Diversidade Linguística Em Materiais PLE
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DENIZE RICARDI
A DIVERSIDADE LINGSTICA BRASILEIRA NO MATERIAL DIDTICO PARA O ENSINO DE PORTUGUS PARA ESTRANGEIROS
FLORIANPOLIS 2005
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DENIZE RICARDI
A DIVERSIDADE LINGSTICA BRASILEIRA NO MATERIAL DIDTICO PARA O ENSINO DE PORTUGUS PARA ESTRANGEIROS
Dissertao de mestrado apresentada ao Curso de Mestrado Interinstitucional em Lingstica
da Universidade Federal de Santa Catarina/ Centro Federal de Educao Tecnolgica do Paran como requisito para a obteno do ttulo de Mestre
em Lingstica.
Orientadora: Prof Dr Edair Gorski
FLORIANPOLIS 2005
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DEDICATRIA
Para Vincius, menino, garoto, guri,
moleque, pi, filho muito amado que volta e
meia cantarola pela casa: "Quem acredita
sempre alcana...", me fazendo prosseguir.
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AGRADECIMENTOS
Agradeo a Deus, Nossas Senhoras Aparecida, de Ftima e do Perptuo Socorro pela proteo
ao longo de minha vida, e principalmente agora nesse processo de escrever uma dissertao
de Mestrado.
Agradeo de todo o corao a essa gente amada, espalhada pelo Brasil inteiro, que direta ou
indiretamente me ajudou a completar esta tarefa, torcendo por mim, me dando apoio e
carinho. Vocs so lindos, especiais, e me fazem feliz: Alda, Dionsio, Neide, Marize, Jnior,
Vitor, Wagner, Francisco, Carmelita, Lynn Mrio, John, Rosa Maria, Sueli, Edair, Cleide,
Ilca, Stefan,Bobby, Nasri, Jugurta, Marco, Ftima, Ronan , os amigos do Cefet-PR, unidade
de Curitiba.
memria de minha Me Marilda, e de duas grandes amigas Walquria e Trcia, que partiram
desta vida to cedo, mas que fizeram uma enorme diferena quando estiveram por aqui, nesta
terra to carente de bondade desmedida.
Ao moo do sonho que me ajudou a atravessar Florianpolis...
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SUMRIO
INTRODUO 10 CAPTULO I - FUNDAMENTAO TERICA 14 1. A lngua como um sistema heterogneo 14 2. A noo de comunidade de fala e de variedades lingsticas 17 3. O valor social das formas variantes e suas implicaes para o ensino 19 4. O papel da avaliao social das formas variantes sobre a mudana lingstica 22 5. A questo da norma lingstica 23 6. A competncia comunicativa e sociolingstica 25 CAPTULO II - REVISO BIBLIOGRFICA 27 1. Sobre o material didtico PLE 27 1.1 Moura (1997) 27 1.2 Morita (1998) 29 1.3 Carvalho (2002) 31 2. Sobre o pronome sujeito no PB 32 2.1 O pronome sujeito nas GTs 33 2.2 Estudos sobre o pronome sujeito no PB: distribuio das formas pronominais
35
2.2.1 Monteiro (1994) 36 2.2.2 Outros estudos 44 2.2.2.1 Sobre P2: tu/voc 45 2.2.2.2 Sobre P4: ns/agente 48 2.3 Estudos sobre o pronome sujeito no PB: a (no) realizao do sujeito pronominal
51
2.3.1 Monteiro (1994) 51 2.3.2 Outros estudos 53 2.4 Sobre a gramaticalizao de voc e a gente 56 2.5. Consideraes finais do captulo 58 CAPTULO III - METODOLOGIA 59 1. A amostra analisada 59 2. Objetivos, questes, hipteses 60 3. Etapas previstas para o trabalho de anlise 61 4. Controle dos dados 61 CAPTULO IV - ANLISE DOS LIVROS DIDTICOS DE PLE 62 1. A concepo de lngua/gramtica nos livros didticos de PLE 63 2. O tratamento da competncia comunicativa/sociolingistica nos livros didticos de PLE
69
3.Os pronomes pessoais sujeito nos livros didticos de PLE 70 3.1 A apresentao geral dos livros de PLE 71 3.2 Apresentao e tratamento dos pronomes pessoais sujeito nos manuais de PLE
73
3.2.1 A forma pronominal de P1: eu 77
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3.2.2 As formas pronominais de P2: tu, voc,o(a) senhor(a) 79 3.2.3 As formas pronominais de P3: ele, ela 88 3.2.4 As formas pronominais de P4: ns e a gente 90 3.2.5 As formas pronominais de P5: vs, vocs e os (as) senhores(as) 95 3.2.6 As formas pronominais de P6: eles e elas 98 3.2.7 A forma pronominal SE 100 CONCLUSO 102 REFERNCIAS 106 ANEXOS 1. Making-of da dissertao 113 2. Insights 117 3. Figuras 123
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LISTA DE QUADROS E TABELAS Captulo II Tabela 1 : Freqncia, em valores absolutos e percentuais, dos pronomes pessoais em funo de sujeito (amostra NURC) 39
Tabela 2 : Percentuais de freqncia na seleo de ns e a gente, de acordo com as variveis sociais 42
Tabela 3 : Presena e ausncia dos pronomes pessoais em funo de sujeito (amostra NURC) 51
Captulo IV Quadro 1: Lista do material didtico examinado 62Quadro 2: Paradigma pronominal sujeito nas GTs 74Quadro 3: Paradigma pronominal sujeito em uso no PB atual 74Quadro 4: Distribuio das formas pronominais de sujeito presentes nos livros didticos de PLE 75
Quadro 5: Distribuio das formas pronominais de sujeito formalmente apresentadas no paradigma pronominal de cada livro didtico. 75
Tabela 1: Distribuio das ocorrncias do pronome EU preenchido e no-preenchido nos manuais didticos de PLE 77
Tabela 2: Distribuio das ocorrncias de pronomes de P2: tu, voc, o(a) senhor(a) nos manuais didticos de PLE (reunindo sujeito preenchido e no-preenchido) 80
Tabela 3: Distribuio das ocorrncias de pronomes de P2:tu, voc, o(a) senhor(a) nos manuais didticos de PLE (separando sujeito preenchido [+] e no- preenchido [-] )
80
Tabela 4: Distribuio das formas pronominais o senhor e a senhora nos manuais didticos de PLE (reunindo sujeito preenchido e no-preenchido) 85
Tabela 5: Distribuio das ocorrncias dos pronomes ELE e ELA preenchidos e no- preenchidos nos manuais didticos de PLE 88
Tabela 6: Distribuio das ocorrncias de pronomes de P4: ns e a gente nos manuais didticos de PLE (reunindo sujeito preenchido e no-preenchido) 91
Tabela 7: Distribuio das ocorrncias do pronome NS prenchidos e no-preenchidos nos manuais didticos de PLE 94
Tabela 8: Distribuio das ocorrncias de pronomes de P5: vs, vocs, os senhores nos manuais didticos de PLE (reunindo sujeito preenchido e no-preenchido) 95
Tabela 9: Distribuio das ocorrncias dos pronomes ELES e ELAS preenchidos e no- preenchidos nos manuais didticos de PLE 99
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RESUMO
O presente trabalho analisa cinco manuais didticos para o ensino de portugus como
lngua estrangeira (PLE) publicados no Brasil, com o objetivo de averiguar o tratamento dado
questo da diversidade lingstica brasileira nesses materiais. A partir dos pressupostos
tericos da Sociolingstica Variacionista e de estudos recentes sobre o paradigma pronominal
de sujeito no portugus brasileiro (PB) so examinados e discutidos: (i) a concepo de lngua
e de gramtica que norteia os manuais analisados; (ii) a ateno dispensada noo de
competncia comunicativa/sociolingstica dos falantes; e (iii) o modo como o material
didtico apresenta o quadro de pronomes sujeito no PB, especialmente no que se refere s
formas pronominais e expresso ou no do sujeito. Verificou-se que: (i) o material didtico
examinado, em geral, baseia-se nas gramticas normativas e em critrios de certo e errado;
(ii) a competncia sociolingstica dos falantes no contemplada; e (iii) os livros didticos
esto, de certo modo, atentos s inovaes do paradigma pronominal do PB, embora insistam
em exerccios artificiais que no desenvolvem a competncia comunicativa do aluno
estrangeiro. Com esta dissertao, busca-se fazer uma ponte entre pesquisa e ensino,
procurando contribuir no s com o elaborador de material didtico, mas tambm com o
professor de portugus como lngua estrangeira, em formao ou no.
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ABSTRACT
The present paper analyses five books for the teaching of Portuguese as a foreign
language (PFL) published in Brazil, with the goal of evaluating the treatment given to the
Brazilian linguistic diversity issue in those books. From the theoretical presumptions of the
Variationist Sociolinguistics and recent studies about the personal pronouns in the position of
subject in the Brazilian Portuguese (BP) the following topics are examined and discussed: (i)
the conception of language and grammar that underlies the analyzed books; (ii) the attention
given to the notion of communicative/sociolinguistics competence of the speakers; and (iii)
the way the books present subject pronouns in the BP, specially the pronominal forms and the
expression or not of the subject. We noticed that: (i) the examined books, in general, are based
on traditional grammar and on criteria of right or wrong; (ii) the sociolinguistics
competence is not mentioned; and (iii) the books are, in a certain way, aware of the
innovations in the pronominal paradigm in the BP, although they insist on artificial exercises
that do not develop the communicative competence of the foreign student. With this
dissertation we try to connect research and teaching, in an attempt to contribute not only with
the book writer, but also with the teacher of Portuguese as a foreign language who is still
studying or not.
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INTRODUO
Sou professora de ingls h 20 anos, e quando trabalhava no CEFET-PR fui
convidada a dar aulas de portugus como lngua estrangeira para os alunos intercambistas
por dois anos consecutivos: 2001 e 2002. Embora essa experincia tenha me encantado,
deixou-me bastante intrigada.
Na primeira vez que o CALEM (Centro Acadmico de Lnguas Estrangeiras
Modernas do CEFET-PR) ofereceu o curso de portugus para estrangeiros, optamos, ns, os
professores deste departamento, por utilizar uma apostila que contemplasse o que
julgvamos ser as necessidades dos alunos: cumprimentar, pedir informaes, comprar,
alugar uma casa, etc., muito influenciados pelo fato de j sermos professores de outras
lnguas estrangeiras (ingls, espanhol, francs e alemo). Acabamos por descartar a apostila
na segunda vez, optando por um livro (o Sempre Amigos) que prometia ser mais adequado
ao pblico jovem. Foi ento que eu, particularmente, constatei que o referido livro no dava
conta das necessidades reais daqueles estudantes estrangeiros, visto que, no final das aulas,
eles sempre me faziam inmeras perguntas sobre situaes reais de uso da lngua. Eu ficava
me questionando que portugus era aquele que eu estava ensinando. O que mais me
impressionava nessa situao era a falta de amostras da lngua falada nas diversas regies do
Brasil no livro didtico usado.
