Do Bom Retiro ao Parque São Jorge, os primeiros vinte anos do Corinthians -por Luis Roberto de...

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Do Bom Retiro ao Parque São Jorge - os primeiros vinte anos do Corinthians Compilado por Luis Roberto de Vasconcellos e Silva, dos livros: Coração Corinthiano (Lourenço Diaféria), A História do Campeonato Paulista (André Fontenelle e Valmir Storti), Corinthians o Time da Fiel (Orlando Duarte e João Bosco Tureta), Neco o Primeiro Ídolo (Antônio Roque Citadini), Corinthians 100 anos de Paixão (Marcos Piovan e Newton Cesar), Sulamericano de 1919 (Roberto Sander), Play Up Corinth (Rob Cavallini); e Almanaque do Timão e 100 Jogos 100 ídolos (Celso Dario Unzelte). Complementado por pesquisas na internet em sites e blogs, principalmente em O Mosqueteiro e sua cachaça (Filipe Martins Gonçalves). * No início do século 20, o football era um esporte novo no Brasil, praticado exclusivamente pela elite paulistana. Nas chácaras, ou nos campos do Velódromo Paulistano e do Parque Antártica, as equipes eram sempre formadas por ingleses, alemães e alguns brasileiros, na maioria alunos dos colégios de famílias ricas da cidade. Com o passar dos anos o futebol caiu no gosto da população, inicialmente como espectadora, e depois como praticante em jogos de finais de semana. Foi na várzea, região próxima das empresas de gás e ferrovia, que o esporte se popularizou. A área que hoje abriga ao Parque Dom Pedro e arredores era formada por grandes terrenos alagáveis na época das chuvas, e era lá, nos períodos secos, que ocorriam as domingueiras com as equipes formadas pelos bairros da cidade. Eram combinados de operários, turmas de ruas, times de negros ou brancos, etc. Foram nos campeonatos promovidos na várzea que surgiram os primeiros ídolos, as primeiras lendas e estórias do futebol popular. E desse futebol surgiu o termo varzeano, sinônimo de pouca organização, campos precários e atletas rudes. Nessa época surgiram os lendários Alliança (tido como o primeiro), Domitila, Paraíso, Pary, Diamantino, Minerva, Jaceguay, Ruggerone, Belo Horizonte, Botafogo, entre outros. O Bom Retiro de 1910 era um bairro cosmopolita de uma cidade ainda provinciana, mas em acelerado crescimento. Abrigava pouco mais de seis mil habitantes, e a estação ferroviária que era a porta de entrada da cidade. Além disso, o bairro tinha o Jardim da Luz, e era sede da Escola Politécnica, do Liceu das Artes, da Escola de Farmácia, e do Quartel da Força Pública. O bairro foi escolhido por muitos imigrantes italianos, espanhóis e portugueses, e dentre estes muitos artesãos. Era um bairro central que dispunha de bonde elétrico e tinha um clima gostoso pela proximidade da mata. Toda noite o povo do Bom Retiro se reunia no areal, que era um grande banco de areia que o Tietê largava, sem vegetação, quando o outono já havia começado. Hoje a rua que descia até o areal ainda existe. Foi lá, em Maio, com o céu extraordinariamente mais iluminado pela passagem do cometa Halley, que começou o sonho de alguns rapazes que queriam formar um clube de futebol de verdade. Um time para rivalizar com os times da elite e os times das colônias de imigrantes ingleses e alemães.

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Compilado por Luis Roberto de Vasconcellos e Silva, dos livros: CoraçãoCorinthiano (Lourenço Diaféria), A História do Campeonato Paulista (AndréFontenelle e Valmir Storti), Corinthians o Time da Fiel (Orlando Duarte e JoãoBosco Tureta), Neco o Primeiro Ídolo (Antônio Roque Citadini), Corinthians 100anos de Paixão (Marcos Piovan e Newton Cesar), Sulamericano de 1919 (RobertoSander), Play Up Corinth (Rob Cavallini); e Almanaque do Timão e 100 Jogos 100ídolos (Celso Dario Unzelte). Complementado por pesquisas na internet em sites eblogs, principalmente em O Mosqueteiro e sua cachaça (Filipe Martins Gonçalves).

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Do Bom Retiro ao Parque São Jorge - os primeiros vinte anos do Corinthians

Compilado por Luis Roberto de Vasconcellos e Silva, dos livros: Coração Corinthiano (Lourenço Diaféria), A História do Campeonato Paulista (André Fontenelle e Valmir Storti), Corinthians o Time da Fiel (Orlando Duarte e João Bosco Tureta), Neco o Primeiro Ídolo (Antônio Roque Citadini), Corinthians 100 anos de Paixão (Marcos Piovan e Newton Cesar), Sulamericano de 1919 (Roberto Sander), Play Up Corinth (Rob Cavallini); e Almanaque do Timão e 100 Jogos 100 ídolos (Celso Dario Unzelte). Complementado por pesquisas na internet em sites e blogs, principalmente em O Mosqueteiro e sua cachaça (Filipe Martins Gonçalves).

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No início do século 20, o football era um esporte novo no Brasil, praticado exclusivamente pela elite paulistana. Nas chácaras, ou nos campos do Velódromo Paulistano e do Parque Antártica, as equipes eram sempre formadas por ingleses, alemães e alguns brasileiros, na maioria alunos dos colégios de famílias ricas da cidade. Com o passar dos anos o futebol caiu no gosto da população, inicialmente como espectadora, e depois como praticante em jogos de finais de semana. Foi na várzea, região próxima das empresas de gás e ferrovia, que o esporte se popularizou. A área que hoje abriga ao Parque Dom Pedro e arredores era formada por grandes terrenos alagáveis na época das chuvas, e era lá, nos períodos secos, que ocorriam as domingueiras com as equipes formadas pelos bairros da cidade. Eram combinados de operários, turmas de ruas, times de negros ou brancos, etc. Foram nos campeonatos promovidos na várzea que surgiram os primeiros ídolos, as primeiras lendas e estórias do futebol popular. E desse futebol surgiu o termo varzeano, sinônimo de pouca organização, campos precários e atletas rudes. Nessa época surgiram os lendários Alliança (tido como o primeiro), Domitila, Paraíso, Pary, Diamantino, Minerva, Jaceguay, Ruggerone, Belo Horizonte, Botafogo, entre outros. O Bom Retiro de 1910 era um bairro cosmopolita de uma cidade ainda provinciana, mas em acelerado crescimento. Abrigava pouco mais de seis mil habitantes, e a estação ferroviária que era a porta de entrada da cidade. Além disso, o bairro tinha o Jardim da Luz, e era sede da Escola Politécnica, do Liceu das Artes, da Escola de Farmácia, e do Quartel da Força Pública. O bairro foi escolhido por muitos imigrantes italianos, espanhóis e portugueses, e dentre estes muitos artesãos. Era um bairro central que dispunha de bonde elétrico e tinha um clima gostoso pela proximidade da mata. Toda noite o povo do Bom Retiro se reunia no areal, que era um grande banco de areia que o Tietê largava, sem vegetação, quando o outono já havia começado. Hoje a rua que descia até o areal ainda existe. Foi lá, em Maio, com o céu extraordinariamente mais iluminado pela passagem do cometa Halley, que começou o sonho de alguns rapazes que queriam formar um clube de futebol de verdade. Um time para rivalizar com os times da elite e os times das colônias de imigrantes ingleses e alemães.

Em Junho a idéia já estava mais madura, e era o assunto principal na barbearia de Salvador Bataglia, que ficava na esquina da Rua dos Italianos com a Rua Júlio Conceição. Só se falava em formar um team com os moradores do bairro, um clube de todas as raças e pátrias que fizesse frente aos principais times da cidade, que eram: São Paulo Athletic Club (1888), Sport Club Internacional (1898), Associação Atlética Mackenzie College (1898), Sport Club Germânia (1899), Clube Atlético Paulistano (1900), Associação Atlética das Palmeiras (1902) e Sport Club Americano (1903).

