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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO E TETO DE VIDRO: O DESENVOLVIMENTO DA
CARREIRA DE MULHERES CIENTISTAS
Adriana Pontes Paiva1
Resumo: O presente trabalho tem por objetivo compreender a experiência de mulheres altamente
qualificadas que vivenciaram o fenômeno denominado “teto de vidro” nas suas trajetórias
profissionais. O problema de pesquisa versou sobre as barreiras enfrentadas pela mulher na
ascensão em sua carreira. Foi realizada uma pesquisa qualitativa básica com cinco mulheres
cientistas por meio de entrevistas semiestruturadas e os dados obtidos foram analisados à luz da
análise de conteúdo. Os resultados apontaram a percepção das mulheres cientistas em relação às
barreiras existentes na ascensão de suas carreiras e que o trabalho feminino envolve questões
relacionadas à permanência da tradicional divisão sexual do trabalho, mantendo estereótipos e
preconceitos percebidos por meio da diferenciação no tratamento dos trabalhadores conforme o
gênero. Estas diferenciações por gênero podem ser identificadas como efeito “teto de vidro”, que
dificulta ou impede a ascensão profissional de mulheres e reflete no sistema de promoções e de
retenção da força de trabalho feminino, influenciado por políticas adotadas pelas instituições. Além
disso, os resultados indicam que as mulheres cientistas precisam investir maior esforço e
determinação para permanecerem nos seus cargos na universidade. Entretanto, pode-se perceber
também por meio da análise dos resultados que os sujeitos da pesquisa conseguiram superar as
adversidades e conciliar suas demandas profissionais, familiares e pessoais.
Palavras-chave: mulheres, universidade, carreira, cientistas, teto de vidro.
Introdução
O movimento feminista eclodiu a partir da segunda metade do século XX, sendo que os
estudos de gênero resultam, principalmente, das lutas libertárias da década de 1960. Gardiner
(2004) destaca que as primeiras teorias feministas se apresentavam defensivas e buscavam a
inclusão das mulheres em privilégios e direitos, reivindicando tratamento igualitário em relação aos
homens.
Nesta perspectiva, os estudos de gênero que surgiram a partir dos movimentos feministas na
década de 1960, inicialmente, possuíam um caráter predominantemente político e utilizado como
sinônimo de mulheres. Somente ao longo do tempo é que estes estudos se estenderam ao universo
masculino (SCOTT, 1995).
Entretanto, foi a partir do final da década de 1970 que os estudos em gênero se
diversificaram e abrangeram áreas como liderança, poder e relações de autoridade, carreiras e
1 Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, Brasil.
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barreiras de carreira, gênero em culturas organizacionais, emoções, empreendedorismo, equilíbrio
trabalho-vida, além de estudos críticos sobre homens e masculinidades (BROADBRIDGE;
SIMPSON, 2011).
As primeiras teorias feministas, no intuito de consolidar que as mulheres são iguais ou
superiores aos homens, foram marcadas pelas tentativas das mulheres de enfatizar sua importância
para a sociedade sendo que, para isso, elas se valeram da produção de biografias sobre mulheres
consideradas heroínas. Foram estas primeiras teorias feministas que encorajaram as mulheres a
exercerem ocupações laborais dominadas por homens em busca dos mesmos privilégios oferecidos
a eles (GARDINER, 2004).
A divisão sexual do trabalho pode ser definida como a forma de divisão social do trabalho
modulada histórica e socialmente, e advém das relações sociais entre os sexos. Esta divisão sexual
do trabalho designa os homens à esfera produtiva (superioridade masculina com a apropriação das
funções com maior valor social) e as mulheres à esfera reprodutiva (HIRATA; KERGOAT, 2007).
Assim, enfatizar aspectos comparativos entre homens e mulheres reforça a construção de ideais e
valores sociais, bem como os estereótipos e os preconceitos.
Entretanto, as assimetrias na divisão sexual do trabalho são percebidas inclusive entre
mulheres e homens com altas qualificações e em carreiras científicas, deixando claras as
“dificuldades em articular vida profissional intensa em termos de horários, ritmos e padrões de
trabalho com as demandas familiares e pessoais”, que também despendem tempo, competências e
recursos (PERISTA, 2010, p. 60).
