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Lucas Veloso de Menezes

CONDOMNIOSTATUS E UTOPIA NUM SUBRBIO BRASILEIRO DO SCULO XXI

Belo Horizonte Escola de Arquitetura da UFMG 2009

Lucas Veloso de Menezes

CONDOMNIOSTATUS E UTOPIA NUM SUBRBIO BRASILEIRO DO SCULO XXI

Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado apresentado ao Mestrado Acadmico da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para a obteno de ttulo de Mestre em Arquitetura. rea de Concentrao: Planejamento e dinmicas scio-territoriais Orientadora: Prof. Dra. Fernanda Borges de Moraes

Belo Horizonte Escola de Arquitetura da UFMG 2009

FICHA CATALOGRFICA Menezes, Lucas Veloso de. Condomnio : status e utopia num subrbio brasileiro do sculo XXI / Lucas Veloso de Menezes 2009. 279f. : il. Orientadora: Fernanda Borges de Moraes Dissertao (mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Arquitetura.

M543c

1. Subrbios MG). 2. Segregao. 3. Condomnio (Habitao) - Influncias americanas. 4. Condomnio Alphaville (Nova Lima, MG) I. Moraes, Fernanda Borges de. II. Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Arquitetura. III. Ttulo. CDD : 728.3

Esta dissertao dedicada Valria, companheira, parceira, minha maior incentivadora. A ela meus agradecimentos pela pacincia, dicas, correes e crticas, incentivo, apoio e carinho. Beatriz, minha me, que entre os vrios legados passou-me a ateno pelas mincias e valorizao dos detalhes. Ivo, meu pai, mestre da vida e da profisso. Exemplo que, com muito orgulho, procuro seguir os passos. Obrigado pelos aprendizados, pelas dicas e colaboraes entusiasmadas com a minha dissertao.

AGRADECIMENTOSA Fernanda, que h mais de 16 anos, em certo aniversrio me apresentou a Calvino e suas Cidades Invisveis. Ainda no percebida, foi a primeira orientao rumo s utopias, as cidades imaginadas e imaginrias. A todos professores do Mestrado e, em especial, Celina, Jupira, Maria Lcia, Roberto Luis e Stephane, pela riqueza das aulas, profundidade das discusses e pelas sempre bem vidas crticas e sugestes. A Celina, pelas aulas, dedicao e ateno na direo do Caderno Discente. A Renata, secretria do NPGAU, pela ateno, gentileza e boa vontade. A meus colegas de Mestrado, pelo prazer do convvio, pelas trocas e experincias e, principalmente pelas novas amizades. A Moema, Andreia, Carla, Juliana, Lcia, Mrcia e Marco pela boa disposio e presteza alm das preciosas dicas de normatizao. A Cristina, Juliana, Stael e Umberto que, atravs das aulas da disciplina PIAUP-I, mostraram que o ensino sempre instigante e realizador. Aos alunos das Disciplinas PIAUP-I e Cidade e Utopia pelo entusiasmo e bom desempenho que fizeram com que o ministrar aulas no fosse um eterno discursar, mas uma troca. A Claudirene reponsvel pela biblioteca e a todos os seus companheiros (as) responsveis pela Limpeza da escola muitas vezes invisveis, sem os quais nosso estudo seria muito mais difcil. A todos os funcionrios da Escola, da Cantina e a D. Lourdes. A Beatriz, querida sobrinha, Economista, futura mestra, preciosa ajuda na industrializao. A meus cunhados Laura e Leonardo, pelos livros emprestados e pela pacincia com a natural demora na sua devoluo.

A meu amigo e colega Arquitetura e Mestrado Rafael pela preciosa leitura, sugestes e, principalmente, pela amizade. s minhas primas Lcia e Ana Paula, por me conduzirem nos meandros e castelos dos Alphavilles de So Paulo. A aqueles que no foram citados. Minhas desculpas, infelizmente, o esquecimento uma das conseqncias de um final de dissertao. A Villa-Lobos, Bach, Mozart, Miles Davis, Tom Jobim e Pat Metheny, companheiros musicais e inspiradores nas horas de escrita. E a Steve Jobs que ajudou a torn-los portveis... A Rafael Hitlodeu que, h quase 500 anos, nos levou a sonhar que uma sociedade poderia ser ideal.

Cada poca sonha no apenas a prxima, mas ao sonhar, esfora-se em despertar. Walter Benjamin Um mapa do mundo que no inclua a Utopia no merece o mais breve olhar... Oscar Wilde

Eu tambm imaginei um modelo de cidade do qual extraio todas as outras respondeu Marco. uma cidade feita s de excees, impedimentos, contradies, incongruncias, contra-sensos. Se uma cidade assim o que h de mais improvvel, diminuindo o nmero de elementos anormais aumenta a probabilidade de que a cidade realmente exista. Portanto, basta subtrair as excees ao meu modelo e em qualquer direo que eu v sempre me encontrarei diante de uma cidade que, apesar de sempre por causa das excees, existe. Mas no posso conduzir a minha operao alm de um certo limite: obteria cidades verossmeis demais para serem verdadeiras Italo Calvino

RESUMOEsta dissertao procura entender o processo de suburbanizao em sua construo histrica, enfocando principalmente seus aspectos ligados dicotomia distino e status versus excluso, segregao, que entre os vrios percursos, trilha a busca da cidade e sociedade ideal, anunciada pelas utopias. A construo desta dissertao feita, inicialmente, a partir de uma abordagem histrica com sua origem nas villae suburbanae, passando pelo medievo, retomada pelas villas renascentistas. Mas foi no final do sculo XVIII que o subrbio passou por sua grande transformao, quando os ingleses e depois, os americanos, ao se depararem com uma intensa e rpida urbanizao, desencadeada a partir da Revoluo Industrial, iniciaram um processo, no qual, em seu estgio mais avanado, a idia de centralidade polarizadora foi modificada com a criao de novas centralidades perifricas. No Brasil, pas em que a centralidade urbana foi marcante ao longo de sua histria, embora com momentos suburbanizantes, a opo suburbana ocorreu tardiamente, entretanto, quando no incio do sculo XX se construiu na capital Paulista um bairro perifrico exclusivamente destinado burguesia. Este empreendimento, que influenciou vrios loteamentos brasileiros e at o plano para a construo de Goinia sinalizou um novo percurso para a urbanizao brasileira, embora se mantivesse a tradio de centralidade, como observada na construo de Braslia. Simultaneamente construo da nova capital brasileira, surgiam na periferia de Belo Horizonte, as razes do que viria a ser considerado um novo paradigma na urbanizao brasileira, o condomnio fechado que viria a servir de modelo para vrios empreendimentos similares e que, na dcada de 1970, foi levado a novos patamares com a construo de Alphaville, nos arredores de So Paulo. Alphaville se aproxima de um modelo norte-americano, alm de agregar de forma definitiva um novo componente ao subrbio brasileiro: o smbolo de status e prestgio social. E foi este novo componente que norteou a construo de Alphaville Lagoa dos Ingleses, no municpio de Nova Lima, Minas Gerais. Nesta nova conotao, o subrbio brasileiro incorpora as influncias norte-americanas, alm de toda uma simbologia de valorao material e distintiva, que prope uma sociedade/comunidade ideal, uma materializao de utopia. Palavras-chave: Subrbio, condomnio, status, utopia, Alphaville

ABSTRACTThis dissertation attempts to understand the suburbanization process in its historical construction by focusing mainly on aspects related the dichotomy distinction and status versus exclusion and segregation, which among various trajectories, is tracked by the searches of the city and of the ideal society as announced by utopias. The construction of this dissertation departs from a historical approach which traces its origin in the villae suburbanae, then passes through the medieval era, and then returns as the Renaissance villas. However, at the end of the eighteenth century the suburb has undergone substantial transformation when the British, and later, the Americans, as confronted with an intense and rapid urbanization triggered by the Industrial Revolution, began a process which, in its latest stage, has changed the idea of polarizing centrality with the creation of new peripheral centralities. Brazil, a country in which the centralized city has been highlighted throughout history, has had its own suburbanizing moments, an option which nevertheless occurred late, by the beginning of the twentieth century, when a peripheral neighborhood near So Paulos capital was built up, exclusively for housing the bourgeoisie. This enterprise has affected several Brazilian settlements, even Goinias building plant and it has signaled a new path to the countrys urbanizing processes, while retaining the tradition of centrality, as observed in the construction of Braslia. Simultaneously to the construction of the new Brazilian capital, on the outskirts of Belo Horizonte, the roots of what would be considered a new Brazilian urbanizing paradigm had emerged - the closed condominium - and it would be seen as a model for many similar ventures, which, in the 1970s, have reached new thresholds with the construction of Alphaville in the outskirts of So Paulo. Alphaville is close to a North American model, and it adds up to form a new component to the Brazilian suburb: the symbol of status and of social prestige. And it was this new component that has guided the construction of Alphaville Lagoa dos Ingleses, in the municipality of Nova Lima, estate of Minas Gerais. In this new connotation, the Brazilian suburb incorporates North American influences and a whole set of material valuation and distinctiveness symbolisms that are a society / community ideal proposal, a materialized utopia. Keywords: Suburb, condominium, status, utopia, Alphaville

LISTA DE FIGURAS01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 Runas de Villa Romana Planta de Villa romana Havelberg, Alemanha Planta de Paris durante o reinado de Felipe Augusto Plantas de Magdeburg Magdeburg em gravura do sculo XVI Leonardo da Vinci cidade ideal Leonardo da Vinci cidade ideal Palmanova, Itlia Lbeck, Alemanha: mapa, fortificaes e panorama Planta de Roma elaborada por Giovanni Battista Nolli Palazzo Chericati (1551-54), Vicenza Villa Chericati (1550-54), regio de Vancimuglio. Villa Capra Villa Capra Ilustraes de Andrea Palladio igreja de Saint Paul em Convent Garden, Londres Osterley Park Villa em Chiswick Burlington house Bedford Square, Londres Leicester Square, Londres Grosvenor Square, Londres Planta de Versalhes: distribuio espacial Planta geral da cidade e Palcio de Versalhes Vista area de Versalhes Planta de Roma Nolli Planta de Versalhes, Delagrife Battersea Rise house Mapa do Clapham Common, Ca. 1800 Clapham, regio de Springwell Projeto de Cottage para o subrbio de Victoria Park Detalhe da planta de um cottage ingls Gravura: Lar doce lar Gravura: Os frutos da sensatez Clapham vista geral da cidade em 1890 28 28 29 30 30 31 33 33 33 34 36 37 37 38 38 39 40 41 41 42 42 42 45 45 46 46 46 48 49 49 50 50 51 51 52

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Projeto de Park Village Vista de casas em Park Village Implantao de casas em Park Village Projeto de Richard Lane para Victoria Park Regio de Chausse d'Antin durante a Comuna de Paris Edifcio de apartamentos na Rue Chausse d'Antin, Paris Mapa com as fbricas, depsitos, armazns e lojas, Londres, 1904 Bradford, final do sculo XIX Construo da Avenue de l'Opera, Paris, 1858-78 Construo da Avenue de l'Opera, Paris, 1858-78 Eugene Atget R. Valette/Pantheon (1925) Eugene Atget - Rue du Maure (1908) Paris, Edifcio da pera, Ca. 1890 Paris, foto area tirada a partir de um balo, 1868 Mapa dos subrbios de Paris, em 1756 Mapa de Paris, em 1911 Plano para Amsterdam por Jacobus Gerhardus Van Niftrik Plano para Amsterdam elaborado por J. Kalff Plano para a cidade de Atenas Plano para a cidade de Berlim Bruxelas, Place de Brouckre Bruxelas, plano de Victor Besme para os subrbios (1866) Plano para Budapeste, elaborado em 1872 Copenhagen plano de 1885 Vista area de Christiania (Oslo), 1906 Vista panormica de Estocolmo em 1868 Plano de Albert Lindhagen para Estocolmo, 1868 Planta de 1815 para a reforma de Helsinki Praa do Senado, Helsinki Ensanche de Madrid, por Carlos Maria de Castro - 1860 Plano de Alessandro Viviani para a reforma de Roma, 1883 Folheto de 1860 anunciando a Ringstrasse de Viena Trs ms propostos por Howard para a cidade-jardim Diagrama de uma cidade-jardim Detalhe da regio hospitalar e centro da cidade-jardim Primeiro projeto para a cidade-jardim de Letchworth, 1903 Projeto definitivo para a cidade de Letchworh, 1904 Vista area da cidade de Letchworth

