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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
DISSOLUÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL:
POSSIBILIDADES E EFEITOS PATRIMONIAIS NO DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO
BRUNA CERVI BATTISTI ARCHER
Itajaí (SC) , novembro de 2009
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
DISSOLUÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL:
POSSIBILIDADES E EFEITOS PATRIMONIAIS NO DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO
BRUNA CERVI BATTISTI ARCHER
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como
requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Orientadora: Professora Dra. Claudia Regina Althoff Figueiredo
Itajaí (SC) , novembro de 2009
AGRADECIMENTO
À professora e orientadora Claudia Regina Althoff Figueiredo pela paciência, pelo convívio, pelo apoio, pela compreensão e pela amizade, fatores estes imprescindíveis para construir o presente trabalho. Agradeço também àquelas que dividiram comigo as angustias e também as alegrias, Adriana, Carolina, Maiara e Taise, por uma amizade que se construiu para além dos espaços da universidade. À todos vocês, um imenso obrigada.
DEDICATÓRIA
Como não poderia deixar de ser, dedico este trabalho ao meu pai – Jorge, e a minha mãe – Marisa, por todo o amor, carinho, paciência e credibilidade que sempre me deram. Aos meus amigos Edson, Jurema, Sara, Talita, Michael e Eduardo, pois mesmo que alguns destes estejam distantes, farão sempre parte da minha vida.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí (SC) , novembro de 2009
Bruna Cervi Battisti Archer Graduando
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale
do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Bruna Cervi Battisti Archer, sob o
título Dissolução da união estável: possibilidades e efeitos patrimoniais no direito
de família brasileiro, foi submetida em 16/10/2009 à banca examinadora
composta pelos seguintes professores: Dra. Claudia Regina Althoff Figueiredo
(presidente), e Maria de Lourdes Alves Lima Zanatta (examinadora), e aprovada
com a nota [Nota] ([nota Extenso]).
Itajaí (SC) , novembro de 2009
Professora Dra. Claudia Regina Althoff Figueiredo Orientador e Presidente da Banca
Professor a Msc. Maria de Lourdes Alves Lima Zanatta Coordenação da Monografia
ROL DE CATEGORIAS
Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à
compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.
Família
Trata-se de instituição jurídica e social, resultante de casamento ou união estável,
formada por duas pessoas de sexo diferente com a intenção de estabelecerem
uma comunhão de vidas e, via de regra, terem filhos a quem possam transmitir o
seu nome e seu patrimônio.1
Casamento
A união permanente entre o homem e a mulher, de acordo com a lei, a fim de se
reproduzirem, de se ajudarem mutuamente e de criarem os seus filhos.2
Concubinato
É de ver-se que o primeiro, concubinato puro ou concubinato, simplesmente, deve
merecer, por parte do Estado, completa proteção e regulamentação legal; já o
segundo, concubinato impuro ou concubinagem, não deve merecer apoio de
órgãos públicos e, mesmo, da sociedade. Entendemos, ainda, que deste não
deve surtir efeito, a não ser ao concubino de boa-fé, como acontece,
analogamente, com o casamento putativo, e para evitar-se locupletamento ilícito.3
União estável
É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher,
configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o
objetivo de constituição de família.4
1 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro : direito de família. v. 6. 6 ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. p. 2. 2 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. v. 2. 37 ed. São Paulo: Saraiva,
2004. p. 12. 3 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 190. 4 Artigo 1.723 do Código Civil de 2002.
SUMÁRIO
RESUMO ............................................................................................ 1
INTRODUÇÃO ................................................................................... 2
CAPÍTULO 1 ........................................ .............................................. 5
DA FAMÍLIA ........................................ ............................................... 5
1.1 CONCEITO DE FAMÍLIA ........................... ....................................................... 5
1.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A FAMILIA MODERNA NO DIREIT O BRASILEIRO ........................................ ................................................................ 11
1.2.1 NOÇÕES DE DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO .................................................... 13
1.3 PRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO ... .............................. 17
1.3.1 PRINCÍPIO DO RESPEITO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ................................ 18
1.3.2 PRINCÍPIO DA IGUALDADE JURÍDICA DOS CÔNJUGES E DOS COMPANHEIROS ........ 19
1.3.3 PRINCÍPIO DA IGUALDADE JURÍDICA DE TODOS OS FILHOS .................................. 19
CAPÍTULO 2 ........................................ ............................................ 21
DO CASAMENTO E DA UNIÃO ESTÁVEL ................... .................. 21
2.1 CASAMENTO NO DIREITO BRASILEIRO ............... ..................................... 21
2.1.1 DEFINIÇÃO E NATUREZA JURÍDICA .................................................................... 22
2.1.2 CARACTERÍSTICAS E FINALIDADE ..................................................................... 25
2.2 UNIÃO DE FATO NO DIREITO BRASILEIRO ........... .................................... 27
2.2.1 CONCUBINATO NO DIREITO BRASILEIRO ANTERIOR À CRFB/88 .......................... 29
2.2.2 CONCUBINATO PURO E IMPURO ........................................................................ 31
2.2.3 UNIÃO ESTÁVEL .............................................................................................. 33
2.2.3.1 Natureza jurídica.......................... ...................................................................... 33
2.2.3.2 Conceito .................................. ........................................................................... 34
2.2.3.3 Elementos constitutivos da união estável .. ..................................................... 35
2.2.3.3.1 Pressupostos subjetivos ......................................................................... 36
2.2.3.3.2 Pressupostos objetivos .......................................................................... 37
CAPÍTULO 3 ........................................ ............................................ 40
DA DISSOLUÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL .................... .................... 41
3.1 EFEITOS DA DISSOLUÇÃO DO CONCUBINATO E EVOLUÇÃO DO PROBLEMA NA JURISPRUDÊNCIA ATÉ A CRFB/88 .......... ............................. 41
3.2 SÚMULA 380 DO STF ............................. ....................................................... 44
3.3 POSSÍVEIS FORMAS DE DISSOLUÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL .................. 47
3.3.1 DISSOLUÇÃO CONSENSUAL DA UNIÃO ESTÁVEL ................................................. 48
3.3.2 AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL E SUA DISSOLUÇÃO ........................... 49
3.3.3 FALECIMENTO DE UM DOS COMPANHEIROS ....................................................... 50
3.3.4 CONVERSÃO DA UNIÃO ESTÁVEL EM CASAMENTO .............................................. 51
3.4 EFEITOS PATRIMONIAIS DA DISSOLUÇÃO DA UNIÃO EST ÁVEL ........... 52
3.4.1 ALIMENTOS .................................................................................................... 52
3.4.2 MEAÇÃO ........................................................................................................ 55
3.4.3 SUCESSÃO HEREDITÁRIA ................................................................................. 57
3.4.4 DIREITOS PREVIDENCIÁRIOS ............................................................................ 58
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................. ................................ 61
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ..................... ..................... 64
RESUMO
A presente monografia tem como objeto o estudo da
dissolução da união estável: possibilidades e efeitos no direito de família
brasileiro. Tem como objetivo institucional produzir Monografia para obtenção do
título de bacharel em Direito. O seu objetivo geral é pesquisar sobre a dissolução
da união estável: possibilidades e efeitos patrimoniais no direito de família
brasileiro, enquanto que possui como objetivos específicos discorrer sobre o
direito de família e a família moderna, bem como sua caracterização no direito
brasileiro; verificar o casamento e a união de fato no direito brasileiro, permitindo
um estudo mais centralizado da união estável; e pesquisar sobre a dissolução da
união estável, analisando suas possibilidades e efeitos patrimoniais no direito de
família brasileiro. Apresentam-se como hipóteses: 1 – A conceituação de família
nunca foi algo estático, e está em constante evolução; 2 – A Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988 define união estável como entidade
familiar estabelecida entre um homem e uma mulher; 3 – A dissolução da união
estável pode ocorrer: pela morte de um dos conviventes, pelo casamento, pela
vontade das partes e pelo rompimento da convivência e; 4 – Os efeitos
patrimoniais gerados pela dissolução da união estável são a necessidade de
divisão do patrimônio adquirido nesse período e o pagamento de alimentos ao
companheiro necessitado. Para melhor compreendimento do tema, o trabalho foi
dividido em três capítulos: 1º – Da família; 2º – Do casamento e da união estável;
3º – Da dissolução da união estável. O relatório dos resultados expresso no
presente trabalho é composto na base lógica indutiva. Verifica-se com a pesquisa
que as possibilidades de dissolução da união estável são: dissolução consensual,
ação de declaração da união estável e sua dissolução, falecimento de um dos
companheiros e conversão em casamento, enquanto que os efeitos patrimoniais
gerados são alimentos, meação, sucessão hereditária e direitos previdenciários.
Palavras chave : Entidade familiar. Família. União estável.
2
INTRODUÇÃO
A presente Monografia tem como objeto a dissolução da
união estável: possibilidades e efeitos patrimoniais no direito de família brasileiro.
Tem como objetivo institucional produzir Monografia para
obtenção do título de bacharel em Direito. O seu objetivo geral é pesquisar sobre
a dissolução da união estável: possibilidades e efeitos patrimoniais no direito de
família brasileiro, enquanto que possui como objetivos específicos discorrer sobre
o direito de família e a família moderna, bem como sua caracterização no direito
brasileiro; verificar o casamento e a união de fato no direito brasileiro, permitindo
um estudo mais centralizado da união estável; e pesquisar sobre a dissolução da
união estável, analisando suas possibilidades e efeitos patrimoniais no direito de
família brasileiro.
Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando do estudo
da família, conceituando-a e fazendo considerações sobre a família moderna no
direito brasileiro, passando-se a noções de direito de família brasileiro. Ao final
passa-se a analisar acerca dos princípios do direito de família brasileiro, dos quais
julgaram-se indispensáveis para este estudo: principio do respeito à dignidade da
pessoa humana, da igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros e da
igualdade jurídica de todos os filhos.
No Capítulo 2, tratando do casamento e da união estável,
analisa-se o casamento no direito brasileiro, sua definição e natureza jurídica,
bem como suas características e finalidade. Passa-se então ao estudo da união
de fato no direito brasileiro, explanando o concubinato no direito brasileiro anterior
à Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88, e é feito a
diferenciação entre concubinato puro e impuro, bem como a analise da união
estável, sua natureza jurídica, conceituação e elementos constitutivos.
No Capítulo 3, tratando da dissolução da união estável,
serão apresentados os efeitos da dissolução do concubinato e evolução do
3
problema na jurisprudência até a CRFB/88, destacando-se a Súmula 380 do
Supremo Tribunal Federal – STF, passando-se ao estudo, então, das possíveis
formas de dissolução da união estável, para, ao final, verificar-se os possíveis
efeitos patrimoniais da dissolução da união estável no direito de família brasileiro.
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as
Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos
destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões
sobre a dissolução da união estável, suas possibilidades e efeitos patrimoniais no
direito de família brasileiro.
Para a presente monografia foram levantadas as seguintes
hipóteses:
Hipótese nº 1 – A conceituação de família nunca foi algo
estático, e está em constante evolução.
Hipótese nº 2 – A CRFB/88 define união estável a entidade
familiar estabelecida entre um homem e uma mulher.
Hipótese nº 3 – A dissolução da união estável pode ocorrer:
pela morte de um dos conviventes, pelo casamento, pela vontade das partes e
pelo rompimento da convivência.
Hipótese nº 4 – Os efeitos patrimoniais gerados pela
dissolução da união estável são a necessidade de divisão do patrimônio adquirido
nesse período e o pagamento de alimentos ao companheiro necessitado.
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase
de Investigação5 foi utilizado o Método Indutivo6, na Fase de Tratamento de
5 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente
estabelecido[...]. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica . 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007. p. 101.
6 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica . p. 104.
4
Dados o Método Cartesiano7, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente
Monografia é composto na base lógica Indutiva.
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as
Técnicas do Referente8, da Categoria9, do Conceito Operacional10 e da Pesquisa
Bibliográfica11.
7 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE,
Eduardo de oliveira. A monografia jurídica . 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26.
8 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesqu isa jurídica . p. 62.
9 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesqu isa jurídica . p. 31.
10 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica . p. 45.
11 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesqu isa jurídica . p. 239.
CAPÍTULO 1
DA FAMÍLIA
Inicia-se a presente monografia com uma abordagem sobre
o que é família, em especial no direito de família brasileiro. Objetiva-se conceituá-
la, e fazer breves considerações sobre a família moderna, expondo, ainda, os
principais princípios do direito de família brasileiro no que concerne ao tema deste
trabalho.
1.1 CONCEITO DE FAMÍLIA
Sabiamente, Carlos Roberto Gonçalves12 lembra:
Já se disse, com razão, que a família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social. Em qualquer aspecto em que é considerada, aparece a família como uma instituição necessária e sagrada, que vai merecer a mais ampla proteção do Estado.
O vocábulo família pode ser usado em vários sentidos. Lato
sensu, o Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss define família como um grupo
de pessoas que tem uma ancestralidade comum ou que provém de um mesmo
tronco, ou ainda pessoas ligadas entre si pelo casamento e pela filiação (ou pela
adoção).
Entretanto, stricto sensu, para determinados fins, em
especial o direito sucessório, a família limita-se aos parentes consangüíneos em
linha reta e aos colaterais até o quarto grau. A legislação refere-se à família como
um núcleo mais restrito, formado por pais e a sua prole, esta então denominada
pequena família.
Para Carlos Roberto Gonçalves13: 12 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro : direito de família. p. 1.