Nesta perspectiva, embora as políticas públicas favoráveis à igualdade entre homens e
mulheres sejam positivas, apenas a mudança da correlação de forças da esfera privada contribuirá
para a melhoria na distribuição do trabalho invisível geralmente atribuído ao feminino e com
conotação de compaixão, de dedicação, de altruísmo, de disponibilidade permanente. Somente a
partir de uma redistribuição deste trabalho invisível será possível às mulheres um espaço próprio,
um tempo para si e o desenvolvimento de criatividade e de autonomia (HIRATA, 2002).
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Papéis de gênero
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Gênero se refere às construções socioculturais de diferenças entre os sexos e às crenças
sobre o que é mais apropriado ou típico para determinado sexo do que para o outro, incluindo
sentimentos, comportamentos e interesses (BROADBRIDGE; SIMPSON, 2011).
Foucault (1988) e Scott (1995) deslocam o conceito de gênero para o campo da produção
cultural, social e histórica sendo que a partir daí o gênero passa a ser visto como uma construção
social e não apenas ligado ao determinismo biológico.
O papel designado ao homem e à mulher também é constituído culturalmente e se
transforma com a sociedade e com o tempo, influenciando a divisão das atividades entre masculino
e feminino (BOURDIEU, 2003).
Assim, existem dois princípios organizadores da divisão social do trabalho, qual seja o
princípio de separação – trabalhos de homens e trabalhos de mulheres, e o princípio hierárquico – o
trabalho do homem é mais importante que o trabalho da mulher (HIRATA; KERGOAT, 2007).
Nesta perspectiva, a organização do trabalho e da família foi alicerçada em mitos sobre a
diferença entre os gêneros (BARNETT, 2004). Desta forma, criou-se um pensamento comum de
que as mulheres têm inclinações e capacidades para cuidar e se ocupar do lar e de atividades
consideradas apropriadas para uma mulher – secretaria, magistério ou enfermagem – e que os
homens devem prover e arcar com as atividades fora do lar (MAINIERO; SULLIVAN, 2006, p.48).
O trabalho interfere na construção da identidade social dos indivíduos e a inserção feminina
no mercado de trabalho ampliou o papel social das mulheres que, a partir daí, se engajaram em uma
carreira profissional em busca de satisfação e reconhecimento pessoal, além de autonomia
financeira (ROCHA-COUTINHO, 2000).
A inserção das mulheres no mercado de trabalho ampliou também as discussões sobre as
reais oportunidades disponibilizadas ao público feminino nesta esfera sendo que o conceito de
trabalho é, implicitamente, um conceito de gênero e assume um gênero específico na organização
da vida doméstica e da produção social, apesar de a lógica organizacional apresentá-lo como gênero
neutro (ACKER, 1990).
Jonathan e Silva (2007) afirmam que reconfigurar os espaços do trabalho e da família e dos
papéis sociais a eles vinculados consiste em uma problemática global, já que a harmonia entre o
público e o privado é uma ampla questão social de responsabilidade de todos, independentemente
do gênero e do tipo de ocupação no mercado de trabalho.
Sentido do trabalho e da carreira para as mulheres
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Ao longo dos séculos, homens e mulheres ocuparam espaços heterogêneos na sociedade e na
economia sendo que, aos homens, competia o domínio público e, consequentemente, a escolha de
um trabalho ou profissão e, às mulheres, cabia moldar-se aos ditames da sujeição biológica,
caracterizada pela maternidade e pela dedicação aos cuidados da prole, do marido e da casa. Após a
Revolução Industrial, o processo de inserção das mulheres no mercado de trabalho se fortaleceu,
mas, inicialmente, o trabalho destas era restrito a postos subordinados, mal remunerados e
considerados inferiores aos dos homens (LIPOVETSKY, 2000).
Contudo, as mudanças culturais e legais trazidas pelo movimento de mulheres dos anos
1960 e 1970 ampliaram as oportunidades educacionais e profissionais das mulheres e lhes
possibilitou adentrar profissões dominadas historicamente pelo sexo masculino (PERCHESKI,
2008).
