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DO ENSINO TRADICIONAL À ABORDAGEM HUMANISTA: UMA
ANÁLISE DO FILME SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS
Demóstenes Dantas Vieira (1); Pedro Felipe de Lima Henrique (2); Josenildo Pinheiro da Silva (3);
Efraim de Alcântara Matos (4).
1Doutorando em Letras pela universidade Federal do Pernambuco – UFPE
E-mail: [email protected] 2 Mestre em Linguística pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB
E-mail: [email protected] 3 Especialista em Literatura e Ensino pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio
Grande do Norte – IFRN
E-mail: [email protected] 4 Mestre em Matemática pela Universidade Federal Rural do Semiárido – UFERSA
E-mail: [email protected]
Resumo: Este trabalho visa analisar a obra fílmica Sociedade dos Poetas Mortos (2004), levando
em consideração o confronto entre a educação tradicional/tecnicista e o modelo de educação
centrada no sujeito. Com relação à fonte teórica, vale ressaltar as considerações dos estudos de
Rogers (1987), Freire (1979), Gadotti (2003), Ausbel (1963), Anastasiou (2002), Demo (2004),
dentre outros que, aqui, julgamos essenciais à essa discussão. A partir da análise fílmica, propomos
perceber como o papel do educador e da Abordagem Humanista é fundamental para o despertar das
subjetividades, da criticidade e sensibilidade dos educandos, características indispensáveis à
formação totalitária de indivíduos capazes de decidirem quanto aos rumos de suas vidas e de
intervir na vida social, agindo conforme os princípios da autonomia e de sua consciência.
Palavras-chave: análise fílmica, Abordagem Humanista, autonomia.
PARA INÍCIO DE CONVERSA
O filme Sociedade dos Poetas Mortos (1989) apresenta-se como exemplar de obras
cinematográficas de cunho pedagógico em evidencia pós-teorias humanistas e interacionistas.
Podemos inferir que o mesmo representa a crítica ao ensino tradicional que predominou no processo
de ensino-aprendizagem desde a origem da instituição escolar até meados do século XX com o
desenvolvimento e propagação da psicologia humanista e teorias interacionistas, seja o
cognitivismo piagetiano ou o sociointeracionismo de Lev Vygotsky. A obra em análise traz à baila
a importância da Abordagem Humanista representada principalmente por Maslov, Carl Rogers e
Paulo Freire.
A princípio, salientamos a riqueza da mimese na transposição/transcriação das realidades
sociais que apresenta um período de ruptura com a educação centrada no professor e no conteúdo
para uma educação centrada no sujeito. À vista disso, propomos a análise da obra partindo
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principalmente da teoria humanista que preza por processos educativos centrados na pessoa.
Influenciada pela fenomenologia existencial, o humanismo apresenta-se como uma reação a práticas
psicológicas e pedagógicas centradas no comportamentalismo behaviorista e no ensino tradicional.
Nesse sentido, este trabalho nos remonta a uma reflexão sobre a participação do humanismo no
processo de ruptura com a educação tecnicista/tradicional e behaviorista, trazendo à tona o princípio
existencialista do ser humano como ponto de partida da reflexão e o princípio fenomenológico da
consciência humana do mundo que o cerca, dos fenômenos e dos processos de subjetivação
(MACHADO, 2015).
Em vista disso, este trabalho propõe uma discussão sobre a educação e condição humana,
o que nos remete a uma reflexão sobre o processo de formação de subjetividades inerentes à prática
educativa. Para tanto, adotamos o filme como um documento histórico pensando a relação da arte
com a vida social. Como métodos procedimentais, adotamos a análise fílmica e método
bibliográfico, cujo aporte teórico compreende os estudos de Rogers (1987), Freire (1979), Gadotti
(2003), Anastasiou (2002), Demo (2004). Propomos, portanto, compreender o filme supracitado
levando em consideração o papel do professor no processo de construção de subjetividades, na
“erupção” do sujeito sócio, histórico, político afetivo, e, acima de tudo, humano, como indivíduos
capazes de se fazerem senhores de sua própria existência.
