Diversidade na Aprendizagem de Pessoas com...

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Maria de Fátima Joaquim Minetto Irene Carmem Piconi Prestes José Raimundo Facion Márcia Maria Stival IESDE BRASIL S/A. Curitiba 2015 Diversidade na Aprendizagem de Pessoas com Necessidades Especiais

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Maria de Fátima Joaquim MinettoIrene Carmem Piconi Prestes

José Raimundo FacionMárcia Maria Stival

IESDE BRASIL S/A.Curitiba

2015

Diversidade na Aprendizagem de Pessoas com Necessidades Especiais

IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br

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M664 Minetto, Maria de Fátima Joaquim ET ALL. / Diversidade na aprendi-zagem de pessoas com de necessidades especiais. / Maria de Fátima

Joaquim Minetto ET ALL. — Curitiba : IESDE BRASIL S/A., 2010.284 p.

ISBN: 978-85-387-1110-0

1.Educação Especial 2.Deficientes – Educação 3.Educação Inclusiva 4. Estu-dantes deficientes I.Título II. Prestes, Irene Carmem Piconi III. Facion, José Raimundo IV. Stival, Márcia Maria

CDD 371.9

Doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Possui graduação em Psicologia pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP, 1985), Educação Artística pela Faculdade de Artes do Paraná (1983) e Mestrado em Educa-ção pela Universidade Federal do Paraná (UFPR, 2000). Atualmente é professora da Prefeitura Municipal de Curitiba e professora adjunta da Faculdade Evangélica do Paraná. Também ministra aulas em pós-graduação em diversas instituições.

Maria de Fátima Joaquim Minetto

Psicóloga, Psicanalista, Mestre em Educação (UFPR) na linha de Currículo. Pro-fessora adjunta na Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e Uniandrade. Psicóloga Escolar.

Irene Carmem Piconi Prestes

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Psicólogo, Doutor pelo Departamento de Psiquiatria Infantil da Universidade de Münster – Alemanha, Professor Titular no Programa de Mestrado e Coordenador do Grupo de Pesquisa Ensino e Aprendizagem da Universidade do Contestado (UnC), Campus Caçador.

José Raimundo Facion

Musicoterapeuta, Doutoranda em Psicologia; Especialista em Educação Especial (IBEPX) e Neuropsicologia e Aprendizagem pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Musicoterapeuta Escolar e Clínica. Professora da Faculdade ISULPAR (Instituto Superior do Litoral do Paraná).

Márcia Maria Stival

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Sumário

Olhar a diversidade, olhar o todo ....................................... 15

Abordagem teórica ................................................................................................................... 16

O professor e o diferente ....................................................................................................... 19

O medo ......................................................................................................................................... 20

A diferença e a prática pedagógica ................................................................................... 22

A ação pedagógica diante da diversidade: formação competente ............................................................ 31

Resistências ................................................................................................................................ 34

Contextualizando a ação pedagógica .............................................................................. 38

A inclusão através dos tempos ............................................ 45

Um pouco de história ............................................................................................................. 45

O novo paradigma ................................................................................................................... 47

As pesquisas sobre o professor e a inclusão ................................................................... 49

Diversidade na aprendizagem e “diversidade na ensinagem” ............................................. 63

O professor e a criatividade ................................................................................................... 67

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A construção dos laços afetivos no ambiente escolar .............................................. 81

A pluralidade na escola ........................................................................................................... 82

Cidadão no papel ...................................................................................................................... 86

O lugar da criança .................................................................................................................... 88

Percorrendo o caminho do infantil ..................................................................................... 90

Inteligências múltiplas .......................................................... 97

A diversidade de aprendizagem sob a perspectiva das inteligências múltiplas ......................................................................100

A diversidade na educação de jovens e adultos .........................................................102

A EJA e os alunos com necessidades educativas especiais .....................................104

O filho com deficiência .........................................................115

A chegada de um filho especial .........................................................................................118

Prevenção .................................................................................131

O Apgar ......................................................................................................................................133

Teste do pezinho .....................................................................................................................135

Crises convulsivas ..................................................................143

As crises.......................................................................................................................................145

O que podemos fazer para ajudar ....................................................................................148

Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID) .................................................159

O diagnóstico diferencial .....................................................................................................159

Transtorno Autista ..................................................................................................................160

Transtorno de Rett ..................................................................................................................162

Transtorno de Asperger .......................................................................................................162

