula não está desvinculada das

problemáticas sociais, mas não temos como mudar o mundo sem mudarmos

primeiro o que está próximo. As pessoas estão procurando sentido para as coisas

(objetivos) diante da perplexidade que a falta de valores sociais provoca. Os

Parâmetros Curriculares Nacionais apresentam objetivos claros para a educação,

dentre eles, resgatar a significação dos conteúdos ministrados e fazer a leitura crítica

dos meios de comunicação. Desenvolver uma metodologia participativa em sala de

aula contribui para criar um clima de respeito na escola; está é a disciplina desejada

pelos PCNs.

142

5 ANÁLISE ETNOGRÁFICA

A decisão sobre qual estratégia de pesquisa utilizar depende do

problema que se quer responder. Para entender a dinâmica da prática educativa na

escola MARCO e por que ali o Projeto Cidadania estava malogrando, o estudo de

caso foi ideal, porque é uma estratégia de pesquisa própria para entender um caso

particular levando em conta seu contexto e sua complexidade.

Um critério reconhecido como pertinente para usar o estudo de caso

é a sua singularidade, ou seja, o caso é digno de estudo porque representa muitos

outros casos. No caso específico dessa pesquisa, o Projeto Cidadania visa

incentivar a formação de leitores entre os alunos das escolas que recebem o jornal

na escola, sendo que esse objetivo não tem sido alcançado na escola MARCO.

Portanto, interessa compreender esta situação, descrever esse contexto e a

população em estudo para verificar quais as causas do malogro desse projeto

naquela escola, por que a formação de leitores através do jornal em sala de aula

não está ocorrendo em turmas do último ano do ensino fundamental na instituição

investigada.

Ludke (1986) e André (1995) indicam que, quando o interesse recair

sobre um fenômeno contemporâneo que está ocorrendo numa situação de vida real

(como é o caso do Projeto Jornal na Escola) e se quer fornecer uma visão profunda

e ampla de uma unidade social particular em que o fenômeno ocorre, o estudo do

caso etnográfico apresenta muitas vantagens, pela sua capacidade de permitir

retratar o dia-a-dia escolar sem prejuízo de sua complexidade e dinâmica composta

143

de múltiplas variáveis. Além disso, o conhecimento de um caso pode ajudar a

entender outros casos.

Segundo André (1995, p. 53):

[...] já que o pesquisador detém as informações coletadas que lhe possibilitam, sem dúvida, tomar um posicionamento sobre o caso, ele tem a obrigação de divulgar seus pontos de vista sob pena de estar assumindo uma postura de neutralidade incomparável com esse tipo de pesquisa.

Como as análises são filtradas pelos pontos de vista do pesquisador,

ele precisa identificá-los ao leitor. Além disso, pode buscar múltiplas fontes,

informantes e perspectivas teóricas.

5.1 CARACTERÍSTICAS DO ESTUDO ETNOGRÁFICO

Investigo, por meio do uso da abordagem etnográfica, a prática

pedagógica da escola MARCO, através de uma abordagem qualitativa.

ANDRÉ (1995, p. 19) define: “a etnografia é a tentativa de descrição da cultura”;

acrescenta que, etimologicamente, etnografia significa “descrição cultural” e que,

como a preocupação central dos estudiosos da educação é com o processo

educativo, fazemos estudos do tipo etnográfico e não etnografia no sentido estrito. A

referida autora conceitua que um trabalho pode ser caracterizado de tipo etnográfico

em educação “quando ele faz uso das técnicas tradicionalmente associadas à

etnografia, ou seja, a observação participante, a entrevista intensiva e a análise de

documentos” (ANDRÉ, 1995, p. 28). Destaca que a observação é denominada de

participante devido ao grau de interação com a situação estudada. As entrevistas

144

servem para aprofundar questões e esclarecer problemas observados; os

documentos visam contextualizar o fenômeno e completar as informações coletadas.

ANDRÉ (1995, p. 29) salienta que uma “característica importante da

pesquisa etnográfica é a ênfase no processo, naquilo que está ocorrendo e não no

produto ou nos resultados finais”. Outra característica é com a maneira própria com

que as pessoas vêem a si mesmas, as suas experiências e o mundo que as cerca.

Para retratar essa visão pessoal dos participantes, o pesquisador deve se envolver

em um trabalho de campo, sendo que “os eventos, as pessoas, as situações são

observados em sua manifestação natural”, não havendo pretensão de mudar o

ambiente. O período de tempo empreendido nesse contato direto depende de

diversos fatores, como a disponibilidade do pesquisador e a sua aceitação pelo

grupo, é necessário estabelecer limites para tornar a pesquisa viável no tempo

disponível.

Na pesquisa etnográfica, ainda de acordo com André (1995, p. 29-

30)“, o pesquisador faz uso de uma grande quantidade de dados descritivos:

situações, pesquisas, ambientes, depoimentos, diálogos que são por ele

reconstruídos em forma de palavras ou transcrições literárias”. O pesquisador visa

descobrir novas formas de entretenimento da realidade e, para tanto, “faz uso de um

plano de trabalho aberto e flexível”, em que as técnicas de coleta são reavaliadas,

os instrumentos são reformulados e os fundamentos teóricos são repensados.

O estudo de caso é apontado por André (1995) como um tipo de

investigação muito ligado à pesquisa do tipo etnográfico; afirma que, na área da

pesquisa educacional, o estudo descritivo de uma unidade, seja uma escola, um

professor, um aluno ou uma sala de aula; ensina que o estudo de caso etnográfico

objetiva a aplicação da abordagem etnográfica ao estudo de um caso. Para tanto, é

145

preciso preencher os requisitos da etnografia (acima apontados) e tratar de uma

unidade com limites bem definidos (por exemplo, uma instituição ou um grupo social

específico), pois se busca o conhecimento do particular, ou seja, compreender uma

unidade por considerá-la por si interessante, cabendo ao leitor da pesquisa decidir

se as interpretações podem ou não ser generalizáveis.

André (1995, p. 42) aponta três dimensões no estudo da prática

escolar cotidiana: a institucional (ou organizacional), a pedagógica (ou instrucional) e

a cultura (ou sociopolítica).

A dimensão institucional/ organizacional envolve as formas de

organização do trabalho pedagógico, estruturas de poder e decisão, nível de

participação dos seus agentes, disponibilidade de recursos humanos e materiais.

Essa configuração institucional vai depender do contexto em que se articula, pode

ser influenciada por políticas educacionais e expectativas dos pais e da população

com respeito à educação escolar, como também influenciada pela posição da

classe, a bagagem cultural e os valores de cada sujeito que participa desse

contexto.

[...] seu estudo vai exigir, então, um contato direto com a direção da escola, com o pessoal técnico administrativo e com os docentes, por meio de entrevistas individuais ou coletivas ou mesmo de conversas informais, um estudo das representações dos atores escolares, além de um acompanhamento das reuniões e atividades escolares. (ANDRÉ, 1995, p. 43).

A dimensão pedagógica/institucional envolve os seguintes

elementos: objetivos e conteúdos do ensino, atividades e o material didático,

linguagem e outros meios de comunicação entre professores e alunos e as formas

de avaliar o ensino, nas quais se dá o encontro professor-aluno-conhecimento. O

pesquisador investiga tanto a apropriação ativa dos conhecimentos por parte dos

alunos através da mediação de professor, como também como se dá esse processo

146

de interação, seus componentes afetivos, morais, políticos, éticos, cognitivos, sociais

etc. Portanto, leva em conta a história pessoal de cada indivíduo que participa da

dinâmica de sala de aula e as condições específicas em que se dá a aprovação dos

conhecimentos; considera a situação concreta dos alunos, professores e sua inter-

relação com o ambiente, o que requer análise das forças institucionais, da estrutura

administrativa e da rede de relações inter e extra-escolar.

A dimensão cultural/sociopolítica refere-se aos determinantes

macroestruturais da prática educativa, “inclui uma reflexão sobre o momento

histórico, sobre as forças políticas e sociais e sobre as concepções e valores

presentes na sociedade” (ANDRÉ, 1995, p. 44).

De acordo com Martins (1997) é preciso:

[...] entender a escola como uma instituição sociocultural, organizada e pautada por valores, concepções e expectativas, onde os alunos, os professores, a direção, os pais e a comunidade são vistos como sujeitos históricos [...].

A escola deve ser compreendida sob ótica de sua cotidianidade, em

sua singularidade. É a partir do seu cotidiano que a escola se constrói, e é a partir

dele que se estabelecem as representações daqueles que estão envolvidos com o

contexto escolar: representações sobre si mesmos e sobre o mundo (EZPELETA &

ROCKWELL, 1986). Para desvelar as inter-relações é necessário constatar no

cotidiano escolar, observando as relações que ocorrem entre aluno x professor,

professor x direção; aluno x direção; pais x professores; pais x direção, etc. Nesse

sentido, Martins (1997) entende que:

[...] o cotidiano escolar é o espaço onde ocorre o encontro dos diversos segmentos que estão envolvidos com o dia-a-dia da escola, o que circunscreve o campo para a emergência das contradições que estão implícitas nas relações sociais que ali se desenvolvem.

147

De acordo com Pacífico (2004), a alavanca que impulsiona mais e

mais pesquisadores a optarem pela etnografia pode ser explicada pela real

participação e observação da vida cotidiana escolar. Com essa metodologia é

possível perceber aspectos como a relação de poder institucional, ou seja, relações

que sufocam e que são ali mesmo produzidas, não sendo, como se imaginava,

apenas reflexos da sociedade. “A violência escolar não é só produto da violência

social”, no dizer de Dubet (1997, p. 228), mas sim, as escolas criam seus sistemas

de opressão de poder e violência, e, por isso, necessitam ser pesquisadas em seu

interior, na sua vida cotidiana.

A imagem que os professores entrevistados têm de parte

significativa dos alunos que freqüentam a escola pesquisada é negativa. Aos alunos

são reservadas características nada animadoras. É interessante lembrar que alguns

autores apontam a necessidade de o professor acreditar no aluno, pois, se não há

por parte dele nenhuma esperança, fica difícil prosseguir com o processo educativo.

Que aluno poderá interessar-se profundamente pelo seu trabalho

quando este é tão fragmentado, desconexo, caótico, ao sabor das mudanças de

atividades e de disciplinas, do ritmo das campainhas, da contínua troca de

professores e dos respectivos temperamentos, das pressas e dos tempos mortos?

Citando Souza (1997, p.139), “a abordagem etnográfica vem se

afirmando enquanto importante instrumento de pesquisa na área educacional na

América Latina.”

148

5.2 A IDENTIDADE DA ESCOLA MARCO

A comunidade escolar se divide em comunidade interna -

professores, alunos e funcionários; comunidade externa próxima - pais e

responsáveis e pessoas que compõem o entorno da escola; e comunidade externa

propriamente dita – toda a população da sede do distrito e de sua área rural. Para

traçar o perfil de uma escola, considero importante entrevistar e observar um número

representativo de pessoas tanto da comunidade interna como da externa, tendo

clareza dos objetivos que os métodos de investigação querem alcançar.

5.2.1 DOS OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Para conhecer e apresentar a identidade dessa escola, estabeleci os

seguintes OBJETIVOS ESPECÍFICOS para a realização da pesquisa de campo:

A - Descrever como a comunidade vê a escola e as relações entre

ambas, especialmente como os alunos vêem os professores e o ambiente escolar;

B - Saber como a escola vê a comunidade e a relação entre

ambas, especialmente como as professoras de língua materna vêem seus alunos do

último ano do ensino fundamental e como visualizam as famílias desses alunos e o

meio em que os mesmos estão inseridos;

C - Verificar a relação entre a teoria sobre leitura proposta pelo

Ministério da Educação, através dos PCNs, e a atividade prática realizada neste

estabelecimento escolar no tocante à formação do leitor.

149

5.2.2 DOS RECURSOS INVESTIGATIVOS

Para atingir os objetivos acima citados, utilizei diferentes

RECURSOS INVESTIGATIVOS para o estudo de caso: a observação, entrevistas e

análise documental. Mais especificamente, os métodos de coleta de dados foram os

seguintes.

� entrevistas estruturadas e semi-estruturadas com a equipe

dirigente da escola e com os líderes da comunidade;

� entrevistas estruturadas com alunos das duas turmas A e B de

oitava série da escola, sendo que essa investigação em loco

deu-se por dois anos (2003 e 2004), foram quatro turmas de

informantes;

� entrevistas com os professores de língua portuguesa e de

oficina do texto das quatro turmas mencionadas acima;

� observação do dia a dia escolar, ministrando aulas como

voluntária em turmas de quinta a oitava série que estavam sem

professor e freqüentando a escola, indo e voltando da zona

urbana para a rural no microônibus que transporta os

professores, participando com eles do intervalo e conversando

nesses momentos de lanche e de viagem;

� freqüentar mais assiduamente a comunidade e a residência de

pais de alunos da escola, funcionários e professores de

primeira a quarta série que residem na comunidade, bem como

dos líderes comunitários.

150

Saliento que essas visitas mais freqüentes não geraram

muito estranhamento, pois apesar de já ter me mudado do distrito há diversos anos,

meu único irmão e toda a família da cunhada continuaram nele residindo, o que

favoreceu para que eu visitasse com freqüência a localidade e participasse de

eventos na comunidade, como aniversários, casamentos, batizados, crismas,

velórios, formaturas.

Por ocasião dessa pesquisa de tipo etnográfico e para retratar a

realidade de forma mais completa, usei uma variedade de fontes de informação:

1 - OBSERVAÇÃO: Focalizei o trabalho desenvolvido pelos

professores de língua portuguesa com as turmas do último ano de ensino

fundamental, para ver se as aulas de leitura eram desenvolvidas tradicionalmente ou

apresentavam criatividade, discussões e principalmente se eram abertas a

mudanças como a adoção do jornal na sala de aula. Este foi o foco para perceber

como se dá a formação do leitor nessa unidade escolar, mas observei a escola como

um todo, como recomendam os estudiosos da área da etnografia escolar.

2 - ANÁLISE DOCUMENTAL: Analisei a proposta pedagógica para

saber se era clara e coerente com o trabalho que estava sendo desenvolvido na

escola, ou se pregava uma coisa na teoria e na prática encontrávamos outra, para

tanto também foi necessário analisar os livros de freqüência, o registro dos

conteúdos ministrados em cada aula de língua portuguesa e oficina de texto dada

para as turmas do último ano do ensino fundamental e como se calculou a nota

bimestral de cada aluno, também procurei verificar se havia um bom entendimento

dos professores de língua materna com relação à Proposta Política Pedagógica da

Escola.

151

3 - ENTREVISTAS SEMI-ESTRUTURADAS (no primeiro ano de

pesquisa de campo, em 2003) e ENTREVISTAS ESTRUTURADAS (realizadas em

2004, a partir das reflexões feitas no ano anterior).

5.2.3 DOS OBJETIVOS DAS ENTREVISTAS

Através das entrevistas realizadas, procurei constatar os perfis dos

alunos, da equipe dirigente e do corpo docente da escola MARCO:

1- O perfil sócio-econômico da comunidade,

2- O perfil sócio-econômico das pessoas que ocupam cargo

de direção e/ou supervisão da escola,

3- O perfil sócio-econômico dos professores de língua

portuguesa de quinta à oitava séries do ensino fundamental da escola MARCO;

4- O perfil da relação da diretora e supervisores com a

comunidade;

5- O perfil da relação dos professores de língua materna

com a comunidade;

6- O perfil da relação dos alunos com a escola;

7- O perfil profissional da diretora e supervisores e sua

relação com a escola;

8- O perfil profissional dos professores daquela unidade

escolar e sua relação com a escola;

9- O perfil didático/motivador da relação professor aluno.

152

5.2.4 DOS OBJETIVOS DOS DEMAIS MÉTODOS DE INVESTIGA ÇÃO

Além de servirem para desenhar os perfis da comunidade escolar,

as entrevistas, as observações e a análise documental também serviram para

alcançar os objetivos abaixo relacionados:

A - Investiguei o nome da escola e suas significações para saber se

os membros da comunidade escolar viam esse nome como decorrente de políticas

educacionais que respondiam pela escola. Verifiquei se havia ou não consciência de

como se deu o processo de escolha do nome da escola, se acreditavam ter havido

algum tipo de participação da comunidade escolar e se consideram essa

participação importante e como a instituição tem reagido às cobranças externas e

aos estigmas.

B - Questionei também como a escola é vista pela comunidade :

como um lugar aberto a todos ou um espaço restrito, onde apenas alguns têm

acesso ao que acontece e podem participar de seu funcionamento. Questionei o

conhecimento que a comunidade tem do processo pedagógico da escola e o grau de

participação na elaboração das atividades desenvolvidas extra classe, como se

revela esse domínio institucional e a existência de tempo morto.

C - Verifiquei se existe uma liberdade para a comunidade estar

presente em todos os eventos e reuniões escolares ou se vão apenas quando são

convidados, se podem ou não acompanhar mais freqüentemente os acontecimentos

escolares; captando as interpretações oficiais e as contradições.

Reafirmo que esta multiplicidade de fontes e de acesso a todos os

grupos que compõem a comunidade escolar deu-se graças à minha condição de ex-

153

aluna e ex-professora da escola, filha de antigos moradores e ex-líderes

comunitários. Este amplo acesso favoreceu a obtenção das conclusões que relato.

5.2.5 DA METODOLOGIA DE PESQUISA DO TIPO ETNOGRÁFIC O E

INSTRUMENTO PARA COLETA DE DADOS

Procurei ferramentas metodológicas que pudessem auxiliar na busca

de respostas para explicar o insucesso do Projeto Cidadania, na escola Marco.

Com respeito às peculiaridades da comunidade-alvo desta pesquisa

optei por fazer um estudo qualitativo, de aspecto etnográfico, uma vez que no

contexto atual da pesquisa escolar, tornou-se menos relevante fazer apenas

análises comportamentais que, basicamente, se limitam a descrever as relações

professor-aluno (ANDRÉ, 1997).

Para este tipo de trabalho, é necessário que se caracterize a região,

a história, os costumes, as crenças, as experiências e as vivências da população

estudada. Assim, a primeira parte deste trabalho consistiu de um estudo

antropológico da comunidade-alvo, uma descrição cultural da mesma, ou seja, sua

caracterização etnográfica (BIONDI, 2001; ANDRE, 1995), de caráter qualitativo

(LUDKE, 1998).

Na segunda etapa, foram levantados dados que permitiram

caracterizar a relação da comunidade-alvo da pesquisa com a escola, bem como a

relação, o grau de integração e comprometimento da escola com a comunidade.

Nos questionários aplicados aos alunos e nos aplicados aos

professores, supervisores e direção ( em anexo), interroguei quem é – na opinião do

154

entrevistado – a pessoa mais importante que mora no distrito, também quem é a

pessoa mais importante para o distrito e ainda qual foi, no passado, a pessoa mais

importante que morou ou ainda mora na comunidade; questionei a origem dos

primeiros moradores e como é composta a população atual; perguntei sobre a

história do distrito, a origem do nome da localidade e seu significado, os folclores ali

existentes, sobre as opções de lazer e qual a atividade mais importante para as

pessoas que moram na região. Todo esse inquérito foi conscientemente elaborado

para traçar os perfis do corpo docente e do corpo discente com a comunidade e,

através desses perfis, visualizar o poder de referência desse grupo social, isto é, a

capacidade que uma pessoa ou um grupo tem de influir sobre outros positiva ou

negativamente.

Finalmente, a terceira etapa deste estudo compreendeu numa

caracterização da relação professor-aluno, na disciplina de língua portuguesa.

Procurou-se avaliar alguns aspectos práticos como adaptações curriculares das

propostas dos PCNs, ferramentas pedagógicas utilizadas pelo professor, dinâmicas

das aulas, motivação, entre outros.

A coleta de dados foi realizada com auxílio de um questionário

contendo perguntas direcionadas ou semidirecionadas (em anexo).

Os questionários foram confeccionados especificamente para três

grupos de elementos dentro da escola: para a direção e supervisão, para os

professores, e para os alunos. Cada um dos três diferentes questionários continha

quatro conjuntos de perguntas. Com o primeiro conjunto de perguntas, procurei

caracterizar o perfil sócio-econômico da comunidade-alvo da pesquisa.

Com o segundo conjunto, busquei caracterizar o perfil sócio-cultural

da população de onde vive a comunidade-alvo. Com o terceiro conjunto, objetivei

155

caracterizar a relação dos entrevistados com a escola local. Com o último conjunto,

quis caracterizar os aspectos didático-pedagógicos da relação entre professores e

alunos daquela escola.

Na segunda parte do questionário, as perguntas foram adaptadas

para o levantamento que permitisse realizar a caracterização etnográfica da

pesquisa, de acordo com o modelo proposto por André (1995).

Nas demais partes do questionário, utilizei o mesmo padrão de

perguntas da análise qualitativa do projeto de pesquisa promovido pela UNESCO/

OREALC - Oficina Regional para Educación en América Latina y Caribe, o qual teve

apoio do CNPq, Finep e PCDT.

Conforme Marconi e Lakatos (1990, p. 86):

Como técnica de coleta de dados, a entrevista oferece várias vantagens: oferece maior oportunidade para avaliar atitudes,, condutas, podendo o entrevistado ser observado naquilo que diz e como diz: registro de reações, dá oportunidade para obtenção de dados que não se encontram em fontes documentais e que sejam relevantes e significativos [...].

Apresento, nos anexos desta pesquisa, os instrumentos elaborados

para a coleta dos dados, a saber: anexo 1 – questionário para diretores e

supervisores, anexo 2 – questionário para as professoras; anexo 3 – questionário

para alunos.

156

6 DOS RESULTADOS, ANÁLISE E DISCUSSÃO

6.1 CONDICIONANTES LOCAIS

6.1.1 BREVE PERFIL DA CIDADE

Em 1924 instala-se em Londrina a Companhia de Terras Norte do

Paraná – CTNP – subsidiária da firma inglesa Paraná Plantation Ltd., pois o governo

estadual vendeu terras para essa empresa privada de colonização para que

promovesse o desenvolvimento do norte do estado. Neste contexto, o inglês Lord

Lovat, da CTNP e técnico em agricultura e reflorestamento, vem para a região para

instalar fazendas de cultivo de algodão. O empreendimento fracassou, devido aos

preços baixos e foi transformado em projetos imobiliários. Como desde o início, a

CTNP concedia títulos de propriedade da terra, não se registram conflitos na área

colonizada. Os terrenos da CTNP foram repartidos em lotes pequenos e as

modalidades de pagamento eram diversificadas, o que estimulou a explosão

demográfica.

Em 1929 chegou a primeira expedição da CTNP ao local

denominado ‘Patrimônio Três Bocas’ e onde foi fincado o primeiro marco nas terras

onde surgiria Londrina (hoje, o Marco Zero localiza-se em frente à rodoviária). O

nome da cidade significa “pequena Londres”. A criação do município ocorreu em

dezembro de 1934 e, a partir daí, Londrina foi se consolidando como principal ponto

de referência do norte do Paraná, desempenhando funções de centro metropolitano.

Em 1943 uma área doada pelos senhores Rui Alves de Camargo e

José Ramos começou a ser loteada, com a função de abastecer com gêneros de

157

primeira necessidade as propriedades da região. Em 21 de dezembro de 1964, o

vilarejo foi elevado a distrito através do Decreto Lei número 4992. O distrito é

formado por dois patrimônios. Quando da abertura da área, a atividade que se

desenvolveu primeiramente foi a agropecuária, iniciando somente em 1952 o plantio

de cafezais. Esta atividade, a exemplo de toda a região, foi de grande retorno e

desenvolvimento financeiro nas décadas de 50 e 60 (IPPUL, 1997, v. VIII, p. 51-52).

Até 1991, existiam 16 municípios paranaenses menores que o

distrito em questão; constata o ‘Plano Diretor Londrina 97’, documento elaborado

pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Londrina – IPPUL, em 1997.

De acordo com esse documento, a área total é de 211,958 km2 e a área sede do

distrito é de 0,46 km2. Os limites administrativos são com outros três distritos de

Londrina e com o município de São Jerônimo da Serra.

O IPPUL (1997) informa ainda que:

A história da colonização dos distritos de Londrina tem em comum o atrativo inicial pelas terras virgens e férteis, além da facilidade de pagamento pelas mesmas, amplamente divulgada pela Companhia de Terras Norte do Paraná, no exterior e no resto do país. Alguns dos distritos acabaram atraindo diferentes tipos de etnias e especialidades, caso que não ocorreu nesse distrito, ao menos no início da colonização. O café foi sua atividade primária, sendo seguida pelo algodão. Como no início a área foi parcelada em fazendas, não havia um ponto distrital constituído, só aparecendo à partir da década de 1940, mais precisamente no ano de 1943, com a doação da área atual do distrito sede. Conforme padrão de evolução dos distritos de Londrina, que pautaram na atividade agrícola sua economia, a década de 1970 foi o ápice de sua população, 4833 habitantes, decrescendo desde então, em função da erradicação da cultura cafeeira (IPPUL, 1997, seção VIII – Distritos, p.VIII – 45).

158

6.1.2 PERFIL DO DISTRITO

O nome dado a esse distrito significa:

“[...] uma espécie de paraíso, que possuí campos lindos com rios límpidos que correm em vales verdes com árvores frutíferas. Neste local vive o lobo guará que tem a pelagem cor de ouro e que brilha ao sol, bem como araras maracanãs que colorem a paisagem.” (SILVEIRA, 2004).

6.1.2.1 RENDA PER CAPITA

O Perfil da Área Rural de Londrina – pesquisa “in loco”, realizada

pela Secretaria do Planejamento da Prefeitura do Município de Londrina, em 1994 –

informa: “Trata-se de população com baixo poder aquisitivo, sendo que 18,2 % das

famílias apresenta renda familiar menor que três salários mínimos, e 3 03% não tem

renda alguma”. Dez anos depois (2004) não constata alteração na renda familiar,

pois a maioria da população continua sendo composta por trabalhadores rurais

temporários (“bóias-frias”), os demais trabalham no comércio do próprio distrito ou

em Londrina (domésticas, diaristas, babás, balconistas, vigilantes, motoristas...).