54 54 54 55 57 57 60 62 65 65 65 65 66 66 67 67 69 69 69 70 70 70 71 71 72 73 73 73 73 74 75 76 78 79 79 80 80 81

74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 100 101 102 103 104 105 106 107 108 109 110 111

Letchworth, Meadow Way Letchworth, Fbrica de Motores Phoenix Letchworth, Norton Way Letchworth, Leyes Avenue Projeto elaborado por Louis de Soissons para Welwyn,1921 Welwyn, Howardsgate, vista a partir da Parkway Welwyn, vista parcial da Parkway Planta de Welwyn Casa semisolada construda no Quadrangule em Welwyn Jardim entre blocos de apartamentos em Surennes, Paris Margarethenhhe, portada de entrada Planta de Zoliborz, 1932 Zoliborz, Varsvia, vista geral, 1925 Projeto para a cidade-jardim de Tapiola, Finlndia Vista de Tapiola Karl-Marx-Hof, Viena, exterior Karl-Marx-Hof, Viena, planta Wekerletelep, planta elaborada por Alajos Rogovszky,1926 Edifcio na Praa Faptszet, projeto de Karoly Kos. Vista area da cidade-jardim de Le Logis Projeto para a cidade-jardim de Kapelleveld, 1923-26 Cashmere Hills em Christchurch, ca. 1920 Clifton Hills, em Christchurch, ca. 1920 Denenchofu, vista area em 1934 Casa Nagawa em Denenchofu, ca.1930 Cairo, cidade-jardim, vista da rua Tolombat Cairo, cidade-jardim, projeto original, 1907 Cingapura, layout da hierarquia das intervenes Greenbelt, Maryland, vista area, 1937 Greendale, Wisconsin Esquema da rede urbana barroca segundo Lynch Desenho de LEnfant com localizao dos principais edificaes Projeto para a cidade de Washington Planta de Versalhes, Delagrife, 1766 Planta de Washington, LEnfant, 1791 Cincinnati, em 1841 Vista panormica da cidade de Cincinnati, 1900 Vista de Nova York e seu porto, 1873

81 81 82 82 82 83 83 83 83 84 84 85 85 86 86 86 86 87 87 88 88 88 88 89 89 90 90 90 91 91 93 93 94 95 95 95 95 96

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Mulberry Street, Nova York, Ca. 1900 Flatiron Building, Nova York, 1903 Subrbio na regio de Inglewood, Ca. 1925 Pasadena Freeway, Los Angeles, 1941 Powelton Village, Ca. 1920 Planta de Powelton Village, Ca. 1900 Central Park, Nova York, regio da via pblica (the drive) Projeto de Llewellyn Park elaborado por Andrew Downing Projeto de Calverley Park em Turnbridge Wells, 1827-28 Projeto de Princes Park, Liverpool, 1842 Projeto de Riverside, 1869 Riverside, gravura de 1871 Estao ferroviria em Riverside, Ca.1880 Planta de Chestnut Hill Anncio de uma ampliao de Chestnutt Hill, 1905 Reproduo de um dos primeiros omnibuses Primeiro sistema de transporte de nibus londrino Inaugurao da Ferrovia Stockton & Darlington em 1825 Locomotiva da primeira ferrovia norte-americana Tnel sob o Rio Tamisa Trem da East London Line saindo do Tnel sob o Tamisa Interior do vago de passageiros do Tower Subway, 1870 Acesso ao Tower Subway sobre o Tmisa Construo do metr de Londres, fevereiro 1861 Litografia da estao de Baker Street, Londres, 1863-69 Modelo de casa suburbana Modelo de casa em alvenaria de tijolo e terra cota Projeto para um Cottage em subrbio Villa em estilo pontiagudo Thomas H. Gale House, projeto de Frank Lloyd Wright, 1892 Kaufmann House, projeto de Richard Neutra, 1946 Esherick House, projeto de Louis Kahn, 1957 Vanna Venturi House, Projeto de Robert Venturi, 1964 Casas em Seaside, Flrida Residncias unifamiliares em Cornell, Markham, Canad Planta do projeto completo para Radburn Planta de uma superquadra de Radburn Avion Village, Grand Prarie projetada por Richard Neutra

97 97 98 98 99 99 100 101 101 101 102 103 103 104 104 106 106 106 106 107 107 108 108 109 109 110 110 110 110 111 111 111 111 111 111 113 113 114

150 151 152 153 154 155 156 157 158 159 160 161 162 163 164 165 166 167 168 169 170 171 172 173 174 175 176 177 178 179 180 181 182 183 184 185 186 187

Propaganda de eletrodomsticos Detroit, complexo de auto-estradas Vista area da regio onde seria construda Levittown Vista area de Levittown, 1958 Catlogo de vendas de Levittown com modelos de casas Catlogo de vendas de Levittown, com eletrodomsticos Lakewood, Califrnia, 1950 Lakewood, Califrnia, vista area, 1957 Henry Hudson Parkway, Nova York, 1938 Stuyvesant Town e a Peter Cooper Village, Nova York, 1950 Jones Beach, ca. 1930 Harlem River Drive, Nova York, 1951 Brooklyn-Queen Expressway, Nova York, 1950 Projeto de Park Forest, planta original de 1946 Vista area de Park Forest III Residncias unifamiliares em Park Forest Catlogo de venda de Park Forest Petersville, vista a partir da cidade de London, Ca. 1874. The ideal home fotografia de John Boyd, 1917 Habitaes populares na Jarvis Street, em Winnipeg, 1909 Fotografia area do subrbio de Markham, Ontrio Betondorp, assentamento de painis de concreto Betondorp, habitaes projetadas por J.H. Mulder Mapa geral de Moscou Antiga fbrica de tecidos, na regio norte de Moscou Subrbio na regio de Melbourne, Austrlia Desenho da relao rua, lote, edificao em um subrbio Planta do subrbio de Hillside, Nagasaki, Japo Imagem de satlite de Hillside, Nagasaki, Japo Shopping nos subrbios de Tucson, Arizona Galerie Vivienne, Paris, 1890 Magasin Printemps, Paris, 1881 Au Bon March, ca. 1890 Country Club Plaza, Kansas City, Ca. 1940. Millirons, Westchester , Los Angeles, 1949 Diviso de loteamentos, preparada em 1948 pelo FHA Novas crianas na vizinhana, de Norman Rockwell, 1967 Seaside, Florida

117 117 118 118 119 119 120 120 121 121 121 122 122 123 123 123 123 124 124 125 125 126 126 127 127 129 130 130 130 131 133 133 133 134 134 136 136 140

188 189 190 191 192 193 194 195 196 197 198 199 200 201 202 203 204 205 206 207 208 209 210 211 212 213 214 215 216 217 218 219 220 221 222 223 224 225

Celebration, Flrida Meza, Arizona, vista area em 3 dimenses Regio Metropolitana de Los Angeles, fotografia de Satlite Coral Springs, Flrida Gilbert, Arizona Planta de Vila Rica, ca. 1775-1800 Fazenda da Alegria, perto de Santa Rita Duro, Municpio de Mariana Fazenda Santo Antnio, Municpio de Esmeraldas, MG Fazenda Paraso, em Porto das Flores, Municpio de Rio das Flores, RJ Fazenda Lordelo, Municpio de Porto Novo do Cunha, RJ Casa do Baro do Ribeiro, Vassouras, RJ Fazenda Gavio, municpio de Cantagalo, RJ Residncia do Baro de Nova Friburgo, Rio de Janeiro, Ca. 1897 Projeto para a cidade de Belo Horizonte Vista panormica de Belo Horizonte, Ca. 1900 Vista area da Praa da Liberdade, Belo Horizonte, ca. 1934 Planta original do projeto de Belo Horizonte, 1895 Detalhe da planta cadastral de Belo Horizonte, elaborada em 1929 Vila Geralda Residncia Rua Alagoas, 736 Residncia Av. lvares Cabral, 475 Chcara localizada na periferia de Belo Horizonte, 1911 Chcara localizada na periferia de Belo Horizonte, 1911 Planta da cidade de Nuremberg, Alemanha, 15881598 Cidade de Nuremberg, em gravura do sculo XVI Planta de Viena na segunda metade do sculo XIX Viena, 1875. Trecho da Ringstrasse Rua Gro Mogol, Belo Horizonte,1911 Vista da regio da Lagoinha, 1911 Casa da Loba, Rua Itapecerica, 579 Casa localizada na Rua Varginha, 292 Morro do Castelo, Rio de Janeiro, Ca. 1920, antes de sua remoo Morro do Castelo, Rio de Janeiro, Ca. 1922 Perspectiva do vale do Anhangaba, So Paulo Av. Paulista, So Paulo, 1902 Avenida Higienpolis, Ca. 1910 Projeto inicial para o Jardim Amrica Projeto para o Jardim Amrica em 1919, elaborado por Parker e Unwin

140 142 143 144 144 150 151 151 151 152 152 152 152 153 154 154 154 155 155 155 155 156 156 156 156 157 157 158 158 159 159 160 160 161 161 161 162 162

226 227 228 229 230 231 232 233 234 235 236 237 238 239 240 241 242 243 244 245 246 247 248 249 250 251 252 253 254 255 256 257 258 259 260 261 262 263

Vista area do bairro Jardim Amrica, dcada de 1930 Foto de residncia no bairro do Pacaemb, So Paulo Propaganda da Cia. City Propaganda do Jardim Amrica Propaganda de lanamento do bairro do Pacaemb, pela Cia. City Propaganda do bairro Jardim Europa Propaganda da cidade-Jardim Laranjeiras Vista panormica do bairro da Urca, no Rio de Janeiro, dcada de 1950 Plano Urbanstico para a Cidade de Salvador Projeto do bairro jardim Jos Procpio Ferreira em Juiz de Fora, MG Projeto para Goinia elaborado pelo Engenheiro Atlio Correa Lima Fotografia area de Goinia, 1936 Planta da cidade de Goinia modificada por Armando de Godoy Vista area de Goinia, dcada de 1950 Vista Area de Goinia, dcada de 1960 Vista de Belo Horizonte Planta para a cidade de Minas Belo Horizonte 1895 Planta para a cidade de Minas Belo Horizonte 1895 Vista area de Belo Horizonte na regio do bairro Cidade Jardim, 1956 Barragem da Pampulha, ca. 1943-46 Vista rea da Pampulha, 1948 Capela de So Francisco de Assis, ca. 1943-49. Cassino da Pampulha, ca. 1943-46 Planta de Braslia Rodoviria de Braslia Braslia, 1990. Vista das superquadras 108, 107, 308, 307 Braslia, vista area do Ncleo Livre Bandeirante, ca. 1959 Braslia vista area da regio do Lago Norte Construo do loteamento do Retiro das Pedras Retiro das Pedras, Clube Recreativo, ca. 1957 Vista geral do Condomnio Morro do Chapu Vista area da regio de Condomnios ao longo da MG-30 Alphaville, SP Propaganda de 1975, para a venda das reas comerciais em Alphaville Vista area do Residencial 18 do Forte, 2003 Alphaville, SP, vista rea, 2003 Mapa do Conjunto de condomnios na regio de Alphaville, 2003 Alphaville Lagoa dos Ingleses, Centro Comercial Alphaville Mall

