Dissertacao_Alinne Santana Ferreira
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Universidade de Braslia
Instituto de Letras
Departamento de Lingustica, Portugus e Lnguas Clssicas
Programa de PsGraduao em Lingustica
O DISCURSO DE PROFESSORES DO ENSINO SUPERIOR:
ESTILOS E IDENTIDADES
ALINNE SANTANA FERREIRA
BRASLIA DF
2011
-
UNIVERSIDADE DE BRASLIA
ALINNE SANTANA FERREIRA
O DISCURSO DE PROFESSORES DO ENSINO SUPERIOR:
ESTILOS E IDENTIDADES
BRASLIA DF
2011
-
Universidade de Braslia
Instituto de Letras
Departamento de Lingustica, Portugus e Lnguas Clssicas
Programa de Ps-Graduao em Lingustica
O DISCURSO DE PROFESSORES DO ENSINO SUPERIOR:
ESTILOS E IDENTIDADES
Alinne Santana Ferreira
Dissertao apresentada ao Curso de Ps-
Graduao em Lingustica da Universidade de
Braslia, como requisito parcial para obteno do
ttulo de Mestre em Lingustica.
Orientadora: Profa. Dra. Cibele Brando de
Oliveira.
Braslia
2011
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Termo de aprovao
ALINNE SANTANA FERREIRA
O DISCURSO DE PROFESSORES DO ENSINO SUPERIOR: ESTILOS E
IDENTIDADES
Dissertao apresentada ao Curso de Ps-Graduao em
Lingustica da Universidade de Braslia, como requisito
parcial para obteno do ttulo de Mestre em Lingustica.
BANCA EXAMINADORA:
Orientadora: Profa. Dra. Cibele Brando de Oliveira (UnB)
Membro externo: Profa. Dra. Anna Christina Bentes (UNICAMP)
Membro interno: Profa. Dra. Maria Luiza Monteiro Sales Cora (UnB)
Suplente: Profa. Dra. Viviane de Melo Resende (UnB)
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A meu esposo Edwin, pelo apoio e pacincia constante.
A meus pais, por sempre me mostrarem que, com estudo e
perseverana, tudo conseguimos.
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Agradecimentos
Agradeo a Deus, por ser meu refgio e fora e por se manifestar nas alegrias e nos
momentos de pouca inspirao.
A Nossa Senhora, por me proteger e interceder as minhas preces ao Criador.
A todos os meus familiares e, em especial, tia-me Gilbria e ao tio-pai Altamiro,
pelo apoio e oraes, compreendendo, mesmo com tristeza, os momentos que me ausentei por
conta da dissertao.
A minha prima Luana, pelo suporte tcnico.
A minha irm Adnia, pelo apoio durante a preparao para a seleo do mestrado e
por me fazer acreditar que isso era possvel.
Ao meu sobrinho Heitor, por ser luz que me ilumina e que me alegrou nos momentos
mais difceis.
professora Cibele Brando, por ser exemplo de professora e pesquisadora, por me
apresentar os estudos sociointeracionais aos quais me filiei, pela intensa presena nas
orientaes, que representaram, para mim, verdadeiras aulas nas quais constru conhecimento
que levarei comigo por toda minha vida acadmica.
professora Maria Luiza Cora, pelas preciosas contribuies a esta pesquisa durante
suas aulas to enriquecedoras, e por aceitar o convite para fazer parte da banca examinadora.
professora Anna Christina Bentes, pela gentileza em aceitar examinar este trabalho,
deslocando-se de Campinas a Braslia.
professora Stella Maris Bortonoi-Ricardo, por me ouvir prontamente e por perceber
que a minha pesquisa tinha um vis sociointeracional. Essa contribuio me fez levar meu
projeto de mestrado seleo de 2009 do Programa de Ps-Graduao em Lingustica.
A todos os colegas da ps-graduao pelas conversas e contribuies nos intervalos de
aulas e de congressos.
Aos professores colaboradores desta pesquisa, por disponibilizarem suas aulas e seus
momentos de folga de modo muito gentil para a construo desta pesquisa.
s secretrias do Programa de Ps-graduao em Lingustica, Renata e ngela, pela
gentileza e profissionalismo constantes.
Ao CNPq, pela concesso de apoio financeiro a esta pesquisa.
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O homem, ser de relaes, e no s de contatos, no apenas est no
mundo, mas com o mundo.
(Paulo Freire)
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Resumo
A presente dissertao objetiva investigar como professores constroem identidades em sala de
aula por meio do estilo de fala adotado, bem como procura desvelar o discurso que os
docentes possuem de si mesmos no que se refere s representaes do que ser professor do
ensino superior. Possui pressupostos tericos da Sociolingustica Interacional, da Anlise de
Discurso Crtica, da Psicologia Social e da Sociologia. Trata-se de pesquisa qualitativa, com
orientaes etnogrficas, servindo-se tambm da Anlise da Conversao Etnometodolgica
como metodologia auxiliar. Os dados foram gerados por meio da observao participante, do
grupo focal com os professores colaboradores e das sesses individualizadas para
visionamento dos dados com cada professor. Esses mtodos contribuem para a adoo da
perspectiva mica neste trabalho, baseada na triangulao pesquisador, colaboradores e
fundamentos tericos. O corpus da dissertao constitudo por oito horas, quarenta e dois
minutos e oito segundos, correspondentes a cinco aulas filmadas, mais dezoito minutos e
cinquenta e quatro segundos de filmagem do grupo focal. Alm disso, foi gravado udio das
sesses de visionamento, que representa um total de vinte e cinco minutos. Como resultados
desta pesquisa, pode-se afirmar que: (i) o estilo de fala mais ou menos formal relaciona-se
com as aes de projeo ou negociao de identidades em sala de aula, pois professores
revelaram identidades assumindo posturas ora formais, ora informais, conforme o contexto
situacional; (ii) o discurso do professor, por mais que seja de democracia, hegemnico em
sala de aula, pois ele quem possui poder institudo por seu papel social; (iii) as
representaes sobre o que ser professor correspondem s teorias educacionais mais
democrticas, porm, com limites para que as aulas sejam organizadas e os alunos possam
cumprir seus deveres acadmicos; (iv) pistas lingusticas, tais como marcadores
conversacionais e escolha lexical, bem como pistas no-lingusticas, constitudas por
movimentos cinsicos e pela proxmica, e pistas suprasseguimentais marcaram estilo mais ou
menos formal dos professores colaboradores; (v) as negociaes de identidade em sala de aula
ocorreram de maneira simtrica, quando havia menos formalidade, e assimtrica, quando o
estilo do professor era mais formal. As principais contribuies deste estudo esto
relacionadas reflexo dos professores de ensino superior a respeito das identidades
projetadas e negociadas por eles, que foram identificadas e reveladas neste trabalho. A ideia
de uma identidade fixa no constitui mais uma realidade no mundo ps-moderno, sendo que
as identidades fluidas e lquidas, definidas por Giddens (2002) e Bauman (2005), aplicam-se
ao contexto desta pesquisa, haja vista que os professores manifestaram em suas aulas e
revelaram no grupo focal mais de uma identidade.
Palavras-chave: Estilos de fala; Identidades; Discurso acadmico; Ensino superior.
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Abstract
This dissertation aims to investigate how professors construct identities in the classroom by
the speech style adopted, as well as it intends to unveil the discourse that they have about
themselves as regards to representation of being a professor in higher education. It has the
theoretical principles of Interactional Sociolinguistics, critical Discourse Analysis, Social
Psychology, and Sociology. It is a qualitative research, with ethnographic guidelines, which
also uses the Ethnomethodological Conversation analysis as an auxiliary methodology. The
data were raised through the observant participation, the focal group with professors-
collaborators, and individualized session for viewing of data with each one. These methods
contribute to the adoption of an emic perspective in this work, based on the triangulation
researcher, collaborator, and theoretical fundaments. The corpus of this dissertation is
comprised of eight hours, forty-two minutes and eight seconds, which corresponds to five
filmed classes, and more eighteen minutes, fifty-four seconds of footage of the focal group. In
addition, it was recorded twenty-five minutes of the sessions of viewing audio. The results of
this research are: (i) the speaking style more or less formal relates to the actions of projection
or negotiation of identities in the classroom, because the professors revealed identities as they
assume postures sometimes formal, sometimes informal, according to the situational context;
(ii) the professors discourse, though it seems democratic, is hegemonic in the classroom
because of the power established by their social role; (iii) the representations of what is to be a
professor correspond to more democratic educational theories; however, within limits so the
classes can be organized and so students can fulfill their academic duties; (iv) linguistic clues
such as conversational markers and lexical choice, as-well-as non-linguistic clues which
consist of kinesic movements and proxemics, and suprasegmental clues marked a more or less
formal style of the professors-collaborators; (v) negotiations of identity in the classroom
occurred in a symmetrical way, when there was less formality, and asymmetrically, when the
professor had a more formal style. The main contributions of this study are related to the
reflection of professors about the identities projected and negotiated by them, which were
identified and developed in this work in association to a certain style. The idea of a fixed
identity is no longer a reality in the postmodern world, and the liquid and fluid identity,
defined by Giddens (2002) and Bauman (2005), apply to the context of this research, given
that professors expressed and revealed more than one identity in both the classroom and in the
focal group.
Key words: Speech styles; Identities; Academic discourse; Higher education.
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CONVENES DE TRANSCRIO
OCORRNCIAS SINAIS EXEMPLOS*
Incompreenso de palavras
ou segmentos
( ) no a gente tem que ver que
a repblica foi instaurada em
1989 n, ento muito,
pouco tempo pra uma ( ) de
mudanas n.
Hiptese do que se ouviu (hiptese) poderia usar o (else).
Truncamento / ns vamos t/estar
Sobreposio de falas [ EmliaFerreiro: . Quais so
as caractersticas principais
desses dois
Aluna: [dois
desses dois textos?