Transtorno Desintegrativo da Infância ...........................................................................163

Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (sem outra especificação – SOE) .......................................................................................164

Procedimentos educacionais .............................................................................................164

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Transtornos de comportamento disruptivo ................171

Transtorno de Deficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) ......................................171

Transtornos de Conduta (TC) ..............................................................................................177

Deficiência intelectual e visual .........................................187

Deficiência intelectual ..........................................................................................................187

Deficiência visual ....................................................................................................................191

Deficiência física e auditiva ................................................205

Deficiência física .....................................................................................................................205

Deficiência auditiva ...............................................................................................................211

Diversidade na sala de aula ...............................................221

Autismo .......................................................................................................................................221

O contato do educador com a criança autista .............................................................221

A atuação do educador ........................................................................................................222

Inclusão .......................................................................................................................................224

TDAH ...........................................................................................................................................225

O profissional que atua com a criança ............................................................................227

Aspectos emocionais e o cotidiano escolar .................237

Falando do dia a dia na escola: o que estamos fazendo ..........................................242

Gabarito .....................................................................................259

Referências ................................................................................271

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Apresentação

Caro aluno,

Nosso objetivo é discutir a diversidade e suas particularidades nas diferentes necessidades especiais, considerando aspectos sociais, emocionais e relacionais que de alguma forma interferem na aprendizagem.

Quando falamos em necessidades educativas especiais, estamos falando de algo complexo. Mesmo entendendo a filosofia inclusiva como justa e promotora de um contexto escolar melhor para todos, precisamos de muita cautela ao con-duzi-la. O ato de inserir o aluno com necessidades educativas especiais no Ensino Regular por si só seria uma pseudoinclusão, o que soa-nos no mínimo como irres-ponsabilidade. A inclusão, por mais justa que seja, requer reflexão e preparo do contexto escolar. Acreditamos que possam existir diferentes formas de inclusão que respeitem a diversidade do alunado. A singularidade de cada indivíduo sus-cita a observância de cada situação em particular.

Propomos aqui uma discussão da diversidade e da subjetividade de cada su-jeito, incluindo o educador, considerações detalhadas sobre as necessidades es-peciais e suas particularidades diante da situação de aprendizagem.

A seguir, uma poesia sobre a alegria em ser um professor especial.

Iolanda Santos Nascimento

Ser professor é uma bençãoE tenho a graça de serÉ uma missão divinaQue muito me dá prazer

Quando chego à escolaO que mais me alegra verÉ o sorriso dos meus alunosE a alegria deles ao me receber

Gosto de todas as crianças Do jeito que elas sãoPara mim são como filhosOs filhos do coração

Por eles me sinto amada,Me aceitam como sou

Sou feliz com meus alunosOnde quer que eu estou

Na escola, as nossas aulasÉ um grande divertimento Não há lugar pra tristezaTudo é só contentamento

São crianças muito sensíveisSolidárias e amorosasAmam com sinceridadeE são muito carinhosos

Se algo me entristeceDeles não posso esconderQuando percebem me abraçamPra tristeza desaparecer

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Por eles sou compreendidaSomos mais que aluno e professorNossa relação é de amizadeConfiança e muito amor

Somos amigos, companheirosPara mim são todos especiaisApesar de terem uma necessidade São crianças geniais

Por terem uma necessidadeSão alvo de discriminaçãoPor pessoas que não sabem amar Sem sentimento no coração

Se eu pudesse acabariaCom qualquer tipo de preconceitoPois além de ser uma vergonhaSó traz tristeza ao peito

Quando a criança percebe Que é por alguém rejeitadaSente-se muito infelizIndefesa e magoada

Por que promover tristezaSe podemos dar amorTratar a todos com respeitoEvitando assim a dor

De que adianta parecer bonitoQuem é feio de coraçãoCom suas atitudes mesquinhasCausando aos outro decepção

Sou uma professora privilegiadaPor ter alunos tão legaisSinto-me realizadaCom minhas crianças especiais

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Olhar a diversidade, olhar o todo

Maria de Fátima Joaquim MinettoCada um de nós é diferente. Tivemos experiências diferentes. Recebemos o sol de

maneira diferente. Projetamos nossa sombra de maneira diferente. Por que então não

teríamos cores diferentes?

Leo Buscaglia

Participando de cursos, congressos, consultorias, por todo o Brasil, pu-demos constatar que, quando o assunto é inclusão, o discurso de diversos profissionais, entre eles muitos professores, resume-se em algo como:

“Eu não sou especializada para atender essas crianças...”