6
Trata-se de instituição jurídica e social, resultante de casamento ou união estável, formada por duas pessoas de sexo diferente com a intenção de estabelecerem uma comunhão de vidas e, via de regra, terem filhos a quem possam transmitir o seu nome e seu patrimônio.
Maria Helena Diniz14 conceitua família tecnicamente como
grupo fechado de pessoas, composto dos pais e filhos, e para efeitos limitados,
de outros parentes, unidos pela convivência e afeto numa mesma econômica e
sob a mesma direção.
Certo é que a conceituação de família nunca foi algo
estático, e está em constante evolução, mudando de acordo com as percepções
da sociedade com o passar do tempo. Não existe um “modelo” de família. Apenas
no núcleo urbano, podem-se encontrar os mais variados tipos de família15: a
composta pelo esposo, esposa e seus filhos biológicos; o viúvo ou viúva e seus
filhos biológicos ou adotivos; pai ou mãe divorciados e seus filhos biológicos ou
adotivos; esposo e esposa, e filhos de casamentos anteriores; casais não
casados, com ou sem filhos; pessoas do mesmo sexo, com ou sem filhos,
biológicos ou adotivos, de um deles ou de cada um deles; a homossexual e o filho
da companheira falecida; avô e o neto; irmãs solteiras que vivem juntas etc.
A CRFB/88 estabelece a estrutura da entidade familiar,
porém não a define, visto que não há identidade de conceitos tanto no direito
como na sociologia.
O artigo 226 da CRFB/88:
A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...]
13 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro : direito de família. p. 2. 14 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro : direito de família. v. 5. 16 ed. São Paulo:
Saraiva, 2001. p. 13. 15 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito civil . v. 5. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 8.
7
§3° Para efeito da proteção do Estado, é reconhecid a a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento.
§4° Entende-se, também, como entidade familiar a co munidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. [...].
O referido artigo consagra proteção do Estado à família,
compreendendo como esta não somente a fundada no casamento, mas também
a união de fato e qualquer dos pais e seus descendentes.
Roberto Senise Lisboa16 leciona que:
Em sentido estrito, a doutrina vem se utilizando da expressão “entidade familiar” para designar a união estável e a relação entre o ascendente e o descendente. Cumpre observar, no entanto, que essa figura designa qualquer relação familiar e o constituinte poderia ter contemplado outras situações jurídicas de parentesco, além das que evidenciou.
Diante do exposto, tem-se que a atual legislação brasileira
reconhece o casamento como família, e como entidade familiar a união estável e
a relação monoparental.
Apesar de não ser este o objetivo, a Lei n° 11.340/ 2006
(conhecida também como Lei Maria da Penha) alterou ainda mais o conceito de
família, abrangendo outras formas de família além das já elencadas na CRFB/88.
O artigo 5° da referida lei dispõe:
Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I – [...];
16 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil : direito de família e das sucessões. v. 5. 3 ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 44.
8
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa [...].
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
A lei ainda confere ao casamento uma extensa normatização
se comparada às outras entidades familiares, conforme se verá mais adiante.
Lisboa17 concorda, e afirma que:
O casamento mantém-se como o fundamento da sociedade contemporânea, apesar do descrédito que é lançado invariavelmente sobre essa instituição e da desagregação cada vez maior das famílias, deixando-se a prole sob os cuidados de um dos genitores (em regra, a cônjuge virago), que se encontra acompanhado de um novo consorte.
A união estável, instituto a ser analisado mais
profundamente ao longo deste trabalho, é, sucintamente, uma união constituída
por pessoas de sexos diferentes, por período prolongado e contínuo, com
conhecimento público, com objetivo de formar família.
A relação monoparental, ainda prevista na CRFB/88, é
entidade familiar constituída por qualquer dos genitores e seus descendentes,
sem a existência presente do vínculo matrimonial daquele com outrem.
Não havendo apenas um tipo de família, também não é
possível uma estrutura única, e vários autores constroem modelos teóricos das
suas possíveis variações, para que seja possível a compreensão de sua trajetória,
e então seu estudo mais detalhado. Para Lisboa18 o simples fato de o constituinte
ter se limitado a prever três categorias de entidades familiares não pode se
constituir numa proibição de reconhecimento, já que ao regular as citadas
categorias, não excluiu a possibilidade da existência de outras.
17 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil : direito de família e das sucessões. p. 45. 18 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil : direito de família e das sucessões. p. 46.
9
Classificam-se inicialmente de duas formas as entidades
familiares no Direito, segundo Fabio Ulhoa Coelho19. São duas categorias: as
constitucionais e as não-constitucionais. A primeira categoria se constitui dos 3
tipos de família citados pela CRFB/88 (casamento, união estável do homem e da
mulher e família monoparental). Já as famílias não-constitucionais são todas as
outras não lembradas pelo constituinte, e cita-se como exemplo as derivadas de
parcerias entre pessoas do mesmo sexo e as famílias não monogâmicas.
A única diferença entre as duas categorias de família, para
Coelho20, diz respeito à possibilidade de a lei ordinária estabelecer restrições
específicas.
Se for um dia disciplinar a parceria de pessoas de mesmo sexo, por exemplo, a lei pode dispor validamente sobre a participação do parceiro sobrevivente na herança do falecido, instituindo quotas inferiores à que atribui ao cônjuge na sucessão da pessoa casada.
Ou seja, não existiria nenhuma inconstitucionalidade nessa
diferenciação feita, já que a entidade familiar com pessoas do mesmo sexo é uma
família não-constitucional.
Orlando Gomes21 entende que a família deriva de três
fontes, sendo elas o casamento, o concubinato e a adoção, e gera em
conseqüência três espécies de família: a família legítima, a família natural e a
família adotiva. Propõe que o vocábulo família deveria ser usado para designar
somente a família legítima:
Entende-se que somente o grupo oriundo do casamento deve ser denominado família, por ser o único que apresenta os caracteres de moralidade e estabilidade necessários ao preenchimento de sua função social. Mas é forçoso reconhecer que uniões constituídas fora do casamento, à sua imagem e semelhança, também justificam a designação e merecem proteção jurídica.
19 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito civil . p. 15. 20 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito civil . p. 15. 21 GOMES, Orlando. Direito de família . 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p .33.
10
A família ainda pode ser dividida em vários caracteres,
segundo Maria Helena Diniz22. São divididos entre caráter biológico, psicológico,
econômico, religioso, político e jurídico. É biológico, pois a família é um
agrupamento natural, onde o homem nasce em uma família, cresce nela e depois
constitui outra, e assim sucessivamente. Psicológico porque possui um elemento
espiritual, unindo os componentes do grupo e que é o amor familiar23. Econômico
em razão de ser a família o grupo pelo qual o homem se mune de elementos
necessários à sua realização material, intelectual e espiritual. Religioso, uma vez
que a família é um ser eminentemente ético ou moral, principalmente por
influencia do cristianismo, não perdendo esse caráter com a laicização do
direito24. Ainda é político, por a família ser a célula da sociedade. E por fim, possui
caráter jurídico, já que sua estrutura é regulada por normas jurídicas, onde em
conjunto, constituem o direito de família.
Orlando Gomes25 discorda, onde propõe que a família
moderna não tem mais, como unidade, significação política ou econômica.
Seu caráter político desapareceu com o princípio da igualdade civil e política, de sorte que, atualmente, ninguém tem situação jurídica particular pelo fato de pertencer a uma família. Deixou de ser, igualmente, unidade econômica, que produzia para o próprio consumo. A economia doméstica está praticamente eliminada pela economia de mercado.
A família vai se desintegrando e ganha um novo sentido,
mas não se anula como célula da sociedade. A medida que vão se contraindo as
funções da família, o Estado intervém para protegê-la e assisti-la, tentando
fortalecer os laços naturais que atam os membros do grupo.
22 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro : direito de família. p. 11.
23 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro : direito de família. p. 12. 24 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro : direito de família. p. 12. 25 GOMES, Orlando. Direito de família . p. 1.
11
1.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A FAMÍLIA MODERNA NO DIREIT O
BRASILEIRO
O conceito de família era demasiadamente limitado no
Código Civil de 1916 – CC/1916, pois este somente definia como família aquela
originada do matrimônio indissolúvel, de modelo patriarcal e hierarquizada.
Somente o filho havido na constância do casamento era considerado legítimo,
sendo considerado ilegítimo o filho nascido da união de fato.
[...] ao passo que o moderno enfoque pelo qual é identificada tem indicado novos elementos que compõem as relações familiares, destacando-se os vínculos afetivos que norteiam a sua formação26.
A Lei 6.515/77, também conhecida como Lei do Divórcio,
além de regular a dissolução do vínculo, criou a possibilidade de um novo
casamento, sendo que anteriormente a esta legislação só era possível uma nova
união se o casal optasse pela união de fato.
Com o advento da CRFB/88 houve uma profunda alteração
deste conceito, que era até então predominante na nossa legislação. A nova
Constituição adotou uma nova ordem de valores, privilegiando a dignidade da
pessoa humana, realizando verdadeira revolução no Direito de Família, a partir de
três eixos básicos27.
Os três eixos seriam: primeiro, que a entidade familiar agora
é plural e não mais singular, tendo várias formas de constituição além do
casamento; segundo, é a alteração do sistema de filiação, de sorte a proibir
designações discriminatórias decorrentes do fato de ter a concepção ocorrido
dentro ou fora do casamento28, e a terceira grande mudança seria consagrar o
26 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro : direito de família. p. 16 - 17. 27 PEREIRA, Rodrigo da Cunha e DIAS, Maria Berenice. Direito de família e o novo código civil.
Belo Horizonte: Del Rey/ IBDFAM, 2001. Prefácio. 28 PEREIRA, Rodrigo da Cunha e DIAS, Maria Berenice. Direito de família e o novo código civil.
Prefácio.
12
princípio da igualdade entre homens e mulheres, derrogando-se assim mais de
uma centena de artigos do CC/1916.
A CRFB/88 abriu ainda outros novos horizontes ao instituto
jurídico da família, como leciona Carlos R. Gonçalves29, quando dedicou especial
atenção ao planejamento familiar e à assistência direito à família, no artigo 226
parágrafos 7° e 8°:
A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§1° - [...]
§7° - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
§8° - O estado assegurara a assistência à família n a pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
No que diz respeito ao planejamento familiar, o legislador
enfrentou o problema da limitação da natalidade, fundando-se nos princípios da
dignidade humana e da paternidade responsável, proclamando competir ao
Estado propiciar os recursos para o exercício desse direito. Também não
desconsiderou o crescimento populacional desordenado, e entendeu que cabe ao
casal a escolha dos critérios e dos modos de agir.
No tocante à assistência direto à família, o constituinte
incumbiu a todos os órgãos, instituições e categorias sociais esforços para a
efetivação da norma constitucional, na tentativa de afastar o fantasma da miséria
absoluta que ronda considerável parte da população nacional30.
29 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro : direito de família. p. 17. 30 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro : direito de família. p. 17.
13
Todas as mudanças já citadas somente contribuíram para
com a nossa legislação, e levaram à aprovação do Código Civil de 2002, onde
este convoca os pais a terem uma paternidade responsável, e a assunção de uma
realidade familiar concreta, onde os vínculos de afeto se sobrepõem à verdade
biológica31, onde se prioriza a família socioafetiva, a não discriminação de filhos, a
responsabilidade de ambos os pais no poder familiar, a igualdade entre os
cônjuges etc.
[...] a alterações pertinentes ao direito de família, advindas da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002, demonstram e ressaltam a função social da família no direito brasileiro32.
1.2.1 Noções de direito de família brasileiro
O Direito de família, mais do que qualquer outra área do
Direito, sofre constantes mudanças. Se fosse estático, seu imobilismo contrariaria
a evolução da sociedade, e, consequentemente, da família. Maria Helena Diniz33
salienta que:
[...] o direito de família, devido a sua singularidade, submete-se a critérios, técnicas e princípios que são estranhos ou tidos como inválidos aos demais ramos do Direito civil, desenvolvendo-se, por isso, à margem da sistematização do Código Civil, em razão das mutações por que passou e continua passando.
Constitui o direito de família, segundo Clovis Beviláquia34:
O complexo de normas que regulam a celebração do casamento, sua validade e os efeitos que dele resultam, as relações pessoais e econômicas da sociedade conjugal, a dissolução desta, as
31 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro : direito de família. p. 18. 32 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro : direito de família. p. 19. 33 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro : direito de família. Prefácio. 34 BEVILÁQUIA, Clóvis apud DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro : direito de
família. p. 1.
14
relações entre pais e filhos, o vínculo do parentesco e os institutos complementares da tutela, curatela e da ausência.
É o ramo do direito civil que diz respeito às relações entre
pessoas unidas pelo casamento, pela união estável, ou pelo parentesco, e ainda,
claro, aos institutos complementares já citados acima.
Possível é identificar na sociedade conjugal estabelecida
pelo casamento três ordens de vínculos: o conjugal, existente entre os cônjuges;
o de parentesco, que reúne os demais integrantes da família em torno de um
tronco ancestral comum; e o de afinidade, estabelecido de um cônjuge com os
parentes do outro. O direito de família regula as relações entre os seus diversos
membros e as conseqüências que delas resultam para as pessoas e bens35.
As relações jurídicas na família são, para Fabio Ulhoa
Coelho36, de um lado horizontais, e de outro, verticais.
As relações horizontais são as de conjugalidade, empregada a expressão aqui num sentido muito amplo, que abarca todos os enlaces entre duas pessoas adultas (não irmãs) voltadas à organização da vida em comum [...]
As relações verticais são as de ascendência e descendência, como as que unem pais aos filhos, avós aos netos etc.