Entoao enftica maiscula puristas
Prolongamento de vogal e
consoante
:: podendo aumentar para ::::
ou mais
eu acredito que ia dar um
pouqui::nho de trabalho pra
vocs.
Silabao - professora, funcionrio
separado? Fun-cio-n-rio,
fun-cio-ci-o?
Interrogao ? a cooperao que foi a palavra
chave ali que o grupo
colocou, ok?
Pausa maior ... T... O eu potico, o dono da
voz e o tu. Como que eu
identifico, posso estar
identificando... Bom, deixa eu
perguntar novamente.
Pausa menor .. mas .. cada grupo vai ter a
responsabilidade.
Comentrios descritivos da
pesquisadora
(( )) e na terceira muito difcil
((ri))
Citaes literais ou leituras
de textos, durante a
gravao
" " perdo senhor diretor.
Transcrio parcial ou
eliminao de trecho
/.../ ento o papel da mulher./.../
Fontes: Gumperz (1982a e 1982b) e Marcuschi (2007).
* Exemplos retirados do corpus desta pesquisa.
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SUMRIO
INTRODUO................................................................................................................ 13
1. DISCUSSES PRELIMINARES: CONCEITOS-CHAVE.................................... 16
1.0. Para comear a conversa... ......................................................................................... 16
1.1. Lngua ao ............................................................................................................. 16
1.2. Identidade: discutindo conceitos ............................................................................... 17
1.3. O self o ns.............................................................................................................. 19
1.4. Representaes: Assim eu sou professor. Assim eu sou aluno.................................. 20
1.5. Para fechar a conversa... ............................................................................................ 27
2. ESTILO, DISCURSO E IDENTIDADE................................................................... 29
2.0. Para comear a conversa... ......................................................................................... 29
2.1. Estilo: discutindo alguns conceitos............................................................................. 29
2.2. Estilo de fala na negociao de identidades .............................................................. 33
2.3. O discurso de sala de aula no Ensino Superior........................................................... 35
2.3.1. Concepo de discurso como prtica social............................................................ 37
2.3.2. As contribuies da Anlise de Discurso Crtica para os estudos
sociointeracionais............................................................................................................
38
2.4. A construo discursiva e identitria no estilo de fala do professor........................ 38
2.5. Para fechar a conversa... ......................................................................................... 40
3. CONTEXTO DE PESQUISA: CONEXO ENTRE SABERES TERICOS E
METDOLGICOS...................................................................................................... 41
3.0. Para comear a conversa... ....................................................................................... 41
3.1. Sociolingustica Interacional..................................................................................... 42
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3.1.1. Anlise da conversao e Etnometodologia............................................................ 44
3.2. Princpios Etnogrficos geradores da pesquisa........................................................... 46
3.3. Anlise de Discurso Crtica (ADC) para uma interpretao crtica dos dados........... 48
3.4. Contexto da pesquisa.................................................................................................. 50
3.5. Participantes colaboradores: professores e alunos.................................................... 52
3.6. Gerao de dados como constituio do Corpus de Pesquisa.................................. 54
3.6.1. Observao Participante e Notas de Campo.......................................................... 54
3.6.2. Constituio do Corpus da Pesquisa...................................................................... 55
3.6.3. Dados Visuais na Pesquisa Qualitativa.................................................................. 55
3.7. Em defesa de uma perspectiva mica......................................................................... 56
3.7.1. Grupo Focal............................................................................................................. 57
3.7.2. Interpretao dos dados pelos colaboradores na hora do visionamento.................. 58
3.8. Para fechar a conversa... .......................................................................................... 59
4. AS IDENTIDADES DO DOCENTE: DISCURSOS DE MUITOS EUS.......... 61
4.0. Para comear a conversa... ....................................................................................... 61
4.1. Discutindo estilo de fala e identidades projetadas.................................................... 62
4.2. Entre o docente e os discentes: algumas negociaes, muitas identidades.............. 70
4.3. O grupo focal dos professores: o discurso sobre si................................................... 74
4.4. Investigando identidades do docente de ensino superior.......................................... 82
4.5. Para fechar de vez a conversa... ............................................................................... 86
CONSIDERAES FINAIS........................................................................................ 88
REFERNCIAS.............................................................................................................. 95
ANEXOS........................................................................................................................... 103
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INTRODUO
Muitas questes sobre estilo e identidade de fala vm sendo discutidas no campo da
Sociolingustica Interacional e da Anlise de Discurso Crtica (ADC). Entende-se que o estilo
socialmente situado, manifestando-se no processo interacional. Os objetivos relacionais e
identitrios iro definir a variao de estilo dos interagentes (COUPLAND, 2001 e 2007). Em
decorrncia disso, vrias identidades podem ser negociadas ou projetadas pelos interagentes.
A investigao de sala de aula, no que tange aos discursos que tecem a relao entre
professores e alunos, vem sendo tema de vrias pesquisas. No entanto, a pesquisa em salas de
aula de ensino superior, no que se refere a estilos e identidades, tem sido pouco contemplada.
No Brasil, pode-se citar nessa rea a pesquisa de Brando (2005) sobre variao estilstica em
salas de aula do ensino superior e a obra de Freire e Shor (2008), que discute, em forma de
dilogo, questes sobre a postura democrtica do professor, direcionando o olhar para o
ensino superior.
Investigar a sala de aula sempre foi um dos propsitos da autora deste trabalho, que
ministra aulas no ensino superior e j realizou duas pesquisas-piloto durante o processo de
elaborao do projeto deste trabalho. O contato com as teorias da Sociolingustica
Interacional, bem como com as metodologias que cercam essa perspectiva, despertaram o
interesse para esta pesquisa.
A finalidade desta pesquisa relacionar estilo de fala s construes indentitrias de
professores do ensino superior, investigando de que modo eles negociam ou projetam
identidades para os alunos e qual a relao disso com o estilo mais ou menos formal adotado
pelos professores nos contextos pesquisados.
Desse modo, este estudo sociointeracional est voltado para a investigao das
negociaes e construes identitrias por meio do estilo de fala, utilizado nas interaes
entre professores e alunos em uma instituio de ensino superior.
Assim, o objetivo geral desta pesquisa investigar como professores e alunos
constroem identidades em sala de aula por meio do estilo de fala adotado. A partir desse
objetivo central, definiram-se os objetivos especficos pesquisa:
i. Observar como professores e alunos constroem identidades em sala de aula a
partir do estilo de fala utilizado;
ii. Identificar e analisar marcas de representao sobre o que ser
professor universitrio;
-
14
iii. Analisar aspectos lingusticos, posturas, traos proxmicos, trocas de
turno conversacional, manuteno do piso conversacional que funcionam como
marcas para sinalizar as identidades negociadas em sala de aula;
iv. Relacionar a(s) identidade(s) que o professor afirma/demonstra ter com
a(s) identidade(s) que ele negocia em sala de aula.
Para o alcance de tais objetivos, a pesquisadora partiu de cinco questes de pesquisa:
i. De que maneira o estilo projeta identidades e define relaes sociais entre os
interagentes? Como eles manifestam percepes partilhadas de tais
identidades?
ii. Como professores e alunos se posicionam quando no h partilha das
identidades projetadas?
iii. Que representaes dos professores subjazem ao discurso do que ser
professor universitrio e do que ser um aluno do ensino superior?
iv. Que pistas lingusticas e paralingusticas contribuem para a construo das
identidades no contexto de sala de aula?
v. Que traos lingusticos e no-lingusticos sinalizam a simetria ou a assimetria
entre professor e alunos?
O primeiro captulo desta dissertao discutir a respeito de lngua e identidade,
partindo dos pressupostos tericos que asseguram o conceito de lngua adotado nesta
pesquisa. Sero apresentadas vrias consideraes a respeito de identidade, sendo de grande
importncia para esta pesquisa a relao entre identidade e ps-modernidade. Mais adiante,
questes a respeito da alteridade e das representaes sociais estaro em pauta.
No segundo captulo, sero tratados aspectos referentes ao estilo de fala formal e ao
informal, relacionando-os simetria ou assimetria estabelecidas no contexto de pesquisa e
ao processo de negociao de identidades. Alm disso, algumas teorias referentes Anlise de
Discurso Crtica (ADC) sero discutidas, pois fundamentaro a interpretao dos dados,
permitindo a anlise das questes identitrias que permeiam o discurso dos professores
colaboradores.
O percurso metodolgico ser delineado no terceiro captulo, comeando pela
apresentao da Sociolingustica Interacional, bem como das reas que dialogam com essa
-
15
disciplina, tais como Anlise da Conversao, Etnometodologia e Anlise de Discurso Crtica
como auxlio para interpretao crtica dos dados. Depois disso, ser apresentado o contexto
da pesquisa e os seus colaboradores, bem como o processo de gerao dos dados para a
constituio do corpus deste trabalho. Para isso, ser necessrio discutir os mtodos da
observao participante, do grupo focal e do visionamento, relacionando-os perspectiva
mica a que este trabalho se vincula.
Por fim, no quarto captulo, os dados sero analisados luz das teorias discutidas. Para
uma anlise crtica a respeito dos discursos dos professores, sero retirados trechos dos
protocolos interacionais1 que evidenciem a negociao/projeo de identidades em sala de
aula, relacionando-as ao estilo de fala mais ou menos formal adotado pelo professor.
Os nomes reais dos colaboradores de pesquisa, por questes de tica, foram
preservados, optando-se pela sua substituio por nomes de grandes pensadores da educao:
Rubem Alves, Maria Montessori, Emlia Ferreiro e Magda Soares. Acatando sugesto da
professora Maria Luiza Cora, no intuito de no provocar ambiguidades entre o discurso dos
professores colaboradores e o dos educadores escolhidos como codinomes, optou-se por
juntar os nomes dos educadores como se fossem um s. Desse modo, no decorrer de todas as
citaes do protocolo interacional, os nomes aparecero, respectivamente, da seguinte
maneira: Rubemalves, Mariamontessori, Emliaferreiro e Magdassoares.