163 163 163 163 164 164 166 166 166 166 167 167 168 168 168 170 170 170 172 173 173 173 173 175 176 176 176 176 177 177 178 179 181 181 182 182 183 187

264 265 266 267 268 269 270 271 272 273 274 275 276 277 278 279 280 281 282 283 284 285 286 287 288 289 290 291 292 293 294 295 296 297 298 299 300 301

Edifcio em Los Angeles, no chamado Estilo colonial Espanhol Inexistncia de caladas. Alphaville Lagoa dos Ingleses Subrbio norte-americano. Acesso Veculos X Acesso Pessoas Alphaville Lagoa dos Ingleses. Acesso Veculos X Acesso Pessoas Castelo no Condomnio Residencial Tambor 1, Barueri Rplica da esttua da Liberdade Condomnio Alphaville, Lagoa dos Ingleses Vnus de Milo, Alphaville Uso de cercas vivas Fachada principal da residncia - apenas acesso para veculos Mapa da ilha de Utopia Claude-Nicholas Ledoux, projeto para a cidade de Chaux Cidade contempornea proposta por Le Corbusier, 1922 Estudo para a cidade vertical, proposta por Ludwig Hilberseimer em 1924 Proposta de Ludwig Hilberseimer para o centro de Berlim Pster de divulgao de Letchworth, 1903 Cidade Linear, perfil esquemtico da proposta de Soria y Mata, 1898 Vista area de New Lanark Vista geral da comunidade de Harmony Terrina para sopa, em prata, datada de 1776-77, produzida por Boulton Charge Coup de Bouton golpe de boto Propaganda do Cadillac LaSalle, 1929 Propaganda do Chevrolet Chevelle 1966 Propaganda do DeSoto, dcada de 1930 Propaganda do Oldsmobile Toronado, final da dcada de 1960 Propaganda do Cadillac Escalade 2009 Alphaville, So Paulo, Residencial 9, SUV Alphaville, Lagoa dos Ingleses, sistema virio sem conexo Vista do desnvel entre o residencial 3 e a avenida Wimbledon Alphaville, Lagoa dos Ingleses, planta geral (detalhe) Carteira para acesso a residencial no Condomnio Alphaville Alphaville, Lagoa dos Ingleses, portaria de acesso ao Residencial 1 Alphaville, Lagoa dos Ingleses, muro de divisa do Residencial 3 Alphaville, Lagoa dos Ingleses, Residencial 3, muros divisrios internos Alphaville, Lagoa dos Ingleses, Residencial 3, recuo das residncias Alphaville, Lagoa dos Ingleses, Residencial 1, ausncia de caladas Alphaville, Lagoa dos Ingleses, Residencial 3, tipologia residencial Alphaville, Lagoa dos Ingleses, Residencial 1, acesso pessoas X veculos

187 195 195 196 199 199 199 199 201 201 202 205 208 208 208 209 209 210 210 212 212 214 214 214 214 216 216 217 217 218 219 219 219 219 220 220 220 220

302 303 304 305 306 307 308 309 310 311 312 313 314 315 316 317 318 319

Propaganda de lanamento do Residencial 6: Pennsula dos Pssaros Material promocional de lanamento do edifcio Felice Propaganda de lanamento do Condomnio Quintas da Lagoa Edifcio Felice, eco-trilha, tenda de leitura, redrio Edifcio Felice, car-wash Edifcio Felice, espao torcida Edifcio Felice, brinquedoteca Slogan comercial, Condomnio Quintas da Lagoa Condomnio Quintas da Lagoa, prtico Condomnio Quintas da Lagoa, badminton Condomnio Quintas da Lagoa, espao contemplativo Propaganda de lanamento das Town Houses Propaganda de lanamento do Condomnio Quintas da Lagoa Convite para a entrega oficial do Residencial Pennsula dos Pssaros Propaganda institucional da empresa Inpar Propaganda, Pennsula dos Pssaros Propaganda Pennsula dos Pssaros Propaganda Pennsula dos Pssaros

223 223 224 225 225 225 225 226 226 227 227 279 279 279 279 280 280 280

LISTA DE TABELASMoradores em Victoria Park, Manchester, segundo a ocupao profissional Londres rea urbanizada: estimativa histrica de populao e 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 II I densidade Crescimento da populao nas capitais europias entre 1800 e 1900 Cidade de Paris: populao e densidade Residncias particulares ocupadas na Austrlia, 2001 Proporo de populao moradoras em subrbios nas 15 maiores reas metropolitanas nos EUA, 1980 Crescimento dos Boomburbs, 1930-2000 Populao do municpio de So Paulo e alguns municpios de sua rea metropolitana Taxas de crescimento populacional no municpio de So Paulo e alguns municpios de sua rea metropolitana Tempo de residncia da populao no Municpio de Barueri Unidades residenciais e equipamentos implantados maio de 2008 Custo estimado para o perodo 2000-25 do crescimento das cidades norte-americanas Produo de automveis passageiros e uso misto Posio Comparativa da Frota de Veculos, por Tipo 2003-2007 Clculo estimado de despesas simples para deslocamento Alphaville Belo Horizonte Cidade de Paris: populao e densidade a partir de 1365

01

56 59 61 64 128 137 145 183 184 184 188 191 193 193 266 267

LISTA DE ABREVIATURAS

ACB CNU EPUCS FHA IBGE PEA RMBH RMRJ RMSP VA

American Community Builders Congress of New Urbanism Escritrio do Plano de Urbanismo de Salvador Federal Home Administration Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica Populao Economicamente Ativa Regio Metropolitana de Belo Horizonte Regio Metropolitana do Rio de Janeiro Regio Metropolitana de So Paulo Veterans Administration

SUMRIOIntroduo 1 1.1 1.2 1.3 2 2.1 2.2 2.3 2.4 2.5 2.6 2.7 2.8 2.9 3 3.1 3.2 3.3 3.4 3.5 3.6 3.7 4 4.1 4.2 4.3 4.4 4.5 4.6 4.7 4.8 4.9 4.10 4.11 Captulo 1 - A histria urbana como valorizao do no-urbano: proto-suburbanizao Renascimento das villas As praas como elemento pitoresco A cidade como cenografia: barroco Captulo 2 - A histria urbana como valorizao do no-urbano: suburbanizao clssica A formao de uma mentalidade Um ambiente pitoresco Subrbio francesa Urbanizao no sculo xix Um exemplo a ser seguido: a reforma de Paris Cidade-Jardim: uma utopia suburbana Estados Unidos: solo frtil para o subrbio O transporte e a suburbanizao A arquitetura suburbanaCaptulo 3 - A histria urbana como valorizao do no-urbano: suburbanizao da mobilidade

24 28 36 41 43 48 48 53 57 60 63 76 92 104 109 112 115 116 120 124 130 138 141 147 148 153 159 167 169 174 177 180 186 189 193

Transformao pelo automvel A demanda, a promessa e o sonho A grande cidade em transformao Suburbanizao como fenmeno global O pas suburbano e um novo modelo de cidade Um novo modelo urbano Boomburbs Captulo 04 Suburbanizao brasileira: do excludo ao excluir-se Uma urbanizao centralizadora Belo Horizonte: centralidade reafirmada e subrbio considerado Um pas que se urbaniza e a receita de sucesso chamada Bairro-Jardim Goinia - a modernidade pretendida e o jardim Uma leitura suburbana: o bairro Cidade Jardim e a Pampulha Braslia a centralidade utpica Uma suburbanizao brasileira: o condomnio Alphaville So Paulo Alphaville Lagoa dos Ingleses Gastos de primeiro mundo Novo pas do automvel

4.12 5 5.1 5.2 5.3 5.4 5.5 5.6

Em busca de uma morfologia condominial Captulo 05 Utopia venda: comunidade, status e subrbio Utopia, cidade e sociedade ideal Subrbio como smbolo utpico A ascenso social e seus smbolos Alphaville: uma morfologia para a distino Uma suburbanizao brasileira: utopia venda? Uma utopia distpica? Consideraes finais Referncias GlossrioApndice - Clculo estimado de despesas para deslocamento Alphaville - Belo Horizonte

194 197 201 211 212 216 221 227 229 231 256 266 267 268 269 270 272 274 275 276 278 279

Anexo 01 - Cidade de Paris: populao e densidade a partir de 1365 Anexo 02 - Facsimile Website Associao Alphaville Lagoa dos Ingleses Anexo 03 - Alphaville vai ao interior e ao exterior Anexo 04 - Novas unidades tm plano ambiental e fogem do gigantismo de Barueri . Anexo 05 - PIB de So Paulo ganha peso no Brasil Anexo 06 - Lei N 39, de 30 de julho de 1948 Anexo 07 - Lei N 220, de 24 de julho de 1951 Anexo 08 - Suburbanizao na Colnia Referncia documental Anexo 09 - Carta Rgia, enviada Governador Gomes Freire de Andrada Anexo 10 - Propagandas de Alphaville Lagoa dos Ingleses

NOTA INTRODUTRIA

Embora pouco usual, decidiu-se por introduzir grande quantidade de ilustraes neste trabalho para tornar mais clara e fcil a visualizao e espacializao dos temas abordados. Ao final do trabalho foi inserido um glossrio de termos, esperando-se seja um instrumento de apoio ao leitor(a), em caso de termos pouco usuais.

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INTRODUOO historiador francs Fernand Braudel (1995) afirmava que a cidade um elemento transformador e intensificador do ritmo da mudana. A cidade modifica ao trazer para si as grandes transformaes humanas. A humanidade cresceu e evoluiu a partir do momento em que se reuniu em comunidade e, neste aspecto, a cidade a espacializao da vida em comunidade. A cidade funciona como um centro polarizador de mudanas. Como aquelas vislumbradas por utopias que, invariavelmente, propem cidades ideais. Nesse sentido, o espao urbano associa-se, de maneira indelvel, a idia de centralidade, assim como sua negao, a idia de descentralidade ou periferia. Em pas e mundo dia-a-dia mais urbano, estudar e analisar as cidades fundamental. Lefebvre (2004) alude teoria de uma futura urbanizao total da sociedade, num processo que resultaria do que considera como uma urbanizao completa, hoje virtual, amanh total. E, esta urbanizao total, entre os vrios processos, passa por uma anlise de um fenmeno denominado espraiamento, um constante crescer da mancha urbana que ocuparia parcelas do campo e agrega ou incorpora cidades a outra maior. Uma das primeiras etapas no processo de busca do entendimento da cidade e suas ocorrncias e transformaes passa pelo conhecimento de sua histria urbana. Histria que deve ser lida no s em livros como em suas persistncias e permanncias, como destaca Rossi (2001, p. 52), ao lembrar que so detectveis atravs dos monumentos, dos sinais fsicos do passado, mas tambm atravs da persistncia dos traados e do plano. Complementando, Roncayolo (2005, p.28) lembra que as formas urbanas so produtos de sua histria. Sob o nome de cidade, diz, se acumulam mais experincias histricas do que rigorosamente se poderia delinear atravs de conceitos. Nesta dissertao, optou-se por uma abordagem histrica para entender o processo de suburbanizao em sua valorizao ou desvalorizao, alm de sua conotao como smbolo de status ou de excluso social e sua segregao, tanto voluntria como social e economicamente determinada. Este processo de suburbanizao tem suas razes na Roma antiga mas ser no final do sculo XVIII que ter sua grande mudana quando os ingleses e depois, os americanos, ao se depararem com uma intensa e rpida urbanizao, desencadeada a partir da Revoluo Industrial (sculos XVII e XVIII), iniciaram um processo no qual, em seu estgio mais avanado, a idia de centralidade polarizadora foi modificada com a criao de novas centralidades perifricas.