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Salvador Bataglia tinha um salão muito bem montado e cuidado, e permitiu que as reuniões ocorressem lá, caso não houvesse muita bagunça. Seu irmão, também siciliano, morava e trabalhava ao lado, na Rua dos Italianos. Era um alfaiate muito conhecido. Seu atelier ocupava um cômodo na casa com porão habitável, como era comum na maioria das residências da cidade. Era um centro de reuniões onde o povo jogava conversa fora, mas também lugar de confidências de primeira-mão. E como Miguel era discreto, e mais ouvia do que falava, o pessoal confiava muito nele. Magro e elegante, sempre que encontrava uma folga ia ao Velódromo Paulistano ver as corridas e os jogos. O estádio, reformado e adaptado para a prática de futebol, ficava localizado próximo à Rua da Consolação, onde hoje se localiza parte da Rua Nestor Pestana. Apesar de todo apreço, Miguel era só espectador, visto que não tinha fôlego para o esporte. Outro freqüentador do estádio era Alexandre Magnani, um cocheiro de tilburi que tinha ponto na Estação da Luz. O tilburi correspondia ao serviço de taxi dos dias de hoje. Assim como os irmãos Bataglia, ele era dono do seu próprio nariz e não vivia mal. Foi Magnani que contou a Miguel pela primeira vez sobre a idéia da formação de um clube de verdade no bairro, e apesar da descrença inicial, ambos estavam muito perto de se envolverem emocional e financeiramente no projeto. Miguel foi sondado para primeiro presidente, mas desconversou e disse que não tinha tempo para isso, mas que se não houvesse outro... Também foi ele quem confirmou a Miguel a vinda de um team inglês que jogava de ouvido! E eles, como não deviam satisfação a chefe ou patrão foram ver os primeiros jogos realizados nos dias de semana. Em sua primeira excursão ao Brasil, o lendário Corinthian Football Club (1882) deixou o porto de Southampton em 5 de Agosto, e chegou ao Rio de Janeiro no dia 22. Dois dias depois jogou contra o anfitrião Fluminense FC nas Laranjeiras, e goleou por 10 a 1. No jogo seguinte, dia 24, 8 a 1 sobre um combinado carioca. Dia 28 o adversário foi um combinado brasileiro, e nova vitória, dessa vez por 5 a 2. Chegaram a São Paulo em 30 de Agosto pela manhã. Acolhidos com fidalguia e gentilezas, foram hospedados no Hotel Majestic. Os jogos foram realizados no Estádio do Velódromo com ingressos custando de 2 a 4 mil réis e atraíram grande público. Representaram um grande acontecimento para a cidade, e reuniram grande parte da alta sociedade. Na primeira partida, dia 31 de Agosto, jogando bonito novamente, os ingleses venceram por 2 a 0 a A.A. das Palmeiras, um time originado no bairro de Santa Cecília. No dia 2 de Setembro, jogo contra o Paulistano, e outra vitória, dessa vez por 5 a 0. Por fim mais uma goleada no dia 4, 8 a 2 sobre o primeiro clube brasileiro, o São Paulo Athletic. A repercussão dos jogos foi enorme, e os jornais deram muito espaço a eles e ao comportamento da luxuosa torcida. Destacaram a disparidade física entre as equipes

em prol dos ingleses, além da admirável calma de seus ataques e os esplêndidos passes rasteiros. Apesar de acharem o campo duro e pequeno, e de uma invasão terminada em agressão ao jogador Timmis, ao término dos jogos os ingleses não mencionaram nenhum desagrado. Sensibilizados, afirmaram jamais terem recebido tratamento tão gentil e carinhoso. Além de muitos presentes e banquetes.

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Os cinco rapazes que estavam à frente da organização do novo time eram os pintores de parede Joaquim Ambrósio e Antônio Pereira, o sapateiro Rafael Perrone, o cocheiro Anselmo Correia e o trabalhador braçal Carlos da Silva. Provavelmente os rapazes não puderam ir aos dois primeiros jogos, mas talvez tenham assistido à noite, no Cine Teatro Bijou, a fita com os melhores lances da partida. No dia seguinte, em 1 de Setembro de 1910, eles e muitas outras pessoas foram até à barbearia de Salvador Bataglia iniciar a reunião marcada para as 20h. Surpreendentemente ela estava fechada, pois naquela noite Salvador não se sentiu bem. O grupo caminhou então até a esquina da Rua dos Imigrantes (atual Rua José Paulino) com a Rua Cônego Martins, e sob a luz dos lampiões, e de velas compradas de improviso, iniciou-se a reunião que fundaria a maior paixão futebolística do Brasil. Eram sete italianos, cinco portugueses e três brasileiros os primeiros sócios. Além dos oito já citados, assinaram e contribuíram para o nascimento do clube: o alfaiate Antônio Alves Nunes, o pintor de paredes César Nunes, o macarroneiro Salvador Lopomo, o funcionário da São Paulo Railway Jorge Campbell, Antônio Vizzone e Emílio Lotito. Além deles, se destacou o torneiro da SP Railway, João Murino, que segundo as lendas cedeu sua palheta, ou para servir de apoio às velas, ou para ter a parte de cima dela retirada para servir como papel da primeira ata. No domingo, dia 4, o povo que trabalhava na ferrovia e os trabalhadores em geral puderam ir ao campo assistir ao Corinthian fazer sua última partida no Brasil, e viram a goleada de 8 a 2 que impressionou a todos. A excursão do Corinthian terminou com 6 vitórias, 38 gols marcados e apenas 6 gols sofridos. Em 5 de Setembro ocorreu a segunda reunião, esta na casa de Miguel Bataglia. Nessa ocasião se deu a definição do nome, proposto por Joaquim Ambrósio, que tinha como concorrentes os nomes Carlos Gomes, Santos Dumont, Halley e Guarany. Ambrósio pediu a palavra e usou como argumentos a categoria futebolística do team, o cavalheirismo dos jogadores, e o fato do time inglês ter sido fundado à luz de um lampião, no centro Londrino. Foi ovacionado, e exceto por Antônio Pereira, conquistou a simpatia de todos os presentes. Além do nome se definiram as cores do uniforme do time, que seriam iguais às do time inglês que os havia impressionado tão bem. Algumas fontes citam ser esse uniforme bege, mas o Corinthian FC em toda a sua história sempre jogou com camisas brancas, e calções e meiões azul-escuros. A reunião definiu também como sede a confeitaria de Antônio Desidério, que ficava à Rua dos Imigrantes 34, na esquina onde o povo havia se reunido. Nessa reunião Miguel Bataglia proferiu uma frase que ficaria para a eternidade: “O Corinthians será o time do povo, e o povo é quem vai fazer o time”. Estava oficialmente criado o Sport Club Corinthians Paulista, e sua data de fundação foi retroagida para o dia 1, daquela noite à luz dos lampiões. Na lista dos primeiros sócio-fundadores passou a constar ainda os nomes de Miguel Sotille, Alfredo Teixeira, Aristides de Oliveira, João da Silva e Felipe Aversa Valente, este que viria a ser o primeiro goleiro do esquadrão.

A primeira diretoria foi escolhida a dedo. Os mais capazes foram indicados para os cargos, pois o clube não nascia sob o signo da vaidade individual, e sim pela união de gente trabalhadora, disposta a ajudar a agremiação independente de cargo ou posição. A diretoria foi formada por: Miguel Bataglia na presidência, Magnani como vice; Campbell como tesoureiro, Valente como procurador e Murino como cobrador. João da Silva, Antônio Nunes e Carlos da Silva foram os primeiros diretores. Salvador Lopomo também é citado por algumas fontes como diretor. Um ou dois meses após tomar posse como presidente, Miguel Bataglia mudou-se para o interior, e quem assumiu em seu lugar foi Alexandre Magnani. Tido como grande conhecedor do futebol ficaria por três anos de mandato e mais um ano por aclamação. O mais antigo texto estatutário do SCCP que se conhece data de 11 de Julho de 1913. Esse documento, exigido para a filiação na Liga Paulista de Futebol, estabelece a data de fundação em 1 de Setembro de 1910, e demonstra a intenção de se criar um clube de verdade, não apenas um time de futebol. Havia muita organização, cronograma para assembléias, regras para as eleições, atribuições do captain, e estabelecia inclusive o plano de se criar uma biblioteca.