Para atender ao carter mico adotado nesta pesquisa, ser feita uma triangulao dos
dados, articulando as teorias estudadas s interpretaes da pesquisadora a respeito das aes
sociais filmadas e o ponto de vista dos professores colaboradores no grupo focal e nas sesses
de visionamento.
1 A partir da analogia com os protocolos de leitura, a expresso protocolos interacionais, cunhada pela Profa.
Dra. Stella Maris Bortoni-Ricardo, entendida, neste trabalho, como registro escrito de todas as aes
desempenhadas pelos participantes durante o procedimento da gerao de dados.
-
CAPTULO 1
DISCUSSES PRELIMINARES: CONCEITOS-CHAVE
Quando me refiro a uma lingustica crtica, quero, antes de mais nada, me referir a uma
lingustica voltada para questes prticas. No a simples aplicao da teoria para fins
prticos, mas pensar a prpria teoria de forma diferente, nunca perdendo de vista o fato de
que o nosso trabalho tem que ter alguma relevncia. Relevncia para as nossas vidas, para a
sociedade de um modo geral.
RAJAGOPALAN (2003, p. 12)2
1.0. Para comear a conversa
Neste captulo, sero discutidos os principais conceitos de lngua na perspectiva adotada
nesta pesquisa. Alm disso, os conceitos de identidade e representaes sociais sero
apresentados e inseridos no contexto da sala de aula do ensino superior, local onde os dados
da pesquisa foram gerados.
1.1. Lngua ao
necessrio apresentar, antes de tudo, a noo de lngua adotada neste trabalho. A
concepo de lngua em pauta a tem como uma atividade social. Nas palavras de Marchuschi
(2008, p. 60), a lngua um fenmeno incorporado, e no abstrato e autnomo.
Halliday (1997) afirma que o estudo da sociedade pressupe o estudo da lngua e do
homem social e que os interesses da lingustica se estendem para a linguagem como um
comportamento social. Assim, pode-se perceber que a lngua faz parte do homem do mesmo
modo que o homem faz parte da sociedade. Portanto, h uma relao intrnseca entre lngua e
sociedade, que exclui do objeto de estudo deste trabalho a compreenso de lngua por si
mesma e independente de fatores externos.
preciso salientar que o modo de estudo da lngua aqui proposto a concebe como uma
forma de interao humana. No possvel conceber lngua sem relacion-la
2 RAJAGOPALAN, Kanavillil. Por uma lingustica Crtica. So Paulo, Parbola, 2003.
-
17
pessoa que a utiliza, bem como s questes sociais e culturais que marcam as relaes sociais
que o ser humano estabelece.
Os estudos interacionais se voltam para a natureza social da lngua e afirmam que ela
precisa ser estudada dentro das prticas sociais numa determinada cultura. o que Goffman
([1964] 2002)3 chama de situaes sociais, ou seja, o contexto onde ocorrem as trocas
verbais.
Por isso, o trabalho na perspectiva da Sociolingustica Interacional objetiva revelar
como os interagentes negociam e partilham significados sociais durante as trocas verbais. Isso
requer uma prtica de pesquisa voltada para a interpretao dos significados sociais, e no
mais para a categorizao dos nveis de linguagem de grupos sociais.
Fica claro, ento, que se prope aqui trabalhar com uma concepo de
lngua/linguagem que perpassa a estrutura e a forma. Toda a abordagem terica e
metodolgica deste trabalho abarca o que Rajagopalan (2003) chama de lingustica crtica. E,
por essa concepo, torna-se necessrio e coerente perceber a lngua como forma de ao,
sendo ela ideolgica e social. Alm disso, a pesquisa compromete-se a estudar como as
pessoas, por meio da linguagem, estabelecem relaes e nelas constroem representaes
sociais.
1.2. Identidade: discutindo conceitos
De Fina (2007, p.59) afirma que a identidade se manifesta no discurso e na
participao nas prticas sociais tanto individualmente como coletivamente. Os interagentes
constroem identidades que os projetam como um tipo especfico de pessoa ou projetam
identidades coletivas quando falam ou agem como parte de um grupo ou uma instituio a
qual pertencem. Coupland (2007, p.108-111) tambm afirma a existncia de uma projeo
que torna determinado interagente parte de determinado grupo social. Para esse autor, a
identidade uma meta da ao social.
Algumas identidades se relacionam com os campos sociais (BOURDIEU, 1983): as
famlias, os grupos de colegas, as instituies educacionais, os grupos de trabalho, os partidos
polticos. So esses os contextos nos quais as pessoas vivem algumas de suas identidades.
3 GOFFMAN, E. A Situao Negligenciada. Trad. Pedro M. Garcez. In: RIBEIRO, B & GARCEZ, P (orgs.).
Sociolingustica Interacional. So Paulo: Loyola, 2002.
-
18
Convm aqui observar a diferena entre papel social e identidade estabelecida por
Castells (1999, p.23-24). Para ele, ser me, fumante e membro de alguma igreja, ao mesmo
tempo, diz respeito aos papis que so definidos por normas estruturadas pelas instituies e
organizaes da sociedade. A importncia desses papis para influenciar as aes de pessoas
depende de negociaes entre os sujeitos e as instituies de que fazem parte. As identidades,
portanto, s sero geradas por meio do processo de individualizao ou de negociao com o
meio social no qual os indivduos interagem.
Deter o papel social de professores universitrios no constitui fator suficiente para
que os colaboradores de pesquisa projetem imagem de si como profissionais exigentes ou
competentes a todo momento. Assim tambm ocorre com os alunos, pois nem sempre o papel
social de aluno far com que eles ajam sempre do mesmo jeito.
Para compreender a afirmao anterior, convm refletir sobre o sujeito ps-moderno.
As identidades na era da disseminao de uma cultura globalizada devem ser pensadas luz
do que Hall (2006, p.12) chama de era da ps-modernidade. Para ele, essa a era das
identidades fragmentadas e submetidas a crises constantes, pelo fato de as mudanas
estruturais e institucionais terem levado as identidades fixas a um colapso, mostrando como
so provisrias, variveis e problemticas. Trata-se, ento, de uma era da pluralizao das
identidades.
Hall (2006, p. 10-12) apresenta trs concepes de identidade: (a) do sujeito do
iluminismo; (b) do sujeito sociolgico; (c) do sujeito ps-moderno.
a) Identidade e iluminismo: baseado no conceito de pessoa humana altamente
centrada, unificada e dotada de razo. O centro o ncleo interior.
b) Identidade e modernidade: a concepo de sujeito sociolgico j refletia a
crescente complexidade do homem moderno e a conscincia que ele passa a ter do mundo
social e cultural (ncleo interior mais ncleo exterior). Criou-se, ento, uma concepo
interativa da identidade e do eu.
c) Identidade e ps-modernidade: o sujeito que tinha conscincia de uma
identidade unificada e estvel passa a conceb-la fragmentada. O sujeito no se limita a uma
s identidade, mas passa a integrar vrias, algumas vezes contraditrias e no resolvidas.
Bauman (2005, p.17) chama de era lquido-moderna o perodo atual no qual as
identidades so fluidas e negociveis.
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19
Tornamo-nos conscientes de que o pertencimento e a identidade
no tm a solidez de uma rocha, no so garantidos para toda a vida,
so bastante negociveis e revogveis, e de que as decises que o
prprio indivduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como
age e a determinao de se manter firme a tudo isso so fatores
cruciais tanto para o pertencimento quanto para a identidade.
Na vida ps-moderna, as pessoas assumem papis sociais muito mais diversos do que
nos tempos passados. Assumir esses papis quesito necessrio vida de uma pessoa que tem
relaes profissionais, familiares, religiosas, entre outras, e que precisa assumir identidades
em cada um desses momentos. No entanto, um papel social s se torna uma identidade se os
atores sociais a internalizam, construindo o significado com base nessa internalizao.
(CASTELLS, 1999, p.23)
Com a rapidez das informaes e a mudana de paradigma a respeito dos meios de
interao social, tambm possvel assumir diversas identidades ao mesmo tempo durante a
interao virtual em programas de conversao, como o MSN (Microsoft Service Network) ou
o Google Talk.
Como j foi afirmado, as identidades assumidas na era ps-moderna so altamente
efmeras e flexveis. Por essa razo, os professores do ensino superior podem se identificar de
mltiplas formas, pois no h mais espao para uma representao fixa que revele somente
uma identidade para cada professor.
1.3. O self o ns
A construo do self realizada nas interaes sociais. Por isso, quando um
interagente projeta ou negocia determinada identidade, ele se vale de estratgias pessoais
conscientes ou inconscientes que tornam possveis suas intenes.
Goffman (2009, p.15) afirma que, quando um interagente est com os outros, as suas
aes sero calculadas de acordo com as respostas que ele espera dos outros. Para o autor, o
contexto situacional no qual o sujeito est inserido ir requerer esse ou aquele tipo de
expresso. Ou seja, a motivao situada em tempo e espao e condicionada pelo grupo ou
pela posio social em que a pessoa se encontra.
Pensar sobre identidade no contexto escolar pensar numa complexidade de selfs que
acompanham o professor e o aluno. Consoante Castells (1999, p.23), toda identidade
constituda pela soma do eu e dos outros:
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20
Identidades, por sua vez, constituem fontes de significados para os
prprios atores, pois so construdas por eles em um processo de
individualizao (...). Embora (...) as identidades tambm possam ser
formadas a partir de instituies dominantes, somente assumem tal
condio quando e se os atores sociais as internalizam, construindo
seu significado com base nessa internalizao.