Alm do motivo acima mencionado, entre as razes que me motivaram a definir como
tema desta dissertao a diversidade lingstica brasileira no material didtico para o ensino
de portugus para estrangeiros, encontra-se a leitura de um ensaio, publicado em revista
especializada, Rev. de Letras (n 24,vol. 1/2, jan./dez. 2002) que aborda a variao e o ensino
de portugus como lngua estrangeira (doravante PLE). A ttulo de problematizao e
justificativa para a dissertao, passo a comentar alguns trechos extrados do referido artigo. No texto sugestivamente intitulado "A problemtica das variaes sociolingsticas no ensino de
portugus como lngua estrangeira (PLE)", publicado na Revista de Letras, n. 24 (2002), John B. Jensen afirma que "o quadro sociolingstico do Brasil muito complicado", que existem "as normas cultas, alm das
variedades incultas". E que "um dos principais objetivos do ensino em geral equiparar o aluno para o uso da
norma culta elevada,
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conhece e utiliza a norma culta pode ir longe; quem no a conhece encontra seu caminho
estritamente limitado."(p.10) Causa um certo constrangimento constatar, especialmente no
mbito dos estudos lingsticos, que: (i) o quadro sociolingstico brasileiro possa ser
avaliado como muito complicado; (ii) a chamada norma culta seja tida como elevada; (iii)
o uso da dita norma culta facilite a entrada do aluno nas camadas mais bem respeitadas da
sociedade; (iv) quem utiliza a norma culta pode ir longe ao contrrio de quem no a
conhece. So afirmaes perpassadas de preconceito lingstico e que denotam falta de
conhecimento de estudos sociolingsticos. Especialmente no Brasil, ao abordar questes
dessa natureza, Bagno rotula como mito a afirmao de que o domnio da norma culta um
instrumento de ascenso social(2000, p. 69). Por outro lado, o prprio adjetivo culta
usadopara identificar a norma deve ser revisto ou, pelo menos, questionado.
Jensen praticamente desqualifica o portugus popular: "Afinal, a dificuldade quase
que a mesma para o estrangeiro ao aprender um portugus dito correto ou um portugus de
cunho popular" (ibid.,p.10). O autor chega a exemplificar: "[...] ningum vai ensinar
estruturas do tipo os trs outro home ou a gente vamos, nem j falemos. No este o estilo
que tomamos como base de ensino, nem natural classe instruda do Brasil, servindo sim,
como sinal de ignorncia." (p.11) Pode-se indagar: o que o autor entende por portugus
correto? O da gramtica normativa, ou o da tradio escrita clssica? E o portugus de
cunho popular, ento, ser o das pessoas que "no sabem falar", "falam mal", "falam errado",
"so incultas", "so ignorantes" no julgamento dos falantes da norma culta, como bem
observa Faraco (2002)?
Jensen oferece como soluo, para os dilemas gramaticais, o estabelecimento, desde o
princpio do curso, de trs regimes lingsticos o normal ou no marcado, o formal e o
informal , parecendo, dessa forma, contemplar satisfatoriamente a questo da variao
lingstica. O autor chega a ponderar que esse tipo de ensino "d um pouco mais de trabalho.
Entretanto, as justificativas que apresenta para tal empreendimento pedaggico so, no
mnimo, alarmantes:
[...] se deixarmos de informar e educar o aluno em relao a estas importantes diferenas sociolingsticas inerentes lngua que amamos, ele chegar ao Brasil falando um portugus que se remonta s estruturas lingsticas rgidas utilizadas nos livros datados de dois sculos atrs e viver comparando a gramtica correta aprendida na escola ao portugus incorreto falado pelos brasileiros ao seu redor, que parecem nem conhecer as regras de seu prprio idioma. Mas, se, por outro lado, s
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chegasse a dominar o portugus comum que o aluno ouve na rua, ele poderia parecer uma pessoa inculta.Tentemos, pois, poupar-lhe este nus, transmitindo-lhe um conhecimento bem mais amplo e fornecendo-lhe as ferramentas necessrias para que saiba distinguir os diferentes estilos lingsticos." JENSEN (2002, p.12, grifo acrescido)
Comentrios dessa natureza, alm de preconceituosos, reducionistas, elitistas, apostam
no equvoco do julgamento do "certo" e "errado" na lngua, do povo que no sabe falar o
prprio idioma.
So as diferentes interaes lingsticas, os mais variados eventos de fala que se do
em instncias scio-culturais diversificadas, que vo moldando o jeito de falar a lngua e
dotando o falante de competncia comunicativa. evidente que a exposio a materiais
escritos, TV, cinema, teatro, viagens, influencia o uso lingstico de falantes nativos.
preciso considerar que esses estmulos tambm permeiam a interao do professor de
portugus com o aluno estrangeiro. Esse professor precisa estar atento ao fato de que existem
diversas possibilidades de uso lingstico, que no pode simplesmente eleger uma e descartar
as demais. Em outras palavras, trata-se de sensibilizar o aluno estrangeiro para essa gama de
possibilidades, e, ao mesmo tempo, sensibilizar-se ,tambm, como professor e falante nativo.
Assim, luz da Sociolingstica1, o ensino de portugus para estrangeiros passa a ser o
tpico central desta dissertao. Como o ensino de PLE relativamente recente no nosso pas,
so necessrias muitas pesquisas na rea para melhor compreenso dos aspectos que
envolvem esse processo. nesse mbito que se pretende inserir o presente trabalho, com o
objetivo geral de discutir, a partir de postulados e conceitos da Sociolingstica, em que
medida o material didtico, utilizado como amostra nesta pesquisa, contempla a diversidade
lingstica brasileira.
O material de anlise consiste numa amostragem de manuais mais usados no
CEFET-PR, unidade de Curitiba, no perodo de 2001-2002. So analisados tanto o exemplar
do aluno quanto o do professor, procurando-se observar: a) a apresentao do livro; b) a
proposta dos autores; c) as concepes de lngua e de gramtica adotadas; d) a presena (ou
no) de variaes lingsticas. Vamos centrar nossa ateno especialmente no sistema
pronominal, dada a diversidade que o caracteriza atualmente (e necessidade de estabelecer
1 A Sociolingstica recobre um conjunto de campos, dentre os quais se destacam: Sociolingstica Interacionista, Bilingismo e Contato Lingstico, Dialetologia, Teoria da Variao e Mudana. Esta ltima rea que d sustentao terica ao presente trabalho. Ento, quando nos referirmos Sociolingstica, entenda-se que estamos nos remetendo Sociolingstica de linha laboviana, tambm chamada Sociolingstica Quantitativa ou Teoria da Variao e Mudana.
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um recorte para anlise). De fundamental importncia ser a discusso de noes como
lngua e dialeto, norma lingstica, comunidade de fala, heterogeneidade, regra varivel,
competncia comunicativa/sociolingstica como embasamento terico para as reflexes e
a anlise pretendida.
Esta dissertao, conforme j enfatizado, se baseia, fundamentalmente, em conceitos
da Sociolingstica (especialmente na linha laboviana), rea que tem muito a oferecer para o
campo do ensino de portugus como lngua estrangeira. So muitas as pesquisas j realizadas
e em andamento nas universidades brasileiras, e que poderiam estar sendo aproveitadas, por
exemplo, na elaborao de material didtico.
Pretende-se tambm fornecer subsdios ao professor de portugus como lngua
estrangeira/segunda lngua que o sensibilizem para as importantes discusses levantadas no
mbito da Sociolingstica quanto s questes de variao e mudana lingstica,
proporcionando a ele condies de fazer uma melhor escolha na hora de adotar (ou no) um
material didtico, e principalmente de ajud-lo a evitar os nefastos preconceitos lingsticos.
O pano de fundo do trabalho a concepo de que o objetivo principal do ensino de
PLE que o aluno estrangeiro se comunique adequadamente (com clareza, educao,
leveza...) ,fazendo uso de um portugus vivo, que est na boca das pessoas com quem ele
interage, e que preste ateno no portugus que ouve por esse Brasil afora, que to grande,
plural, multifacetado, colorido. Que ele no se prenda a uma gramtica tradicional
prescritiva que pode acabar tolhendo a sua fluncia. Que ele seja livre para falar, ouvir, ler,
escrever, sentir, impregnado, tambm e sempre, de sua condio de estrangeiro.
Esta dissertao est estruturada da seguinte maneira: no primeiro captulo,
apresentamos conceitos relevantes da Sociolingstica Variacionista, bem como os conceitos
de competncia comunicativa e sociolingstica como fundamentao terica deste estudo.
No segundo captulo, trazemos resultados de vrias pesquisas sociolingsticas sobre o uso
dos pronomes pessoais sujeito no PB como suporte para a anlise dos dados. No terceiro
captulo, a metodologia utilizada. No quarto captulo, apresentamos e discutimos os
resultados encontrados na anlise dos cinco materiais didticos de PLE examinados. No
quinto captulo, retomamos os principais resultados obtidos, mostramos algumas limitaes
deste trabalho, e sugerimos desdobramento para novas pesquisas. Nos anexos, alm de
gravuras, se encontram textos de cunho mais pessoal sobre o percurso da autora nos
caminhos da Sociolingstica.
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CAPTULO I
FUNDAMENTAO TERICA A Diva
Adlia Prado Vamos ao teatro, Maria Jos? Quem me dera, Desmanchei em rosca quinze quilos de farinha,Tou podre. Outro dia a gente vamos. Falou meio triste, culpada, E um pouco alegre por recusar com orgulho. TEATRO! Disse no espelho. TEATRO! Mais alto, desgrenhada. TEATRO! E os cacos voaram Sem nenhum aplauso. Perfeita.
Neste captulo, apresentamos os pressupostos e conceitos bsicos que norteiam o
trabalho: a lngua como sistema heterogneo; a noo de comunidade de fala e de variedades
lingsticas (ou dialetos); variao e mudana lingstica; a questo da avaliao social das
formas variantes, envolvendo as noes de prestgio, estigma e preconceito; a questo da
norma lingstica; a noo de competncia comunicativa e sociolingstica.
1. A lngua como um sistema heterogneo
O objeto da Sociolingstica , essencialmente, o estudo sistemtico da lngua em
situaes reais de uso no contexto social. Como nenhuma lngua se apresenta como uma
entidade homognea, lngua e variao so inseparveis e a Sociolingstica encara a
diversidade lingstica no como um problema, mas como uma qualidade constitutiva do
fenmeno lingstico (Alkimin, 2001, p.33).