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Nos dias seguintes à segunda reunião, os rapazes começaram a transformar o sonho em realidade, aproveitando-se dos feriados da Independência e da Natividade de Nossa Senhora, dias 7 e 8. Uma comissão foi escolhida para comprar o uniforme numa das poucas lojas esportivas da cidade, a São Caetano, que ficava na Rua da Glória. E levaram o que tinha disponível: camisa creme com detalhes em preto na gola, punhos e barra, e meiões pretos com detalhes em branco. Os calções seriam feitos por costureiras, e como não havia disponibilidade de tecido azul escuro ou preto, ficaram inicialmente brancos. Há uma estória de que os mesmos foram confeccionados com sacos de farinha cedidos pelos comerciantes espanhóis do mercado central. É quase certo que os calções e meiões pretos só estreariam em 1912, mas continuariam por algum tempo sendo usados alternadamente aos brancos. Também se definiu o local do campo. Na esquina da Rua Prates com a Rua Ribeiro de Lima havia um terreno quase que inteiramente plano. Sobre o que existia nesse local há duas estórias. Uma delas, que era alugado para a Hípica Paulista que alocava ali seus cavalos de raça, e a outra, mais difundida, de que o terreno era usado pelo seu proprietário para estocar e vender lenha, e que por esse motivo o local era chamado de lenheiro. É possível que a relação do terreno com os cavalos, seja pela proximidade dele com os estábulos, onde a Companhia Viação Paulista guardava os animais que puxavam os bondes da época. O fato é que uma comissão foi até lá tentar alugá-lo, e o dono que não entendia bem o que seria o tal futebol, viu uma oportunidade e pediu mais do que recebia: 30.000 réis. O contrato foi firmado por 5 anos, tendo como garantia o pagamento em dia, ou seja, sem dinheiro na data combinada, despejo. O terreno era muito cheio de capim e mato, e Antônio Pereira e João da Silva trabalharam duro na limpeza. Quando acabaram foram buscar os serralheiros e marceneiros que fizeram e fincaram as traves. Com o auxílio de um metro, o campo foi medido (80 por 60) e demarcado. Ainda sobraram 5 metros nas laterais e no fundo para acomodar a torcida. Lá o Corinthians iniciou sua trajetória, no local que seria chamado de Campo do Bom Retiro, Campo da José Paulino, ou Campo da Rua dos Imigrantes. E que passaria a ser um agitado ponto de encontro aos domingos.

Antônio Pereira era um dos mais empolgados, e talvez aquele que realmente vislumbrou a utopia corinthiana. Ele, que era artesão da equipe de Ramos de Azevedo, conhecia muita gente, e foi falar com um amigo que trabalhava na casa do Dr. João Rubião para que esse o ajudasse na elaboração dos estatutos. Dr. Rubião era ex-zagueiro do Paulistano, e jogava na A.A. das Palmeiras. Ele indicou Mário Cardim, jornalista de O Estado de São Paulo, homem respeitado e profundo conhecedor do esporte e de suas regras. Antônio vestiu terno e o foi procurar. Consta que ele redigiu o estatuto na hora, em bico de pena, e previu se divertir quando o time das Palmeiras, e de Rubião, levasse uma tunda do Corinthians. Estava quase tudo certo, mas faltava o essencial, a bola. O preço era de assustar, 6000 réis representava grande parte do salário da maioria e era muito mais alto do que o estimado por todos. Algumas fontes citam a Casa São Caetano como local para onde foram os corinthianos, outras citam a Casa Fuchs, que anunciava “um grande estoque de foot-balls de fabricação legítima inglesa a preços sem concorrência” e que se localizava na Rua São Bento. É bem possível que tenha sido essa última, pois de tão especializada, anos mais tarde a Casa Fuchs fabricaria sua própria bola, denominada Apollo. Foi então marcado o primeiro trainning, provavelmente em um dos feriados. Com a intenção de se conhecer o campo, e integrar os jogadores de diferentes classes sociais e times, além de formar os quadros. Na época, nem mesmo entre os times principais da cidade era comum a prática, os jogadores gostavam mesmo era dos matchs. O campo ficou cheio, e veio muita gente boa da várzea do Bom Retiro e de outros bairros. Veio gente do famoso Domitila, mas principalmente da Associação Atlética Botafogo, da Rua Paula Sousa. O time varzeano, que acabou sendo o principal fornecedor de jogadores, foi também o berço dos primeiros ídolos Amílcar Barbuy e Neco. O Botafogo era um time que jogava de camisa vermelha e calções brancos, famoso pela valentia e garra que o faziam virar vários placares. Freqüentemente envolvia-se em conflitos que acabavam na delegacia, e por esse motivo estava em vias de extinção. Mas o time só acabaria realmente em 1918. De um lado Rafael Perrone, que seria o primeiro captain, escolheu uma turma, do outro Anselmo Correa fez o mesmo. O capitão era na verdade o primeiro técnico, mas com a diferença de que também atuava como jogador. Eleito pelos associados, escalava e convocava os jogadores com três dias de antecedência, freqüentemente pelos jornais. Em campo sua voz de comando era lei. Era um líder. Perrone dirigiria o time até 1912. A regra básica para jogar no novo time era simples e objetiva: quem fosse bom de bola e não afinasse nas divididas tinha vaga na equipe. E foi assim que se formaram os três quadros do time. A única notícia sobre a fundação do Corinthians foi publicada em 22 de Setembro de 1910, na coluna Os Sports do jornal O Commércio de S.Paulo, e saiu como nota: “Sport Club Corinthians Paulista – Com a denominação supra, fundou-se nesta capital, mais uma sociedade sportiva, com o fim de desenvolver o conhecido e apreciado sport bretão. A sua primeira directoria ficou assim constituída: presidente, Miguel Bataglia; vice-presidente, Alexandre Magnani; primeiro secretário, Antônio A. Nunes; segundo secretário, João Spina; primeiro thesoureiro, João da Silva; segundo thesoureiro, Salvador Lopomo; captain, Raphael Perrone; primeiro fiscal, Joaquim Fernandes; segundo fiscal Anselmo Correia; procurador, Felipe Valente.”

* * * * * As datas dos primeiros jogos do clube são bastante controversas, mas segundo o maior responsável por registrar a história dos primeiros anos do Corinthians, Sr. Antoninho de Almeida, o Corinthians iniciou sua trajetória como time da várzea em 10 de Setembro. Estreou como visitante contra um dos melhores times da época, o União da Lapa, mas a maioria de seus jogadores já era conhecida no futebol varzeano, e apesar da derrota por 1 a 0, mostrou um bom futebol jogado com muita raça. O primeiro onze corinthiano foi formado por: Valente; Perrone e Atílio; Lepre, Alfredo e Police; João da Silva, Jorge Campbell, Luiz Fabi, César Nunes e Joaquim Ambrósio. A segunda partida, em 14 de Setembro, foi a primeira no Campo da Rua dos Imigrantes. Apesar do forte adversário, o Estrela Polar, o Corinthians obteve a sua primeira vitória. Foi 2 a 0, com gols de Luis Fabi (italiano que teve a honra de ser o primeiro a marcar pelo novo clube) e Jorge Campbell. Após esse jogo uma tradição se estabeleceria: a cervejada após as vitórias. O clube nasceu festeiro, e a primeira cervejada oficial aconteceu na Confeitaria Desidério e foi paga com um rateio geral. Uma carroça carregada de barris de cerveja e gelo atravessou toda a Rua dos Italianos desde a Cervejaria Germânia, local de tradicional cheiro de malte e cevada. Os irmãos alemães Reichert, vislumbrando muitos festejos no futuro, deram um bom desconto para a turma. A terceira partida, em 27 de Setembro, foi a primeira goleada aplicada pelo time do Bom Retiro. Jogando em casa novamente, enfiaram 5 a 0 na temida Associação Atlética da Lapa, levando ao delírio o povo do bairro. Entre 1911 e 1912 o Corinthians cresceu e se tornou temido, recebendo o apelido de galo de briga da várzea. Dessa época apenas 7 jogos possuem registros completos. Foram 5 vitórias, 1 empate e 1 derrota. Outros 11 constam como realizados, mas não há registro dos resultados. Nesse período passariam pelo time jogadores brasileiros, italianos, portugueses e espanhóis, reforçando a imagem de clube multicultural. Muitos jogadores foram convidados para atuar no time. Casemiro do Amaral, por exemplo, saiu do Flor do Bom Retiro. Trazido por Antônio Pereira, veio ao time em troca do aprendizado do ofício de pintor. Também vieram Américo Fiaschi do União da Lapa, Bianco Gambini do futebol argentino, além de Casemiro Gonzales e o goleiro Horácio Coelho. Em 1912 o time estreou o seu distintivo no uniforme que trazia as iniciais C e P bordadas no peito. Também foi confeccionada a primeira bandeira, alvinegra, e benzida pelo Padre Antônio Padova. O clube esteve pela primeira vez nas manchetes dos jornais nesse ano, quando ganhou seu primeiro troféu fora da várzea. Algumas pessoas ligadas ao clube se inscreveram na prova de pedestrianismo Unione Viaggiatori Italiana, um revezamento de 10 mil metros que ocorreu em 29 de Dezembro. Muitos torcedores foram ao Parque Antártica, então de propriedade do E.C. Germânia, pois esse era o grande evento esportivo do fim de semana. E a maioria ficou surpresa ao ver chegar em primeiro lugar um corredor com a camisa do Corinthians. André Lepre, João Collina e Batista Bonni fizeram a alegria de uma dúzia de torcedores presentes, e todos foram juntos a pé até o Bom Retiro, comemorar a grande vitória. Em 1913, as camisas beges que manchavam e desbotavam dando trabalho às lavadeiras (irmãs ou esposas de jogadores e dirigentes) foram substituídas por brancas. Em Abril, o clube alugou sua primeira sede social, na Rua Guarani, 18. Foi lá que se iniciou o registro das atas em livros. E também a cobrança de mensalidades

e jóia para associação, das quais só se livrariam os jogadores, desde que as finanças do clube estivessem equilibradas. Em Junho, o clube foi para a Rua José Paulino, 2. Em Setembro de 1914, outra mudança por dificuldade em pagar o aluguel. O clube ocupou provisoriamente um espaço na Confeitaria Desidério, na Rua dos Imigrantes, 21. Em Outubro houve a mudança para a Rua dos Protestantes, 28. Foi lá, sem poder pagar o aluguel, que o clube teve a sala trancada pelo proprietário. Sem as atas, taças e móveis, Neco, ainda uma jovem promessa, teve a idéia de retirar os objetos de madrugada, e pagar a dívida quando fosse possível. Dito e feito. Com ajuda de escadas para pintura, os jovens entraram pela clarabóia e limparam a sala. A dívida foi paga meses depois, sem pressa.