A ESCOLA E AS TEORIAS DA APRENDIZAGEM
A existência da escola cumpre um objetivo antropológico muito importante, desde a
socialização do conhecimento cientifico e cultural para as novas gerações até a inserção efetiva dos
educandos na sociedade. O educador precisa estar atento aos processos de construção da
aprendizagem, de modo que se possa combater o ensino centrado apenas na reprodução de
conteúdos, focando na formação total do homem, não só no desenvolvimento cognitivo, mas
também social, físico, afetivo, psíquico, emocional etc.
Desde o início da instituição escolar, o ensino técnico foi privilegiado; para tal, o discurso
positivista vigente foi transferido à instituição escolar, de modo que esta tornou-se, de certa forma,
repetidora dos ideais sociocapitalistas. É perceptível no sistema educacional de ensino tradicional:
a formação técnico-industrial, a formação administrativa hierárquica e impositiva, a avaliação
quantitativa, o relacionamento impessoal professor-aluno, a competitividade, a exaltação dos
“melhores” alunos, até mesmo na formação das carteiras em sala de aula, que se impõem enquanto
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ordem necessária a uma boa aula. Tais princípios, de modo geral, predominaram por mais de um
século e ainda encontram espaço nas estruturas socioeducacionais. O filme Sociedade dos Poetas
Mortos nos mostra o quanto esse tipo de ensino é desconcertante e desinteressante, visto que
suprime os desejos, valores, objetivos e necessidade individuais dos alunos, assim como também
suplanta a possibilidade de formação do “ser”. Quando usamos o vocábulo ser nos referimos à
construção de uma educação centrada no indivíduo.
Com relação aos fatores que proporcionam a construção do conhecimento, destacam-se as
seguintes teorias: o behaviorismo (centrado nas relações psicológicas de estímulo-resposta-
recompensa); o cognitivismo (centrado no desenvolvimento das estruturas mentais); a teoria
histórico-cultural (centrada na interação); a teoria da percepção (baseada na Gestalt); a teoria das
inteligências múltiplas (baseada na premissa de que existem diversos tipos de inteligências, cujas
capacidades podem ser adquiridas), entre outras. Inspirados nessas teorias, muitos trabalhos
científicos e até mesmo artísticos, como é o caso da obra em análise, desenvolveram inúmeros
trabalhos que nos proporcionaram contundentes reflexões sobre o papel do educador em sala de
aula.
Nesse sentido, o mesmo nos faz refletir sobre a necessidade de significação à educação,
que numa perspectiva não-dialógica, técnico-profissional e cientifica suplanta as características
sensíveis, frutos do processo de humanização e, fundamental à inserção do indivíduo na sociedade,
não só enquanto profissional, mas como ser humano pensante, sensível etc., e cujos valores
sobrepõe-se aos ideais mercantilistas e industriais de produção capitalista. Nesse sentido, podemos
inferir que o professor-educador, personagem do filme, proporciona uma mensagem bastante
significativa à educação e ao professor-educador da contemporaneidade. Mensagem esta que
denominamos de “erupção do outro”, que facilmente poderia ser chamada de “erupção do ser”.
Compreender o processo de ensino-aprendizagem no filme Sociedade dos Poetas Mortos e
as críticas ao ensino tradicional exige antes de tudo entender como este processo ocorre interna e
externamente, numa perspectiva não só orgânica como também psicossocial.
Piaget (1977) descreve em seus estudos que o desenvolvimento humano acontece mediante
a formação de estruturas mentais que se sucedem. O mesmo atribui ao desenvolvimento humano
um carácter psicobiológico, visto que, segundo ele, a aprendizagem que se daria num contexto
social só poderia acontecer mediante a formação das estruturas mentais. Apesar de o processo de
“imitação” na formação cognitiva desenvolver-se no social, parece-nos que Piaget privilegiou as
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capacidades psíquicas e, por sua vez, também genéticas de determinadas fases de desenvolvimento.
Piaget propõe que a aprendizagem pode alcançar um nível de maturação cognitiva.