“Sabe, não é má vontade, mas eu não tenho dom!”

“Tenho muita pena dessa criança, mas tenho mais 30 me espe-rando.”

“E... o governo que não faz a sua parte?”

“Se eu quisesse trabalhar com deficientes estaria no Ensino Es-pecial, realmente não tenho paciência.”

“Eu não sou contra a inclusão, mas acho muito difícil...”

Palavras que perturbam e ao mesmo tempo refletem os conflitos. As pessoas ainda discutem se são a favor ou contra. Mas... contra quem? Contra o deficiente? Suas famílias? Contra as políticas governamentais? Contra si mesmo e seus preconceitos? Contra mudanças? Parece-nos que ainda não é claro para a sociedade o que se quer com a inclusão esco-lar. Além dos problemas de ordem política, legislações, declarações etc., existe a força dos movimentos radicais, que hasteiam a bandeira ignoran-do as consequências de uma situação imposta.

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Olhar a diversidade, olhar o todo

Em função disso, muito se tem falado sobre inclusão nos últimos anos. Mas, enquanto teóricos e pesquisadores estão refletindo sobre o “estado da arte”, dis-cutindo terminologias, as escolas têm recebido em suas salas de aula crianças com necessidades especiais em um fluxo cada vez mais acentuado. No meio desse turbilhão temos as escolas, os professores, as crianças e os pais tentando acertar o passo.

A inclusão é um fato. Um caminho sem volta! O resgate de algo que ficou para trás na história e hoje é reparado. Nós, cidadãos, temos duas opções: pri-meiro, ficarmos estáticos, questionando, culpando e reclamando. Posição essa, que não traz alívio para as angústias e ainda produz sofrimento para si e para todos que nos rodeiam. Ou, numa segunda opção: parar, olhar a nossa volta e reagir, arregaçar as mangas e ver como podemos melhorar essa situação. Refletir sobre si mesmo, como pessoa e profissional, e sobre medos, preconceitos. Com certeza, caro leitor, você optou pela segunda. Por isso, vamos ver o todo através de suas partes.

Exploraremos as diversidades de aprendizagem de pessoas com necessida-des educativas especiais (NEE), e também fatores emocionais, sociais, culturais, políticos que permeiam todos os envolvidos. Salientaremos as diferentes abor-dagens teóricas; o professor e sua relação com a diferença; a sua formação e a diversidade; as particularidades da aprendizagem em cada tipo de necessidade especial (NE). Acreditamos que compreendendo esse todo seremos capazes de entender e ressignificar o contexto escolar para contemplar a diferença.

Abordagem teórica

Sigmund Freud.

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Olhar a diversidade, olhar o todo

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As teorias científicas norteiam o trabalho de diversos profissionais nos dife-rentes campos de atuação. Elas surgem influenciadas pela história, condições sociais, econômicas e políticas. Hoje a educação e os profissionais a ela ligados (educadores, pedagogos, psicólogos, psicopedagogos, entre outros) têm se be-neficiado com as diversas abordagens. O embasamento teórico é escolhido pelo profissional considerando sua visão de homem e de mundo. Cada abordagem vem contribuir muito para o entendimento do processo ensino-aprendizagem e as relações que se estabelecem no contexto escolar.

As mais conhecidas são a psicanálise, a comportamental, a teoria sistêmica, entre muitas outras. Para o professor que busca a formação continuada, consi-deramos importante conhecer a contribuição das diferentes linhas teóricas para a educação. Despertando assim o interesse pelo aprofundamento teórico para, além de compreender a forma de intervenção, optar pela que mais lhe agrade.

Uma abordagem teórica bastante difundida é o behaviorismo Watson (1913), Skinner (1945), entre outros). O termo behavior significa comportamento. Por isso, também é conhecida como: teoria comportamental, análise experimental do comportamento, análise do comportamento, e mais recentemente uma deriva-ção que é a abordagem comportamental cognitiva. O behaviorismo dedica-se ao estudo das interações entre o indivíduo e o ambiente, os estímulos do mesmo e a resposta do sujeito. A análise experimental do comportamento pode nos ajudar em muitas situações, através da modificação do comportamento.