Nesta perspectiva, o trabalho tem um grande sentido na vida de mulheres que anseiam
exercer suas funções nas mesmas condições profissionais oferecidas a indivíduos do sexo
masculino. Para Lipovetsky (2000, p. 209):
a atividade feminina exprime a promoção histórica da mulher que dispõe do governo de si,
assim como a posição identitária do feminino [...] o reconhecimento social do trabalho
feminino traduz o reconhecimento do direito a uma “vida sua”, à independência econômica,
na linha de uma sociedade que celebra, cotidianamente, a liberdade e o maior bem-estar
individual.
Por conseguinte, algumas mulheres já não se contentam em manter um trabalho apenas para
incrementar a renda familiar. Estas mulheres objetivam desenvolver uma carreira que lhes
satisfaçam como profissionais, com ênfase em projetos de vida maiores, que reforcem suas
identidades sociais.
Porém, considerando a divisão sexual do trabalho e as exigências do modelo corporativo, as
mulheres apresentam trajetórias de carreira marcadas por transições, mudanças, compromissos e
bifurcações, originando um cenário de alta complexidade e inviável a um modelo de carreira linear
(MAINIERO; SULLIVAN, 2006, p.49).
Em contrapartida, aos homens sempre competiu o trabalho mental, com papel social de
provedor, o que permite o planejamento de uma trajetória de carreira linear (MAINIERO;
SULLIVAN, 2006 p. 51).
As mulheres que objetivam uma carreira no ambiente corporativo são reconhecidas por
mulheres de carreira, sendo que Levinson e Levinson (1996) as definem como sendo aquelas
mulheres que optam por uma vida profissional mais especializada, que exige uma formação
superior, com especializações, qualificações e capacitações profissionais. Estas mulheres
adentraram o espaço ocupacional masculino, com maior status, e, como são muito exigidas em
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termos de habilidades e competências, transformam a carreira em um componente da estrutura de
suas vidas.
Entretanto, ao se analisar a situação financeira de mulheres casadas em que ambos os
cônjuges exerçam profissões reconhecidas como carreira, ou seja, aquelas profissões demarcadas
por etapas de desenvolvimento e progressão, percebe-se que, o salário do homem é superior e se
destaca no orçamento familiar, demonstrando que a carreira do marido ocupa centralidade na
relação conjugal (SILBERSTEIN, 1992).
Atualmente, mulheres altamente qualificadas ocupam posições de gerência que podem lhes
conferir prestígio, influência social e recompensas econômicas, sendo que o sucesso feminino
nestes campos pode ser particularmente importante para a igualdade de gênero (PERCHESKI,
2008).
Entretanto, os processos organizacionais continuam permeados pela masculinidade e pela
imagem do trabalhador homem, o que indica a manutenção da segregação de gênero nas relações de
trabalho remunerado (ACKER, 1990).
A segregação de gênero no trabalho e a desigualdade de cargos e salários são parcialmente
criadas a partir de práticas organizacionais e justificadas pela necessidade de controle sexual sobre
as mulheres, que podem encontrar barreiras ao assumir posições tradicionalmente masculinas e
resistentes à disrupção (ACKER, 1990, p. 147).
Metáfora do “Teto de Vidro” (ceiling glass)
A segregação de gênero define, previamente, os espaços sexuados aos indivíduos no
mercado de trabalho e pode funcionar como uma barreira face à relação entre os sexos, porque cria
locais de não convivência – o fato de ser homem ou mulher influencia no tipo de cargo ou setor em
que este indivíduo irá trabalhar (CYRINO, 2012).
Assim, as mulheres enfrentam preconceitos e precisam trabalhar muito para mostrar que são
competentes como os homens, além de lidarem com pressões sociais a despeito dos papéis de mãe,
de esposa e de principal responsável pelo lar (NETO; TANURE; SANTOS, 2014).
Ao aspirar a cargos melhor remunerados e de maior prestígio, as mulheres encontram
barreiras estruturais invisíveis que as impedem de ascender na carreira (AMÂNCIO, 2004a). A
literatura trata estas barreiras por efeito “teto de vidro” (BARRETO; RYAN; SCHMITT, 2009).