Enquanto Piaget (1977) desenvolve uma teoria geral sobre a aprendizagem humana,
Vygotsky (1991/1997) elabora um estudo mais próximo específico sobre as condições da
aprendizagem escolar. De certa forma podemos inferir que este realiza um estudo que complementa
aquele. Vygotsky (1991/1997) não anula o entendimento sobre a formação das estruturas mentais,
entretanto o mesmo ressalta que estas sozinhas não garantem a efetivação da aprendizagem.
Segundo ele o fator determinante da aprendizagem é o meio social e, por sua vez, a interação.
Talvez nessa teoria o filme supracitado tenha sido construído, visando demonstrar como as relações
com o meio e com o outro contribuem para a aprendizagem. E quando nos referimos ao outro,
falamos também do educador, não só nas relações de mediação como também nas relações de
“erupção” do indivíduo enquanto ser humano, individual e social. Indivíduo repleto de
necessidades, desejos, sonhos e voz, que não podem ser sufocados por normas centradas numa
educação comportamentalista, de certa forma, nos moldes da educação sociocapitalista.
Já a Teoria da Aprendizagem Significativa de Ausbel (1963), pode ser entendida como
elemento continuador das teorias interacionistas/construtivistas, conforme escreve Moreira,
Cabalheiro e Rodriguez (1997, p. 19) “o conceito de aprendizagem significativa, hoje tão utilizado
no contexto educativo, embora proposto, inicialmente, por Ausubel (1963, 1968) é compatível com
outras teorias construtivistas contemporâneas”, entenderemos o porquê nas linhas que seguem.
De acordo com Ausbel (1963) a aprendizagem só terá sentido quando o sujeito consegue
atribuí-la um significado. Conforme escreve Ausubel (1963), a aprendizagem é o mecanismo
humano através do qual as informações são processadas pelo indivíduo de forma não-arbitrária e
substantiva. O conhecimento torna-se não-arbitrário quando o educando consegue apropriar-se de
novos saberes com os conhecimentos já adquiridos em sua formação. Segundo esse princípio, as
novas informações não se relacionam com todos os aspectos da estrutura cognitiva, mas apenas com
os conhecimentos relevantes para o sujeito, onde o conhecimento prévio pode ser compreendido
como matriz cognitiva através da qual incorpora-se novos saberes. Nesse sentido, a incorporação
cognitiva apresenta-se como possibilidade de se aprimorar os conhecimentos adquiridos através das
experienciação.
Certos disso, vale refletir sobre os processos que se estabelecem dentro e fora dos
relacionamentos escolares, assim como compreender a relação dos mesmos com a efetivação dos
educandos como indivíduos que se fazem e se reconhecem enquanto seres sócio-histórico-culturais,
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como sujeitos detentores de conhecimento. Seguindo o pensamento de Ausbel (1963) a
aprendizagem será significativa quando for substantiva, ou seja, quando entendermos que as
estruturas cognitivas assimilam apenas a substância do novo conhecimento, sua essência e não as
regras, palavras e leis que regem os conteúdos curriculares. Nesse sentido, a aprendizagem
significativa deve ser entendida como “um conceito subjacente a subsunçores, esquemas de
assimilação, internalização de instrumentos e signos, construtos pessoais e modelos mentais,
significados compartilhados e integração construtiva de pensamentos, sentimentos e ações”
(MOREIRA, CABALHEIRO E RODRIGUEZ, 1997 , p. 01). O que nos remete diretamente “aos
construtos dos demais autores e à internalização de instrumentos e signos de Vygotsky”
(MOREIRA, CABALHEIRO E RODRIGUEZ, 1997, p. 20).
Abordagem Humanista, por sua vez, traz à baila o sujeito como construtor do
conhecimento. Acredita no educando como ser epistêmico na totalidade da condição humana, não
apenas o lado cognitivo. Ela retoma uma discussão já tratada por outrem o papel das emoções, os
vínculos afetivos, à aprendizagem com significado, etc. A sua grande contribuição é o
entendimento da educação como uma “busca realizada por um sujeito que é o homem”, sendo ele
mesmo “sujeito da sua própria educação” (FREIRE, 1979, p. 28). Nesse sentido, o indivíduo possui
dentro de si diversos mecanismos para autocompreensão e para modificação de seus próprios
conceitos, atitudes e comportamentos. Tais mecanismos serão ativados se proporcionados o clima
(passível de subjetivação) e procedimentos psicológicos facilitadores (ROGERS, 1989).
