Do abandono as politicas informais de reanimaçao urbana

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Do abandono às polítcas informais de reanimação urbana “A ZAP é um acampamento de guerrilheiros ontológicos: atacam e fogem. A tribo toda anda sempre em corropio, mesmo que a tribo seja composta de dados informáticos na rede.” Hakim Bey in “Temporary Autonomous Zone”traduzido por Discordia! Edições Nos últimos 30 anos, o centro do Porto tem sofrido um abandono gradual dos seus habitantes, que preferem instalar-se em bairros mais modernos, com melhores condições de acesso e salubridade, na periferia do centro histórico e principalmente na periferia da cidade. Multiplicam- se os edifícios e armazéns devolutos em decadente estado de decomposição. Embora a Autarquia tenha desencadeado alguns mecanismo de incentivo à recuperação e reabilitação de prédios degradados, de iniciativa privada, muito mais poderá ser feito. De facto, existe hoje um cenário, que poderá ser comparado a outros casos da Europa do Norte, que fomentam políticas que incentivam a ocupação temporária, o associativismo cultural e juvenil, a autoconstrucção ou construcção participativa, permitindo a criação de novos modos de habitar e de viver e incentivando a instalação e circulação de industrias criativas informais e nómadas. Ocorre-me o caso de Berlim, onde vivi e estudei, e que realmente tinha uma grande parte da cidade devoluta ou em estado latente, que eram os bairros residenciais de Berlim Leste. Estas habitações, não ofereciam as mesmas condições de conforto a que estava habituada a classe média ocidental: não tinham elevadores e os pés direitos de 4,5 metros aqueciam pouco com as salamandaras a gás. As suas dimensões e tipologia de compartimentação era desadequada aos T1’s e T2’s contemporâneos. No entanto, não se pode dizer que Berlim Leste fosse uma zona morta, muito pelo contrário, aqui começava a Berlim rica de vida nas ruas, bares, galerias e parques. Muitas das casas tinham sido ocupadas por comunidades de jovens estudantes e artistas e muitas outras pagavam rendas baixas em troca da sua manutenção. Esta camada da população, no fundo corresponde a um grupo de pessoas em trânsito, nómadas, que sabem que vivem temporariamente num lugar, eventualmente alguns anos, ou até mais. Ocupam estruturas informais de habitação, transformam-nas, vivem em comunidade ou não, mas ocupam a cidade latente sem compromissos de perenidade, aquilo a que em alemão se chama de Zwischennutzung (Entre-uso). Esta lógica é também aplicada às indústria criativas, permitindo a criação de ateliers de artistas, estúdios de ensaio e eventos musicais e teatrais numa lógica informal e de baixo-custo, em estruturas industrais e comerciais devolutas ou abandonadas. Esta dinâmica, que tem o seu apogeu cultural na cidade de Berlim, tem também o seu tempo de vida, e no momento em que todas as habitações estiverem recuperadas segundo os preceitos do estilo de vida que o mercado impõe, não haverão mais edifícios latentes ou degradados para serem apropriados informalmente. Toda gente sabe que são estas as regras do jogo, mas entretanto evita-se a degradação do património e permite-se o usufruto de uma situação óptima para o desenvolvimento de práticas artísticas e criativas não dependentes quer de subsísidios quer do mercado. Para além de Berlim, poderemos falar igualmente de outras cidades europeias como de Londres, Bristol, Amsterdão e Roterdão, onde a legislação que contempla a ocupação de edifícios devolutos (squatting) contribui positivamente para a regeneração e reanimação de edificios devolutos da cidade (http://en.wikipedia.org/wiki/Squatting) . Parece-me que a cidade do Porto está a passar por uma oportunidade semelhante, havendo um grande número de edifícios devolutos, muitos deles camarários, que estão a decair diariamente. A possibilidade de os ocupar de forma temporária, enquanto mantêm a sua condição latente, é uma hipótese que permite albergar muitos projectos e residências de caracter artístico, cultural, social e não só, funcionando como pequenas incubadoras de industrias criativas de pequena dimensão; como sede de projectos associativos, ou ainda como forma de gerar habitação de carácter temporário para estudantes, imigrantes e outros. A lógica de Zwischennutzung ou Entre-uso, tem sido pontualmente e gradualmente explorada no Porto em espaços de natureza diversa como a Caldeira 213, a Papelaria Reis, o Casa Viva, o 555, A Certain Lack of Coherence, entre outros, tendo criado o cenários de experimentação de

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Pequeno texto feito para a exposição Reanimation em Maio de 09.