* * * * * * O primeiro campeonato paulista de futebol havia sido disputado em 1902, e desde então muitas foram as desavenças entre os clubes. Questões como aluguel de campo, falso amadorismo e arbitragens foram sempre muito discutidas, até que em 1913 houve a cisão da liga, originando duas ligas distintas. O grupo liderado pelo Paulistano sentia-se incomodado pela crescente popularização do futebol e pela ascensão desses clubes. Só para comparação, enquanto o Paulistano cobrava de aluguel do velódromo 200.000 réis por jogo, o Germânia cobrava a mesma quantia por mês pelo aluguel do Parque Antártica. Nesse clima de brigas generalizadas, o São Paulo Athletic Club encerrou sua participação no futebol. Em 1913 o Corinthians resolveu ingressar na Liga, e se inscreveu ao custo de 5 mil réis. Antes, porém, precisou enfrentar um torneio eliminatório realizado no Velódromo. O primeiro jogo se deu a 23 de Março contra o forte time do Minas Gerais Futebol Clube, originado na várzea, mas bem armado e financiado pelo seu capitão e presidente Plínio Fonseca. A elite não queria os times populares nas ligas, e o como o Corinthians era o maior representante dessa classe, tinha parte da torcida contra. Não porque apoiassem o Minas, mas porque eram contra a popularização do futebol. Nesse jogo surgiu o anti-corinthianismo, na pele daqueles corvos agourentos que não aceitavam o atrevimento daquele time, com cara e jeito de povo. Nesse dia surgiu também a Fiel torcida, pronta para invadir qualquer estádio. O nervosismo atrapalhou os jogadores, mas mesmo assim eles venceram e comemoraram muito com a enorme torcida o placar de 1 a 0. Gol do espanhol Joaquim Rodrigues. O jogo decisivo foi no domingo seguinte, em 30 de Março. Com a força da Fiel e muita garra, o Corinthians goleou por 4 a 0 o São Paulo Sport Club, do Bixiga, e conquistou o direito de entrar para Liga Paulista de Futebol. Os guerreiros da heróica façanha foram: Casimiro do Amaral, Fúlvio Benti e Casemiro Gonzalez; Francisco Police, Alfredo de Assis e Francisco Lepre; César Nunes, Antônio Peres, Luiz Fabi, Joaquim Rodrigues, Carmo Campanella. A Cervejada da vitória dessa vez foi acompanhada de muitos rojões, e teve uma parte custeada pela própria cervejaria como homenagem pelo time ter conseguido a vaga. Entre Abril e Outubro de 1913, em seu primeiro campeonato paulista, o clube fez uma campanha razoável e ficou em quarto lugar, sendo que o Americano foi o campeão. Foi 1 vitória, 4 empates e 3 derrotas. 9 gols pró e 17 gols contra. Além dos dois times, também participaram o Clube Atlético Ypiranga, o Germânia e o Internacional. Logo no início o Paulistano abandonou a competição, seguido da A.A. Mackenzie e da A.A. das Palmeiras, e criaram a APEA - Associação Paulista de Esportes Atléticos. O Santos FC, que não teve que passar por nenhum torneio

eliminatório, abandonou o campeonato após quatro partidas alegando impossibilidade de custear as passagens de trem para São Paulo. Nesse período se destacou outro espanhol, Casemiro Gonzales, o segundo capitão. Zagueiro de grande prestígio que estruturou o time dando oportunidades aos jogadores dos segundo e terceiro quadros. Dessa maneira viriam as taças e os craques, como Neco. Chegou a afastar do gol do segundo quadro um dos cinco fundadores originais do time, Anselmo Correia, substituído por Sebastião, um novato muito mais preparado. Casemiro tinha muito respeito entre os associados. Era exigente na disciplina dos atletas, mas ouvia seus jogadores antes de tomar decisões. Exerceria a função até 1917. Nesse episódio, Anselmo Correa, julgando-se injustiçado listou tudo que fizera pelo clube desde a fundação, e emocionado, pediu demissão em uma reunião. Alexandre Magnani não aceitou e pediu a realização de uma assembléia geral. Em 11 de Julho de 1913, Anselmo retirou seu pedido de demissão, mas exigiu explicações, prontamente dadas por Casemiro Gonzales que afirmou ser totalmente apoiado pelos jogadores. Em votação Anselmo perdeu e foi afastado do segundo quadro, mas seguiria fiel ao clube, e jamais pediria demissão novamente. Em 1914 o Corinthians trocou seu distintivo e apareceu o primeiro e desconhecido escudo. Em formato parecido a um brasão português, tendo dentro a letra C em forma de ferradura, entrelaçada à letra P, de tamanho maior e em preto. No mesmo ano o litógrafo Hermógenes Barbuy, irmão do craque Amílcar, desenhou um novo escudo. Inicialmente com as letras CP dentro, depois com as inicias SCP, tinha linhas curvas e modernas. O Corinthians começou a brilhar, e o clube viveu um ano glorioso. Foi campeão paulista com 10 vitórias em 10 jogos, marcando 37 gols e sofrendo apenas 9. Neco sagrou-se artilheiro do torneio com 12 gols. Em Agosto aconteceu o batismo internacional do Corinthians, em dois jogos disputados no Parque Antártica contra o Torino FC. O Corinthians foi o único time a encarar de igual para igual os campeões da Itália que excursionavam ao Brasil. Perdeu o primeiro jogo por 3 a 0 dia 15, mas na revanche, uma semana depois, conseguia empatar por 1 a 1 até o último minuto, quando o árbitro, ninguém menos que Charles Miller, validou o segundo gol adversário. Um chute de Debernardi teria batido embaixo do travessão e no chão, mas não entrado. A exibição da jovem equipe corintiana impressionou Vittorio Pozzo, técnico do Torino e futuro bicampeão da Copa do Mundo em 1934 e 1938, pela Seleção Italiana. Em sua coluna de 12 de Outubro de 1914, publicada no jornal Gazzeta Del Popolo, fez o seguinte comentário histórico: “O Corinthians é uma esquadra formidável em todas as suas linhas. Possui vários elementos que superam muitos de nossos famosos jogadores. Zaga sólida, médios incansáveis e dianteiros velozes. O Corinthians é um time de classe, que pode enfrentar, sem receio, qualquer time da Europa”. O “clube de bairro”, o “clube dos operários”, era na verdade um clube de braços abertos. E naturalmente recebeu outras classes sociais. Em 1914 os associados eram também pequenos comerciantes, artesãos especializados, estudantes, e até mesmo profissionais liberais. E isso era uma revolução, pois não havia outro clube assim. Em 10 de Setembro de 1914, Alexandre Magnani surpreendeu a todos os presentes à assembléia geral ao comunicar que não continuaria a frente do clube. Apesar do pedido dos associados, Magnani foi irredutível. Dera tudo de si, fora um excelente presidente, mas estava cansado. Alguns citaram como justificativa a mágoa com a cobrança sobre os gastos nos festejos da conquista do primeiro campeonato, mas isso não foi mencionado. Ele deixava a presidência, mas não abandonaria o

clube nunca. Na mesma noite, os 36 associados presentes escolheram Ricardo Oliveira como seu substituto.