Woodward (2000, p.55) afirma que a subjetividade envolve a compreenso que se tem
do eu (self), envolvendo as emoes conscientes e inconscientes do que se . Abarca tambm
os pensamentos e sentimentos mais pessoais do sujeito e as posies que ele assume e
externa, por se considerar identificado com elas e que constituiro as suas identidades.
Por mais que questes a respeito da subjetividade subjazam discusso relativa
construo do self, assim como defende Woodward (2000, p.55), preciso considerar que as
representaes do self dos interagentes so resultados de um filtro no somente subjetivo e
internalizado. As relaes sociais estabelecidas como resultado de determinadas identidades
assumidas determinam a construo e a desconstruo de selfs por meio da negociao que
ocorre durante a interao face a face.
Simbologias so criadas nas relaes sociais por meio de negociaes constantes entre
os interagentes. Os significados, assim, sero negociados, revistos e, em algumas situaes,
reinventados de acordo com os interesses dos interagentes. por este motivo que Berguer e
Luckmann (2008, p.230) recomendam no falar em identidade coletiva, pois afirmaes a
respeito de identidades fixas podero ser confirmadas ou refutadas e, em se tratando do sujeito
ps-moderno, como j foi explicitado, as identidades assumidas por ele se tornam efmeras.
1.4. Representaes: Assim eu sou professor. Assim eu sou aluno
Moscovici (2007) afirma que as pessoas no possuem conscincia de algumas coisas
bvias, que esto diante dos olhos delas. Ainda mais quando os seres humanos aceitam
algumas imposies sociais sem discusso e seus comportamentos so respostas a estmulos
comuns a todos os membros de uma comunidade a qual pertenam. Assim, esse autor comea
a delinear o que significam as representaes sociais e como elas esto interligadas ao sistema
cognitivo dos interagentes.
Moscovici (2007, p. 37) discute tambm que as representaes sociais vo muito alm
do sistema cognitivo, pois constituem fenmeno muito mais social do que psquico:
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Todos os sistemas de classificao, todas as imagens e todas as descries que
circulam dentro de uma sociedade, mesmo as descries cientficas, implicam um
elo de prvios sistemas e imagens, uma estratificao na memria coletiva e uma
reproduo da linguagem que, invariavelmente, reflete um conhecimento anterior e
que quebra as amarras da informao presente.
Esse autor afirma que influncias passadas interferem nas representaes do presente,
pois as representaes so entidades sociais que dizem respeito vida humana e que vo
mudando em respeito ao seu curso natural.
Representaes, obviamente, no so criadas por um indivduo isoladamente. Uma
vez criadas, contudo, elas adquirem uma vida prpria, circulam, se encontram, se
atraem e se repelem e do oportunidade ao nascimento de novas representaes,
enquanto velhas representaes morrem. (MOSCOVICI, 2007, p.41)
Para uma anlise madura das representaes sociais, preciso perceber que toda
representao atual nasce de uma mais antiga. Moscovici (2007, p. 38) alerta para a
importncia da anlise de representaes anteriores, que deram origem s mais atuais, pois
so elas que possuem o que h de mais forte e duradouro numa sociedade.
Sobre esse aspecto, Goffman (2009, p.25) afirma que, quando os interagentes
representam papis, objetivam que a plateia, ou seja, os outros interagentes levem a srio a
impresso sustentada perante eles.
Consoante essa afirmao, professores e alunos representam o self a partir das
motivaes sociais que permeiam as suas relaes. Se interessante e lucrativo assumir o
papel de professor exigente, os gestos corporais, o tom de voz e o vocabulrio selecionado
sero tomados como ferramentas para essa representao. O mesmo ocorre para as
representaes do professor menos exigente e do aluno dedicado ou, at mesmo, daquele que
desdenha a fala do professor com conversas durante a aula. Goffman (2009, p.39) assim
afirma:
(...) mas na esfera social que abrange o exerccio de sua competncia
profissional preocupar-se- muito com dar uma demonstrao de
eficincia. Ao mobilizar seu comportamento para fazer uma
demonstrao, estar interessado no tanto no curso completo das
diferentes prticas que executa, mas somente naquela da qual deriva
sua reputao profissional.
Portanto, preciso estar ciente de que existem interesses externos os quais subjazem a
interao professor-alunos. Isso envolve prestgio profissional e busca por reconhecimento de
competncia tanto da parte do professor quanto do aluno. Todos esses aspectos influenciaro
as prticas discursivas adotadas no momento da aula.
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importante notar que, quando um indivduo faz uma representao, esconde
tipicamente mais que prazeres e poupanas imprprias (GOFFMAN, 2009, p.41). Essa
afirmao do autor mostra que os interagentes precisam ocultar alguns traos que os impeam
de dar total veracidade identidade que ele precisa assumir em determinado momento. Alm
disso, Goffman (2009, idem.) ressalta que o local de trabalho e a atividade oficial tornam-se
uma espcie de concha (grifo meu) que esconde a vida animada do ator.
Em geral, h necessidade humana de parecer sempre melhor do que se . Ento, numa
interao, o desempenho dos interagentes tender a incorporar valores reconhecidos
socialmente como positivos (GOFFMAN, 2009). E, o ato de fala, por mais que seja realizado
de forma to natural que no parea que foi planejado pelo interagente, movido por
intencionalidade naquilo que se fala. Alm disso, os sinais no-verbais precisam ser levados
em conta tambm, pois revelam muito no que tange projeo de identidades.
Excerto 01 aula 04: 3 semestre de Computao4
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249. Rubemalves5: /.../ Deu uma clareada a nas ideias? Ento tudo o que voc fizer em
programao que voc pedir pro sistema gerenciador de banco de dados ele vai te retornar um
vetor, ele fala, h, o que voc pediu t aqui, toma o vetor e controla o vetor, a voc tem que t
dominando muito bem essas estruturas aqui , pra conseguir programar legal.
250. Aluno: a funo dessa mensagem s pra ficar mais fcil de entender?
251. Rubemalves: pra ficar assim, pro usurio ter a mensagem completa, n, ainda d pra
colocar aqui vrgula, comentrio, aqui tem que fazer simples porque, a vocs podem
complementar a. Pessoal, alguma dvida?
252. Aluno: a minha estrutura de repetio no deu certo no.
253. Rubemalves: qual o erro que t dando no final?
254. Aluno: t dando erro sinttico.
255. Rubemalves: Erro sinttico erro de escrita, qual linha? V se voc no colocou nada
trocado (). ((voltando-se ao aluno))
256. Aluno: achei.
4 Os cursos que fizeram parte desta pesquisa foram: Pedagogia, Letras e Computao. Mais detalhes sero
apresentados no captulo 03 deste trabalho.
5 Optou-se por utilizar pseudnimos para se referir aos professores colaboradores desta pesquisa. Eles constituem
nomes de grandes educadores brasileiros. Para que o discurso dos professores colaboradores no fosse
confundido com o dos educadores escolhidos, acatou-se a sugesto da professora Maria Luiza Cora de juntar
primeiro nome com o sobrenome.
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257. Rubemalves: achou? Alguma dvida? Tudo tranquilo? E a pessoal, alguma dvida?
258. Aluno: intervalo
259. Rubemalves: Intervalo n, na volta exerccios, t bom. Ento, quem quiser sair pro
intervalo... esteja vontade.
Ainda que o professor Rubemalves esteja explicando os contedos, ele sempre se volta
aos alunos e pergunta se eles tm alguma dvida. Durante toda a aula, o professor repete essa
ao. Assim sendo, mesmo o professor Rubemalves assumindo uma certa simetria quando
olhava para os alunos e tirava as dvidas deles, no abandonava seu lugar de professor, perto
do quadro branco, pois a assimetria marca o papel social que o professor exerce no contexto
acadmico, sendo uma atitude muito importante para esse profissional.
A hegemonia do discurso do professor em sala de aula ocorre em funo do papel
social que ele ocupa e das representaes sociais que ele e o aluno possuem. So essas
concepes at ento internalizadas que vo faz-los assumir o papel social de professor e de
aluno e se entenderem como tais. o que Goffman (2009, p.52) nomeia de segregao de
auditrio: uma forma de o interagente garantir que aqueles que esto com ele no percebam
ou participem de um papel que no faz parte daquela prtica social. Ou seja, o professor
desempenha o seu papel social e segrega os alunos de poderem conviver com outras
identidades dele e de projetarem tambm outras possveis identidades. Porm, as identidades
partilhadas na aula em curso podem no condizer com o papel social que cumpre cada um.
(cf. linhas 04, 08, 12, 13, 15, 17 e 18)
So vrios os significados sociais compartilhados em sala de aula. A diferena entre
papel social e as identidades negociadas em sala de aula deve se considerada para se comear
a entender como o professor visto pelos alunos e como os alunos veem o professor e a ele se
mostram. (CASTELLS, 1999, p. 23)
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1. Mariamontessori: /.../ns estamos num curso superior, num curso acadmico e
necessrio que a gente deixe alguns vcios que ns temos, que vocs tm l no
ensino mdio, na organizao mesmo das coisas, por exemplo, algumas das atividades
so manuscritas, alguns trabalhos eu tive muita dificuldade de ler porque eu no
consigo entender a grafia, muito complicada, ento eu ficava l tentando descobrir
algumas palavras pra entender o contexto, tanto que quando vocs receberem as
atividades, vocs vo observar que est tudo riscado, circulado, ponto de
interrogao, eu questiono algumas coisas, porque ns estamos num processo, eu
quero ajudar vocs e vocs me ajudam tambm pra que eu melhore, eu no sou
perfeita n, ento eu fiz algumas observaes, eu no somei mdia ainda de ningum,
t?