A variao uma das propriedades mais ma
naturais, sendo que a diversidade uma propriedad
lingsticos e o papel da Sociolingstica exatamente
suas determinaes lingsticas e no-lingsticas (C
ausncia de alternncia de registro e de sistemas de co
seria disfuncional (Labov, 1972, p.203 ,apud Camacho
Com a Sociolingstica dissolve-se o mito da as
homogeneidade2, em prol da noo de heterogeneidade
2 A vinculao entre estrutura e homogeneidade postulada por Enquanto a linguagem heterognea, a lngua assim delimitada sistema de signos onde, de essencial, s existe a unio do sentido e
rcantes e significativas das lnguas
e funcional e inerente aos sistemas
enfoc-la como objeto de estudo, em
amacho, 2003, p.55). De fato, a
municao multi-estratificados que
ibid.).
sociao obrigatria entre estrutura e
sistemtica, j que a lngua passa aSaussure ao isolar a langue da linguagem: de natureza homognea: constitui-se num da imagem acstica, e onde as duas partes do
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ser concebida como um sistema heterogneo, sendo a variao inerente ao sistema (Labov,
1972, p.204). As regras deixam de ser vistas como opcionais e passam a ser consideradas
regras variveis (ibid. p.218). Deixa de existir tambm, na tica sociolingstica, a noo de
variao livre (to cara ao estruturalismo corrente lingstica dominante ao longo do
sculo XX), uma vez que toda variao tida como condicionada lingstica ou
extralingisticamente.
Mollica e Braga (2003) chamam a ateno, porm, para o fato de que Todo sistema lingstico encontra-se permanentemente sujeito presso de duas foras que atuam no sentido da variedade e da unidade. Esse princpio opera por meio da interao e da tenso de impulsos contrrios, de tal modo que as lnguas exibem inovaes mantendo-se, contudo, coesas: de um lado, o impulso variao e possivelmente mudana; de outro, o impulso convergncia, base para a noo de comunidade lingstica (...) (p. 12).
A Sociolingstica, mais especificamente a Teoria da Variao e Mudana
Lingstica, assume o aparente caos lingstico como objeto de estudo, propondo-se a
sistematizar a heterogeneidade. Na operacionalizao dessa proposta, lana mo de alguns
conceitos bsicos, tais como: varivel e variantes, grupos de fatores, condicionamento
lingstico e extralingstico.
Uma varivel lingistica corresponde a um conjunto de variantes. Variantes
lingsticas so duas ou mais maneiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto,
e com o mesmo valor de verdade (Tarallo 1986, p.8). Por exemplo, a varivel lingstica
marcao de plural no sintagma nominal (SN) comporta duas variantes em portugus: (1)
presena de /s/ e (2) ausncia de /s/ ou zero()3. A varivel lingstica tomada como objeto
de estudo tambm chamada de varivel dependente. Formalizando a regra varivel (ibid.
p.9):
[s]
[]
signo so igualmente psquicas. (p.23) Para Saussure, a linguagem constituda de duas faces: langue (aspecto social) e parole (aspecto individual). Essa dicotomia , em certa medida, retomada por Chomsky ao estabelecer distino entre competncia (individual) e desempenho (social), reservando primeira entendida como o conhecimento abstrato das regras da lngua, ou conjunto de regras lingsticas inatas o estatuto de objeto da lingstica. Chomsky trabalha com a noo de um falante-ouvinte ideal situado numa comunidade de fala homognea. 3 A esse conjunto (varivel e variantes) costuma dar-se o nome de envelope de variao (Tarallo, 1986, p.34).
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Podemos ter as seguintes formas de realizao do SN constitudo por um
determinante, um ncleo nominal e um modificador adjetival:
(i) aS meninaS bonitaS
(ii) aS meninaS bonita
(iii) aS menina bonita
Uma segunda noo metodologicamente relevante a de fatores condicionadores
(motivadores/ favorecedores) do uso de uma ou outra variante. Os grupos de fatores so
tambm chamados de variveis independentes. No caso do exemplo acima, podemos
levantar para controle, entre outros, os seguintes grupos de fatores, eventuais
condicionadores do uso varivel da concordncia: a) posio da varivel no SN (1, 2 ou 3
respaldada na redundncia da marcao do plural em portugus); b) classe da palavra
(determinante, nome, adjetivo); c) contexto fonolgico seguinte: consoante ou vogal (com
base no padro consoante-vogal (CV) do portugus); d) estatuto morfolgico da palavra que
contm a varivel (bimorfmico como meninas-S; monomorfmico como menoS); e)
salincia fnica (plural regular como casas ou irregular como hotis) (ibid. p.38-40). Todos
esses fatores correspondem a fatores lingsticos. Como grupos de fatores extralingsticos,
podemos considerar, entre outros, a) formalidade vs. informalidade do discurso; b) sexo do
informante; c) idade; d) grau de escolaridade.
Ressalte-se que os grupos de fatores funcionam como modo de operacionalizao de
hipteses previamente formuladas, que precisam ser testadas empiricamente.
A variao ocorre em todos os nveis lingsticos. Encontram-se assim formas
distintas que, em princpio, se equivalem semanticamente no nvel do vocabulrio, da sintaxe
e morfossintaxe, do subsistema fontico-fonolgico e no domnio pragmtico-discursivo
(Mollica 2003, p. 9), conforme se verifica no trecho destacado a seguir:
No sul do pas, o pronome tu o tratamento preferido quando o falante interage com o ouvinte, encontrando-se em menor escala em outras regies e evidenciando uma diferenciao geogrfica, em que os pronomes de tratamento distribuem-se em sistemas variacionais diferentes. A presena de marcas de concordncia nominal e verbais como em os estudos sociolingsticos e eles estudam Sociolingstica em geral alternam-se com a possibilidade de ocorrncia de enunciados em que tais marcas esto ausentes: os estudo sociolingstico, eles estuda sociolingstica. A realizao de framengo, andano, t,fala, paia encontrada no portugus do Brasil coexistindo com flamengo, andando, est, falar, palha. Construes sintticas como eu vi ele ontem, ns fomos no
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Maracan, o tipo de matria que eu no gosto dela, a Lingstica, ela muito difcil esto presentes no portugus do Brasil (PB), alternando com os equivalentes semnticos eu o vi ontem, ns fomos ao Maracan, o tipo de matria de que eu no gosto, a Lingstica muito difcil. (ibid.)
Rosa Virgnia Mattos e Silva chama ateno para a importncia da formao
sociolingstica do professor de portugus:
Se o professor tiver uma formao sociolingstica adequada, (...) [poder] definir o que ser o uso lingstico socialmente aceitvel (...). Assim, entre as variantes sintticas em convvio nas falas brasileiras, o professor ter de distinguir, pelo menos, as estruturalmente mais salientes e socialmente mais estigmatizadas, para, sem desprestigiar as segundas, selecionar ambas, a fim de treinar o uso formal falado e os usos escritos de seus alunos. (2004, p.114-15)
Concordamos com a autora que a Sociolingstica pode contribuir para uma efetiva
virada no ensino da lngua portuguesa no Brasil. Pode-se acrescentar que o ensino de lngua
portuguesa para estrangeiros alcanar os mesmos benefcios, pois o aluno estrangeiro
tambm conviver com as mesmas variantes, na sua condio peculiar de falante nativo de
outra lngua.
2. A noo de comunidade de fala e de variedades lingsticas
A Sociolingstica toma como ponto de partida a comunidade lingstica ou
comunidade de fala. Nos termos de Labov, parece plausvel definir uma comunidade de
fala como um grupo de falantes que compartilham um conjunto de atitudes em relao
lngua, uma vez que tais atitudes sociais so extremamente uniformes numa comunidade
de fala (1972, p. 248). Nesse sentido, um conjunto comum de padres normativos
compartilhado pelos membros de uma comunidade de fala mesmo quando encontramos
variao altamente estratificada na fala real (ibid. p.192). Portanto, uma comunidade de fala
caracterizada no pelo fato de se constituir por pessoas que falam do mesmo modo, mas
por indivduos que se relacionam por meio de redes comunicativas diversas, e que orientam
seu comportamento verbal por um mesmo conjunto de regras ALKIMIN(2001, p.31).
Conforme j enfatizado anteriormente, essas normas ou regras so percebidas pelo
valor atribudo a elas: valores positivos so geralmente associados ao grupo de prestgio,
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quele cuja fala dominante na escola, no trabalho, etc; j valores negativos costumam ser
vinculados ao grupo socialmente desfavorecido, cuja fala freqentemente estigmatizada,
taxada de feia ou errada. Nesse ltimo caso, temos o campo propcio manifestao e
desenvolvimento do preconceito lingstico (esse tpico ser retomado adiante).
Alkimin chama a ateno para o fato de que ao estudar qualquer comunidade de
fala, a constatao mais imediata a existncia de diversidade ou da variao (2001, p.32).
Toda comunidade se caracteriza pelo emprego de diferentes modos de falar, ou seja, pela
presena de variedades lingsticas, tambm chamadas de dialetos. As variedades/variaes
podem ser de diferentes tipos: regional ou geogrfica ou diatpica; social ou sociocultural ou
diastrtica; estilstica ou de registro. Covm enfatizar, entretanto, que, qualquer que seja o
eixo considerado, a variao contnua e, em nenhuma hiptese, possvel demarcarem-se
nitidamente as fronteiras em que ela ocorre MOLLICA ( 2003, p.13).
A variao geogrfica ou regional ou diatpica resulta da contigidade fsica e da
intensidade do intercmbio entre os membros de uma determinada comunidade: quanto
maior for o intercmbio, maior ser a semelhana entre os atos verbais desses falantes
(Camacho, 2003, p.58). Podemos derivar da que a variao geogrfica um forte elemento
de identificao do indivduo. Camacho nos fornece um exemplo bastante ilustrativo: a
pronncia da vogal em posio tona final, como mdia em certas regies do sul (leite
quente) e como alta em outras regies (leiti quenti), com a possibilidade de, por
assimilao regressiva, levar palatalizao da consoante oclusiva, que passa a soar como
uma africada (leitchi quentchi). Outros exemplos so apresentados por Alkmin: diferenas
fonticas como a pronncia de vogais mdias pretnicas como abertas no nordeste e
fechadas no sudeste (melado); diferenas gramaticais, como a preferncia pela posposio
verbal da negao no nordeste (sei no), anteposio da negao no sul (no sei) e
negao dupla em certas reas do sudeste (no sei, no); a ausncia de artigo definido
antes de nomes prprios no nordeste (Falei com Joana) e presena do artigo nas demais
regies (Falei com a Joana) ALKIMIN (2001, p.34).