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Em 1915 o clube estava dividido entre duas correntes. Uma com medo de dar passos maiores, e outra que vislumbrava horizontes mais amplos. Após muitos debates entre os associados, o Corinthians decidiu pleitear uma vaga na APEA. A Fiel torcida inclusive torcida já despertava a cobiça dos organizadores. Num caso muito mal explicado, o time cumpriu com todas as exigências, mas como entraria na vaga do Internacional e esse time voltou atrás, teve na última hora sua participação negada. Foi um forte golpe tramado, que abalou, mas não desestruturou o clube. Como não conseguiu voltar à LPF, em 1915 o time fez apenas jogos amistosos e emprestou alguns jogadores. Em Janeiro, um time de imigrantes italianos solicitou o empréstimo de alguns jogadores para disputar sua primeira partida. Foram para o recém fundado time do Palestra Italia, os oriundi: Bianco, Police, Amílcar e Fúlvio. E ironia suprema, o corinthiano Bianco em uma cobrança de falta, seria o autor do primeiro gol do time de imigrantes italianos. Esses quatro jogadores e mais alguns outros, incluindo o craque Neco, seriam emprestados para outros times durante o ano, com a condição de que retornassem para disputar todos os amistosos que o Corinthians fizesse naquela temporada. E apesar do “amadorismo”, eles foram remunerados. O Corinthians, nada pagava a seus jogadores, pelo contrário, nessa época jogador que não tinha mensalidade em dia não jogava. E conta-se que Neco estava atrasado nas mensalidades, e então a torcida passou o chapéu pra ver seu herói jogar. Fez os dois gols da vitória e, no fim do dia, foi jantar junto com o pessoal todo na casa de um torcedor. Era assim o Corinthians. Esses jogadores eram na verdade sócios ou parceiros do clube. Foram pagos nos outros clubes, mas preferiram voltar ao clube do povo por amor à camisa. Neco, e todos eles, doaram os bichos pelas vitórias que obtinham nos outros times para o Corinthians, a razão de vida deles. Em 1915, o clube venceu em um torneio beneficente os futuros campeões das duas ligas. Foi em Maio, e os resultados foram 3 a 0 na A.A. das Palmeiras e 4 a 1 sobre o Germânia, o que segundo algumas fontes, originou no apelido de Campeão dos Campeões. E apareceu a camisa preta com finas listras brancas. Conta-se que o time foi proibido de usar seu uniforme oficial pela APEA. Há pouca informação a respeito, mas uma foto tirada em São Carlos e datada desse ano, não deixa dúvidas. A camisa listrada e sem nenhum distintivo, foi usada apenas nos amistosos, já que oficialmente ela só estrearia em 1935, em um amistoso contra o River Plate. Nesse período o clube já contava com mais de 50 associados, tinha mesas, cadeiras, armários para as atas e troféus, uma mesa oficial de ping-pong, mas ainda era sustentado por contribuições. A mudança para além do Bom Retiro, e para uma sede suntuosa, ocasionou muitas críticas. A situação ficou ainda pior quando, pela falta dos recursos de venda de ingressos, a diretoria tomou empréstimo de 400.000 réis e deu como garantia os móveis e troféus. Houve muita revolta, e a situação para Ricardo Oliveira chegou ao limite. Ele pediu demissão, e seu vice, João Batista Maurício, um dentista do Bom Retiro, assumiu a presidência. Era 1 de Setembro, e no meio de toda essa confusão, o associado Galliano recordou a todos que, “Fazia cinco anos, aquele grupo de operários se punha a fundar o clube. Um grupo bem menor do que aquele que se digladiava no dia do quinto aniversário, reunidos como que circunstancialmente, sem festejo, sem a

comemoração que o Corinthians merecia”. Sim, atravessavam dificuldades, todos sabiam. Não havia nenhum dinheiro para comemorar coisa alguma! É assim que veio a proposta: "Que todos os associados presentes dêem um voto de louvor a todos os associados, inclusive aos ausentes, aos que não puderam comparecer à assembléia, a todos os jogadores e fundadores, e que esse voto fique registrado no livro de atas, para que um dia, se alguém se lembrar de ler este livro, fique sabendo o que tinha acontecido naquela noite de setembro, no 5º Aniversário do Sport Club Corinthians Paulista!". Dentro de campo a maior mudança foi a do comando técnico. Quem assumiu ainda como jogador, foi Amílcar Barbuy, que ficaria até 1920, sendo até hoje o mais longevo treinador corinthiano. Em 1916 o clube o clube mudou-se novamente. A mudança para o Palacete Provincial que ficava no Largo da Sé, 3, ocorreu em Março. O clube modernizou seu estatuto e aperfeiçoou sua organização. No novo estatuto consta a oficialização do uniforme, sendo definida a camisa branca com golas, punhos e escudo pretos, e calções e meiões pretos. Nesse ano há nova modificação no escudo, que ganha linhas mais retas e um contorno preto bastante ressaltado, com novo desenho das iniciais SCP no meio, e o resultado foi um escudo mais simples e legível. Decepcionado com a APEA, o clube decidiu voltar para a LPF. Para ser aceito de volta à Liga, o time teve que enfrentar um jogo eliminatório em Maio. Para não deixar nenhuma dúvida, goleou por 8 a 0 o Antártica. Foi apenas o cartão de visitas, já que o campeonato foi um passeio, e o timão ganhou de forma invicta novamente. Foram 8 jogos e 8 vitórias, 23 gols marcados e apenas 3 sofridos. Aparício foi o artilheiro com 7 gols. Além disso, o time arrasou os adversários em jogos amistosos, muitos deles ganhos por goleada. Em Julho aconteceu a primeira convocação de um corinthiano para a seleção nacional. Amílcar Barbuy teve a primazia, e jogou dia 18 em um amistoso contra o Uruguai em Montevidéu. Esse ano marcou também a despedida do Velódromo Paulistano, o primeiro estádio de futebol do Brasil. O terreno foi vendido e suas arquibancadas foram levadas para a Chácara da Floresta, campo da A.A. das Palmeiras. Em 1917, com todos os times reunidos em um só campeonato, o Corinthians enfrentou pela primeira vez o Paulistano, o Palestra e a A.A. Palmeiras. Terminou em quarto lugar, com 8 vitórias, 3 empates e 5 derrotas. Neste ano ocorreu a segunda convocação de um jogador do Corinthians, Neco.

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Amílcar Barbuy e Manoel Nunes formam um capítulo à parte na história dos primeiros anos do Sport Club Corinthians Paulista. Amílcar nasceu em 29 de Abril de 1893, em Rio das Pedras, SP. Sua família esteve ligada ao clube desde os primórdios. Chegou ao time vindo do Botafogo aos 18 anos de idade, e foi o primeiro ídolo corinthiano. Jogou de 1913 a 1923 e se tornou capitão. Foi o mais longevo técnico de toda a história, comandando o time em 99 partidas, de 1915 a 1920. Como jogador do Corinthians, participou de 208 jogos, marcou 89 gols e foi 4 vezes campeão paulista. Alcançou a invejável marca de 153 vitórias, além de 25 empates e 30 derrotas. Em 1923 deixou o time e foi jogar no Palestra, onde ficou até 1930. Os motivos de sua saída não foram devidamente esclarecidos. Conta-se que o clube tirou de seu pai os direitos de comercialização de bebidas no Campo da Ponte