/.../
3. Mariamontessori: quando a gente faz um trabalho de pesquisa que extraclasse,
n, um trabalho de nvel acadmico, necessrio a organizao, gente, ter um
modelo dentro das normas, capa direitinho, tudo organizado, vocs fizeram fora, n,
uma pesquisa extraclasse, eu considerei todo o contedo que foi desenvolvido, at
mesmo pela dificuldade que a turma teve em alguns momentos de conseguir esse
contedo, eu dei um tempo bastante, depois da minha ausncia ainda fiquei esperando
bastante, gente, olha, no deixa de me entregar as atividades, eu t aqui, vou receber,
isso a a gente negociou, ento eu fui bem clara e dei oportunidade, ento ns
precisamos se organizar n, a grafia gente, vocs esto num nvel superior, ento
assim, algumas palavras do cotidiano escritas erradas, palavras que a gente usa
diariamente, erros de portugus muito graves, porque so coisas do cotidiano, que
a gente precisa escrever bem, as interpretaes de alguns, eu perguntava sobre A
respondia sobre C, ento a gente tem que saber direcionar /.../
Nesse excerto, possvel observar que a professora Mariamontessori projeta uma
identidade em consonncia com seu papel social: para ser uma professora competente,
preciso exigir dos alunos que tenham postura acadmica, que escrevam como alunos do
ensino superior. Por isso, ela ressalta a sua indignao com os trabalhos recebidos dos alunos
do curso de pedagogia, evidenciando que eles precisavam deixar de escrever como no ensino
mdio, pois estavam fazendo um curso de graduao.
No mesmo turno conversacional 01, linha 9-10, a professora j modaliza o seu
discurso afirmando no ser perfeita, mas que quer ajudar os alunos e ser ajudada por eles. A
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simetria j fica bem evidente nessa fala da professora. No turno conversacional nmero 03, a
partir da linha 13, a professora cobra uma grafia correta dos trabalhos, projetando identidade
de exigente, e, ao mesmo tempo, negocia a data para receber os trabalhos.
Percebe-se, claramente, que, assim como assegura Bauman (2005), estamos na era
lquido-moderna, na qual as identidades so to fluidas que difcil estabelecer rtulos nicos
que confiram ao professor uma nica identidade. Ao contrrio disso, os professores transitam
em contnuos dinmicos, nos quais no h extremos. Os alunos, por sua vez, compreendem as
exigncias dos professores no sentido de serem mais acadmicos, mas quando o professor no
assume o turno de fala, em momentos em que a aula expositiva no est acontecendo, os
alunos projetam identidades que nem sempre condizem com o que os professores esperam.
Estamos na era das identidades fragmentadas (HALL, 2006). E isso se reflete
diretamente na sala de aula. O ser professor, em alguns momentos, negociado com o ser
aluno, como pode ser observado no excerto 03:
Excerto 03 aula 01: 3 semestre de Pedagogia
1 3. ALUNA: depois de uma dessa. Ser que foi eu que coloquei a gria?
Logo aps a fala da professora, uma aluna faz o comentrio exposto no excerto 03,
revelando sintonia com o discurso da professora Mariamontessori.
importante ressaltar que a crise de identidades j discutida aqui tambm vivida
pelos alunos. Eles so, em sua maioria, provenientes de famlias de pouco letramento escolar.
Ficaram muito tempo sem estudar, e ter a postura acadmica pedida pelos professores, para
eles, torna-se desafio extremo. Eles renem diversas identidades relacionadas a vrios papis
sociais como o de me, o de pai, o de profissional, o de chefe de famlia, o de filho, entre
outros. Todos esses papis sociais os fazem projetar identidades diversas em sala de aula.
Entretanto, o discurso do professor um discurso de poder. Reivindicar dos alunos
uma identidade acadmica ao constante nas aulas observadas, principalmente as aulas 01,
02 (curso de pedagogia professora Mariamontessori) e 03 (curso de Computao
professora Magdassoares).
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Excerto 04 aula 03: 3 semestre de Computao
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149. Magdassoares: no questionrio, que foi o ltimo que eu dei valendo um ponto,
eu dei de consulta, dei o material pra vocs trazerem o material, dei de consulta, ento eu
fiz corrigir realmente as questes, ver se elas estavam corretas, vocs tiveram todo o
material de pesquisa pra realizar isso, com relao linha do tempo, o que que acontece
muitas vezes gente, a gente precisa avanar nisso, vocs j esto no terceiro semestre,
no se faz pesquisa mais, como voc fazia l no ensino mdio n, faz uma pesquisa voc
no faz simplesmente control C, control V, na pesquisa que voc encontrou no site e
entregar isso como se fosse um trabalho seu, o que eu encontrei em muitos trabalhos
foi essa cpia tirada, lgico voc realizou uma pesquisa pra isso, foi l na internet, no t
dizendo o seu, porque eu no me lembro assim, especificamente do seu trabalho, mas eu
t dizendo em linhas gerais o que que aconteceu dentro dos trabalhos, se eu fosse
considerar no p da letra mesmo, no teria considerado nem o que eu considerei,
porque muitos trabalhos, inclusive, estavam iguais, praticamente iguais, eu percebi
que tiraram do mesmo site da internet.
A professora Magdassoares tambm reivindica identidade acadmica ao mostrar
turma que no estava satisfeita com os resultados dos trabalhos, assumindo, nesse caso,
postura de avaliadora das produes feitas pelos alunos prtica inerente ao exerccio do
magistrio.
Um ponto interessante, a ser observado, como as duas professoras colaboradoras
citadas se direcionam aos alunos. A professora Mariamontessori, quando deseja assumir uma
condio de maior simetria com os alunos, inclui-se no discurso, usando construes
lingusticas na primeira pessoa do plural (a gente negociou; ns estamos num curso superior). J a
professora Magdassoares, por ser muito mais formal, no se inclui no discurso com os outros
alunos, utilizando construes com a primeira pessoa do singular (eu t dizendo; se eu fosse
considerar...), assumindo uma relao assimtrica com seus alunos nesse excerto 04 (linhas
10 a 12).
Mariamontessori, nas linhas 4 e 5 do excerto 02, tambm utiliza a primeira pessoa do
singular nos momentos em que quer assumir uma postura mais simtrica (eu tive muita
dificuldade de ler; eu no consigo entender a grafia). A assimetria aparece tambm, para as
duas professoras, quando ambas se diferenciam dos alunos e deles se distanciam por meio do
uso da terceira pessoa (voc fazia l no ensino mdio Magdassoares; vocs esto num nvel
superior Mariamontessori). Com essa ao, os papis sociais ficam bem delimitados.
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Essas marcaes de pessoa so reveladoras para o estudo da negociao das
identidades, pois so os professores os responsveis pela conduo, ou no, de negociao de
identidades.
Excerto 05 aula 03: 3 semestre de Computao
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1. Magdassoares: pra trazer impresso hoje.
2. Aluna: professora ( ) imprimir ou manuscrito?
3. Aluno: Deixa imprimir professora. que voc no falou se era manuscrito ou
digitado.
4. Magdassoares: [n::o impresso ((professora abaixa a cabea e cruza os braos com
um ar de que no vai negociar com os alunos)) vocs j to no terceiro semestre, n,
tem que caminhar, n, com as normas da ABNT, a fazer o trabalho mais /.../
Esse excerto demonstra que a professora Magdassoares no estava disposta a negociar
com os alunos uma nova data para entrega do trabalho, que deveria ser digitado. Ela reitera a
exigncia de postura acadmica ao afirmar que os alunos estavam no terceiro semestre do
curso e j tinham que seguir as normas da ABNT.
As pistas cinsicas da professora sinalizam que ela no queria negociar com os alunos.
Essa recusa marcada pelo abaixamento da cabea e cruzamento dos braos pistas da
assimetria estabelecida, nesse contexto, pela professora com os alunos.
1.5. Para fechar a conversa...
possvel afirmar, finalmente, que as relaes estabelecidas por meio de negociaes
entre professores e alunos so resultado da construo de vrios selfs por meio de vrias
representaes. As notas de campo indicaram a presena de duas representaes
materializadas, duradouras e permanentes na relao entre os colaboradores: a do professor
exigente e a do professor flexvel. Essas duas representaes sero o alicerce para a
identificao de algumas identidades ora projetadas, ora negociadas pelos professores
colaboradores.
Por isso, faz-se necessrio retomar a distino feita pgina 19 entre identidade e
papel social, e acrescentar representaes sociais. Esses trs conceitos so fundamentais na
constituio do referencial terico deste trabalho.
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As representaes sociais envolvem um processo de individualizao de ideias e
concepes a respeito de como se projetar socialmente. Porm, preciso observar, como
ensina Moscovici (2007), que a representao precisa ser vista como um fenmeno visvel, e
no mais como um conceito, exatamente por sua face social, representada pela linguagem, a
qual , para esse autor, carregada de representaes. Portanto, o discurso do professor a
respeito de si e de seus alunos fundado nas representaes construdas socialmente ao longo
de sua formao acadmica e de sua experincia profissional.
Os papis sociais referem-se s normas estabelecidas pelas instituies sociais. Ser
professor, aluno ou diretor constituem papis estabelecidos, por exemplo, por uma instituio
de ensino. Assim como ser presidente, vice-presidente e conselheiro podem ser papis sociais
institudos por um partido poltico. Participar de um partido poltico ou dar aula numa
instituio de ensino no ir fazer com que a pessoa seja sempre militante de partido e
professor em todas as situaes sociais. preciso que esses papis sociais sejam
individualizados e negociados pelos interagentes em um determinado contexto para saber se
eles sero projetados como identidade.
Desse modo, identidade constitui o processo de individualizao e de negociao que
os interagentes estabelecem entre si. Pode ser projetada, caso o interagente no esteja aberto a
negociaes, mas tambm pode ser negociada com os interagentes. O contexto situacional
um fator muito importante para projeo ou negociao de identidades.