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A metáfora do “teto de vidro” é utilizada por pesquisadores para explicar porque a presença
das mulheres em cargos de direção não possui uma distribuição homogênea nos diversos setores de
atividades do mercado de trabalho (CYRINO, 2012).
Desta forma, os efeitos do “teto de vidro” são identificados entre os trabalhadores na
extremidade superior que têm, simultaneamente, salários elevados e alta taxa de crescimento
profissional, sendo que os homens apresentam maiores índices de promoções ao longo de um
intervalo de dez anos e ocupam a maioria dos postos de trabalho que proporcionam elevados níveis
de status, poder e responsabilidade (WEINBERGER, 2011).
Durante décadas, as mulheres estão sub-representadas entre os trabalhadores com níveis
salariais e taxas de crescimento mais elevados. Esta evidência sugere um “teto de vidro” com
relação direta ao número de mulheres com possibilidade de chegar ao topo de posições influentes.
Também há indícios de um “teto de vidro” que retarda o progresso das mulheres mais bem-
sucedidas em relação aos homens nesta mesma condição, visto que, mulheres com alto nível
universitário seguem um plano de carreira paralelo no mercado de trabalho, notoriamente abaixo do
percebido pelos homens nestas mesmas condições (WEINBERGER, 2011).
Além disso, algumas lideranças não se empenham em proporcionar às mulheres a
oportunidade de ascensão na carreira dentro das organizações, além de não se preocuparem em
promover ações que permitam a capacitação ou qualificação necessária para que elas ocupem os
cargos superiores (CYRINO, 2012). Este comportamento das lideranças constitui entraves
importantes para a ascensão linear feminina e contribui severamente para o surgimento do efeito
“teto de vidro”.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Com o objetivo de compreender a experiência de mulheres cientistas altamente qualificadas
que vivenciaram o fenômeno denominado “teto de vidro” nas suas trajetórias profissionais, neste
trabalho buscou-se, a partir da estratégia de pesquisa qualitativa básica, apreender os significados
que os sujeitos atribuem ao fenômeno estudado e as experiências nele vivenciadas, uma vez que, o
mundo e a realidade não são objetivos e tampouco exteriores ao homem, mas socialmente
construídos e significativos a partir do seu olhar e experiência (MERRIAM, 1998).
Esta pesquisa tem uma abordagem qualitativa na perspectiva de gênero e carreira feminina
com vistas a explicar o fenômeno de acordo com a visão dos sujeitos.
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Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com cinco mulheres cientistas, quando foram
explicitados às entrevistadas os objetivos do estudo, os procedimentos a serem adotados com
relação ao sigilo dos dados coletados e à preservação de suas identidades. O critério de inclusão
utilizado envolveu mulheres cientistas que lidaram com o efeito “teto de vidro” em suas trajetórias
profissionais. A amostra foi escolhida de forma intencional e por conveniência.
As entrevistas realizadas no estudo foram gravadas, anotadas e depois transcritas na íntegra.
Logo após passou-se à análise qualitativa de conteúdo, de forma descritiva e subdividida em
categorias que surgiram a partir do discurso das entrevistadas.
Neste trabalho, utilizou-se a análise de conteúdo para categorizar e para analisar os dados
coletados nas entrevistas. Para se analisar dados qualitativos extraindo significado relevante em
relação a um problema faz-se necessário um conjunto de manipulações, transformações, operações,
reflexões e comprovações realizadas a partir dos dados coletados (FLORES, 1994).
As categorias encontradas neste estudo revelaram barreiras encontradas no ambiente de
trabalho das mulheres cientistas e estão relacionadas a aspectos positivos (exercício do poder,
liderança e resultados, e resiliência) e a aspectos negativos (sacrifício, estagnação e teto de vidro).
APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS
A pesquisa seguiu um roteiro que guiou as entrevistas semiestruturadas. Algumas perguntas
follow-up foram acrescentadas ao roteiro no intuito de auxiliar a pesquisadora a extrair o máximo
de informações possíveis para um bom entendimento do fenômeno estudado. Importante destacar
também que, além da comunicação verbal, foram analisados também elementos da comunicação
não verbal observados nas entrevistas como forma de evidenciar e reforçar sentidos e sentimentos.