A variao social ou sociocultural ou diastrtica resultante, segundo Camacho
(2003, p.59), da semelhana de atos verbais de indivduos participantes de um mesmo setor
socioeconmico e cultural. Os fatores que motivam as diferenas lingsticas so de
diferentes ordens: a) socioeconmica (renda familiar, grau de escolaridade); b)
sociobiolgica (sexo, idade); c) ocupao profissional (ibid.). O autor nos oferece os
seguintes exemplos: reduo e desnasalizao do ditongo /eyN/ em posio de slaba tona
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final (homem homi; devem - devi4; cancelamento de /s/ em slaba tona final (vamos
vamo; os meninos os menino)5. Observe-se que em homi e vamo o fenmeno envolvido
de natureza fonolgica; j em devi e os menino, o fenmeno envolvido de natureza
morfossinttica (concordncia verbal e nominal, respectivamente). (ibid. p.59) Alkmin
fornece outros exemplos: presena de /r/ em lugar de /l/, em grupos consonantais (blusa
brusa; globo grobo), na fala de grupos geralmente situados abaixo na escala social; uso de
itens lexicais especficos, como em certas grias (maneiro, esperto), denotando faixa
etria jovem; uso freqente de diminutivos feito por mulheres (bonitinho, gostosinho,
vermelhinho) ALKIMIN (2001, p.34).
A variao estilstica ou de registro diz respeito s alternncias que o falante faz em
funo de caractersticas situacionais do contexto imediato de fala, tendo em vista graus de
formalidade e o ajustamento do falante identidade social do interlocutor. Labov,
enfatizando que no existe falante de estilo nico, apresenta trs fatores determinantes da
variao estilstica: (a) as relaes do falante com o ouvinte e com a audincia,
especialmente as relaes de poder e solidariedade entre eles; (b) o contexto social mais
amplo ou domnio: escola, emprego, casa, vizinhana, igreja; e (c) o tpico (2003, p.234).
Vale, por fim, registrar que Labov (1978) identifica trs funes da linguagem de
representao, de identificao e de acomodao correlacionando as duas ltimas aos
tipos de variao expostos acima: funo de identificao do falante (atravs da variao
geogrfica e social) e a funo de acomodao ao ouvinte (atravs da variao estilstica).
3. O valor social das formas variantes e suas implicaes para o ensino
Ao tratar de sistematicidade, legitimidade e estigmatizao, Mollica, entre outros
aspectos, afirma que: a) toda lngua apresenta variantes mais prestigiadas do que outras; b)
os padres lingsticos esto sujeitos avaliao social positiva e negativa, podendo
determinar o tipo de insero do falante na escala social; c) formas que recebem avaliao
positiva tm maior valor de mercado; d) ainda predominam as prticas pedaggicas
4 O autor destaca que em casos como devem devi, o processo fonolgico afeta tambm a regra morfossinttica de concordncia verbal (Eles devi pagar a cerveja) (Camacho 2003, p. 59). 5 Deve-se atentar para o fato de que certas redues fonticas, com reflexos ou no no nvel morfossinttico (como no caso da concordncia), so freqentes na fala informal, independente do nvel social dos falantes, como atestam, por exemplo, os trabalhos de Scherre sobre a concordncia nominal e verbal.
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assentadas em diretrizes maniquestas do tipo certo/errado, tomando-se como referncia o
padro culto (2003, p.13).
importante salientar que os valores sociais das formas variantes no so atribudos
com base lingstica, mas em funo do poder e da autoridade que os falantes detm nas
relaes econmicas e culturais. Conforme bem lembra Camacho (2001, p. 59): A
distribuio de valores sociais se torna institucionalizada pela elevao de uma variedade de
prestgio condio de lngua padro que, como tal, passa a ser veiculada no sistema escolar,
nos meios de comunicao, na linguagem oficial do Estado etc. A noo de lngua padro
ser retomada na seo 1.5, ao tratarmos de norma lingstica.
A avaliao social pode ser exemplificada com a variao no uso da concordncia
nominal: a presena de /s/ no SN portadora de prestgio social, sendo conhecida como
variante padro ou de prestgio. J a ausncia de marca de plural tratada como variante
no-padro, sendo estigmatizada em muitas situaes, especialmente em se considerando o
grau de formalidade da situao comunicativa.
O uso de variantes no-padro comumente taxado de erro. A esse respeito,
bastante pertinente a observao de Mollica: Os estudos sociolingsticos oferecem valiosa
contribuio no sentido de destruir preconceitos lingsticos e de relativizar a noo de erro,
ao buscar descrever o padro real que a escola, por exemplo, procura desqualificar e banir
como expresso lingstica natural e legtima (2003, p.13).
A questo do erro, em se tratando de lngua portuguesa, algo fortemente presente
no s no mbito escolar, mas na sociedade em geral (vejam-se, por exemplo, os comandos
paragramaticais6, que Bagno apresenta e analisa em seu livro Preconceito lingstico).
Bortoni-Ricardo lembra que, at hoje, os professores no sabem muito bem como agir diante
dos "erros de portugus" (expresso inadequada e preconceituosa, segundo a autora), que so
simplesmente diferenas entre variedades da lngua. Com freqncia, essas diferenas se
apresentam entre a variedade usada no domnio do lar, onde predomina uma cultura de
oralidade, em relaes permeadas pelo afeto e informalidade, e culturas de letramento, como
a que cultivada na escola (2004, p. 37).
No que diz respeito ao ensino de lngua portuguesa, Bagno sugere:
6 todo aquele arsenal de livros, manuais de redao de empresas jornalsticas, programas de rdio e de televiso, colunas de jornal e de revista, CD-ROMS [...] que o que fazem de concreto perpetuar as velhas noes de que brasileiro no sabe portugus e de que portugus muito difcil. (Bagno, 1999, p.76-77)
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Me parece muito mais interessante (por ser mais democrtico) estimular, nas aulas de lngua, um conhecimento cada vez maior e melhor de todas as variedades sociolingsticas, para que o espao da sala de aula deixe de ser o local para o estudo exclusivo das variedades de maior prestgio social e se transforme num laboratrio vivo de pesquisa do idioma em sua multiplicidade de formas e usos (2002, p. 32).
Conforme j mencionado anteriormente, impossvel demarcarem-se nitidamente as
fronteiras em que as diferentes variedades (regionais, sociais, estilsticas) ocorrem. No que
diz respeito s variedades regionais,
O trnsito intenso dos brasileiros dentro do pas dificulta cada vez mais a identificao de "dialetos regionais": as migraes populacionais entre as diversas regies tm levado difuso e interpenetrao dos falares identificados geograficamente pela dialetologia brasileira clssica (por exemplo, a migrao de nordestinos para So Paulo e outras reas do Sudeste; a de contingentes populacionais de todas as regies para o Distrito Federal depois da inaugurao de Braslia; a de gachos para o Centro-Oeste, chegando at o Acre etc.) (ibid. p.33)
Ainda quanto variedade geogrfica, vale observar as peculiaridades do pas em suas
inter-relaes com a zona urbana e rural, notadamente no que diz respeito ao processo
migratrio. Como tambm observa Bagno (2002,pp.32-33):
[...] traos que antigamente caracterizavam os falares rurais so
encontrados hoje em dia com grande freqncia na fala urbana,
devido ao processo ininterrupto e macio de urbanizao da nossa
populao. Um exemplo disso a pronncia do R retroflexo, o
chamado "R caipira", que at pouco tempo caracterizava as
variedades do interior de So Paulo e de outros estados, e que hoje
podemos encontrar cada vez mais freqentemente em amplas reas
da regio metropolitana da capital de So Paulo. Assim, o que antes
era um trao caracterstico da zona rural hoje est presente na
linguagem de moradores da zona urbana, muitos deles nascidos e
criados longe do meio rural. (ibid.)
As reflexes desses diferentes autores, que evidenciamos particularmente nesta
seo, so vlidas no s para o ensino de portugus como lngua materna, mas tambm
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como lngua estrangeira. Por que no chamar a ateno do aluno estrangeiro para a enorme e
rica diversidade lingstica brasileira, longe da viso reducionista de certo/errado na lngua?
Os Parmetros Curriculares Nacionais (Lngua Portuguesa: 3 e 4 Ciclos do Ensino
Fundamental) fazem, em vrias instncias, meno questo da variao lingstica,
alertando para as diferentes situaes de uso e para o problema do preconceito lingstico.
Veja-se o seguinte trecho ilustrativo:
Frente aos fenmenos da variao, no basta somente uma mudana de atitudes: a escola precisa cuidar para que no se reproduza em seu espao a discriminao lingstica. Desse modo, no pode tratar as variedades lingsticas que mais se afastam dos padres estabelecidos pela gramtica tradicional e das formas diferentes daquelas que se fixaram na escrita como se fossem desvios ou incorrees. E no apenas por uma questo metodolgica: enorme a gama de variao e, em funo dos usos e das mesclas constantes, no tarefa simples dizer qual a forma padro ( efetivamente, os padres tambm so variados e dependem das situaes de uso). Alm disso, os padres prprios da tradio escrita no so os mesmos que os padres de uso oral, ainda que haja situaes de fala orientadas pela escrita. (p.82)
Em termos de uma poltica educacional, e mais especificamente de uma poltica
lingstica, importante que um documento oficial do MEC reconhea a questo da variao
lingstica e suas implicaes sociais. Entretanto, embora os PCNs reconheam as variaes,
no h no documento nenhuma sinalizao para o avano das discusses que visem
implementaes efetivas no sentido de real identificao das questes de variao e de
superao dos problemas atravs de aes concretas.
4. O papel da avaliao social das formas variantes sobre a mudana lingstica
A avaliao postulada por Weinreich, Labov e Herzog como um dos cinco
problemas7 que devem ser considerados ao se estudar a mudana lingstica: como as
mudanas observadas podem ser avaliadas em termos de seus efeitos sobre a estrutura
lingstica, sobre a eficincia comunicativa (...)? (1968, p.101). Trata-se de uma avaliao
subjetiva, uma atitude, que diz respeito ao nvel de conscincia social em relao s formas
em variao e/ou em mudana. Ou seja, avalia-se se as formas so de prestgio ou no.
7 Os demais so: restrio, transio, encaixamento e implementao (WLH 1968, p. 101).
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Em relao ao valor atribudo s variantes, Labov identifica trs traos nas variveis
sociolingsticas: (i) indicadores traos lingsticos socialmente estratificados, mas no
sujeitos variao estilstica, com pouca fora avaliativa; (ii) marcadores traos
lingsticos social e estilisticamente estratificados, que produzem respostas regulares em
testes de reao subjetiva; (iii) esteretipos traos socialmente marcados de forma
consciente (1972, p. 314, apud Severo, s/d).
A avaliao um elemento que atua como desencadeador ou como freio de um
processo de mudana lingstica. importante destacar que valores sociais so atribudos s
formas lingsticas apenas quando h variao; e que o uso de uma forma se espalha pela
comunidade na medida em que o grupo que introduz a forma avaliado socialmente como
sendo de prestgio; caso contrrio, a mudana tende a ser refreada.