Por conseguinte, os dados desta pesquisa evidenciam que as identidades negociadas
em sala de aula so fluidas e se misturam no curso da interao. Portanto, no possvel
delimitar num continuum os momentos ou aulas em que o professor sempre formal ou
sempre informal, projetando ou negociando identidades que condigam com essas posturas.
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CAPTULO 2
ESTILO, DISCURSO E IDENTIDADE
O Estilo de fala [] ocasionado por, determinado por e motivado pelo contexto
social.
(COUPLAND, 2007, p.59)6
2.0. Para comear a conversa
Nesta seo, ser apresentado o conceito de estilo na perspectiva da sociolingustica
interacional, alm de se discutir a relao entre estilo de fala e construes identitrias. Para
isso, ser tambm necessria a incurso na anlise do discurso, que representa, neste trabalho,
disciplina de fundamental importncia para compreender como o discurso dos professores
colaboradores influencia na percepo de suas representaes sociais e na anlise das
identidades projetadas e negociadas em contextos acadmicos.
2.1. Estilo: discutindo alguns conceitos
A noo de estilo vem sendo comumente usada por gramticas e manuais de redao
como uma estrutura abstrata, que se refere to somente a uma forma de escrever que marca
determinada poca ou uma pessoa em particular.
O objetivo deste trabalho no abordar estilo nessa perspectiva. O estilo deve ser
analisado em situaes reais de interao entre pessoas, envolvendo a anlise das
representaes sociais, em sintonia com a(s) identidade(s) negociada(s) ou projetada(s) no
contexto pelos atores sociais.
Coupland (2007, p.25) afirma que o estilo dotado de significados sociais, e por meio
dele os falantes criam uma imagem de si. Isso leva reflexo de que no existe um nico
estilo, mas estilos que so negociados ou invocados pelos interagentes a partir de significados
sociais no contexto de sala de aula. Um professor, ao iniciar uma aula, j possui ideia, mesmo
6 Traduo da autora. In: COUPLAND, Nicolas. Style: Language variation and Identity. New York: Cambridge
University Press, 2007.
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que ela no seja externada por ele, do que seja ser professor. Essas representaes sobre o que
ser um docente iro determinar algumas posturas que se concretizam na escolha de estilos
mais ou menos formais para cada contexto construdo na sala de aula.
Observa-se, por meio das posies de Irvine (2001, p.24), que o estilo de fala envolve
os falantes como agentes no espao social e sociolingustico, ao negociar as suas posies e
objetivos dentro de um sistema de distines e possibilidades, sendo os atos de fala
construdos ideologicamente. Lefebvre (2001, p.206) defende que o estilo escolhido pelos
falantes de uma comunidade lingustica para que eles se apropriem de uma determinada
situao. O autor acrescenta que a escolha de um estilo em vez de outro revela que o falante j
possui grande quantidade de informao sobre si mesmo, sobre a situao em que se encontra
e sobre o efeito que quer produzir em seus interagentes, bem como sobre a relao que quer
manter com eles. (LEFEBVRE, 2001, p. 234)
Brando (2005, p.14) afirma que a mudana de cdigo ou estilo deve ser considerada
como estratgia que transmite objetivos comunicacionais e interacionais. Para a autora, a
variao estilstica pode servir como pista de contextualizao para auxiliar na interpretao
da mensagem. Nesse enfoque, pode-se observar que, durante uma aula de aproximadamente
trs horas, professores e alunos passam por vrios momentos de interao, sendo assim,
existem diversas intencionalidades entre os interagentes, fazendo-os optar por estilo de fala
mais ou menos formal de acordo com os contextos que vo surgindo no curso da interao.
Hymes (1984, 44-45) afirma que nenhum ser humano fala do mesmo jeito o tempo
todo. Assim, o autor considera o estilo como escolha, dotada de significao social, feita pelas
pessoas. A sala de aula, por ser ambiente institucional, leva muitas pessoas a crerem que
grande parte das interaes ocorridas nesse espao permeada de formalidades, reveladas, em
parte, pela escolha de um estilo de fala mais monitorado. Porm, partindo-se do pressuposto
de que os significados so construdos e partilhados por aqueles que esto inseridos no
contexto, afirmaes do senso comum podero ser refutadas pelos dados gerados nesta
pesquisa.
O estilo formal ser identificado por meio de pistas lingusticas, suprassegmentais e
paralingusticas (cinsica e proxmica) com as quais o professor projeta ou negocia
identidades que marcam assimetria em relao aos alunos, tais como discurso voltado para o
que os alunos devem fazer e como devem agir, exposio de contedos e fechamento de
discusses coletivas e recusa negociao com os alunos a respeito de notas e de entrega das
atividades.
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O estilo informal ser caracterizado tambm por meio de pistas lingusticas e
paralingusticas que revelem mais simetria entre professor e alunos. Pistas como marcadores
conversacionais que sugerem a tentativa de o professor resgatar a ateno dos alunos, alm de
fazer narraes de exemplos reais de vida para tornarem os conceitos mais claros. Quando os
professores se aproximam dos alunos (proxmica) ou direcionam-se a eles (cinsica), a
marcao de estilo mais informal se evidencia. Conforme Brando (2005, p.117), a mudana
de proximidade pode indicar a necessidade de o agente ficar mais prximo de seus
interlocutores, para estabelecer com eles relao de mais intimidade.
Excerto 06 Aula 01: 3semestre de Pedagogia
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97. Mariamontessori: Ok, ento, s pra a gente fechar, eu acho que, a partir daqui a gente
comea a entrar dentro da histria da educao brasileira, e a gente comea a perceber a
importncia de tudo o que a gente discutiu ali no primeiro semestre. Ok, ento, pra vocs, um
bom feriado, descansem/.../.
Fica claro, nesse excerto, que a professora Mariamontessori, em meio explicao do
assunto e, quando percebe que a aula estava acabando e os alunos comearam a se retirar,
alterna o estilo mais formal que pautava a discusso em voga, voltando-se os alunos de modo
mais informal, desejando a eles um bom feriado.
vlido considerar, quanto a esse ponto, a noo de code switching que Brando
(2005, p.19-20) traduz como alternncia de cdigo, com base nos estudos que Gumperz
desenvolveu, na dcada de sessenta, sobre a dialetologia social da ndia, e relacionar esse
conceito com a variao de estilo nas interaes em meios acadmicos. Gumperz (1982a) j
considerava a alternncia de estilo como uma forma de mudana de cdigo. Cada um
monitora o estilo de fala de acordo com os interagentes, j que no existe um estilo nico de
fala, mas estilos que vo se moldando de acordo com o grau de formalidade ou informalidade
que ocorre no curso da interao.
Pagotto (2004, p. 79-80) acrescenta que as pesquisas de Labov objetivavam apenas
colher dados lingusticos do idioleto de cada pessoa, no intuito de compreender a fala da
comunidade. Portanto, tal anlise no contemplaria os objetivos deste trabalho, haja vista que
toda manifestao de variao do estilo de fala fundamental para compreender como as
identidades so projetadas, negociadas e redefinidas nas interaes em sala de aula.
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32
Sobre isso, Bortoni-Ricardo (2005) acrescenta que, alm da escolha do estilo de fala
depender dos interagentes presentes, depende tambm do grau de conhecimento do
interagente a respeito de determinado assunto e de como ele quer que os outros o vejam. Por
essa razo, um interagente que quer causar boa impresso nos outros, quando se encontra
numa instituio que exija formalidade, ir adotar um estilo de fala mais formal. Essa uma
maneira de o professor afirmar a hierarquia existente entre ele e os alunos em momentos em
que ele se sente ameaado com conversas e questionamentos constantes que iro atrapalhar a
ordem da aula.
Bortoni-Ricardo (2005, p.41) classifica essa ao em um dos contnuos propostos por
ela para a caracterizao do portugus brasileiro: o de monitorao estilstica. Para essa
sociolinguista, os interagentes organizam as suas falas observando esses contnuos. Em
momentos informais, quando o contexto no exige estilo de fala formal, no havendo a tanta
preocupao com a norma culta da lngua, optam por estilo de fala informal, e sem
preocupaes a respeito daquilo que considerado pela sociedade como bem falar. Mas, em
situaes formais, inclusive nas relaes vivenciadas em instituies sociais, como numa
faculdade, principalmente nas interaes ocorridas em sala de aula, os sujeitos tendem a
monitorar mais a fala.
Excerto 07 Aula 04: 3semestre de Computao
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37. Rubemalves: Ento, voc vai pegar programas a que tem cinquenta linhas e o outro tem
vinte e cinco, mas por qu? Porque o programador colocou um monte de comando na mesma
linha, pra ns, ser humano, programador, uma linha, pra mquina duas ou trs, t bom, o
que indica a quantidade de linhas, de instrues o ponto e vrgula, mas em geral ( ). Beleza?
Entenderam? Vamos l. Conseguem visualizar ali? Conseguiram fazer? Ento beleza, o
objetivo ( ) colocar a quantidade de eleitores ( ), contabilizar cada um. Vamos ( ) pela quantidade
de eleitores n, no isso.
38. Aluno: professor, no caso a do inferir, ele t se referindo ao contador, n?
39. Rubemalves: aqui que voc fala?
40. Aluno: isso.
41. Rubemalves: aqui ele vai servir para contabilizar apenas para CJ e aqui apenas para CL,
o que o nosso amigo tava falando a era o seguinte: se somar esse cara mais esse aqui no
daria todos os votos? Daria se todos escolhessem onze ou treze. E, se no escolher nenhum
desses dois, a no vai somar, por isso foi colocado isso aqui , independente disso ou disso, vai
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15 contabilizar todo mundo, ento no precisa fazer esse servio.