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Do abandono às polítcas informais de reanimação urbana “A ZAP é um acampamento de guerrilheiros ontológicos: atacam e fogem. A tribo toda anda sempre em corropio, mesmo que a tribo seja composta de dados informáticos na rede.” Hakim Bey in “Temporary Autonomous Zone”traduzido por Discordia! Edições

Nos últimos 30 anos, o centro do Porto tem sofrido um abandono gradual dos seus habitantes, que preferem instalar-se em bairros mais modernos, com melhores condições de acesso e salubridade, na periferia do centro histórico e principalmente na periferia da cidade. Multiplicam-se os edifícios e armazéns devolutos em decadente estado de decomposição. Embora a Autarquia tenha desencadeado alguns mecanismo de incentivo à recuperação e reabilitação de prédios degradados, de iniciativa privada, muito mais poderá ser feito. De facto, existe hoje um cenário, que poderá ser comparado a outros casos da Europa do Norte, que fomentam políticas que incentivam a ocupação temporária, o associativismo cultural e juvenil, a autoconstrucção ou construcção participativa, permitindo a criação de novos modos de habitar e de viver e incentivando a instalação e circulação de industrias criativas informais e nómadas. Ocorre-me o caso de Berlim, onde vivi e estudei, e que realmente tinha uma grande parte da cidade devoluta ou em estado latente, que eram os bairros residenciais de Berlim Leste. Estas habitações, não ofereciam as mesmas condições de conforto a que estava habituada a classe média ocidental: não tinham elevadores e os pés direitos de 4,5 metros aqueciam pouco com as salamandaras a gás. As suas dimensões e tipologia de compartimentação era desadequada aos T1’s e T2’s contemporâneos. No entanto, não se pode dizer que Berlim Leste fosse uma zona morta, muito pelo contrário, aqui começava a Berlim rica de vida nas ruas, bares, galerias e parques. Muitas das casas tinham sido ocupadas por comunidades de jovens estudantes e artistas e muitas outras pagavam rendas baixas em troca da sua manutenção. Esta camada da população, no fundo corresponde a um grupo de pessoas em trânsito, nómadas, que sabem que vivem temporariamente num lugar, eventualmente alguns anos, ou até mais. Ocupam estruturas informais de habitação, transformam-nas, vivem em comunidade ou não, mas ocupam a cidade latente sem compromissos de perenidade, aquilo a que em alemão se chama de Zwischennutzung (Entre-uso). Esta lógica é também aplicada às indústria criativas, permitindo a criação de ateliers de artistas, estúdios de ensaio e eventos musicais e teatrais numa lógica informal e de baixo-custo, em estruturas industrais e comerciais devolutas ou abandonadas. Esta dinâmica, que tem o seu apogeu cultural na cidade de Berlim, tem também o seu tempo de vida, e no momento em que todas as habitações estiverem recuperadas segundo os preceitos do estilo de vida que o mercado impõe, não haverão mais edifícios latentes ou degradados para serem apropriados informalmente. Toda gente sabe que são estas as regras do jogo, mas entretanto evita-se a degradação do património e permite-se o usufruto de uma situação óptima para o desenvolvimento de práticas artísticas e criativas não dependentes quer de subsísidios quer do mercado. Para além de Berlim, poderemos falar igualmente de outras cidades europeias como de Londres, Bristol, Amsterdão e Roterdão, onde a legislação que contempla a ocupação de edifícios devolutos (squatting) contribui positivamente para a regeneração e reanimação de edificios devolutos da cidade (http://en.wikipedia.org/wiki/Squatting) . Parece-me que a cidade do Porto está a passar por uma oportunidade semelhante, havendo um grande número de edifícios devolutos, muitos deles camarários, que estão a decair diariamente. A possibilidade de os ocupar de forma temporária, enquanto mantêm a sua condição latente, é uma hipótese que permite albergar muitos projectos e residências de caracter artístico, cultural, social e não só, funcionando como pequenas incubadoras de industrias criativas de pequena dimensão; como sede de projectos associativos, ou ainda como forma de gerar habitação de carácter temporário para estudantes, imigrantes e outros. A lógica de Zwischennutzung ou Entre-uso, tem sido pontualmente e gradualmente explorada no Porto em espaços de natureza diversa como a Caldeira 213, a Papelaria Reis, o Casa Viva, o 555, A Certain Lack of Coherence, entre outros, tendo criado o cenários de experimentação de

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produção artística e cultural que potenciam a emêrgencia de novas formas de viver e habitar o centro da cidades. Seguindo esta dinâmica do Entre--uso talvez surjam nos nichos urbanos utopias piratas ou Zonas Autónomas Provisórias, conceito elaborado pelo filósofo americano Hakim Bey

e que reclama um espaço autónomo de criação, liberto de condicionantes do sistema e do mercado e provisório quanto à sua localização espacio temporal. A ocupação temporária dos fragmentos do Hospital de Rocamador e Casa da Roda, na Rua dos Caldeireiros 43 tem como mote e leit motiv a reanimação de um edifício e até de uma cidade ou comunidade, que se encontra adormecida, para não dizer moribunda. As suas características espaciais revelaram-se únicas para a apropriação por práticas criativas e performativas, graças às suas amplas naves. A reanimação deste edifício, nem que temporária era necessária e revelará por entremuros uma potencial utopia pirata.

Bernardo Amaral, Porto 2009