6.1.2.2 ÊXODO RURAL

Devido à erradicação da cultura cafeeira, graças à forte geada de

1975 que praticamente dizimou com os cafezais da região, os trabalhadores da zona

rural do distrito mudaram-se para área urbana do município ou para a sede do

próprio distrito ou ainda para outras regiões pioneiras, especialmente para Mato

159

Grosso e Minas Gerais, caracterizando o êxodo rural pela saída deste contingente

em busca de emprego. Também, em busca de ensino de segundo grau para os

filhos, muitas famílias mudaram-se da comunidade, pois o segundo grau só passou

a ser oferecido no distrito a partir de 1994.

6.1.2.3 TRANSPORTE

O distrito é ligado à sede do município pela Rodovia Estadual

Benedito Bento dos Santos e à PR-445. O sistema de transporte coletivo do distrito é

efetuado pela empresa de ônibus Francovig, que oferece seis horários ligando o

distrito ao município. Os ônibus estão sempre lotados, salvos nos domingos e

feriados, quando o número e o horário das lotações é alterado.

6.1.2.4 CORREIO

O distrito conta com um posto de atendimento do Correio, trata-se

de uma sala localizada na sub-prefeitura e há uma funcionária da prefeitura

responsável pelo Correio local.

160

6.1.2.5 TELEFONIA

“Em 08 de julho de 1970, o SERCOMTEL – Serviço de

Comunicação Telefônica de Londrina – ativou o Centro Telefônico do distrito, e a

partir de 1990 foi automatizado” (IPPUL, 1997, p.VIII – 50). Antes de 1970 não havia

comunicação telefônica no lugar. De 1970 a 1990, havia um “telefone público” que

funcionava na sala da residência de uma família, como posto telefônico, onde duas

irmãs eram telefonistas/funcionárias da SERCOMTEL e faziam de lá ligação de

quem desejasse e o pagamento era feito a elas e por ligação; além disso, algumas

casas do distrito possuíam aparelho telefônico particular, mas não havia como

telefonar direto para o número desejado, ao levantar o aparelho do gancho, a

telefonista atendia, informávamos o número e ela completava a ligação, com o

inconveniente de só haver duas linhas telefônicas no distrito, ou seja, não mais que

dois telefones do lugar poderiam estar ocupados para que uma terceira pessoa

pudesse telefonar ou receber ligações. Somente a partir de 1990 o sistema foi

automatizado e as duas funcionárias transferidas para o município.

6.1.2.6 LUZ E A COPEL

Companhia de Energia Elétrica do Paraná – que faz a distribuição e

administração da energia elétrica no distrito, no município e no restante do estado do

Paraná, sendo que neste distrito todos os domicílios possuem rede elétrica.

161

6.1.2.7 ÁGUA

O abastecimento de água do distrito é administrado pelo órgão

estatal SANEPAR – Companhia de Saneamento do Paraná – que capta água de um

poço artesiano ali localizado. De acordo com o IPPUL (1997, p.VIII – 49), até outubro

de 1991, todas as edificações do distrito eram abastecidas com água encanada.

Porém, até o momento (2004), o distrito não é servido por rede coletora de esgoto e

o escoamento é feito por fossa.

6.1.2.8 SEGURANÇA

A comunidade possui uma subdelegacia de alvenaria e o governo

estadual mantém dois policiais para manter a segurança da população em caso de

pequenas brigas ou bebedeiras, pois casos mais graves são conduzidos para a

delegacia de Londrina. O subdelegado exerce um cargo não-remunerado apenas

pelo “status” de ser o responsável pela segurança da população; há cerca de trinta

anos o cargo é exercido pela mesma pessoa, um mecânico do lugar.

6.1.2.9 SAÚDE

A Prefeitura do Município faz a coleta domiciliar do lixo. O distrito

tem um posto de saúde localizado na rua principal e outro em um dos seus

patrimônios. Estes postos são mantidos pela Secretaria de Saúde da Prefeitura, com

162

apoio da Universidade Estadual de Londrina – UEL – que cede alguns dos

funcionários, estagiários e um dentista (que atende as crianças da comunidade, e os

adultos, somente para extração de dentes). O posto da sede do distrito foi

implantado em 1972 e até 2004, conta com um único médico, além de um

enfermeiro, quatro técnicos de enfermagem e seis auxiliares de enfermagem.

6.1.2.10 HABITAÇÃO

“Tendo em vista as características sócio-econômicas da população, as construções residenciais do distrito são em sua maioria (56,88%) de madeira, refletindo um padrão médio de habitação. O número de cômodos nas residências é, em sua maioria, bastante pequeno, pois em 45,8 % das construções totalizam 4 ou 5, enquanto a média de pessoas por família é de 3,8” (Perfil da Área Rural de Londrina em 1991. PML, 1994, p. 68).

O distrito possui um conjunto habitacional formado por 72 casas de

alvenaria e é dotado de uma grande área destinada ao Cemitério Público Municipal.

6.1.2.11 ECONOMIA

A base econômica é voltada para a agricultura onde se destacam

lavouras de milho, soja e trigo. Em fevereiro acontece a Festa do Milho que tem

como objetivo ser fonte de renda extra para a comunidade. O setor primário absorve

mais de 60 % da mão-de-obra local.

O setor secundário é inexpressivo naquele local. Não há indústria no

distrito, nem nos seus vizinhos; na década de 90, havia na comunidade um micro-

empresário que, com sua família, produzia água sanitária. A instalação de

163

agroindústrias e a construção de creche são os dois maiores anseios da população

local, conforme observei em conversas informais.

O setor terciário é diversificado e atende às necessidades básicas

do distrito, há um cartório, um salão de beleza, um posto de gasolina, um posto

bancário, um mercado, três açougues, três mercearias, cinco bares – conforme

observei.

6.2 PERFIL DA ESCOLA MARCO

6.2.1 PERFIL DA ESTRUTURA FÍSICA

6.2.1.1 Do quadro funcional

Constatei que o número de profissionais para atender as

necessidades da escola não é suficiente, havendo defasagem no quadro funcional e

pedagógico, mesmo assim acabam alguns profissionais sendo desviados de sua

função para atender as necessidades da escola, tendo professores em função na

secretaria e biblioteca. Esse problema não depende do interesse da comunidade

escolar resolver, depende da realização de concurso público por parte do poder

municipal para solucionar o caso em toda a rede.

Notei uma desarmonia quanto à distribuição de tarefas

desenvolvidas na cozinha; essa distribuição é feita pelos mesmos juntamente com a

direção, a qual dá a eles a liberdade de organização de tudo que será desenvolvido

neste ambiente para evitar descontentamentos na forma de realização do trabalho.

164

Mas mesmo dando esta liberdade de entendimento, eles apresentam

descontentamento nas divisões de tarefas, e isso é percebido há vários anos,

mudam-se as funcionárias (uma faleceu, outra se aposentou, algumas mudaram do

distrito e transferiram-se para outras escolas municipais), mas o problema se

mantém: uma reclama que trabalha mais que a outra. No entanto, o caso não é

específico da escola MARCO pela experiência que tive lecionando em 8 escolas da

rede municipal, o problema é comum a várias.

6.2.1.2 DA SECRETARIA ESCOLAR

No período noturno, não existe atendimento de secretaria, todo o

serviço referente a esta função está sendo executado pela diretora e pela professora

do período para as três turmas que estão sendo atendidas neste horário, sendo

duas de supletivo de 5a à 8a séries e uma de alfabetização de adultos. Dentre as

necessidades deste período está a falta de atendimento pedagógico que deveria

acontecer pelo menos uma vez por semana para atender os alunos da alfabetização

de adultos, mas, até o momento da pesquisa, não haviam recebido esse

atendimento.

6.2.1.3 DA LIMPEZA DO ESPAÇO FÍSICO

A escola tem uma disponibilidade de recursos suficientes para

atender a demanda de alunos que recebe todos os anos, sendo esses recursos

165

utilizados para manutenção e limpeza do espaço, mas também para compra de

materiais escolares que são utilizados pelo professor e pelos alunos de caixa

escolar. Contudo, a limpeza do ambiente não é feita corretamente, deixando a

desejar em todos os espaços escolares, principalmente chamou minha atenção a

limpeza dos aparelhos de TV e armários.

Este serviço é realizado por pessoas que são contratadas por firmas

terceirizadas, as quais passam por um processo de licitação da prefeitura do

município, exclusivamente para a limpeza das escolas. A limpeza é realizada nos

três períodos de aula, mas as condições de carteiras e cadeiras já no momento da

entrada das aulas muitas vezes assusta, pois estão quase sempre empoeiradas,

sujas e rabiscadas.

É importante lembrar que existe uma falta de consciência por parte

dos alunos sobre as questões de limpeza e manutenção das coisas daí também

parte a dificuldade dos funcionários em manterem tudo limpo já que há uma falta de

colaboração por parte dos alunos. Muitas partes da escola, onde a limpeza do

ambiente tem ficado a desejar, necessitam de reformas, principalmente os

banheiros.

6.2.1.4 DA BIBLIOTECA

A biblioteca da escola funciona precariamente, com apenas uma

atendente para os dois períodos (matutino e vespertino), sendo que este

atendimento se carece de qualidade, mas esta precariedade no atendimento não é

de responsabilidade da professora da biblioteca, já que ela tem um padrão de vinte

166

horas para atender dois períodos de aula, dividindo os dias da semana para o

atendimento. Desta forma, são atendidos às segundas e quartas, os alunos de 5a a

8a séries e de terças, quintas e sextas alunos de pré a 4a séries no período noturno

não há atendimento aos alunos. Quanto ao acervo, é constituído por literatura infantil

e juvenil, material de pesquisa, coleções pedagógicas, enciclopédias, jornais,

revistas, romances, etc., estando todos estes materiais sempre à disposição de

todos. Também existe um controle da entrada e da saída dos materiais utilizados

tanto por alunos quanto por professores, e a atendente da biblioteca comenta que

alguns não devolvem o material.

6.2.1.5 DA CANTINA ESCOLAR

Não existe um acompanhamento nutricional específico na escola,

mas sim um cardápio geral para a rede municipal de ensino, não havendo

conhecimento da realidade dos alunos nem conhecimento de suas necessidades

nutricionais por parte da responsável pela elaboração do cardápio. Tampouco existe

um armazenamento adequado para os alimentos, que são colocados em uma

prateleira aberta sem nenhuma proteção. Os utensílios utilizados também não são

armazenados adequadamente, ficando expostos o tempo todo: os copos, pratos e

colheres não são secos e guardados, permanecem no escorredor de louças.

Alimentos, quando chegam das distribuidoras, são empilhados no chão; caixas de

verdura e frutas ficam apenas dentro das caixas sem nenhuma proteção durante

dias.

167

6.2.1.6 O AMBIENTE

De acordo com conversas informais que mantive com diversos

educadores da escola MARCO, os profissionais costumam levar em conta os

componentes afetivos e cognitivos nos processos pedagógicos. Isto pelo fato de

saberem que possuem em sua clientela alunos com muitos problemas de estrutura

familiar, fator que tem grande influência em seu rendimento e aprendizado. Porém,

em entrevistas gravadas com a equipe dirigente (diretora e dois supervisores), os

três dizem que se trata de uma boa comunidade, fácil de se trabalhar. Essas

entrevistas foram realizadas em recinto fechado, estando no ambiente entrevistador-

entrevistado e gravador, permeando essa interação e inibindo as falas, que

considero mais autênticas quando colhidas espontaneamente na convivência

estabelecida no período de observação.

Há uma preocupação revelada por parte da administração escolar

em resgatar valores morais e éticos, principalmente, por se tratar de uma instituição

que tem na sua clientela alunos usuários de drogas, crianças que sofrem

espancamentos e prostituição infantil.

As crenças, dentro da instituição são passadas através de rituais

escolares, na forma de projetos escolares, como, por exemplo, o projeto “Momento

da Oração”, que é realizado na escola todas as segundas-feiras na hora da entrada,

quando, após ser cantado o Hino Nacional, uma pessoa ou uma turma faz uma

oração agradecendo a Deus por mais uma semana e pedindo a Sua proteção para

todos os presentes no local.

Não há aceitação das mudanças por parte da direção em alguns

pontos, pois a mesma procura manter um modelo, um sistema de trabalho que já

168

vem desenvolvendo há quatorze anos, principalmente mudanças relacionadas à

comunidade, ao envolvimento da mesma nas atividades desenvolvidas no ambiente

escolar. A direção parte do princípio de que a comunidade é muito carente e por isso

é influenciada muito facilmente por pequenos grupos políticos existentes no distrito

que são contra a administração escolar.

Constatamos que a autonomia é parcial em todos os setores da

instituição, pois alguém decide fazer algo diferente do rotineiro, mas este algo tem

que passar pela aprovação da chefia pedagógica e administrativa, antes da

execução. A chefia, então, deixa bem claro que só podem ser realizadas atividades

menos comuns mediante aprovação das mesmas.

Da mesma forma, vejo um processo de ensino hierarquizado, onde o

professor, “o chefe”, comanda, e os alunos simplesmente devem aceitar e obedecer

às ordens recebidas. Não existe muita abertura para o diálogo entre professores e

alunos: em alguns casos os alunos não podem nem sair do lugar para apontar um

lápis sem pedir autorização ao professor; já em outras turmas, a bagunça

encontrada e a falta de respeito entre ambas as partes são espantosas.

Três professores da escola MARCO, que trabalham no padrão

primeira à quarta séries, relataram que há turmas onde aluno não ouve o que o

professor tem a dizer, nem o professor sabe respeitar o direito do aluno de ser

ouvido. Percebi essa realidade claramente, quando no mês de março de 2004 fui

voluntária nessa escola, ministrando aulas de leitura em turmas de quinta a oitava

série e cobrindo a “janela” da professora de educação artística que se encontrava

em licença maternidade. Também para mim, que tenho anos de experiência no

ensino fundamental, a indisciplina foi desmotivadora; suponho que, por eles

saberem que a aula prevista seria de educação artística e não de leitura, viam minha

169

atividade como forma de preencher o tempo morto, o que acarretava em

desmotivação e conseqüente indisciplina.

Outra possibilidade, dentre várias, é que, por saberem que não sou

professora da escola, estava ali temporariamente e que as atividades de leitura que

desenvolviam em minhas aulas não valiam nota em nenhuma matéria, sentiam–se

mais à vontade para falar alto com colegas sobre assuntos que não estavam em

pauta ou sair da carteira para produzir conversa paralela em outro canto da classe.

Não foram graves os casos de indisciplina nas aulas que dei para os

alunos da escola MARCO, mas foram freqüentes. Em cada proposta de atividade,

ao menos um aluno por turma perguntava-me: “Vale nota?”. Conversando com os

demais professores no microônibus, todos informaram que ou levam uma atividade

lúdica ou dizem que aquela atividade fará parte da avaliação; são essas as duas

alternativas consideradas eficazes para controlar a falta de disciplina na classe.

Uma professora de Oficina de Texto para uma das turmas de oitava

série contou-me que, em 2003, teve uma turma de quinta série nesta escola para a

qual ela só deu palavras cruzadas, adivinhas, jogos e brincadeiras, pois só assim

aquela turma realizava a atividade e não provocava tumulto, mas a docente sabe

que não conseguiu desenvolver o programa a contento, mesmo a turma tendo sido

aprovada para a série seguinte. O mesmo problema também foi relatado por outra

professora, em relação a uma turma de sexta série.

170

6.2.2 PERFIL DA ESTRUTURA ADMINISTRATIVO-PEDAGÓGICA

6.2.2.1 PROCESSO PARTICIPATIVO NA GESTÃO ESCOLAR

Em sua maioria, o corpo docente da escola MARCO não demonstra

iniciativa em realizar uma gestão democrática, que parta do princípio da participação

em que todos são responsáveis pelo sistema de ensino desenvolvido em seu

ambiente escolar.

De acordo com o que informaram três professores da escola que

são moradores da comunidade e lecionam no padrão primeira a quarta séries, o

relacionamento entre os professores da escola e os diversos setores da mesma são

em sua maioria de boa qualidade, tendo apenas, num quadro de 25 profissionais, 3

que discordam de tudo que é realizado ou discutido, sendo que isso é resultado de

questões políticas e pessoais, entre uma única professora que não simpatiza com a

direção da escola e faz a cabeça de mais duas para criticar todo o trabalho que

estiver sendo desenvolvido pela direção.

Segundo os três informantes acima mencionados, todos esses fatos

fazem com que essas pessoas sejam tratadas diferentemente, já que tudo que é

falado por parte da direção e demais profissionais da escola é usado como

argumento de crítica ou de problema por elas. Havendo, assim, um grande

distanciamento dos membros do corpo docente para com essas pessoas e também

a não aceitação das mesmas em determinadas salas de aula, preferindo a maioria

dos professores ficar sem auxilio do que tê-las nas salas, já que no ano de 2003

estas pessoas estigmatizadas estavam na função de auxiliar de regência.

171

Percebi participação nos processos de decisões, mas quanto à

forma como são tomadas essas decisões, são feitas por setores:

- decisões pedagógicas: professores, supervisores, direção e

secretaria;

- decisões funcionais: porteiros e zeladores;

- decisões nutricionais: merendeiras e auxiliares de cozinha.

6.2.2.2 RIGOR NO PLANEJAMENTO

Neste aspecto, existem pontos positivos e negativos. Existe

participação na hora de se planejar quais as medidas a serem tomadas na escola e

quais os eventos que ocorrerão durante o ano letivo, esse planejamento é

desenvolvido para que todos os professores e funcionários possam saber o que foi

programado para ser feito durante o ano e adaptar-se ao calendário estabelecido,

mas há certa maleabilidade nessa programação, o que considero algo positivo.

Exemplificando, a Prefeitura Municipal estabelece o número de aulas

que deve ser dado, cabendo a cada unidade escolar estipular em qual dia começa e

termina o período letivo, dentro dos meses previstos para esse fim, quais serão os

dias de férias e os recessos, obedecendo ao número mínimo de aulas exigido

portanto, há pequenas variações no calendário de uma escola da rede municipal

para outra. Feito o calendário, o mesmo é enviado para aprovação para a Secretaria

Municipal de Educação, caso não seja aprovado, volta para a escola, a fim de ser

reformulado pelo grupo para que atenda as exigências prévias; sendo aprovado,

deve ser respeitado, e, se houver necessidade de alteração nos dias letivos, a

172

Secretaria de Educação deve ser comunicada (afinal, é uma escola da rede

municipal e parece justo que a Secretaria saiba se ela está funcionando ou não em

determinado dia), e é aconselhável que as alterações não firam a data prevista para

o término do ano letivo. Os professores retornam para a escola duas semanas antes

dos alunos iniciarem o ano letivo, justamente para haver tempo e espaço para o

planejamento anual das atividades.

A escola MARCO programou um recesso em uma sexta-feira de

2004, por ocasião do feriado de Corpus Christi que neste ano será na quinta –feira,

em 10/06. Este calendário é parcialmente flexível, pois, após sua aprovação, pode

sofrer alterações. Em 11/03/2004, durante o intervalo, a diretora avisou aos

professores que bateria o sinal para o encerramento da última aula do dia uns 15

minutos antes do horário normal (essa quinta aula foi de trinta e não de quarenta e

cinco minutos), a fim de que os alunos fossem dispensados um pouco mais cedo, e

os professores se reunissem para decidir se gostariam ou não de participar de

cursos que seriam patrocinados pela Secretaria Municipal de Educação. Salientou

que o curso forneceria certificado, o que conta pontos na avaliação do professor

para subir de nível e aumentar o salário; também que a taxa de inscrição de 150

reais seria paga pela Prefeitura, não gerando despesas para os professores

municipais interessados no curso. No entanto, a escola permaneceria fechada no dia

do curso, e esse dia letivo seria reposto na sexta-feira do recesso (11/06), assim ou

o grupo optaria por fazer o curso e perder o recesso ou não fariam o curso e

manteriam o recesso, o que não seria visto com bons olhos pela Secretaria de

Educação. Não seria possível que uns professores escolhessem uma opção, e

outros a outra, porque a falta de vários docentes no mesmo dia inviabilizaria o bom

funcionamento da escola em duas ocasiões: no dia do curso e no da reposição.

173

Além desse argumento, havia a opção de escolher entre meia dúzia de seminários,

aquele que cada professor desejaria assistir e indicar sua segunda opção. Assim

sendo, chegou-se ao consenso de irem ao seminário e não terem o recesso

anteriormente previsto por ocasião do planejamento anual.

É importante ressaltar que todo o planejamento dos conteúdos

bimestrais, feito no período supra-citado, é, em alguns pontos, desconsiderado já

que percebemos que o mesmo não é acompanhado quanto à sua aplicação, não

existe uma cobrança por parte da direção e da supervisão escolar para que seja

cumprido o que foi proposto nos planejamentos, principalmente no que se refere ao

acompanhamento do trabalho desenvolvido pelo professor em sala de aula

Há uma divisão bimestral de conteúdos, a qual é única para a rede

municipal, e visa o objetivo de facilitar o desenvolvimento e acompanhamento do

aluno quando transferido.

6.2.2.3 PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO

O PPP da escola assume por função social formar indivíduos com

capacidade crítica e reflexiva.

De acordo com os três professores de primeira a quarta, muitos

profissionais não têm interesse algum em trabalhar essa proposta, alguns nem

conhecem o que diz neste documento por não terem nenhum interesse em ter

acesso à mesma. Meus informantes afirmam que é um documento que está sempre

à disposição de todos, mas alguns dos profissionais não sabem nem o que têm

nesta proposta, para que ela serve, o porquê de sua existência e qual sua finalidade.

174

Também não participaram do processo de sua elaboração. Essa fase foi

desenvolvida pelos profissionais da parte administrativa, direção, supervisão e

secretaria.

Os profissionais “se dizem comprometidos” com a transmissão e

reorganização do saber, mas não conhecem o PPP da escola. A proposta política

pedagógica da escola fala de um ideal de educação voltada para o cultivo de valores

identificados com o exercício da cidadania.

A comunidade ainda vê a escola como um espaço responsável pela

memorização dos conteúdos passados, onde o aluno memoriza datas, nomes e

fórmulas, pois na sua época eram esses os conhecimentos exigidos nas provas.

Existe um trabalho de capacitação -previsto no PPP- que é realizado

nas escolas. São os chamados grupos de estudos, que são classificados pelos pais

como perda de tempo por não saberem qual o trabalho desenvolvido nessas

reuniões. Vale ressaltar que, segundo o depoimento de três professores que delas

participam, muitas vezes são reuniões perdidas mesmo, pois, segundo esses

informantes, o supervisor de ensino que é responsável pelo desenvolvimento do

trabalho, prepara os materiais na última hora sem ter objetivos propostos nem metas

a alcançar.

6.2.2.4 DA APM E CONSELHO ESCOLAR

As situações-problema são levadas para o grande grupo em

reuniões de APM e Conselho Escolar, quando são discutidas questões pedagógicas,

administrativas e funcionais. Essas questões normalmente são bem resolvidas e há

175

participação de alguns membros do corpo docente nas reuniões, esclarecendo

determinados pontos que são questionados pelos representantes da APM e do

Conselho Escolar.

Ainda segundo o parecer do trio de educadores que residem no

distrito, tanto a APM como o Conselho Escolar tem, entre seus membros, pessoas

que não têm interesse em resolver os problemas e trazer melhorias para a escola,

mas sim em fazer com que o trabalho da escola seja desmoralizado diante da

comunidade com “fuxicos” e conversas fiadas. Os educadores declaram que,

quando se realizam reuniões para eleição de Conselho, APMs ou qualquer outro tipo

de representatividade escolar, os membros da comunidade não querem fazer parte.

É necessário que sejam convidados perante todos do grande grupo para que às

vezes aceitem participar. Ou seja, um pouco coagidos perante os demais acabam

aceitando por vergonha de negar participação.

6.2.2.5 DO USO DA TV E DO VÍDEO

Em todas as salas de aula da escola MARCO há uma televisão,

embora pequena, ligada em rede, ou seja, da sala da supervisão coloca-se uma fita

de vídeo, e as turmas que quiserem assistí-la ligam a tela do aparelho de sua classe.

Porém, muitas vezes, os meios de comunicação são usados na escola MARCO

como forma de “matação de tempo”, sem uma preparação prévia do material a ser

apresentado. Exemplificando, o professor toma conhecimento do que está passando

no vídeo no mesmo momento em que o aluno está assistindo, fazendo apenas

algumas colocações superficiais sobre o que assistiram, como: “Gostaram do filme?

176

É legal né!? Viram que desenhos legais!?”. Esse tipo de acontecimento é corriqueiro

em algumas turmas de primeira a quarta série, conforme o depoimento de três

professores desse nível de ensino. Pude verificar que o mesmo ocorre no nível

quinta a oitava. Vivenciei a diretora pedindo sugestões para os professores de quais

filmes ela poderia locar para os alunos assistirem sozinhos na sala de aula, no

horário em que não há professor para a turma. Considero louvável a abertura para

sugerir e vários docentes opinaram, também parece melhor assistirem a um vídeo

do que não terem o que fazer no horário, o que facilita tumultos. Mas, fica claro para

todos a função do vídeo nesse contexto: preencher tempo morto.

Os meios de comunicação que poderiam ser utilizados por todos

como forma de aprimoramento ou de esclarecimento dos conteúdos apresentados

pelo professor são utilizados pela maioria como forma de “matação de tempo”. A

comunidade caracteriza este trabalho como uma perda de tempo, para eles o

professor realiza este tipo de atividade para ficar sem fazer nada na escola. Senti

que alguns utilizam tal recurso apenas para passar o tempo mesmo, mas também

existem os profissionais que preparam suas atividades como forma de

enriquecimento ou de ilustração da teoria apresentada, facilitando a compreensão

do aluno sobre determinados assuntos trabalhados.

Alguns professores utilizaram mídia para ilustrar e melhorar sua

aula, mas poucos estão ensinando os seus alunos a analisar criticamente a própria

mídia, deixando de desenvolver no aluno uma visão crítica sobre os diversos

produtos de mídia que lhe são apresentados, de forma que eles possam

compreender os vários aspectos envolvidos em sua produção de significados.