Grande. Voltaria ao clube e seria técnico em mais 3 oportunidades entre 1934 e 1943, totalizando 162 participações. Amílcar foi o primeiro jogador corinthiano convocado para a seleção nacional, em 1916, para a disputa do Sul Americano da Argentina. Até 1922, serviu a seleção 19 vezes, marcou 4 gols e foi campeão sulamericano em 1919 e 1922. Faleceu em 24 de Agosto de 1965. Em sua homenagem existe a Rua Amílcar Barbuy, no Parque São Domingos, Zona Norte da capital paulista. Manoel Nunes, o Neco, nasceu em 7 de Março de 1895 na Rua José Paulino, no Bom Retiro. Filho de portugueses, estudou no Liceu Coração de Jesus onde também aprendeu a jogar futebol. Também começou a jogar na várzea defendendo o Botafogo. Assim com Amílcar, esteve entre os pioneiros desde a criação do clube, junto de seu irmão mais velho, César Nunes, um dos fundadores. César foi atacante titular desde a estréia do clube, mas posteriormente recuaria e ganharia o apelido de César Paredão. Neco atuou no terceiro quadro desde o começo, e doou a segunda bola do time. Antes de se tornar titular já fazia parte da torcida nos campos, e sempre defendia o Corinthians das ofensas dos torcedores adversários. Neco jogava em várias posições do ataque, aliando a habilidade inata a um espírito de luta incomum. Trouxe da várzea muita fibra, malícia, valentia e a incansável busca pela vitória. Polêmico, conta-se que costumava ameaçar com a cinta de seu calção os adversários e árbitros que queriam prejudicar o time. A lenda nasceu em um jogo contra o Palestra em 1920, quando ao se chocar com o goleiro Primo, teria trocado alguns pontapés e depois tirado a cinta de seu calção. Mais tarde negaria os ocorridos e diria que era lenda, como também a de que ele tirava a cinta para cobrar mais garra de seus companheiros. Aspirante, torcedor, jogador, titular, capitão... Neco jogou 18 temporadas no Corinthians, mais que qualquer outro jogador. De 1913 a 1930 participou de 313 jogos, entre amistosos e oficiais, marcou 239 gols e conquistou 8 campeonatos paulistas, sendo 2 tricampeonatos. Foram 215 vitórias, 35 empates e 45 derrotas. Pela Seleção Paulista também viveu grandes jornadas e conquistou vários torneios. Foram 42 jogos e 30 gols. Foi convocado para a Seleção Nacional em 1917 para a disputa do Segundo Sul Americano de Futebol, no Uruguai, após ótimas atuações e alguns gols contra os cariocas em duas vitórias, por 1 a 0 e 7 a 1. Nessa primeira participação nacional, perdeu na estréia em 3 de Outubro por 4 a 2 para a Argentina, mas marcou um dos gols. No segundo jogo, dia 7, derrota de 4 a 0 para o Uruguai. Na despedida, dia 12, 5 a 0 sobre o Chile e mais um gol. O Brasil acabou em terceiro lugar. Em 1919 veio o Terceiro Campeonato Sul-Americano, evento que foi emblemático para o futebol brasileiro. Foi o primeiro torneio de futebol internacional realizado no país, e a primeira vez que seleção e povo se identificaram de maneira intensa. Foi realizado no Rio de Janeiro, no estádio das Laranjeiras, totalmente reformado para a ocasião, e comportou na média 25.000 pagantes por jogo. Foram convocados Neco, que disputaria seu segundo sul americano, e Amílcar, em sua terceira participação. Ambos foram titulares e tiveram participação destacada. No primeiro jogo, dia 11 de Maio, 6 a 0 contra o Chile, com dois gols de Neco. No dia 18 veio o segundo jogo, 3 a 1 na Argentina, com gol de Amílcar. No jogo que seria a partida final contra o bicampeão Uruguai, dia 26, o Brasil saiu perdendo por 2 a 0, mas Neco empatou o jogo com dois gols, salvando o Brasil, e provocando uma nova partida. O derradeiro jogo aconteceu em 29 de Maio, e permaneceu empatado nos 90 minutos e na primeira prorrogação. Precisou-se de mais um tempo extra, e aos 122

minutos saiu o gol do Brasil com Friedenreich. Depois de 150 minutos, o árbitro apitou o fim de uma das mais longas partidas de futebol da história, e o povo extasiado comemorou a primeira grande vitória do esporte nacional. Esse campeonato evidenciou também o preconceito que a mídia nutria pelos times populares. Neco foi o jogador mais importante do torneio, mas o querido da mídia era o Paulistano, e com isso foi Friedenreich quem ficou com os louros da glória. Escreveu Mário Filho (jornalista que emprestou seu nome ao Maracanã) em seu livro “O negro no futebol brasileiro”: O gol foi menos de Friedenreich que de Neco. Neco é quem trouxe a bola do meio de campo, que carregou até a linha de córner, que deu o passe para Heitor chutar e na rebatida, Friedenreich só fez encostar o pé na bola... Neco se destacou marcando quatro gols, alguns deles decisivos e saiu muito valorizado do certame, mas ganhou a idolatria eterna da torcida corinthiana quando recusou uma proposta milionária do Fluminense dizendo: “eu não deixo o Corinthians por nada”. Em 1922 ocorreu o Sexto Sul-Americano, o segundo no Brasil, e novamente nas Laranjeiras. Dessa vez com muitos problemas de organização da equipe, e do torneio. Na primeira fase foram 3 empates e 1 vitória: 1 a 1 contra o Chile (17/09), 1 a 1 contra o Paraguai (24/09), 0 a 0 contra o Uruguai (01/10) e 2 a 0 na Argentina (17/10). Na final, Brasil campeão. 3 a 0 no Paraguai (22/10), com gol de Neco, que já havia marcado contra os argentinos. Em toda a carreira Neco serviu à seleção em 15 jogos e marcou 9 gols. Em 21 de Agosto de 1927, agrediu um árbitro a tapas e pontapés em um jogo contra o Palestra, e foi eliminado do campeonato. Após pressões generalizadas, teve a pena abrandada, e retornou para os jogos finais no início de 1928. Em 12 de Outubro de 1929 marcou seus 2 últimos gols, na goleada de 11 a 2 sobre o Clube Atlético Mineiro, no Parque São Jorge. Ainda jogando, mas prestes a encerrar a carreira, ganhou um busto de bronze feito com doações do Brasil inteiro, e que ocupa honroso lugar no Parque São Jorge. Sua última partida ocorreu em 31 de Agosto de 1930, no empate por 2 a 2 contra o Internacional, no Estádio da Floresta. Neco não marcou, mas o empate deixou o time próximo de seu segundo tricampeonato paulista. Em 1937, voltou ao time como técnico junto de Antônio Pereira, e ajudou na conquista do campeonato paulista depois de 6 anos de jejum. Como treinador foram no total 66 partidas. Ainda colaborou como diretor anos mais tarde. Neco lutou como esportista sem obter proveito material de seus esforços, mas viveu todas as emoções que o futebol pode propiciar a alguém. Nunca abandonou o Corinthians. Nem em 1915 quando jogou emprestado ao time do Mackenzie, mas retornou para os amistosos. Nem quando recebeu excelente proposta do Fluminense em 1919. Tampouco quando encerrou suas atividades no clube, pois passou a ser torcedor de alambrado. Conta-se que duas semanas antes de falecer, em 30 de Maio de 1977, aos 82 anos, visitou o Parque São Jorge para se despedir do clube e passou uma tarde na companhia de velhos amigos. Neco se tornou um referencial para os jogadores e para os apaixonados torcedores. Foi, sem dúvida, um dos maiores corinthianos que existiu, pois representou como ninguém a pura essência do Corinthianismo. Além do busto de bronze, em sua homenagem existe uma placa no estádio das Laranjeiras, e a Rua Neco Nunes, na Vila Romero, Zona Norte da capital paulista.

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O começo do ano de 1918 foi marcado pelos preparativos finais para a inauguração do estádio corinthiano. Desde o fim de 1915 que o time havia deixado o Campo do Bom Retiro e utilizava um campo para treinos que ficava na Praça João Roberto, no bairro da Ponte Pequena. Nem mesmo a sede social permanecera no bairro, pois desde 1916 que ela havia sido transferida para o Largo da Sé. A mudança do bairro ocasionou muitos protestos dos sócios, mas essa tradição se manteria, e até os anos 60 o clube passaria como sede ou subsede, pela Florêncio de Abreu, José Bonifácio, Boa Vista e pela Rangel Pestana. O estádio tão sonhado se chamava Estádio da Ponte Grande, e ficava na Rua Itaporanga, onde hoje fica a Avenida Santos Dumont, quase na Ponte das Bandeiras, na então chamada Floresta. Foi construído com muita dificuldade em sistema de mutirão pelos próprios jogadores, dirigentes e torcedores em um terreno de 13.506 m2, arrendado depois de inúmeras tratativas junto à Prefeitura, por 110 mil réis mensais. Depois de mais de um ano de muito trabalho foi inaugurado no dia 17 de Março, em um amistoso contra o Palestra, com pontapé inicial dado pelo Dr. Alcântara Machado, um dos responsáveis pelo fechamento do contrato. Diante de 10 mil pessoas e muita chuva, o jogo acabou empatado em 3 a 3, e o jogador que teve a honra de ser o primeiro a marcar no novo estádio foi ninguém menos que Neco. Em 1918 o Corinthians modificou seu escudo novamente, simplificando e o tornando circular, com as iniciais SCP dentro do círculo. O campeonato foi marcado pela gripe espanhola que se espalhou pelo mundo. A gripe paralisou o torneio, que só acabou no ano seguinte. Foi uma ótima campanha com 12 vitórias, 2 empates e 2 derrotas, mas acabou superado pelo Paulistano e ficou com o vice-campeonato. O time marcou 65 gols e sofreu 19. Este ano marcou também o primeiro jogo interestadual do time, que enfrentou e venceu ao Clube de Regatas Flamengo. O jogo ocorreu em 1 de Dezembro no campo da Rua Paysandu, no Rio, e o placar foi 2 a 1. Em 1919 o Timão estreou vencendo o torneio início, um festival eliminatório de futebol com duração de um dia, e que reunia todas as equipes em um único estádio.No campeonato estreou uma camisa inteiramente branca, e fez boa campanha, acabando em terceiro lugar, com 12 vitórias, 2 empates e 4 derrotas, totalizando 51 gols marcados e 16 sofridos. Esse ano marcou a aproximação do escudo às suas características principais, com um círculo negro com o nome completo do clube e o ano de fundação em branco, além da bandeira paulista, ainda sem o rigor das 13 listras. No ano também ocorreu a entrada do primeiro negro no time, Bingo, que não obteve grande destaque, e também a grande participação dos corinthianos pela seleção, fundamentais na conquista do primeiro título sul-americano. Em 1920 o Sport Club Corinthians Paulista completou 10 anos. E começou o ano ganhando o bicampeonato do torneio início. No campeonato foram 12 vitórias, 1 empate e 3 derrotas. O ataque arrasador marcou 75 gols em 17 jogos, e a artilharia ficou com Neco que fez 24 gols. A defesa sofreu apenas 21 gols, mas infelizmente o título ficou com o Paulistano que somou um ponto a mais. Nesse ano um jogo polêmico, a vitória de 11 a 0 em cima do Santos, na Vila Belmiro. O jogo conturbado acabou aos 21 minutos do segundo tempo, pois o time praiano não contava mais com o número mínimo de jogadores. Alguns gols foram marcados contra ou de pênaltis propositais como protesto contra a arbitragem. De 1916 a 1920 passaram pela presidência do Corinthians quatro homens: José de Alcântara Machado de Oliveira, João Martins de Oliveira, João de Carvalho e