Os conceitos comportamentalista são amplamente utilizados por educado-res. Muitos métodos de ensino e situações de aprendizagem são organizados e embasados por essa concepção. A educação especial utiliza-se amplamente desses conceitos. Certamente vocês já ouviram falar na Teoria Comportamental Cognitiva (TCC) que tem sua base na aprendizagem social. Diferente dos beha-vioristas radicais que acreditam que o comportamento humano é uma resposta a estímulos do ambiente, a TCC entende que o ambiente, as características pes-soais de temperamento e o comportamento situacional definem o comporta-mento humano. Assim, para a TCC o comportamento humano é um fenômeno dinâmico em construção. Na visão Comportamental Cognitiva, a emoção, o pen-samento, o comportamento, a sensação física são elementos que interagem e que podem ser modificados, sendo que um pode atuar sobre o outro.

Uma outra abordagem é a Psicanálise criada por Freud, em 1900; a Psicaná-lise é uma teoria que considera o comportamento humano regido pelo incons-ciente, um método de investigação e uma prática profissional. Enquanto teoria

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Olhar a diversidade, olhar o todo

constitui-se de um conjunto de conhecimentos sistematizados sobre a vida psí-quica. Como método de investigação tem como característica principal a inter-pretação, buscando o significado oculto daquilo que é manifestado pelo sujeito por ações e palavras, pelo imaginário, sonhos etc. A prática profissional hoje não se limita somente à análise (busca do autoconhecimento). A psicanálise é usada como base para a psicoterapia, aconselhamento, orientação, em trabalho de grupos, instituição e também nas escolas. Existe um abrangente e consistente material do uso da psicanálise na educação, como trabalhos sobre dificuldades de aprendizagem, escolarização de crianças com distúrbios globais do desen-volvimento e inclusão.

A terceira abordagem que aqui apresentamos, o modelo sistêmico, entende que qualquer organismo é um sistema em interação. Essa interação é simultânea e mutuamente interdependente de outros componentes. Entende que o sujeito está inserido no “mundo das relações”, que ao mesmo tempo em que influencia é influenciado por elas.

Essa concepção é vista como uma nova visão da realidade que se baseia no estado de inter-relação e interdependência de todos os fenômenos físicos, biológicos, psicológicos, sociais e culturais. Configurando uma estrutura inter- -relacionada de múltiplos níveis de realidade, gerando uma mudança de filoso-fia e transformação de cultura. A abordagem sistêmica é utilizada com sucesso no âmbito empresarial, escolar e, principalmente, na terapia familiar.

Esse modelo propõe que todas as redes sociais envolvidas numa situação (por exemplo, a aprendizagem de pessoas com necessidades especiais) são cor-responsáveis tanto pelos recursos a ser utilizado quanto pelos impasses que surgem ao longo do caminho. Trata-se de construir junto com o sujeito, a família, a escola, os profissionais, uma experiência compartilhada, através da busca de alternativas e de intervenção para essa realidade.

Dentro dessa visão, as diversidades na aprendizagem têm diferentes origens, causas e manutenção, em função da diversidade dos sujeitos e dos contextos es-colares, exigindo assim a pesquisa em diversos campos do conhecimento. Preci-samos considerar as muitas variáveis que podem favorecer ou não a construção de estratégias de ação. Contudo, não pretendemos organizar uma cartilha, um livro de receitas para ser consultado sem delongas. Pretendemos dar subsídios para a construção do pensamento sistêmico.

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O professor e o diferente

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Por que sempre se acaba falando do professor, cobrando do professor? Real-mente quando o assunto é educação, aprendizagem escolar, o professor é o eixo principal. Ousaríamos dizer que nele está o segredo do sucesso. Ele não pode tudo, mas pode muito. O professor muitas vezes sabe mais sobre seus alunos do que os pais, pedagogos e ou psicólogos. Ele tem mais conhecimento do que imagina. É capaz de organizar estratégias de ação e reformulá-las em segundos, diante de uma turma de alunos. Muitas vezes esquecemos que o professor é uma pessoa (e não o super-homem), com uma história de vida, concepções próprias, sentimentos, preconceitos, medos etc., oriundos de sua experiência anterior.

Concordamos com autores como Becker (2001), Amaral (1998), Rego (1998) e Marques (2000), que têm demonstrado a importância de considerarmos as concepções do professor como elemento constitutivo da prática pedagógica. É preciso observar as necessidades que o cotidiano coloca para os professores, as condições reais que delimitam a sua esfera de vida pessoal e profissional, para não corrermos o risco de se ter uma visão limitada da ação docente.