Conforme escreve Rogers (1989, p. 73) “as experiências de vida, o clima psicológico da
sala de aula, a integração professor/aluno são fatores importantes para a aprendizagem”, destacando
a autonomia do indivíduo educando. Pensando essa questão, Rogers (1989) elenca algumas
condições necessárias para a efetivação da educação centrada no sujeito: a necessidade de liderança
ou de facilitadores; a motivação; a busca por autonomia do indivíduo; a responsabilização pelo
processo de aprendizagem; o clima psicológico facilitador da aprendizagem, entre outros.
Discutiremos cada um deles no tópico a seguir, onde apresentaremos a discussão dos dados da
nossa pesquisa.
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A ABORDAGEM HUMANISTA E OS POETAS MORTOS
O filme Sociedade dos Poetas Mortos (Dead Poets Society – título original) é uma
produção de 1989, direção de Peter Weir1. A narrativa fílmica se passa em 1959, na Welton
Academy, tradicional escola preparatória dos Estados Unidos. Nesse ano, o Sr. Keating, ex-aluno da
escola (interpretado por Robin Williams) retorna à instituição como professor de literatura,
entretanto os seus métodos logo tornam-se inconvenientes por não se situarem no contexto
tradicional-tecnicista da instituição. De certa forma, o filme traz à tona o contexto das
transformações socioeducacionais advindas da abordagem humanista surgida na década de 1950 e
que se tornou bastante significativa nas décadas de 1960 e 1970.
Em vista disso, propomos analisar o papel do professor John Keating na obra levando em
consideração como a construção do personagem perpassa o entendimento do professor a partir da
Abordagem Humanista. Para tanto, partiremos de quatro categorias citadas por Roger (1989): a
necessidade de liderança; a motivação; a busca por autonomia do indivíduo; a responsabilização
pelo processo de aprendizagem; o clima psicológico facilitador da aprendizagem.
Focado nas necessidades de superação da timidez e da ausência de interação entre os
alunos, o professor Keating dispõe-se a romper as barreiras que se formaram no percorrer de sua
trajetória na instituição na qual leciona. Essas se apresentam não só nos educandos (em superar sua
timidez e relacionar-se com o outro), mas, e, principalmente, nos paradigmas estabelecidos no
processo de ensino tradicional até então vigentes. O professor permanece íntegro e instransponível,
mesmo quando sua metodologia não é bem-quista pelos demais professores e funcionários.
Mudar é necessário, entretanto as mudanças exigem idealizadores, sonhadores e, acima de
tudo, pessoas dispostas a tentar lutar por um objetivo muitas vezes tido como utópico. Uma das
cenas mais importantes do filme é aquela em que o professor solicita que os alunos rasguem a
página do livro em que há uma tradicional explicação sobre o que é uma poesia, dando instruções
sobre métrica, rima, estrutura e uma “receita” de como o poema deve ser analisado. A princípio, o
professor causa certo estranhamento nos alunos, entretanto um a um começa a fazer conforme
orientado pelo docente, conforme imagem abaixo:
1 Peter Weir é diretor de cinema e renomado roteirista australiano, com formação Arte e Direito pela Universidade de Sydney. Vem colecionando diversos prêmios importantes na área do cinema, tendo conquistado o Globo de Ouro quatro vezes na categoria Melhor Diretor com as seguintes produções: A testemunha, Sociedade dos Poetas Mortos, O show de Truman - O show da vida e Mestre dos mares. Tendo conquistado também o maior prêmio do cinema francês, César, na categoria Melhor filme estrangeiro com a produção de Sociedade dos Poetas Mortos. É considerado um dos maiores nomes do cinema contemporâneo.