Albino Teixeira Pinheiro, todos sem muito brilho. Em 1921 se elegeu outro italiano que seria muito importante para o clube. Guido Giacomelli, que ficaria no cargo até 1925, foi o primeiro técnico não jogador, e também o primeiro a acumular a função de técnico e de presidente do clube. E com muito sucesso. Mais tarde ainda ocuparia cargo de diretor, e iria denunciar e provar a tentativa de suborno de Rocco Di Lorenzo, diretor do Palestra, ao jogador corinthiano Jaú. O ano de 1921 foi manchado pela briga entre as Federações Paulista e Carioca, e por isso não houve nenhum amistoso entre as seleções estaduais, nem houve nenhum paulista convocado para a seleção nacional. Apesar de vencer muitos amistosos, no campeonato o time decepcionou novamente. Na última rodada precisava vencer o Palestra que não tinha mais chances, mas perdeu por 3 a 0 . Era dia 25 de Dezembro, e o título ficou de presente de natal à torcida do Paulistano, que foi ao jogo e festejou no Parque Antártica. O Timão fez 22 jogos na competição, com 8 vitórias, 2 empates e 2 derrotas. Marcou 79 gols e sofreu 22. Nesse ano o clube mudou-se novamente, e foi para a Rua Florêncio de Abreu, 74, onde ficaria por mais de uma década. 1922 foi um ano especial, marcado por vários festejos em todo o Brasil, já que se comemorou o centenário da independência do país. Ocorreu também a Semana de Arte Moderna no Teatro Municipal de São Paulo, evento que mudaria a arte brasileira pelo restante do século. O poeta e escritor Menotti Del Picchia, expoente do movimento de 22, afirmou: “O Corinthians é um fenômeno sociológico a ser estudado em profundidade”. O campeonato desse ano começou nesse clima festivo, com a imprensa e os torcedores considerando que o campeão conquistaria um título que valeria por 100 anos. Foi desde o começo disputado pelo Timão e pelo Palestra, e foi decidido na última rodada. Nos últimos jogos do campeonato disputados no ano seguinte, duas datas muito importantes. 25 de Janeiro de 1923 marcou a estréia na Fazendinha. Como visitante, já que campo era alugado pelo Esporte Clube Sírio, mas com vitória por 1 a 0, gol de Gambarotta. E em 4 de Fevereiro, no último jogo do campeonato, o Timão venceu o Paulistano por 2 a 0 no estádio da Floresta, ficou com as glórias e deu de presente uma alegria que orgulharia a sua torcida por vários anos. Foram 18 jogos, 14 vitórias, 2 empates e 2 derrotas. 71 gols pró e 20 contra. Gambarotta foi o artilheiro com 19 gols. Em Julho desse ano, Dr. Ricardo Severo, engenheiro, arquiteto, arqueólogo e escritor, instituiu uma lindíssima taça, inteira de prata, a Cântara Portugália. Foi uma uma homenagem a dois heróicos visitantes, os portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral, os primeiros pilotos a atravessarem o Atlântico de avião. Dia 9, após um quadrangular eliminatório, Corinthians e Palestra disputaram o cobiçado troféu no Parque Antártica. Estádio lotado, presença dos dois portugueses nos camarotes, e vitória do Corinthians por 2 a O. Gambarotta e Neco garantiram a taça. No ano de 1923, com a popularidade em alta após a conquista do centenário, o time realizou vários amistosos pelo interior de São Paulo. Pelo campeonato Paulista o Timão aplicou várias goleadas, como por exemplo, o 9 a 0 sobre o Internacional e o 6 a 1 em cima do São Bento. E, depois de mais um abandono do Paulistano, o Corinthians se sagrou bicampeão Paulista com duas rodadas de antecipação. No total, foram 14 vitórias, 1 empate e 2 derrotas. Marcou 53 e sofreu 13 gols. Em 1924 veio o tri, o primeiro do Timão. Foi um campeonato muito equilibrado, que teve de ser paralisado em decorrência dos bombardeios à cidade, ocorridos em meio à revolução tenentista de São Paulo. No campeonato foram 12 vitórias, 1 empate, 4 derrotas e nova conquista. O jogo final aconteceu no Estádio Jardim América em 11 de Janeiro de 1925, e com um gol feito por Tatu, o Timão venceu

novamente o Paulistano e ficou com a taça. Foram 46 gols marcados e 22 sofridos. Festa do povo em pleno território dos grã-finos. Nesse ano, devido a desentendimentos entre os dirigentes sul-americanos, não houve jogos da seleção nacional. Em 1925 o Timão ficou em segundo lugar no campeonato, sendo o São Bento o campeão. A campanha teve 7 vitórias, 2 derrotas e 1 empate. 20 gols marcados e 7 sofridos. No dia 11 de Novembro, uma tarde de Quarta-Feira, o Corinthians teve a honra de receber em seu modesto campo da Ponte Grande a Seleção Brasileira, que estava se preparando para o Campeonato Sul-Americano que seria realizado em Buenos Aires. Deu empate em 1 a 1. Gol de Gambarotta para o Corinthians e de Nilo para o Brasil.

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O ano de 1926 começou com a cisão patrocinada novamente pelo Paulistano, que um dia após a sua eliminação do campeonato deixou a APEA, e criou a Liga Amadora de Futebol, que duraria apenas 4 anos. Na APEA, o Timão não foi bem, mas terminou em terceiro lugar com 6 vitórias, 1 empate e 2 derrotas. Marcou 25 e sofreu 9 gols. O campeão foi o Palestra. E na liga do Paulistano, o dono levou o troféu. Nesse ano, na gestão de Ernesto Cassano, o Corinthians comprou o terreno do Parque São Jorge dos negociantes sírios Assad Abdalla e Nagib Salem. Era uma área originalmente de 45 mil metros quadrados, que custou 750.000 réis parcelados em 12 anos. Para o pagamento inicial a diretoria vendeu a sede da Ponte Grande para a Associação Atlética São Bento por 40.000 réis. O primeiro esporte a ser implantado na nova sede, que ficava às margens do límpido rio Tietê, foi o remo. O clube promovia regatas, e gerações de corinthianos puderam aprender natação. Estes dois esportes, tão tradicionais no clube, passaram a ser representados no distintivo, e então, mesmo que não vigorassem na camisa de jogo, o círculo já havia se tornado uma bóia salva-vidas e a âncora e os remos foram incorporados. Reza a lenda que o sócio nº 10, o português Antônio Ferreira de Souza, apelidado "Scafanhask", foi o primeiro a desenhar os remos e a âncora, na parede do Departamento de Remo. Fato é que ninguém pode dizer quem pensou neste escudo; ele é um pouco do pensamento e a imaginação de cada corinthiano que desenhava um modelo, cada um de um jeito. Pode-se encontrar semelhança em diversos brasões das Marinhas pelo mundo afora, e é certo que a idéia da âncora com os remos não era nova. Coincidência ou não, era também inspirado em um símbolo de um anarco-sindicato reformista de marinheiros do começo do século XX, como ilustra uma foto de um congresso sindical de 1913. No começo os remos eram muito maiores que a bóia, e a âncora não tinha este formato, mas aos poucos foi se harmonizando. Quem redesenharia suas formas, em 1939, seria um grande artista plástico, que também era jogador de bola e foi jogador do Corinthians por cinco anos, Francisco Rebolo. Seu irmão havia sido pintor de paredes, era amigo de Antônio Pereira, e foi um dos primeiros a doar dinheiro ao clube que ainda se concretizava, em 1910. Nos anos 70, Orpheu Maia, artista contratado pelo clube, daria as incomparáveis linhas finais ao belo escudo. Em 1927 a bagunça tomou conta do esporte. Com jogadores participando das duas ligas, partidas inacabadas, ataques entre as ligas, e clubes sendo filiados e desfiliados sem nenhum critério. O Corinthians participou das duas competições e não ganhou nenhuma. Pela nova liga, no quinto jogo, contra o Paulistano em 26 de Junho, houve um desentendimento que selou o afastamento do campeonato. Os