De acordo com Marques (2001), o professor recebe alunos com deficiência a partir das relações estabelecidas ao longo de sua vida pessoal, de sua formação profissional e de sua prática pedagógica, retratando o seu modo de ser, de agir e suas concepções. Contudo, mesmo quando suas práticas pedagógicas têm pres-supostos de integração e de inclusão, elas vêm acompanhadas de concepções excludentes e segregacionistas.

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Olhar a diversidade, olhar o todo

Exemplo claro desse contraste é o momento atual da Educação Inclusiva. A inclusão é considerada como um paradigma possível mediante a constatação da diversidade como elemento integrante da natureza humana. No entanto, sua implantação esbarra a todo o momento em práticas que privilegiam a homo-geneidade (ou seja, a semelhança como princípio constitutivo), promovendo a exclusão educacional daqueles que se afastam, por uma razão ou por outra, do modelo homogêneo. Não é possível, pois, estudarmos essas concepções sem identificarmos o entorno socioeconômico, cultural e emocional.

O medoMattos (2003) encontrou dados significativos, e até certo ponto surpreenden-

tes, no discurso dos professores; a palavra-chave medo foi a emoção que apare-ceu com maior frequência, deixando em segundo plano palavras-chave como amor, carinho, indicando que é o medo a emoção predominante nos sujeitos face à deficiência dos alunos (independente do tipo dessa deficiência: física, sen-sorial, mental ou distúrbio de comportamento).

Temos medo do desconhecido, temos medo do que nos pode fazer sofrer... Temos muitos medos! Pensando a inclusão, será que esse medo está atrelado ao preconceito? Medo do que não conheço? Ou estaria ligado ao medo de sofrer-mos com o fracasso do aluno? Pois, o fracasso do aluno é o fracasso do professor? Diante disso, sentimos a necessidade de fazer uma análise relacionando o medo com o preconceito, uma vez que sabemos que o medo é uma das emoções que está na base de uma conduta preconceituosa, já que não encontramos na litera-tura uma análise mais problematizada da relação entre eles.

Para Delumeau (1998), o medo é uma emoção-choque, geralmente ligada à surpresa, provocada pela tomada de consciência de um perigo eminente que possa ameaçar nossa conservação. O medo é considerado uma emoção básica primária, uma reação manifestada frente a condições afetivas, que mobilizam algum tipo de ação. É ambíguo, pois tanto pode ser uma defesa essencial contra os perigos como pode criar bloqueios, impedindo o enfrentamento do perigo. Boa parte dos medos é aprendida, transmitida pela cultura. Nesse sentido, ainda de acordo com mesmo autor, há uma diferença entre o medo individual ou par-ticular e os medos culturais ou nomeados.

Podemos reconhecer medos chamados “medos particulares” que se consti-tuem numa reação emocional a um objeto determinado ao qual se pode ver

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(como uma defesa); os “medos nomeados” são reações emocionais diante de situações ou objetos que se desconhece, o que desencadeia a angústia (blo-queio difuso). Diante da angústia, o indivíduo tenta localizar e nomear o que lhe perturba. Com isso, o objeto, agora nomeado a partir das reações de inade-quação do indivíduo, passa a ser responsável pelo seu medo e, portanto, alvo de condutas e respostas que vão de uma simples resistência, passando pelo temor e hostilidade, agressão até atitudes explícitas de exclusão e extermínio. Mas às vezes isso não é possível, o indivíduo não tem consciência do que o perturba, conforme Mattos (2003).

O preconceito é uma “tentativa” de enfrentar emoções intensamente doloro-sas, como o medo e a ansiedade face ao que é identificado mas não totalmente conhecido. Se formos ao dicionário encontraremos algo como “opinião anteci-pada, sem maior ponderação dos fatos, intolerância.”

Na pesquisa de Mattos (2003, p. 11), a análise dos dados indicou a coocor-rência mais frequente da palavra-chave medo foi à palavra eu, enquanto que as coocorrências mais frequentes da palavra-chave preconceito foram as palavras família, eles (deficientes), sociedade. Em nenhum momento os sujeitos que par-ticiparam da pesquisa (professores) atribuíram a si mesmos atitudes ou pensa-mentos preconceituosos. Falou-se do preconceito no impessoal, para constatar a sua existência (“existe preconceito”, “há uma atitude preconceituosa na relação que se estabelece com o deficiente”), ou na primeira pessoa, para indicar que quem fala sobre ele já não o possui (“precisamos acabar com o preconceito”, “não aceitamos atitudes segregacionistas...”).

