Diversidade Alimentar é Garantia de Vida

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Há alguns anos a comunidade João Congo, em Varzelândia, sertão norte-mineiro, começou a despertar para a importância da alimentação para a saúde das famílias, em especial das crianças. A comunidade realiza trabalhos no campo da Segurança Alimentar e Nutricional, promovendo a diversidade nos quintais e hortas, cultivando sementes crioulas e beneficiando sua produção. Na década de 90, a comunidade sofria com o alto índice de desnutrição infantil, afetando 15 crianças. As famílias também tinham dificuldade de acesso à água, o que prejudicava o cultivo nos quintais. Muita gente chegava a andar de 2 a 3 km para pegar água na cabeça. Com o trabalho da Pastoral da Criança, as famílias perceberam que era possível garantir a segurança alimentar e nutricional e que para isso era fundamental estarem organizadas. A Associação Comunitária dos Pequenos Produtores de João Congo resolveu então se unir em mutirão para fazer uma horta comunitária. Pela dificuldade de acesso à água, acharam melhor fazer próximo ao poço da comunidade em um terreno doado por Seu Manoel Gomes Machado. A horta atendia 25 famílias e cada uma tinha o seu canteiro. A troca de informações entre elas garantia a produção de alimentos de qualidade. O grupo tinha fartura e o excedente era até doado para o hospital da cidade. Apesar da boa produção, a distância entre as casas e a horta era grande, o que dificultava o trabalho. Edilene, mais conhecida como Édina, conta que muitas vezes a horta estava cheia de verduras, mas a distância era grande e sua família acabava comendo apenas arroz e feijão. Isso acontecia com outras famílias, porque as mulheres não conseguiam cuidar da casa, das crianças e ainda cuidar da horta tão longe. Foi então que a Associação escreveu um projeto para o Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE) para que o cultivo passasse a ser no quintal das casas da comunidade. Este projeto contou com a parceria do Sindicato de Trabalhadores Rurais Assalariados e Agricultores Familiares de Varzelândia, da Cáritas Regional Minas Gerais e do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA- NM). Com o projeto aprovado e ainda com o incentivo do Instituto Marista de Solidariedade, o primeiro passo foi distribuir água para 35 famílias, num mutirão que construiu o encanamento da comunidade. As famílias receberam então auxílio para construir seus canteiros nos Minas Gerais Ano 6 | nº 916 | Outubro | 2012 Varzelândia - Minas Gerais Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Diversidade Alimentar é Garantia de Vida 1 A comunidade de João Congo unida em frente á farinheira Produção garantida pelo banco de sementes comunitário

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Há alguns anos a comunidade João Congo, em Varzelândia, sertão norte-mineiro, começou a despertar para a importância da alimentação para a saúde das famílias, em especial das crianças. A comunidade realiza trabalhos no campo da Segurança Alimentar e Nutricional, promovendo a diversidade nos quintais e hortas, cultivando sementes crioulas e beneficiando sua produção. Na década de 90, a comunidade sofria com o alto índice de desnutrição infantil, afetando 15 crianças. As famílias também tinham dificuldade de acesso à água, o que prejudicava o cultivo nos quintais. Muita gente chegava a andar de 2 a 3 km para pegar água na cabeça.Com o trabalho da Pastoral da Criança, as famílias perceberam que era possível garantir a segurança alimentar e nutricional e que para isso era fundamental estarem organizadas. A Associação Comunitária dos Pequenos Produtores de João Congo resolveu então se unir em mutirão para fazer uma horta comunitária. Pela dificuldade de acesso à água, acharam melhor fazer próximo ao poço da comunidade em um terreno doado por Seu Manoel Gomes Machado. A horta atendia 25 famílias e cada uma tinha o seu canteiro. A troca de informações entre elas garantia a produção de alimentos de qualidade. O grupo tinha fartura e o excedente era até doado para o hospital da cidade.Apesar da boa produção, a distância entre as casas e a horta era grande, o que dificultava o trabalho. Edilene, mais conhecida como Édina, conta que muitas vezes a horta estava cheia de verduras, mas a distância era grande e sua família acabava comendo apenas arroz e feijão. Isso acontecia com outras