São relações horizontais de família os casados, os que
convivem em união estável, em união livre, e pessoas do mesmo sexo em
comunhão de vida. Dizem respeito, geralmente, aos vínculos fundadores de novo
núcleo familiar. Geralmente porque não são os únicos vínculos fundadores de
uma nova família, já que esta também pode ser formada por relações verticais,
como já explicado anteriormente.
Enquanto as relações horizontais são atualmente
voluntárias, porque acontecem somente se os dois sujeitos de direito querem ficar
35 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro : direito de família. p. 2. 36 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito civil. p. 11.
15
juntos, as verticais são obrigatórias, pelo menos pelo lado dos descendentes. Isso
porque os pais podem escolher ter ou não filhos.
A relação vertical, quando existente, é imposta aos pais e filhos, que dela não podem desligar-se. Enquanto não alcança sua independência material e psicológica, o filho tem direito de ser educado, criado e assistido pelos pais37.
Desta maneira dita a CRFB/88, artigo 229:
[...] os pais tem o dever de assistir, criar, e educar os filhos menores, e os filhos maiores tem o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
Assim, depois do filho se tornar independente, continua
preso à relação vertical, que o enlaça por toda a vida dos pais, já que é seu dever
cuidar destes na velhice.
Essas são as principais relações familiares, existindo, além
das horizontais e verticais, as relações colaterais e as de afinidade. Colaterais são
aquelas relações de fraternidade, entre irmãos, ou a existente entre tios e
sobrinhos. Já as relações de afinidade são estabelecidas pelo casamento entre
cada cônjuge e os parentes consanguíneos do outro.
Um estatístico dificilmente consideraria existir família no vínculo de dois irmãos adultos moradores de cidades diferentes[...] Para o direito, no entanto, tais relações são familiares: serão devidos alimentos se um irmão precisar e o outro tiver meios para os prover38.
Essas duas relações (colaterais e de afinidade)
correspondem a situações de fato de menor relevância, já que há um maior
numero de conflito de interesses em torno das relações horizontais ou verticais.
37 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito civil . p.12. 38 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito civil . p. 13.
16
Para o direito de família, família é o conjunto de dois ou mais sujeitos ligados por
essas especificas relações jurídicas39.
Importante dizer que a pessoa pode ter mais de uma família,
como no caso do filho de pais divorciados, que integra duas famílias
monoparentais, caso nenhum dos genitores tenha se casado novamente ou faça
parte de união estável.
Além da superação do fundamento biológico dos vínculos familiares, outra forte tendência do direito de família aponta para a primazia da afeição. A família, dispensada das pesadas funções que vinha e, em certa medida, vem exercendo, tem meios para ser, enfim, o espaço da afetividade. Essa tendência tem sido chamada de despatrimonializaçao do direito de família. Esse ramo jurídico, realmente, se dedica cada vez mais a questões como direito de visita, guarda conjunta, primazia dos interesses dos filhos [...]40.
Somente quando houver sistemas sociais consolidados de
recuperação da força de trabalho e assistência à velhice a família poderá dedicar-
se exclusivamente a promoção da efetividade e liberar-se por completo de
funções patrimoniais. Até lá, institutos como alimentos e regimes de bens do
casamento continuarão a ser o centro das atenções desse ramo jurídico41.
O CC/2002 destina o Livro IV da Parte Especial ao direito de
família. Sob o titulo “Do direito pessoal”, trata das regras sobre o casamento, sua
celebração, validade, causas de dissolução, e também da proteção da pessoa
aos filhos. Ainda versa sobre as relações de parentesco, onde enfatiza a
igualdade plena entre os filhos garantida pela CRFB/8842.
Com o segundo título, “Do direito patrimonial”, trata do direito
patrimonial decorrente do casamento, dando ênfase ao regime de bens e aos
39 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito civil p. 13. 40 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito civil . p. 14. 41 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito civil . p. 14. 42 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro : direito de família. p. 3.
17
alimentos entre parentes, cônjuges e conviventes. Disciplina também o usufruto e
a administração dos bens de filhos menores, bem como o bem de família.
O casamento é sem dúvida o centro de onde surgem todas
as normas básicas do direito de família, que constituem o direito matrimonial. Este
abrange as normas concernentes à validade do casamento, às relações pessoais
entre os cônjuges, com a imposição de direitos e deveres recíprocos, bem como
as sua relações econômicas, que chegam até a constituir um autentico instituto43,
(o regime de bens entre os cônjuges) e a dissolução da sociedade conjugal e do
vinculo matrimonial.
O terceiro título do Livro IV do CC/2002 é dedicado à união
estável e seus efeitos, agora reconhecida como entidade familiar pela CRFB/88.
Em cinco artigos o novo diploma incorporou os princípios básicos das Leis n. 8.971/94 e 9.278/96, que agora tem caráter subsidiário. Trata, nesses dispositivos, dos aspectos pessoais e patrimoniais, deixando para o direito das sucessões o efeito patrimonial sucessório44.
Já o titulo IV cuida dos institutos protetivos da tutela e
curatela. Vale salientar que a ausência, antes situada neste titulo no CC/1916, foi
deslocada para a Parte Geral do CC/2002.
1.3 PRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO
O CC/2002, procurando seguir as evoluções sociais e os
bons costumes, incorporou mudanças legislativas surgidas das ultimas décadas
do século passado em seu texto. Assim, adveio atualizado a regulamentação dos
aspectos essenciais do direito de família à luz dos princípios e normas
constitucionais45.
43 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro : direito de família. p. 4 - 5. 44 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro : direito de família. p. 4. 45 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro : direito de família. p. 5.
18
As alterações introduzidas visam preservar a coesão familiar e os valores culturais, conferindo-se à família moderna um tratamento mais consentâneo à realidade social, atendendo-se às necessidades da prole e de afeição entre os cônjuges ou companheiros e aos elevados interesses da sociedade46.
Dito isto, será brevemente explanado agora, em função do
tema da presente monografia, os principais princípios pelo que se rege o direito
de família brasileiro.
1.3.1 Princípio do respeito à dignidade da pessoa h umana
Este princípio surgiu em decorrência do disposto no artigo
1°, inciso III, da CRFB/88. Ele constitui base da comunidade familiar, garantindo
o pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus membros,
principalmente da criança e do adolescente47.
As relações jurídicas privadas familiares devem sempre se orientar pela proteção da vida e da integridade biopsíquica dos membros da família, consubstanciada no respeito e asseguramento dos seus direitos da personalidade48.
Gustavo Tepedino49 explica que a milenar proteção da
família como instituição, unidade de produção e reprodução dos valores culturais,
éticos, religiosos e econômicos, dá lugar à tutela essencialmente funcionalizada à
dignidade de seus membros, em especial no que diz respeito ao desenvolvimento
da personalidade dos filhos.
46 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro : direito de família. p. 6. 47 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro : direito de família. p. 21. 48 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito divil : direito de damília e das sucessões. p. 46. 49 TEPEDINO, Gustavo. A disciplina civil-constitucional das relações fami liares . A nova
família: problemas e perspectivas. Coordenação de Vicente Barretto. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 48-49.
19
1.3.2 Princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros
Foi estabelecido pelo artigo 226, parágrafo 5° da C RFB/88
que os direito e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos
igualmente pelo homem e pela mulher.
Tal regulamentação acabou com o poder marital e com o
sistema de “encapsulamento” da mulher, que antes era restrita a tarefas
domesticas e à procriação. O artigo 233 do Código Civil de 1916 proclamava que
o marido era o chefe da sociedade conjugal.
O patriarcalismo não mais se coaduna, efetivamente, com a época atual, em que grande parte dos avanços tecnológicos e sociais estão diretamente vinculados às funções da mulher na família e referendam a evolução moderna, confirmando verdadeira revolução no campo social.
Em razão da isonomia estabelecida pela CRFB/88, o
CC/2002 disciplinou somente os direitos de ambos os cônjuges, afastando as
diferenças antes existentes, pois os tempos atuais requerem que a mulher seja a
colaboradora do homem, e não sua subordinada.
1.3.3 Princípio da igualdade jurídica de todos os f ilhos
O artigo 227, parágrafo 6°, da CRFB/88 assim dispõe :
Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
O referido artigo estabeleceu absoluta igualdade entre todos
os filhos, não admitindo mais a distinção entre filiação legítima ou ilegítima, (de
pais casados ou não), e adotiva, que antes existia no CC/1916.
20
O princípio ora em estudo não admite distinção entre filhos legítimos, naturais e adotivos, quanto ao nome, poder familiar, alimentos e sucessão; permite o reconhecimento, a qualquer tempo, de filhos havidos fora do casamento; proíbe que conste no assento do nascimento qualquer referencia à filiação ilegítima; e veda designações discriminatórias relativas à filiação50.
Deste modo, a única diferença entre as categorias de filiação
seria o ingresso, ou não, no mundo jurídico, por meio do reconhecimento, logo
somente se poderia falar em filho matrimonial ou não matrimonial reconhecido e
não reconhecido51.
De acordo com o exposto, pode-se observar que a
conceituação de família varia de acordo com as concepções de cada doutrinador,
não existindo um conceito único. Ainda, com a CRFB/88, além do casamento,
foram legalizados como entidade familiar as uniões estáveis e a relação
monoparental.
Foram ainda abordadas noções, e o que é direito de família,
a família no CC/2002 e destacados alguns dos princípios do direito de família
brasileiro que dizem respeito ao presente trabalho, como o princípio do respeito à
dignidade da pessoa humana, o princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e
dos companheiros e o princípio da igualdade jurídica de todos os filhos.
No capítulo que segue, então, será feito um estudo mais
detalhado sobre o casamento e a união estável.
50 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 8. 51 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 18.
CAPÍTULO 2
DO CASAMENTO E DA UNIÃO ESTÁVEL
A finalidade do presente capítulo é fazer um breve estudo
sobre o casamento e a união de fato no direito brasileiro, com os seus efeitos
legais, características e finalidades.
Será discorrido ainda sobre as uniões de fato anteriormente
à CRFB/88, quando ainda se usava a nomenclatura concubinato puro e impuro, e
sua natural mudança de terminologia após a citada legislação.
2.1 CASAMENTO NO DIREITO BRASILEIRO
Não há uniformidade nas legislações e na doutrina sobre o
conceito de casamento, dado suas inúmeras definições.
O Direito Romano legou duas definições clássicas. A
definição de Modestino, citada posteriormente, destaca o caráter religioso e a
perenidade da união. Nas Institutas està a definição adotada pela Igreja, da época
de Justiniano: “Nuptiae autem sive matrimonium est viri et mulieris coniunctio
individuam vitae consetudinem continens” (ou seja: As núpcias são a união do
marido e da mulher em consórcio para toda a vida, pelo direito humano e pelo
direito divino).52
Desapareceram a alusão à divindade e à perenidade do
vínculo, e as definições contemporâneas levam mais em consideração a relação
jurídica do que propriamente a celebração, como será visto mais adiante.
Para Silvio de Salvo Venosa53, é evidente que a
conceituação de casamento não pode ser imutável. O autor da como exemplo no
52 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 39. 53 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 39.
22
passado, quando inexistente o divorcio, era cabível nas definições à
indissolubilidade do vínculo. Logo, a noção de casamento não pode ser imutável,
como sói acontecer com a compreensão de todos os fenômenos sociais que se
modificam no tempo e no espaço. Ainda destaca que:
O casamento é o centro do direito de família. Dele irradiam suas normas fundamentais. Sua importância, como negocio jurídico formal, vai desde as formalidades que antecedem sua celebração, passando pelo ato material de conclusão até os efeitos do negocio que deságuam nas relações entre os cônjuges, os deveres recíprocos, a criação e assistência material e recíproca da prole etc.”.54
Para melhor entendimento deste instituto, será explanado
então sua definição e natureza jurídica, bem como suas características e
finalidade.
2.1.1 Definição e natureza jurídica
Assim como a família, o casamento varia com o passar do
tempo e com os povos, havendo portanto inúmeras definições para este instituto
social.
Muitas destas definições surgiram a partir da definição de
Modestino: Nuptiae sunt conjunctio maris et feminae, consortium omnis vitae,
divini et humani juris communicatio, ou seja, casamento é a conjunção do homem
e da mulher, que se unem para toda a vida, a comunhão do direito divino e do
direito humano.55
Washington de Barros Monteiro56 conceitua casamento
como sendo: A união permanente entre o homem e a mulher, de acordo com a lei,
a fim de se reproduzirem, de se ajudarem mutuamente e de criarem os seus
filhos.
54 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 40. 55 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. v.6. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 19. 56 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil p. 12.
23
Atualmente, não é necessário fazer menção à prole, porque
embora normalmente os cônjuges objetivem filhos, a falta deles não afeta o
casamento. Desta forma entende Gonçalves57, com o seguinte exemplo:
[...] podem casar-se pessoas que, pela idade avançada ou por questões de saúde, não tem condições de procriar. E nunca se pensou em anular todos os casamentos de que não advenha prole.
Apresentando noção de contrato, Lafayette Rodrigues
Pereira58 conceitua o instituto como um ato solene pelo qual duas pessoas de
sexo diferente se unem para sempre, sob promessa recíproca de fidelidade no
amor e da mais estreita comunhão de vida.
A natureza jurídica do casamento é um tema controvertido,
já que não há um consenso a seu respeito na doutrina. A concepção clássica,
também chamada de individualista ou contratualista, considera o casamento um
contrato, cuja validade e eficácia decorrem somente da vontade das partes.59
Silvio Rodrigues60 esclarece que a corrente contratualista
floresceu a partir do começo do século XVIII, e representa uma reação à idéia de
caráter religioso, que via no casamento um sacramento. Ensina que:
A doutrina contratual trazia conseqüências importantes, pois, se o casamento representava mero contrato, ele necessariamente poderia dissolver-se por um distrato. Assim, a sua dissolução ficaria na dependência do mutuo consentimento.