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Figura 01: Cena I
Fonte: Sociedade dos Poetas Mortos (1987)
A cena nos mostra o quanto o Ensino Tradicional/Tecnicista oprime o indivíduo, fazendo
da própria arte um manual de normas e regras. Esse primeiro contato com os alunos foi de grande
importância, pois o docente os instiga a romper com os paradigmas existentes que tendem a
modular o processo de ensino aprendizagem, restringindo-o à regras, normas e tratamento
positivista que predominou (e ainda predomina) na instituição escolar e mesmo no tratamento dado
à arte e às Ciências Humanas no contexto educacional. O professor traz à tona um ensinamento
muito importante de que devemos “aprender a apreciar as palavras e a linguagem”, trazendo uma
discussão sobre a própria condição humana. Segundo o Sr. Keating, “não lemos e escrevemos
poesia porque é bonito. Nós lemos e escrevemos poesia porque pertencemos a raça humana. E a
raça humana está cheia de paixão. Medicina, lei, negócios e engenharia são ocupações nobres para
manter a vida. Mas poesia, beleza, romance e amor… São razões para ficar vivo.” (SOCIEDADE
DO POETAS MORTOS, 1987).
A prática pedagógica do professor nos remete à necessidade de liderança, de facilitadores.
O processo de constituição do sujeito perpassa o papel docente de facilitador. O que o professor
propôs foi ir além do mecanicismo, da técnica, e mergulhar na própria condição metafísica do
homem. Nesse sentido, coube a ele liderar os garotos para despertar o interesse pela disciplina,
estimulando a reflexão sobre o próprio sistema e sobre as amarras que nos prendem a um forte
positivismo da vida, em que não paramos para refletir sobre o que está além da matéria, sobre a
arte, as emoções, a paixão. Conforme escreve Cassirer (2004), o homem constitui-se como homem
pelos saberes que produz, magia, linguagem, mito, religião, ciência, cultura e arte. Sem esses
saberes, não seríamos diferentes dos demais animais. Segundo Rogers (1989, p. 78) “o lider é uma
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figura de autoridade numa dada situação”, um “facilitador” que é essencial para o despertar da
autonomia do sujeito. Cabe a ele promover o clima necessário ao autoconhecimento e ao
desenvolvimento das potencialidades do educandos.
Outro aspecto importante trazido por Rogers (1987, p. 78) é a responsabilização do aluno
pelo processo de aprendizagem. Segundo ele, “a pessoa facilitadora compartilha com os outros
alunos [...] a responsabilidade pelo processo de aprendizagem”. Nesse sentido, rompe-se com o
paradigma reprodutivista em que as aulas são centradas no professor e na reprodução de conteúdos.
Abre-se espaço ao aprender compartilhado, ao aprender fazendo. Sobre essa questão, gostaríamos
de destacar dois momentos, retratados nas imagens abaixo:
Figura 02: Cena II
Fonte: Sociedade dos Poetas Mortos (1987)
Figura 03: Cena III
Fonte: Sociedade dos Poetas Mortos (1987)
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A primeira materialidade citada é um caso peculiar em que o professor incentiva a
imaginação e a criatividade de um aluno tímido. Nessa aula, o Sr. Keating propõe que os alunos
exponham oralmente as produções escritas (poesias) solicitadas na aula anterior. A personagem
Todd Anderson, aluno bastante tímido, não havia realizado a atividade. Então o professor convidou-
o a realizar descrições das imagens do seu pensamento.
Antes disso, o professor elabora um pequeno discurso sobre o aluno reiterando o seu valor.
De olhos fechados, Tod Anderson começa a descrever as imagens do seu pensamento,
demonstrando que dentro de cada um de nós existe a poesia, criatividade, beleza e emoção, sendo
necessário deixar fluir as nossas competências linguísticas e estéticas, pois fazem parte da natureza
humana. Tod Anderson conclui a atividade produzindo, vivenciando, deixando fluir a arte que nos
perpassa. Isso nos remonta à responsabilização do aluno pela própria aprendizagem e à
necessidade de motivação que, segundo Rogers (1989), é fundamental para a construção da
autonomia dos educandos. Segundo Rogers (1989, p. 78), é necessário que o professor/facilitador
proporcione a partir de si mesmo, de suas experiências, de recursos didáticos, dentre outros, o
estímulo necessário ao processo de ensino aprendizagem, assumindo para si o papel de “erotizador”
do saber, conforme escreve Rubem Alves (2008).