Os dados coletados nas entrevistas foram subdivididos em categorias. Estas categorias foram
nomeadas durante a análise qualitativa de acordo com as falas das entrevistadas e analisadas pela
pesquisadora. A descrição e a discussão dos dados consideraram o compromisso ético de não expor
os participantes que contribuíram com este estudo nem os demais sujeitos presentes em seus relatos.
As categorias encontradas neste estudo estão dispostas abaixo:
Percepções negativas do ambiente de trabalho
A partir da análise das falas das entrevistadas pela autora, fica evidenciado que ao refletirem
sobre a situação de suas carreiras as mulheres cientistas percebem alguns pontos negativos no
ambiente corporativo.
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O ‘sacrifício’ aparece enfatizado na fala das entrevistadas quando estas colocam a
sobrecarga de trabalho e o sofrimento que a jornada excessiva provoca.
A ‘estagnação’ também emerge da fala das entrevistadas como uma percepção negativa do
ambiente de trabalho quando estas refletem sobre a falta de novas perspectivas dentro da
organização, ao passo que já se encontram em uma posição elevada e não vislumbram novas formas
de evoluir profissionalmente. As entrevistadas sugerem que a falta de novos desafios de ascensão
para as mulheres que já se encontram no topo como é o caso das respondentes desta pesquisa, que
são cientistas que galgaram por altos níveis institucionais, pode gerar um sentimento e uma
percepção negativa de estagnação da carreira no ambiente organizacional.
O “teto de vidro” evidencia sua ocorrência quando as entrevistadas expõem suas percepções
negativas em relação às barreiras que estas tiveram que transpor durante suas trajetórias de ascensão
na carreira em direção à posição que almejavam conquistar.
As mulheres cientistas percebem as categorias ‘sacrifício, estagnação e “teto de vidro” como
sendo negativas na medida em que estas trazem grandes barreiras à ascensão e à manutenção de
mulheres no topo de suas carreiras, gerando inclusive sofrimento e desmotivação.
Estas categorias encontradas no estudo corroboram com a literatura quando consideramos
que, ao aspirar a cargos mais bem remunerados e de maior prestígio, as mulheres encontram
barreiras estruturais, invisíveis, que as impedem de ascender na carreira (AMÂNCIO, 2004a). A
literatura trata estas barreiras por efeito “teto de vidro” (BARRETO, RYAN E SCHMITT, 2009). A
questão principal é o fracasso das lideranças em proporcionar às mulheres atingir o topo de suas
carreiras nas organizações e de garantir que as mulheres adquiram a experiência necessária e se
qualifiquem para os cargos superiores.
Os fenômenos de segregação horizontal e vertical indicam que a ocupação de cargos e
funções no mercado de trabalho por homens e mulheres não é homogênea, sendo que, geralmente,
estas ocupações se dão em diferentes níveis e setores da economia (CYRINO, 2012).
Percepções positivas do ambiente de trabalho
A partir da análise das falas das entrevistadas pela autora, notou-se que as respondentes
relataram não apenas as dificuldades de ascensão em suas carreiras, mas expuseram também as
vantagens advindas das posições alcançadas por elas no ambiente corporativo.
A categoria ‘exercício do poder’ surge das falas das entrevistadas quando estas relatam a
percepção de poder como forma de se sentirem importantes e recompensadas pelo esforço pessoal,
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o que nos leva a inferir que o poder experimentado por estas mulheres as impulsiona e as motiva a
alavancar em suas carreiras.
Na categoria ‘Liderança e resultados’, as falas das entrevistadas trazem à tona o
reconhecimento positivo do esforço das mulheres cientistas em atingir posições elevadas nas
instituições assim como a sensação de dever cumprido ao colherem os resultados dos esforços
despendidos.
A categoria ‘Resiliência’ ficou evidenciada nas falas das entrevistadas dando suporte à
percepção que as mulheres cientistas deixam fluir por meio dos seus relatos enfatizando as
dificuldades e barreiras enfrentadas por elas em suas trajetórias profissionais, bem como a
capacidade que estas apresentam ao conseguirem enfrentar os desafios e saírem fortalecidas da
situação.