Por exemplo, no Dia Internacional da Mulher, trabalhei em turmas de

sexta e oitava séries, da escola MARCO, a interpretação da música “História de Lily

177

Braun”, composta por Chico Buarque e Edu Lobo, gravada por Gal Costa, explorei a

mensagem de que “depois do beijo no altar/casamento nunca mais

romance/namoro”. Uma das professoras de língua portuguesa da escola entrou na

sala de sexta série na aula seguinte à minha, soube através dos alunos da análise

do texto poético e solicitou que uma aluna da classe fosse me localizar em outra

turma para qual eu estava dando aula, emprestasse a letra da música e a fita com a

canção que ela queria ouvir com a turma na qual eu acabara de sair. Enviei-lhe o

material solicitado, mas julguei tratar-se de puro tempo morto ouvir na terceira aula

texto que recém fora analisado na segunda aula. Neste dia, a referida professora

tinha o seu horário de atividade na quinta aula, assim que entrei na sala dos

professores, onde ela encontrava-se nesse horário e na companhia do supervisor,

ela me questionou sobre “como é forte essa música para trabalhá-la com

adolescentes, acho o vocabulário utilizado na letra da música inapropriado para uma

escola de ensino fundamental”. Justifiquei que com essa música instigo a reflexão

sobre educação sexual e pluralidade cultural, mas não consegui convencer a minha

colega, graduada em Letras, da viabilidade desse texto musicalizado.

6.2.2.6 PAPEL DO CONHECIMENTO DO PROCESSO HISTÓRICO

Não existe conhecimento por parte dos profissionais da escola sobre

o seu processo histórico. O Projeto Político Pedagógico é pobre de informações. É

feito de uma maneira bem resumida dando enfoque a questões legais pelas quais a

escola passou.

178

Na escola é encontrado muito pouco sobre seu processo histórico

pelo fato dela ter sofrido um incêndio no ano de 1996, destruindo todo material

existente.

Os profissionais, em sua maioria, afirmam não conhecerem o

processo histórico da escola e afirmam acreditar que não houve discriminação na

escolha do nome, sendo que nem sabem de onde veio este nome e porquê foi o

escolhido.

A escolha do nome da escola ocorreu em minha residência.

Participei dessa conversa com meus pais. Na época, o meu pai era administrador

distrital, ou seja, o prefeito local, subprefeito em relação ao prefeito eleito para o

município de Londrina, que nomeava alguém de sua amizade para ocupar o cargo

remunerado como servidor público temporário. Era gestão do Dr. Wilson Moreira.

Até aqueles dias, a escolha dos nomes de escolas, praças, ruas ou estradas era

feita arbitrariamente pelo poder público municipal. A partir de então, o prefeito

desejava instalar uma política de atribuição de nomes de moradores das

comunidades para as obras feitas em cada localidade.

Por ocupar o cargo de administrador distrital, meu pai viu-se na

situação (incômoda, na visão dele) de ter que apresentar um nome na prefeitura

para ser o da escola em questão (que na época era bem menor do que nos dias

atuais e tinha minha mãe como diretora nomeada). O casal refletiu sobre o assunto,

chegou a uma conclusão, conversou com a família homenageada para saber se

concordavam, depois convenceu algumas lideranças locais sobre a defesa desse

nome e o indicou para as autoridades. O povo, no geral, não teve voz nesse

processo, nem mesmo toda a comunidade escolar foi ouvida.

179

O nome da escola é uma homenagem a um antigo morador,

comerciante na localidade, um dos pioneiros do lugar, na época já falecido; o que

procuravam era o nome de alguém antigo na comunidade e de vida pessoal ilibada.

Apesar do indivíduo que emprestou seu nome à escola já ser falecido e parte da

família haver se mudado para a zona urbana, foi reconhecido pelas lideranças

consultadas como pessoa digna.

Foi difícil obter informações sobre o processo histórico da

escola, salvo recorrendo à minha memória, a dos meus pais e de outros antigos

moradores. As informações que colhi foram através de relatos de alguns membros

da comunidade. Na escola não existe material referente à sua historicidade, pois, em

1996, toda a documentação existente foi destruída num incêndio.

No período em que minha mãe foi diretora da escola MARCO, ela

preocupou-se em registrar os eventos e organizou um álbum de fotografias, no qual

anotava como se deram os processos de transformação pelos quais a escola passou

ao longo dos anos. Algumas das informações levantadas foram através de relatos

orais de moradores antigos do distrito, como também algumas fotos antigas da

escola, mas no incêndio tudo foi consumido.

Atualmente, os profissionais da escola não sabem nada sobre o

processo histórico da mesma e também não demonstram interesse em saber de sua

historicidade. Se os alunos questionam algo a esse respeito ficam sem resposta. O

descaso com o processo histórico também é observado no comportamento da

grande maioria da população local, que não demonstra interesse em saber algo

sobre isso.

Quando questionados, os moradores afirmam que isso não tem

importância, que o que vale é a criança ter onde estudar, não saber quem foi a

180

pessoa que deu o nome à escola. Isto ocorre porque os pais não entendem a

questão da historicidade que deve ser trabalhada na sala de aula e na vida dos

alunos. O nome da escola costuma trazer significações e intenções que podem ser

políticas e educativas mas que dificilmente são discutidas e analisadas.

No caso desta escola, questionei sobre o significado do seu nome,

tanto na entrevista com os alunos, como com as professoras e também com a

diretora e supervisores, mas ninguém se preocupa em saber o que está por trás do

referido nome; apenas caracterizam como o nome de um morador antigo do distrito,

que, na palavra de muitos membros da comunidade, nada fez pelo local.

A comunidade não tem noção de que um dos objetivos mais

relevantes do conhecimento do processo histórico é a constituição da noção de

identidade. Em razão disso, foi mantida pelos meus pais a mesma estratégia de só

apresentar para algumas lideranças a sugestão do nome de um pioneiro para

designar a praça matriz e a estrada que liga esse distrito a um distrito vizinho. E,

após tantos anos, nenhum questionamento se fez até agora. Porém, apresentei nas

minhas entrevistas estruturadas questões sobre a origem do nome do distrito, seu

significado, a história da localidade, a origem dos primeiros pioneiros, as

personalidades de destaque no presente e em tempos passados, os folclores

característicos dos moradores da região, as opções de lazer para a comunidade...

Com isso, despertei o interesse dos professores de quinta a oitava séries da escola

MARCO de promoverem uma semana cultural com seus alunos para buscarem

respostas para essas questões que tanto alunos como professores e equipe

dirigente dizem não conhecer suficientemente.

181

6.3 PERFIL DOS GESTORES ESCOLARES

6.3.1 DAS INFORMAÇÕES OBTIDAS ATRAVÉS DE LEVANTAMEN TO

HISTÓRICO E OBSERVAÇÃO

Para começar a melhoria nas condições de ensino e aprendizagem,

a administração escolar pode estar mais atenta aos fatores físicos que interferem no

ambiente como ventilação, iluminação, limpeza do chão, das paredes, carteiras,

banheiros... É óbvio que a escola por si só não consegue resolver questões sociais

que nela se repercutem, como desemprego e fome, mas poderia equacionar fatores

internos que favorecem a indisciplina, por exemplo, colocar música no horário do

recreio para que, além de lanchar e ir ao banheiro, o aluno possa relaxar, cantar,

dançar e sentir maior prazer por estar ali. Desta forma, por parte da escola, haveria,

na prática, uma ação concreta de atendimento às cobranças externas.

No caso da comunidade em que realizo esta pesquisa, a atual

diretora ocupa o cargo há doze anos. Ela já era diretora quando a Secretaria de

Educação de Londrina realizou a primeira eleição para diretores das escolas

municipais no ano de 1994. Antes disso, a escolha de quem ocuparia o cargo era

determinada por quem exercesse o papel de Secretário(a) da Educação, sujeito a

pressões políticas dos membros da comunidade, mas com poder para nomear quem

quisesse dentre os professores de toda rede municipal (atualmente formada por

cerca de dois mil educadores) e destituí-lo sem maiores explicações. Por sua vez, a

eleição para direção de uma escola restringia a possibilidade de candidatar-se ao

cargo apenas os professores daquela unidade específica, o que representou grande

182

avanço, pois antes disso quem nunca tinha ouvido falar do distrito era

repentinamente nomeado diretor da única escola do lugar.

Outro aspecto democrático dessa primeira eleição para diretores foi

conceder direito de voto (não de ser votado, mas de votar) a quatro categorias:

professores e funcionários da escola, a alunos com treze anos ou mais e aos pais de

todos os alunos daquela unidade de ensino. No entanto, havia peso nos votos, e

este era diferente para cada categoria, o voto de um docente valia dez vezes mais

do que o voto de um pai.

O certo é que a atual diretora já ocupava o cargo na época, mas não

morava no lugar e não era bem vista pela comunidade, devido a romances que

manteve, porém era a opção de chefia para os professores de quinta à oitava séries.

Estes também não eram da comunidade: viajavam à noite para lá dar aulas e

retornavam juntos (de microônibus) para a zona urbana.

Dentre os membros da comunidade, duas professoras de primeira à

quarta séries se candidataram, dividindo entre elas a maioria dos votos dos pais,

dos alunos e dos funcionários, sendo rejeitadas pelos docentes do ensino

fundamental maior que, possuindo curso superior, não desejavam como chefe

imediato alguém com menor escolaridade: ambas possuíam apenas o magistério em

nível de segundo grau e apresentavam o modo simples de vestir-se, falar e portar-se

como filhas da zona rural que continuavam sendo.

Em razão do peso dos votos não ser paritário, a atual diretora foi

eleita. Esta eleição ocorreu com relativa normalidade em toda rede municipal: não

houve grande celeuma nas mais de setenta escolas que compõem a rede, salvo no

distrito alvo dessa pesquisa. A comunidade, de forma maciça, se uniu e realizou uma

manifestação popular nunca antes vista na história daquela região até os dias atuais.

183

Os pais proibiram seus filhos de irem às aulas enquanto aquela direção fosse

mantida e passavam o horário escolar destinado às turmas de quinta a oitava série

(período noturno) com seus filhos de plantão em frente ao portão de entrada da

escola; gritavam palavras de ordem e vaiavam o microônibus na sua chegada e

saída do colégio. A situação permaneceu assim por dez dias, e era diariamente

noticiada pelos meios de comunicação regionais.

Minha mãe estava aposentada há um mês, depois de ter lecionado

por vinte e quatro anos nesta escola, para o padrão de primeira a quarta série, tendo

sido por cinco anos diretora de primeira a oitava série, sem curso superior, foi

nomeada e destituída no período em que esses atos se realizavam politicamente.

Ela sempre foi bem valorizada pela comunidade local, reconhecida como liderança,

mas sofreu dificuldades com o grupo de quinta a oitava série que não via com bons

olhos na chefia alguém sem curso superior.

Como não teve direito a voto nessa eleição para diretores, por não

se enquadrar mais em nenhuma das categorias de eleitores, ela não quis participar

da manifestação popular. Embora eu não me enquadrasse nessas categorias, tive

uma breve e decisiva participação nesse movimento. Apesar de não morar mais ali

há alguns anos, continuava sentindo-me e sendo vista como membro da

comunidade, pois ia regularmente passar os fins de semana ali na casa dos meus

pais e, com eles, participava ativamente da Igreja Católica local. Na primeira sexta-

feira da manifestação (quinto dia em que a mesma se repetia), a Polícia Militar de

Londrina foi chamada para pôr fim ao movimento e prender as lideranças distritais

por perturbação da ordem pública; nos dias anteriores, o batalhão era chamado para

assistir ao protesto e dar garantias de segurança à diretora eleita, aos professores,

funcionários e alunos que fossem para o colégio.

184

A Prefeitura Municipal insistia em defender a legalidade, mesmo que

esta ferisse a legitimidade, ou seja, havia uma lei municipal regulando o processo

eleitoral, e o poder público não poderia invalidar o pleito naquele estabelecimento

porque o mesmo ocorreu em conformidade com essa lei; além disso, os critérios/

pesos para a eleição da dirigente daquela escola não poderiam ser distintos do

restante da rede. E assim se fez, cansados de não terem voz, pouco a pouco o

movimento esvaziou-se, e os filhos voltaram às aulas. Mas esse processo teve seu

ápice quando o convencimento da comunidade parecia distante, e as autoridades

resolveram conduzir os líderes do episódio para a prisão.

Até hoje, nenhum advogado reside no distrito, apesar de dali já

terem sido formados vários (conheço seis e é, a meu ver, a profissão de maior

prestígio social nessa comunidade). Cheguei no distrito naquela histórica noite de

sexta-feira e fui solicitada por vizinhos que fosse, como advogada, representar a

população local junto à polícia. Assim me portei, apesar dos protestos dos meus

pais. Os policiais se contiveram diante de uma representante da Ordem dos

Advogados do Brasil e ninguém foi preso ou processado. No entanto, a falta de

poder vivenciada por aquela comunidade diante dos rumos da escola local produziu

uma apatia social, uma falta de interesse em participar da gestão da escola e do seu

projeto pedagógico.

Com o passar do tempo, as feridas vão sarando; dois anos depois,

houve a segunda eleição municipal para diretores. Desta vez, o critério estabelecido

pela Secretaria de Educação foi o de negar o direito de votar aos pais de alunos,

provavelmente, para evitar novos problemas somente professores, funcionários e

alunos com idade de treze anos ou mais continuaram tendo direito ao voto. Neste

segundo processo, a atual diretora voltou a candidatar-se e concorreu com uma

185

nova professora. Essa possuía dois padrões na escola (1a. à 4a. e 5a. à 8a. séries), é

professora de educação artística, filha de pioneiros da comunidade, e já havia sido

administradora distrital (cargo de sub-prefeito, ou seja, de prefeito local, sendo este

subordinado ao prefeito do município), nomeada nessa pesquisa pelo pseudônimo

Elvira.

A campanha foi acirrada, com direito a brindes como réguas com o

nome da candidata “Elvira”; acredito que, pelos pais não terem direito ao voto, a

atual diretora “Ana” reelegeu-se. Mas, a partir de então, ela mudou-se com seus

filhos para o distrito, matriculou-os nesta escola e procurou estreitar seus laços com

os moradores. O que causava escândalo público nos primeiros tempos foi sendo

absorvido pela população como questões de interesse particular, e a diretora foi se

firmando como uma das novas líderes distritais (talvez, pela função de autoridade

que ocupa ou por ter demonstrado ser a pessoa forte que é) e nas eleições

seguintes passou a ser candidata única, sendo constantemente reeleita, mesmo

depois que os pais readquiriram direito de voto e havendo a possibilidade de um

candidato único perder para os votos brancos e/ou inválidos, caso em que a

administração municipal nomeia alguém para o cargo.

Quanto a mim, sempre mantivemos um relacionamento amistoso, o

que se manteve e até se estreitou um pouco por ocasião dessa pesquisa de campo,

sem que isso me inibisse de focalizar a vida escolar cotidiana e descrever as

lacunas na formação de nossos estudantes, questionando sua formação enquanto

leitores e cidadãos:

• Sem que ao longo do ano o aluno seja estimulado a leituras é

possível um ensino produtivo?

186

• De que maneira os professores veiculam as descobertas

científicas e notícias do cotidiano divulgadas pelos meios de

comunicação?

• Em especial sobre o Projeto Cidadania da Folha de Londrina,

que papel desempenha a leitura do jornal no planejamento de

conteúdos?

• Os educadores trabalham com conteúdos voltados à realidade

social?

Em busca dessas respostas assisti às aulas para observar como é

construído o conhecimento lingüístico nessa unidade de ensino, se crítica ou

acriticamente.

Este episódio de rejeição da diretora da escola pelos membros da

comunidade, ocorrido nos primeiros anos da administração escolar de “Ana”, está

totalmente superado nos dias atuais. Prova é que ao entrevistar “Ana” e solicitar que

contasse a sua trajetória pessoal e profissional, ela não narra esses fatos, como se

os mesmos não fossem relevantes ao menos em um período de sua trajetória.

Porém, isso poderia ser uma estratégia consciente ou não para negar a importância

dos fatos; prova maior que esse desentendimento foi superado é que, ao entrevistar

as lideranças distritais, NENHUMA mencionou esta história quando solicitei que

falasse tudo o que sentia ou sabia sobre essa escola de ensino fundamental. Mesmo

essa pesquisadora, refletindo sobre a abordagem etnográfica em educação, levou

meses até que lhe viesse à memória como esse dilema sobre o papel da diretora

como agente de ligação entre escola e comunidade foi especialmente crítico no

contexto investigado. Disso, interpreto que a questão está guardada na memória

coletiva como ultrapassada, mas a superação dessa realidade cultural é digna de ser

187

pesquisada. Ao descrever a situação, busco compreendê-la e revelar seus

significados e sua plausibilidade no tocante à psicologia institucional fundamentada

na abordagem sócio-antropológica.

As práticas escolares, analisadas no contexto particular em que se

desenvolvem, além de considerarem as dimensões institucionais que as envolvem,

consideram as dimensões sociais e culturais, como prescreve André (1997).

Portanto, as questões que provocaram impacto no grupo social investigado são

enfocadas nessa pesquisa, apesar do constrangimento ético de expor situações que

envolvem até a sexualidade de membros da comunidade e colaboradores dessa

pesquisa. Uma abordagem etnográfica deve revelá-los para discutí-los com base em

uma sustentação teórica que favoreça a resolução das causas de malogro no

contexto escolar e cultural pesquisado. Para a compreensão da realidade da escola,

a rede de interações que constitui a experiência escolar diária é mostrada, e a

participação da direção da escola fundamental do distrito alvo dessa tese é inegável

nessa rede. Por ela estar à testa da unidade escolar, interessa verificar como os

olhos da comunidade voltam-se para ela, porque é algo relevante para a

compreensão das relações que constituem a prática pedagógica experimentada

naquele ambiente.

Como a conduta de um atua na conduta do outro de forma

intencional ou não, ao passar a ter uma vida afetiva discreta, a diretora passou a

gozar de aceitação pela comunidade.

O passar do tempo também motivou essa aceitação de “Ana” pela

comunidade do distrito alvo dessa pesquisa. Como acontece em todo processo de

interação, também se observa, na cultura organizacional um universo simbólico

188

composto por valores, crenças, histórias e rituais que com o passar do tempo, vão

ganhando novos contornos.

Em detrimento da interação do aluno com os conteúdos escolares e

com a realidade social analisada na escola, consome-se o tempo de sala de aula

com questões de indisciplina ocorridas na própria aula, no pátio e nas imediações da

escola. Em uma das observações que fiz na escola MARCO, vi todos os alunos de

quinta a oitava série perderem 35 minutos da primeira aula de uma segunda-feira

para ouvirem sermão sobre indisciplina no ônibus escolar que transporta os alunos

de um patrimônio para a sede do distrito e também em virtude de uma briga ocorrida

entre os alunos na sexta-feira anterior e fora da escola.

A diretora reuniu todos os alunos, em fila, no pátio da escola e

chamou todos os professores para permanecerem ao seu lado, diante do mastro da

bandeira. Então, discursou sobre “ordem e progresso”. Comunicou a todos que o

motorista do ônibus tem reclamado muito da bagunça que os alunos fazem, não há

lugar para todos viajarem sentados e uma minoria precisaria permanecer sem

assento, mas praticamente todos os adolescentes optam por viajarem em pé e se

pendurarem no ônibus, caindo uns sobre os outros em cada curva. Ela assegurou

que, se a algazarra continuasse, solicitaria à prefeitura que cortasse o transporte

escolar, deixando os alunos sem condições de irem para a escola, pois “ônibus é

para transportar gente e não um bando de animais que nem sabem se comportar.

Entenderam?” E, todos os alunos responderam em coro “Sim”. “Estamos

conversados?” “Sim”. Mas, ao meio-dia, na saída da aula, a diretora entrou no

ônibus escolar e tornou a repetir a ameaça infundada, já que a mesma não possui

condições legais de ser colocada em prática.

189

A questão que se coloca diante da situação relatada é se o método

do sermão constitui ferramenta eficiente para enfrentar a problemática disciplinar. Se

sim, por que precisou ser repetido no mesmo dia, por ocasião do término das aulas e

antes que uma nova viagem se iniciasse?

O sermão, provavelmente, conseguiu ocasionar um mal-estar

generalizado. Por ser desagradável ouvi-lo, todos passarão a se esforçar para não

dar motivos para que o mesmo se repita? Não! De tempos em tempos a metodologia

se repete, o que revela a sua pequena eficiência para a conscientização do público-

alvo sobre o sentido da disciplina, apesar disso, restaram apenas dez minutos para

a primeira aula.

Analisar a realidade através de uma pesquisa sobre o transporte

escolar ou palestra sobre ‘transporte com segurança’, seguido de um debate coletivo

sobre o assunto, parece-me mais eficaz para despertar o desejo de mudança de

atitude, pois o compromisso de colaborar para construir uma realidade diferente vem

mais da conscientização do que do medo de uma ameaça que nunca é colocada em

prática e se resume a um discurso, mesmo que estigmatizador. Acredito que o

problema deva ser enfrentado; compete à direção da escola encontrar meios para

superá-lo, mas como a grande maioria dos alunos do distrito não vem do Patrimônio,

não freqüenta o referido ônibus escolar, para eles, permanecer em pé, carregando

seus materiais perfilados por mais de meia hora para ouvirem reclamações sobre

seu mau comportamento no ônibus constitui tempo morto.

Entretanto, além da questão do transporte, todos foram informados

que a direção não admitirá brigas entre os alunos nos arredores da escola, como

havia corrigido na última sexta-feira e que os pais dos dois briguentos haviam sido

chamados à escola, para tomarem ciência de que “ou os filhos aprendem a

190

obedecer e se comportarem ou procurem outra escola, no caso a mais próxima fica

a sete quilômetros e, com certeza, não vão querer aluno transferido por indisciplina”-

alertava a diretora. O pai e a mãe do aluno “menos briguento” atenderam à

convocação da escola, ouviram o sermão que a diretora dizia a todos e, a seguir,

conversaram em particular com ela e com o aluno que brigou com o filho deles. Este

aluno é considerado “o mais violento da escola” e os pais dele não atenderam às

convocações da instituição escolar.

No caso da escola MARCO, a indisciplina nunca atingiu proporções

mais violentas como porte de armas, explosão de bombas, arrombamentos e outras

manifestações mais graves como sabemos que ocorre em grandes centros urbanos

como, por exemplo, nas favelas cariocas. Nossa realidade é menos grave, mas se

manifesta através de dispersão, conversas paralelas, falta de participação na aula,

desinteresse, carteiras riscadas e pintadas com líquido corretor, escritos nas

paredes, brigas, respostas irônicas, querem ir toda hora ao banheiro, saem ao

corredor assim que toca o sinal mesmo quando o professor ainda está falando, entre

outras atitudes que revelam que esses alunos se vêem obrigados a estarem na sala

de aula sem entenderem o para quê estarem ali, sem perspectiva presente ou futura.

E a metodologia do sermão, quando muito, pode conseguir passividade, mas o

autoritarismo não é suficiente para desencadear a conscientização da comunidade

educativa. Para combater a indisciplina, demonstrada quer por alienação ou por

agressividade, é preciso acabar ou diminuir com o tempo morto, e isso exige

adequação curricular (para dar sentido às atividades desenvolvidas na escola, torná-

las significativas, envolventes, participativas) e intervir na ordem afetiva dos sujeitos,

valorizando o relacionamento interpessoal.

191

6.3.2 INFORMAÇÕES OBTIDAS A PARTIR DOS SUJEITOS

O corpo administrativo da escola MARCO é formado por um homem

(supervisor) e uma mulher (diretora); ambos com idade entre 40 e 49 anos; possuem

nível superior, obtido em curso presencial/semipresencial ou semipresencial/final de

semana. Ele fez especialização na área de educação; ambos tiveram atividades de

formação continuada.

Trabalham há mais de 20 anos na área de educação e têm

experiência didática de mais de 15 anos. Ambos já trabalharam em outras escolas,

todas da rede pública; sendo que a diretora trabalha nos 3 turnos, e o supervisor

trabalha pela manhã e à tarde. Ele exerce outra atividade profissional fora da área

de educação: comércio de roupas. Fora da escola, ele afirma dedicar cerca de 4

horas/semana às atividades escolares.

Ambos ganham mais de 1441 reais como professores e apresentam

rende familiar bruta superior a 2161 reais.

6.3.2.1 RELAÇÃO COM A COMUNIDADE

O supervisor nasceu no distrito, sendo que ambos, supervisor e

diretora, afirmam conhecer a história do mesmo, assim como a origem e o

significado do nome do lugar. Em suas perspectivas, a população é composta na

sua maioria por brancos, sendo os moradores de origem principalmente portuguesa

e também de italiana.

192

Quando perguntados sobre a pessoa mais importante do distrito,

afirmam ser todos iguais e importantes; não souberam ou não quiseram indicar um

personagem importante do passado do distrito e nem apontam um personagem

atual de importância para a comunidade. Considero que conhecer o perfil sócio-

histórico da comunidade seja pré-requisito para o alcance dos objetivos propostos

pelas atuais políticas educacionais.

Como opção de lazer, citam a praça de esporte, bares, lanchonetes

e campeonatos locais, o jardim da praça da matriz; além de festas promovidas por

amigos, pela igreja, pela escola. Como proposta para melhoria apontam a

construção de um clube social.

Na opinião desta pesquisadora, a comunidade não poderia arcar

com a construção e/ou manutenção de um clube. Além disso, para uma comunidade

com o perfil deste distrito, considero que uma outra proposta mais inclusiva teria

melhor efeito, como é o caso da Festa do Milho promovida na comunidade. Tanto a

diretora como o supervisor conhecem as festas: do milho, da primavera e junina.

Ambos afirmam que a escola costuma promover festas e/ou eventos, e que os

alunos às vezes ajudam na organização, mas nem sempre.