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A existncia de centralidades e periferias foi acentuada pelos processos de separao de domiclio e local de trabalho gerados ao longo do surgimento e da consolidao do capitalismo industrial. Igualmente, profundas repercusses na conformao urbana podem ser atribudas s alteraes nas relaes de trabalho introduzidas por esse modo de produo, as quais, em seu percurso histrico, expressaram-se em individualizao e reestruturao das relaes pessoais e alteraes na idia de comunidade e de sociedade. Ao longo desses processos e diferentes configuraes do desenvolvimento capitalista, em distintos pases, as modificaes urbanas evoluram em diversos nveis, comeando por aspectos morfolgicos e espaciais gerais, passando por uma reviso do conceito de centralidade e culminando com a adoo de uma separao mais clara entre os diversos usos do solo urbano. Em certo ponto dessa evoluo, a deciso da burguesia industrial de morar nos subrbios alterou toda a forma da cidade. De um lado, a separao das espacialidades promoveu a intensificao da necessidade de deslocamentos dirios com exigncias de vias especficas e diretas, bem como alteraes sucessivas nos meios de transporte implicaram em uma nova conformao do sistema virio. De outro lado, configuraram-se novas formas de interao e conexo entre os diferentes espaos urbanos, centralidade e periferia, assim como estabeleceram-se novos nexos sociais e significados simblico-valorativos em suas inter-relaes sociais e econmicas. Deve-se ressaltar, entretanto, que, historicamente, muito antes de seu surgimento no formato que viria a assumir no capitalismo industrial, o conceito de subrbio esteve originalmente associado a uma idia de espao adjacente, intermedirio, de transio entre o urbano e rural. Assim era vista em Roma a construo das villae suburbanae, as quais procuravam criar no campo uma residncia com todas as comodidades de uma habitao urbana. Tais construes introduziam ainda um aspecto por vezes no muito destacado, mas que se tornaria fundamental na retomada de edificao de villas renascentistas: o carter de smbolo de status, nobreza, riqueza e exclusividade. O enfoque dado na Roma antiga teria sido o norteador de todo um conceito de villa, que foi resgatado no Renascimento, para depois ser tambm adotado, posteriormente, na Inglaterra, servindo de modelo para os futuros ncleos suburbanos ou subrbios: a idia de uma casa com caractersticas urbanas no meio rural e que aliaria idia de conforto, praticidade a uma demonstrao de status e ascenso social. Considerando esses recortes gerais como ponto de partida, os trs primeiros captulos buscam elaborar e reconstruir a histria urbana, tomando como foco, precisamente, o nourbano ou o subrbio propriamente dito, em trs diferentes fases, que expressam

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emergncia, modificaes e descontinuidades no conceito de subrbio. Na apresentao dessas fases, busca-se destacar a dicotomia ou o antagonismo subjacente a esse conceito de subrbio que, simultaneamente, expressa local de habitao e lcus na hierarquia social que a seu morador possibilita posies extremas no continuum social que vo do enobrecimento excluso social. Em seu percurso, os captulos 1, 2 e 3 buscam distinguir trs fases no processo de surgimento, estabelecimento mobilidade. A primeira, abordada no captulo 1 e denominada proto-suburbanizao, entendida como o perodo em que se processaria a consolidao de um conceito dicotmico e antagnico de subrbio smbolo de status e prestgio da aristocracia versus excludos da cidade. Iniciou-se em Roma, no sculo II com as Villae suburbanae, passando pela idade mdia com seus sub-urbs, pela retomada do conceito romano nas villas renascentistas italianas at chegar s villas inglesas dos sculos XVII e XVIII. A segunda fase, abordada no captulo 2 e denominada de suburbanizao clssica, foi o perodo de consolidao dos subrbios como local de residncia, quando se estabeleceram as bases gerais das conformaes suburbanas. Este perodo, entre os sculos XVIII e incio do XX, iniciou-se com as primeiras ocupaes suburbanas, nas franjas de Londres como Clapham e mesmo com cidades/subrbios, como Versalhes, prximo de Paris, passando pelos primeiros subrbios ingleses e norte-americanos, como Park Village, Victoria Park, Llewellyn Park. Nesta fase, ocorreu a separao clara entre os processos centralizadores na urbanizao (Paris sob Haussmann) e descentralizadores (ingls/norteamericano), para encerrar-se com a implantao de subrbios com conexo atravs de via frrea e por ela determinada. A terceira fase, abordada no captulo 3 e denominada suburbanizao da mobilidade, foi determinada pela conexo do subrbio com a regio central, predominantemente por meio do automvel. Pode-se estabelecer, como marco, a construo de Radburn (1928), Estados Unidos, que segundo Gillham (2002, p.29), foi o primeiro subrbio projetado tendo o automvel como principal meio de locomoo e de conexo. Foi o perodo do boom da suburbanizao que tornou os Estados Unidos uma nao suburbana e influenciou no processo de urbanizao em outros pases do mundo, inclusive Brasil. conceitual, conformao e consolidao dos subrbios, aqui denominadas de proto-suburbanizao, suburbanizao clssica e suburbanizao de

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No Brasil, a centralidade urbana foi marcante ao longo de sua histria. O Captulo 4 procura rever a histria urbana brasileira, buscando focar na relao do ncleo urbano, e sua centralidade sempre valorizada, e as periferias urbanas. Ao longo do sculo XIX, principalmente em seu ltimo quartel, assistiu-se um incremento no processo de urbanizao brasileiro. No final deste sculo XIX foi construda a primeira cidade da Repblica, Belo Horizonte, uma cidade planejada, com seu traado em tabuleiros de xadrez, mas que previa a criao de zonas suburbanas, fora do permetro da avenida do Contorno, onde se instalaram as pessoas com menor poder aquisitivo e tambm se localizaram, conforme previa o plano original, chcaras. Belo Horizonte, mantinha a tradio urbana brasileira de desprestgio do subrbio e uma conformao suburbana que remetia cidade mineradora. No sculo XX, foram feitas reformas urbanas no Rio de Janeiro e em So Paulo e foi na capital Paulista que se construiu um marco na urbanizao brasileira, um bairro perifrico, destinado exclusivamente burguesia, que se inspirava nas idias de cidade-jardim. O sucesso deste empreendimento influenciou vrios loteamentos brasileiros e at o plano para a construo de Goinia que, em sua segunda fase de construo, teve seu projeto alterado com a incluso de um bairro-jardim. Braslia, por sua vez, ao mesmo tempo era o smbolo da modernidade, pode ser tambm qualificada como uma continuidade do processo urbano centralizador brasileiro. Simultaneamente construo de Braslia, surgiam, na periferia de Belo Horizonte, as razes do que viria a ser considerado um novo paradigma na urbanizao brasileira, o condomnio fechado. O Retiro das Pedras, criado nesse perodo, viria a servir de modelo para vrios empreendimentos similares, inclusive Alphaville, construdo nos arredores de So Paulo, na dcada de 1970. Este condomnio, entretanto, levou o modelo a um novo paradigma, que o fez se aproximar de um modelo norteamericano, alm de agregar de forma definitiva, um novo componente ao subrbio brasileiro: o smbolo de status e prestgio social. A busca do prestgio e de status o foco da abordagem do captulo 5, que estuda esses aspectos a partir da anlise de Alphaville Lagoa dos Ingleses, cuja construo e ocupao iniciou-se no final da dcada de 1990, no municpio de Nova Lima. So estudados como se expressam os processos de busca de status e distino, bem como as utopias e construes de sociedades ideais e a maneira como estas buscas atuam na construo de um condomnio. Para tal, analisam-se as peas publicitrias e as morfologias urbana e arquitetnica, alm de aspectos simblicos, os quais, at onde se pode constatar, ainda se encontram pouco contemplados em estudos e pela literatura brasileira disponvel sobre o tema.

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CAPTULO 1A HISTRIA URBANA COMO VALORIZAO DO NO-URBANO: PROTO-SUBURBANIZAOSe algo requintado for edificado na villa, tal dever ser feito segundo as propores que acima foram descritas nos edifcios urbanos, a fim de que sejam construdas sem condicionamento de sua funcionalidade rstica. Marcus Vitruvius Pollio De architectura Livro VI, captulo VI, Pargrafo VI1

A idia de residncias fora dos limites estritos da cidade remonta antiga Roma. As primeiras villa suburbanae2 foram construdas no incio do sculo I dc. Eram construdas pela aristocracia nos arredores de Roma, fora das muralhas. Os stios para a implantao destes locais de retiro, cio e prazer eram, principalmente, junto s montanhas, em locais de clima mais ameno, como Tivoli (ento denominada Tibur) e Frascati, servindo como refgio do calor do vero romano e, eventualmente, tambm eram construdas junto ao mar, especialmente em stia (Oestia). Como uma fuga da Roma suja, poluda, superpovoada e agressiva, procuravam, lembra Rykwert (2000, p. 10), oferecer todos os confortos da moradia urbana, acrescida de alguns componentes exclusivos como banhos. Funcionavam tambm como sede da propriedade rural e depsito de eventuais produes das fazendas. Entretanto, as razes para a construo e manuteno de uma villa pela aristocracia alm da casa em Roma no tinham como premissa a produo agrcola e mesmo a destinao para lazer tinha papel complementar inteno de seu proprietrio em ostentar status superior a seus pares. O exemplo da villa romana localizada no sul da Alemanha, exemplifica algumas das caractersticas predominantes neste tipo de construo: sua localizao nas montanhas, em local com ampla viso das terras de seu proprietrio, bem como um local que tambm podia ser visualizado e admirado distncia. (FIG. 01 e 02).

FIGURA 01 - Ruinas de Villa Romana, sul Alemanha. Fonte: SCHMIDT-LAWRENZ, 2008.1 2

FIGURA 02 - Planta de Villa romana, sul da Alemanha Fonte: SCHMIDT-LAWRENZ, 2008.

Fonte: Vitrvio; Maciel (2006 [I D.C.], p. 235.

As villa suburbanae apresentavam algumas variaes tipolgicas: com trio(atrium) e peristilo, com peristilo, com pavilhes e na forma de uma cmara ou de "U", a partir d sculo I D.C. o peristilo passa a ser o espao dominante, com o trio deslocado.

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As cidades medievais tinham similaridades sociais, econmicas e polticas na maioria dos pases da Europa e tambm naquilo que Morris (1989, p.71) qualifica como detalhes visuais: a muralha, com suas torres e portes; ruas e seus espaos de circulao relacionados; a praa do mercado, em muitos casos com edificao especfica, alm de outros edifcios comerciais; a igreja; e a grande massa de edifcios da cidade com jardins eventuais privativos. Devido s necessidades de defesa, adotavam algumas premissas quanto sua localizao, ficando geralmente em locais dificilmente expugnveis como colinas ou stios abruptos, ilhas, imediaes de rios, procurando, principalmente, confluncias de rios ou sinuosidades. A localizao ideal era uma colina rodeada pelo fosso natural de um rio (FIG. 03).

FIGURA 03 - Havelberg, Alemanha a localizao da cidade, em uma ilha fluvial, facilita a defesa contra eventuais ataques. Embora localizada em regio plana, as edificaes mais altas permitem um controle visual da regio circunvizinha. Fonte: WASSERSTNDE RUND UM HAVELBERG, 2008.