Embora seja postulada como um dos problemas a serem considerados nos estudos de
mudana lingstica, a avaliao, dado seu carter subjetivo, de difcil controle pelo
pesquisador. Labov chega a questionar o tipo de respostas que os testes de atitude podem
fornecer relativamente s causas da mudana lingstica, uma vez que o fato dos falantes
acreditarem que uma certa forma a mais correta no significa que eles a utilizem (1972, p.
249). O autor considera que tais testes podem ser relevantes quando as mudanas so de
cima (from above), i.e., quando so introduzidas pela classe social dominante, geralmente
com conscincia pblica completa (Labov 1994, p. 78) o que caracteriza as variveis com
traos de marcadores ou de esteretipos. Quando a mudana ocorre de baixo, as
variveis (indicadores) no apresentam nenhum nvel de conscincia social. Mudanas de
baixo so mudanas sistemticas que primeiro surgem no vernculo, e representam a
operao de fatores lingsticos internos (...) elas esto completamente abaixo do nvel de
conscincia social (ibid. p. 78).
As mudanas de cima (from above) e de baixo (from below) relacionam-se, portanto,
aos nveis de conscincia social e de posies scio-econmicas.
5. A questo da norma lingstica No h, na literatura especializada, uma posio consensual a respeito da definio
de norma, o que gera confuso quanto ao uso desse termo. Faraco (2002) diferencia trs
termos cruciais: norma lingstica, norma culta e norma padro. Essas trs normas so
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assim caracterizadas: (i) a norma lingstica corresponde s formas de lngua que so de uso
comum a um determinado grupo social (das comunidades rurais, das periferias urbanas, dos
grupos juvenis urbanos, etc), identificando-o e distinguindo-o de outros grupos; (ii) a norma
culta designa os fatos de lngua que o grupo social de maior prestgio, mais sujeito s
atividades de escrita, usa correntemente em situaes formais de fala e na escrita; (iii) a
norma padro ou lngua padro uma norma estabilizada, decorrente de um processo
fortemente unificador desencadeado pela associao da cultura escrita e do poder social, que
busca neutralizar a variao e controlar a mudana (p.38-47). Nessa perspectiva, a chamada
norma culta distingue-se da norma padro pelo carter real, portanto heterogneo, versus
o carter ideal e categrico que, respectivamente, as identifica.
O autor, com pertinncia, chama a ateno para o uso do adjetivo culta associado
norma:
[...] preciso trabalhar criticamente o sentido do qualificativo culta , apontando seu efetivo limite: ele diz respeito especificamente a uma certa dimenso da cultura, isto , cultura escrita. Assim, a expresso norma culta deve ser entendida como designando a norma lingstica praticada, em determinadas situaes (aquelas que envolvem certo grau de formalidade), por aqueles grupos sociais mais diretamente relacionados com a cultura escrita, em especial por aquela legitimada historicamente pelos grupos que controlam o poder social. (ibid. p. 39-40)
J Alkimin salienta que, historicamente, a variedade padro coincide com a variedade
falada pelas classes sociais altas, de determinadas regies geogrficas. Considera tambm
que a variedade padro de uma comunidade o resultado de uma atitude social ante a lngua:
de um lado h a seleo de um dos modos de falar entre os vrios existentes na comunidade
e, de outro, h o estabelecimento de um conjunto de normas que definem o modo "correto"
de falar que, tradicionalmente, corresponde aos hbitos lingsticos dos grupos socialmente
dominantes. (2001, p.40)
Julgamos bastante razovel e interessante manter a distino estabelecida por Faraco,
associando a norma culta aos hbitos lingsticos do grupo social de maior prestgio, ou seja,
aquele com maior escolaridade, que transita por grandes centros urbanos e por situaes
scio-culturais compatveis. Por outro lado, a norma padro equivaleria ento, em termos
gerais, abstrao e categoricidade da gramtica normativa. Assim, considera-se que,
diferente da norma padro (que tende a ser homogeneamente cristalizada), a norma culta
est sujeita a variao e mudana lingstica, tanto quanto as normas lingsticas em geral.
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6. A competncia comunicativa e sociolingstica
Pode-se estabelecer uma relao entre a variao estilstica laboviana e a noo de
competncia comunicativa de Dell Hymes. Para este autor, o uso lingstico e a estrutura
formal esto subordinados ao contexto social. Em outras palavras, a competncia lingstica
est subordinada competncia comunicativa, definida como a habilidade de escolher,
dentre uma variedade de falas possveis, aquela que mais apropriada para a situao (...) a
competncia consiste numa variedade de habilidades, incluindo conhecimento gramatical,
mas sem se reduzir a esse" (Figueroa, 1994, p.53).
Em se tratando de superar o risco dessa reduo da competncia ao conhecimento
gramatical, Bortoni-Ricardo observa que: [...] a competncia comunicativa de um falante lhe permite saber o que falar e como falar com quaisquer interlocutores em quaisquer circunstncias. A principal novidade na proposta de Dell Hymes foi, portanto, ter includo a noo de adequao no mbito da competncia. Quando faz uso da lngua, o falante no s aplica as regras para obter sentenas bem formadas, mas tambm faz uso de normas de adequao definidas em sua cultura. So essas normas que lhe dizem quando e como monitorar seu estilo. Em situaes que exijam mais formalidade, porque est diante de um interlocutor desconhecido ou que merea grande considerao, ou porque o assunto exige um tratamento formal, o falante vai selecionar um estilo mais monitorado; em situaes de descontrao, em que seus interlocutores sejam pessoas que ele ama e em quem confia, o falante vai sentir-se desobrigado de proceder a uma vigilante monitorao e pode usar estilos mais coloquiais. Em todos esses processos, ele tem sempre de levar em conta o papel social que est desempenhando. (2004, p.73)
Quando se fala em ensino de lngua estrangeira, h que se ter em mente o conceito de
competncia comunicativa, que amplamente mencionado em obras de Lingstica Aplicada
voltadas para o PLE. Segundo Almeida Filho e Lombello, por competncia comunicativa
entende-se um conhecimento abstrato subjacente e a habilidade de uso no s de regras
gramaticais (explcitas ou implcitas) como tambm de regras contextuais ou pragmticas
(explcitas ou implcitas) na criao de discurso apropriado, coeso e coerente(1997, p. 56).
Canale e Swain (1980) incluem na competncia comunicativa os componentes
gramatical, sociolingstico e estratgico, assim caracterizados: (i) o componente gramatical
contm o conhecimento de itens lexicais, as regras de morfologia e de sintaxe, a semntica
ao nvel da frase e a fonologia; (ii) o componente sociolingstico engloba o conhecimento e
uso de (a) regras socioculturais ligadas a cenrios, tpicos, papis sociais e psicolgicos,
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caractersticas do sexo dos falantes, funes comunicativas, e (b) regras do discurso
concernentes coeso e coerncia; (iii) o componente estratgico inclui aquelas estratgias
verbais ou no-verbais que compensam as falhas na comunicao devidas a variveis de
desempenho ou competncia insuficiente (apud Almeida Filho, 1997, p. 56-57)
Savignon, por sua vez, assim define a competncia sociolingstica: A competncia
sociolingstica um campo interdisciplinar concernente a regras sociais de uso da lngua. A
competncia sociolingstica requer uma compreenso do contexto social no qual a lngua
usada: os papis dos participantes, a informao compartilhada por eles e a funo da
interao.8 (1997, p. 37)
Para encerrar esta seo, apresentamos, a partir da discusso de Bortoni-Ricardo
(2004, p.78) acerca do portugus como lngua materna, uma sntese que engloba as noes
de competncia lingstica, competncia comunicativa, recursos comunicativos e papel da
escola, que muito relevante tambm para o ensino de portugus como lngua estrangeira:
1. Todo falante nativo de uma lngua [...] j internalizou as regras do sistema de sua
lngua, [...] o que no acontece com um falante estrangeiro que produz sentenas
agramaticais, isto , que no esto perfeitamente de acordo com o sistema da
lngua estrangeira.
2. Como a lngua um fenmeno social, [...] alm de ter domnio das regras internas
da lngua, os falantes tm de us-la de forma adequada situao de fala.
3. No desempenho dos papis sociais, os indivduos transitam por espaos
sociolingsticos em que tm de dominar certos usos especializados da lngua.
4. O falante tem de dispor em seu repertrio de recursos comunicativos que lhe
permitam desempenhar-se com adequao e segurana nas mais diversas situaes.
O professor de portugus como lngua estrangeira e o elaborador de material didtico
de PLE, pblico alvo preferencial desta dissertao, podem (e devem), a partir da
apropriao dos conceitos de competncia sociolingstica e de competncia comunicativa,
propiciar ao aluno estrangeiro o uso seguro de recursos comunicativos que forem
necessrios para desempenhar-se bem nos contextos sociais em que interage, como prev
Bortoni Ricardo ao se referir ao portugus como lngua materna (ibid.).
8 A traduo de minha responsabilidade.
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CAPTULO II
REVISO BIBLIOGRFICA
Branquinha Caetano Veloso (Para Paulinha) Eu sou apenas um velho baiano Um fulano, um caetano, um mano qualquer Vou contra a via, canto contra a melodia, Nado contra a mar Que que tu v, que que tu quer, Tu que to rainha? Branquinha Carioca de luz prpria, luz S minha [...]
Este captulo contm duas sees temticas: (i) uma, mais breve, que apresenta
alguns trabalhos de anlise de material didtico de PLE, e (ii) outra, mais longa, que aborda
(a) o tratamento dado pelas gramticas normativas (GTs) ao paradigma pronominal do caso
reto e (b) estudos realizados sobre o portugus brasileiro (PB) no tocante ao uso do pronome
sujeito, objeto de nossa anlise nos livros didticos.
1. Sobre o material didtico de PLE
H uma grande variedade de material didtico de PLE no mercado editorial
brasileiro, e muitos ttulos j receberam algum tipo de anlise como se pode observar, por
exemplo, em Moura (1997), Morita (1998) e Carvalho (2002). A seguir, apresentamos uma
reviso sucinta desses trabalhos.
1.1 Moura (1997)
A autora selecionou cinco livros editados no Brasil para fazer sua anlise com o
objetivo de dar uma viso geral sobre a observncia de alguns conceitos psico-scio-
lingsticos no material de PLE. Os livros so9:
INSTITUTO DE IDIOMAS YZIGI -- Biazioli, S. & F. Gomes de Mattos --
Portugus do Brasil para Estrangeiros (PBE). So Paulo: Difuso Nacional do Livro, 1978,
Vol.1 e 1979, Vol.2 (Livros do Professor). 1981, Vols.1 e 2 (Livros de Exerccio).