Quando perguntados sobre qual atividade, em sua opinião, é a mais

importante para os moradores do distrito, um afirmou que todas têm importância e o

outro não respondeu. Uma vez que o distrito apresenta características basicamente

rurais, considero a agroindústria como a atividade mais importante para a população,

sendo este um ponto norteador do plano pedagógico da escola.

193

6.3.2.2 RELAÇÃO COM A ESCOLA

A diretora e o supervisor afirmam que a escola é bem cuidada (o que

se opõe à visão dos alunos) e é um lugar seguro, sendo que nunca sofreram, nem

viram ninguém sofrer violência na mesma (o que também se opõe à visão dos

alunos); ambos afirmam, entretanto que a escola já foi roubada, depredada e não

tem guarda ou vigia. Na visão de 81 % dos alunos, essa escola não é bem cuidada

e para 77 % deles ela não é um lugar seguro, 85 % afirmam ter visto alguém sofrer

agressão (citam agressão verbal).

Com relação aos recursos pedagógicos disponíveis na escola, citam

fitas de vídeo, jornais e revistas informativas, livros de consulta para os professores,

livros de leitura, livros didáticos, retroprojetor, mimeógrafo; computador, menos

internet, pois não tem, mas acham que é importante como recurso pedagógico.

6.3.2.3 CAUSAS DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

O quadro três, a seguir, resume as opiniões dos dois gestores

entrevistados, quanto às possíveis causas das dificuldades dos alunos, ou fatores

interferentes que mais prejudicam o processo de ensino-aprendizagem.

Ao se observar os resultados, a informação que imediatamente se

destaca refere-se à opinião divergente dos dois entrevistados, que aponta uma visão

diversa dos problemas da escola, a qual poderia ser conflitante no processo de

gestão, caso ambos se mostrassem motivados para defender seus pontos de vista.

194

Os gestores afirmam estar relacionado às dificuldades de

aprendizagem: a falta de infra-estrutura da escola, a inadequação do currículo e o

não cumprimento do mesmo. O currículo é inadequado, mas não é cumprido! ?

Estas incoerências passam despercebidas pelos entrevistados. A quem se deve a

responsabilidade de elaborar o projeto pedagógico e promover as adaptações

curriculares necessárias à clientela? Observe as concordâncias e discordâncias de

opiniões entre a direção e a supervisão da escola MARCO.

Quadro 3. Possíveis causas das dificuldades de aprendizagem dos alunos, segundo a opinião da diretora e do supervisor.

Possíveis causas dos problemas de aprendizagem na ótica da diretora e do supervisor

Concordo Discordo

São localizadas na escola devido à carência de infra-estrutura física e/ou pedagógica

X X

Estão relacionadas aos conteúdos curriculares que são inadequados às necessidades dos alunos

X

São decorrentes do ambiente de insegurança física da escola X

Encontram-se na escola que oferece poucas oportunidades de desenvolvimento das capacidades intelectuais do aluno.

X X

Estão relacionados ao não cumprimento do conteúdo curricular X

Relacionam-se à sobrecarga de trabalho do(as) professores(as), dificultando o planejamento e o preparo das aulas

X X

São decorrentes da indisciplina dos alunos em sala de aula X X

Ocorrem devido ao baixo salário dos professores que gera insatisfação e desestímulo para a atividade docente

X X

Originam-se no meio em que o aluno vive X

São decorrentes do nível cultural dos pais dos alunos X X

Estão relacionadas à falta de assistência e acompanhamento da família nos deveres de casa e pesquisas dos alunos

X

Ocorrem devido à falta de aptidão e habilidades do aluno X X

Ocorrem devido ao desinteresse e falta de esforço do aluno X

Estão vinculadas à baixa auto-estima dos alunos X

195

Os gestores, de acordo com o quadro acima, responsabilizam

também o próprio aluno por seu fracasso escolar: por seu desinteresse, pelo meio

em que vivem, por sua baixa auto-estima, baixo nível escolar dos pais etc., do ponto

de vista psicológico, fica clara a visão estigmatizada que a direção da escola tem de

sua clientela.

6.3.2.4 MOTIVAÇÃO PROFISSIONAL

Ambos afirmam estar satisfeitos com a profissão e pretendem

continuar nela enquanto forem fisicamente capazes; não pretendem mudar de

escola e estão satisfeitos com o salário; nunca sentem desânimo; se pudessem

voltar atrás fariam a mesma coisa; e aprovariam se seus filhos optassem pela

mesma área profissional. Têm, no geral, uma posição bastante positiva em relação à

profissão (questões de 71 a 92, do anexo 1).

Desses depoimentos, posso concluir que os profissionais que

ocupam o cargo de direção e supervisão da escola Marco apresentam o perfil de

sujeitos motivados com o seu exercício profissional. Porém, apesar do grau de

disposição de ambos ser enunciado como favorável, eles não possuem a mesma

intensidade: um se mostra totalmente seguro e o outro apresenta/confessa ter um

pouco de insegurança.

A informação que mais ressalta no quadro quatro, provavelmente,

esta relacionada à necessidade de qualificação da mão-de-obra administrativa. O

resultado sugere que a diretora e o supervisor não possuem uma noção muito clara

do papel da gestão no processo de ensino-aprendizagem.

196

6.4 PERFIL DOS PROFESSORES

6.4.1 OS PROCESSOS DE ENSINO E APRENDIZAGEM

O corpo docente da escola MARCO considera que os problemas

sociais que interferem na aprendizagem escolar estão ligados à violência

manifestada no ambiente escolar e familiar, ao uso de drogas, além dos problemas

físicos e cognitivos.

Quanto às relações entre escola e comunidade, observei que há um

livre acesso a qualquer pessoa, quando assim desejarem. Mas raramente existe

uma cumplicidade nos trabalhos desenvolvidos e nas decisões tomadas.

Não existe uma cumplicidade no planejamento de tarefas e eventos

tanto por parte da comunidade como da escola. Isso é algo que raramente acontece.

A comunicação existente entre ambas é quanto às datas de alguns eventos apenas

pelo fato de não serem marcadas no mesmo dia.

O trabalho da direção é visto como ponto de referência para alguns,

mas também de descontentamentos por um pequeno grupo existente neste

ambiente. Ao nosso ver, a escola só é vista como progressista no âmbito material,

quer dizer, o que interessa são construções e tecnologia; o modelo seguido ainda é

o tradicional, autoritário, onde todo sistema é imposto por suas chefias.

Vale destacar que isso não ocorre apenas dentro dessa escola,

porém toda escola deveria cumprir sua função social e, infelizmente. muitas não

conseguem sequer construir uma identidade democrática.

Trata-se de uma comunidade na sua maioria carente, de baixa

renda, que tem um índice de violência que muitas vezes é levada para o ambiente

197

escolar através de conflitos entre pais, roubos efetuados por irmãos de alunos da

escola ou até mesmo dos próprios alunos.

Penso que muitas das dificuldades de aprendizagem que são

atribuídas aos alunos se devem ao fato dos profissionais não buscarem diversificar

suas formas de ensino. Vale destacar que, mesmo existindo uma grande variedade

de materiais didáticos para serem utilizados, muitos professores não sabem nem

onde eles estão, por não trabalharem com metodologias variadas, utilizando sempre

a mesma maneira de ensinar.

O trabalho desenvolvido pelo professor -seja ele coerente ou não

com as dificuldades apresentadas pelos alunos - não é avaliado nem questionado,

pois não existe acompanhamento pedagógico, não por não haver um supervisor de

ensino que possa acompanhar e alicerçar o trabalho do professor de primeira a

quarta séries, mas por ele não desenvolver seu trabalho com competência, na

avaliação dos informantes/ três professores desse padrão. Também no nível quinta a

oitava há, em cada escola, uma professora que ocupa a função de auxiliar

pedagógica. No caso da escola MARCO é a professora denominada nessa pesquisa

pelo pseudônimo de Elvira. E, seu trabalho deixa muito a desejar na visão de seus

colegas (informantes dessa pesquisa).

O professor se vê como alguém que é cobrado por todas as partes,

mas que também é sobrecarregado de funções que não são suas, como, por

exemplo, encaminhar alunos ao posto de saúde. Existe por parte de alguns

professores a concepção de que são necessárias mudanças nos processos

metodológicos para que haja uma melhora no desenvolvimento dos alunos, pois

existem conteúdos da proposta pedagógica da escola que não estão de acordo com

198

os PCNs, e, alguns atribuem a esse fator a possibilidade de falhas no processo de

ensino

Algumas pessoas da comunidade questionam a quantidade de

conteúdos ensinados aos alunos no decorrer do ano letivo, afirmando ser muita

informação e pouco conhecimento.

A partir das reflexões que realizei sobre o processo de

transformação pelo qual a escola passou, desde os tempos de sua criação até os

dias atuais, identifico como os dois maiores problemas locais a carência de

empregos e a falta de uma creche para as mães deixarem seus filhos menores de

seis anos para virem trabalhar na zona urbana ou na própria área rural do distrito.

Dos professores que serviram de informantes para esta pesquisa,

três atuam em nível de primeira a quarta série e são evangélicos; segundo eles,

muitos dos trabalhos religiosos são feitos com representantes de igrejas

evangélicas, e ainda, na visão deles, isso se deve ao fato de a igreja católica estar

sempre em conjunto com forças políticas ao invés de se preocupar verdadeiramente

com o processo de desenvolvimento social e intelectual das pessoas da

comunidade. Muitos membros da comunidade admitem essa junção política e

atribuem esse fato às necessidades que a igreja tem de parcerias nas suas

atividades, e deixam clara a importância dada às questões econômicas (ações

assistenciais) ao lado das questões espirituais.

A comunidade responsabiliza os educadores pelo fracasso escolar,

e esses, por sua vez, responsabilizam os alunos e suas famílias. Alunos se

reconhecem sem interesse e causadores de problemas de disciplina, sem que

nenhuma das partes busque pelo diálogo manter uma convivência mais harmoniosa.

199

Existe uma colaboração de uma certa maneira passiva por parte da

comunidade no processo educativo do aluno, faltando à mesma uma atitude um

pouco mais ativa de forma a enriquecer a educação como processo de formação

cidadã e não visualizando apenas o produto final da aprovação ou reprovação.

A comunidade limita-se muitas vezes a enviar os educandos à

escola e deixar a tarefa de ensinar apenas para os professores.

As professoras entrevistadas apontam a pequena influência dos

fatores genéticos, hereditários e constitucionais, relacionados aos fatores

ambientais/meio social, como tendo contribuição decisiva na constituição da

personalidade. Reconhecem que, apesar dos seres vivos serem semelhantes aos

seus antepassados por herdarem características dos genes dos ancestrais

(genéticas), nunca serão idênticos um ao outro. Admitem que, apesar da

hereditariedade influir na constituição de cada ser (por exemplo: na cor dos olhos e

do cabelo, na forma do nariz, etc), o comportamento das pessoas sofre influência do

ambiente. Afirmam que a inteligência de um indivíduo se desenvolverá dependendo

das oportunidades educacionais fornecidas pelo meio em que ele vive; em outras

palavras o ambiente sócio-cultural pode favorecer ou não o desenvolvimento de uma

capacidade.

Casos, como ter rubéola na gestação podem resultar em algum tipo

de deficiência evidente (auditiva, visual, locomotiva...) complicam a aprendizagem do

sujeito no que se refere ao aspecto afetado (para ouvir, ver ou andar,

respectivamente), e exigem um processo evidente de adaptação do deficiente para

ser inserido em escolas não especiais e modificações da escola para acomodar-

se/adaptar-se a ele, favorecendo o seu processo de aprendizagem. No entanto, o

sujeito tido como normal não apresenta características físicas e mentais

200

estereotipadas como as marcadas no organismo de quem sofre alguma deficiência

física e/ou mental, mas pode sofrer de um déficit sócio-cultural que o leva também a

ter e sofrer condutas estereotipadas. As atitudes são adquiridas e resultam das

experiências dos indivíduos com pessoas que lhe são significativas; assim sendo, os

grupos que influenciam o indivíduo irão predispô-lo, favoravelmente ou não, para

tornar-se um leitor (por exemplo).

Desta forma, a personalidade do professor reflete nas atitudes do

aluno, pois o que o professor é (e não o que diz ser) e o que ele sente sobre as

pessoas e situações do ambiente escolar, podem favorecer ou dificultar o gosto pela

aprendizagem, predispor para o estudo/a pesquisa/a leitura ou agir no domínio

emocional, provocando repulsa por determinadas coisas, dentre elas a leitura.

Mesmo que o professor, conscientemente, queira provocar atração para o ensino

que realiza, suas atitudes podem levar à rejeição de sua pessoa e,

conseqüentemente, do ensino que realiza. Pois, se o educador rejeita seus alunos

por estigmatizá-los pelo déficit sócio-cultural dos educandos, dificilmente será bem

aceito por eles e a interação torna-se difícil/embaraçosa.

Para contribuir, apresento como sugestão para alterar a situação de

malogro verificada na escola MARCO no tocante à formação de leitores que o corpo

docente se empenhe mais em captar a atenção dos estudantes, dizer-lhes o porquê

de estudarem cada conteúdo e produzirem nos alunos a auto confiança. Posto que

motivar equivale a despertar o interesse, é preciso saber quais os interesses que o

aluno tem; para tanto, basta conversar com eles e ouvir as perguntas que fazem,

além de fornecer oportunidades para que eles relatem experiências que já viveram e

favorecer novas experiências, por exemplo, respeitando seu gosto musical e

ampliando-o.

201

Pelo que observei na escola MARCO, nas aulas de Língua

Portuguesa e Oficina de Texto surgem os maiores “problemas de comunicação”,

pois não percebi, no grupo de alunos, o conhecimento de que sabem o porquê as

professoras de língua materna ensinam o que ensinam, salvo para avaliação/nota.

Os adolescentes possuem um acúmulo de energia para agir e, diante da sensação

de tempo morto, sentem frustração e a manifestam através da indisciplina. Se os

conhecimentos fossem integrados com as situações de vida, conforme orientam os

PCNs, poderiam despertar maior interesse nos alunos. Percebi no grupo de alunos

da escola MARCO grande preocupação com o rendimento escolar (freqüência e

nota), mas certa dificuldade de concentração e insegurança para manifestar opiniões

pessoais nas interpretações de texto.

Se o professor continuar à mercê do ambiente sócio-cultural, a

vulnerabilidade pedagógica é enorme; é fundamental possibilitar a valorização do

eu/autoconceito que rompa com o sentimento de menos valia, e isso se dá pelo

respeito dispensado ao aluno. É preciso tratá-lo com dignidade, ouvindo suas

dúvidas, interesses, reclamações e buscando resposta para as mesmas sem que o

aluno se envergonhe do tipo de pessoa que ele é (adolescente, pardo, de meio rural,

etc).

O malogro na formação de leitores não pode continuar sendo

passivamente aceito como decorrência automática do perfil sócio-econômico da

comunidade e do perfil da relação dos alunos com a comunidade, porque este

malogro se relaciona com o perfil da relação dos alunos com a escola e,

principalmente, com o perfil didático/motivador da relação professor – aluno.

202

6.4.2 DO PLANEJAMENTO QUINZENAL

Há um trabalho de capacitação desenvolvido na escola para

professores de primeira a quarta série sobre assuntos referentes ao processo de

ensino aprendizagem, que é realizado quinzenalmente. Segundo três dos

professores envolvidos, quando bem planejado, com objetivos pré-determinados,

dão subsídios ao trabalho docente, mas algumas vezes é feito de última hora, não

tendo aproveitamento.

Para o grupo de educadores de quinta a oitava série, uma vez por

semestre a Secretaria Municipal de Educação costuma oferecer algum seminário ou

oficina pedagógica, de um ou dois dias, mas todos os professores são remunerados

por horas atividades que cumprem na escola. Essas horas atividades, apesar de

serem poucas, representam tempo para planejamento de aulas, correção de

atividades individuais ou tempo para leitura, estudo de algo do interesse ou

conversar em particular com a administração escolar.

6.4.3 DA AVALIAÇÃO DO ALUNO

Conforme o depoimento de três professores de primeira a quarta

série, a avaliação da aprendizagem geralmente é feita através de provas escritas,

individuais e sem consulta, de forma tradicional. Por sua vez, no padrão quinta a

oitava série, através da consulta aos registros feitos nos livros de chamada,

constatei que os docentes realizam várias atividades avaliativas durante o bimestre e

203

somam esses pontos para formar a média bimestral de cada aluno. Participação vale

nota, e nota é o principal motivador para a manutenção da disciplina.

Também são consideradas pela comunidade como insuficientes e

inválidas algumas formas de avaliação utilizadas pelos professores, e estas são

acompanhadas por muitos pais que vêm à escola questionar o porquê de seus filhos

terem sido avaliados desta forma e também para saber o que estava sendo avaliado

em um determinado trabalho. Quando solicitados para comparecerem à escola,

devido ao comportamento dos filhos ou por outro assunto, alguns não comparecem,

mas a nota é mais importante do que a aprendizagem também para alguns pais.

A maioria das avaliações é feita de forma tradicional, e muitos pais

apóiam este modelo de ensino, pois acreditam que dá mais resultado do que através

de trabalhos ou atividades em grupo.

6.4.4 INFORMAÇÕES OBTIDAS ATRAVÉS DOS SUJEITOS

6.4.4.1 PERFIL SÓCIO-ECONÔMICO DAS DOCENTES

As três professoras que trabalham na escola MARCO com língua

portuguesa e/ou oficina de texto possuem um perfil profissional semelhante e

características pessoais aproximadas, portanto os três perfis não são muito distintos

entre si.

São pessoas do sexo feminino, todas possuem cerca de quarenta

anos, as três fizeram curso de pós-graduação em nível de Especialização, sendo o

curso presencial e com carga horária mínima de 360 horas. Todas participaram de

204

alguma atividade de formação continuada nos últimos dois anos e são experientes:

duas lecionam há quase vinte anos e uma há nove anos.

Duas docentes são brancas e uma é negra. Esta professora negra

está na escola há menos de um ano, ou seja, a partir do início do ano letivo de 2004;

a outra professora passou a compor o corpo docente dessa escola há um ano e

alguns meses, isto é, desde o início do ano letivo de 2003; a terceira docente

trabalha nesta escola há oito anos.

As três educadoras lecionam também em outras escolas, portanto

possuem mais de um turno de trabalho, sendo que duas delas trabalham em três

escolas e todas dão aulas exclusivamente na rede pública. Duas educadoras

ministram cerca de quarenta horas-aula por semana e uma delas ministra mais do

que esta carga. Nenhuma delas exerce, além do magistério, outra atividade que

gere renda. Todas possuem o salário bruto superior a R$ 1.441,00 e a renda bruta

familiar superior a R$ 2.161,00. Esses limites referem-se à média salarial de

professores que possuem formação superior e trabalham com o ensino fundamental,

de acordo com o que informa a pesquisa do CNTE (Confederação Nacional dos

Trabalhadores em Educação, 2001), utilizada como referencial para a elaboração da

de ferramenta de levantamento de dados.

Distinguem-se quanto às horas semanais dedicadas, fora da escola,

às atividades relacionadas ao trabalho docente, como correção de provas e

trabalhos ou leituras complementares. Aquela que possui maior número de horas-

aula (mais de 40) é a que tem menor tempo para se dedicar às atividades

relacionadas ao trabalho docente e realizadas fora da escola; lecionando nos três

turnos, sendo que esta professora W afirma gastar de 4 a 8 horas por semana com

205

essas atividades profissionais executadas fora da escola; ela diz dedicar 4 a 8 horas

semanais para o planejamento de aulas.

Suas duas colegas da escola MARCO - que trabalham por dois

turnos e possuem o horário noturno livre - afirmam dedicar mais horas ao trabalho

docente realizado fora da escola: uma gasta de 8 a 12 horas semanais, sendo que

só para o planejamento das aulas gastaria 8 horas ou mais por semana.

Não podemos garantir que as afirmações correspondam à realidade

ou ao desejo de assim proceder, mas vemos uma relação lógica entre a sobrecarga

de trabalho e o pouco tempo disponível para o planejamento de aulas e

desenvolvimento de outras atividades relacionadas ao trabalho docente.

6.4.4.2 RELAÇÃO DOS PROFESSORES COM A COMUNIDADE

Quanto ao perfil da relação dos professores com a comunidade fica

evidente o desconhecimento docente da realidade da comunidade. Várias respostas

são deixadas em branco, e outras são respondidas através de termos como “ignoro”

ou “desconheço”, e isso ocorre não só com as duas docentes que estão há pouco

tempo na escola como também com a professora que ali leciona há oito anos.

Elas não sabem a origem do nome do distrito, nem o significado do

nome da localidade, afirmam desconhecer a história do distrito e não saber a origem

dos primeiros moradores do lugar. Não conhecem nenhum folclore contado na

região, e todas ignoram os nomes de personalidades que são importantes para o

distrito atualmente ou já foram no passado.

206

Nem mesmo como é composta a população quanto à etnia elas

souberam responder. A professora W deixou essa questão em branco; a professora

X enumerou de forma absurda, revelando que não soube ler o enunciado ou estando

há oito anos neste estabelecimento escolar nunca observou a cor da pele dos

alunos, afirmando, equivocadamente, que a maioria é formada por indígenas e

amarelos e o menor grupo é o dos brancos. A professora Z é negra e observou, um

pouco melhor, este aspecto; soube identificar que a população majoritariamente é

parda, mas errou ao assinalar os demais grupos, assim como X destacou os

indígenas como segundo maior grupo e os brancos como minoritários.

Nenhuma dessas educadoras nasceu no distrito ou teve pais ou

avós dali oriundos. Como festa promovida pela comunidade conhecem apenas a

Festa do Milho e dizem não participar ativamente dela. Com relação às opções de

lazer, Z afirma desconhecer o assunto e não assinala nenhuma das opções

fornecidas, enquanto X e W marcam três opções: praça de esportes,

bares/lanchonetes e campeonatos locais.

Uma professora deixa em branco o espaço para citar um lazer que

ela gostaria que houvesse na comunidade; a outra argumenta “não conheço a

comunidade ainda para opinar”; e aquela que está na escola há mais tempo sugere

as opções de lazer que apresentei para marcar quais existem na localidade e

acrescenta “parques; quadras; etc”.

As três educadoras afirmam que a escola costuma promover algum

tipo de festa ou atividade extra-escolar, duas citam “jogos e competições”, a outra

menciona a festa junina. Aquela que está há oito anos na escola MARCO diz que

nunca trabalhou nestes eventos, mas gostaria, e que nem todos os alunos trabalham

207

na organização destes eventos, mas alguns recolhem nomes dos participantes e

dão recados, o que é confirmado através do questionário discente.

Nenhuma soube identificar qual a atividade mais importante para as

pessoas que moram no distrito e todas deixaram em branco esta questão.

Identificamos como problema a falta de conhecimento dos professores com relação

à comunidade.

6.4.4.3 RELAÇÃO DO PROFESSOR COM A ESCOLA

O trio de professoras de língua portuguesa e/ou oficina de texto

assinala que costuma ler sempre ou quase sempre. E, mesmo todas trabalhando um

mínimo de 40 horas-aula, atuando em mais de uma escola e com ao menos dois

turnos de atividade profissional, ao serem apresentadas a uma lista de oito opções

de materiais de leitura garantem que nenhum desses materiais é quase nunca ou

nunca lido por elas. A professora Z marca todas as opções como leituras que

costuma fazer sempre ou quase sempre; suas duas colegas ora marcam sempre ou

quase sempre e ora assinalam de vez em quando, mas nenhuma confessa “nunca

ou quase nunca” ler algum dos materiais de leitura elencados.

Da questão 49 a 73 bastava assinalar a opção A para concordo ou B

para discordo; das três docentes que responderam este questionário, duas deixam

em branco exatamente as questões 59 a 68, sendo que uma destas deixa em

branco até a questão 70. Ocorreu que as questões 49 e 58 foram apresentadas em

uma página e tem um cabeçalho, já as questões 59 a 68 estão na página seguinte,

mas são exatamente iguais as anteriores. Essa reduplicação foi intencional, para

208

testar a coerência naquelas respostas. Duas docentes perceberam que já haviam

respondido e pularam estas questões; uma das professoras provavelmente não

observou a reduplicação, e responde de novo, apresentando incoerência no tocante

às rotinas burocráticas interferirem no seu trabalho de ensinar, pois, na primeira

folha, discorda da alegação e, na segunda página, concorda com ela. Por sua vez, a

professora Z primeiro marca que concorda com esse enunciado e depois muda a

opção, o que conota dúvida quanto ao peso das questões burocráticas.

Dentre as dez questões acima referidas, as três professoras

apresentam coincidência em sete respostas, concordando com os quatro

enunciados a seguir:

� Participo das decisões educacionais desta escola.

� A diretora implementa regras claras de conduta escolar e me apóia

quando necessário.

� Existe um clima de cooperação entre os professores desta escola.

� A diretora estimula as atividades inovadoras.

E, são unânimes ao discordar da afirmação:

� Recebo apoio dos pais dos alunos para desenvolvimento do meu

trabalho.

As visões são distintas no tocante a esses pontos:

“Sinto que sou parte importante desta escola”: as professoras X e W

concordam com a afirmação, a professora Z discorda, portanto revela não se sentir

parte importante desta escola.

209

“Tenho plena confiança profissional na diretora”: As docentes X e W

também concordam com o afirmado, e Z novamente discorda, revelando que não

tem plena confiança profissional na diretora.

“Os materiais pedagógicos necessários ao meu trabalho estão

disponíveis nesta escola”: tanto X como Z discordam desta afirmação, sendo que W

concorda com a mesma.

“A diretora consegue que os professores se comprometam com a

escola”: tanto X com W concordam com o enunciado, confirmando a confiança

profissional que ambas depositam na diretora, e Z discorda do alegado, confirmando

sua visão, segundo parecer dado em outras respostas suas.

As docentes são unânimes ao concordar com as afirmações:

� Sinto-me seguro, pessoalmente, antes, durante e após o meu

trabalho nesta escola.

� A diretora dá atenção adequada aos aspectos relacionados com

as normas administrativas.

� A diretora dá atenção adequada aos aspectos relacionados com

a manutenção da escola.