Estabeleceu-se um padro de desenvolvimento das cidades dentro de uma muralha, tornando-as, de fato, ncleos urbanos. Com a limitao fsica de expanso determinada por estas muralhas, a cidade medieval atingiu ndices extremamente altos de densidade populacional. Sua formao teve varias origens, desde antigos santurios cristos a reaproveitamento ou readaptao de cidades antigas romanas ou atravs do crescimento de aldeias rurais, alm de novas cidades. A insegurana das constantes invases e ataques forou as classes mais abastadas a se manterem na segurana das cidades fortificadas. No era mais concebvel, quela altura, a existncia de vilas remotas sem as protees adequadas. As construes fora da cidade no so mais villa suburbanae, mas o subrbio3 ou faubourg4, fora da cidade ou extracidade. O subrbio passa a designar o conjunto de edificaes construdas fora das muralhas e, portanto, mais inseguras. Eram destinadas a moradores de menor poder3

Sub latim sob (com a idia de sujeio, inferioridade ou dependncia). (FARIA, 1962: p.950) Urbs, urbis cidade (em oposio a rus campo e a arx cidadela). Cidade, populao (de uma cidade), cidados. (FARIA, 1962: p.1037)4

Foris (advrbio) de fora, exteriormente. (FARIA, 1962: p.407)

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aquisitivo, mercadores, prostitutas e bandidos. O sub-urbis do latim, prximo ao burgo ou fauburg do latim, fora do burgo adquire uma conotao de local ruim, para pessoas com menor poder aquisitivo ou de m-fama, que perdurar por sculos em alguns pases da Europa continental, especialmente na Frana e pases ibricos 5. O surgimento e desenvolvimento dos subrbios ou fauburgs eram estabelecidos, principalmente, ao redor das muralhas do burgo e sua expanso ocorria ao longo das vias de acesso cidade (FIG.04). Com seu crescimento, os habitantes dos subrbios passaram requerer a construo de suas prprias muralhas, criando o que Morris (1989, p.81) qualifica como um burgo em duas partes simples, enfatizando sua caracterstica morfolgica orgnica. Entretanto, lembra o autor, algumas cidades apresentam origem mais complexa com possvel planejamento de setores de sua expanso, enquanto outras, como Magdeburg, apresentam um crescimento em mltiplos ncleos (FIG. 05). Frequentemente, lembra Calabi (2008, p.34), a construo de novas muralhas deixava de fora pores densas da populao moradora dos subrbios, especialmente nas cidades flamengas, como Gand (FIG. 06), Bruges ou Namur.

FIGURA 04 Planta de Paris durante o reinado de Felipe Augusto (1165-1223, reinou entre 1179 e 1223). Alguns dos fauburgs de Paris: St. Germain des Prs (), St. Honor (2), St. Nicolas (3), St. Paul (4) posteriormente no local foi construda a fortaleza da Bastilha, St. Victor (5), St. Marie des Champs e St. Supice (7). Fonte: POTE ,,1910, p.29 (modificado pelo autor).

FIGURA 05 Plantas de Magdeburg apresentando os dois estgios de seu desenvolvimento de seu complexo de mltiplos ncleos. Na planta superior (c.1000), em (A) castelo e Mosteiro de San Moritz, (B) Catedral (968) e a antiga cidade montanhosa (Otoniana), (C) cidade plana com a praa do mercado e (D) o burgo do condado. Na planta abaixo (c. 1250), (E) a cidade otoniana, (F) a Catedral, (G) as terras do mosteiro, (H) reas de expanso da cidade nos sculos XI e XII, (J) parte do burgo utilizado para construes de igrejas, (K) crescimento orgnico da cidade, (L) distrito planejado de 1213-1236 (M) rea de ocupao urbana nas margens do rio nos sculos XII e XIII. Fonte: MORRIS, 1989, p.80.

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interessante notar que em alguns pases, como o Brasil, esta conotao pejorativa de subrbio ser decisiva no processo de urbanizao e persistir at os dias atuais. Quando se observa o processo de suburbanizao como o que ocorre atualmente no Brasil, seguindo um padro ingls/norte-americano, no deve referenciar, especialmente nas abordagens comerciais como subrbios, mas como regio dos condomnios.

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FIGURA 06 Magdeburg em gravura do sculo XVI , de autoria de Hartmann Schedel, publicado em sua obra Liber Chronicarum, mais conhecida como Crnicas de Nuremberg. Fonte: SCHEDEL, 1493.

Com a consolidao das cidades medievais, especialmente aps o sculo XI, a existncia de um mercado em seu interior e a organizaes das guildas ou corporaes de ofcio, se consolidou na residncia urbana, uma importante relao trabalho/residncia. Na residncia do arteso estava sua oficina e l tambm trabalhavam (e se alimentavam) seus auxiliares e aprendizes, Esta relao trabalho/moradia persistiu por sculos at que com a revoluo industrial, esta unio se tornou cada vez mais difcil iniciando-se um processo de separao dos locais de trabalho e residncia. O urbano no renascimento foi marcado por duas caractersticas importantes: a cidade passou a ser tratada como um espao cenogrfico que deve valorizar o arquitetnico e introduziu-se o planejamento urbano, isto , pensava-se uma cidade existente em termos de um planejamento global, no mais em termos de intervenes pontuais. A cidade renascentista foi uma cidade de transio, pois [...] principalmente na Itlia reconhece-se um modo de pensar e controlar a forma da cidade, que parece ser entendida como objeto projetvel. Trata-se de uma fase experimental nas origens da idade moderna na qual se prospectam novas estratgias (CALABI, 2008, p.17). Ao intervir e planejar globalmente, estabeleceu-se, principalmente na reforma de Roma, a base para a criao de um novo modelo de centralidade, baseado numa idia de acessibilidade, valorizao visual da imagem que constitui o urbano e da cidade como algo a ser usufrudo e admirado. Este modelo, iniciado em Roma, consolidou-se na reforma de Paris, no sculo XIX. Neste aspecto, a reforma de Roma foi importante, pois ajudou a consolidar a importncia do centro em contraposio periferia.

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No subrbio foram reintroduzidas as villae suburbanae romanas, retomando-se seu conceito de casa urbana no meio rural agora transformada em pequenos palcios da nobreza e burguesia e, principalmente, como smbolos de status e distino social. O Renascimento foi um movimento que, na criao de espao, foi fundamentalmente arquitetnico. O espao construdo era dominado pelo edifcio. O urbano, contexto no qual estes edifcios eram inseridos, servia apenas como cenrio para a obra arquitetnica. Quando comparado ao espao arquitetnico e sua grande evoluo, o urbano pode ser considerado insignificante. Entretanto, foi neste perodo que se lanaram as bases de um urbanismo planejado e principalmente, do urbanismo barroco. Gideon (2004, p.102), sobre a reforma de Roma dizia que pela primeira vez, projetou-se e realizou-se, com absoluta segurana, o traado virio moderno de uma cidade moderna. No Renascimento iniciou-se um processo de urbanizao mais intenso; no sculo XVI, quatorze cidades europias ultrapassaram os 100.000 habitantes. A cidade passou a ser pensada e idealizada. No mais se construam cidades ou se faziam reformas pontuais, mas planejava-se uma cidade em termos gerais e pode-se afirmar que, nesta poca, alguns visionrios comearam a pensar para alm da cidade real, desenvolvendo-se o conceito de cidade ideal. No incio do renascimento surgiu uma das obras mais paradigmticas de se pensar a cidade como o local no qual poderia surgir uma sociedade ideal: a Utopia, de Thomas More6. Pensava-se a cidade em um futuro para atender demandas possveis de um futuro imaginado/idealizado, como se pode depreender da proposta formulada por Leonardo da Vinci de se criar uma cidade com separao do trfego de pedestres e veculos (carroas, carruagens e cavalos) em nveis diferentes, complementada por planos de um sistema de abastecimento por barcaas ao longo de canais controlados por comportas, alm de mecanismos de guerra e de fortificao (FIG. 07 e 08). Giedeon, a respeito de Da Vinci, dizia que em seu anseio de explorar todos os campos do conhecimento humano, proporcionou as primeiras tentativas conscientes de planejamento regional. Segundo Giedeon (2004, p.101), sementes que, embora fadada a cair em terrenos pedregosos, traziam em seu bojo mais promessas latentes do que todos os planos geomtricos para cidades ideais que nunca enxergaram alm da rbita imediata de seu prprio tempo.

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Optou-se por adotar como grafia do autor, a escrita em sua lngua natural: o ingls. O nome de Thomas More aparece em vrios textos e mesmo em ttulos de livros, principalmente em portugus com sua grafia em forma latinizada, Morus, conforme costume adotado por escritores e filsofos em sua poca.

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FIGURA 07 FIGURA 08 Em um de seus cadernos de anotaes e desenhos (1487-1490), Leonardo da Vinci apresenta sua proposta de cidade ideal, focada principalmente na questo da circulao de pessoas e de mercadorias. Ela ocorreria em dois nveis, nos quais seriam separados os diferentes tipos de veculos e tambm de classes sociais. No desenho da direita apresenta o seguinte texto: E sei que se algum quisesse percorrer a cidade utilizando unicamente as ruas altas, poderia faz-lo convenientemente, e o mesmo para aqueles que desejassem circular nas baixas. Nas ruas altas no devero passar os carroas ou outros veculos similares: essas ruas serviro s pessoas de qualidade. Nas ruas baixas passaro carroas e outros transportes para o uso e convenincia das pessoas.7 Fonte: BIBLIOTHQUE NATIONALE DE FRANCE, 2008.

Deve-se ainda lembrar que a construo fortificada ainda era preponderante na concepo de cidades e novas formas eram propostas, como a de estrela, que facilitava as defesas, como no caso da cidade de Palmanova (FIG. 09). O exemplo de Palmanova ilustra uma retomada que j se prenunciava nas bastides do medievo a um entendimento de cidade regular, em forma que buscaria um geometrismo perfeito como imagem de cidade ideal.

FIGURA 09 - Palmanova, Itlia. A forma da cidade, de traado regular e concntrico, est inserida em um polgono regular de oito lados, em cujos vrtices so construdos contrafortes para facilitar a defesa da cidade. A forma das muralhas tambm modificada em funo da introduo de novos armamentos - principalmente o canho e de novas tticas de guerra. Esta forma de cidade ser conhecida como planta em estrela. Fonte: KOSTOF, 1991, p.19.

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Bibliothque de l'Institut de France, Ms 2173, f.36ro (85a) e 16ro (85b) obtido em acesso em 11.mar.2008

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Entretanto, o surgimento de novas armas e estratgias militares exigiu uma modificao no modo de construo e mesmo que se erguesse novas muralhas. Com isto, antigas reas suburbanas eram incorporadas cidade, dentro das novas fortificaes. Uma nova tecnologia era desenvolvida para sua construo:Para controlar um territrio suficientemente vasto, nunca foram necessrias muralhas latas, mas estas necessitam tambm a proteo de um glacis (a inclinao externa da contra-escarpa): devem ser incorporados nos sistemas das fortificaes basties e rivellini, sobre os quais podem ser montados os canhes e por onde pode-se responder com fogos de fila aos ataques. No somente os novos e grandiosos edifcios municipais, mas tambm as novas e macias portas urbiche em Flandres (Amersfoort, Ca. 1400), Haarlem, 1450), assim como na Alemanha (Lbeck, 1466-78), so expresses do orgulho cvico e manifestao recproca entre os centros da Europa do norte. (CALABI, 2008, p.37). (FIG. 10)

FIGURA 10 - Lbeck, Alemanha: mapa da cidade, fortificaes e panorama em gravura do final do sculo XVII, elaborado por Matthias Seutter. Na vue doiseaux pode-se observar as novas conformaes das muralhas, desenvolvidas no Renascimento. Esta cidade era um importante porto fluvial e local de controle e defesa, pois est localizada em ilha fluvial e encontra-se a cerca de 30 km da foz do rio Trave. Fonte: WIKIMEDIA (1), 2009.