9 Observe-se que os livros analisados foram editados na dcada de 80.
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LIMA, E.E.O.F. & IUNES, S.A. -- Falando...Lendo...Escrevendo...Portugus: Um
Curso Para Estrangeiros (FLEP). So Paulo: EPU, 1981. (Livro do Aluno e Caderno de
Testes).
LOMBELLO, L.C. & BALEEIRO, M. de A.--Portugus para Falantes de
Espanhol(PFE). Campinas: UNICAMP/FUNCAMP/MEC, 1983.
MARCHANT, M.--Portugus para Estrangeiros (PPE), 20 ed., Porto Alegre: Sulina,
1982, Vol.1.6ed. rev.1976, Vol.2.
RAMALHETE, R.--Tudo Bem (TB), Rio de Janeiro: Ao Livro Tcnico, 1984, Vol.1,
1985, Vol.2 (Livros do Aluno).
A proposta da autora foi de: (i) observar o nvel de influncia do estruturalismo em
cada livro, atravs da anlise dos dilogos, textos para leitura e exerccio; (ii) verificar a
adequao dos contedos dos livros s necessidades comunicativas dos alunos; e (iii) sugerir
o aprimoramento de alguns contedos luz de conhecimentos psico-scio-lingsticos.
Como instrumental metodolgico, Moura utilizou um questionrio com 57 perguntas
baseadas em: (i) quatro conceitos psicolingsticos aquisio, cognio, percepo e
memria; (ii) quatro conceitos sociolingsticos variedade lingstica, mistura de
variedades, competncia comunicativa, preconceito lingstico; e (iii) em cerca de 15
conceitos, advindos de teorias diversas, aplicados metodologia do ensino de lnguas
condicionamento comportamental, correo gramatical, lngua padro, induo, deduo,
automatismo, seqncia natural de aquisio, progresso linear, progresso cclica,
criatividade, competncia, desempenho, gramaticalidade, contextualizao e comunicao. A
autora, aparentemente, se utilizou do referido questionrio para proceder anlise do
material didtico selecionado.
O que particularmente chama a ateno no trabalho de Moura a importncia
atribuda ao estudo das variedades lingsticas para o professor de lnguas como
possibilidade de conscientizao sua e dos seus alunos de que falar diferente no quer
necessariamente dizer falar mal uma lngua (ibid. p. 129). Entretanto, logo em seguida, ela
afirma que dentro de uma norma culta assim como da forma inculta h nveis de
formalidade e informalidade, deixando transparecer um vis preconceituoso, embora, mais
adiante, v trabalhar exatamente o preconceito lingstico: diretamente relacionado
distoro de valores que se reflete atravs de maior ou menor prestgio cultural que uma
determinada variedade lingstica exerce sobre as outras (ibid. p. 130).
Moura conclui que:
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29
a influncia estruturalista apresenta nveis diversos nas cinco obras . Os livros PFE, FLEP e PPE esto baseados na abordagem comportamental/ estruturalista, apresentando uma preocupao maior com a forma. O PBE e o TB se enquadram numa linha estrutural/ cognitivista enfatizando o raciocnio, a criatividade e os usos da lngua, [...] oferecendo maiores possibilidades de desenvolver no aluno a competncia comunicativa.' MOURA (1997,p.133)
Parece que a autora, apesar de postular conceitos de rigor terico definido, acaba
recaindo nos braos do senso comum que, afinal, prevalece no contexto em que realmente se
movimentam professores e alunos. Esboa-se, portanto, a necessidade de perguntar: como
realmente se d a mudana preconizada pela teoria em aes concretas, ps-reflexo
cientfica?
1.2 Morita (1998)
Morita comenta os seguintes livros:
CIOFFARI, V. Spoken Brazilian Portuguese. Washington D. C.: Foreign Service
Institute. ( Dcada de 50)
BERLITZ. Portugus 1, Lausanne: Berlitz International Inc., 1972.
ABREU, M. I. & RAMEH, C. Portugus Contemporneo 1. Washington D. C.:
Georgetown University Press, 1966.
MAGRO, H. & DE PAULA, P. Portugus: conversao e gramtica. So Paulo:
Livraria Pioneira Editora, 1973.
ELLISON et al. Modern Portuguese. Texas: Universidade do Texas, 1971.
YZIGI. Portugus para estrangeiros 1 e 2-- conversao, cultura e criatividade.
So Paulo: Difuso Nacional do Livro, Editora e Importadora Ltda., 1978.
LIMA, E.E.O.F. & IUNES, S.Falando...lendo...escrevendo...Portugus: um curso
para estrangeiros, So Paulo: EPU, 1981.
LOMBELLO, L. & BALEEIRO, M. Portugus para falantes de Espanhol. Campinas:
UNICAMP, 1983. (Ed. Experimental)
REIS, L.; EMILSSON, E. & GOMES, H da S. Sarav -- estratgias para leitura de
textos em Portugus. Cidade do Mxico: Universidad Nacional Autnoma de Mxico, 1994.
OLIVEIRA, J. & ORTIZ, Z. Portugus para crianas de fala hispnica. Assuno:
Banco do Brasil, 1993.
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LEVY, V. & AMOS, E. Prata da casa -- vida e cultura brasileira. So Paulo: EPU,
1991.
COUDRY, P. & FONTO DO PATROCNIO, E. Fala Brasil -- Portugus para
estrangeiros. Campinas: Pontes, 1989.
LAROCA, M. N.; BARA, N. & PEREIRA, S. M. C. Aprendendo Portugus do
Brasil. Campinas: Pontes, 1992.
RAMALHETE, R.. Tudo Bem. Rio de Janeiro: Ao Livro Tcnico, 1984.
LIMA, E.E.F., ET AL. Avenida Brasil-- curso bsico de Portugus para estrangeiros.
So Paulo: EPU, 1992.
--------------, ISHIHARA, T. & BERGWEILER, C.G. Avenida Brasil 2 -- curso
bsico de Portugus para estrangeiros. So Paulo: EPU, 1995.
A autora elenca uma srie de vantagens em se adotar um material didtico para o
ensino de PLE, mas alerta para o fato de que antes de adot-lo, de suma importncia que os
objetivos do curso, as necessidades e as expectativas dos alunos sejam bem definidos, bem
como a idade e a lngua materna desses aprendizes.
Morita (1998,p.62-63) julga que, ao se escolher o material em relao ao contedo
lingstico, deve-se examin-lo sob os seguintes aspectos (alm de se atentar para a
qualidade grfica do material):
Tema - Precisa ser relevante e significativo para os aprendizes, privilegiando o
crescimento intelectual.
1- Funo - As funes devem estar de acordo com as necessidades do aprendiz, e
no vinculadas com a gradao gramatical.
2- Gramtica - O bom livro didtico deve proporcionar atividades funcionais e
estruturais, no deixando de privilegiar as regras sociais de uso tambm.
3- Habilidades lingsticas preciso analisar se as habilidades lingsticas
(compreenso da linguagem oral, fala, leitura e escrita) trabalhadas no livro esto
de acordo com os objetivos do curso, e se so trabalhadas integralmente, e no
isoladamente.
A autora, aps analisar vrios livros, chega concluso de que os materiais didticos
de PLE so ainda bastante simples, restritos e limitados em quantidade e em qualidade.
Segundo ela, precisamos de materiais de PLE mais atualizados, atraentes, motivadores, e
especficos tambm.
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1.3 Carvalho (2002)
Dos trs trabalhos aqui sintetizados, o de Carvalho o que mais se aproxima da
proposta desta dissertao. A autora faz uma anlise de cinco livros didticos para o ensino
de PLE luz da Sociolingstica, e diz que a atitude a ser tomada em sala dever ser a de
conscientizar o aluno da natureza heterognea da lngua e tentar adaptar a proposta do livro
realidade do grupo (ibid. p.271).
Os livros analisados por Carvalho so:
COUDRY, P. & FONTO, E. Fala Brasil (FB). 13ed. Campinas: Pontes, 2001.
LIMA, E.E.OF.. & IUNES, S.A. Falar...Ler...Escrever...portugus: um curso para
estrangeiros (FLEP). So Paulo: EPU, 1999.
LIMA,E.E.O.F. et al. Avenida Brasil1: curso bsico de portugus para estrangeiros (AB).
So Paulo: EPU, 1991.
LAROCA, M.N.da C. et al. Aprendendo portugus do Brasil: um curso para estrangeiros
(APB). Campinas: Pontes, 1998.
HENRIQUES, E.R. & GRANNIER, D.M. Interagindo em portugus: textos e vises do
Brasi (IP)l. 2 vols.Braslia: Thesaurus, 2001.
Note-se que os livros examinados por Carvalho so de data recente. Mesmo assim, a
autora afirma que impera na maioria dos livros uma atitude prescritivista ainda bastante
dependente das gramticas normativas de perfil tradicional. Essa atitude acaba incorrendo em
preconceito contra a linguagem popular, considerada como incorreta, uma vez que se
distancia do padro escrito mais formal. (ibid.)
Carvalho seleciona cinco fenmenos gramaticais com o objetivo de ilustrar o
tratamento que os manuais didticos oferecem sobre as variaes no PB falado. Os principais
resultados a que chega a autora so resumidos abaixo.
1) Retomada anafrica de objeto direto de terceira pessoa - em quatro dos cinco
manuais, os clticos ainda ocupam o primeiro lugar como estratgia de retomada anafrica.
Nenhum manual inclui o ele acusativo (uma forma ainda considerada por muitos como
estigmatizada) em seus dilogos, mas o objeto nulo parece ser mais aceito pelos livros.
2) Verbos ter e haver em uso impessoal - em FLEP s tem o verbo haver, ao passo
que em IP h o domnio exclusivo de ter, atitude que nega ao aprendiz a informao da
existncia das possibilidades de uso dos dois verbos. Em APB os verbos ter e haver so
colocados como "formas equivalentes", assim como no AB e no FB.
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3) Regncia do verbo ir, com sentido de movimento - somente ir +para e ir+a so
aceitas pela tradio normativa, mas ir+em cada vez mais usado em todas as variedades do
portugus brasileiro, independentemente do grau de escolarizao. Em APB predomina a
regncia ir+a nos dilogos, e negligenciada a regncia ir+em que tambm
desconsiderada em AB. FB apresenta como nica possibilidade a regncia ir+a. Em FLEP,
encontram-se construes com a e para, mas no com em. Em IP esto includas as trs
regncias.
4) Futuro simples vs. futuro perifrstico - em APB as sistematizaes gramaticais
apresentam apenas as caractersticas morfolgicas, sem comentrios a respeito do uso. Em
AB, aparecem as duas formas, mas com predominncia do futuro simples. FB traz uma
distino entre as duas formas com base na distino entre "linguagem falada" e "linguagem
formal". Em FLEP, predomina o futuro perifrstico, que tambm o nico que aparece em
IP. Carvalho diz que" no se deve privilegiar uma das formas em detrimento da outra, mas
sim explicitar os respectivos contextos de uso". (p.285)
5) Pronome relativo cujo - trata-se de um pronome no mais usado no PB falado,
sendo substitudo pelas estratgias de relativizao copiadora ou cortadora. Nos livros AB
(vol.2), FB e FLEP, cujo aparece no quadro geral dos pronomes relativos variveis, sem
comentrios a respeito do seu status atual na lngua.