Por outro lado, na maioria quase absoluta das respostas, a palavra-chave medo esteve diretamente associada a uma vivência ou acontecimento pesso-al, ligado à história de vida do sujeito (“Sempre tive medo de doido”; ““Eu tinha pânico porque presenciei alguma coisa”; “Tinha receio de ser ofendida”; “Minha mãe deixava a gente afastada porque ele agredia. Eu passei a ter medo dele e das pessoas especiais. Virou segredo de família”). Podemos perceber que en-quanto o medo falou de si mesmo, do medo pessoal na relação dos sujeitos com a deficiência e com o deficiente, o preconceito falou do outro.

O preconceito é um tipo de pensamento ligado à experiência vivida. Sua origem encontra-se sempre associada a vivências que são transmitidas culturalmente como verdades. Enquanto os objetos e conteúdos dos preconceitos podem ser universais, culturalmente construídos, as necessidades e motivações as quais eles atendem serão sempre individuais. A maior parte dos preconceitos relacionados

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à deficiência é negativa. Expressam a dificuldade dos indivíduos de lidarem com a deficiência e com o deficiente, pela estranheza que a diferença suscita. A vivên-cia dessa estranheza está diretamente associada com o medo do desconhecido, o medo do estranho, o medo da diferença, o medo do outro (HELLER, 2000).

O medo, o preconceito quanto ao diferente, seja ele um deficiente, um doente, um desajustado socialmente, está atrelado a nossas concepções. Con-cepções de deficiência referem-se a formas de compreensão do fenômeno da deficiência, atravessadas por valores, crenças, imagens, ideias e representações que dão sustentação às diversas concepções de deficiência. Estas, por sua vez, produzidas pela história da humanidade, expressam, na verdade, a forma como encaramos a diferença.

Ao acompanhar essas concepções de deficiência e, particularmente, a história do tratamento dado ao deficiente, teremos em mente que as mesmas represen-tam uma visão preponderante de determinado período histórico. Fruto do enfren-tamento dos homens à estranheza e inquietação que a deficiência causa. Como consequência, temos a coexistência de concepções distintas e até mesmo contra-ditórias e antagônicas que expressam permanências, resistências e, em algum mo-mento, desconhecimento de novas ideias e novos modos de pensar a deficiência, que se traduzem, na verdade, em modelos de enfrentamento da diferença.

Estudos como os de Mattos (2003) têm salientado que na base das ações pe-dagógicas estão as emoções, no nosso caso particular o medo. Este é anterior ao preconceito, fato que não tem sido levado em consideração nas capacitações oficiais nem no trabalho cotidiano das escolas. O preconceito representa nossos medos e não necessariamente da falta de aceitação do outro. Podemos então entender o preconceito como uma resposta ao medo e à angústia que o desco-nhecido, o diferente provoca. Por isso, o preconceito, entendido a partir da sua relação com o medo, pode ser considerado um elemento constitutivo, e não o que impede ou dificulta a prática pedagógica. Mas o fundamental é que tanto o medo como o preconceito podem ser superados com aquisição de novos co-nhecimentos, sejam eles teóricos ou vivências.

A diferença e a prática pedagógica Aos poucos podemos entender porque a inclusão tem gerado tanta polê-

mica e porque é tão difícil de ser efetivada realmente. De acordo com Sacristán (In: NÓVOA, 1995), em meio a esses conflitos, não é a prática pedagógica a ser

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definida com as soluções propostas, e sim o papel que o professor ocupa nessa prática que produzirá algum efeito. Visto que a prática pedagógica pressupõe outros elementos que ultrapassam e atravessam um conjunto de experiências. Destacamos aí a importância dos recursos pessoais do professor, considerados como a base que o aproximará ou o afastará do contexto, de novas ideias.

Segundo Gonzaga (1998), é possível identificar no processo educacional dois planos de existência por onde transitam as relações e as práticas pedagógicas:

� o plano do ideal, que se refere às metas que se deseja alcançar, o desejo daquilo que deveria ser feito ou ainda está por se fazer, as mudanças que se pretende atingir, enfim, as possibilidades de rupturas com que é vivido;

� o plano do vivido refere-se ao cotidiano do professor, aquilo que está acontecendo, sua realidade pessoal e profissional, sua subjetividade.