É interessante lembrar que a responsabilização da aprendizagem perpassa o
autoconhecimento e a motivação, pois os alunos só assumiram esse papel se tornarem
conhecimentos de suas competências e habilidades, para assim assumirem a postura de construtores
da própria aprendizagem. Para tanto, relatamos a importância de se aprender fazendo, pois só assim
o aluno sentirá que faz parte do processo. Segundo a Unesco, no que se refere aos quarto pilares da
educação para o século XXI, é necessário aprender a conhecer, a conviver, a ser e a fazer. E isso só
se torna possível se houver motivação.
A segunda materialidade citada nos remonta a necessidade de inclusão do indivíduo no
processo. Ao solicitar que os alunos subissem em cima das mesas, o professor estava, a princípio,
desenvolvendo uma metáfora sobre a necessidade de vermos as coisas de cima, sobre outros
ângulos. Isso denota a importância de inserir o aluno no desenvolvimento das aulas. Não se concebe
mais a organização de salas em que o professor é o detentor do saber e da voz, enquanto os alunos
são depósitos de informação. É necessário que o aluno faça, que ele experimente. É preciso que haja
interação e participação para que haja responsabilização.
Em parte, a Abordagem Humanista apresenta-se como uma utopia, se levarmos em
consideração o sistema educacional vigente, em especial, o brasileiro. Entretanto, é uma utopia
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necessária sem a qual os objetivos de formação humana total não podem se realizar. Gadotti (2003)
afirma que não se pode deixar de crer na educação, “a boniteza de um sonho”. Demo (2004)
enfatiza que a utopia é indispensável ao educador, pois é ela que nos dá forças para lutar pelas
mudanças necessárias. Acreditar nas mudanças é fundamental para que as mesmas se concretizem,
embora seja evidente que
quando o professor é desafiado a atuar numa nova visão em relação ao processo de ensino e
aprendizagem, poderá encontrar dificuldades, até mesmo pessoais, de se colocar numa
diferenciada ação docente. Geralmente, essa dificuldade se inicia pela própria ruptura com
o repasse tradicional (ANASTASIOU, 2003, p. 71).
Conjecturar-se em uma prática distinta é compreender-se diferente do outro. Numa
perspectiva histórico-social é ser excluído. Nesse sentido, o educador necessita estar consciente das
barreiras que enfrentará caso deseje lutar pela “utopia” humanista à qual, aqui, nos referimos. A
necessidade de mudarmos a ordem, de trocarmos a tradição pela espontaneidade, o individual pelo
coletivo, o técnico pelo pessoal, a quantitatividade pela qualidade, o silêncio pelo dialogismo.
Santos (apud ANASTASIOU, 2003, p. 72) enfatiza as seguintes mudanças:
No lugar do mecanicismo, a interpenetração, a espontaneidade e a auto-organização; no
lugar do determinismo a imprevisibilidade; No lugar da reversibilidade, a irreversibilidade
e a evolução; no lugar da ordem a desordem; no lugar da necessidade, a criatividade e o
acidente, e, portanto, no lugar da eternidade, a história construída com a ação dos seres
humanos, num tempo e num espaço histórico. O complexo é o que é tecido junto.
Nesse sentido, o educador torna-se mola mestra no despertar das individualidades, ou seja,
no “desvendar” dos sonhos, da criticidade, do inserir-se socialmente orientado pelos seus objetivos
enquanto seres humanos e profissionais. Para tal, é indispensável a interação com o outro, e, por sua
vez, o diálogo. Vale ainda salientar que o educador necessita romper, mudar etc. Afinal, o processo
de construção do conhecimento não pode ser visto numa perspectiva positivista, objetiva e
imutável, mas numa perspectiva dialética, visto que os avanços são obtidos através dos confrontos
entre o passado e o presente, o velho e o novo, o concreto e o abstrato.
A erupção do sujeito no filme é bastante clara e contundente. A expressão que facilmente
caracterizaria esse fenômeno é a expressão em latim tão utilizada pelo professor: carpe diem.