Em sentido contrário a teoria contratualista, surge a teoria
institucionalista. Tal concepção defende que matrimonio é uma instituição social,
sendo que o caráter que prevalece no casamento é o institucional. Lafayette61 se
57 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 23. 58 PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direitos de família. 4 ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1945.
p. 34. 59 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 24. 60 RODRIGUES, Silvio. Direito civil : direito de família. p. 20. 61 PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direitos de família. p. 34.
24
posiciona desta maneira: O casamento atenta a sua natureza íntima, não é um
contrato, antes difere dele profundamente, em sua constituição, no seu modo de
ser, na duração e alcance de seus efeitos.
Da junção destas duas teorias surge uma terceira
concepção, de natureza mista, que considera o casamento um ato complexo, que
é ao mesmo tempo contrato e instituição. Silvio Rodrigues62 ensina:
Em rigor, se a mera idéia de um contrato, semelhante aos demais contratos do direito privado, não é suficiente para explicar a natureza do casamento, pelo menos como a lei o disciplina, o conceito de instituição, na forma acima exposta, tampouco basta para explicá-la. Trata-se, sem dúvida, de ato complexo, em que se une o elemento volitivo ao elemento institucional.
O Código Civil de 2002, em seu artigo 1.535, esclarece:
Presentes os contraentes, em pessoa ou por procurador especial, juntamente com as testemunhas e o oficial do registro, o presidente do ato, ouvida aos nubentes a afirmação de que pretendem casar por livre e espontânea vontade, declarará efetuado o casamento, nestes termos: “De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados”.
Conclui Pontes de Miranda63 que o matrimônio se faz por
meio de contrato, mas contrato de direito de família, no caso de celebração
confessional, conforme a concepção do seu direito matrimonial. Mas o registro
civil confere ao casamento existência jurídica e efeitos civis, e tais efeitos,
destaca, não são de regra contratuais – resultam do instituto mesmo.
Logo, tem-se que o casamento é instituição, onde os
cônjuges ingressam por livre e espontânea vontade, na forma prevista pela lei,
motivo pelo qual se dá ao casamento a natureza jurídica de contrato de direito de
62 RODRIGUES, Silvio. Direito civil : direito de família. p. 20. 63 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito de família. v. I. 3 ed. São
Paulo: Max Limonad, 1947. p. 94.
25
família, podendo diferenciar-se então o contrato de casamento dos outros
contratos de direito privado.
2.1.2 Características e finalidade
O casamento possui diversas características, algumas
peculiares a determinados sistemas jurídicos, podendo ser destacados os
seguintes caracteres:
a) É ato eminentemente solene, já que o casamento é um
dos atos mais repletos de formalidades do direito civil. Tais formalidades servem
para dar mais segurança ao ato, garantir sua validade e enfatizar sua seriedade.
O ato matrimonial inicia com o processo de habilitação e publicação dos editais,
desenvolve-se na cerimônia em que é celebrado e prossegue no registro no livro
próprio. Observa Gonçalves64 que o não cumprimento das formalidades exigidas
tornam o ato inexistente.
b) As normas que o regulamentam são de ordem pública, e
consequentemente, não podem ser derrogadas por convenções particulares.
Silvio Rodrigues65 explica sobre as normas que regulam o casamento:
[...] impondo deveres aos cônjuges, regulando o comportamento de cada qual, visando não só assegurar a harmonia do casal, como também garantir o melhor meio de preservar um instituto cuja sobrevivência representa a própria sobrevivência do Estado.
c) Estabelece comunhão plena de vida, com base na
igualdade de direitos e deveres dos cônjuges, dita o artigo 1.511 do CC/2002. São
deveres de ambos os cônjuges: fidelidade recíproca; vida em comum, no domicilio
conjugal; mútua assistência; sustento, guarda e educação dos filhos; respeito e
consideração mútuos, conforme artigo 1.566 do CC/2002. Para Gonçalves66:
A aludida comunhão está ligada ao princípio da igualdade substancial, que pressupõe o respeito à diferença entre os
64 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 27. 65 RODRIGUES, Silvio. Direito civil : direito de família. p. 22. 66 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 28.
26
cônjuges e a conseqüente preservação da dignidade das pessoas casadas.
d) Exige diversidade de sexos. A CRFB/88 somente admite
casamento entre homem e mulher, sendo a diferença de sexo um requisito do
matrimônio, a ponto deste ser considerado inexistente.
e) Não comporta termo ou condição, constituindo assim
negócio jurídico puro e simples.67
f) Permite liberdade de escolhe do nubente, sendo esta uma
característica advinda do seu caráter pessoal. É reconhecido que a liberdade de
casar-se corresponde a um direito de personalidade, pois tutela um interesse
fundamental do homem, garantido pelo artigo 16 da Declaração Universal dos
Direitos do Homem. De acordo com Oliveira68, além de ser um princípio
fundamental, a liberdade nupcial possui ordem pública, pelo que se considera
inadmissível a restrição à liberdade pessoal de casar a inserção de cláusula de
celibato ou e viuvez em determinados contratos ou em testamento.
No tocante as finalidades do casamento, Silvio Rodrigues69
enumera três delas: disciplinação das relações sexuais entre os cônjuges;
proteção a prole; e mútua assistência. Já Gonçalves70 ensina que:
São múltiplas as finalidades do casamento e variam conforme a visão filosófica, sociológica, jurídica ou religiosa como são encaradas. Segundo a concepção canônica [...], o fim principal do matrimonio consiste na procriação e educação da prole; e o secundário, na mútua assistência e satisfação sexual.
A corrente individualista, ao invés, prega que o único
objetivo do matrimonio é o amor físico, ou seja, a satisfação sexual. Arnaldo
67 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 28. 68 OLIVEIRA, José Lamartine Correa de. Direito de família. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris
Ed., 1990. p. 123-124. 69 RODRIGUES, Silvio. Direito civil : direito de família. p. 22. 70 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 30.
27
Rizzardo71 entende que tal concepção desvaloriza a dignidade da união, porque
embora o instinto sexual possa funcionar como mola propulsora, é o amor que
une um homem e uma mulher, e a pretensão a um direcionamento comum na
vida que são os motivos ou finalidades principais do casamento.
Assim também concorda Monteiro72, quando demonstra seu
ponto de vista em questão de a procriação ser a exclusiva finalidade do
casamento:
[...]deixa sem explicação plausível o casamento in extremis vitae momentis e o de pessoas em idade avançada, já privadas da função reprodutora. Além disso, aceito que a reprodução constitua o fim exclusivo do matrimonio, ter-se-á logicamente de concluir pela anulação de todos os casamentos em que não advenha prole [...].
O Artigo 1.511 do CC/2002 não deixa dúvidas quanto a
principal finalidade do casamento, que é estabelecer uma comunhão plena de
vida, advinda pelo amor existente entre o casal e baseada na igualdade de
direitos e deveres dos cônjuges e na mutua assistência.
2.2 UNIÃO DE FATO NO DIREITO BRASILEIRO
A união de fato entre o homem e a mulher, sem casamento,
foi por muito tempo chamada de concubinato – também conhecido como união
livre. De acordo com Monteiro73, o conceito generalizado de concubinato tem sido
o de vida prolongada em comum, sob o mesmo teto, com a aparência de
casamento.
A expressão concubinato é popularmente sinônimo de união
livre, à margem da lei e da moral. Carlos R. Gonçalves74 cita a lição de Errazuriz:
71 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 25. 72 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. p. 14-15. 73 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. p. 30-31. 74 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 547.
28
Para os efeitos legais, não apenas são concubinos os que mantém vida marital sem serem casados, senão também os que contraíram matrimonio não reconhecido legalmente, por mais respeitável que seja perante a consciência dos contraentes, como sucede com o casamento religioso; os que celebram validade no estrangeiro um matrimonio não reconhecido pelas leis pátrias; [...]. Os problemas do concubinato incidem, por conseguinte, em inúmeras situações, o que contribui para revesti-los da máxima importância.
A grande diferença da união livre para o casamento é a
liberdade de descumprir os deveres inerentes ao segundo. Elucida Gonçalves75
que a doutrina clássica esclarece que o estado de concubinato pode ser rompido
a qualquer instante, não importando o tempo de sua duração, sem que ao
concubino abandonado tenha direito a indenização pelo simples fato da ruptura.
Savatier76 entende que a união livre significa a deliberação
de rejeitar o vínculo matrimonial, com o escopo de não assumir compromissos
recíprocos. Nenhum dos concubinos poderia se queixar, então, que o outro tenha
se valido dessa liberdade.
O matrimônio contrapõe-se ao companheirismo, diz Maria
Helena Diniz77, já que o segundo consiste numa união livre e estável de pessoas
livres de sexos diferentes, que não estão unidas pelo casamento civil. A autora
ilustra que a CRFB/88, em seu artigo 226, além de conservar como sendo família
aquela fundada no casamento, reconhece também como entidade familiar a união
estável, e complementa:
Com isso, a união estável perde o status de sociedade de fato e ganha o de entidade familiar, logo não pode ser confundida com a união livre, pois nesta duas pessoas de sexos diferentes, além de não optarem pelo casamento, não tem qualquer intentio de constituir família, visto que, tão-somente, assumiram “relação aberta” ante a inexistência de compromisso.
75 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família.. p. 548. 76 SAVATIER, René apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de
família. p. 548. 77 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro : direito de família. p. 360.
29
Fábia Ulhoa Coelho78 entende que a CRFB/88 não usar a
palavra família, e sim usar o neologismo entidade familiar, além de determinar
que a lei facilite a conversão da união estável em casamento, somente confirma a
visão conservadora do constituinte, que não pretendeu igualar a união estável ao
casamento.
2.2.1 Concubinato no direito brasileiro anterior à CRFB/88
O CC/1916 continha dispositivos que restringiam o
concubinato, como por exemplo proibindo doações ou benefícios testamentários
do homem à concubina, ou até mesmo proibia a inclusão desta como beneficiaria
do contrato de seguro de vida.
Carlos Roberto Gonçalves79 observa que:
A única referencia à mancebia feita pelo Código Civil revogado, sem total hostilidade a tal situação de fato, tenha sido a do art. 363, I, que permitia ao investigante da paternidade a vitória na demanda se provasse que ao tempo de sua concepção sua mãe estava concubinada com o pretendido pai.
Explana o autor que neste caso, o legislador entendia que o
conceito de concubinato pressupunha fidelidade da mulher ao seu companheiro, e
presumia que o filho havido por esta tenha sido concebido pelo concubino.
Aos poucos, alguns direitos da concubina foram sendo
reconhecidos, começando pela legislação previdenciária, tendo a jurisprudência
admitindo outros, como o direito à meação dos bens adquiridos pelo esforço
comum.
O problema que se propôs, com grande contundência, foi o
dos efeitos patrimoniais resultantes da dissolução do concubinato, seja pelo
78 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito civil. p. 119–120. 79 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 548.
30
falecimento de um dos concubinos, seja pela separação do casal, ao fim de
período mais ou menos extenso de vida comum. Elucida Silvio Rodrigues80:
Freqüentemente os bens resultantes do esforço comum de ambos, ou ganhos com a colaboração da mulher, foram adquiridos em nome do varão, e, em caso de separação dos concubinos, ficava aquela sem recurso algum; não raro, em caso de morte do homem, os herdeiros deste pediam a herança, isto é, tudo o que o casal possuía à época da abertura da sucessão; ainda nesse caso, ficava a mulher sem nada.
Da mesma forma pensa Carlos Roberto Gonçalves81:
A realidade é que o julgador brasileiro passou a compreender que a ruptura de longo concubinato, de forma unilateral ou por mutuo consentimento, acabava criando uma situação extremamente injusta para um dos concubinos, porque em alguns casos, por exemplo, os bens amealhados com o esforço comum haviam sido adquiridos somente em nome do varão.
Baseada em quase uma dezena de acórdãos proferidos
entre 1946 e 1963, foi editada a Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal, que
dita: Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é
cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo
esforço comum, e que será melhor analisada posteriormente.
Haviam três correntes na jurisprudência brasileira no que diz
respeito a expressão esforço comum. Enquanto uma corrente entendia que a
concubina só teria direito à participação do patrimônio se tivesse trabalhado lado
a lado com o companheiro na atividade lucrativa, outra corrente entendia que
concorria igualmente para o enriquecimento do concubino a mulher que se atinha
aos afazeres domésticos, propiciando ao homem o necessário suporte de
tranqüilidade e segurança para o desempenho de suas atividades profissionais.
A última corrente, mais favorável à concubina, acabou
encontrando ressonância no Superior Tribunal de Justiça, que passou a decidir: 80 RODRIGUES, Silvio. Direito civil : direito de família. p. 262. 81 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 549.
31
Constatada a contribuição indireta da ex-companheira na constituição do patrimônio amealhado durante o período de convivência more uxorio, contribuição consistente na realização das tarefas necessárias ao regular gerenciamento da casa, aì incluída a prestação de serviços domésticos, admissível o reconhecimento da existência de sociedade de fato e conseqüente direito à partilha proporcional.82
Com o advento da CRFB/88, o art. 226, §3º equiparou
totalmente a união estável ao casamento, pelo que regime de bens entre os
companheiros passaria a ser o da comunhão parcial, independentemente de
qualquer comprovação de esforço comum na aquisição dos bens.