Disso concluo que a visualização do estabelecimento escolar ocorre

por óticas distintas entre o corpo docente- que percebe a escola como segura e bem

cuidada- e o corpo discente que vê a escola como local que precisa ser melhor

cuidado e mais seguro.

Quanto às características pedagógicas das aulas de língua

portuguesa, as docentes X e W assinalam a freqüência “de vez em quando” para

todas as atividades abaixo arroladas:

210

� Fazer exercícios sobre gramática relacionados com textos de

jornais ou revistas.

� Automatizar o uso de regras gramaticais.

� Ler, discutir com colegas e escrever textos relacionados com o

desenvolvimento de projeto temático.

� Ler e discutir contos, crônicas, poesias e romances.

� Usar contos, crônicas, poesias ou romances para exercitar

aspectos da gramática.

� Discutir um texto, explorando as diferenças entre fatos e

opiniões.

Por sua vez, a professora Z marca todas as alternativas acima com

a freqüência sempre ou quase sempre.

As três professoras optam por nunca ou quase nunca para a

alternativa 71: Copiar textos extensos do livro didático ou do quadro de giz.

Entretanto, 54% dos alunos dizem que cópias extensas ocorrem de vez em quando

e 33% dizem que elas ocorrem sempre ou quase sempre; apenas 12,5% dos alunos

concordam que essa atividade nunca ou quase nunca ocorre.

Sobre “conversar sobre textos de jornais e revistas” (questão 75 do

questionário docente), tanto Z como W afirmam realizar essa atividade “sempre ou

quase sempre” e X diz realizá-la “de vez em quando”; mas 44% dos alunos

testemunham que tal atividade nunca ou quase nunca ocorre e 27% dos alunos

dizem que só de vez em quando a mesma acontece, portanto 71% dos alunos

desmentem a freqüência “sempre ou quase sempre” apresentada por duas das

professoras.

211

No tocante a dar lição de casa e cobrar as lições ou trabalhos

solicitados, professores e alunos afirmam que isto é feito. Sobre o uso de jornais e

revistas informativas, a professora X admite nunca usar, mas Z e W assinalam que

sempre usam, o que não é confirmado pelos alunos. As educadoras Z e W

concluíram que no último ano letivo deram entre 40% a 60% dos conteúdos

previstos, X admite ter dado menos de 40%, o que faz refletir sobre a questão do

tempo morto e das contradições.

6.5 PERFIL DOS ALUNOS E DE SUAS FAMÍLIAS

6.5.1 PERFIL SÓCIO-ECONÔMICO DOS MORADORES DO DISTRITO

Durante os dois últimos anos de escrita dessa pesquisa, cito 2003 e

2004, apliquei um questionário para os alunos das turmas do último ano do ensino

fundamental da escola MARCO; um dos objetivos dessa ficha informativa foi revelar

o perfil sócio-econômico da comunidade. E, de uma turma para a outra e mesmo de

um ano para o outro os resultados se mantiveram, o que confirma a nitidez do perfil

desenhado. O questionário aplicado em 2004 está mais desenvolvido do que a ficha

informativa apresentada em 2003, a última é mais detalhada e traz mais elementos

para a análise, porém não há incoerência nos resultados colhidos a partir dos dois

instrumentos, ou seja, nas questões comuns a ambos a realidade demonstrada é

uma só, a que ora descrevo.

Interroguei os alunos quanto ao grau de escolaridade paterno e

materno, através desse dado é possível captar a capacitação dos pais para

212

auxiliarem nas tarefas escolares dos filhos, em suas pesquisas e demais

dificuldades relacionadas com a escolarização. De acordo com o relatório “Retrato

da Escola 3” (2001), “o problema da qualidade de ensino se revelou

multideterminado, tudo importa, tudo altera os resultados atingidos pelos alunos”

Mas “um dos fatores importantes na proficiência dos alunos é o tipo de participação

que os seus pais mostram com relação à vida social da escola”. Esclarece ainda

que: “o nível de educação determina em muito o grau de desenvolvimento de um

país, o fato não deve iludir que a constatação oposta é igualmente verdadeira; a

situação econômica dos pais explica, em muito, os seus problemas com a educação

(...) Desta forma, um dos fatores que afeta fortemente a perfomance dos alunos é a

formação dos seus pais”. Através das respostas fornecidas pelos alunos da escola

MARCO, constatei que a grande maioria dos seus pais não possuem o ensino

fundamental completo: 68,7%das mães desse grupo de alunos estudaram até a

quarta série e 43,7% dos pais desses adolescentes também só estudaram até a

quarta série, o que pode desfavorecer o questionamento das práticas escolares e do

Projeto Político Pedagógico da escola.

Além disso, o grau de escolaridade também acaba influenciando e

delimitando as atividades profissionais que a pessoa pode exercer. No caso da

comunidade alvo dessa pesquisa, 66,6% dos pais de família são trabalhadores

rurais e 52,1% das mães não possuem outro trabalho além do lar. É esperado que

em uma comunidade rural a maioria das pessoas trabalhem em atividades

relacionadas ao setor primário, mas também é fato que, nesta comunidade

específica, não há indústria para absorver a mão de obra, também o emprego no

comércio é praticamente limitado às famílias dos comerciantes, e às mães vivem o

213

drama de não terem uma creche para abrigar os filhos e permitirem buscar trabalho

na zona urbana, nos demais distritos desse município a situação é semelhante.

A limitação das possibilidades de trabalho dos pais está relacionada

à renda familiar: 41,7% das famílias dos alunos que chegaram à oitava série tem

renda familiar entre um e dois salários mínimos, ou seja, entre 241 e 480 reais.

Apesar da renda engessar o poder de compra da família às necessidades básicas,

71% dos alunos entrevistados não trabalham, o que permite a eles maior tempo

disponível para o estudo. Também, havendo menor desgaste físico com atividades

de sustentação, há maior energia para as atividades escolares: energia que se não é

canalizada em atividades significativas tende a converter-se em estratégias de

evasão como indisciplina ou alienação.

Com relação aos irmãos dos entrevistados, 54% também não

trabalham, quer seja porque são irmãos menores ou porque não há vagas para

todos os trabalhadores. Assim como a escolaridade dos pais, dois outros fatores

quase que decorrentes deste, também se mostram relevantes, segundo o relatório

“Retratos da Escola 3” (2001).; o primeiro diz respeito à situação socioeconômica

dos alunos, já os filhos de pais mais pobres têm que trabalhar para sobreviver e têm

mais dificuldades na escola. “Filhos que trabalham são, muitas vezes, obrigados a

estudar a noite, e o nível de educação e/ou rendimento escolar se mostram mais

baixo, mostrando uma das facetas do problema de turno.”- salienta o documento.

Um dos aspectos relevantes retirados da análise do questionário dos

alunos da escola MARCO é que os estudantes mostraram noção da importância da

escola na sua formação presente e futura (anexo 3, questão 30). Ao escolherem

entre três opções sobre gostar de ir à escola (anexo 3, questão 31), 71 % escolhem

214

a alternativa “sim, mas às vezes é chato”, se poucos afirmam “sim, gosto muito”,

também são poucos os que admitem “não, se não precisasse, não iria”.

Na ótica dos alunos, a escola, entretanto, não é bem cuidada e não

apresenta segurança; 75 % afirmam nunca ter sofrido algum tipo de violência, mas

85 % afirmam já ter presenciado alguém sofrer algum tipo de violência na escola

(principalmente violência verbal).

Com relação às medidas de segurança, “Retratos da Escola 3”,

(2001), conclui que: “Quanto maior a agressão que a escola sofre, maior é o prejuízo

que sofrem os alunos quanto à qualidade de ensino. O ato violento é antagônico ao

ensino, também no sentido que impede os educadores de educar ”(...)“ Note-se que

no que tange à depredação e à violência contra os trabalhadores em educação,

corpo da escola, às diferenças entre o meio rural e o urbano não é tão grande como

poderia esperar, ruindo por terra o mito de um ambiente rural seguro.”(...) Violência

nas escolas é preocupação de todo o país e de todos os pais. As medidas de

segurança, além de dificultar a ação de agentes externos e/ou impedir a violência,

transmite à comunidade escolar uma espécie de tranqüilidade que, como seria de se

esperar, concorre no sentido do aumento da proficiência. As medidas podem ser

simples como controle de entrada e saída dos alunos, grades, vigilância por guarda,

a relação custo-benefício em termos da relação ensino-aprendizagem compensa.(...)

O comentado relatório afirma que “de forma geral, as escolas privadas se

preocupam muito menos com sistemas de vigilância/segurança, ou os governos

investem muito mais nestes sistemas, do que as escolas particulares” . As escolas

estão adotando medidas de segurança como manter policial ou vigia na porta da

escola, realizar controle de entrada e saída de alunos, providenciar grades e cercas

de segurança e manter cuidado com os equipamentos. A escola do distrito

215

pesquisado adota essas quatro medidas mencionadas: há muro alto em volta de

todo o prédio, um único portão é utilizado para a entrada e saída das pessoas, nele

permanece durante o período letivo um servidor municipal (vigia), mesmo assim há

alunos que brigam entre si, no interior da escola e nas imediações desta, nos

horários de entrada e saída das aulas.

Os alunos da escola MARCO afirmam que a estrutura da escola já

sofreu algum tipo de violência (roubo, depredação, pichação) e, possivelmente, isso

levou à contratação do vigia, pois nem todas as escolas municipais possuem essa

segurança.

“Sempre se soube que mais conforto significa maior produtividade,

porque seria diferente em educação?”, questiona o referido relatório (2001) e

acrescenta: ”Um fator barato, se compararmos com os gastos necessários para a

boa educação são os fatores ligados ao que chamamos de infraestrutura da escola.

Providências como a pintura das paredes, compra como a de uma maquina

fotocopiadora, fazem uma diferença importante (...) Note-se que a variável

‘computador na escola’ está relacionada a computadores à disposição dos alunos.

Se a grande maioria das escolas públicas tem apenas um computador, o chamado

computador administrativo, o acesso a ele por parte dos professores e dos alunos

fica impossível. Assim, o manejo de informática, seu uso como instrumento auxiliar

de aprendizagem fica inviável”. Assim também ocorre na escola MARCO, pois há um

computador, mas para serviços administrativos e não para fins pedagógicos.

216

6.5.2 RELAÇÃO DOS ALUNOS E FAMILIARES COM A COMUNID ADE

Cerca de 20% dos alunos tem a família originada no distrito. A

maioria das famílias veio de outras regiões rurais, o que demonstra o êxodo rural, a

mecanização das atividades de plantio e colheita expulsa um grande número de

trabalhadores da área rural, que, sem fonte de sobrevivência em uma região,

migram para outra.

Entre os alunos, 77 % não sabem a origem do nome do distrito,

16,7% sabem apenas ser o nome de origem indígena, 6,3 % contam uma “anedota”

com o nome do distrito, sobre uma moça que só se casaria se o pai quisesse. Não

detalho a explicação do nome para preservar os pseudônimos e o anonimato,

compromisso ético. O fato é que os alunos estudam a história e a geografia do

município, do estado, do país, sobre a formação dos continentes e até sobre os

planetas do nosso sistema solar, mas quanto às diferenças entre zona rural e

urbana, limitam-se a estudar o óbvio: uma é agrícola e pecuária, enquanto a outra

oferece melhores condições de vida, com mais acesso a empregos, saúde,

educação, lazer... 83% dos alunos entrevistados não conhecem a história do distrito

e 82% não sabem o significado do nome do lugar. Questionados sobre esses temas

os professores manifestaram o desejo de promoverem uma atividade cultural,

pesquisando essas questões locais.

Solicitei aos alunos que contassem algum folclore característico do

lugar e poucos disseram não conhecer nenhuma lenda ou supertição contada pelos

familiares; a maioria contou histórias de lobisomem, saci-pererê, mula sem cabeça;

um aluno citou determinada rua da localidade na qual ouve-se correntes sendo

arrastadas.

217

As questões de número 17 a 19 referiam-se à integração social.

Perguntados sobre “Qual é, atualmente, a pessoa mais importante que mora no

distrito”, 21% acha que não há ninguém importante morando lá ou não sabe dizer

quem é, 25 % citam a si mesmo ou a sua família (o que corresponde a um quarto

dos alunos que compartilham dessa opinião reveladora de auto-estima), os demais –

46 % - citam personalidades da comunidade: a diretora da escola fundamental figura

em primeiro lugar, seguida de perto pela líder religiosa da Igreja Católica (uma

freira), e a ex-administradora distrital; percebemos que, atualmente, as lideranças

comunitárias são femininas, mas alguns ainda citam como morador mais importante

o delegado, um pioneiro e o atual líder da organização da Festa do Milho. A questão

seguinte perguntava: ‘para você, qual foi no passado, a pessoa mais importante que

morou ou ainda mora no distrito’, e a porcentagem corresponde à mesma dada na

pergunta anterior, são as mesmas pessoas citadas, revelando que as lideranças

alternam-se muito paulatinamente.

A totalidade dos alunos (100 %) citou a Festa do Milho como evento

local, além desta, também é citada a Festa da Primavera por 41,7 % dos alunos, e

ainda as Festas Juninas são mencionadas. 100 % dos discentes asseguram que a

escola promove festas, mas apenas 54,2 % dos alunos do último ano do ensino

fundamental dizem já terem trabalhado na organização dessas festas escolares.

Bares e lanchonetes são eleitos como principais opções de lazer

para os jovens da comunidade, 73 % assinalam essa opção, o que contribui para o

problema do alcoolismo entre os jovens do lugar. Outras opções de lazer foram

festas promovidas pela escola, pela igreja, por amigos; citaram rios e cachoeiras, o

pesque-pague e 45,8 % dos adolescentes gostariam que houvesse um clube na

localidade.

218

Interrogados sobre a atividade mais importante para as pessoas que

moram no distrito, 37,5 % apontam a Festa do Milho como evento mais importante

do distrito. Foi citada também a colheita da soja e do café, a lavoura, a Festa do

Agricultor e alguns citam os jogos e competições de futebol amador.

6.5.3 RELAÇÃO DOS ALUNOS E SEUS FAMILIARES COM A ES COLA

Um dos pontos positivos de morar em pequenas comunidades é o

da integração entre as pessoas: 94 % dos pais de alunos conhecem a diretora, 75 %

conhecem algum professor, 89,6 % conhecem amigos de seu filho na escola; isso

ocorre mesmo muitos alunos residindo em sítios e fazendas da região e não na sede

do distrito, como também muitos vêm de outra localidade, um patrimônio distrital.

Questionados sobre a importância da escola, somos informados de

que a maioria tem uma visão positiva da importância da escola, pois a maioria

assinala todas as opções apresentadas, menos a última (única negativa: um lugar

onde vou apenas porque sou obrigado).

6.5.4 RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO

A grande maioria dos alunos (92 %) afirmam gostar da maioria dos

professores. Entre os professores que mais gostam, em primeiro lugar e com 50 %

dos votos, está a professora de inglês, e em segundo lugar, com 25 % dos votos,

está a professora de educação física, os outros 25% da preferência divide-se entre

219

oito professores, sendo que um único aluno dentre os entrevistados apontou a

professora de língua portuguesa como o professor que ele mais gosta. A

justificativas assinaladas na escolha dos professores favoritos foram principalmente

duas: porque são divertidos e sempre respondem quando os alunos perguntam

alguma coisa.

Entre os professores que menos gostam está, em primeira

colocação, a professora de Língua Portuguesa, seguida de perto pela professora de

Oficina de Texto, ambas figurando com larga distância em relação aos demais,

principalmente porque os alunos consideram essas aulas chatas e porque essas

professoras nunca respondem quando o aluno faz algum pergunta.

Vale lembrar que são duas turmas de oitava série e, as duas classes

apresentaram o mesmo diagnóstico com relação às docentes de ensino de língua

materna, se a posição no “ranking dos menos queridos” fosse distinta de uma turma

para outra poderíamos pensar em dificuldades de interação das duas docentes com

uma turma específica, mas não é esse o caso, pois quando muda a turma, mantém-

se o resultado, o que favorece a tese da empatia dessas profissionais enquanto

pessoas.

O relatório denominado “Retrato da Escola 3” (2001) conclui que a

formação importante para o professor é a formação humanística, muito mais do que

“a formação técnica, que mais do que a reunião de instrumentos de trabalho, o

professor deve buscar formar-se como um sujeito ligado às coisas de seu tempo”. E,

o documento acrescenta que ‘não se trata aqui de desprezar a formação específica

(...), se trata de ressaltar que o professor atuará melhor quanto mais exercitar, pela

leitura, o partilhar com os seus alunos a vida que levam, ao formar-se, vale repetir,

como um humanista”.

220

Na escola MARCO, o professor de história não é apontado entre

aqueles que os alunos menos gostam e nem está entre aqueles que os alunos mais

gostam, mas a sua disciplina é indicada em segundo lugar na resposta à pergunta:

Sobre qual disciplina o professor faz você ler mais? Os professores que mais os

fazem ler são os de português (58 %) e de história (33 %).

Os alunos da escola MARCO apresentam interesse pelos mais

variados tipos de leitura, entre elas: cartas de amor que recebem na escola; histórias

da terra, de grandes navegadores e do Brasil; gibis, quadrinhos; além de poemas

(25 %), revistas (12,5 %) e romances (6 %). E, mostraram aversão por ler

principalmente aquilo que são obrigados a ler na escola: livro de geografia,

matemática, história, inglês; livros didáticos em geral.

O relatório “Retratos da Escola 3“ destaca que: “Um aspecto que

vale pensar é no impacto do fato de ter o livro, mantendo-o em seu domínio, é

importante para o aluno. A possibilidade de voltar a consultá-lo, lê-lo ou mesmo

aprecia-lo como etapa vencida mas que pode , ainda, ser-lhe útil, parece ser, de

fato, importante. (...) Ler é um hábito. Do hábito da leitura outros hábitos se fazem e

muitos conhecimentos se adquire. O número de livros que as pessoas têm em casa,

professores e alunos, mostraram uma relação constante com proficiência”. (...)

“Nossa análise revela uma relação óbvia entre a leitura (tanto para os alunos quanto

para os professores) e a qualificação dos alunos, como já foi dito. O que não é obvio

é o tipo de relação encontrada. Para os alunos, o que se nota é que qualquer tipo de

leitura melhora a formação, inclusive aquelas discriminadas por alguns setores da

sociedade como revistas em quadrinhos. A forte regularidade entre os dados não

permite, sequer, priorizar entre o tipo de leitura”. (...) “A formação continuada deve

passar por uma série de conhecimentos cotidianos que vem da leitura de textos

221

formais ou técnicos, mas também de leitura em geral como revistas e romances”-

exemplifica o relatório em questão.

Solicitei aos alunos que afirmaram não gostar de ler nada que

justificassem o motivo, afirmaram que não gostam de ler principalmente porque é

chato, dá preguiça, dá sono, dá dor de cabeça; por falta de paciência, porque é

complicado ou cansa muito. Segundo os próprios alunos, felizmente, a maioria

afirma que costuma ler alguma coisa e com certa freqüência; apesar de alguns

alunos não responderam estas questões e outro ter afirmado nada ler.

Tabela 1. Relação entre o tipo leitura habitual dos alunos e a freqüência com que estes os lêem.

Tipo de leitura FREQÜÊNCIA DE LEITURA (%)

Sempre ou quase sempre

De vez em quando

Nunca ou quase nunca

Gibi, quadrinhos 17,0 48,0 27,0

Jornal, revistas diversas 19,0 37,5 31,0

Bíblia 42,0 33,0 21,0

Livros da escola 12,5 40,0 35,0

Livros para diversão (romances, contos, poesias)

19,0 44,0 29,0

Folhetos de anúncios 12,5 37,5 40,0

Manuais de aparelhos domésticos 19,0 29,0 44,0

Manuais explicativos de brinquedos 17,0 23,0 52,0

Como vemos na tabela acima apresentada, o único tipo de leitura

que os alunos utilizam sempre ou quase sempre é a Bíblia (42 %), todos os outros

222

materiais de leitura sugeridos receberam menos de 20 % de freqüência indicada

como sempre ou quase sempre. Além disso, a Bíblia não é leitura realizada na

escola; já quanto ao jornal existe um projeto para tê-lo em sala de aula uma vez por

semana (o Projeto Cidadania), mas 31% dos alunos assinalam que nunca ou quase

nunca lêem jornais e revistas e 37,5% dizem realizar esse tipo de leitura apenas de

vez em quando. Confirmando que o jornal não é material de leitura freqüente.

A tabela 2, a seguir, tenta, através da ótica dos alunos, entender um

pouco da psicologia institucional presente na escola MARCO.

Tabela 2. Pequena avaliação da psicologia institucional, pela ótica dos alunos.

Uma pequena avaliação da Psicologia Institucional

OPINIÃO DO ALUNO

Concordo (%) Discordo (%)

Sinto que sou parte importante desta escola 69,0 29,0

Acho que a diretora é a pessoa mais importante desta escola. 58,0 39,6

Acho que as professoras são importantes na escola. 96,0 04,0

Acho as serventes importantes na escola 79,0 21,0

Acho as secretárias importantes na escola. 83,0 16,6

O(a) diretor(a) sempre comunica sobre qualquer atividade/necessidade da escola

69,0 29,0

O(a) diretor(a) ou professores sempre pedem colaboração dos alunos na limpeza e conservação da escola.

69,0 19,0

O(a) diretor(a) ou professores sempre pedem colaboração dos pais na limpeza e conservação da escola.

29,0 69.0

Os pais são sempre comunicados sobre as atividades na escola.

73,0 25,0

Os pais são sempre convidados a participar das atividades na escola.

65,5 35,0

Acho a maioria dos funcionários da escola competentes. 77,0 23,0

223

O(a) diretor(a) é rígido(a) quanto às normas de disciplina na escola

91,6 06,0

O(a) diretor(a) solicita presença dos pais nos casos de indisciplina

89,6 10,0

As regras de disciplina tornam a escola um lugar agradável. 60,0 35,0

As regras de disciplina tornam a escola um lugar desagradável.

37,5 60,0

Nunca fui repreendido na escola. 48,0 50,0

Já fui repreendido e me achei injustiçado. 37,5 60,0

Já fui repreendido, mas achei a repreensão justa. 39,6 54,0

Como revelam os dados acima apresentados, 29 % dos alunos não

se consideram parte importante da escola, um dado revelador da baixa auto-estima,

relacionada aos estigmas, pois, dentre as pessoas que formam a comunidade

escolar, as consideradas pelos alunos como as menos importantes são eles

mesmos, posto que 29 % discordaram da afirmação “sinto que sou parte importante

desta escola”, enquanto 4,0 % discordaram da afirmação da importância dos

professores. No que tange a essa questão da imagem, as secretárias são vistas

como pessoas mais importantes para a escola do que as serventes, 16,6 %

discordaram do enunciado “acho as secretárias importantes na escola” e 83 %

concordam com o mesmo; já com relação à importância das serventes, 21 %

discordam da afirmativa de que elas são importantes na escola e 79 % concordam

com a alegação. Mais da metade dos alunos entrevistados (58 %) julgam que a

pessoa mais importante da escola é a diretora, pessoa vista por 91,6 % dos alunos

como rígida quanto às normas de disciplina na escola. E 50 % dos alunos admitiram

que já foram repreendidos na escola, destes 60 % sentiram-se injustiçados e 39,6 %

consideraram a repreensão justa.

224

No que se refere às aulas de língua portuguesa, o questionário dos

alunos apresenta a seguinte perspectiva:

Tabela 3. Características pedagógicas das aulas de língua Portuguesa pela ótica dos alunos.

RECURSOS PEDAGÓGICOS DAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA

TIPO DE ATIVIDADE Freqüência com que é utilizado (%)

Sempre ou quase sempre

De vez em quando

Nunca ou quase nunca

Copiar textos extensos do livro didático ou do quadro de giz (quadro negro ou lousa).

33,0 54,0 12,5

Copiar da lousa (ou quadro negro) textos curtos do livro didático e/ou de outras fontes.

31,0 56,0 12,5

Conversar (ou debater) sobre assunto dos textos de jornais e revistas.

29,0 27,0 44,0

Analisar a gramática dos textos de jornais e revistas.

16,6 41,6 41,6

Fazer exercícios sobre gramática relacionados com textos de jornais ou revistas.

10,0 50,0 29,0

Ler, discutir com colegas e escrever textos relacionados com assuntos discutidos em sala de aula.

48,0 37,5 08,0

Ler e discutir contos, crônicas, poesias ou romances.

44,0 39,6 16,6

Usar contos, crônicas, poesias ou romances para exercitar aspectos da gramática.

39,6 41,6 14,6

Discutir um texto, explorando as diferenças entre fatos e opiniões.

33,0 56,0 10,0

Jogos, brincadeiras, palavras cruzadas, advinhas, usando livros, jornais ou revistas, ou outras fontes.

19,0 44,0 33,0

225

Copiar textos do livro didático ou do quadro negro é uma atividade

que recebeu grande porcentagem: 54 % dos alunos afirmam realizar cópia de textos

extensos, de vez em quando, e essa porcentagem aumenta para 56 % quando se

trata de copiar da lousa textos curtos, o que revela o grande prestígio que a cópia

desfruta entre as docentes de língua materna.

Grande parte dos alunos (44 %) afirmam nunca ou quase nunca

conversarem/debaterem sobre textos de jornais e revistas e 27 % dizem que essa

atividade ocorre de vez em quando, portanto 71% dos estudantes alegam utilizar o

jornal para debate dos assuntos ali apresentados eventualmente, contra 29 % dos

que asseguram que isso ocorre quase sempre ou sempre. Mas, quando o trabalho

com jornal ocorre é para analisar a gramática dos textos (41,6 %) ou fazer exercícios

sobre gramática relacionados com os textos (conforme 50 % afirma). Da mesma

forma, contos, crônicas, poesias ou romances são utilizados prioritariamente para

exercitar aspectos da gramática.

Jornais, revistas e outras fontes são utilizadas para jogos,

brincadeiras, palavras cruzadas, advinhas... Não negando o valor das atividades

lúdicas, cabe analisar a freqüência em que ocorrem para perceber a questão do

tempo morto, 33 % dos discentes dizem que essas atividades nunca ou quase

nunca ocorrem, 19 % afirmam que sempre ou quase sempre ocorrem e 44 %

admitem que de vez em quando há o uso desses materiais para atividades lúdicas.