Por mais que o estilo formal predominasse na fala do professor, ele usa estratgias de
envolvimento conversacional7, tais como: beleza; Entenderam?; Vamos l (linhas 04 e 05), no
intuito de se aproximar dos alunos para verificar se eles realmente estavam compreendendo o
contedo. Alm disso, Rubemalves utiliza termos como: para ns, ser humano, programador
(linha 03); se somar esse cara; o nosso amigo (linha 12), dando a sua explicao um ar de
camaradagem, o que funciona como estratgia para se situar no discurso de maneira simtrica,
alternando o cdigo, ou seja, o estilo do formal para o informal.
Os estudos de Gumperz (2003) mostram que a alternncia de cdigo pode ser
considerada como alternncia de estilo. Para ele, existem pistas de contextualizao que
subjazem ao cdigo estilstico, fazendo com que os interagentes possam interpretar
significados por meio de inferncias e pressuposies. (BRANDO, 2005, p. 19)
Convm ressaltar que esses sinais de informalidade foram percebidos somente na fala
do professor. Ele no d pistas cinsicas de aproximao com os alunos. Em todo momento
expositivo e de explicao de contedos que compe grande parte da aula, o professor se
movimenta apenas prximo ao quadro branco e s se aproxima dos alunos no auxlio
resoluo dos exerccios.
2.2. Estilo de fala na negociao de identidades
Conforme Irvine (2001, p.21-43), o estilo negociado pelos participantes, e a escolha
de determinado estilo envolve enquadres e presses ideolgicas. Por esse motivo, a escolha
ou descarte de determinado estilo de fala tem relao direta com a projeo de identidades do
interagente.
A variao do estilo de fala , neste estudo, fator crucial para a definio das
identidades negociadas em sala de aula entre professores e alunos. Coupland (2007) afirma
que a identidade processo discursivo ativo. No possvel estudar identidade sem pressupor
uma pluralidade de prticas sociais e culturais que iro influenciar as projees e negociaes.
7 Entende-se por estratgias de envolvimento conversacional o uso de expresses que assegurem a colaborao e
a solidariedade entre os interagentes. Essas expresses, segundo Gumperz (1982, p. 01), requerem habilidades e
conhecimentos que vo muito alm da competncia gramatical, pois esto dentro de uma esfera situacional.
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Ao entender que as identidades tornam-se cada vez mais hbridas, notrio perceber
que elas sero bastante pluralizadas e, em sala de aula, as manifestaes de estilos formais ou
informais ocorrero em espaos de tempo muito pequenos, marcando uma pluralidade de
representaes a respeito do que ser professor e do que ser aluno. As novas concepes de
educao levam a uma ideologia muito mais democrtica do que em tempos passados. Porm,
o professor sente a necessidade de cobrar mais dos alunos com receio de que o ambiente de
sala de aula se torne um caos a ponto de desqualific-lo profissionalmente.
Coupland (2007, p. 108) afirma que os atos de identidade, expresso formulada por Le
Page e Tabouret-Keller, dizem respeito ao carter social da construo da identidade. Sendo
assim, os atos de identidade so atos sociais, construdos mediante a escolha em um
continuum de estilo de fala mais ou menos monitorado e mais prximo norma culta ou dela
mais distante. (BORTONI-RICARDO, 2005)
Ainda apresentando os estudos de Le Page e Tabouret-Keller no Caribe e sobre a
migrao dos ndios do Oeste na Gr-Bretanha, Coupland (2007, p.111) comenta sobre os
atos de projeo, os quais refletem o universo da pessoa, tornando-se um convite para
compartilhar com os outros as prprias crenas. Esse conceito diz respeito ao contato de
lnguas e no abrange os objetivos desta pesquisa. Porm, essa afirmao muito vlida para
esclarecer como os interagentes, por meio do estilo de fala adotado por cada um, projetam as
suas subjetividades para que os outros possam perceber e se enquadrar nessa identidade de
forma amistosa ou lutando pela hegemonia de outra identidade.
Ainda Coupland (2007, p.112-115), para contextualizar o estudo da identidade,
apresenta cinco processos8 que envolvem as aes humanas em contextos sociais. So estas:
alvo, enquadre, expresso, chave e carregamento.
Alvo: refere-se projeo ou ao alvo a que se destinam os atos de identidade
(um falante e um ouvinte);
Enquadre: o valor da identificao e impacto dos objetivos lingusticos
dependendo do enquadre discursivo que est em jogo;
Expresso: diz respeito a como um falante se representa e quais vozes podem
ser assumidas em seu discurso;
Chave: um termo emprestado de Dell Hymes que corresponde s pistas que
os interagentes do para que os outros possam inferir sua(s) identidade(s);
8 Traduo da autora para os seguintes termos: targeting, framing, voicing, keying e loading, dentro da
significao de cada um neste contexto.
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Carregamento: o momento em que os interagentes negociam suas
identidades.
Todos esses processos ocorrem no momento da interao e precisam ser levados em
considerao pelo pesquisador na investigao sobre como as identidades so construdas
coletivamente.
2.3. O discurso de sala de aula no Ensino Superior
No intuito de compreender como o discurso institucional (em geral,
predominantemente, marcado pelo estilo formal) e o discurso no-institucional (em geral,
predominantemente, marcado pelo estilo informal) se relacionam com a escolha do estilo de
fala pelos professores e alunos, convm apresentar conceitos de discurso relacionando-os
teoria dos atos de fala.
O mundo interior e a reflexo de cada indivduo tem um AUDITRIO SOCIAL prprio
bem estabelecido, em cuja atmosfera se constroem suas dedues interiores, suas
motivaes, apreciaes etc. Quanto mais aculturado for o indivduo, mais o
auditrio em questo se aproximar do auditrio mdio da criao ideolgica, mas
em todo caso, o interlocutor ideal no pode ultrapassar as fronteiras de uma poca
bem definidas. (BAKHTIN [VOLOCHINOV], 2009, p.117)
Bakhtin (2009) mostra que o discurso tambm delineado por uma poca e pelas
ideologias nela propagadas. Sendo assim, o estilo de fala selecionado para ser utilizado em
determinado auditrio social caracteriza o auditrio mdio, onde residem as crenas, ou seja,
as representaes sociais. Por constituir contexto institucional, associam-se os ritos que
ocorrem em sala de aula com a formalidade, convivendo com as ideologias libertadoras de
educao advindas das teorias freireanas9. Essas teorias, por mais que integrem as
representaes do professor, so somadas s experincias escolares mais tradicionalistas.
Segundo Bakhtin (2009), todas as manifestaes lingusticas so dialgicas. Isso quer
dizer que por trs de todas as interaes h uma polifonia de vozes, isto , discursos que so
construdos ideologicamente pelas crenas de cada interagente, constituindo concepo
materialista da linguagem, ao invs de uma concepo idealista, que v a lngua como um
sistema abstrato e desvinculado de questes sociais e culturais.
9 Referente Paulo Freire. In: Pedagogia da esperana. So Paulo: Editora Paz e Terra, 1992.
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Os dados desta pesquisa no permitem afirmar-se que o discurso institucional utilizado
nas salas de aula de ensino superior, mais formal, marcado por relaes mais assimtricas,
pois, mesmo que os papis sociais assumidos por professores e alunos possam pressupor essa
assimetria, as crenas sobre o que ser professor e as teorias mais tradicionais misturadas
com as mais libertadoras esto presentes no discurso materializado pelo professor.
Em certos momentos, quando interessante para o professor ou para o aluno marcar
uma identidade mais informal, h alternncia no discurso, o que resulta em relao mais
simtrica, sem a hegemonia do discurso do professor.
Excerto 08 Aula 02: 3semestre de Pedagogia
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19. Mariamontessori: eu j vou falar como que vai ser as nossas avaliaes agora do
segundo bimestre, ns vamos trabalhar a parte agora do segundo bimestre com os
seminrios, como eu havia falado com vocs, no primeiro momento, conhecer a turma, a
gente fez algumas atividades de debate, algumas atividades de apresentao, mas sem o
foco, porque eu queria ver o desenvolvimento da turma e conhecer n, ento a partir da
aula de hoje eu j vou direcionar como eu vou querer as atividades, que que um
seminrio, pra que que serve, como ele deve ser preparado, que postura vocs devem ter
Nesse excerto, a professora usou discurso assimtrico revelador do papel social que
ela ocupa. No houve previamente discusso com os alunos se eles iam ou no iam apresentar
seminrios no segundo bimestre: isso partiu de um planejamento prvio da professora.
Conforme van Dijk (2010b, p. 41) elucida:
Em um nvel elementar, mas fundamental da anlise, as relaes de poder social
manifestam-se, tipicamente, na interao. Desse modo, afirmamos que o grupo A
(ou seus membros) possui poder sobre o grupo B (ou seus membros) quando as
aes reais ou potenciais de A exercem um controle social sobre B. (...) Em outras
palavras, o exerccio de poder de A resulta em uma limitao da liberdade social de
ao de B.
Sendo assim, por mais que Mariamontessori negocie bastante com os alunos entregas
de atividades, contedos que so discutidos coletivamente por meio de mesas-redondas
mediadas pela professora, ela quem d a palavra final, optando por autorizar ou no o
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discurso do aluno, por aceitar ou no uma interveno do aluno, por evidenciar a fala do aluno
ou discordar do que ele diz.
2.3.1 Concepo de discurso como prtica social
A Anlise de Discurso Crtica, doravante ADC, , consoante Fairclough
(1992), uma orientao para os estudos lingusticos que contemplam a anlise textual e a
teoria social do funcionamento da lngua em processos ideolgicos e polticos. Esse autor
critica os estudos tradicionais da lngua por no interpretarem a face discursiva, social e
ideolgica nela presentes.
Magalhes (1996, p.20) afirma que h uma relao dialtica entre as estruturas sociais
e os atos de fala.
A noo de discurso como prtica social se caracteriza pela relao
estabelecida entre as estruturas sociais (papis, classes, redes,
situaes, instituies), os valores e crenas, os propsitos, de um
lado, e os atos de fala de outro. Tal relao concebida como
dialtica, no sentido de que as estruturas sociais determinam os atos
lingusticos, mas tambm podem ser determinados por eles.