Ao falarem sobre poder, as entrevistadas relatam que a sensação de poder as move em busca
de novos desafios e esta percepção de poder nos remete à Scott (1995) quando esta afirma que
gênero refere-se a abordar de maneira mais ampla os sistemas de relações sociais ou sexuais e
propõe uma aproximação entre gênero e poder, apontando para as articulações entre estes no
ocidente, “na medida em que estas referências [de gênero] estabelecem distribuições de poder (uma
diferenciação no controle ou no acesso aos recursos materiais e simbólicos), onde o gênero torna-se
implicado na concepção e na construção do próprio poder” (SCOTT, 1995, p. 88).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As questões de gênero vêm sendo estudadas sob diversos aspectos e, ao revisarmos a
literatura, podemos notar várias abordagens para o tema. A abordagem utilizada neste estudo
contempla os aspectos relacionados a gênero no que diz respeito ao enfrentamento do fenômeno
“teto de vidro” que interferem no desenvolvimento de mulheres cientistas que se deparam com
barreiras, estereótipos e preconceitos ao almejarem chegar ao topo de suas carreiras.
O presente estudo teve como objetivo compreender a experiência de mulheres cientistas
altamente qualificadas que vivenciaram o fenômeno denominado “teto de vidro” nas suas trajetórias
profissionais. O problema de pesquisa versou sobre as barreiras enfrentadas pela mulher na
ascensão em sua carreira. Tal investigação foi conduzida por meio da análise de conteúdo de cinco
entrevistas com mulheres cientistas e altamente qualificadas e consistiu em identificar barreiras na
trajetória profissional destas mulheres que pudessem se relacionar ao efeito “teto de vidro”.
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A análise e discussão dos resultados permitiram um alinhamento com os autores
pesquisados e com seus aportes teóricos, os quais foram utilizados como suporte aos estudos sobre
carreira de mulheres cientistas e “teto de vidro”, na perspectiva de gênero.
Apesar dos grandes desafios em conciliar vida profissional e pessoal, as mulheres lutam pela
igualdade de direitos e de oportunidades no ambiente corporativo e anseiam por sucesso em suas
carreiras.
Entretanto, as barreiras, muitas vezes invisíveis, encontradas durante a trajetória profissional
das mulheres as desmotivam e as impelem a interromper suas carreiras.
As barreiras relatadas pelas respondentes deste estudo foram principalmente em relação às
diferenças no tratamento entre homens e mulheres, à dificuldade em obter uma carreira linear e
ascender hierarquicamente, bem como a manutenção desta ascensão.
Dessa forma pode-se identificar claramente o efeito “teto de vidro" no relato das
participantes da pesquisa.
Outro dado obtido da pesquisa que vale salientar é o fato de todas as participantes do estudo
terem superado a frustração enfrentada durante a ascensão em suas carreiras.
Os resultados da pesquisa servirão de fundamento para que sejam propostas intervenções
práticas nas universidades e pode ajudar mulheres cientistas a compreenderem este fenômeno social
e a buscarem alternativas para minimizar suas dúvidas e tensões. A pesquisa pode, também, indicar
temas de pesquisa que incitarão pesquisadores a novas perspectivas de estudos sobre o fenômeno e
à melhoria de práticas institucionais.
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Sexual division of labor and glass ceiling: the career development of scientist women
Astract: This paper aims to understand the experience of highly qualified women who have
experienced the phenomenon called “glass ceiling” in their professional trajectories. The research
problem dealt with the barriers faced by the woman in the rise in her career. A qualitative basic
research was carried out with five scientist women through semi-structured interviews and the data
obtained were analyzed in the light of content analysis. The results pointed out the perception of
scientist women in relation to existing barriers to the top of their careers, and that female work
involves issues related to the permanence of the traditional sexual division of labor, maintaining
stereotypes and prejudices perceived through differentiation in the treatment of workers according
to the gender. These gender differentiations can be identified as a “glass ceiling” effect, which
hinders or prevents the professional advancement of women and reflects in the system of
promotions and retention of the female labor force, influenced by policies adopted by the
institutions. In addition, the results indicate that scientist women need to invest more effort and
determination to remain in their university positions. However, it can also be seen through the
analysis of the results that the research subjects were able to overcome adversities and reconcile
their professional, family and personal demands.
Keywords: women, university, career, scientists, glass ceiling.