A partir dessas considerações, estabelecemos um paralelo entre “novas ideias” e “condições do meio” e o plano do ideal e “significados e usos práticos do profes-sor” e o plano do vivido. O ideal que corresponde a novas ideias é representado pelos pressupostos de integração e de inclusão, pela fala dos especialistas, pela cultura da escola e pela ideologia dos órgãos oficiais, já que tanto os pressu-postos de integração e/ou de inclusão quanto o contexto institucional tratam da educação como deveria ser. Já no vivido os significados e usos práticos do professor estão na formação e na história de vida do professor, nas suas especifi-cidades histórico-culturais, nas suas concepções de deficiência.

Observando essas considerações, constatamos que há desigualdade. De um lado, temos especialistas ou representantes autorizados de um saber pedagógi-co e responsáveis pelas propostas educacionais. Na outra ponta, os professores e coordenadores como executores dessas propostas. Nesse sentido, solicita-se a participação do professor como produtor de saberes, mas na prática não se legi-timam as práticas docentes como espaço de produção de conhecimento.

De acordo com Nóvoa (1995), a manutenção dos professores no lugar de meros executores das propostas e pressupostos organizados por especialistas e instâncias oficiais está diretamente associada a processos históricos de exclusão dos professores. O autor associa o lugar ocupado hoje pelo professor na educa-ção ao “lugar do morto”, estratégia utilizada em jogo de cartas para manter um dos jogadores neutralizado. Este é obrigado a expor suas cartas aos parceiros, que não poderão realizar nenhuma jogada sem consultá-las; porém ele (o joga-dor morto) não poderá nem ao menos interferir no desenrolar do jogo.

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Olhar a diversidade, olhar o todo

Para o autor, muitas vezes, como no jogo de bridge, o professor está presente no processo educativo, tem de ser levado em consideração; sua imagem é cons-tantemente utilizada, mas sua voz e, por conseguinte, seu saber e sua experiên-cia não são reconhecidos como essenciais para orientar ou definir o desfecho dos acontecimentos e das propostas de mudança na sua prática cotidiana.

Texto complementar

O sujeito inserido no sistema (POLITY, 2001)

Quando o bebê nasce, ele traz consigo tendências hereditárias, que in-cluem processos de maturação. Cada bebê possui uma organização em marcha, ligada ao seu impulso biológico para a vida, para o desenvolvimen-to e crescimento.

Entretanto, esse desenvolvimento depende, para sua efetivação, de um ambiente satisfatório de “facilitação”, que deve se adaptar às necessidades constantes dos processos de maturação. A família, em especial a mãe, que reconhece a dependência da criança e adapta-se às suas necessidades, ofe-rece o que Winnicott (1982) chama de holding para o bebê progredir no sen-tido de integração, do acúmulo de experiências, enfim, do desenvolvimento. O ambiente por si só não faz a criança crescer, porém, ele é fator primordial, para ao “ser suficientemente bom” (WINNICOTT, 1982), permitir o processo de maturação.

Acredito que para que uma criança aprenda é necessário que ela tenha o desejo de aprender. E que, sobretudo, o desejo dos pais a autorizem. Como afirma Mannoni (1981), “as crianças andam não só porque tem pernas, mas porque seus pais assim o permitem”.

Para Bowby (1993), a existência de uma criança com problema represen-ta uma ruptura para os pais. As expectativas construídas em torno do filho normal tornam-se insustentáveis. Vistos como uma projeção dos pais, esses filhos representam a perda de sonhos e esperanças e a obrigatoriedade em lidar com as limitações e fazem com que muitos pais se sintam depredados para a tarefa que devem assumir. Assim, pode surgir um padrão rígido de

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comportamento, onde o tempo não pode passar, dando lugar a mecanismos constantes e repetitivos, no intuito de manter o sistema homeostático e im-pedir que o grupo evolua de um estágio para outro.

Partindo-se do conceito que a família age como uma unidade, de modo a estabelecer um equilíbrio e assim tentar mantê-lo a qualquer custo, pode-mos observar padrões de comunicação que podem revelar o modo como se instala o sintoma e como o membro “doente” tem sua função na manutenção desse equilíbrio.