2.2.2 Concubinato puro e impuro
Dos sentidos da palavra concubinato, amplo e estrito, dois
se destacam: o concubinato puro e o concubinato impuro.
Se deve considerar puro o concubinato quando este se
apresentar com os aludidos elementos do conceito expendido, ou seja, como uma
união duradoura, sem casamento, entre homem e mulher, constituindo-se a
família de fato, sem detrimento da família legitima.83 Um exemplo de concubinato
puro acontece quando se unem os solteiros, viúvos, os separados judicialmente
ou de fato, por mais de um ano.
O concubinato impuro acontecia quando a união entre o
casal for adulterina, incestuosa ou desleal (relativamente a outra união de fato),
como por exemplo quando um homem casado ou concubinado que mantenha,
paralelamente a seu lar, outro de fato.
Esclarece Álvaro Villaça Azevedo84:
82 REsp 183.718-SP, 4ªT., rel. Min. Salvio de Figueiredo Teixeira, j. 1º-10-1998. No mesmo
sentido: REsp 60.073-DF, 4ªT., rel. Min. Asfor Rocha, DJU, 15-5-2000; REsp 1.648-RJ, 3ªT., rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU, 16-4-1990, p. 2875, Seção I, ementa.
83 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato. p. 190. 84 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato. p. 190.
32
É de ver-se que o primeiro, concubinato puro ou concubinato, simplesmente, deve merecer, por parte do Estado, completa proteção e regulamentação legal; já o segundo, concubinato impuro ou concubinagem, não deve merecer apoio de órgãos públicos e, mesmo, da sociedade. Entendemos, ainda, que deste não deve surtir efeito, a não ser ao concubino de boa-fé, como acontece, analogamente, com o casamento putativo, e para evitar-se locupletamento ilícito.
Silvio de Salvo Venosa85 anota que união livre e concubinato
são idéias semelhantes, abrangendo a relação entre homem e mulher fora do
matrimonio, e, citando Savatier, para quem as expressões são uma questão de
mero estilo, mais nobre para a união livre e menos nobre para o concubinato. O
autor diz que:
Assim como para o casamento, o conceito de união livre ou concubinato também é variável. Importa analisar seus elementos constitutivos. [...] Na união estável existe a convivência do homem e da mulher sob o mesmo teto ou não, mas more uxorio, isto é, convívio como se marido e mulher fossem.
Tem-se evitado a palavra concubina para a designação da
participe da relação concubinária tida como pura. Arnold Wald86 leciona que:
O Supremo Tribunal Federal, no RE 83.930, de que foi relator o Min. Antonio Neder, distinguiu concubina de companheira, acrescentando que “a concubina seria aquela mulher com quem o cônjuge adultero tem encontros periódicos fora do lar. A companheira seria aquela com quem o varão, separado de fato da esposa, ou mesmo de direito, mantém convivência more uxorio’”.
Válido lembrar que a vocação concubinato puro e impuro
decaiu com a CRFB/88, já que esta preferiu chamar o concubinato puro de união
estável,o concubinato impuro, simplesmente e concubinato. Atualmente, a
legislação concubinária refere-se a companheiros e conviventes, quando se trata
de união estável, e concubinos para as relações concubinárias.
85 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil : direito de família. 3 ed. p. 49-50. 86 WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 172.
33
2.2.3 União estável
Como já exposto, a relação de união estável anterior a
CRFB/88 não integrava o direito de família, mas apenas o direito civil, posto que
as questões versavam em sua maioria apenas sobre efeitos patrimoniais.
Com o advento da CRFB/88, a união estável foi reconhecida
como entidade familiar, ganhando a proteção do Estado. Explica Venosa87 que:
O sentido da lei, pouco importando suas falhas formais que paulatinamente serão corrigidas principalmente pelo trabalho dos tribunais, traduz o sentimento social: a lei não se adianta aos fenômenos sociais, vem sempre ao encontro deles. Deste modo, há, sem dúvida, um novo Direito de Família do Brasil, a partir de 1988.
Certo é que muitas dúvidas persistem sobre a união estável,
visto que esta entidade familiar está regulada especificamente apenas pelos
artigos 1.723 e 1.724 do CC/2002. Para melhor elucidação do instituto, será feito
a seguir um estudo sobre sua natureza jurídica, conceito e elementos
constitutivos.
2.2.3.1 Natureza jurídica
Com o advento da CRFB/88, que regulou a união estável
como entidade familiar, da Lei n° 8.971/94, que reg ula o direito dos companheiros
a alimentos e à sucessão, e da Lei n° 9.278/96, que dispõe sobre a união estável,
seria uma enorme falha o CC/2002 deixar de estabelecer regras relativas a esta
união.
No que diz respeito à caracterização da união estável,
mantiveram-se no artigo 1.723 do CC/2002 os mesmos elementos antes
requeridos na lei de 1916, desprendendo-se o legislador de prazo preestabelecido
ou evento de prole para identificar a união.
Avançou o legislador ao estabelecer expressamente, [...], a possibilidade de caracterização de união estável se um ou ambos
87 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil : direito de família. p. 450.
34
os conviventes forem casados, mas separados de fato; e deixou consignada a impossibilidade de configuração dessa entidade familiar se verificada a existência de qualquer dos demais impedimentos matrimoniais.88
O artigo 1.724 do CC/2002, ainda no campo pessoal, reitera
deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação
dos filhos, como obrigação recíproca entre os companheiros. Quando aos efeitos
patrimoniais, o artigo 1.725 determina a aplicação, no que couber, do regime da
comunhão parcial de bens.
A questão dos alimentos veio a ser estabelecida em
conjunto com a pensão decorrente do casamento, tratado nos artigos 1.694 a
1.710, e portanto, deve ser dado o mesmo tratamento.
Foram ainda feitas inovações no CC/2002 no que diz
respeito ao direito sucessório entre os companheiros, mas isto será analisado
mais adiante, bem como as inovações trazidas pelas Leis n° 8.971/94 e 9.278/96
no tocante a direitos hereditários.
Ainda, prevê o artigo 1.726 do CC/2002 que a união estável
poderá ser convertida em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz
e assento no Registro Civil, apenas renovando o já disposto no artigo 7° da Lei
9.278/96.
2.2.3.2 Conceito
A união estável, base de cerca de 30% das famílias
brasileiras, é entidade familiar, e, conforme o artigo 1.723 do CC/2002:
É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
88 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. p. 282.
35
Silvio Rodrigues89 comenta o artigo 226, §3°, da CRFB/88:
O fato importante que ressalta do texto constitucional é o reconhecimento de que a ligação, mais ou menos duradoura, entre pessoas de sexo diverso, com o propósito de fazerem vida em comum, adquiriu o status de entidade familiar. [...] para proclamar não só a existência da família nascida fora do casamento, sua condição de entidade familiar, como também para dizer que ela se encontra sob a proteção do Estado.
A união estável não se confunde com o namoro. Fabio Ulhoa
Coelho90 leciona que enquanto na primeira é indispensável a vontade comum de
fundar uma família, no último esse elemento não está presente. Assim:
Os namorados ainda não tem claramente definida a vontade de constituir família ou tem claramente a de não a constituir: estão se conhecendo melhor ou simplesmente se divertindo. Se homem e mulher namoram há muitos anos, viajam juntos sempre que podem [...], devotam mutua exclusividade sexual e chegam até a viver sob o mesmo teto durante algum tempo, não se configura união estável quando inexistente a intenção de constituir família.
Em suma, união estável pode ser conceituada como a
convivência duradoura, contínua e pública de homem e mulher, com o objetivo de
constituição de família, quando não há impedimento para o casamento.
2.2.3.3 Elementos constitutivos da união estável
Uma das características da união estável é a ausência de
formalismo para a sua constituição. Enquanto que no casamento é necessário um
processo de habilitação, com publicação dos proclamas e de inúmeras outras
formalidades, na união estável não há necessidade de qualquer solenidade,
bastando o fato da vida em comum.
Embora por este lado a união estável apresente a vantagem
aparente de não oferecer dificuldades para a sua eventual dissolução, por outro,
89 RODRIGUES, Silvio. Direito civil : direito de família. p. 272. 90 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito civil. p. 124.
36
acentua Euclides de Oliveira91, que a dificuldade de prova é inerente, justamente
por falta de documento constitutivo de entidade familiar. Portanto, tal autor
recomenda a formalização da constituição da união estável:
[...] por meio de um contrato de convivência entre as partes, que servirá como manco de sua existência, além de propiciar regulamentação do regime de bens que venham a ser adquiridos no seu curso. Os mais preocupados anda poderão, ao seu alvitre, solenizar o ato mediante reunião de familiares e amigos para comemorar o evento, até mesmo com troca de alianças e as bênçãos de um celebrante religioso, em festa semelhante às bodas oficiais.
Zeno Veloso92 instrui que:
Há que existir, aduz, uma duração, a sucessão de fatos e eventos, a permanecia do relacionamento, a continuidade do envolvimento, a convivência more uxorio, a notoriedade, enfim, a soma de fatores subjetivos e objetivos que, do ponto de vista jurídico, definem a situação.
Por mais que não haja solenidades para caracterização da
união estável, não se pode dizer que a entidade familiar surja no mesmo instante
em que o homem e a mulher passam a viver juntos. São necessários vários
pressupostos para a sua configuração, que se desdobram em subjetivos e
objetivos, e serão explicados a seguir.
2.2.3.3.1 Pressupostos subjetivos
Os pressuposto de ordem subjetiva para a configuração da
união estável são:
a) Convivência ‘more uxorio’. Esclarece Carlos Roberto
Gonçalves93 que é mister uma comunhão de vidas, no sentido material e imaterial,
em situação similar à de pessoas casadas. Envolve a mútua assistência material,
moral e espiritual, a troca e soma de interesses da vida em conjunto. A 91 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento. 6 ed. São
Paulo: Método, 2003. p. 125. 92 VELOSO, Zeno. Código civil comentado. v. XVII. São Paulo: Atlas, 2002. p. 117. 93 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 557.
37
convivência more uxorio é, senão, a somatória de componentes materiais e
espirituais que alicerçam as relações efetivas inerentes à entidade familiar.
b) ‘Affectio maritalis’: animo ou objetivo de constituir família.
Este elemento subjetivo é essencial para a configuração da união estável.
Não configuram união estável, com efeito, os encontros amorosos mesmo constantes, ainda que os parceiros mantenham relações sexuais, nem as viagens realizadas a dois ou o comparecimento junto a festas, jantares, recepções, etc., se não houver da parte de ambos o intuito de constituir uma família.94
Se faz absolutamente necessário que haja entre os
companheiros, além do afeto, o elemento caracterizado pela intenção, o propósito
de constituir uma família.
2.2.3.3.2 Pressupostos objetivos
Os pressupostos de ordem objetiva para a configuração da
união estável são:
a) Diversidade de sexos. Por se tratar de entidade familiar
assemelhada ao casamento, a união estável só pode decorrer de relacionamento
entre pessoas de sexo diferente.
Confirma desta forma o autor Álvaro Villaça Azevedo95:
Desde que foram conferidos efeitos ao concubinato, até o advento da Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal, sempre a jurisprudência brasileira teve em mira o par andrógino, o homem e a mulher. Com a Constituição Federal, de 5-10-1988, ficou bem claro esse posicionamento, de só reconhecer, como entidade familiar, a união estável entre o homem e a mulher, conforme o claríssimo enunciado do §3º do seu art. 226.
94 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 559. 95 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Comentários ao código civil. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 203.
38
A união de duas pessoas do mesmo sexo, chamada de
parceria homossexual ou união homoafetiva, por si só, não gera direito algum
para qualquer delas, independentemente do período de coabitação.
b) Notoriedade. A união estável não pode permanecer em
sigilo, em segredo, desconhecida no meio social, já que o artigo 1.723, do
CC/2002 exige que para a sua configuração a convivência, além de contínua e
duradoura, seja pública.
c) Estabilidade ou duração prolongada. A denominação
união estável já indica que o relacionamento dos companheiros deve ser
duradouro, estendendo-se no tempo. Embora o legislador não tenha estabelecido
um prazo mínimo para a caracterização da união estável, ensina Zeno Veloso96
que:
Mas há um prazo implícito, sem duvida, a ser verificado diante de cada situação concreta. Como poderá um relacionamento afetivo ser publico, continuo e duradouro se não for prolongado, se não tiver algum tempo, o tempo que seja razoável para indicar que está constituída uma entidade familiar?
A Lei n° 8.971/94 exigia o prazo mínimo de cinco an os de
convivência, ou prole, para a configuração da união estável. A Lei n° 9.278/96
omitiu o tempo mínimo de convivência e existência da prole, devendo então o juiz,
em cada caso concreto, verificar se a união perdura por tempo suficiente para o
reconhecimento da estabilidade familiar.
d) Continuidade. Diferentemente do casamento, onde o
vinculo é formalmente documentado, a união estável é um fato jurídico, uma
conduta, um comportamento. A sua solidez é atestada pelo caráter contínuo do
relacionamento. A instabilidade causada por constantes rupturas do
relacionamento pode provocar insegurança a terceiros, nas suas relações
jurídicas com os companheiros, então, cabe novamente ao juiz analisar as
circunstancias e características do caso concreto, e decidir se a hipótese
96 VELOSO, Zeno. Código civil comentado. p. 112.
39
configura união estável ou não, mesmo tendo havido ruptura do relacionamento e
reconciliação posterior, ou não.97
e) Inexistência de impedimento matrimonial. O artigo 1.723
do CC/2002, em seu §1°, veda a constituição de uniã o estável se ocorrerem os
impedimentos do artigo 1.521. Assim, não podem constituir união estável os
ascendentes com descentes; os afins em linha reta; os irmãos; os colaterais até o
terceiro grau inclusive; e o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio
ou tentativa contra seu consorte.