famílias, porque as mulheres não conseguiam cuidar da casa, das crianças e ainda cuidar da horta tão longe.Foi então que a Associação escreveu um projeto para o Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE) para que o cultivo passasse a ser no quintal das casas da comunidade. Este projeto contou com a parceria do Sindicato de Trabalhadores Rurais Assalariados e Agricultores Familiares de Varzelândia, da Cáritas Regional Minas Gerais e do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA-NM). Com o projeto aprovado e ainda com o incentivo do Instituto Marista de Solidariedade, o primeiro passo foi distribuir água para 35 famílias, num mutirão que construiu o encanamento da comunidade. As famílias receberam então auxílio para construir seus canteiros nos

Minas Gerais

Ano 6 | nº 916 | Outubro | 2012Varzelândia - Minas Gerais

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Diversidade Alimentar é Garantia de Vida

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A comunidade de João Congo unida em frente á farinheira

Produção garantida pelo banco de sementes comunitário

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quintais e formação em práticas alternativas, como homeopatia, horta em mandala, biofert i l izantes, adubos orgânicos, entre outros. Quando iniciaram as hortas, o grupo construiu também um viveiro coletivo para fornecimento de mudas frutíferas para o plantio nos quintais. A proximidade das hortas com as casas, a adoção de práticas agroecológicas e a partilha de conhecimentos contribuíram no aumento da diversidade produtiva e alimentar. O cultivo de hortaliças não convencionais, como taioba e inhame, o resgate de variedades antigas e a tomada de consciência do mal causado pelo uso de agrotóxicos são resultados de tudo isso. Hoje, o projeto atende a 53 famílias. Boa parte delas aprendeu com a Pastoral da Criança a reaproveitar todas as partes dos alimentos, como as sementes, folhas e talos. No início, houve resistência entre as pessoas, mas conforme foram aparecendo os resultados, principalmente no aumento do peso das crianças, a comunidade se deu conta da importância de uma boa alimentação. A união e organização da comunidade abriram as portas para novos projetos. A associação buscou junto à Cáritas Regional Minas Gerais a construção de uma casa de sementes, que possibilita o resgate e conservação de espécies e variedades crioulas. A construção da casa de farinha, por meio de um projeto com o apoio do Banco do Nordeste foi outro ganho para a comunidade, que sempre teve o hábito de cultivar e beneficiar mandioca.Com o excedente da produção, algumas famílias passaram a levar seus produtos para a feira. Iranete Martins conta que lá eles sofreram com a pressão dos atravessadores no início, que vendiam produtos de origem desconhecida. Para superar isso, eles então começaram a fazer propaganda dos benefícios da agricultura familiar camponesa para a saúde. Iranete diz que hoje tudo o que vai para a cidade vende rapidinho. Algumas famílias passaram também a vender alimentos para a merenda escolar através do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). As crianças elogiam muito mais a merenda agora e as famílias se sentem orgulhosas disso. Mesmo com avanços, os moradores ainda consideram baixo o acesso a este programa por causa das burocracias impostas. Os principais entraves são a emissão do cartão do produtor rural e da nota fiscal. A obrigação de entregar o ano todo mantendo o preço, mesmo com as dificuldades naturais, assim como a exigência dos baixos preços para entrar na concorrência também dificultam o acesso ao programa. A experiência da comunidade João Congo demonstra que é a partir de coisas simples que descobrimos a riqueza das coisas. Uma grande preocupação da comunidade tem sido a permanência da juventude no campo. Muitos jovens vão para as cidades estudar e acabam não voltando. O agricultor Edinam Pereira acredita que a luta da comunidade para que todas as famílias tenham água, hortas e pomares é uma forma de aumentar o amor pela terra, mantendo assim os jovens no campo. A comunidade segue no caminho certo para alcançar sua Segurança Alimentar e Nutricional e uma vida digna.

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A diversidade do quintal garante a segurança e a soberania alimentar

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Apoio:

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Cisternas

largura 11,5mm