Quase metade dos alunos (48 %) dizem que sempre ou quase sempre escrevem

textos relacionados com assuntos discutidos em sala de aula, apenas 8 %

consideram que essa atividade nunca ou quase nunca acontece, 44 % dos alunos

dizem que na aula de língua portuguesa lêem contos, crônicas, poesias ou

romances, mas os textos são pretextos para o trabalho gramatical, não têm como

226

objetivo prioritário a formação de leitores e de cidadãos, a prioridade não está na

reflexão sobre questões sociais urgentes (temas transversais), mas na fixação de

conteúdos gramaticais.

As questões 82 a 85 do questionário aplicado aos alunos se referem

às cobranças (exigências) do professor:

Tabela 4. Qualidade das cobranças feitas pelo professor de língua portuguesa pela ótica dos alunos.

COBRANÇAS FEITAS PELO PROFESSOR Sim (%) Não (%)

O professor dá lição ou trabalhos para fazer em casa? 98,0 02,0

O professor cobra as lições ou trabalhos solicitados? 98,0 02,0

O professor dá pontos na nota para quem faz os trabalhos? 98,0 02,0

O professor tira pontos de quem não cumpre as tarefas solicitadas?

79,0 11,0

A falta de recursos humanos se mostrou importante, no relatório

“Retratos da Escola 3” (2001), ora essa falta se faz sentir pelo pessoal de apoio

administrativo, ora pelo pessoal de apoio pedagógico e ora por falta de professores.

A conclusão ali obtida é de que “todos esses elementos vão trazer conseqüências

maiores ou menores à questão da proficiência”. Porém, como foi constatado que a

qualificação dos professores e diretores é superior à exigida formalmente, ficou claro

que “outros fatores, como experiência, interferem no processo ensino-

aprendizagem”. No caso da escola municipal MARCO, também a qualificação dos

professores e da diretora é igual ou superior à exigida formalmente, pois todos os

professores da rede municipal de Londrina são selecionados através de concurso

227

público e para lecionarem no padrão ‘Ensino Fundamental Maior’ precisam

apresentar curso superior na área específica, sendo que muitos deles cursaram ou

estão cursando pós-graduação. Portanto, os problemas pedagógicos encontrados

naquela unidade de ensino não estão na qualificação do professor ou inexperiência

de um corpo docente, formado por pessoas com poucos anos na profissão, já que a

grande maioria do grupo já dá aulas há alguns anos e possui mais de um padrão

(um na rede municipal e outro na rede estadual de ensino). Também com relação ao

corpo docente, como com os discentes, a problemática envolve, sobretudo,

motivação.

228

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Goffman, sociólogo e psiquiatra norte americano, ensina que é

ingenuidade achar que a adesão a esta ou aquela formulação a respeito do que quer

que seja possa revelar transparentemente de que modo alguém atua, no nosso caso

específico, de que modo um determinado professor trabalha. O trabalho de um

professor de língua portuguesa pode não ser determinado pela concepção de leitura

que ele diz adotar, porque o sujeito negocia a sua face na tentativa de transmitir uma

imagem coerente com o papel social por ele ocupado. Disso resulta a necessidade

de confrontar depoimentos e analisar como os alunos reagem ao trabalho do

professor.

O depoimento dado pelo professor pode ser fruto do posicionamento

estratégico do profissional perante outro, o que resulta na necessidade de confrontar

as vozes docentes com as vozes discentes, identificando não só controvérsias e

conflitos como também cooperação mútua. Além disso, sabemos que não há

discurso neutro, portanto alunos e professores responderam a entrevista sem

neutralidade, de acordo com o lugar social que ocupam e a imagem que querem

negociar.

Como vimos nesse trabalho, segundo Goffman (2001), existem dois

tipos de ajustamentos: primários e secundários. Os ajustamentos primários ocorrem

“quando um indivíduo contribui, cooperativamente, com a atividade exigida por uma

organização, e sob as condições exigidas” (obra citada, p.158). De acordo com o

autor, os ajustamentos secundários ocorrem quando o indivíduo apresenta

insubordinação ou resiste em participar de uma atividade com espírito colaborador.

Goffman não trata da instituição escolar, mas de ambientes fechados como

229

manicômios, prisões e conventos. Fundamentada em Goffman, descobri as

seguintes categorias de ajustamentos na instituição escolar: os estigmas, as

contradições, as cobranças externas, o domínio institucional, a interpretação oficial e

o tempo morto.

Goffman (2002b) fala das diferenças na negociação de identidades

sociais, por exemplo, um participante de uma dada interação pode manipular a

identidade de acordo com a “impressão” que sustenta diante dos demais. Erickson e

Shultz (1982) afirmam que um indivíduo incorpora, em diferentes momentos

interacionais, determinadas identidades a partir dos diferentes papéis sociais que

assume, em função de seus interesses, objetivos e intenções. As identidades sociais

negociadas na seqüencialidade da interação podem ser afetadas pelas relações de

poder, ou seja, aspectos ideológicos ligados às relações de poder são ou não

ratificados pelos participantes durante um encontro.

De acordo com as discussões de Bourdieu (1998), toda relação

social é marcada pelo poder. Os indivíduos vivem no interior de um grande número

de diferentes instituições, que constituem “campos sociais”, tais como as famílias, os

grupos de colegas, as instituições educacionais, entre outros. Em cada um desses

“campos sociais”, o indivíduo exerce graus variados de escolha e autonomia, mas

cada um deles tem um contexto material, na verdade, um espaço e um lugar, bem

como um conjunto de recursos simbólicos. O indivíduo está diferentemente

posicionado de acordo com as múltiplas expectativas e restrições sociais envolvidas

em cada um dos contextos sociais. Assim, ele se representa de forma diferente,

diante dos outros, em cada um dos contextos.

A escola é apenas um domínio social no qual alunos e professores

desempenham papéis sociais que exigem um determinado letramento. Qualquer

230

evento de letramento envolve aprendizagem, por exemplo, dois colegas de classe

discutindo um artigo de jornal local caracteriza um evento de letramento. Para

escrever uma resposta para o jornal os dois vão recorrer a formas de falar e

escrever, fazendo uso de suas práticas de letramento. Trabalhos, como de Terzi

(1995) e de Corrêa (2001) mostram que, na prática, a escola ignora a realidade do

grupo com o qual trabalha e as atividades realizadas pelos alunos em sala de aula

são, de um modo geral, meras atividades escolares de aquisição de léxico e

aprendizagem de regras gramaticais:

“... o texto é visto por elas [pessoas do ambiente escolar] como um conjunto de palavras cujo significado não interessa, a leitura é vista como apenas decodificação dessas palavras, e compreender o texto nada mais é que usar a estratégia de pareamento e mecanicamente localizar a resposta” (TERZI, 1995, p. 104).

Conforme destaca Goffman, a pessoa que fala negocia alguma

identidade social específica, alguma qualificação especial como membro de um

grupo. Dependendo da identidade social que queira tornar relevante, o indivíduo

organiza sua fala. De acordo com Goffman (2002a, p. 19), “a fala é socialmente

organizada não apenas em termos de quem fala para quem em uma língua, mas

também como um pequeno sistema de ações que são mutuamente ratificadas e

ritualmente governadas, em suma, um encontro social”.

O falante assume, não somente para os outros, mas para si mesmo

um status de participação em relação ao seu alinhamento ou não em determinado

enquadre. Alinhamento, nesse caso, é o padrão de atos verbais e não-verbais pelos

quais a pessoa expressa sua visão da situação, seu posicionamento para ela

mesma e diante dos outros presentes. O falante, de acordo com essa perspectiva,

procura negociar a imagem do eu delineada em termos de atributos sociais

aprovados. Trata-se do valor positivo que a pessoa reclama para si em dada

231

interação, pois as pessoas negociam identidades sociais, buscando sempre a

manutenção da imagem positiva que têm de si mesmas.

Uma sala de aula é um lugar institucional em que os participantes

engajados na interação legitimam determinados papéis institucionais, como o papel

de professor e o papel de alunos, por exemplo. A interação face a face configura o

locus no qual os falantes negociam identidades sociais, recorrentemente legitimando

seus papéis institucionais. Por exemplo, os vários anos de vivência fora da

comunidade exigiram que o caráter contínuo do contato que mantive com meu grupo

de origem assumisse uma dimensão mais esporádica, afinal, ainda que não perdera

o vínculo com alguns membros do grupo, minha presença entre eles não era uma

realidade constante e minha ida à escola exigiu negociações.

Monteiro Costa (1994) destaca as vantagens de um membro do

próprio grupo estudar esse mesmo grupo. Segundo ele:

“... se é possível que um índio se transforme num antropólogo, não é possível que a recíproca seja verdadeira: um antropólogo, por mais que se esforce para isso e por força da sua racionalidade, jamais experimentará o que seja, verdadeiramente, ser índio”. (MONTEIRO COSTA, 1994, p. 56).

A sala de aula é, a priori, um domínio institucional. Professor e aluno

têm papéis nesse domínio, os quais podem ser ratificados ou não na seqüência da

interação. Considerando que a escola é um microcosmo, inserido dentro da

comunidade, também nela pode prevalecer o consenso de que é preciso conquistar

um título para melhorar a situação socioeconômica e, para isso, pode bastar

freqüência à escola e algum estudo em período de exames ou pode-se ambicionar

por ensino e aprendizagem.

Os participantes de uma dada interação estão constantemente

negociando identidades sociais (GOFFMAN, 2002b). O aluno pode alinhar-se com o

232

professor, ratificando a sua identidade institucional, pode resistir ao alinhamento com

o professor, pode ameaçar a identidade do professor, pode sentir suas identidades

ameaçadas pelo professor. Como se vê, o ensino e a aprendizagem de qualquer

conteúdo envolve a negociação de aspectos institucionais e do “capital simbólico”

(BOURDIEU, 1998) que o sujeito traz de casa para a escola. As identidades sociais

“estigmatizadas” (GOFFMAN, 1988), no domínio da sala de aula, precisam ser

negociadas a fim de que os alunos portadores de tais identidades (estigmas)

possam obter sucesso nesse domínio, por exemplo, a identidade de repetente, a

identidade de pessoa da zona rural, a identidade de aluno de escola pública, a

identidade de filho de família humilde.

Por vezes, a escola pode não contribuir para que os alunos

construam um capital simbólico (BOURDIEU, 1998) em termos de letramento,

privando-os do acesso a cargos que exigem maior letramento escolar e os mantém

no subemprego. De acordo com Goffman (1985, p. 9), estudar a vida social

organizada dentro dos limites físicos de um prédio é percebê-la na perspectiva de

representação teatral, considerando “a maneira pela qual o indivíduo apresenta, em

situações comuns de trabalho, a si mesmo e a suas atividades às outras pessoas, os

meios pelos quais dirige e regula a impressão que formam a seu respeito e as coisas

que pode ou não fazer, enquanto realiza seus desempenhos diante delas. (...) no

palco um ator se apresenta sob a máscara de um personagem para personagens

projetados por outros atores. (...) o papel que um indivíduo desempenha é talhado

de acordo com os papéis desempenhados pelos outros presentes...”.

Os casos da vida social institucional (por exemplo, os discursos

docentes e discentes) formam, em conjunto, uma realidade de referência coerente;

juntos, eles descrevem um quadro mais real do estabelecimento escolar. Pois

233

“quando um indivíduo se apresenta diante dos outros, terá muitos motivos para

procurar controlar a impressão que estes recebem da situação” (GOFFMAN, 1985,

p. 23). Afinal, quando um indivíduo desempenha um papel, implicitamente, solicita

crença no papel que está representando, espera que acreditem que possui os

atributos que aparenta possuir. Isso, necessariamente, não envolve má-fé, pois “o

ator pode estar inteiramente compenetrado de seu próprio número. Pode estar

sinceramente convencido de que a impressão de realidade que encena é a

verdadeira realidade” (obra citada, p. 25).

A fundamentação teórica do presente trabalho é alicerçada pela

visão institucional de Goffman (1996), da qual se pode extrair as noções de estigma,

tempo morto, contradição, cobranças externas, interpretação oficial e domínio

institucional como formas de ajustamento. Segundo o autor, para sobreviver da

melhor maneira possível em uma instituição qualquer, todo sujeito necessita fazer

ajustamentos. Há ajustamentos primários quando o sujeito se deixa

amoldar/assujeitar pela instituição e ajustamentos secundários, quando se tenta fugir

de um local sem sair dele, tanto pelo mutismo, quanto pela apatia. Em salas de aula,

isso pode acontecer: se o aluno age de maneira controlável, é visto como alguém

que revela respeito ao docente e assim não será “castigado” (com tarefas extras, por

exemplo), nem terá redução das coisas agradáveis (do período de intervalo ou da

participação na educação física, por exemplo). Essas práticas nos fazem pensar no

aluno que estuda só para passar, basta tirar a nota mínima.

Diante do estigma de alunos oriundos de famílias iletradas, o

professor não pode acomodar-se e justificar a não-formação de leitores por parte da

escola pelo fato de os alunos não trazerem de casa “capital simbólico”; a falta do

“arcabouço cultural” não pode indefinidamente permanecer como chavão para

234

justificar a situação de crise no ensino em geral e de língua portuguesa, em

particular, até porque os fatores dessa crise não são apenas lingüísticos, como

também institucionais. Considero que grande parte dos alunos da escola alvo dessa

pesquisa vive em condições que não são favoráveis ao seu desenvolvimento como

leitores, e a escola é o único canal que a maioria possui para desenvolver seu

letramento, mas, ao entrar para qualquer instituição, todo indivíduo sofre o processo

de ajustamentos.

Os conteúdos explorados em sala de aula são predeterminados.

Alguns conhecimentos são permitidos na escola e outros ficam fora da sala de aula

(por exemplo, educação sexual, ética, saúde, meio ambiente, trabalho e consumo,

avanços lógicos).

A escola define que tipos de raciocínios são válidos, certos e verdadeiros e que caminhos os constroem. Inscreve que visão de mundo deve ser aceita como padrão ideal e desejável por todos. (...) Muitas vezes fala-se de construção e pratica-se transmissão, travestida de construção. Também dessa forma é exercido o poder de dominação e de controle na escola. (CRUZ, 2000, p. 70).

É evidente que devem existir normas para o convívio na escola, mas

a escola pode estar priorizando o controle e a ordem, sem questionar as

conseqüências sobre a construção da identidade de professores e alunos, por

exemplo, adotando práticas ineficazes de ensino da leitura e a escrita como

possibilidade de acesso aos bens culturais do mundo letrado e na conquista da

cidadania plena.

Através da leitura e da escrita podemos ampliar nossa consciência a

respeito do nosso papel neste mundo e encontrarmos caminhos para nossa

humanização, desde que, lendo e escrevendo estejamos agindo sobre os textos e

produzindo significações. “Não deve, portanto, existir dicotomia entre ler a palavra e

ler a realidade, bem como entre escrever a palavra e escrever a realidade” (LEAL,

235

2003, p. 39). Para que essa dicotomia deixe de existir é pré-requisito que os

envolvidos na formação dos alunos desenvolvam neles mesmos o que almejam

desenvolver nos alunos. Desse modo, como formar cidadãos se o educador não

reconhece no papel que desempenha um exercício de cidadania? E, se o professor

não usa, efetivamente, a leitura e a escrita como uma prática social, ele pode

contribuir para o processo de letramento de seus alunos?

Se o professor não valoriza o jornal em sala de aula, ele próprio

pode considerar as atividades que realiza através desse suporte como tempo morto,

tempo perdido, inútil, e essa imagem será refletida para os alunos. Estes “precisam

também ter garantido o direito de aprender a ler jornais, reconhecendo, nesse

suporte, a possibilidade de melhor conhecer os fatos da realidade, de obter

elementos para uma análise crítica desses fatos e, desse modo, melhor interpretar a

própria vida; saber localizar informações relevantes a algum propósito, identificar os

cadernos, as seções, reconhecer os diferentes gêneros textuais e os seus registros

lingüísticos” (LEAL, 2003, p. 41).

O receio às mudanças sempre fez parte da atitude humana. Em

contrapartida, a realidade contemporânea exige que estejamos cada vez mais

informados, atualizados e participantes deste mundo globalizado. Não podemos,

portanto, continuar ensinando nossos alunos da mesma forma que os professores

dos nossos avós ensinavam. Os tempos mudaram e nós – educadores -

permanecemos estagnados. Todas as iniciativas visando à melhoria do aluno devem

estar relacionadas diretamente ao professor; é ele quem usará ou não uma nova

ferramenta, aceitará ou não novas propostas que invalidam as práticas do passado e

exigem a adoção de estratégias e táticas recentes. “Em um futuro próximo haverá

uma grande monta de recursos disponíveis para se investir em educação, assim

236

como vontade política para fazê-lo, mas, em contrapartida, faltarão profissionais

qualificados para desempenhar suas atividades” (KALINKE, 1999, p. 20).

Empresas realmente modernas vêem os funcionários como

colaboradores ativos na produção; quanto mais inovadores e questionadores

melhor. Antigamente, o funcionário passivo era tido como exemplar por “não meter o

bedelho onde não fosse chamado”. Seguindo essa tendência de transformações e

inovações, surgem os PCNs. Os Parâmetros Curriculares Nacionais definem o aluno

como um colaborador ativo e não um receptor passivo, que a ênfase educacional

recaia sobre o pensamento crítico e não a memorização de fatos, que o método de

ensino seja interacionista e não repetitivo.

Como nos adaptamos a essas transformações? Provavelmente, sem

que nós, profissionais, assumamos um compromisso efetivo e coerente com as

transformações curriculares propostas, a realidade não será diversa da que temos

hoje em dia, porque continuará havendo dissociação entre o discurso e a prática.

“Ainda está mais no professor a tomada de decisões sobre o seu fazer docente do

que na instituição, ainda que se reconheça que o clima, os objetivos, os valores e

preconceitos institucionais pesem no projeto individual do professor” (CUNHA, 1989,

p. 163).

Goffman (1988) aplica o termo estigma às situações do indivíduo que

se encontre inabilitado para a aceitação social plena, em virtude da posse de um

atributo que se impõe como alvo de atenção e detona o afastamento daqueles que o

detêm. O estigmatizado é condenado a um lugar social de descrédito e isolamento, o

que vai ferir a integridade psicológica do indivíduo. Goffman designa como normais

os que não se afastaram negativamente das expectativas postas socialmente; os

237

estigmatizados encontram-se em situação de não-enquadramento frente às

expectativas socialmente construídas.

Com relação aos profissionais da educação, caberia o

desenvolvimento das discussões propriamente pedagógicas, que retirassem a

escola da condição de espaço estigmatizador que muitas vezes a reveste, como no

caso das que se deixam transformar em ‘depósito de crianças’ (PUPPIN, 1999, p.

259). Quando o objetivo proclamado pela escola é a formação de sujeitos éticos,

capazes de construir uma sociedade justa, é pressuposto que os seus atores reflitam

sobre como se dão as relações entre eles e combatam os estigmas que cerceiam

estas relações, pois a estigmatização faz com que o sujeito incorpore o rótulo, o que

compromete sua auto-estima e reduz suas chances de aprender em decorrência

desses pressupostos que embasam suas visões.

A escola é uma instância de controle social. “A escola gira em torno

de relações de poder e reveste-se de uma característica de dominação. A

constituição dos poderes na escola se dá de várias formas. Passa pela estrutura,

pela organização, pelas regras disciplinares que definem os lugares sociais de

alunos e professores”, (CRUZ, 2000, p. 69). Como recorda Guareschi (2003),

professores e alunos ocupam posições diferentes, mas essas posições não

precisam ser antagônicas; as relações podem ser de complementaridade, de

colaboração, de cooperação, de respeito mútuo ou as relações podem ser de

subordinações, assimétricas, desiguais, dominadoras. A maneira como essas

relações são constituídas pelos sujeitos vai construir cidadãos livres/autônomos ou

subordinados/dominados.

238

Desse modo, se o professor estiver preparado e motivado para

contribuir para o desenvolvimento da visão crítica dos acontecimentos, o jornal é um

recurso didático capaz de:

� Diminuir o tempo morto : por oferecer textos de interesse

para os alunos, pois o jornal traz vários temas familiares e

interessantes, o que estimula os alunos a realizarem a leitura

em busca de informações socialmente significativas:

� Atenuar as contradições : por relacionar os conteúdos

teóricos com a realidade social, estabelecendo ligação entre

os conteúdos ensinados na escola e o que acontece na vida

real, como requer a política do MEC;

� Eliminar os estigmas : por permitir o conhecimento da

diversidade e poder ser usado para atividades que socializam

o aluno, como compartilhar com os colegas seus

conhecimentos e experiências sobre o tema;

� Atender às cobranças externas : por estimular a relação

entre escola e sociedade, com base nos temas da atualidade,

o que pode instigar maior participação social e gerar interação

entre a realidade dos alunos e a realidade escolar;

� Influenciar no domínio institucional : por facilitar o

relacionamento dos conteúdos com a realidade social e

outorgar atualidade aos conteúdos abordados, além de

dinamizar criativamente a programação do professor já que

não traz exercícios prontos;

239

� Democratizar a interpretação oficial : por apresentar

diversas informações e interpretações sobre os fatos da

atualidade, o jornal representa uma fonte de atualização, que,

entretanto, são guiadas pela política administrativa da

empresa. Portanto, se procurarmos a mesma notícia em outro

jornal ou veículo de comunicação, é possível encontrar

diferentes versões ou interpretações sobre o mesmo evento

ou assunto.

Todas essas possibilidades são dependentes da formação dos

professores, pois não formaremos alunos mais críticos diante do mundo sem a

formação de professores mais reflexivos sobre os conhecimentos cognitivos que

possuem e a vida institucional que articulam.

Alunos leitores convivem em um domínio institucional de menor

controle social, pois há tendência para ser um ambiente transformador, crítico.

Leitores estão mais abertos a cobranças externas, enquanto os ledores estão mais

fechados a elas, por isso professores e alunos leitores apresentam tendências para

serem mais inovadores. Os PCNs são cobranças externas, assim como as

avaliações em todos os níveis de ensino, e como ledores são menos inovadores eles

se mostram mais resistentes quanto às mudanças pelas quais a sociedade

contemporânea clama.

Em um ambiente de leitores a tendência é para maior aceitação,

enquanto ledores tendem à maior estigmatização. Investigar como os professores e

alunos são vistos e aceitos revela estigmas que influem no trabalho realizado com

leitura na escola. As contradições entre o currículo oficial (o que se diz fazer) e o

240

currículo oculto (o que realmente se faz) permanecem implícitas para um ledor e por

isso não são discutidas e combatidas. Um ambiente de leitores favorece a

explicitação dos problemas, o que facilita a busca de soluções para os mesmos.

Quando professores e alunos são leitores, o tempo morto é baixo,

porque há maior desempenho. Se o professor é leitor, mesmo que os alunos sejam

ledores, há tendência para um tempo morto baixo, porque o docente instiga a turma

para um maior desempenho. Quando professores e alunos são ledores, o tempo

morto pode ser alto ou baixo, porque o desempenho é baixo, mas o tempo pode ser

plenamente preenchido com atividades pouco produtivas para a formação de leitores

Quando alunos são leitores e possuem professor ledor, o tempo morto será alto,

esse tempo improdutivo incentiva o menor desempenho.

Se o professor é um ledor significa uma tendência para um

ambiente menos analítico, mais reprodutivo, menos democrático. Se o professor é

um leitor, a tendência é para um ambiente mais analítico, menos reprodutivo das

interpretações oficiais, pois, quanto mais professores e alunos forem leitores, mais

democrático será o ambiente escolar.

A escola é uma instituição social; assim como a família, a igreja, o

Estado. E assim como as outras instituições sociais possuem um domínio

institucional, ou seja, a escola busca um padrão de comportamento, por exemplo,

transformar o analfabeto em alfabetizado e este em leitor. Através da educação, são

transmitidas ao indivíduo as maneiras de pensar e agir preestabelecidas na

sociedade, porém estas formas se transformam contínua e lentamente. Assim como

a concepção de família formada a partir do casamento vem sofrendo transformações

no decurso da história, todas as relações inter-humanas passam por processos de

ajustamentos, o que envolve mudanças estruturais nas instituições. Como a

241

sociedade evolui, a realidade se transforma, a escola precisa manter-se vital e dar

respostas aos anseios culturais da sua respectiva comunidade. No entanto,

transformações que parecem naturais (por exemplo, não se limitar ao livro didático)

sofrem, na escola, grandes resistências, porque o domínio institucional é

conservador. Conseqüentemente, o poder do professor é limitado, pois as

influências da direção e da supervisão da escola e dos pais dos alunos fazem com

que ele prefira o conservadorismo, tendo medo de inovar (por exemplo, mantendo as

carteiras sempre em fila ou priorizando o livro didático em detrimento de qualquer

outro material de leitura).

O estigma é uma marca estereotipada que recai sob determinadas

pessoas. Os estigmas são formas de preconceito. O sujeito estigmatizado sofre

rejeição e, muitas vezes, responde com rejeição a quem o rejeita a fim de preservar

o seu eu. Como ensina Goffman (2001, p. 157), “a natureza humana de seus

participantes é indiscutivelmente um elemento significativo da situação”; em outras

palavras, é normal que um sujeito queira garantir à sua identidade pessoal maior

dignidade, do que ser visto com impessoalidade (como um número na lista de

freqüência) ou reconhecido como filho de pai e mãe iletrados, repetente, com idade

inadequada para a série... O indivíduo pode enfrentar essa definição de si mesmo

através de atitudes de transgressão das normas escolares, por exemplo, revelando

pouca importância aos objetivos oficiais da organização a que pertence: como a

escola tem como objetivo oficial à formação de leitores, o aluno estigmatizado resiste

em desenvolver o gosto pela leitura.