Quem não tem legitimação para casar não tem legitimação
para criar entidade familiar pela convivência, ainda que observe os requisitos do
caput do artigo 1.723 do CC/200298.
f) Relação monogâmica. Como também ocorre nas uniões
conjugais, o vínculo entre os companheiros deve ser único, em face do caráter
monogâmico da relação. Ensina Euclides de Oliveira99:
A relação de convivência amorosa feita à margem de um casamento ou de uma união estável caracteriza-se como proibida, porque adulterina, no primeiro caso, e desleal no segundo.
Pode acontecer, entretanto, que um dos companheiros
esteja de boa-fé, na ignorância de que o outro é casado e vive
concomitantemente com seu cônjuge, ou então que mantenha outra união
estável. Neste caso, Zeno Veloso100 sustenta o reconhecimento ao convivente de
boa-fé, uma união estável putativa, com os respectivos efeitos para este parceiro
inocente.
Assim, pode-se dizer que o casamento era a única forma de
família aceita pelo Estado até o advento da CRFB/88, e as uniões de fato não
tinham amparo legal, sendo chamadas de concubinato puro e impuro.
97 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 564. 98 VELOSO, Zeno. Código civil comentado. p. 122. 99 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento. p. 127. 100 VELOSO, Zeno. Código civil comentado. p. 126.
40
Atualmente, são chamadas respectivamente de união estável e concubinato, este
último possuindo um sentido quase que pejorativo.
A partir disso, será feito uma analise da dissolução da união
estável e seus possíveis efeitos patrimoniais no direito de família brasileiro.
41
CAPÍTULO 3
DA DISSOLUÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL
O presente capítulo tem por objetivo abordar os efeitos da
dissolução do concubinato e evolução do problema na jurisprudência até a
CRFB/88, bem como o desdobramento da Súmula 380 do STF.
Pretende, também, elucidar as possíveis formas de
dissolução da união estável, e os seus possíveis efeitos patrimoniais aos
companheiros.
3.1 EFEITOS DA DISSOLUÇÃO DO CONCUBINATO E EVOLUÇÃO DO
PROBLEMA NA JURISPRUDÊNCIA ATÉ A CRFB/88
O grande problema do concubinato anteriormente à
CRFB/88 era o dos efeitos patrimoniais resultantes da sua dissolução, seja pela
morte de um dos concubinos, seja pela separação do casal ao fim de período
mais ou menos extenso de vida em comum.
Pires e Pizzolante101 doutrinam:
Era dado, portanto, à união estável cunho societário que muitas das vezes não a revestia, cuidando-se de seu aspecto meramente patrimonial, tendo o judiciário os companheiros por sócios e olvidando do conteúdo emocional de suas relações, sendo solução também muito adotada a da indenização à companheira pelos serviços prestados ao companheiro, a tramitarem, em ambos os casos, como dissolução de sociedade e indenização que constituíam, em varas cíveis.
Ilustra a situação com clareza Silvio Rodrigues102:
101 PIRES, Francisco Eduardo Orcioli e PIZZOLANTE, Albuquerque. União estável no sistema
jurídico brasileiro. São Paulo: Atlas, 1999. p. 55.
42
É a hipótese, por exemplo, de casal que contraiu matrimônio somente perante a autoridade religiosa, ou de casal que decide fazer vida em comum porque não pode ou não quer contrair matrimônio. São hoje freqüentíssimas as uniões que se estabelecem entre duas pessoas, uma ou ambas separadas de seus antigos cônjuges, que decidem fazer vida em comum sob um mesmo teto, tomando posse de um estado que é idêntico ao de casado, assumindo tacitamente todos os direitos e deveres impostos aos cônjuges [...]
A situação que se apresenta freqüentemente ao julgador é a
do rompimento de longo concubinato, quer pela morte do concubino, quer pelo
abandono da mulher por parte deste, quer pela decisão em comum entre os
conviventes de se separarem. Em todas essas hipóteses uma situação
patrimonial extremamente injusta acontecia. Repetidamente os bens resultantes
do esforço em comum dos conviventes eram adquiridos em nome do varão, e, em
caso de separação, a mulher ficava sem recurso algum. Ainda, em caso de morte
do homem, os herdeiros legítimos deste pediam a herança, e a mulher ficava
também sem recursos.
A injustiça dessas situações chamou a atenção dos tribunais
brasileiros, que, e por meio de vários expedientes, procuraram remediá-la.
A posição mais antiga, e hoje certamente ultrapassada, é a
que negava qualquer efeito ao concubinato, instrui Rodrigues103. Preocupados em
defender a família formada pelo casamento, baseados de que o concubinato era
uma ligação imoral, muitos arestos negavam qualquer direito à concubina por
ocasião da separação do seu amásio, já que de atos imorais não podiam decorrer
vantagens protegidas pelo direito.
Duas soluções foram encontradas, ambas em benefício da
concubina e tendentes a reparar a injustiça de nada receber ela por ocasião do
rompimento da concubinagem. Nas palavras de Silvio Rodrigues104:
102 RODRIGUES, Silvio. Direito civil : direito de família. p. 261. 103 RODRIGUES, Silvio. Direito civil : direito de família. p. 262. 104 RODRIGUES, Silvio. Direito civil : direito de família. p. 262.
43
A primeira delas foi a de atribuir-se à companheira, que por longo período prestou serviços domésticos ao concubino, o direito a salários por aqueles; a segunda foi a de dar-lhe participação no patrimônio haurido pelo esforço comum, entendendo-se haver existido, entre os concubinários, uma sociedade de fato que, ao ser dissolvida, implicava o mister de dividir o patrimônio social.
A primeira das soluções encontradas parte da idéia de que
se a mulher colabora com seu esforço no aumento do patrimônio em comum, é
injusto que ao se separarem o varão conserve aquilo que foi ganho por ambos, ou
deixe sem remuneração os serviços que lhe foram prestados.
A seguir, a decisão de um antigo acórdão do Tribunal de
Alçada do Rio de Janeiro, com a seguinte ementa:
CONCUBINATO – Dissolução – Indenização por serviços domésticos – Admissibilidade. A jurisprudência dos Tribunais, inclusive da Corte Suprema, vem admitindo, segundo as peculiaridades de cada caso, a indenização dos serviços domésticos prestados pela concubina ao companheiro, durante o período da vida em comum.105
A segunda solução, mais liberal, foi a que viu no
concubinato a existência de uma sociedade de fato estabelecida entre os
conviventes, que unem seus esforços na construção de um patrimônio em
comum. Assim, dissolvida a sociedade, cada um dos sócios tem direito a uma
parte dos bens comuns.
Não raro, encontram-se decisões em que ambas as
soluções são propostas como alternativas, como um antigo julgado da 3ª Câmara
Cível, cuja ementa, exposta a seguir, diz:
Se os bens foram adquiridos na constância do concubinato com esforço comum, deve a concubina receber a metade, como decorrência de uma sociedade de fato que realmente existiu; no caso, todavia, de não ter a companheira senão zelado pela casa, os serviços devem ser pagos (RT, 210/217).
105 Ap. 35.400, Ac. Un da 5° Cam. Cível do 1º TARJ, j. 28-5-1979, rel. Juiz Alberto Garcia.
44
Se encontra claro em tais decisões a pretensão dos tribunais
em não deixar desamparada a concubina, que após anos de dedicação, se vê
desamparada.
Assim é que o STF cristalizou entendimentos favoráveis à união de pessoas não casadas em casos de indenização acidentária (Sumula 35), dissolução de sociedade de fato com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum (Sumula 380), conceituação de concubinato mesmo sem vida em comum sob o mesmo teto (Sumula 382), [...] além de outras tendências que, na pratica, levam à aproximação de certos direitos entre os participes da união informal e aqueles garantidos pelo diploma de casados.106
A jurisprudência, no sentido de admitir a existência de uma
sociedade de fato em comum entre os conviventes, cuja dissolução envolve a
separação do acervo em comum, tornou-se torrencial, sendo acolhida por todas
as Cortes brasileiras.
3.2 SÚMULA 380 DO STF
Baseada em quase uma dezena de acórdãos, proferidos
entre 1946 e 1963, foi editada a Súmula 380 do Superior Tribunal Federal, nos
seguintes termos: Comprovada a existência de sociedade de fato entre os
concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio
adquirido pelo esforço comum.
É nesse pressuposto que a nossa jurisprudência evoluiu. É ai que a Sumula 380 do STF se assenta, considerando a comunhão da concubina como participação em uma sociedade de fato e que, dissolvida, deve ter o conseqüente partilhamento patrimonial. É justo que da vida em comum, da comunhão de interesses, quando de sua dissolução, se busque, uns contra os outros, o arrimo necessário aos seus direitos. Nesta sociedade há também uma comunhão de direitos e obrigações.107
106 OLIVEIRA, Euclides de. União estável : do concubinato ao casamento. p. 76-77. 107 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável. De acordo com o novo Código
Civil. 6 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.p. 59-60.
45
A idéia da súmula é a de sociedade de fato entre os
conviventes, donde resulte um patrimônio, ou aumento de um patrimônio já
existente, que tenha advindo do esforço em comum do casal.
Freqüentemente a aplicabilidade da súmula era negada, pois
faltava aos concubinos ao se unirem a affectio societatis, elementar no contrato
de sociedade de fato.
Elucida Silvio Rodrigues108:
Talvez, realmente, ao estabelecer-se união entre as partes, mais inspirada no amor do que no propósito de lucro, inexistia aquele intuito, representado pela affectio societatis. Não obstante, na maioria dos casos, o interesse de cada qual dos concubinos passa a ser o interesse de ambos, e o referido elemento, faltante no início do conúbio, ao depois se manifesta com maior nitidez. Problema de considerável relevância no passado, [...], foi a possibilidade de aplicar-se a Súmula 380 à hipótese de concubinato adulterino. Na realidade, em todos os acórdãos indicados para a edição daquela súmula figuraram casos de concubinos desimpedidos, por tratar-se de pessoas solteiras, viúvas ou desquitadas.
Decisões posteriores passaram a admitir a partilha de bens
mesmo se o concubino fosse casado, desde que comprovada a sua separação de
fato.
Faz-se necessário para a aplicação da súmula que tenha
havido um aumento patrimonial inexistente antes da união, pois é impossível falar
em repartir o produto do esforço dos concubinos se estes nada ganharam durante
a sua ligação.
Uma grande dificuldade na interpretação da súmula, diz
respeito à expressão “esforço em comum”. Deve-se entender que só tem direito a
participação no lucro a concubina que efetivamente exerce uma atividade
lucrativa, ou se deve admitir que concorre igualmente a mulher que se atém à
108 RODRIGUES, Silvio. Direito civil : direito de família. p. 265.
46
administração da casa, proporciona ao companheiro a tranqüilidade e estabilidade
do lar, que sem ela não ocorreriam?
Já se sustentava, anteriormente ao advento da CRFB/88,
que as duas posições apontadas não deveriam ser radicais. Silvio Rodrigues109
esclarece:
Casos haverá em que a atividade domesticada mulher concorre para o enriquecimento do varão, como nas hipóteses de casais que vivem vida social intensa, donde deriva aumento da clientela do marido ou um progresso considerável de seus negócios. Noutros, a apagada faina da concubina é equiparada à de uma empregada doméstica, de uma governante e, certamente, não merecerá senão salários correspondentes ao seu labor.
Outro ponto controvertido na interpretação da súmula era a
maneira de se partilharem os bens. A divisão não deveria sempre ser feita meio a
meio, e nem isso defluia do STF. Cabe ao julgador analisar o caso concreto, e
assim fixar a quota de cada um dos concubinos. Isso porque às vezes, um dos
concubinos concorria com muito mais esforço para o aumento do patrimônio em
comum.
Assim, embora a Súmula 380 verse apenas sobre a hipótese
de sociedade de fato entre os concubinos, tem-se que a jurisprudência paralela
que concedia à concubina remuneração pelos serviços prestados não foi
apagada.
Inovação trazida pela CRFB/88, o artigo 226, parágrafo 3º,
equiparou totalmente a união estável ao casamento, pelo que o regime de bens
entre os companheiros passaria a ser o da comunhão parcial, independentemente
de qualquer comprovação de esforço comum na aquisição de bens.
A Lei 8.971/94 não solucionou as controvérsias no que diz
respeito ao destino do patrimônio incrementado pelas partes no curso da união
estável. Já a Lei 9.278/96 estabeleceu essa presunção relativa, de serem comuns
109 RODRIGUES, Silvio. Direito civil : direito de família. p. 267.
47
os bens adquiridos onerosamente pelos conviventes. E o CC/2002, em seu artigo
1.725, acabou por estabelecer que deve ser aplicado à união estável o regime de
comunhão parcial de bens.
3.3 POSSÍVEIS FORMAS DE DISSOLUÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL
A união estável, por nascer de forma tipicamente informal,
prescinde de reconhecimento judicial de sua existência ou de sua dissolução para
que opere seus efeitos jurídicos entre os companheiros.
Esclarece Euclides de Oliveira110 que havendo entendimento
amigável entre as partes, a dissolução pode ocorrer por simples cumprimento de
vontade, com os acertos decorrentes do tempo de união e a conseqüente
satisfação dos direitos aplicáveis a cada um. No entanto, a via da solução
amigável não é sempre possível. O autor ainda complementa:
Não havendo boa vontade para acordo, especialmente quando se questione a respeito da partilha dos bens, assim como na falta de ajuste da assistência alimentar, aberta estará a via judicial para que se atenda ao pedido de declaração da existência da união estável e sua dissolução, fixando-se os períodos de seu início e término, para fins de concessão dos direitos a que se habilitem os companheiros.