Giedion (2004, p.82) diz sobre o urbanismo renascentista, que foi o perodo preparatrio para o que alguns sculos depois seria o planejamento urbano. Como as demais cidades europias, em Roma foram feitas intervenes urbanas especficas, segundo o desejo e

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interesse do governante de ocasio. Com a ascenso do Papa Sisto V ao trono papal, em 1585, uma srie de intervenes urbanas pontuais foram articuladas em um grande plano comandado pelo arquiteto Domenico Fontana. Sisto V estabeleceu algumas premissas que deveriam fazer parte do plano a ser elaborado por Fontana. No intencionalmente, estabeleceu aquela que seria uma das bases do urbanismo moderno: o planejamento e a interveno urbana no sentido de organizar as cidades a partir de determinadas necessidades, em geral estabelecidas a partir de razes de ordem econmica. Este padro seria consolidado definitivamente aps a revoluo industrial e teria em Paris seu grande marco. A inteno de Sisto era tornar Roma ainda mais impressionante e, ao mesmo tempo, facilitar o deslocamento de peregrinos. A reforma visava interligar as sete principais baslicas de peregrinao de Roma, atravs de vias diretas, possibilitando a visita a estes templos em um nico dia de peregrinao8. H que se ressaltar que estas peregrinaes eram uma importante fonte de recursos dos Estados Papais. Esta reforma iniciou-se na principal entrada de Roma, cuja porta (Portada del Popolo, antiga Porta Flaminia) (1) e igreja de Santa Maria del Popolo (2) haviam sido projetadas por Michelangelo Buonarotti a mando do Papa Julio II. Chegava-se ento a uma grande praa, a Piazza del Popolo (3) a partir da qual, em leque abriram-se as vias que conduziriam s baslicas. Estas vias so determinadas com um par de igrejas simtricas, Santa Maria in Montesanto (1675) (4) e Santa Maria dei Miracoli (1678) (5), construdas aps as obras de Fontana (FIG. 11). Por determinao de Sisto, as vias deveriam ser as mais retilneas possveis, largas para a fcil circulao de carruagens e pessoas, deveriam tambm se articular a outras existentes e serem abertas, visando o acesso fcil s sete igrejas de peregrinao de Roma, que eram: San Pietro (So Pedro), Santa Maria Maggiore (Santa Maria Maior), San Giovanni in Laterano (So Joo), San Paolo Fuori le Mura (So Paulo), San Sebastiano Fuori le Mura (So Sebastio), Santa Croce in Gerusalemme (Santa Cruz em Jerusalm) e San Lorenzo Fuori le Mura (So Loureno).

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Para informaes completares, vide GOITIA (2003: p.102) e BENEVOLO (1995: p.143) e (2005: p.454).

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FIGURA 11 - Planta de Roma (detalhe) elaborada por Giovanni Battista Nolli. Ca.1748.9 com indicao da Portada del Popolo (antiga Porta Flaminia) (1) e igreja de Santa Maria del Popolo (2), projetadas por Michelangelo Buonarotti, a Piazza del Popolo (3), a partir da qual, em leque abrem-se as vias que conduziro s baslicas. Estas vias so determinadas com igrejas simtricas, Santa Maria in Montesanto (4) e Santa Maria dei Miracoli (5). Fonte: GOITIA, 2003, p.103 (modificada pelo autor).

Esta reforma estabeleceu alguns padres do urbanismo moderno como ruas mais largas para melhorar a circulao de pessoas (mo-de-obra) e mercadorias, alm dos insumos de trabalho. o urbanismo do ordenamento e ajuste das cidades para adequao s exigncias contemporneas. Iniciou-se em Roma e tomou sua forma definitiva e mais influente em Paris no sculo XIX com os traveaux de Haussmann e Napoleo III. 1.1 RENASCIMENTO DAS VILLAS No Renascimento, enquanto, por um lado a cidade recebia suas primeiras intervenes planejadas, especialmente com foco em suas regies centrais, de outro foi retomada uma prtica romana de construo de vilas fora dos limites da cidade. Nas cidades-estado italianas, principalmente as do norte, os ricos mercadores e banqueiros construram suas villas fora dos limites das cidades. So exemplos significativos e de grande influncia estas villas construdas nos arredores de cidades como Vicenza, Veneza, Turim, Florena e Genova.9

La nuova topografia di Roma, detalhado mapa em grandes dimenses (1760 x 2080 mm) elaborado por Nolli, finalizado em 1748. composto por 12 folhas e acompanhado por ndices detalhados de ruas, igrejas, monumentos, mostrando ento nova diviso em 14 distritos da cidade, estabelecida em 1744 pelo Papa Bento XIV. (KIRK, 2005) e (VAI e CALDWELL, 2006).

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As villas renascentistas italianas remetiam s villas suburbaneas, em sua caracterstica de se construir uma casa no campo, destinada ao lazer e cio, com todas as caractersticas e, principalmente, conforto, de uma morada urbana. Os mercadores e banqueiros das cidades-estados italianas construam suas verses das villas clssicas fora da cidade, mantendo seus palcios dentro das muralhas/cidade, como ocorria com a residncia/palcio da famlia Chericati, que mantinha sua residncia na cidade de Vicenza e sua villa nas proximidades (FIGs. 12 e 13). Na construo destas novas villas italianas se destacou a obra de Andrea Palladio (1508-1580) qualificada por Sommerson (1982, p.46) como de um arquelogo que estudou tanto os textos de Vitrvio como a arquitetura remanescente de Roma. Palladio, no s construiu edificaes como teorizou sobre arquitetura e urbanismo em seus I Quatto libri delArchitettura, de 1570; em seu livro II traou as recomendaes para a construo de uma Villa, com fachada dominada por prtico, colunas encimadas por fronto, identificando este tema como um motivo primordial da antiguidade. (Palladio apud Jobst, 2003, p.112).

FIGURA 12 - Palazzo Chericati (1551-54), Vicenza. Fonte: WIKIMEDIA (2), 2008.

FIGURA 13 - Villa Chericati (1550-54), localizada na regio de Vancimuglio. Fonte: L'ASSOCIAZIONE CITT E SITI ITALIANI PATRIMONIO MONDIALE UNESCO, 2008.

Das vrias villas que foram construdas na Itlia a partir do Renascimento, pode-se afirmar que a influncia da Villa Capra (tambm conhecida como Rotonda), projetada por Palladio, est entre as mais influentes e reproduzidas. Esta villa localiza-se a sudoeste da cidade de Vicenza - regio do Vneto, cerca de 2 km do centro da cidade (Piazza dei Signori) - foi construda entre 1550 e 1551, em um pequeno promontrio, numa paisagem campestre. As quatro fachadas com modulaes, enquadramentos e composies similares so dominadas, em seus centros por quatro prticos (FIG. 14) que do acesso a um salo circular coberto por domo e aos demais cmodos da casa (FIG. 15).

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FIGURA 14 - Villa Capra Foto do exterior Fonte: WIKIMEDIA (3), 2008.

FIGURA 15 - Villa Capra (Rotonda) Ilustraes da obra Quatto libri delArchitettura, de Andrea Palladio. Na planta pode-se observar o cmodo central, encimado pela cpula e a partir do qual se desenvolve a casa. Fonte: PALLADIO, 1570, p.19.

A importncia e grande influncia que as villas italianas vieram a ter na arquitetura ocorreram, no apenas por razes estilsticas, mas por proporem uma nova leitura das caractersticas clssicas. Foram referenciadas e mesmo reproduzidas, no s na Itlia, como

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em outros pases e, em especial, na Inglaterra. E dentre as obras italianas que foram parcialmente lembradas sob todos os aspectos destacam-se as de Palladio, que, como lembra Fishman (1987, p.45), na Inglaterra, tornou-se sinnimo de pureza do classicismo. Estas villas italianas se tornaram a conexo entre as Villa Suburbanae que foram construdas na antiga Roma, a partir do incio do sculo I DC e as villas londrinas do sculo 18. Os romanos estabeleceram um padro de construo para as opulentas elites urbanas, com casas de prazer com jardins e uma bela vista no campo, fora da cidade. A influncia italiana chegou Inglaterra pelas mos de seus artistas e arquitetos. Inigo Jones empreendeu uma viagem Itlia para estudar sua arquitetura e, como escreve Summerson (1982, p.15), inspirou-se na arqueologia paladiana para projetar seu prtico da igreja de Saint Paul em Convent Garden, Londres (FIG 16) naquilo que foi uma das primeiras manifestaes desta influncia na Inglaterra e que, posteriormente, foi ampliada com as villas suburbanas.

FIGURA 16 - Igreja de St. Paul, Convent Garden, Londres. Fonte: FOTO DO AUTOR, 2005.

Obras literrias aguam esta curiosidade pela arte italiana, como o Dirio de John Evelyn, escrito em 1644, que descreve os jardins da Villa Doria, perto de Genova ou a obra Viagem Itlia de Richard Lassels (1670), que descreve este jardim: eis que aparece to belo visto do mar, estranhos passando a caminho de Genova podem tomar como o segundo paraso (LASSELS apud GORSE, 1985 p.36). Na Inglaterra tornaram-se comum as viagens de frias Itlia, as cidades exerciam grande atrao. Criava-se o hbito de aluguar villas italianas por

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temporada e alguns membros da aristocracia e burgueses mais abastados chegavam a adquiri-las. As origens da vila burguesa inglesa remontam ao sculo XVI, quando mercadores como Thomas Gresham, com conexes prximas corte, construram elaboradas manses no campo, a pequena distncia de Londres, enquanto mantinham suas tradicionais residncias na cidade. A casa de Gresham em Osterley Park 10 procurava reproduzir as elaboradas manses dos aristocratas, fazendo referncia aos ideais clssicos das villas italianas (FIG 17).

FIGURA 17 - Osterley Park Fachada principal Fonte: WIKIMEDIA (4), 2008.

Ao estabelecer este padro, o comerciante buscava no modus vivendi da aristocracia os padres de comportamento e smbolos de realeza. A construo destas elaboradas villas, bem como a construo de casas em locais especficos de Londres, faziam parte de um elaborado plano de ascenso social. O exemplo, bem sucedido de Gresham, que conseguiu o ttulo de Sir, foi seguido por outros burgueses ricos na busca de seu reconhecimento social. Neste empreendimento, a villa suburbana exerceu um importante papel. Por outro lado, esta importncia da villa suburbana como smbolo de status, riqueza e nobreza de seus proprietrios, tanto na Itlia, como e principalmente na Inglaterra, retomou uma caracterstica inerente villa suburbana romana: a de ser um smbolo de riqueza e aristocracia de seu proprietrio. Caracterstica que perdurou nos processos posteriores de suburbanizao tanto na Inglaterra, como nos Estados Unidos e, mais recentemente, no Brasil.

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Cerca de 16 km a oeste de Londres, utilizando-se como referncia a Trafalgar Square.

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No sculo XVIII, surgiu aquela que a reproduo mais prxima de uma Villa italiana. Lord Burlington11 inspirou-se na Villa Capra para construir sua Villa em Chiswick (1723-29), (FIG. 18), prxima a Londres12. Assim como os italianos, projetou, alm de uma villa suburbana, sua residncia em Londres Burlington House em Picadilly (FIG. 19).

FIGURA 18 - Villa em Chiswick, construda por Lord Burlington. A composio formal desta edificao uma releitura da Villa Capra projetada por Palladio. Alguns detalhes a diferenciam de sua homnima italiana, como o maior alteamento da cpula central e uso enquanto a Villa Capra tinha uma destinao residencial em Cheswick, jamais foi utilizada como residncia, apenas para exposio da pinacoteca de seu proprietrio. Fonte: WIKIMEDIA (5), 2008.

FIGURA 19 - Burlington house, em Londres, localizada em Picadilly, prximo ao Palcio de Buckingham. Fonte: ODYSSEUS UNBOUND, 2007.