Estimulados pelo educador para viverem o presente, experienciarem as emoções, lutarem pelos seus
sonhos, não deixarem a poesia morrer nos corações, os alunos começam a perceber o quanto suas
vidas vão além dos mecanicismos e imposições sociais. As personagens se mostram decididas a
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tornarem-se sujeitos sociohistóricos e culturais e, por conseguinte, senhores de suas vidas. Essa
expressão poderia ser compreendida como o despertar das individualidades de cada aluno, despertar
este valorizado no discurso do professor e expresso através de algumas indagações feitas por ele aos
seus discentes: “O que vocês querem hoje? Para que vocês estão aqui? Quais os seus objetivos?”.
O último aspecto que gostaríamos de analisar sobre a Abordagem Humanista no filme é a
construção de um clima facilitador em que se torne possível a aprendizagem com o outro, conforme
escreve Rogers (1989). Durante o desenrolar da narrativa, um grupo composto por alunos do Sr.
Keating e por ele inspirado reinicia uma pequena sociedade cujo objetivo era viver o presente e
deleitar-se com a poesia.
Figura 03: Cena IV
Fonte: Sociedade dos Poetas Mortos (1987)
O nome do grupo dá nome ao filme, Sociedade dos Poetas Mortos, e refere-se à morte da
poesia, da sensibilidade, do amor e, por sua vez, da subjetividade. Esse título faz uma alusão à
sociedade moderna e industrial, cujos poetas estão “mortos”, cuja poesia e beleza já não existem,
tudo isso, evidentemente, no sentido metafórico da existência na qual se privilegia o material em
detrimento do metafísico. É interessante lembrar que essa “organização” é mais do que um grupo de
alunos “baderneiros”, como foi compreendido pela instituição. É um grupo formado para se
estabelecer a troca de experiências, o compartilhamento de produções poéticas, de aprendizagens.
Um grupo de resistência ao sistema tradicional opressor, no qual só há espaço para a técnica e que
não deixa ecoar a voz dos principais interessados no processo de ensino-aprendizagem, os
educandos.
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Podemos ainda inferir que o filme faz uma severa crítica ao ensino tradicional/tecnicista,
cujo objetivo era formar apenas profissionais técnicos/especializados. A crítica a esse sistema é
bastante clara. Neil, uma das personagens do filme e aluno da instituição Welton Academy, é
forçado pelo pai a preparar-se para exercer uma profissão que agradava à sua família e à sociedade
capitalista da época. Objetivando a ascensão social do filho, seu pai suprime os desejos do estudante
em ser ator e fazer teatro. A imagem abaixo antecede a última cena do personagem no filme. Para
cursar teatro, o aluno Neil falsifica a assinatura do pai em um documento que lhe permite atuar em
uma peça de teatro em que ele conseguiu o papel principal. Embora o professor tenha-o orientado a
dialogar com seu pai sobre suas angústias e sonhos, sobre o quanto o teatro era importante na sua
vida, o personagem preferiu continuar ensaiando a peça escondido de seu pai. Ao descobrir, o
progenitor culpou o professor Keating por conduzi-lo à desobediência e decidiu tirá-lo da escola,
não dando chances para o garoto se explicar.
Figura 03: Cena V
Fonte: Sociedade dos Poetas Mortos (1987)
O final da obra é trágico. Neil tira toda a roupa do corpo e coloca um adereço da
personagem que encenou no palco. Dirige-se ao escritório de seu pai e, com a arma deste, suicida-
se. O desenrolar da obra nos traz algumas lições importantes. A primeira é que é necessário lutar
sempre pelos nossos objetivos e ensinar aos nossos alunos o quão importante é a busca pela
realização dos nossos sonhos pessoais e profissionais, o que nem sempre está atrelado ao capital. A
segunda lição é que devemos a cada dia estimular os nossos alunos a descobrirem coisas novas,
desenvolverem suas habilidades e competências. Enquanto a escola reproduzir a educação bancária,
centrada na pedagogia de conteúdo e no tecnicismo industrial, continuaremos formando jovens
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infelizes, inseguros e incapazes de se inserirem na sociedade e de se realizarem enquanto
profissionais.