corinthianos impediram a cobrança de um pênalti para o rival, quando venciam a partida por 1 a 0. A infração marcada aos 25 minutos do segundo tempo, e não cobrada, fez com que o árbitro encerrasse a partida. O time faria ainda mais um jogo que seria o último pela LAF. Pela APEA, o time acabou em terceiro novamente. Foram 12 vitórias e 4 derrotas. 57 gols a favor e 31 contra. Os campeões foram o Palestra (APEA) e o Paulistano (LAF). Nessa época uma figura respeitável ajudaria muito o clube. Alfredo Schurig era um empresário bem sucedido, sócio da Casa Schill, uma das pioneiras na transformação da Rua Florêncio de Abreu em centro do comércio de ferragens e ferramentas. Ele, que já havia ajudado o clube com as ferragens do estádio da Ponte Grande, ajudou o clube novamente, inclusive com dinheiro para pagar uma das parcelas da compra do terreno do Parque São Jorge. Seria presidente de 1930 a 1933. E mais à frente emprestaria seu nome para batizar o estádio que ajudara a construir. Em 1928, dois anos após o início da reforma, tocada em mutirão como no primeiro, o Corinthians inaugurou o Estádio do Parque São Jorge. Em amistoso contra o América FC, campeão carioca do centenário da independência. O jogo aconteceu em 22 de Julho, reuniu 10 mil pagantes e acabou empatado em 2 a 2. O primeiro gol do estádio também foi o mais rápido da história do Parque São Jorge. De Maria marcou aos 29 segundos. O ano marcou a estréia do goleiro de origem síria, Tuffy Neugen, que faria história no clube. O grande goleiro que jogava inteiramente de preto e trazia o singelo apelido de “O Satanás”. A confusa competição paulista acabou com o Corinthians campeão novamente, e com a alcunha de “Esquadrão Alvinegro”. Foram 10 vitórias, 1 empate e 1 derrota. 41 gols marcados e apenas 12 sofridos. O ano teve também dois jogos contra a Portuguesa que entraram para a história. No primeiro, disputado em 12 de Fevereiro no Parque Antártica, uma chuva de gols e recorde de todos os jogos do Corinthians até hoje. Acabou em 10 a 5 a favor do alvinegro. No segundo, quase uma tragédia no Parque São Jorge. O jogo, ocorrido em 25 de Novembro, acontecia normalmente, quando após um gol do Corinthians marcado em posição duvidosa, um dirigente da Lusa invadiu o campo e foi pra cima do juiz. Antes de atravessar o campo, o dirigente levou uma voadora de Neco. Quando levantou, sacou um revólver, mas foi contido pelos policiais. Neco foi punido com a eliminação do campeonato. Em 1929 ocorreu a dissolução da LAF e o fechamento do departamento de futebol do Paulistano. No ano anterior, a AA das Palmeiras já fechara as suas portas. O ano marcou a primeira vitória internacional, 3 a 1 sobre o Club Sportivo Barracas, da Argentina. O jogo aconteceu dia 1 de Maio no Parque São Jorge, e rendeu ao time o apelido de mosqueteiro, dado pelo jornalista Thomaz Mazzoni. Segundo ele, pela fibra demonstrada pelos jogadores. Além desse, o time fez mais dois amistosos internacionais, ambos no Parque Antártica. Dia 4 de Julho, empate em 4 a 4 com o Chelsea FC. E no dia 30, goleada de 6 a 1 em cima do Bologna FC, no jogo que registra as mais antigas imagens do Corinthians em movimento. O filme em 35 milímetros, com 3 minutos e 20 segundos de duração, foi doado ao Memorial do Imigrante pela família dos proprietários do antigo Cinema Roma. Descoberto em 2006, acaba de ser restaurado e é exibido hoje em dia na sala de projeções do Memorial do Corinthians. Pelo campeonato paulista, disputado em turno único, o time foi bicampeão com 100 % de aproveitamento. 7 vitórias em 7 jogos. 33 gols marcados e apenas 8 sofridos. No jogo que valia o título, festa completa com a vitória de 4 a 1 sobre o Palestra em pleno Parque Antártica.

Nesse ano o clube ganhou seu primeiro hino, um presente ao presidente Felipe Collona. Intitulado Marchinha, composto por De La Rosa Sobrinho (música) e Eduardo Dohmen (letra) e gravado por Guarani e Pirajá. Luctar... Luctar...É nosso lema sempre, para a glória.Jogar... Jogar...E conquistar os louros da victória.E proclamar nosso pendão.É alvinegro e sempre há de brilhar.Fluctuar, viril Para a grandeza e glória do Brasil.CORINTHIANS... CORINTHIANS...A glória será teu repouso.E nós unidos sempre,Elevaremos teu nome glorioso. O famoso hino que todos conhecem hoje, a Marcha Campeão dos Campeões, de letra e música do jornalista e radialista Lauro D´Ávilla, só seria composto em 1951. O ano de 1930 começou com uma goleada sensacional de 7 a 2 sobre o Club Atlético Tucumán, da Argentina, em jogo disputado em casa, no dia 1 de Fevereiro. Outra vitória contra time argentino aconteceria também em casa, no dia 13 de Julho, com vitória de 4 a 2 sobre o Club Atlético Huracán, em jogo que marcaria o lançamento da camisa branca com listas finas em preto. Antes, em Fevereiro, o time enfrentou o campeão carioca Clube de Regatas Vasco da Gama, tendo em disputa a taça APEA. Na primeira partida no Parque São Jorge dia 17, vitória por 4 a 2. Na segunda, ocorrida dia 22 em São Januário, aconteceu uma virada espetacular. O time perdia por 2 a 0 faltando apenas 20 minutos para o fim do jogo. Em 18 minutos, De Maria, Peres e Gambinha marcaram os 3 gols que deram ao Corinthians a vitória, o troféu e segundo alguns, o apelido de Campeão dos Campeões. 1930 foi o ano da Primeira Copa do Mundo, disputada no Uruguai, e o primeiro ano a ter partidas disputadas em dois tempos de 45 minutos, antes eram 40. Em julho, jogo contra os norte-americanos do Hakoah, que segundo relatos, ao visitarem o treino no Parque São Jorge um dia antes, pensaram que os jogadores eram juvenis. Vitória da molecada por 5 a 1. Foi também o ano de despedida de Neco, grande ídolo corinthiano e igualmente ídolo na seleção brasileira. Em 31 de Agosto, Neco entrou em campo pela última vez em um jogo contra o Internacional de São Paulo. Tuffy, Grané e Del Debbio. Pronunciados sempre juntos, os nomes do goleiro e dos dois zagueiros iniciariam a escalação do time nos anos 30. O famoso “trio final” corinthiano virou símbolo de uma década. Que começaria feliz, seria entremeada com um pequeno jejum, e terminaria com o terceiro tricampeonato paulista. Começou com o título de 30, conquistado no dia 4 de Janeiro de 1931, na última rodada do campeonato, em jogo na Vila Belmiro. Uma caravana de carros e ônibus, e muitas composições lotadas se dirigiram à baixada desde as primeiras horas da manhã. A primeira grande invasão Corinthiana envolveu mais de 80 vagões! O time do Santos não foi adversário à altura, e o jogo terminou em 5 a 2 para o Corinthians. Campeão em 25 jogos, com 19 vitórias, 4 empates e 2 derrotas. 94 gols marcados e 32 sofridos. E o segundo tricampeonato conquistado. Grande festa na Vila e na volta para São Paulo. Muitos voltaram em cima dos trens. Fogos e festa na Estação da Luz e por toda a capital.