A autora defende a idia de que o professor deve se manter informado acerca das
pesquisas lingsticas, que saiba que fenmenos se encontram em variao e como essa
variao ocorre, para que possa, continuamente, revisar com o aluno os diferentes modos
como est sendo usado o portugus brasileiro (ibid. p.287).
2. Sobre o pronome sujeito no PB Nesta seo, apresentamos, inicialmente, um rpido panorama sobre a descrio/
prescrio contida em algumas gramticas normativas consultadas, a respeito do paradigma
pronominal do caso reto e da expresso ou no do sujeito pronominal. Posteriormente,
apresentamos alguns estudos de cunho lingstico realizados sobre o uso do pronome sujeito
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no PB, focalizando, num primeiro momento, a distribuio das formas pronominais e, num
segundo momento, a realizao ou no do sujeito. Essa reviso bibliogrfica tem como
objetivo apresentar um painel descritivo do uso pronominal em diferentes regies do pas e
em diferentes modalidades e registros de fala. Essa descrio servir de base para a anlise do
material didtico que faremos adiante.
2.1 O pronome sujeito nas GTs
Uma consulta rpida a algumas gramticas normativas mostra que h uma
convergncia no que se refere apresentao das formas pronominais de sujeito (caso reto):
eu, tu, ele(a), ns, vs, eles(as). Entre as caractersticas dos pronomes pessoais, Cunha (1992,
p. 278) aponta as seguintes:
1) denotam as trs pessoas gramaticais:
a) quem fala = 1 pessoa; eu (singular); ns (plural);
b) com quem se fala = 2 pessoa: tu (singular); vs (plural);
c) de quem se fala = 3 pessoa: ele, ela (singular); eles, elas (plural);
2) podem representar, quando na 3 pessoa, uma forma nominal anteriormente expressa.
Enquanto Cunha (ibid.) menciona que os pronomes pessoais denotam as pessoas
gramaticais, Sacconi (1994, p.159) considera que os pronomes pessoais so os que servem
para substituir10 as pessoas do discurso11:
a) eu, ns (a primeira pessoa: o emissor ou falante);
b) tu, vs (a segunda pessoa: o receptor ou ouvinte);
c) ele, ela, eles, elas (a terceira pessoa: a de quem se fala).
Sacconi (ibid., p. 162) faz aluso forma pronominal voc ao dizer que Voc (e
variao) pronome de 2 pessoa, mas exige verbo e pronome na 3, assim como todos os
pronomes de tratamento. Ex.: Voc estuda para viver melhor com seu semelhante.
Em relao colocao acima, valemo-nos da anlise feita por Menon (1995) acerca
da concordncia verbal com voc: se voc um pronome de 2a pessoa, resultante de um 10 Sobre o carter substitutivo dos pronomes, ver as crticas formuladas por Monteiro (1994) mencionadas adiante.
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processo de gramaticalizao da expresso nominal Vossa Merc, a forma verbal que o
acompanha tambm deve ser de 2a pessoa, sob pena de infringir a regra bsica de
concordncia verbal do portugus segundo a qual o verbo deve concordar em nmero e
pessoa com o sujeito.
Luft (1976, p. 87) estabelece uma distino entre 2a pessoa direta (tu/vs) e indireta
(voc/vocs, vossa senhoria, etc.). A esse respeito, Melo (1978, p. 77) comenta que voc
resultado de vossa merc, mas hoje funciona como pronome direto de 2a pessoa, trazendo a
anomalia de casar com a 3a gramatical na conjugao (grifo acrescido). Apesar de admitir
que voc um pronome de 2a pessoa, Melo no o insere no paradigma pronominal
apresentado em sua gramtica.
Ao lado de voc(s), Rocha Lima (1972, p. 100) inclui como pronomes de 2a pessoa o
Senhor e a Senhora, associando os primeiros a um tratamento familiar e os ltimos a um
tratamento cerimonioso. Entretanto, ao expor o paradigma pronominal apresenta apenas as
formas clssicas.
Quanto forma vs, interessante observar que Said Ali (1971 [1921], p. 93) j
registrava que esse pronome caiu em desuso, quer para denotar pluralidade de pessoas, quer
como tratamento de polidez; conserva-se todavia nas preces, no estilo oratrio, na poesia, na
linguagem de fico, quando a pluralidade no se refere a seres humanos e no estilo oficial.
Mesmo assim, as gramticas normativas apresentam vs como a forma pronominal de P5.
J Bechara (1994, p.164) introduz a noo de no-pessoa (cf. BENVENISTE, 1946)12,
definindo os pronomes pessoais como aqueles que designam as duas pessoas do discurso e a
no-pessoa (no-eu, no-tu), considerada pela tradio, a 3 pessoa:
1 pessoa: eu (singular), ns (plural),
2 pessoa: tu (singular), vs (plural) e
3 pessoa: ele, ela (singular), eles, elas (plural).
O autor chama a ateno para o fato de que o plural ns indica eu mais outra ou outras
pessoas, e no somente eu + eu.
Conforme a funo exercida na orao, os pronomes pessoais so tidos como
substantivos, por se comportarem como verdadeiros substantivos (ROCHA LIMA, 1972,
p.105). Entretanto, como bem observa Monteiro (1994), os pronomes de 1a e 2a pessoa so, de
fato, essencialmente diticos.
11 Luft (1976, p. 87) trata como equivalentes as expresses pessoas do discurso ou pessoas gramaticais. 12 Ver com maiores detalhes a subseo destinada exposio do trabalho de Monteiro (1994).
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Quanto omisso do pronome sujeito, as GTs, normalmente, mencionam que
comum a elipse do sujeito pronominal uma vez que a desinncia verbal prov a informao
nmero-pessoal. Segundo Cunha (1992, p. 284), os pronomes sujeito eu, tu, ele (ela), ns,
vs, eles (elas) so normalmente omitidos em portugus, porque as desinncias verbais
bastam, de regra, para indicar a pessoa a que se refere o predicado, assim como o nmero
gramatical (singular ou plural) dessa pessoa: calo, camos, vendes, recebestes, louva,
fugirem.
J quanto presena do pronome sujeito, Cunha (ibid.) destaca que o pronome
empregado para dar nfase, para estabelecer contraste ou para eliminar ambigidade,
conforme detalhado:
a) quando se deseja, enfaticamente, chamar a ateno para a pessoa do sujeito;
b) para opor duas pessoas diferentes;
c) quando a forma verbal comum 1 e 3 pessoa do singular, e o contexto em que ela
ocorre se presta a equvoco. Por exemplo:
Convm que eu saiba o que ele disse. / Convm que ele saiba o que eu disse.
Fechando esta subseo, s podemos concordar com SILVA (2005, p. 15-16) quando afirma que:
A atitude de manter formas em desuso, ou de uso reduzido e de omitir formas atuais da lngua, demonstra que mesmo os gramticos mais conceituados mantm sempre, intacta, a mesma tradio normativa. Como conseqncia disso continuamos tendo que assimilar estruturas j em desuso, cristalizadas nas GTs e ensinadas nas escolas Brasil afora, o que faz com que o ensino da lngua materna (e estrangeira!!) seja algo pesaroso, cheio de teorias gramaticais superadas por novos usos, desconhecidos pelas GTs.
2.2 Estudos sobre o pronome sujeito no PB: distribuio das formas pronominais
Vrios pesquisadores j trataram desse fenmeno em portugus. Vamos apresentar,
aqui, apenas alguns dos estudos que consideramos mais representativos e relevantes para os
propsitos desta dissertao. Iniciamos esta seo resenhando, mais detalhadamente, o
trabalho de Monteiro (1994), que faz uma anlise abrangente do sistema de pronomes
pessoais da lngua portuguesa a partir de dados colhidos em amostras de cinco grandes
capitais brasileiras integrantes do Projeto NURC (Norma Urbana Culta), por isso bastante
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relevante ao nosso trabalho. Em seguida, apresentamos alguns resultados de pesquisas
realizadas com diferentes amostras. O foco principal recai sobre o uso varivel de formas
pronominais de referncia a P2 (2 pessoa do singular) e P4 (1 pessoa do plural), bem como o
uso praticamente categrico do pronome vocs para denotar P5 (2 pessoa do plural).
2.2.1 Monteiro (1994)
Monteiro (1994)13 utiliza um corpus de sessenta inquritos do Arquivo Sonoro do
Projeto NURC/Brasil, gravados na dcada de 70 e distribudos de acordo com o sexo, a faixa
etria e a regio dos informantes (Recife, Salvador, Rio de Janeiro, So Paulo e Porto Alegre),
analisando cerca de quinze mil dados de fala dessas cinco capitais brasileiras, distribudos nas
funes de sujeito, objeto e adjunto. Ele considera, entre outros aspectos, a natureza dos
pronomes, sua funo ditica e anafrica, a variao e a reestruturao do sistema
pronominal. Estas duas ltimas so de grande interesse para o presente trabalho, uma vez que
as hipteses do autor se voltam para o aspecto social da linguagem, no sentido de comprovar
que o emprego dos pronomes varia de acordo com a localidade, o sexo, a faixa etria e o
registro formal (EF: aulas, conferncias) ou informal (DID: dilogo entre o informante e o
documentador).
Apresentamos, inicialmente, alguns aspectos conceituais discutidos pelo autor, os
quais envolvem a definio de pronome e as categorias de pessoa e nmero, noes
extremamente relevantes para o nosso trabalho; e, posteriormente, expomos alguns dos
resultados para pronome sujeito que julgamos mais significativos.
Monteiro questiona a definio tradicional de pronome como a "palavra que substitui o
nome", mostrando a inadequao da mesma com base, especialmente, nos seguintes
argumentos emprestados de Barrenechea (1962, apud Monteiro, 1994, p. 31-32):
a) os pronomes s vezes indicam objetos de nomes desconhecidos: b) costumam referir-se no apenas a objetos anteriormente designados, mas tambm aos que se fazem presentes no momento da enunciao, caso em que deixam de ter carter substitutivo: c) difcil determinar que vocbulos certos pronomes (os interrogativos, por exemplo) so capazes de suprir;
13 O livro resultado da tese de doutorado do autor, cuja defesa ocorreu em 1991 na UFRJ.
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d) no raro um pronome seguir-se a um substantivo (Ego, Caesar...), quando ento absurdo imaginar que um esteja no lugar do outro; e) todo sujeito falante, ao referir-se a si mesmo, usa sempre a forma eu, o que mostra logicamente que eu um elemento primrio e no vicrio.