Conforme Bion (In: SOUZA, 1995), o bebê alimenta sentimentos como o ódio e a inveja frente à realidade e à continência materna, que podem inter-ferir na capacidade do sujeito de desenvolver um aparelho de pensar pensa-mentos adequados. Ressaltando, assim, a participação do indivíduo na cons-tituição de sua capacidade de aprendizagem.

A relação da criança com a família é marcada por uma característica de dependência relacional, isto é, definem-se reciprocamente. Essa posição é similar à de Sartre (In: CERVENY, 1994) que afirma que somos aquilo que fa-zemos com o que fizeram conosco.

Parafraseando Kusnetzoff (1982), podemos afirmar que o sujeito nasce com as possibilidades de ser, mas que só se concretizará quando entrar em contato e interagir com um semelhante. Fica, pois, claro que a herança herdada (seja ela biológica ou psíquica) será condição necessária, mas não suficiente para o processo de aquisição do psiquismo, ou seja, de um aparelho capaz de produ-zir pensamentos e pensar sobre eles. E, portanto, de aprender.

“Se olharmos o indivíduo e sua família no aqui e agora, de uma forma circular, tornar-se-á mais fácil o entendimento de que um paciente referido não é uma vítima de seus pais ou do sistema. Existem lucros e prejuízos de ambos os lados. Não há menor dúvida que existe [...] um processo de projeção geracional dos pais, no sentido de que os filhos cumpram expectativas não realizadas por eles em relação aos seus respectivos pais. Esse processo torna todas as partes (pais, filhos, avós) reféns da mesma cadeia geracional; um vai tentar cumprir o que o outro não cumpriu (e que esperavam que ele cumprisse) e que agora ele espera que o seu descendente cumpra” (GROISMAN, 1996, p. 31) (grifos meus).

É importante a parte que o indivíduo traz consigo como carga pessoal, mas o que fará com que se constitua como tal é a condição dele se relacionar com outro ser humano.

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Por isso, neste trabalho tento mostrar que, embora a dificuldade de apren-dizagem esteja ligada a múltiplos fatores internos do sujeito, é sobremaneira sustentada pelo meio familiar, escolar, social, no qual o sujeito está inserido. E que a forma como os diferentes sistemas, em especial a família, definem essa dificuldade terá um papel decisivo na evolução do caso.

Dicas de estudo Psicanálise: Freud Além da Alma – o filme mostra o trabalho de Freud em Viena,

enfocando sua teoria e a reação da comunidade médica às suas ideias.

Comportamental: Meu Tio da América – o filme apresenta a tese de um biólogo comportamentalista e o conflito vivido por pessoas de diferentes níveis sociais.

Sistêmica: Casamento Grego – o filme salienta a organização do sistema fami-liar e sua influência na vida de seus membros. Salientando os mitos, segredos, hierarquias e resistências às mudanças.

POLITY, Elizabeth. Dificuldades de Aprendizagem e a Famíla, Construindo Novas Narrativas. São Paulo: Vetor, 2001.

A autora aborda a relação família-escola e as dificuldades de aprendizagem. O livro é muito rico, pois amplia a visão sobre a queixa escolar.

Atividades Façamos a leitura do texto utilizado por Mattos (2003).

O saci(MONTEIRO LOBATO, 1977)

“– Sabe o que é medo?

– Sei sim. [...] O medo vem da incerteza.

– Isso mesmo, disse o saci. A mãe do medo é a incerteza e o pai do medo é o escuro.

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– Enquanto houver medo haverá monstros como os que você vai ver.

– Mas se a gente vê esses monstros, então eles existem.

– Perfeitamente. Existem para quem os vê e não existem para quem não os vê. Por isso digo que os monstros existem e não existem.

– Não entendo – declarou Pedrinho. Se existem, existem. Se não existem, não existem. Uma coisa não pode ao mesmo tempo existir e não existir.

– Bobinho – declarou o saci. Uma coisa existe quando a gente acredita nela; e como uns acreditam, os monstros existem e não existem.

1. Pensando a inclusão, será que esse medo está atrelado ao preconceito? Será que temos medo de sofrer com o fracasso do aluno? O fracasso do aluno é o fracasso de quem?

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2. Quais razões explicam a resistência à aceitação do diferente, do incomum, ainda que as pessoas estejam conscientes e racionalmente convencidas de que o diferente não é ameaçador?

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3. O texto apresentou três abordagens teóricas que podem auxiliar o professor no entendimento do processo ensino-aprendizagem. Faça um breve resumo de cada uma delas.

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