É possível que alunos vão à escola por imposição familiar ou social,

e que sintam o tempo passado ali como tempo morto, ou seja, que as atividades

desenvolvidas não trazem contribuições para a sua vida. A finalidade maior de estar

242

ali é alcançar um certificado, mas o indivíduo não efetua vínculos afetivos com o

grupo do qual faz parte. “Os vínculos que unem o indivíduo a entidades sociais de

diferentes tipos apresentam propriedades comuns. (...) exigem que sinta

participação, identificação e ligação emocional. Portanto, a participação numa

entidade social impõe compromisso e adesão” (GOFFMAN, 2001, p. 147-148).

O aluno pode perceber que as atividades desenvolvidas na escola

não são significativas para a vida; isso prejudica sua motivação para os estudos e o

faz apático na sala de aula ou até mesmo o torna um aluno indisciplinado, como

forma de manifestar seu descontentamento. A eleição de Temas Transversais torna

o conteúdo significativo para o momento presente, “uma organização instrumental

formal sobrevive por ser capaz de apresentar contribuições úteis da atividade de

seus participantes; é preciso empregar meios estipulados e é preciso atingir fins,

também estipulados”. (GOFFMAN, 2001, p. 150).

O mutismo e a apatia do aluno são inadequações que podem não

perturbar o professor e até serem consideradas como facilitadoras da disciplina em

sala de aula, como se fossem manifestações de respeito pelo ambiente escolar. Se

o sujeito age de maneira controlável é bem quisto dentro da instituição: se não age

convenientemente recebe punições. Por isso, a grande maioria dos alunos procura

“encaixar-se” nas estruturas institucionais existentes, por exemplo, reproduzindo

interpretações oficiais, o que significa fornecer respostas que consideram que o

professor vai querer ouvir, independente delas terem ou não valor de verdade. Há

predisposição para reproduzir a interpretação oficial.

Os alunos lêem e escrevem, mas o professor tem o controle dessa

redação e das suas interpretações, sendo assim, as mesmas exprimem a

interpretação oficial da instituição. No entanto, em um estabelecimento social podem

243

haver participantes que “se recusam, de alguma forma, a aceitar a interpretação

oficial do que devem dar e retirar da organização e, além disso, quanto ao tipo de eu

e de mundo que devam aceitar para si mesmos”(GOFFMAN, 2001, p. 246).

Responder a uma entrevista significa expor sua face. E não é

comum que um educador queira apresentar-se a outro como um profissional

desinteressado. É até esperado que o professor queira transmitir a imagem de

alguém preocupado com as transformações sociais e atualizado em sua área de

atuação e, portanto, disposto a promover conhecimentos significativos como

requerem os PCNs. Mesmo que, em sua prática profissional, enfatize a

memorização de conceitos gramaticais e de regras ortográficas, dificilmente

assumiria isso em seu discurso por ter consciência que isso representaria assumir

sua ignorância dos conhecimentos produzidos pela Lingüística. Estes

conhecimentos, de fato, podem ser ignorados, mas esta face não deve ser revelada.

Diante desse quadro, o professor de língua materna pode atribuir a

não-formação de leitores a fatores sociais, como o perfil da clientela na escola

pública; no caso da escola rural, há a invasão desse falar na escola, ou seja, a

variante lingüística adotada pelos alunos está em desacordo com a forma de

prestígio (difere do padrão) e o professor do idioma pode sentir-se impotente diante

da crise social que afeta o ensino que promove.

Ao confrontar-se com novas propostas curriculares (por exemplo, os

PCNs), surge insegurança, pois – às vezes – o conhecimento do teor da proposta é

superficial e não sentindo habilidade para transformar sua prática fundamentada

pela nova teoria, o educador mascara sua prática.

Foucault (1996) trata dos mecanismos de controle do sujeito e do

discurso, há discursos autorizados, produzidos por sujeitos autorizados. O professor

244

pode ter ciência que, em seu dia-a-dia, promove o processo de apropriação do

conhecimento na escola de forma distinta daquela indicada pelos PCNs como

diretriz para o trabalho do professor, mas sabe também que os PCNs oficializam o

discurso do MEC, portanto, apesar de realizar em seu dia-a-dia um trabalho

gramatical teórico-prescritivo, não reconhece que silencia sentidos no processo de

leitura e com isso contribui para a manutenção da exclusão social dos alunos.

Os PCNs postulam a necessidade de se integrar, no processo

pedagógico, sem artificialidade, por meio do texto, as três unidades básicas do

ensino de Língua Portuguesa (leitura, análise lingüística e produção textual) com

ênfase na leitura. Entretanto, desde 1985, Geraldi já defendia essa proposta em seu

livro O Texto na Sala de Aula, assim como tantos outros lingüistas brasileiros que

vêm defendendo esta postura há duas décadas.

As mudanças nas propostas educacionais são praticamente

ignoradas no cotidiano das salas de aula; as mudanças de paradigmas nos estudos

da linguagem não têm reflexo nas situações de ensino-aprendizagem de Língua

Portuguesa. Isto pode advir da precária formação dos professores, que não

favoreceu o desenvolvimento de uma postura investigativa, pois o aluno de

graduação foi treinado como recebedor de conhecimentos acabados e não instigado

a se tornar um constante pesquisador/questionador de sua prática e das teorias que

a fundamentam. Conseqüentemente, deve haver um processo de formação contínua

dos professores, visando à reflexão crítica sobre questões teórico-práticas e o

acesso às produções científicas. Isso contribuiria para sanar deficiências em sua

formação na licenciatura ou porque está formado há anos e a atualização

profissional deve ser um processo contínuo.

245

No entanto, apenas atualização constante não resolveria todos os

problemas. O professor desenvolve o papel de mediador entre os seus alunos e o

objeto de ensino-aprendizagem e, no caso do professor de Língua Portuguesa, ele é

mediador entre os seus alunos e o conhecimento lingüístico produzido. Portanto,

através da sua atuação, o educador realiza uma ponte entre os conhecimentos

lingüísticos que promove (por exemplo, o trabalho com a leitura do jornal) e papéis

institucionais que desempenham tanto os professores como os alunos, pois são

sujeitos que no espaço escolar assumem posturas ideológicas (BAKHTIN, 1988).

Estas posturas garantem que uma reformulação curricular possa provocar mudanças

apenas no nível do discurso, sem que esse discurso funcione na escola e enriqueça

a realidade da sala de aula.

O comportamento humano é o elemento prioritário para que as

propostas se realizem e não se limitem a ser um conjunto de intenções e para que

todos os aparatos e recursos colocados à disposição do ensino-aprendizagem sejam

colocados em funcionamento, em uso efetivo, para desencadear o ensino e a

aprendizagem.

Através dessa pesquisa, descobri que o uso do jornal está sendo

insuficiente; mas isso eu já pressupunha. Concluí que o ser humano ainda prevalece

sobre Parâmetros e projetos, ou seja, é o contato interpessoal realizado em sala de

aula o elemento decisivo para transformar um ledor em leitor ou um sujeito em

cidadão.

Sem esta consciência, o governo pode investir na elaboração de

novos parâmetros ou mesmo na maior distribuição e divulgação dos parâmetros

atuais. Também as administrações públicas podem continuar fazendo parcerias com

empresas jornalísticas e/ou iniciativas privadas, sem que tanto investimento traga

246

resultados esperados. A partir dessa consciência pode estabelecer-se um novo

paradigma, o de valorização dos relacionamentos internos dentre os membros que

compõem uma instituição. Sem obter o engajamento e o comprometimento dos

participantes de um projeto – quer seja de formação de leitores ou de cidadãos –

essa participação continua existindo apenas no nível do falar e não do realizar.

O objetivo apregoado pelos PCNs de formar leitores críticos e

agentes eficazes da cidadania requer do educador a capacidade de reflexão crítica

sobre temas relativos aos conhecimentos cognitivos e questões institucionais,

portanto envolve um processo contínuo de formação profissional.

Tradicionalmente, o aluno é um mero objeto passivo na relação

ensino-aprendizagem, e o professor é o provedor de conhecimentos - verdade. O

mercado de trabalho do mundo contemporâneo solicita que o aluno tenha uma

formação diferente dessa tradicional para ser capaz de melhor utilizar os recursos

disponíveis. Nesse sentido também é encaminhada a proposta do Ministério da

Educação através dos PCNs. Porém, sem preparação profissional atualizada e

permanente, é difícil que o professor obtenha os conhecimentos dos quais precisa

para efetivar o objetivo apregoado pelos PCNs e assim, formar sujeitos com perfis

de leitores e cidadãos.

Para a utilização dos recursos disponíveis é necessário aprimorar

conhecimentos relacionados com a prática docente, por exemplo, o jornal é um

recurso valioso para ser incorporado à sala de aula com o fim de contribuir para a

formação de leitores que tenham consciência crítica do que ocorre na sociedade,

mas essa criticidade depende de como se dá a utilização do jornal na sala de aula. É

essencial a motivação do professor para incorporar a leitura dos meios de

comunicação de massa entre os conteúdos ensinados na escola.

247

A interpretação da realidade do aluno, da sua comunidade, do país e

do mundo pode provocar mudanças no cenário pedagógico, pois transforma ledores

em leitores e cidadãos. Porém, a mera incorporação do jornal à escola não é capaz

de provocar essa mudança e os dez anos do ‘Projeto Cidadania’ exemplificam isso.

O que pode produzir efeitos positivos no desenvolvimento das habilidades de leitura

e escrita dos alunos é a motivação do professor para usar o jornal como objeto de

estudo de forma a propiciar desenvolvimento de competências lingüísticas e o

estabelecimento de relações entre os conteúdos abordados na escola e a realidade

cotidiana.

Para que o professor saia da prática discursiva de caráter retórico e

assuma com competência a demanda de educar de acordo com as propostas

oficiais do MEC é preciso que as Secretarias de Educação, através de seus grupos

de apoio pedagógico, articulem a proposta apresentada pelos PCNs na vida

institucional e que as universidades formadoras dos educadores promovam a

reflexão sobre questões teórico-práticas, por exemplo, discussões sobre a

aplicabilidade de projetos ligados à educação, como é o caso do Projeto Cidadania.

248

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256

ANEXOS

257

ANEXO 1 - QUESTIONÁRIO para DIRETORES(AS) E SUPERVISORES(AS) Pseudônimo: ___________________________________________________________

Perfil Sócio-Econômico dos Diretores/Supervisores

1. Sexo: (A) Masculino. (B) Feminino.

2. Idade: (A) Até 24 anos. (B) De 25 a 29 anos. (C) De 30 a 39 anos. (D) De 40 a 49 anos. (E) De 50 a 54 anos. (F) 55 anos ou mais.

3. Como você se considera? (A) Branco(a). (B) Pardo(a). (C) Preto(a). (D) Amarelo(a). (E) Indígena.

4.Qual seu nível máximo de escolaridade? (A). Ensino Médio – Magistério (antigo 2º grau). (B) Ensino Superior – Pedagogia. (C) Ensino Superior – Licenciatura em Matemática, Letras ou outro curso superior na área do magistério. (D) Magistério Superior (Escola Normal Superior). (E) Ensino Superior – Outros (F) Pós- Graduação.

5. Se você fez curso superior, de que forma ele foi realizado? (A) Presencial. (B) Semipresencial. (C) À distância. (D) Final de semana.

6. Entre os cursos citados de pós-graduação, qual/quais fez (se os fez): (A) Não fiz ou ainda não completei nenhum curso de pós-graduação. (B) Especialização (mínimo de 360 horas). (C) Mestrado. (D) Doutorado.

7. Participou de alguma atividade de formação continuada (Atualização, Treinamento, Capacitação, etc) nos últimos dois anos? (A) Sim. (B) Não

8. Há quantos anos você trabalha na área de Educação? (A) De 1 a 2 anos. (B) De 3 a 5 anos. (C) De 6 a 9 anos. (D) De 10 a 15 anos. (E) De 15 a 20 anos (F) Há mais de 20 anos.

9. Há quantos anos você trabalha nesta escola? (A) Há menos de 1 ano. (B) De 1 a 2 anos. (C) De 3 a 5 anos. (D) De 6 a 9 anos. (E) De 10 a 15 anos. (F) De 15 a 20 anos. (G) Há mais de 20 anos.

10. Você lecionou antes de ocupar o cargo atual? () Sim. () Não Se a resposta foi sim, por quanto tempo? (A) De 3 a 5 anos. (B) De 6 a 9 anos. (C) De 10 a 15 anos. (D) De 15 a 20 anos (E) Há mais de 20 anos.

11. Em quantas escolas você trabalha? (A) Apenas nesta escola. (B) Em 2 escolas. (C) Em 3 escolas. (D) Em 4 ou mais escolas.

12. Trabalha somente na rede pública? (A) Sim. (B) Não.

13. Em Qual(is) Turno(s) você trabalha? (Marque mais de uma opção, se for o caso) (A) Matutino. (B) (B) Vespertino. (C) (C) Noturno

14. Além de seu trabalho nesta escola, você exerce outra atividade que gera renda? (A) Sim, na área de educação. (B) Sim, fora da área de educação. (C) Não.

15. Quantas horas por semana você dedica, fora da escola, a atividades relacionadas ao seu trabalho como educador? (A) Até 4 horas semanais. (B) De 4 a 8 horas semanais.

258

(C) De 8 a 12 horas semanais. (D) Mais de 12 horas semanais.

16. Qual seu salário bruto como professor(a)? (total) (A) Até R$ 240,00. (B) De R$ 241,00 a R$ 480,00. (C) De R$ 481,00 a R$ 960,00. (D) De R$ 961,00 a R$ 1440,00. (E) R$ 1441,00 ou mais

17. Qual sua renda bruta familiar? (A) Até R$ 240,00. (B) De R$ 241,00 a R$ 480,00. (C) De R$ 481,00 a R$ 960,00. (D) De R$ 961,00 a R$ 1440,00. (E) De R$ 1441,00 a R$ 2160,00. (F) R$ 2161,00 ou mais

Perfil da relação dos diretores/supervisores com a c omunidade

18. Nasceu na comunidade onde trabalha? ( ) Você ( ) Seu pai

( ) sua mãe ( ) Seus avós maternos ( ) Seus avós paternos

19. Se você só trabalha na comunidade, mas não mora aí, porque foi trabalhar aí?

20. Você sabe o qual a origem do nome do distrito?

21. Você sabe o qual o significado do nome do distrito?

22. Você conhece a história do distrito? () Sim () Não

23. Como é composta a população do distrito? [Conforme a quantidade de pessoas de cada grupo, numere de 1 a 5. Exemplo: têm mais brancos (5), depois amarelos (4), depois pardos (3), um pouco de pretos (2) e alguns indígenas (1)] ( ) Brancos. ( ) Pardos. ( ) Pretos. ( ) Amarelos. ( ) Indígenas.

24. Qual(is) a(s) origem(ns) dos primeiros moradores do distrito? () Portugueses () Italianos () Japoneses () Alemães () Outros. Cite ________________________

25. Você conhece algum folclore (alguma estória, lenda, supertição) característica dos moradores do distrito? (estórias contadas pelos pais, avós, etc). Qual(is)?

26. Qual é atualmente, na sua opinião, a pessoa mais importante que mora no distrito?

27. Para você, qual foi no passado, a pessoa mais importante que morou ou ainda mora no distrito?

28. Quem você acha que é a pessoa mais importante para o distrito?

29. A comunidade promove alguma festa local? () Não () Sim Se sim, quantas são e quais são?

30. Você e/ou sua família costumam participar ativamente (ou trabalhar) nestas festas? () Não () Sim Se sim, como?

31. Que opções de lazer existem para os jovens da comunidade? (A) praças de esporte (B) salão de jogos (pingue-pongue, pebolim, damas, xadrez, dominó etc) (B) clube(s) (C) bares, lanchonetes (D) biblioteca, videoteca (E) campeonatos locais De quê?

32. Que outras atividades de lazer você encontra no distrito? (A) festas promovidas por amigos

259

(B) festas promovidas pela igreja (C) festas promovidas pela escola (D) passeios para outras localidades (E) praça ou jardim onde os jovens se encontram para conversar, paquerar (F) outros (cite)

33. Que outras atividades de lazer você gostaria que houvesse em Paiquerê?

34. Sua escola costuma promover algum tipo de festa ou atividade extra-escolar? (maratona, jogos, competições, festivais, etc). () sim () não Se sim, que tipo? Os alunos costumam trabalhar na organização destes eventos? Como? Você gosta de trabalhar (ajudar) nestes eventos?

35. Na sua opinião, qual a atividade mais importante para as pessoas que moram no distrito?

Perfil profissional do diretores/supervisores e sua relação com a escola

36. Você acha que a escola é bem cuidada, bem conservada? () sim () não

37. Sua escola é um lugar seguro? () sim () não

38. Você já sofreu algum tipo de violência dentro da escola? () sim () não

39. Você já viu alguém sofrer algum tipo de violência dentro da escola? () sim () não

40. Sua escola j’á foi roubada ou depredada (estragada, danifica, pixada)? () sim () não

41. Sua escola tem guarda, vigia ou um zelador residente? () sim () não

Indique os recursos pedagógicos disponíveis nesta escola: (Marque apenas UMA opção em cada linha.) (A) Sim, utilizo (B) Não utilizo porque não acho necessário (C) Não utilizo porque a escola não tem, mas acho necessário 42. Computadores. (A) (B) (C) 43. Internet. (A) (B) (C) 44. Fitas de vídeo. (A) (B) (C) 45. Jornais e revistas informativas. (A) (B) (C) 46. Livros de consulta para os professores. (A) (B) (C) 47. Livros de leitura. (A) (B) (C) 48. LIVROS DIDÁTICOS. (A) (B) (C)

49. Retroprojetor. (A) (B) (C) 50. Mimeógrafo. (A) (B) (C)

260

Algumas afirmações são usadas para explicar as dificuldades de aprendizagem dos alunos. De acordo com sua opinião, marque as alternativas abaixo: (Marque apenas uma opção em cada linha.) (A) Concordo (B) Discordo 51. São localizadas na escola devido à carência de infra-estrutura física e/ou pedagógica. (A) (B) 52. Estão relacionadas aos conteúdos curriculares que são inadequados às necessidades dos alunos. (A) (B) 53. São decorrentes do ambiente de insegurança física da escola. (A) (B) 54. Encontram-se na escola que oferece poucas oportunidades de desenvolvimento das capacidades intelectuais do aluno. (A) (B) 55. Estão relacionadas ao não cumprimento do conteúdo curricular. (A) (B) 56. Relacionam-se à sobrecarga de trabalho do(as) professores(as), dificultando o planejamento e o preparo das aulas. (A) (B) 57. São decorrentes da indisciplina dos alunos em sala de aula. (A) (B) 58. Ocorrem devido ao baixo salário dos professores que gera insatisfação e desestímulo para a atividade docente. (A) (B) 59. Originam-se no meio em que o aluno vive. (A) (B) 60. São decorrentes do nível cultural dos pais dos alunos. (A) (B) 61. Estão relacionadas à falta de assistência e acom panhamento da família nos deveres de casa e pesquis as dos alunos. (A) (B) 62. Ocorrem devido à falta de aptidão e habilidades do aluno. (A) (B) 63. Ocorrem devido ao desinteresse e falta de esforço do aluno. (A) (B) 64. Estão vinculadas à baixa auto-estima dos alunos. (A) (B)

65. Você está satisfeito(a) com sua profissão? (A) Sim. (B) Não. 66. Por quanto tempo você ainda planeja continuar trabalhando nesta área? (Marque apenas UMA opção) (A) Enquanto fisicamente eu for capaz. (B) Até completar o meu tempo para aposentadoria. (C) Continuarei nesta função até que apareça algo melhor. (D) Certamente deixarei a profissão em dois anos.

67. Você pretende mudar de escola? (A) Sim. (B) Não. 68. Você está satisfeito(a) com seu salário? (A) Sim. (B) Não. 73. Algumas vezes, no último ano, você sentiu que é perda de tempo tentar dar o melhor de si para ser um bom diretor/supervisor? (A) Sim. (B) Não. 69. Se você pudesse voltar atrás no tempo, você faria opção área de Educação novamente? (A) Sim. (B) Não. 70. Se seu filho optasse por seguir a carreira de magistério, você ficaria satisfeito(a)? (A) Sim. (B) Não.

A seguir apresentamos questões sobre você e seu trabalho. Leia cada frase e marque, entre as alternativas: (o que for mais de acordo com sua realidade) zero (0) - significa discordo totalmente, ou não se aplica a mim; cinco (5) – concordo totalmente; opções entre zero e cinco como graduações entre os dois sentidos. 71. Eu me sinto muito cheio de energia. .. .. .. .. .. .. .. 72. Eu me sinto esgotado ao final de um dia de trabalho. .. .. .. .. .. .. .. 73. Sinto que a minha clientela me culpa por alguns dos seus problemas. .. .. .. .. .. .. .. 74. Eu me sinto estimulado depois de trabalhar lado a lado com a minha clientela. .. .. .. .. .. .. .. 75. Eu me sinto como se estivesse no final do meu limite. .. .. .. .. .. .. .. 76. No meu trabalho, eu lido com os problemas emocionais com muita calma. .. .. .. .. .. .. .. 77. Eu me sinto emocionalmente exausto pelo meu trabalho. .. .. .. .. .. .. .. 78. Eu me sinto frustrado com meu trabalho. .. .. .. .. .. .. .. 79. Trabalhar diretamente com pessoas me deixa muito estressado. .. .. .. .. .. .. .. 80. Eu me sinto esgotado com meu trabalho. .. .. .. .. .. .. .. 81. Posso criar facilmente um ambiente tranqüilo com a minha clientela. .. .. .. .. .. .. .. 82. Sinto que estou influenciando positivamente a vida de outras pessoas através do meu trabalho. .. .. .. .. 83. Sinto que trato algumas pessoas da minha clientela como se fossem objetos. .. .. .. .. .. .. .. 84. Sinto que estou trabalhando demais no meu emprego. .. .. .. .. .. .. .. 85. Trato de forma adequada os problemas da minha clientela. .. .. .. .. .. .. .. 86. Eu me sinto cansado quando me levanto de manhã e tenho de encarar outro dia de trabalho.

261

87. Trabalhar com pessoas o dia inteiro é realmente um grande esforço para mim. .. .. .. .. .. .. .. 88. Posso entender facilmente o que sente a minha clientela acerca das coisas. .. .. .. .. .. .. .. 89. Acho que me tornei mais insensível com as pessoas desde que comecei este trabalho. .. .. .. 90. Acho que este trabalho está me endurecendo emocionalmente. .. .. .. .. .. .. .. 91. Não me importo realmente com algumas pessoas da minha clientela. .. .. .. .. .. .. .. 92. Tenho realizado muitas coisas importantes neste trabalho. .. .. .. .. .. .. ..

262

ANEXO 2 - QUESTIONÁRIO para PROFESSORES(AS) Pseudônimo: ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

1. Sexo: (A) Masculino. (B) Feminino.

2. Idade: (A) Até 24 anos. (B) De 25 a 29 anos. (C) De 30 a 39 anos. (D) De 40 a 49 anos. (E) De 50 a 54 anos. (F) 55 anos ou mais.

3. Como você se considera? (A) Branco(a). (B) Pardo(a). (C) Preto(a). (D) Amarelo(a). (E) Indígena.

4.Qual seu nível máximo de escolaridade? (A) Ensino Médio – Magistério (antigo 2º grau). (B) Ensino Médio – Outros (antigo 2º grau). (C) Ensino Superior – Pedagogia. (D) Ensino Superior – Licenciatura em Matemática, Letras ou outro curso superior na área do magistério. (E) Magistério Superior (Escola Normal Superior). (F) Ensino Superior – Outros (G) Pós- Graduação

5. Se você fez curso superior, de que forma ele foi realizado? (A) Presencial. (B) Semipresencial. (C) À distância. (D) Final de semana.

6. Entre os cursos de pós-graduação, qual/quais fez (se os fez): (A) Não fiz ou ainda não completei nenhum curso de pós-graduação. (B) Especialização (mínimo de 360 horas). (C) Mestrado. (D) Doutorado.

7. Participou de alguma atividade de formação continuada (Atualização, Treinamento, Capacitação, etc) nos últimos dois anos? (B) Sim. (B) Não

8. Há quantos anos você leciona? (A) Há menos de 1 ano. (B) De 1 a 2 anos. (C) De 3 a 5 anos. (D) De 6 a 9 anos. (E) De 10 a 15 anos. (F) De 15 a 20 anos (G) Há mais de 20 anos.

9. Há quantos anos você trabalha nesta escola? (A) Há menos de 1 ano. (B) De 1 a 2 anos. (C) De 3 a 5 anos. (D) De 6 a 9 anos. (E) De 10 a 15 anos. (F) De 15 a 20 anos. (G) Há mais de 20 anos.

10. Há quanto tempo você leciona para esta turma? (A) Desde o início desse ano letivo. (B) De 6 a 8 meses. (C) De 3 a 5 meses (D) De 1 a 2 meses. (E) Há menos de 1 mês.

11. Em quantas escolas você trabalha? (A) Apenas nesta escola. (B) Em 2 escolas. (C) Em 3 escolas. (D) Em 4 ou mais escolas.

12. Trabalha somente na rede pública? (A) Sim. (B) Não.

13. Em Qual(is) Turno(s) você trabalha? (Marque mais de uma opção, se for o caso) (D) Matutino. (E) (B) Vespertino. (F) (C) Noturno

14. Quantas horas-aula você ministra por semana? (A) Até 10 horas-aula. (B) De 10 a 20 horas-aula. © De 20 a 30 horas-aula. (D) De 30 a 40 horas-aula. (E) Mais de 40 horas-aula

15. Quantas horas por semana você dedica, fora da escola, a atividades relacionadas ao seu trabalho docente? (Por exemplo, correção provas/trabalhos, leituras complementares, etc)? (A) Até 4 horas semanais. (B) De 4 a 8 horas semanais.

263

(C) De 8 a 12 horas semanais. (D) Mais de 12 horas semanais.

16. Quantas horas por semana você dedica ao planejamento de aulas? (A) Até 4 horas semanais. (B) De 4 a 8 horas semanais. (C) 8 horas ou mais

17. Além do magistério, você exerce outra atividade que gera renda? (D) Sim, na área de educação. (E) Sim, fora da área de educação. (C) Não.