Monteiro chega a avaliar como um grave equvoco dizer que os pronomes
representam os nomes sinttica e semanticamente e que esta a sua funo primordial,
(p.32) basicamente pelas seguintes razes: (i) a substituio semntica e gramatical de
elementos lingsticos um recurso comum em muitos enunciados, portanto no se restringe
exclusivamente classe dos pronomes; (ii) mesmo quando estes se usam em lugar de nomes,
preservam certos traos que inviabilizam a possibilidade de que a substituio seja perfeita.
Com relao categoria de pessoa, Monteiro questiona a pessoalidade que costuma
ser associada indistintamente a trs elementos de uma situao comunicativa: o falante, o
ouvinte e algum ou algo a que se faz referncia, apoiando seus argumentos em Lyons 1968;
1977) e em Benveniste (1974). Veja-se a seguinte descrio do funcionamento desses trs
elementos do discurso (Lyons, 1968, p. 291-2; 1977 a, p.638, apud Monteiro, 1994, p. 33-34):
a) o falante e o ouvinte se encontram obrigatoriamente presentes na situao, ao passo que outras pessoas e coisas a que se faz referncia podem no s estar ausentes mas at deixar de ser identificadas;
b) os pronomes de primeira e segunda pessoas so necessariamente definidos, enquanto os de terceira podem tambm ser indefinidos;
c) eu e tu se referem sempre a seres humanos; os pronomes de terceira pessoa nem sempre possuem este trao, j que constantemente se reportam a animais ou coisas;
d) enquanto a primeira e a segunda pessoa so os membros positivos da categoria de pessoa, a terceira uma noo essencialmente negativa, uma vez que no se refere aos participantes da situao do enunciado.
De fato, s existem duas pessoas no ato comunicativo: a que fala e a que ouve. A
terceira possui natureza e funes diferentes e tanto se reporta a seres vivos como a coisas e
abstraes. Benveniste, numa perspectiva da teoria da enunciao, refina ainda mais a
descrio de eu, tu e ele (1974, apud Monteiro, 1994, p. 34):
a) eu e tu s tm existncia lingstica no ato de fala, alm de que se caracterizam pela unicidade: eu e tu so de cada vez nicos; ele, de modo diverso, pode ser uma infinidade de sujeitos ou ento nenhum;
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b) eu e tu so inversveis e, ao mesmo tempo, complementares: algum emprega o pronome eu ao se dirigir a outro que, na sua mente, ser concebido como tu . Mas, na perspectiva do ouvinte, a situao se inverte: o ouvinte tambm se percebe como eu e concebe o falante como tu. Por conseguinte, tais pronomes s podem ser definidos um em relao ao outro, fato que no acontece com os de terceira; c) a oposio eu e tu se define pela correlao de subjetividade: eu (pessoa subjetiva) se apresenta como interior ao enunciado, transcende em relao a tu (pessoa no-subjetiva). Ele o membro no marcado desta correlao e o enunciado que o contm proferido necessariamente por eu , que o situa fora do eixo da interlocuo.
Monteiro chama a ateno para o fato de que, no portugus do Brasil, h srias
modificaes no quadro das pessoas gramaticais em andamento e outras j se realizaram
plenamente: (i) em vez de tu14 e vs, formas que as gramticas registram para a segunda
pessoa, o que se tem voc e vocs. Mesmo onde se emprega tu, vigora a forma vocs (e no
vs15) para a indicao de vrios ouvintes; (ii) ns est sendo substitudo por a gente. Essas
mudanas pronominais se refletem na morfologia verbal, acarretando um fenmeno de
neutralizao16, o que acaba simplificando enormemente o esquema da conjugao: eu
cantava/ voc cantava/ ele cantava/ a gente cantava/ ns cantvamos/ vocs cantavam/ eles
cantavam. O autor registra ainda que, mesmo quando aparece o pronome tu, a flexo verbal
sofre neutralizao17: "tu fez alguma pergunta, Andr?" (278.POA.EF.F.II.) (p. 36).
Um aspecto importante enfatizado que, com a neutralizao apontada acima, os
pronomes pessoais tm ficado cada vez menos redundantes uma vez que (no caso de eu, voc,
ele, a gente) fica praticamente reservada aos pronomes a indicao da categoria de pessoa.
Saliente-se que em algumas regies, como o caso da Regio Sul ( exceo de Curitiba, cf.
Loregian , 1996), o pronome tu tambm deve ser includo na lista acima.
Com relao categoria de nmero, Monteiro destaca o carter diferenciado da
chamada terceira pessoa em oposio primeira e segunda. A terceira pessoa entra na regra
geral de formao do plural com s (ele(s)), o mesmo valendo para a forma pronominal de
14 O autor menciona que Tu se circunscreve a poucas localidades brasileiras. Vale ressaltar, porm, que na Regio Sul essa forma pronominal largamente usada, sendo reconhecida como marca de identidade regional (cf. Menon & Loregian-Penkal, 2002). 15 Nem uma forma de vs foi encontrada pelo autor na amostra analisada por ele. 16 Com essa noo de neutralizao, no cabe dizer, por exemplo, que com os pronomes voc e a gente o verbo fica na 3 pessoa do singular. Voc , de fato, pronome de P2 e a gente representa P4. E o verbo, neutralizado em sua morfologia nmero-pessoal, apresenta-se numa forma no-marcada, ou seja, . 17 Ver, a esse respeito, a seo 2.2.2.1, que traz resultados de pesquisas realizadas na regio sul do Brasil.
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segunda pessoa voc(s). J a oposio eu ns/ a gente e tu vocs estabelecida com
formas lingsticas diferentes18. Vale transcrever o seguinte trecho que o autor traduz de
Lyons, 1968, p. 277): O pronome ns deve ser interpretado como eu, somado a uma ou mais
pessoas, nas quais o ouvinte pode ou no estar includo. Em outras palavras, ns no plural de eu:
inclui antes uma referncia a eu e plural. (Monteiro, 1994, p. 38)
A anlise dos pronomes sujeitos mostrou a distribuio das formas listadas na tabela
abaixo.
Tabela 1 - Freqncia, em valores absolutos e percentuais, dos pronomes
pessoais em funo de sujeito (amostra NURC).
PRONOME N % Eu 2.727 39 Ele 1.289 18 Ns 765 11 Se 587 8 Eles 527 8 Voc 465 7 A gente 461 7 Vocs 161 2 Total 6.986 100
(extrado de Monteiro, 1994, p. 131)
Conforme se evidencia na tabela acima, o pronome eu o que mais ocorre na
amostra. A presena do eu muito mais constante nos dilogos, onde se configura melhor a
caracterstica egocntrica dos enunciados (p.132).
Em relao s formas pronominais, dois fatores chamam a ateno: (i) a no incluso
do pronome tu na tabela; e (ii) a insero do pronome se. O autor justifica o primeiro fato
pelas ocorrncias espordicas do pronome tu na amostra, da a deciso de dispens-las19; e o
segundo, por se comportar como um pronome sujeito usado em carter indefinido. Nesse
sentido, vale reproduzir o seguinte comentrio de Ladeira (1986, p.53, apud Monteiro, 1994,
p. 125): Assim como algum, ningum, a gente etc. so indicadores materiais de um agente
18 Mattoso Camara (1972) (1972) aprofunda essa questo em Estrutura da lngua portuguesa. Segundo ele, a noo de pessoa no se realiza por meio de flexo mas lexicalmente por meio de vocbulos distintos, ou seja, por heteronmia. De fato, a nica forma pronominal sujeita a flexo de nmero a de P3, que estabelece a oposio morfolgica vs s: ele eleS /ela elaS. 19 Causa-nos uma certa estranheza a baixa ocorrncia de tu encontrada pelo autor na amostra, considerando-se que foram analisadas doze entrevistas de Porto Alegre, onde sabidamente o uso dessa forma pronominal abundante.
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no definido, entendemos que o SE nas mesmas condies o sujeito formalmente
expresso na orao, no obstante nada esclarecer sobre a identidade do agente...
bastante pertinente a discusso que Monteiro traz tona acerca do estatuto
gramatical do se, que sintetizamos a seguir.
Historicamente, o emprego de se tem sua origem como pronome reflexivo, atendendo
s seguintes condies: a) estar na mesma pessoa gramatical do sujeito; b) completar a
predicao de um verbo transitivo; e c) referir-se a um sujeito animado alm de apresentar a
noo de que o sujeito executa a ao e ele mesmo sofre os efeitos (cf. ex. (1) abaixo).
Entretanto, o se passou a expandir seus contextos de uso relacionando-se a sujeitos no-
animados ou a verbos intransitivos, ambientes que permitiram, respectivamente, o seu
funcionamento como instaurador de um certo tipo de voz passiva (o chamado se apassivador)
e, posteriormente, o de sujeito indeterminador (o chamado ndice de indeterminao do
sujeito)20, conforme respectivamente exemplificado em (2) e (3) (p.99- 105):
(1) ele ajuda todo mundo e no se ajuda (256.RE.DID.M.I.)
(2) comentavam-se os erros dos colegas (242.SP.DID.F.III)
(3) tentou-se usar essa placa (4.RE.DID.M.I.)
Pode-se dizer ento que:
O se indeterminador, sendo o ltimo estgio evolutivo, foi diretamente derivado do se apassivador, em decorrncia de um processo de reanlise sinttica: o sujeito paciente, vindo normalmente aps o verbo transitivo, passou a ser interpretado como objeto direto e, em virtude da lacuna deixada na funo de sujeito, conferiu-se ao se um valor genrico de indeterminao. (Monteiro, 1994, p.103)
Todavia, no h um consenso entre os estudiosos acerca do estatuto gramatical do se.
As gramticas normativas em geral21 continuam tratando como passivas construes com
verbo transitivo direto sem agente expresso, caso em que o se analisado como apassivador;
20 O se apassivador precede em vrios sculos o se indeterminador, este ltimo uma inovao que aparece em portugus nos textos do sculo XVI (cf. Naro, 1976, apud Monteiro, 1994, p.103). 21 Said Ali (1966) no compartilha dessa viso normativista e aponta certas incoerncias na anlise do se como apassivador em construes do tipo compra-se um palcio em oposio a morre-se de fome. Segundo ele, para qualquer usurio da lngua h a idia de algum que compra e de algum que morre, portanto, em ambos os casos (e no apenas no segundo) tem-se indeterminao do sujeito. (apud Monteiro, 1994, p.104)
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apenas em construes com verbos intransitivos que o se tido como sujeito
indeterminado, conforme, respectivamente, os exemplos (4) e (5) abaixo:
(4) Fuma-se charuto aqui.
(5) Fuma-se aqui.
Nitidamente se percebe que, para considerar em (4) o se como apassivador, o critrio
utilizado sinttico (r