No entanto, a intervenção do Poder Judiciário só se justifica
quando há legítimo interesse processual. Na falta de comprovação do interesse,
decai a pretensão, que se restringirá à mera declaração da existência da união
estável, uma vez que o fato subsiste por si.
110 OLIVEIRA, Euclides de. União estável : do concubinato ao casamento. p. 243
48
3.3.1 Dissolução consensual da união estável
Se os conviventes desejam encerrar a vida em comum em
termos amigáveis, o podem fazer livremente, sem a necessidade de maiores
formalidades. De ressalvar, no entanto, que é preferível que os companheiros
utilizem instrumento escrito, especialmente se houver bens a serem partilhados, a
fim de evitar futuras pendências judiciais.
Para Euclides de Oliveira111 também pode haver interesse
na homologação judicial do acordo, especialmente se envolver disposições sobre
guarda de filhos, pensão alimentar e/ou partilha dos bens adquiridos pelo esforço
conjunto.
A 4ª Câmara Civil do TJ decidiu, em acórdão relatado pelo
Des. Toledo Cesar, que a dissolução consensual da vida em comum é passível
de homologação judicial, da mesma forma que acontece com a separação judicial
consensual dos casados. Foi ressaltado, na referida decisão, que tal providência,
além da natureza preventiva, regulariza uma situação de fato preexistente112.
Negada que fosse a prestação jurisdicional homologatória, os interessados se veriam compelidos a ingressar com procedimento litigioso, pleiteando o reconhecimento da dissolução da união estável e partilha de bens, além de outras questões atinentes a direitos de família e sucessórios113.
O processo contencioso pode ser encerrado por conciliação,
desde que as partes cedam a qualquer tempo, já que com a dissolução
consensual da união estável feita por homologação evita-se o acesso mais difícil
e oneroso ao contencioso judicial.
111 OLIVEIRA, Euclides de. União estável : do concubinato ao casamento. p. 244 112 JTJ 141/59. 113 OLIVEIRA, Euclides de. União estável : do concubinato ao casamento. p. 245.
49
3.3.2 Ação declaratória de união estável e sua diss olução
Na falta de acerto amigável, a via judicial estará aberta,
mediante ação declaratória de reconhecimento de união estável e da sua
dissolução.
Instrui Euclides de Oliveira114:
Interesse haverá no pedido de dissolução judicial quando verificado o descumprimento de deveres por parte de um dos companheiros, tais os casos de deslealdade (infidelidade, união paralela etc.), falta de respeito e consideração, desassistência material ou moral, descuido na guarda, sustento e educação dos filhos, à semelhança das causas de ruptura da vida conjugal, por culpa grave ou conduta desonrosa que tornem impossível a mantença da união.
A separação de corpos, se necessária, é viável em tais
situações, bem como o arrolamento de bens, em cautela aos interesses do
companheiro ofendido.
Cumpre ao autor, na petição inicial, expor fatos que
possibilitem o enquadramento da convivência como união estável, exibindo
provas documentais de que disponha ou indicando os meios probatórios a serem
utilizados no curso da demanda. O réu, além de contestar, pode reconvir.
É ônus do demandante a prova da existência da união
estável constitutiva de entidade familiar. Seriam aplicáveis, neste caso, os efeitos
de presunção de veracidade em caso de revelia? Doutrina Flavio Luiz Yarshell115
que não, por considerar que esta ação versa sobre matéria de estado de pessoa,
com amplas repercussões, inclusive perante terceiros, portanto, inserida quanto à
este aspecto nas exceções estatuídas pelos artigos 320, inciso II, 302, inciso I e
351 do CPC.
114 OLIVEIRA, Euclides de. União estável : do concubinato ao casamento. p. 246 115 YARSHELL, Flavio Luiz. Tutela jurisdicional dos conviventes em matéria de alimentos.
Repertório de jurisprudência e doutrina sobre direito de família. 3 vol. São Paulo: RT, 1996. p. 56.
50
Sendo a ação proposta post mortem, será dirigida contra os
herdeiros do falecido, conforme se analisará no seguinte tópico.
3.3.3 Falecimento de um dos companheiros
A dissolução da união estável também pode ocorrer pelo
falecimento de um dos companheiros, à luz da primeira parte do parágrafo único
do artigo 7º, da Lei 9.278/96:
Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família.
Subseqüente ao reconhecimento da união estável pode ser
reclamado o direito hereditário, desde que atendidos os pressupostos legais
aplicáveis à data da abertura da sucessão, vide artigos 2º da Lei 8.971/94, 7º
parágrafo único da Lei 9.278/96 e 1.790 do CC2002, o qual será abordado mais
adiante.
Já decidiu a respeito o Superior Tribunal de Justiça:
Desde que documentalmente comprovados os fatos no curso do inventário, sem necessidade de procurar provas fora do processo e além dos documentos que o instruem, nesse feito é que devem ser dirimidas as questões levantadas pelas autoras, no tocante às condições de filha ou herdeira e à condição de companheira do de cujus, prestigiando-se o princípio da instrumentalidade, desdenhando-se as vias ordinárias.116
Salienta-se aqui que caso a ação de reconhecimento da
união estável seja post mortem, deve ser proposta contra os herdeiros do
falecido, e não contra seu espólio, pois o interesse da preservação da herança é
de todos os sucessores habilitados. Contra eles, pois, é que se dirige a ação do
ex-companheiro do autor da herança117.
116 Resp 57.505-MG, 4° T., rel. Min. Asfor Rocha, j. 1 9-3-1996. 117 OLIVEIRA, Euclides de. União estável : do concubinato ao casamento. p. 248.
51
3.3.4 Conversão da união estável em casamento
O artigo 226, parte final do parágrafo 3º da CRFB/88 dispõe
que a lei deverá facilitar a conversão da união estável em casamento. Da mesma
forma, o artigo 8º da Lei 9.278/96, e o artigo 1.726 do CC/2002, que dispõe: A
união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos
companheiros ao juiz e ao assento no Registro Civil.
A própria utilização do verbo facilitar já reflete uma
faculdade, e não uma imposição. Prevendo o texto constitucional a conversão da
união estável em casamento, destacou a diferença que deve subsistir entre os
dois institutos e subordinou a conversão ao acordo de vontade dos companheiros
nesse sentido.
Ensina Rainer Czajkowski118 que este é o requisito subjetivo
da prerrogativa legal: a concordância de ambas as partes. Não se cuida de direito
que um deles possa exercer, judicialmente, contra o outro.
Para Carlos Roberto Gonçalves119 a exigência feita pelo
CC/2002 desatende o comando do artigo 226, parágrafo 3º da CRFB/88, de que a
lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, já que a legislação
em questão exige pedido ao juiz, ao contrário da Lei 9.278/96, que se contentava
com o requerimento de conversão formulado diretamente ao oficial do Registro
Civil. Nas palavras do autor:
Em vez de recorrer ao Judiciário, mais fácil será simplesmente casar, com observância das formalidades exigidas para a celebração do casamento civil, máxime considerando-se que a referida conversão não produz efeitos pretéritos, valendo apenas a partir da data em que se realizar o ato de seu registro.
Para a conversão, o oficial deverá exigir todas as
providências que o CC/2002 prevê para a habilitação ao casamento,
118 CZAJKOWSKI, Rainer. União livre: à luz das leis 8.971/94 e 9.278/96.2 ed. 3 tir. Curitiba:
Juruá, 2003. pag 210. 119 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. p. 583.
52
especialmente para fins de verificação da existência de impedimentos, sob pena
de restar frustrada a figura do casamento civil, pois bastará viver o casal em
concubinato durante algum tempo, sem qualquer formalidade, e convertê-lo,
também sem qualquer formalidade, em casamento civil120.
3.4 EFEITOS PATRIMONIAIS DA DISSOLUÇÃO DA UNIÃO EST ÁVEL
Desde a CRFB/88 foi estendida a proteção do Estado à
família sem o casamento.
As leis especiais 8.971/94 e 9.278/96 vieram estender o
manto da proteção à nova espécie de entidade familiar, reconhecendo em favor
dos companheiros direitos de meação, alimentos e sucessão hereditária.
Com o advento do CC/2002, a matéria teve nova disciplina,
com prática igualação da união estável ao casamento nos aspectos da
assistência alimentar e do regime de bens, mas fazendo graves distinções na
esfera do direito sucessório.
Serão analisados, a seguir, esses direitos assegurados aos
companheiros pela a dissolução da união estável.
3.4.1 Alimentos
Conforme leciona Euclides de Oliveira121, os alimentos
consistem em prestações periódicas na forma de pensão, devidas por um dos
companheiros ao outro para atendimento das necessidades básicas de
subsistência e de manutenção de uma vida digna. O pagamento dos alimentos
pode ser feito pega entrega direta dos bens ou pelo fornecimento de dinheiro que
possibilite a aquisição dos bens pela pessoa assistida.
120 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. p. 584. 121 OLIVEIRA, Euclides de. União estável : do concubinato ao casamento. p. 169
53
O direito de pedir alimentos entre os conviventes decorre do
dever de assistência material recíproca, previsto no inciso II do art. 2º da Lei
9.278/96, onde preceitua que são direitos e deveres iguais dos conviventes a
assistência moral e material recíproca, sendo que o art. 7º da referida lei ainda
enfatiza que a dissolução da união estável não põe fim ao dever de socorro
material.
O que vem a ser dever familiar, e quais são suas
conseqüências, nas palavras de Marco Aurelio S. Viana122:
O dever familiar cumpre-se incondicionalmente, podendo ser exercido por seu titular desde que esteja alinhado no seu universo. Em se tratando do dever de os pais sustentarem os filhos ou daquele que existe entre marido e mulher, não se cogita da incidência dos pressupostos da obrigação alimentar. A própria situação econômica do devedor, que tem importância expressiva na obrigação alimentar, perde em força no território do dever de assistência material ou de sustento. O pai jamais pode furtar-se ao socorro devido ao filho menor. É bastante que este acuse sua necessidade para que se realize o dever de socorrê-lo. A noção de culpa, nesse território, parece-nos exceção.
Desta maneira, os companheiros devem alimentos
reciprocamente por força do dever familiar.
Cabe aqui salientar que diante do princípio da igualdade,
compete tanto ao homem quanto à mulher o dever de colaborar no sustento
próprio e do outro, dever este estendido durante todo o período de convivência.
Ocorrida a rescisão, esta obrigação alimentar de assistência ao convivente
continua, tal qual acontece na sociedade conjugal desfeita por separação.
Segundo Marco Aurelio S. Viana123 a dissolução da
sociedade conjugal que permite pedir alimentos é a que advém de acordo entre
os companheiros ou como decorrência de pedido feito por uma das partes. Caso
a dissolução for pleiteada pela via contenciosa, ensina:
122 VIANA, Marco Aurelio S. Da união estável. Sao Paulo: Saraiva, 1999. p. 37 123 VIANA, Marco Aurelio S. Da união estável. p. 39
54
Nada impede que eles acordem o fim da relação, disponham a respeito da partilha e fixem os alimentos. Se a dissolução é pedida pela via contenciosa, o convivente que deles necessitar deduzirá sua pretensão, provando a concorrência dos pressupostos legais que são: a) a existência da união estável; b) o estado de miserabilidade, que a lei denomina necessidade.
Ou seja, os conviventes possuem a faculdade de oferecer
alimentos ao tomarem a iniciativa de deixar o lar comum, em ação prevista no
artigo 24 da Lei 5.478/68. Caso não haja essa iniciativa, o credor deve comprovar
suas necessidades e as possibilidades do parceiro.
Entretanto, o direito aos alimentos cessa com o casamento,
união estável ou concubinato do credor. Da mesma forma perde tal direito o
credor que tiver procedimento indigno em relação ao devedor, à luz do artigo
1.708, do CC/2002.
Elucida esta questão Carlos R. Gonçalves124:
O legislador equiparou os direitos dos companheiros aos dos parentes e aos dos cônjuges. Por conseguinte, aplicam-se-lhes as mesmas regras dos alimentos devidos na separação judicial, inclusive o direito de utilizar-se do rito especial da Lei de Alimentos (Lei n. 5.478/68). Assim, o companheiro que infringir os deveres de lealdade, respeito e assistência (CC, art. 1.724) o parceiro perderá o direito aos alimentos, por cometer ato de indignidade.
Comenta Euclides de Oliveira125 que se comprovada
situação de forma inequívoca, por documento escrito ou anterior sentença judicial,
o requerente pode valer-se da Lei 5.478/68, conforme consta da Lei 8.971/94. Do
contrário, o pedido haverá de ser formulado pelo procedimento comum, com
possível cautelar de alimentos provisionais, ou antecipação da tutela.
Abre-se este parágrafo para apontar uma particularidade
pelas inovações trazidas no CC/2002. Ate então, a obrigação alimentar pela
124 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. p. 570 125 OLIVEIRA, Euclides de. União estável : do concubinato ao casamento. p. 256.
55
dissolução do casamento apenas nascia caso o credor fosse inocente na
separação. Ou seja, decretada a culpa de um dos companheiros, a este ficaria
vedada a pretensão alimentar, independentemente de possuir condições de
subsistência.