18. Qual seu salário bruto como professor(a)? (total) (A) Até R$ 240,00. (B) De R$ 241,00 a R$ 480,00. (C) De R$ 481,00 a R$ 960,00. (D) De R$ 961,00 a R$ 1440,00. (E) R$ 1441,00 ou mais

19. Qual sua renda bruta familiar? (A) Até R$ 240,00. (B) De R$ 241,00 a R$ 480,00. (C) De R$ 481,00 a R$ 960,00. (D) De R$ 961,00 a R$ 1440,00. (E) De R$ 1441,00 a R$ 2160,00. (F) R$ 2161,00 ou mais

Perfil da relação dos professores com a comunidade

21. Nasceu no distrito? ( ) Você ( ) Seu pai

( ) sua mãe ( ) Seus avós maternos ( ) Seus avós paternos

22. Se você só trabalha no distrito, mas não mora nele, porque foi trabalhar aí?

23. Você sabe o qual a origem do nome do distrito?

24. Você sabe o qual o significado do nome do distrito?

25. Você conhece a história do distrito? () Sim () Não

26. Como é composta a população do distrito? [Conforme a quantidade de pessoas de cada grupo, numere de 1 a 5. Exemplo: têm mais brancos (5), depois amarelos (4), depois pardos (3), um pouco de pretos (2) e alguns indígenas (1)] ( ) Brancos. ( ) Pardos. ( ) Pretos. ( ) Amarelos. ( ) Indígenas.

27. Qual(is) a(s) origem(ns) dos primeiros moradores do distrito? () Portugueses () Italianos () Japoneses () Alemães () Outros. Cite ________________________

28. Você conhece algum folclore (alguma estória, lenda, supertição) característica dos moradores do distrito? (estórias contadas pelos pais, avós, etc). Qual(is)?

29. Qual é atualmente, na sua opinião, a pessoa mais importante que mora no distrito?

30. Para você, qual foi no passado, a pessoa mais importante que morou ou ainda mora no distrito?

31. Quem você acha que é a pessoa mais importante para o distrito ?

32. A comunidade promove alguma festa local? () Não () Sim Se sim, quantas são e quais são?

33. Você e/ou sua família costumam participar ativamente (ou trabalhar) nestas festas? () Não () Sim Se sim, como?

34. Que opções de lazer existem para os jovens da comunidade? (A) praças de esporte (B) salão de jogos (pingue-pongue, pebolim, damas, xadrez, dominó etc) (B) clube(s) (C) bares, lanchonetes (D) biblioteca, videoteca (E) campeonatos locais De quê?

35. Que outras atividades de lazer você encontra na localidade? (A) festas promovidas por amigos

264

(B) festas promovidas pela igreja (C) festas promovidas pela escola (D) passeios para outras localidades (E) praça ou jardim onde os jovens se encontram para conversar, paquerar (F) outros (cite, rapidamente)

36. Que outras atividades de lazer você gostaria que houvesse na localidade?

37. Sua escola costuma promover algum tipo de festa ou atividade extra-escolar? (maratona, jogos, competições, festivais, etc). () sim () não Se sim, que tipo? Os alunos costumam trabalhar na organização destes eventos? Como? Você gosta de trabalhar (ajudar) nestes eventos?

38. Na sua opinião, qual a atividade mais importante para as pessoas que moram no distrito?

Perfil profissional do professor e sua relação com a escola

Você costuma ler: (Marque apenas uma opção em cada linha) (A) Sempre ou quase sempre (B) De vez em quando (C) Nunca ou quase nunca 41. Livros sobre educação. (A) (B) (C) 42. Outros livros (literatura em geral). (A) (B) (C) 43. Livros de histórias infantis. (A) (B) (C) 44. Revistas especializadas na sua área. (A) (B) (C) 45. Jornais ou revistas de informação geral. (Veja, Isto É, Época, etc.) (A) (B) (C) 46. Revistas em quadrinhos. (A) (B) (C) 47. Outras revistas. (A) (B) (C) 48. Outros (A) (B) (C)

Quanto às afirmações abaixo, indique sua posição? (A) Concordo (B) Discordo 49. Sinto que sou parte importante desta escola. (A) (B) 50. Participo das decisões educacionais desta escola. (A) (B) 51. Recebo apoio dos pais dos alunos para desenvolvimento do meu trabalho. (A) (B) 52. Tenho plena confiança profissional no(a) diretor(a). (A) (B) 53. Os materiais pedagógicos necessários ao meu trabalho estão disponíveis nesta escola. (A) (B) 54. As rotinas burocráticas interferem no meu trabalho de ensinar. (A) (B) 55. O(a) diretor(a) consegue que os professores se comprometam com a escola. (A) (B) 56. O diretor implementa regras claras de conduta escolar e me apóia quando necessário. (A) (B) 57. Existe um clima de cooperação entre os professores desta escola. (A) (B) 58. O(a) diretor(a) estimula as atividades inovadoras. (A) (B) QUANTO ÀS AFIRMAÇÕES ABAIXO, INDIQUE SUA POSIÇÃO? (A) CONCORDO (B) DISCORDO

59. Sinto que sou parte importante desta escola. (A) (B) 60. Participo das decisões educacionais desta escola. (A) (B) 61. Recebo apoio dos pais dos alunos para desenvolvimento do meu trabalho. (A) (B) 62. Tenho plena confiança profissional no(a) diretor(a). (A) (B) 63. Os materiais pedagógicos necessários ao meu trabalho estão disponíveis nesta escola. (A) (B) 64. As rotinas burocráticas interferem no meu trabalho de ensinar. (A) (B) 65. O(a) diretor(a) consegue que os professores se comprometam com a escola. (A) (B) 66. O diretor implementa regras claras de conduta escolar e me apóia quando necessário. (A) (B) 67. Existe um clima de cooperação entre os professores desta escola. (A) (B) 68. O(a) diretor(a) estimula as atividades inovadoras. (A) (B) 69. A indisciplina de estudantes desta escola dificulta o meu trabalho de ensinar. (A) (B) 70. O(a) diretor(a) dá atenção adequada aos aspectos relacionados com a aprendizagem dos alunos. (A) (B)

71. Sinto-me seguro, pessoalmente, antes, durante e após o meu trabalho nesta escola. (A) (B) 72. O(a) diretor(a) dá atenção adequada aos aspectos relacionados com as normas administrativas. (A) (B) 73. O(a) diretor(a) dá atenção adequada aos aspectos relacionados com a manutenção da escola. (A) (B)

265

AS ATIVIDADES DE LÍNGUA PORTUGUESA PROPOSTAS EM SALA DE AULA TÊM POSSIBILITADO AOS

ALUNOS: (MARQUE APENAS UMA OPÇÃO EM CADA LINHA.)

(A) Sempre ou quase sempre (B) De vez em quando (C) Nunca ou Quase Nunca Atividades como: 74. Copiar textos extensos do livro didático ou do quadro de giz (quadro negro oulousa). (A) (B) (C) 75. Conversar sobre textos de jornais e revistas. (A) (B) (C) 76. Fazer exercícios sobre gramática relacionados com textos de jornais ou revistas. (A) (B) (C) 77. Automatizar o uso de regras gramaticais. (A) (B) (C) 78. Ler, discutir com colegas e escrever textos relacionados com o desenvolvimento de projeto temático. (A) (B) (C) 79. Ler e discutir contos, crônicas, poesias ou romances. (A) (B) (C) 80. Usar contos, crônicas, poesias ou romances para exercitar aspectos da gramática. (A) (B) (C) 81. Discutir um texto, explorando as diferenças entre fatos e opiniões. (A) (B) (C)

82. VOCÊ PASSA LIÇÃO DE CASA? (A) Sim. (B) NÃO.

83. VOCÊ CORRIGE A LIÇÃO DE CASA? (A) Sim, em sala de aula junto com os alunos. (B) Sim, sozinho tirando dúvidas sobre os resultados com os alunos. (C) Sim, e depois entrega os resultados aos alunos. (D) NÃO CORRIGE.

84. QUANTO DOS CONTEÚDOS PREVISTOS VOCÊ CONSEGUIU DESENVOLVER NESTA TURMA, no último ANO? (A) Menos de 40%. (B) Entre 40% e 60%. (C) Entre 60% e 80%. (D) MAIS DE 80%.

INDIQUE SE VOCÊ UTILIZA OU NÃO NESTA ESCOLA: (Marque apenas UMA opção em cada linha.) (A) Sim, utilizo (B) Não utilizo porque não acho necessário (C) Não utilizo porque a escola não tem, mas acho necessário 85. Computadores. (A) (B) (C) 86. Internet. (A) (B) (C) 87. Fitas de vídeo. (A) (B) (C) 88. Jornais e revistas informativas. (A) (B) (C) 89. Livros de consulta para os professores. (A) (B) (C) 90. Livros de leitura. (A) (B) (C) 91. LIVROS DIDÁTICOS. (A) (B) (C)

92. Retroprojetor. (A) (B) (C) 93. Mimeógrafo. (A) (B) (C)

Algumas afirmações são usadas para explicar as dificuldades de aprendizagem dos alunos. De acordo com sua opinião, marque as alternativas abaixo: (Marque apenas uma opção em cada linha.) (A) Concordo (B) Discordo 94. São localizadas na escola devido à carência de infra-estrutura física e/ou pedagógica. (A) (B) 95. Estão relacionadas aos conteúdos curriculares que são inadequados às necessidades dos alunos. (A) (B) 96. São decorrentes do ambiente de insegurança física da escola. (A) (B) 97. Encontram-se na escola que oferece poucas oportunidades de desenvolvimento das capacidades intelectuais do aluno. (A) (B) 98. Estão relacionadas ao não cumprimento do conteúdo curricular. (A) (B) 99. Relacionam-se à sobrecarga de trabalho do(as) professores(as), dificultando o planejamento e o preparo das aulas. (A) (B) 100. São decorrentes da indisciplina dos alunos em sala de aula. (A) (B) 101. Ocorrem devido ao baixo salário dos professores que gera insatisfação e desestímulo para a atividade docente. (A) (B)

266

102. Originam-se no meio em que o aluno vive. (A) (B) 103. São decorrentes do nível cultural dos pais dos alunos. (A) (B) 104. Estão relacionadas à falta de assistência e acompanhamento da família nos deveres de casa e pesquisas dos alunos. (A) (B)

105. Ocorrem devido à falta de aptidão e habilidades do aluno. (A) (B) 106. Ocorrem devido ao desinteresse e falta de esforço do aluno. (A) (B) 107. Estão vinculadas à baixa auto-estima dos alunos. (A) (B) 108. Você está satisfeito(a) com sua profissão de professor? (A) Sim. (B) Não. 109. Por quanto tempo você ainda planeja continuar ensinando? (Marque apenas UMA opção) (A) Enquanto fisicamente eu for capaz. (B) Até completar o meu tempo para aposentadoria. (C) Continuarei ensinando até que apareça algo melhor. (D )Certamente deixarei a profissão em dois anos. 110. Você pretende mudar de escola? (A) Sim. (B) Não. 111. Você está satisfeito(a) com seu salário como professor(a)? (A) Sim. (B) Não. 112. Algumas vezes, no último ano, você sentiu que é perda de tempo tentar dar o melhor de si para ser um bom professor? (A) Sim. (B) Não. 113. Se você pudesse voltar atrás no tempo, você faria opção pelo magistério novamente? (A) Sim. (B) Não. 114. Se seu filho optasse por seguir a carreira de magistério, você ficaria satisfeito(a)? (A) Sim. (B) Não. A seguir apresentamos questões sobre você e seu trabalho. Leia cada frase e marque, entre as alternativas: (o que for mais de acordo com sua realidade) zero (0) - significa discordo totalmente, ou não se aplica a mim; cinco (5) – concordo totalmente; opções entre zero e cinco como graduações entre os dois sentidos. 115. Eu me sinto muito cheio de energia. .. .. .. .. .. .. .. 116. Eu me sinto esgotado ao final de um dia de trabalho. .. .. .. .. .. .. .. 117. Sinto que a minha clientela me culpa por alguns dos seus problemas. .. .. .. .. .. .. .. 118. Eu me sinto estimulado depois de trabalhar lado a lado com a minha clientela. .. .. .. .. .. .. .. 119. Eu me sinto como se estivesse no final do meu limite. .. .. .. .. .. .. .. 120. No meu trabalho, eu lido com os problemas emocionais com muita calma. .. .. .. .. .. .. .. 121. Eu me sinto emocionalmente exausto pelo meu trabalho. .. .. .. .. .. .. .. 122. Eu me sinto frustrado com meu trabalho. .. .. .. .. .. .. .. 119. Eu me sinto como se estivesse no final do meu limite. .. .. .. .. .. .. .. 120. No meu trabalho, eu lido com os problemas emocionais com muita calma. .. .. .. .. .. .. ..

121. Eu me sinto emocionalmente exausto pelo meu trabalho. .. .. .. .. .. .. .. 122. Eu me sinto frustrado com meu trabalho. .. .. .. .. .. .. .. 123. Trabalhar diretamente com pessoas me deixa muito estressado. .. .. .. .. .. .. .. 124. Eu me sinto esgotado com meu trabalho. .. .. .. .. .. .. .. 125. Posso criar facilmente um ambiente tranqüilo com a minha clientela. .. .. .. .. .. .. .. 126. Sinto que estou influenciando positivamente a vida de outras pessoas através do meu trabalho. .. .. .. .. 127. Não me importo realmente com algumas pessoas da minha clientela.. .. .. .. .. .. 128. Sinto que estou trabalhando demais no meu emprego. .. .. .. .. .. .. .. 129. Trato de forma adequada os problemas da minha clientela. .. .. .. .. .. .. .. 130. Eu me sinto cansado quando me levanto de manhã e tenho de encarar outro dia de trabalho. 131. Trabalhar com pessoas o dia inteiro é realmente um grande esforço para mim. .. .. .. .. .. .. .. 132. Posso entender facilmente o que sente a minha clientela acerca das coisas. .. .. .. .. .. .. .. 133. Acho que me tornei mais insensível com as pessoas desde que comecei este trabalho. .. .. .. 134. Acho que este trabalho está me endurecendo emocionalmente. .. .. .. .. .. .. ... .. .. .. .. .. .. .. 136. Tenho realizado muitas coisas importantes neste trabalho. .. .. .. .. .. .. ..

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ANEXO 3 - QUESTIONÁRIO PARA OS ALUNOS Pseudônimo:------------------------ ------------------------------ Data:----------/ -----------/ -----------

Perfil Sócio-Econômico da Comunidade

1.Escolaridade do pai: (A) não sabe escrever (B) saber assinar o nome (C) lê e escreve mais ou menos

(D) cursou até a 4a. série (E) cursou até a 8a. série (F) cursou até o 2o. grau (G) Tem curso superior

2.Escolaridade da mãe: (A) não sabe escrever (B) saber assinar o nome (C) lê e escreve mais ou menos

(D) cursou até a 4a. série (E) cursou até a 8a. série (F) cursou até o 2o. grau (G) Tem curso superior

3. Trabalho do pai: (A) empregado do setor primário (trabalhador rural) (B) empregado do setor secundário (trabalhador da indústria) (C) empregado do setor terciário (trabalhador do comércio) (D) profissional liberal (médico, advogado, engenheiro, psicólogo, programador de sistemas etc) (E) Proprietário (rural, indústria, comércio, escola, loja de assistência técnica etc)

4. Trabalho da mãe: (A) empregado do setor primário (trabalhador rural) (B) empregado do setor secundário (trabalhador da indústria) (C) empregado do setor terciário (trabalhador do comércio) (D) profissional liberal (médico, advogado, engenheiro, psicólogo, programador de sistemas etc) (E) proprietário (rural, indústria, comércio, escola, loja de assistência técnica etc) (F) trabalha em casa

5. Você se considera: (A) Branco(a). (B) Pardo(a). (C) Preto(a). (D) Amarelo(a). (E) Indígena.

6. Você trabalha? (A) Sim (B) Não Qual o ramo? (A) empregado do setor primário (trabalhador rural) (B) empregado do setor secundário (trabalhador da indústria) (C) empregado do setor terciário (trabalhador do comércio)

7. Se você tem irmão(os) que trabalha(m)? (A) Sim (B) Não Qual o ramo? (A) empregado do setor primário (trabalhador rural) (B) empregado do setor secundário (trabalhador da indústria) (C) empregado do setor terciário (trabalhador do comércio) (D) profissional liberal (médico, advogado, engenheiro, psicólogo, programador de sistemas etc) (E) Proprietário (rural, indústria, comércio, escola, loja de assistência técnica etc)

8. Renda familiar (pai + mãe + filhos) (A) Até R$ 240,00. (B) De R$ 241,00 a R$ 480,00. (C) De R$ 481,00 a R$ 960,00. (D) De R$ 961,00 a R$ 1440,00. (E) De R$ 1441,00 a R$ 2160,00. (F) R$ 2161,00 ou mais

Perfil da relação dos alunos com a comunidade

9. Nasceu no distrito? ( ) Você ( ) Seu pai

( ) sua mãe ( ) Seus avós maternos ( ) Seus avós paternos

10. Se você nem sua família nasceram no distrito, porque foram morar aí?

268

11. Você sabe o qual a origem do nome do distrito

12. Você sabe o qual o significado do nome do distrito?

13. Você conhece a história do distrito? () Sim () Não

14. Como é composta a população do distrito [Conforme a quantidade de pessoas de cada grupo, numere de 1 a 5. Exemplo: têm mais brancos (5), depois amarelos (4), depois pardos (3), um pouco de pretos (2) e alguns indígenas (1)] ( ) Brancos. ( ) Pardos. ( ) Pretos. ( ) Amarelos. ( ) Indígenas.

15. Qual(is) a(s) origem(ns) dos primeiros moradores do distrito? () Portugueses () Italianos () Japoneses () Alemães () Outros. Cite ________________________

16. Você conhece algum folclore (alguma estória, lenda, supertição) característica dos moradores do distrito? (estórias contadas pelos pais, avós, etc). Qual(is)?

17. Qual é atualmente, na sua opinião, a pessoa mais importante que mora no distrito?

18. Para você, qual foi no passado, a pessoa mais importante que morou ou ainda mora no distrito?

19. Quem você acha que é a pessoa mais importante para o distrito?

20. A comunidade promove alguma festa local? () Não () Sim Se sim, quantas são e quais são?

21. Você e/ou sua família costumam participar ativamente (ou trabalhar) nestas festas? () Não () Sim Se sim, como?

22. Que opções de lazer existem para os jovens da comunidade? (A) praças de esporte (B) salão de jogos (pingue-pongue, pebolim, damas, xadrez, dominó etc) (B) clube(s) (C) bares, lanchonetes (D) biblioteca, videoteca (E) campeonatos locais De quê?

23. Que outras atividades de lazer você encontra no distrito? (A) festas promovidas por amigos (B) festas promovidas pela igreja (C) festas promovidas pela escola (D) passeios para outras localidades (E) praça ou jardim onde os jovens se encontram para conversar, paquerar (F) outros (cite, rapidamente)

24. Que outras atividades de lazer você gostaria que houvesse na localidade?

25. Sua escola costuma promover algum tipo de festa ou atividade extra-escolar? (maratona, jogos, competições, festivais, etc). () sim () não Se sim, que tipo? Os alunos costumam trabalhar na organização destes eventos? Como?

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Você gosta de trabalhar (ajudar) nestes eventos?

26. Na sua opinião, qual a atividade mais importante para as pessoas que moram no distrito?

Perfil da relação dos alunos com a escola

27. Seu pai (ou sua mãe) conhece o(a) diretor(a) da escola? () sim () não

28. Seu pai (ou sua mãe) conhece algum professor(a)? () sim () não

29. Seu pai (ou sua mãe) conhece um ou mais de seus amigos da escola? () sim () não

30. Para você, qual a importância da escola? (pode ter uma ou mais respostas) (A) Um lugar onde aprendo sempre coisas novas (B) Um lugar onde faço muitos amigos (C) Um lugar onde recebo educação, aprendo a me comportar (D) Um lugar onde me preparo para o futuro (E) Um lugar onde vou apenas porque sou obrigado

31. Você gosta de ir à escola? () Sim, gosto muito. () Sim, mas às vezes é chato. () não, se não precisasse, não iria.

32. Você acha que a escola é bem cuidada, bem conservada? () sim () não

33. Sua escola é um lugar seguro? () sim () não

34. Você já sofreu algum tipo de violência dentro da escola? () sim () não

35. Você já viu alguém sofrer algum tipo de violência dentro da escola? () sim () não

36. Sua escola j’á foi roubada ou depredada (estragada, danifica, pixada)? () sim () não

37. Sua escola tem guarda, vigia ou um zelador residente? () sim () não

Perfil didático/motivadora da relação profess or-aluno

38. Você gosta de seus professores? () sim, da maioria () não, da maioria

39. Qual professor(a) você gosta mais? Porquê? (pode ter uma ou mais respostas) (A) Sua aula é divertida (B) É bravo(a) (C) Ensina bem (D) Não é bravo(a) (E) É sério(a) (F) É exigente (F) Sempre responde quando os alunos perguntam alguma coisa (G) Não deixa a classe fazer bagunça (H) Dá pouca lição ( I ) Outro motivo. Qual?-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

40. Qual professor(a) você menos gosta? Porquê? (pode ter uma ou mais respostas) (A) Sua aula é chata (B) é bravo(a) (C) É sério(a) (D) É exigente (E) Nunca responde quando os alunos perguntam alguma coisa (F) Não deixa a classe fazer bagunça (G) Dá muita lição (H) Faz o aluno ler muito ( I ) Outro motivo. Qual? _________________________________________________________________________-

41. Em qual disciplina (matéria) o professor faz você ler mais?

270

42. O que você gosta mais de ler na escola? 43. O que menos você gosta de ler na escola?

44. Se você não gosta de ler nada, diga porquê. Não gosto de ler de jeito nenhum, porque

O que você costuma ler fora da escola: (Marque apenas uma opção em cada linha) (A) Sempre ou quase sempre (B) De vez em quando (C) Nunca ou quase nunca 45. Gibi, revista em quadrinhos (A) (B) (C) 46. Jornal, revistas diversas (A) (B) (C) 47. Bíblia (A) (B) (C) 48. Livros da escola (A) (B) (C) 49. Livros para diversão (romances, contos, poesias) (A) (B) (C) 50. Folhetos de anúncios (lojas, supermercados) (A) (B) (C) 51. Manuais de aparelhos domésticos (TV, vídeo, rádio, microondas etc) (A) (B) (C) 52. Manuais explicativos de brinquedos (ensinas as regras ou como montar) (A) (B) (C)

Quanto às frases abaixo, indique sua opinião? (A) Concordo (B) Discordo 53. Sinto que sou parte importante desta escola. (A) (B) 54. Acho que a diretora é a pessoa mais importante desta escola. (A) (B) 55. Acho que as professoras são importantes na escola. (A) (B) 56. Acho as serventes importantes na escola. (A) (B) 57. Acho as secretárias importantes na escola. (A) (B) 58. O(a) diretor(a) sempre comunica sobre qualquer atividade/necessidade da escola. (A) (B) 59. O(a) diretor(a) ou professores sempre pedem colaboração dos alunos na limpeza e conservação da escola. (A) (B) 60. O(a) diretor(a) ou professores sempre pedem colaboração dos pais na limpeza e conservação da escola. (A) (B) 61. Os pais são sempre comunicados sobre as atividades na escola. (A) (B) 62. Os pais são sempre convidados a participar das atividades na escola. (A) (B) 63. Acho a maioria dos funcionários da escola competentes. (A) (B) 64. O(a) diretor(a) é rígido(a) quanto às normas de disciplina na escola. (A) (B) 65. O(a) diretor(a) solicita presença dos pais nos casos de indisciplina. (A) (B) 66. As regras de disciplina tornam a escola um lugar agradável. (A) (B) 67. As regras de disciplina tornam a escola um lugar desagradável. (A) (B) 68. Nunca fui repreendido na escola. (A) (B) 69. Já fui repreendido e me achei injustiçado. (A) (B) 70. Já fui repreendido, mas achei a repreensão justa. (A) (B)

NAS AULAS LÍNGUA PORTUGUESA DESENVOLVO ATIVIDADES COMO: (MARQUE APENAS UMA OPÇÃO EM

CADA LINHA.)

(A) SEMPRE OU QUASE SEMPRE (B) DE VEZ EM QUANDO (C) NUNCA OU QUASE NUNCA

71. Copiar textos extensos do livro didático ou do quadro de giz (quadro negro ou lousa). (A) (B) (C) 72. Copiar da lousa (ou quadro negro) textos curtos do livro didático e/ou de outras fontes. (A) (B) (C) 73. Conversar (ou debater) sobre assunto dos textos de jornais e revistas. (A) (B) (C) 74. Analisar a gramática dos textos de jornais e revistas. (A) (B) (C) 75. Fazer exercícios sobre gramática relacionados com textos de jornais ou revistas. (A) (B) (C) 76. Automatizar o uso de regras gramaticais. (A) (B) (C) 77. Ler, discutir com colegas e escrever textos relacionados com assuntos discutidos em sala de aula. (A) (B) (C) 78. Ler e discutir contos, crônicas, poesias ou romances. (A) (B) (C) 79. Usar contos, crônicas, poesias ou romances para exercitar aspectos da gramática. (A) (B) (C) 80. Discutir um texto, explorando as diferenças entre fatos e opiniões. (A) (B) (C) 81. Jogos, brincadeiras, palavras cruzadas, advinhas, usando livros, jornais ou revistas, ou outras fontes. (A) (B) (C)

82. O PROFESSOR DÁ LIÇÃO OU TRABALHOS PARA FAZER EM CASA? (A) SIM. (B) NÃO.

83. O professor cobra as lições ou trabalhos solicitados? (A) Sim. (B) Não. 84. O professor dá pontos na nota para quem faz os trabalhos? (A) Sim. (B) Não. 85. O professor tira pontos de quem não cumpre as t arefas solicitadas? (A) Sim. (B) Não.