Estas villas suburbanas como casas de lazer, foram estgio intermedirio crucial. A elas associa-se a vida idlica, a idia de beleza e tranqilidade. Quando as cidades inglesas passam por um processo de crescimento acelerado, gerando uma deteriorao significativa de sua regio central, a mudana para este mundo ideal tornou-se, para uma parcela da populao, uma deciso lgica. 1.2 AS PRAAS COMO ELEMENTO PITORESCO Enquanto surgiam as primeiras villas inglesas na periferia de Londres, outra interveno ocorrida na capital inglesa nos sculos XVII e XVIII ajudou a introjetar na aristocracia e na burguesia o ideal pitoresco: as praas. Lembra Giedion (2004, p.742) sobre sua importncia quando pela primeira vez, construiu-se sobre o campo, em vez de elimin-lo sob massas de pedras e redes virias. Esta transformao iniciou-se em 1630 quando o Conde de Bedford, construiu uma praa em Convent Garden. Posteriormente, uma sucesso de decretos imps uma gradao de uniformidade nas novas ruas (OLSEN, 1986, p.12). Bedford Square (FIG. 20) estabeleceu a moda de praas projetadas por arquitetos. A propriedade dos Bedford e de outros nobres foram sendo transformadas em novas ruas, pontuada por freqentes praas, que passaram a ser adornadas com jardins que procuravam reproduzir as paisagens11

Richard Boyle, 3 Conde de Burlington e 4 Conde de Cork (1694-1753), arquiteto, considerado o maior incentivador do movimento ingls denominado Palladianismo. (CURL, 2000. p.109). Para informaes adicionais ver: Wittkower, Rudolf. Palladio and English Palladianism. London: Thames & Hudson, 1983. 224p. Tavernor, Robert. Palladio and Palladianism. London: Thames & Hudson, 1991. 216p.12

Cerca de 9,6 km a oeste de Londres, utilizando-se como referncia a Trafalgar Square.

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naturais. Este tipo de paisagismo, no qual se procurava transpor para o meio urbano a paisagem natural, originou um tipo de paisagismo, que mais tarde foi designado como paisagismo ingls, que encontrava, no paisagismo de tipo francs, sua contraparte 13.

FIGURA 20 Bedford Square, Londres. Vista area Fonte: KOSTOF, 1992, p.164.

O exemplo do Conde de Bedford foi seguido por outros nobres que viam na construo destas praas e de venda de lotes contguos a este empreendimento uma chance de obter rendimentos em reas que detinham prximas a Londres. Cinco anos aps a Bedford Square, foi construda a Leicester Square (FIG. 21) pelo Conde Leicester em frente sua residncia. Em 1665, o conde de Southampton cria uma praa - que mais tarde se tornou a Bloomsbury Square - e um loteamento. Vrias outras praas foram construdas ao longo do sculo XVII - Soho Square em 1681, St. Jamess Square em 1684 e Grosvenor Square (Mayfair) (FIG. 22) em 1695 e do sculo seguinte - Grosvenor e Hanover em 1720, Berkeley Square em 1730, Manchester Square em 1774, Portland Place em 1778 e Fitzroy Place em 1790 (GIEDION, 2004, p.745).

FIGURA 21 Leicester Square, Londres. Gravura Ca. 1750. Na ocasio localizavam-se nesta praa as maiores residncias da cidade. Fonte: GEORGIAN INDEX, 2009.

FIGURA 22 Grosvenor Square construda entre 17251731, atualmente a segunda maior praa de Londres. Quando de sua construo uma casa no local custava mais de 7.500, uma quantia altssima para a poca. Fonte: GEORGIAN INDEX, 2009.

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O paisagismo francs caracterizava-se por um desenho rigidamente geomtrico, com as formas curvas como claramente desenhadas por um projetista (paisagista) de forma a transformar o jardim em um vasto tapete, claramente tecido pelo homem.

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Preocupados em no desvalorizar sua propriedade em geral os nobres tinham uma residncia no local impunham uma srie de restries e obrigaes, estabelecendo um padro de construo que no era acessvel a todos. Em geral estes locais se tornam bairros destinados aristocracia e burguesia ascendente. Estas reas comearam a impor cidade uma diviso em reas segregadas e mesmo tornaram-se um incipiente processo de zoneamento e separao de funes, pois a estes nobres loteadores no interessavam que suas reas se deteriorassem com uso de determinadas funes, servios ou comrcios. Em geral, eram loteadas para uso exclusivamente residencial. A produo de um espao urbano por nobres que procuravam selecionar e impor restries ao tipo de ocupao em um empreendimento pode ser qualificado como a origem da idia e mesmo do termo gentrificao14. Esta designao foi utilizada pela primeira vez pela sociloga britnica Ruth Glass, em 1964, para designar alguns novos e distintos processos de mudana na urbanizao que comeavam a afetar a regio central de Londres (LEES; SLATTER; WYLY, 2008). Por outro lado, esta postura, segregadora e tambm gentrificadora adotada nos bairros criados por nobres ingleses em algo que se poderia conjecturar como sendo a origem remota dos condomnios abertos ser recorrente nos processos de suburbanizao, em algumas ocasies de maneira velada e em outras de forma mais explicita. 1.3 A CIDADE COMO CENOGRAFIA: BARROCO A reforma de Roma, promovida por Sisto V e comandada por Domenico Fontana, traou os parmetros que foram alados a outro nvel durante o perodo barroco. O uso da perspectiva foi intensificado. O destaque ainda era a edificao, entretanto o espao urbano de elemento cenogrfico, que servia de pano-de-fundo edificao, passou a ser um elemento componente e interveniente que deveria valorizar a edificao. A cidade passou a ser vista como fato artstico e deveria ser considerada como tal. Lembra Goitia (2003, p. 128) que o barroco forma, ordena o mundo como panorama. O uso da perspectiva como elemento componente principal deste espao significava que o urbano era utilizado como uma composio delineada a partir de um ponto de fuga nico. O Barroco, que coincidir com o auge do absolutismo, teve no urbano uma afirmao destes preceitos. A cidade, assim como a sociedade, deveria ser vista a partir de um nico ponto de vista, o do monarca. A cidade era uma manifestao do poder do prncipe.

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Do ingls gentrification. A expresso gentry refere-se a pessoas de boa posio social, logo abaixo da nobreza. (COWIE, 1992, p. 515)

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Os monarcas absolutistas, por sua vez, construram suas cidades reais. Neste aspecto, o regime francs de Luis XIV (1643-1715) seria paradigmtico, no s como a mais fiel expresso de poder absolutista do auto-denominado Rei Sol como tambm ao construir uma residncia que se tornaria um modelo a ser reproduzido: Versalhes. Como os mercadores e banqueiros italianos, o Rei Luis XIV tambm construiu sua villa no campo. O local escolhido situa-se nos arredores de Paris, cerca de 19 km, junto a um bosque onde, anteriormente, havia um pavilho de caa. Luis XIV, como outros monarcas absolutistas no gostava da cidade grande, que considerava apertada e suja. Construiu sua casa no campo, com todas as comodidades de uma residncia urbana, nos moldes de uma villa suburbanea, naturalmente que em uma escala jamais encontrada em suas predecessoras. Uma questo se destacava na anlise de Versalhes: sua constante dicotomia/subverso na relao centro/periferia e cidade/campo. Foi, inicialmente, projetado como uma Residncia/Palcio em um subrbio de Paris. A construo do Palcio iniciou-se em 1669 e a cidade, em 167215. O palcio e a cidade adjacente eram, portanto, subrbios de uma cidade muito maior Paris. Mas, em 1782, Luis XIV transferiu-se com a corte para o palcio e, no ano seguinte, transferiu a administrao para o palcio, proclamando Versalhes como sua residncia oficial, o que quase causou uma revolta em Paris (GIEDION, 2004, p.161). A idia de centralidade foi subvertida ao transformar o centro Paris em subrbio e o subrbio Versalhes em centro. Por outro lado, na relao urbano/campo, ocorreu uma nova subverso quando se construiu uma cidade anexa ao palcio/villa: a cidade tornou-se perifrica a uma villa suburbana o palcio. Por outro lado, a idia de uma villa suburbana perifrica cidade tambm foi formada: a cidade de Versalhes tornou-se o subrbio da villa de Luis XIV. A relao entre as dimenses da cidade e da rea do Palcio de Versalhes enfatizam esta subverso, conforme pode ser observado nas Figuras 23 e 24.

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No local havia uma aldeia desde a idade mdia. Luis XIII, pai de Luis XIV construiu, no local um pavilho de caa. Foi neste local que seu filho, construiu o palcio e posteriormente, substitui a antiga vila pela atual cidade. (LECLERCQ, 1993, p.14).

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FIGURA 23 - Planta de Versalhes, do pequeno parque e suas dependncias (texto original), elaborada pelo Abade Delagrife em 1766: direita a cidade (1), no espao intermedirio o palcio (2) e esquerda, dominando a paisagem, os jardins (3). Fonte: WIKIMEDIA (6), 2008 (modificada pelo autor).

FIGURA 24 - Planta geral da cidade e Palcio de Versalhes, dos jardins e das fontes, elaborado por Andre Le Notre em 1660: pode-se observar que a rea do Palcio (1) edificaes e jardim cerca de 4 vezes maior que a da cidade de Versalhes (2). Fonte: UNIVERSITAT POMPEU FABRA, 2009 (modificada pelo autor).

Embora pequena, Versalhes se tornou, com o tempo, sntese de uma cidade barroca. As ruas em leque convergem em uma perspectiva de ponto de fuga central, ao palcio real (FIGs. 23 e 25). Este modelo de cidade em leque, que remete organizao da Piazza del Poppolo em Roma (FIG. 11), seria reproduzido em vrios outros planos como o de LEnfant para Washington e at j no sculo XX, no plano de Atlio Correia Lima para Goinia.

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FIGURA 25 - Vista area de Versalhes, com o palcio em primeiro plano e a cidade em segundo plano, destacando as ruas em rgida formao em perspectiva de ponto de fuga central. Fonte: KOSTOF, 1991, p.208.

A anlise morfolgica dos planos de Roma e Versalhes permite evidenciar uma clara semelhana em sua conformao, porm, sua inteno bastante distinta. Enquanto na interveno renascentista em Roma, do grande largo da Piazza del Poppolo, abria-se o leque das trs vias e cabia ao caminhante decidir o caminho que melhor lhe aprouvesse (FIG. 26). Em Versalhes os caminhos diversos sempre convergiam para o mesmo ponto focal, no importa a origem do caminhante, sempre seria direcionado ao Palcio Real (FIG. 27). A conformao morfolgica da cidade reproduzia, formalmente, o esprito de poca: na cidade renascentista, perodo de mudanas e de uma nova postura do ser humano frente sociedade, a cidade concedia a seu usurio uma possibilidade de escolha enquanto na Versalhes barroca, assim como no regime absolutista, seu destino era direcionado para o Rei e a forma da cidade organizada de maneira a reafirmar, de maneira inequvoca, este poder.

FIGURA 26 - Planta de Roma Nolli: A principal entrada de Roma, atravs da Portada del Popolo (seta esquerda), abre em grande lardo, a Piazza del Popolo, onde caber ao visitante escolher o destino entre as vias que se abrem em leque. Fonte: GOITIA, 2003, p.103 (modificada pelo autor).

FIGURA 27 - Planta de Versalhes, Delagrife (1766): a place dArmes o foco para onde convergem os diversos acessos ao palcio. Fonte: WIKIMEDIA (6) (2008), (modificada pelo autor).

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O projeto cartesiano, que esboou no plano de Roma seus primeiros passos, teve no barroco sua consolidao, tornando-se um de seus principais instrumentos na busca de uma totalizao projetiva, isto , de um domnio em nvel de plano da paisagem urbana ou rural a ser projetada. Versalhes, como bem coloca Giedion, a expresso desta busca:O desejo do barroco de dominar o ilimitvel aparece de maneira mais evidente do outro lado do palcio. Ali o terreno declina suavemente a partir do terrao com seus espelhos dgua ornamentais. O olho conduzido pelos extensos gramados os tapis verts at o grande canal de forma cruciforme, com um quilmetro e meio de comprimento. Na poca de Luis XIV era cruzado por gndolas e outras embarcaes luxuosas. Para alm do grande canal, a vista se perde numa paisagem rural infinita. Os bosques e arbustos do enorme parque cuja rea equivale a um quarto da rea de toda Paris se estendem direita e esquerda. [...] Os bosques so pontuados por clareiras circulares, de onde emergem caminhos que se assemelham a raios de um farol. Essas reas circulares, com suas vias ou alamedas radiais, encontraro lugar no planejamento urbano do sculo XVIII. (Giedion, 2004 p.163-64).