O CC/2002 introduziu a possibilidade de pleitear pensão
alimentícia independentemente da responsabilidade pela separação. Porém, se a
situação de necessidade resultar da culpa de quem pretende a pensão, os
alimentos serão reduzidos ao indispensável à subsistência do credor, conforme
dispõem os artigos 1.694, parágrafo 2º e 1.704, parágrafo único do CC/2002.
Comenta a inovação Silvio Rodrigues126:
Optou o legislador, então, por introduzir, como regra, a obrigação alimentar ao cônjuge responsável pela separação, em favor do inocente (CC, art. 1.702). Mas expressamente prevê exceção à regra, ao estabelecer a possibilidade daquele considerado culpado reclamar alimentos, comprovando a necessidade, se “não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho” (art. 1.704, parágrafo único), limitando o quantum ao “indispensável à sobrevivência”.
Assim, reconhecida a culpa de um dos companheiros, ainda
haverá a possibilidade deste reclamar os alimentos necessários, ficando privado,
todavia, dos alimentos civis, destinados à manutenção da condição social ou
padrão de vida existente antes da dissolução da união estável.
3.4.2 Meação
O artigo 5º da Lei 9.27896 estabeleceu a presunção de
colaboração dos conviventes na formação do patrimônio durante a vida em
comum, invertendo-se o ônus probatório, que competia ao que negava a
participação do outro. A presunção do esforço em comum não era absoluta, pois
podia ser contestada.
126 RODRIGUES, Silvio. Direito civil : direito de família. v. 6. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p.
389.
56
Já o artigo 1.725 do CC/2002 dispõe que na união estável,
salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais,
no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.
Embora o artigo do CC/2002 guarde semelhança com o
dispositivo da Lei supracitada, não abre a possibilidade de se provar o contrário
para afastar o pretendido direito à meação, pois a união estável, nesse aspecto,
foi integralmente equiparada ao casamento realizado no regime da comunhão
parcial de bens.
Observa Rodrigo da Cunha Pereira127:
A diferença trazida pela redação do novo Código Civil brasileiro é que ficaram igualizadas, sem nenhuma distinção, as regras patrimoniais da união estável e as do casamento. Com isso, acabou mais essa diferença entre os dois institutos. Se antes havia alguma brecha para demonstrar que não houve esforço comum, com o novo Código Civil brasileiro isto ficou mais difícil, a não ser que as partes estabeleçam uma convenção válida em cartório, como autoriza o próprio artigo 1.725.
Destarte, não celebrando os companheiros contrato escrito
estabelecendo regra diversa, se aplicará à união estável o regime da comunhão
parcial de bens, ou seja, os bens que sobrevieram na constância da união,
permanecendo como bens particulares de cada qual os adquiridos anteriormente
e os sub-rogados em seu lugar, bem como os adquiridos durante a convivência a
título gratuito, por doação ou herança.
Enfatiza Guilherme Calmon N. da Gama128 que as pessoas
que não tem opção de escolha do regime de bens no casamento também não
podem pactuar quanto aos bens adquiridos na constância da união
extramatrimonial, pois, do contrário, haveria estímulo à existência de situações
fundadas no companheirismo em detrimento do casamento, o que é vedado pela
127 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família e o novo código civil. p. 222. 128 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito de família e o novo código civil. Belo
Horizonte: Del Rey-IBDFAM, 2001. p. 345.
57
norma constitucional que prevê a conversão da união estável em casamento.
Aduz o autor:
Aos companheiros inseridos em qualquer uma das hipóteses previstas no art. 258, parágrafo único, supra-referido (do CC2002 art. 1.641), aplicar-se-á o regime da separação obrigatória de bens, tal como ocorre com o casamento.
3.4.3 Sucessão hereditária
O CC/2002 preserva a meação no campo do direito
sucessório, o que não se confunde, no entanto, com herança do companheiro
sobrevivente, em razão do regime da comunhão parcial de bens, nos termos do
artigo 1.725 do diploma supracitado. No que diz respeito à herança, os direitos
sucessórios do companheiro se limitam aos bens adquiridos onerosamente na
vigência da união estável, conforme rege o artigo 1.790 caput.
Explica Carlos Roberto Gonçalves129:
Esses direitos sucessórios são, todavia, restritos a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho, se concorrer com filhos comuns, ou à metade do que couber a cada um dos descendentes exclusivos do autor da herança, se somente com eles concorrer, ou a um terço daqueles bens se concorrer com outros parentes sucessíveis, como ascendentes, irmãos, sobrinhos, tios e primos do de cujus, ou à totalidade da herança, não havendo parentes sucessíveis, segundo dispõe o art. 1.790, I a IV.
A nova disciplina dos direitos sucessórios dos
companheiros é considerada pela doutrina um evidente retrocesso no sistema
protetivo da união estável.
Explica-se: no regime da Lei 8.971 94 o companheiro
recebia toda a herança na falta de descendentes ou ascendentes. O CC/2002,
além de restringir o direito hereditário aos bens adquiridos onerosamente na
constância da união, ainda impôs a concorrência do cônjuge sobrevivente com
129 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. p. 578.
58
descendentes, ascendentes e até colaterais do falecido, retirando-lhe o direito real
de habitação e o usufruto vidual, previstos nas leis que anteriormente regulavam a
convivência extramatrimonial.
Critica Zeno Veloso130:
E o novo Código Civil brasileiro [...] resolve que o companheiro sobrevivente, que formou uma família, manteve uma comunidade de vida com o falecido, só via herdar, sozinho, se não existirem descendentes, ascendentes, nem colaterais até o 4º grau do de cujus. Temos de convir: isto é demais! Para tornar a situação mais grave e intolerável, conforme a severa restrição do caput do artigo 1.790, que foi analisado acima, o que o companheiro sobrevivente vai herdar sozinho não é todo o patrimônio deixado pelo de cujus, mas, apenas, o que foi adquirido na constância da união estável.
Enfatiza Euclides de Oliveira131, fazendo coro a essas
críticas, quando sugere a hipótese de o falecido ter deixado apenas bens
adquiridos antes da união estável, ou havidos por doação ou herança. Em tal
situação, o companheiro nada herdará, mesmo que não haja parentes
sucessíveis, ficando a herança vacante para o ente público beneficiário.
3.4.4 Direitos previdenciários
No âmbito do direito público, existem os efeitos relacionados
ao direito previdenciário. Os benefícios sociais apresentam caráter muito mais
econômico do que jurídico, sendo que as relações pessoais que produzem efeitos
de ordem previdenciária ou fiscal são enfocadas, para este fim, como relações
econômicas, derivadas preponderantemente da dependência econômica de uma
das partes em relação à outra.
No que concerne a estes efeitos, não se vislumbram
diferenças entre o direito dos companheiros e o direito dos cônjuges, equiparados
que se encontram em função de sua dependência econômica.
130 VELOSO, Zeno. Código civil comentado. p. 236 - 237. 131 OLIVEIRA, Euclides de. União estável : do concubinato ao casamento. p. 213.
59
Os direitos da companheira foram reconhecidos pela
primeira vez, embora que indiretamente, em 1931, na Lei Orgânica da
Previdência Social, Decreto 20.465, o qual, utilizando-se da expressão genérica
mulher, fez por consagrar segundo interpretação que se tornou pacífica a
possibilidade de inclusão da companheira como beneficiária, ensina Claudia
Grieco T. Pessoa132.
A CRFB/88 criou em seu artigo 194 a chamada seguridade
social, expressão que abrange toda a sorte de benefícios nas áreas da saúde, da
Previdência e também da assistência social.
As regras instituídas pelas leis previdenciárias já estavam uniformizadas, mesmo antes da Constituição da República, em todos os diplomas legais, quanto ao amparo dos companheiros, mesmo nas inscrições após a morte do falecido133.
Assim, em caso de inscrição em vida, terá direito ao
benefício o companheiro que vier a ser designado pelo segurado, na época do
designado, por viver em união estável, independentemente de prova da união ou
do tempo de convivência, bastando aí a inscrição.
No caso de o requerimento ser feito após a morte, elucida
Claudia Grieco T. Pessoa134, que poderá se valer do benefício o companheiro que
vier a alegar que vivia em união estável, por meio de comprovação da vida em
comum, independentemente do lastro temporal da convivência.
Verificou-se assim, que o grande problema da dissolução da
união estável anteriormente à CRFB/88 era concernente aos seus efeitos
patrimoniais, e a sua conseqüente evolução na jurisprudência e doutrina, como o
surgimento da Sumula 380 do STF, que garante aos companheiros a partilha do
patrimônio adquirido pelo esforço em comum.
132 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Efeitos patrimoniais do concubinato. São Paulo: Saraiva,
1997. p. 246. 133 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Efeitos patrimoniais do concubinato. p. 249. 134 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Efeitos patrimoniais do concubinato. p. 251.
60
Ainda, foi destacado que a dissolução da união estável pode
se dar de forma consensual, e, em caso de litígio, pode-se abrir ação declaratória
de união estável e sua dissolução. O falecimento de um dos companheiros
também dissolve a união, bem como sua conversão em casamento.
No tocante aos efeitos patrimoniais, foi esclarecido que o
companheiro poderá ter direito à alimentos, meação, sucessão hereditária e
direitos previdenciários.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho de monografia teve como escopo o
estudo da dissolução da união estável: possibilidades e efeitos patrimoniais no
direto de família brasileiro.
Dentre o objetivo que se lançou a pesquisar, qual seja
analisar a união estável, focando-se nas possibilidades de sua dissolução e seus
possíveis efeitos patrimoniais gerados no direito de família brasileiro, dividiu-se o
trabalho em três capítulos:
Assim, no primeiro capitulo tratou-se analisar a família, onde
foi constatado que sua conceituação difere entre os doutrinadores, justamente por
não haver um modelo único de família. Foram feitas considerações sobre a
família moderna no direito brasileiro, que anteriormente à CRFB/88 era limitada
àquela originada do matrimonio indissolúvel, e, com o advento da referida
legislação, foram admitidos como entidade familiar a união estável e a relação
monoparental. Voltou-se então, a algumas noções de direito de família brasileiro,
para o melhor entendimento deste trabalho. Ao final do primeiro capitulo, foi feita
uma analise dos princípios do direito de família brasileiro no que se concerne a
este tema, especificamente o princípio do respeito à dignidade da pessoa
humana, o princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros e o
princípio da igualdade jurídica de todos os filhos.
No segundo capítulo tratou-se do casamento e da união
estável. Identificou-se o casamento no direito brasileiro, sua definição e natureza
jurídica, bem como suas características e finalidade. Passou-se então ao estudo
da união de fato no direito brasileiro, e ao concubinato anterior à CRFB/88, para
então ser feita uma diferenciação do concubinato puro do concubinato impuro,
nomenclatura esta não mais usada após a CRFB/88. Focalizou-se após no estudo
da união estável, sua natureza jurídica, seu conceito e elementos constitutivos
necessários para a sua caracterização.
62
Finalizou-se o trabalho com o terceiro capítulo voltando-se
ao cerne deste trabalho, qual seja a dissolução da união estável. Inicialmente,
analisou-se os efeitos da dissolução do concubinato e evolução do problema na
jurisprudência até a CRFB/88, onde foi demonstrado a constante evolução dos
tribunais brasileiros até a edição da Súmula 380 do STF, que garante a partilha do
patrimônio adquirido pelo esforço comum caso comprovada a união estável.
Adentrou-se então nas possibilidades da dissolução da união estável, quais
sejam: dissolução consensual da união estável, ação declaratória de união
estável e sua dissolução, falecimento de um dos companheiros e a conversão da
união estável em casamento. Por fim, deu-se destaque aos efeitos patrimoniais
da dissolução da união estável, que podem ser: alimentos, meação, sucessão
hereditária, em caso de morte de um dos companheiros, e as críticas doutrinárias
no que cerne à este assunto ao CC/2002, e ainda direitos previdenciários.
As quatro hipóteses levantadas no inicio deste trabalho
restaram ao final confirmadas:
Hipótese nº 1 – A conceituação de família nunca foi algo
estático, e está em constante evolução.
Desta forma, como exposto, anteriormente à CRFB/88 a
única forma de família concebível era a oriunda do matrimonio indissolúvel, e
após o advento da legislação citada, união estável e relação monoparental
também são considerados entidade familiar.
Hipótese nº 2 – A CRFB/88 define união estável a entidade
familiar estabelecida entre um homem e uma mulher.
No mesmo sentido, o CC/2002 e a Lei 9.278/96 acrescentam
a este conceito que a união em questão seja duradoura, pública, contínua e com
o objetivo de constituir família.
Hipótese nº 3 – A dissolução da união estável pode ocorrer:
pela morte de um dos conviventes, pelo casamento, pela vontade das partes e
pelo rompimento da convivência.
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A dissolução da união estável pode ocorrer
consensualmente, e os companheiros o podem fazer livremente, sem a
necessidade de maiores formalidades. Caso não haja um acordo amigável, é
necessário uma ação declaratória de união estável e sua dissolução. Ainda, foi
elucidado que a união estável pode dissolver-se com a morte de um dos
companheiros e com a sua conversão em casamento.
Hipótese nº 4 – Os efeitos patrimoniais gerados pela
dissolução da união estável são a necessidade de divisão do patrimônio adquirido
nesse período e o pagamento de alimentos ao companheiro necessitado.
Outrossim, foi averiguado ainda que a dissolução da união
estável gera direitos previdenciários além dos supracitados, bem como garante ao
companheiro vivo sucessão hereditária. Grande é a polemica no que concerne a
este assunto, já que o CC/2002 restringiu direitos hereditários antes garantidos
pela Lei 8.971/94, sendo considerada a nova legislação um retrocesso no sistema
protetivo da união estável.
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS
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