Caldas-Courthard (2007, p.31) afirma que utilizar a lngua implica escolher o que se
vai falar e o que no se vai falar. Sendo assim, nenhum discurso vazio, imparcial e no
pensado, uma vez que sempre h intencionalidade nas trocas verbais. Nesse sentido, o termo
no pensei para falar uma inverdade, porque o discurso a exteriorizao de vises de
mundo quanto ao gnero, raa, classe social que as pessoas possuem e externam por meio
de atos de fala.
Consoante essa autora, h tridimensionalidade no discurso: o texto (oral ou escrito), a
interao entre as pessoas que produzem o texto e a ao social. Por isso, os significados dos
textos produzidos durante a interao constituem tambm significados sociais.
preciso destacar a grande contribuio da ADC para a pesquisa sociolingustica. E
por meio das concepes trazidas por essa disciplina que o discurso de sala de aula ser
analisado neste trabalho como maneira de desvendar as identidades manifestadas por
professores e alunos.
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2.3.2. As contribuies da Anlise de Discurso Crtica para os estudos
sociointeracionais
Fairclough (2001) ensina que a anlise da conversao coexiste com a anlise do
discurso, pois esta d apoio quela no que tange s ideologias partilhadas e transformadas no
curso da interao. Como a proposta da ADC a interveno social, apenas olhar para o
discurso e interpret-lo ainda pouco. pois preciso contribuir efetivamente para mudanas
sociais. Essa concepo vai ao encontro dos objetivos desta pesquisa: ultrapassar a anlise
sociolingustica, comprometendo-se com uma abordagem mica de pesquisa ao ocupar-se em
propor reflexes acerca dos paradigmas a respeito da identidade do professor, fazendo com
que os colaboradores de pesquisa reflitam sobre suas aes e se tornem conscientes dos
efeitos de seus discursos.
O discurso pode ser constitudo de proposies implcitas que so subentendidas pelos
participantes (numa conversao) e que sustentam a sua coerncia. A Sociolingustica
Interacional no contempla as implicaes ideolgicas, mas a ADC, sim. (FAIRCLOUGH,
2001) Assim sendo, ambos os campos de estudo precisam atuar juntos para a interpretao
dos significados sociais tecidos na interao.
Por isso, preciso perceber que os discursos ocorrem em um contexto interacional e,
por essa razo, so localizados em contextos sociais. Os participantes da interao, quando se
encontram e onde quer que estejam, exercem papis sociais determinados pelas instituies de
que fazem parte. Todavia, o que far com que as suas identidades estejam em sintonia com o
papel social que exercem ser o discurso hegemnico construdo no contexto da interao.
Se o professor possui esse discurso hegemnico, as identidades sero projetadas em
vez de negociadas. Mas, se o professor usa um discurso que demonstra mais simetria e menos
poder, provvel que as identidades possam ser negociadas de acordo com o momento da
aula e com as intenes dos envolvidos.
2.4. A construo discursiva e identitria no estilo de fala do professor
O estilo mais ou menos formal assumido pelo professor no curso da interao em sala
de aula faz com que ele projete ou negocie identidades muito mais diversificadas. Essa
escolha respaldada em estratgias discursivas que envolvem questes de ideologia e poder.
Rech (1996, p.311-312) atesta que
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Ao assumir um estilo discursivo, o professor estar sinalizando qual o
seu papel social e qual o seu alinhamento de maior ou menor
assimetria, com os alunos. Dessa forma, atravs do seu estilo, ele
indica para os alunos qual o quadro que ele quer que predomine nas
aulas.
Tradicionalmente, as relaes interpessoais em sala de aula so concebidas dentro do
quadro de formalidade, que demonstra alinhamento de assimetria do professor com os alunos.
Oliveira (2006, p.29) afirma que as identidades pedaggicas esto orientadas para os
valores existentes no passado, por meio de prticas discursivas hierarquizadas com limites e
fronteiras bem marcados. Essas objetivam a preservao e a manuteno das tradies.
Ainda que as novas concepes pedaggicas afirmem o contrrio, os professores
passam por uma crise quando defendem ideologicamente a simetria nas relaes e por
sofrerem com receio de perder prestgio caso no demonstrem autoridade mediante o estilo de
fala marcado pelo discurso de poder. o que se pode observar no depoimento do professor
Rubemalves durante a sesso de visionamento. Ele afirma que o professor perde o controle da
aula, uma vez que os alunos comeam a confundir a proximidade dele com excesso de
liberdade.
Para Cunha (1996), o discurso do professor tende a demonstrar poder, por causa da
posio social que ele ocupa em seu espao de trabalho, utilizando atos de fala
essencialmente ameaadores identidade do aluno (p.231). Mas esse discurso hegemnico
pode ser transformado em solidariedade, quando o professor se prope a dialogar com os
alunos:
Por outro lado, igualmente caracterstica dos sujeitos serem agentes
sociais, isto , criativos, pois a realidade onde atuam no uniforme,
ao contrrio, diversificada e problemtica, exigindo que os sujeitos,
em seus respectivos papis, posicionem-se frente s muitas
contradies do real. (CUNHA, 1996, p.232)
Alm disso, importante observar as consideraes de van Dijk (2010b) a respeito de
discurso e poder. O autor mostra que o modo de produo e articulao controlado por elites
simblicas compostas por grupos que exercem poder com base no capital simblico.
(BOURDIEU, 1989). Esses grupos, para van Dijk (2010b), possuem relativa liberdade, e, por
conseguinte, relativo poder para tomar decises e postular discursos hegemnicos.
Bourdieu (1989, p. 07-08) afirma que o poder simblico constitui instrumento de
dominao poltica e religiosa nas sociedades. Quem tem capital simblico faz parte desse
grupo dominante. Sendo assim, correto afirmar que o professor de ensino detm o capital
simblico do poder. Esse fato ir influenciar na interao face a face com os alunos, pois ir
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fazer com que o professor tenha o poder da escolha de uma relao de mais ou menos simetria
nas aulas que ele ministra.
Os professores colaboradores desta pesquisa, por mais que evidenciassem, em alguns
momentos, simetria e abertura para a negociao de prazos, construo coletiva de conceitos
com os alunos, abertura para tirar as dvidas que iam surgindo no decorrer da aula, sempre
detinham o poder da palavra final. Esse um trao marcante de poder nas identidades
projetadas pelo professor. Esse poder ir influenciar na negociao ou na projeo das
identidades com os alunos, como ser visto no captulo 04 deste trabalho.
2.5. Para fechar a conversa...
De acordo com os excertos apresentados, no se pode crer que sempre o discurso do
professor ser o de sujeito e o do aluno ser o de assujeitado (excertos 02 e 05). O discurso
ser pautado de acordo com as ideologias partilhadas, levando-se em conta a capacidade que
os seres humanos tm de perceber outras possibilidades de interao que sejam mais
produtivas e que permitam o alinhamento com postura mais simtrica de interao.
Em contrapartida, o discurso do professor dotado de poder e isso far com que ele
determine como sero as identidades em suas aulas: se negociadas ou projetadas. Ainda que
os alunos ocupem papel muito importante no processo de negociao, o professor detm o
poder para delimitar at quando ser mais flexvel e quando no estar aberto a negociaes.
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CAPTULO 3
CONTEXTO DE PESQUISA: CONEXO ENTRE SABERES TERICOS
E METDOLGICOS
Sempre que em lingustica negligenciamos ou simplesmente deixamos de considerar que
existe lngua porque existem falantes e que os falantes existem em funo de ao que os
instam de vrias maneiras e em diferentes nveis de exigncia a permanecer em relao a
alguma coisa e na relao com alguma coisa, a anlise sobre linguagem falha de alguma
forma, isto , se torna necessariamente parcial ou incompleta.
Edwirges Morato (2009, p. 312-313)10
3.0. Para comear a conversa...
Neste captulo, sero discutidos os pressupostos tericos desta pesquisa, alm de situar a
abordagem que determina a escolha dos mtodos utilizados na gerao de dados para o
estudo.
O paradigma metodolgico adotado segue orientaes da etnografia, por abranger
aspectos de anlise da prtica de fala em contextos sociais situados e por levar o pesquisador a
considerar tambm o ponto de vista dos colaboradores de pesquisa, configurando-se esse
estudo, numa perspectiva mica.
Por se tratar de pesquisa qualitativa, focalizaram-se os significados das aes sociais em
contextos reais. Isso significa que esta pesquisa compromete-se com o estudo da lngua em
uso.
Assim, h aqui abordagem multidisciplinar, pois os dados foram interpretados a partir
de diferentes pontos de vista, trazendo para este estudo uma viso holstica, que se valeu de
vrias contribuies tericas para responder s perguntas de pesquisa.
Adota-se, ento, a utilizao do termo gerao de dados, em vez de coleta de dados,
pois esses no estavam prontos no local da pesquisa, mas foram construdos no curso das
interaes gravadas. O termo colaborador de pesquisa relaciona-se com a metodologia
qualitativa adotada, estabelecendo uma relao mais prxima com o pesquisador e rejeitando
10
Cf. MORATO, E. M. O interacionismo no campo lingustico. In: MUSSALIM, F e BENTES, A.C. Introduo
lingustica: fundamentos epistemolgicos. So Paulo Cortez, 2009.
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o estigma de um observador que em nada interfere na vida dos colaboradores. Ao contrrio
disso, o pesquisador passa a ter compromisso poltico e social com a pesquisa e com todos os
sujeitos nela envolvidos.
Para a interpretao dos dados, o principal quadro terico utilizado foi o da
Sociolingustica Interacional, servindo-se tambm da Anlise de Discurso Crtica, da
Pragmtica, da Psicologia Social e da Anlise da Conversao como tcnica para transcrio
de dados. Essa mult