A educação tradicional/tecnicista não está centrada no sujeito, nem tampouco no aluno.
Está centrada na técnica, no conteúdo, no capital. Isso faz da educação uma mera repetidora dos
paradigmas materialistas e individualistas da sociedade moderna. O despertar da Abordagem
Humanista suscita o desenvolvimento do sentimento de responsabilização, a formação de um
sujeito coparticipante do processo de ensino-aprendizagem, na relação consigo mesmo, com o outro
e com os objetos de aprendizagem. O professor enquanto agente mediador do processo deve
instigar a “erupção” dos seus educandos, proporcionando um clima facilitador no desenvolvimento
de suas individualidades e inteligências e, para tal, apresenta-se o humanismo, enquanto abordagem
de compreensão dos educandos enquanto seres humanos totais.
CONSIDERAÇÕES (NÃO) FINAIS
O objetivo deste trabalho foi analisar o filme Sociedade dos Poetas Mortos (1987) levando
em consideração a crítica ao Ensino Tradicional/Tecnicista e construção de uma Abordagem
Humanista. A princípio, salientamos as contribuições do filme analisado para compreendermos o
processo de mudança dentro da própria instituição escolar e as dificuldades do educador de se
colocar frente aos métodos tradicionais arraigados em determinados sistemas e instituições.
A análise aponta para as transformações advindas da concepção humanista e da
Aprendizagem Significativa de Ausbel, intimamente relacionadas, assim como das contribuições
Interacionismo Sociohistórico de Leon Vygotsky. De certa forma, a construção do enredo
apresenta-se como uma reflexão das teorias citadas, embora seja mais evidente a Abordagem
Humanista a que nos detemos.
A postura docente do professor Keating aponta para o que Rogers (1989) denominou de
precondições para a construção da autonomia dos educandos: a necessidade de um professor
líder/facilitador; a responsabilização do aluno pela própria aprendizagem; a necessidade de
motivação e o desenvolvimento do clima facilitador da aprendizagem. Esses aspectos (embora
existam outros) possibilitam a formação de um indivíduo autônomo capaz de ser coparticipante do
processo de ensino-aprendizagem que, na perspectiva humanista, deve estar centrada no sujeito, nas
suas competências, inteligências, sonhos, objetivos, angústias e emoções. Nesse sentido, ela se
difere do Ensino Tradicional/Tecnicista tanto do ponto de vista teórico como metodológico.
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Do ponto de vista teórico, não cabe mais aceitar o ensino centrado no professor, nem no
conteúdo, como no Ensino Tradicional/Tecnicista; ele deve estar centrado no sujeito. Do ponto de
vista metodológico, não é aceitável a passividade do indivíduo/educando, é necessário a sua
interação com o outro, com o conhecimento, com os objetos de aprendizagem. Dessa forma, o
discente se sentirá integrado ao processo de aprendizagem, e poderá conduzi-lo de acordo com suas
necessidades, desejos e inteligências, de modo que o saber seja deveras significativo.
Por fim, os resultados apontam para a necessidade de repensarmos práticas de ensino
centradas no professor, no conteúdo e na técnica, de modo que possamos dar espaço à uma
formação humana mais totalitária centrada nas diversas áreas que nos constituem como seres
humanos: a ciência, a arte, a metafísica, as emoções e afetos, etc.
Em a Sociedade dos Poetas Mortos (1987), materializam-se as dificuldades enfrentadas
pelo docente na tentativa de ruptura com os paradigmas tradicionais, superação das dificuldades de
aprendizagem, de interação e socialização dos educandos. Entretanto, o mesmo congrega reflexões
que subscrevem à necessidade de uma abordagem mais humanista de ensino, tanto na superação dos
problemas de aprendizagem como também no despertar da autonomia dos educandos, indispensável
para a sua efetiva inserção no processo de ensino-aprendizagem e, consequentemente, na sociedade,
como sujeitos históricos, sociais, políticos e culturais.
REFERÊNCIAS
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