Se, ao procurar dominar a paisagem, o palcio ao mesmo tempo o ponto focal do qual irradiam as ruas para o espao urbano e em seu ponto de fuga termina (ou comea) a ligao com a capital Paris e, no outro lado, a abertura ou conexo com os jardins ou campos, que, assim como na face urbana, so dominados por uma perspectiva de ponto de fuga central (trecho 3 da FIG. 23). Versalhes, como as villas italianas e inglesas, a afirmao da nobreza e da distino que a morada suburbana, fora do centro da cidade, pode ter ou como nestes casos tem. Pode-se conjecturar que Versalhes o pice de uma linha de residncias suburbanas que iniciou-se na Roma clssica. Mais importante ainda o fato estabelecer, de forma inequvoca, no imaginrio burgus, a associao da idia de residncia no campo, fora dos limites da cidade como smbolo aristocrtico.

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CAPTULO 2A HISTRIA URBANA COMO VALORIZAO DO NO-URBANO: SUBURBANIZAO CLSSICAArquitetura desejo de uma poca traduzido para o espao. Ludwig Mies van der Rohe

2.1 A FORMAO DE UMA MENTALIDADE No sculo XVI e XVII, a construo de casas no campo implicava altos custos de manuteno de duas casas, na cidade e no campo, bem como a dificuldade de acesso e a necessidade de um sistema particular de transportes. Por esta razo, ter uma casa no campo tornou-se um privilgio apenas das classes mais abastadas e com maior poder aquisitivo, no caso da Inglaterra de ento, invariavelmente a nobreza. Era, de certa forma, o inicio da associao, pela burguesia, de casa de campo/subrbio idia de nobreza. No sculo XVIII, consolidou-se, de forma inequvoca, a idia e importncia da casa de campo ou da villa inglesa, tanto como local de lazer e idlio de final de semana como smbolo de status e de desejo de ascenso social. A burguesia sem ttulos de nobreza, porm que se enriqueceu de forma relativamente rpida e, com a revoluo industrial, passou a adquirir smbolos de status, dentre os quais estava a construo de casas de campo. Iniciou-se, desta forma, a etapa seguinte no processo de suburbanizao ingls. No mais eram casas isoladas em grandes propriedades rurais, mas a construo destas casas numa pequena cidade, prxima grande cidade. Entretanto, algumas caractersticas das villas eram mantidas, como a de estar isolada do vizinho, ser um smbolo de status, ter um jardim e principalmente, trazer para o meio rural todo o conforto de uma moradia urbana (FIG. 28).

FIGURA 28 - Battersea Rise house, construda c. 1770 na regio oeste de Clapham. Nesta edificao a fachada ainda remete s villas dos nobres inglesas. Mas os principais elementos da construo de residncias de Clapham esto presentes. Casa recuada da rua, afastada dos vizinhos, com jardins circundando e regio arborizada. A foto de 1890 (circa). Fonte: LAMBETH LANDMARK, 2009.

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Alguns nobres ou proprietrios de terras nos arredores de Londres, cientes desta demanda e nela vendo uma possibilidade de ganhos com terras improdutivas, lotearam e criaram bairros ou pequenas vilas suburbanas fora de Londres, destinadas a atender burguesia recm enriquecida. Foi sob esta tica que surgiu Clapham. No incio do sculo XVIII, comerciantes com maiores recursos iniciaram a construo de suas casas de final de semana em Clapham, uma localidade a sudoeste de Londres, localizada cerca de 5 milhas (8 km) de seu centro. Construram suas residncias ao redor de um parque, o Clapham Common (FIG. 29). A dificuldade de transporte e a exigncia de um meio particular de deslocamento at a cidade principal carruagem ou cavalo estabeleceu uma das premissas da conexo subrbio/centro da cidade, que se manteve at o sculo XXI: a dificuldade de implantao (inviabilidade) de sistemas de transporte pblico ou de massa e a preferncia pela independncia possibilitada pelo meio de transporte privado (FIG. 30). Esta dificuldade de acesso estabeleceu e reforou uma das caractersticas inerentes a este padro de suburbanizao (ingls): a segregao.

FIGURA 29 - Mapa do Clapham Common, Ca. 1800. Fonte: FISHMAN, 1987, [p. 166]

FIGURA 30 Clapham, regio de Springwell na regio norte do Clapham Commom, onde predominavam grandes residncias, gravura Ca. 1800. Fonte: IDEAL HOMES: SUBURBIA IN FOCUS, 2008

Entretanto, quando a burguesia se mudou para os subrbios, as referncias em termos de arqutipo habitacional mudaram, no sendo mais o modelo aristocrtico inspirado na villa italiana. O modelo adotado se aproximava mais do Cottage ingls, que, principalmente no sculo XIX, se tornaria o padro de construo suburbano (FIG. 31). Na construo destas casas no campo, embora trouxessem da cidade todos os confortos, houve uma grande diferena em termos da implantao de casas no terreno: passaram a ser locadas isoladas, no meio de terreno, no mais parede/meia com o vizinho. A

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separao era feita atravs de jardins e vegetao, procurando garantir, de certa forma, a privacidade familiar.

FIGURA 31 - Projeto de Cottage para o subrbio de Victoria Park, prximo a Manchester. Fonte: METHODIST INTERNATIONAL HOUSE, 2008.

FIGURA 32 - Detalhe da planta de um cottage ingls (FIG.29) com indicao da rea de trabalho dos empregados com acesso independente a seus aposentos e aos aposentos dos proprietrios. Fonte: METHODIST INTERNATIONAL HOUSE, 2008, modificada pelo autor.

Se o jardim refletia o isolamento da cidade, este isolamento e a larga segregao urbana tambm se viam refletidas na planta da casa. Nas casas da classe mdia, os empregados eram isolados das famlias que serviam. Um intricado sistema de escadas externas no fundos das casas e locais separados para cozinhar e para limpeza reduziam ao mnimo o contato, apenas o necessrio para uma direta superviso (FIG. 32). Ironicamente, o mesmo sistema de foras econmicas que fez da mulher da classe trabalhadora uma parte integral do sistema fabril, completou a separao16 da mulher burguesa da desmoralizadora esfera de trabalho. Este ser o inicio do estabelecimento de outro parmetro do morador de subrbio: a convivncia se volta primordialmente para a famlia. Embora localizada em um ncleo urbano, a idia de comunidade ficou, esssencialmente, associada famlia (FIG. 33). Quando o burgus e sua famlia se estabeleceram, de forma definitiva, nesta casa de subrbio, o local de trabalho ainda permaneceu na cidade. Desta forma consolidou-se a premissa que o principal vnculo fora do ncleo familiar (comunidade), na vida suburbana, estava na cidade (FIG. 34). A casa passava a ser elaborada para a vida e convvio exclusivo da famlia. Downing detalha as virtudes desta vida ideal:

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Cumpre-se observar que neste caso foi fundamental a viso de famlia que era ento difundida por pastores e telogos evanglicos que viam a famlia como a base da sociedade e que deveria ser, sempre que possvel, mantida isolada do ambiente degradante da cidade, que enquadra-se naquilo que tericos como Fishman (1987, p. 96) chama de ideal vitoriano de domesticidade de autores como William Wiilberforce, Hannah More e as irms Beecher, Catherine e Harriet. Para maiores informaes ver: BEECHER, Catherine E. A treatise on domestic economy, for the use of young ladies at home, and at school. New York: Harper & Bros, 1848. 369 p. BEECHER, Catherine E.; STOWE, Harriet Beecher. American woman's home or principles of domestic science: being a guide to the formation and maintenance of economical healthful beautiful and christian homes. Whitefish, Mt: Kessinger Publishing, 2004 (1869). 264 p.

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Ns projetamos estas villas para expressar a vida de uma famlia de gosto refinado e cultivado, cheia de sentimentos domsticos, amor pelo campo, e gosto pelo rural e pela beleza da natureza no obstante, um verdadeiro lar americano, no qual tudo est adaptado aos desejos e hbitos da vida de uma famlia em circunstncias independentes. (DOWNING, 2006/1850, p.21)

FIGURA 33 Lar doce lar. Litografia colorida a mo, publicada por Muller, Co., ca. 1880.

FIGURA 34 - Os frutos da sensatez Litografia colorida a mo de Nathaniel Currier (1813-1888), publicada por J.B. Allen, ca. 1848. Legenda constante na gravura: Eis o filho da sensatez, com corao jubilante passo a passo, retornando sua casa, sua parceira parece cheia de sorrisos de boas vindas, ... seus filhos voam para encontr-lo, e abra-lo com seus pequenos braos e com os lbios e o corao lhes abenoando. (Traduo do autor). Estas duas imagens so significativas da mentalidade de esprito da poca, aparecem vrias das premissas que norteavam o esprito do sculo XIX. Na gravura esquerda (FIG. 33) aparece o interior de uma casa norteamericana. O ambiente de tranqilidade e estabilidade. Os rostos de todas as personagens so calmos e serenos, a casa aparenta conforto e certo luxo. Todos se encontram bem vestidos. Na janela esquerda pode-se perceber uma paisagem campestre. Entretanto, a roupa do pai da famlia no de um trabalhador rural, o que pode-se inferir tratar-se de uma residncia de subrbio. Na gravura da direita (FIG. 34) a famlia tambm o foco do tema. No caso o marido/pai/provedor, retornando do trabalho. Os membros da famlia aparentam como na outra gravura tranqilidade e serenidade, esto bem vestidos. A casa localiza-se em um subrbio, no muito distante do local de trabalho. Observa-se que a cor aplicada apenas no ambiente familiar (ou muito prximo). A fbrica e mesmo a paisagem natural so coloridos em tons cinza. A cor/vida est no ambiente familiar; esta opo de cores tambm adotada na figura 34, embora a paisagem externa seja buclica, as rvores, bem como o cu esto em tons esmaecidos e acinzentados. Nas duas gravuras as nicas personagens so os membros da famlia. No se v outras pessoas ou mesmo outras casas, que, eventualmente poderiam aparecer na gravura direita (FIG. 34). Nesta idia de ambiente ideal so explicitados a importncia da famlia como a comunidade, a casa e local idlico fora da cidade, a separao total do trabalho (este como um local inadequado ao ambiente familiar) e principalmente, estes fatores como smbolo de paz, harmonia e de posio social na burguesia. Fonte: THE LIBRARY OF CONGRESS (1), 2008. Fonte: THE LIBRARY OF CONGRESS (2), 2008.

Enquanto a burguesia ascendente construa suas casas no campo, a cidade passava por profundas transformaes que vieram no arcabouo da revoluo industrial. Assistiram a um crescimento expressivo de sua populao e, numa cidade no preparada e com problemas de salubridade, as condies se deterioravam aceleradamente. Por outro lado, o projeto de uma tpica comunidade suburbana pode ser descrito como a unio da casa no campo, da villa com todos os confortos de uma morada urbana e das tradies pitorescas, reforadas pelos conceitos particulares do pensamento evanglico. Os evanglicos nunca se cansaram de repetir que a vida social urbana devia ser rejeitada em

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prol da verdadeira recriao divina que havia na vida familiar e no contato direto com a natureza, sua verdadeira razo de ser. A residncia no subrbio reuniu todos os aspectos que a tornaram atraente burguesia urbana: casa no campo dentro de uma tradio pitoresca e idealizada, associada vida no campo, que, no sculo XIX, consolidou-se como sinnimo de vida saudvel, r